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Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 26 (1/2), 31-44, 2005. 31 CARACTERIZAÇÃO MINERALÓGICA, MICROMORFOLÓGICA E GEOQUÍMICA DA FASE FOSFÁTICA DE COMPOSTOS ORGANO-FOSFATADOS OBTIDOS PELO PROCESSO HUMIFERT Maria Cristina Motta de TOLEDO Camila M. PASSOS Viviane Carillo FERRARI RESUMO As jazidas fosfáticas brasileiras são, principalmente, produtos da laterização de corpos ígneos carbonatíticos enriquecidos em apatita. O intemperismo laterítico con- centra o mineral de minério numa primeira fase, mas sua progressão modifica e desestabiliza a apatita residual, gerando materiais de menor qualidade do ponto de vista do aproveitamento mineral, embora ainda ricos em P 2 O 5 (TOLEDO et al. 1999). Estes materiais, rejeitados, podem representar material valioso em processos alternativos de utilização de materiais fosfáticos, como o processo Humifert (STERNICHA 1988), que produz compostos organo-fosfatados a partir de minérios marginais ou de rejeitos de minas e de matéria orgânica úmida, pelo ataque nítrico, sendo os compostos formados mais solúveis que os fosfatos naturais iniciais e menos que os fertilizantes tradicionais. O processo Humifert foi aplicado pela primeira vez em materiais fosfáticos brasileiros por OBA (2000), e os compostos obtidos por este autor foram caracterizados neste tra- balho, visando ao entendimento das transformações dos grãos de apatita, das interações entre os componentes presentes, das neoformações ocorridas e das propriedades adqui- ridas pelo material transformado, além de correlacionar esta caracterização com os ma- teriais minerais originais utilizados pelo autor mencionado, provenientes de Catalão I (GO), Jacupiranga (SP) e Patos de Minas (MG), e com os resultados diferenciados dos ensaios agronômicos de seu trabalho. As observações em microscopia mostraram, nos produtos, fases correspondentes a compostos neoformados e grãos de apatita diferentes dos grãos dos materiais iniciais. As análises térmicas mostraram, além da perda da água livre dos produtos, um pico exotérmico a 490-520 o C, que foi relacionado a novos com- postos. As medidas da solubilidade do P em diferentes extratores (água, ácido cítrico 2% e citrato neutro de amônio) mostraram um aumento de solubilidade dos produtos em relação aos respectivos materiais iniciais. Os melhores resultados agronômicos, dentre os produtos, foram apresentados por aqueles obtidos a partir de materiais mais intemperizados e com apatita não relacionada ao quartzo. Palavras-chave: Humifert, fertilizante fosfatado, fertilizante alternativo, apatita, fosfato. ABSTRACT Brazilian phosphatic ores are mainly the lateritization products of apatite-rich carbonatitic igneous bodies. Lateritic weathering plays a double role in phosphatic ore concentration, because, after concentrating the ore mineral, in the early phase of weathering, it modifies and destabilizes the residual apatite, generating low quality materials, although still rich in P 2 O 5 (TOLEDO et al. 1999). These rejected materials can be valuable in alternative processes, as the Humifert process (STERNICHA 1988), in which a mixture of discarded phosphatic materials and wet organic matter are treated with nitric acid formed by the reaction between N oxides and the humidity, forming products with higher solubility than that of the initial natural phosphates but not as soluble as traditional phosphated fertilizers. The Humifert process was applyed to Brazilian phosphatic materials for the first time by OBA (2000), and the products then obtained are characterized in the present work, in order to understand the changes in apatite grains,

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CARACTERIZAÇÃO MINERALÓGICA, MICROMORFOLÓGICA E GEOQUÍMICA DA FASEFOSFÁTICA DE COMPOSTOS ORGANO-FOSFATADOS OBTIDOS PELO PROCESSO HUMIFERT

Maria Cristina Motta de TOLEDOCamila M. PASSOS

Viviane Carillo FERRARI

RESUMO

As jazidas fosfáticas brasileiras são, principalmente, produtos da laterização decorpos ígneos carbonatíticos enriquecidos em apatita. O intemperismo laterítico con-centra o mineral de minério numa primeira fase, mas sua progressão modifica edesestabiliza a apatita residual, gerando materiais de menor qualidade do ponto de vistado aproveitamento mineral, embora ainda ricos em P2O5 (TOLEDO et al. 1999). Estesmateriais, rejeitados, podem representar material valioso em processos alternativos deutilização de materiais fosfáticos, como o processo Humifert (STERNICHA 1988), queproduz compostos organo-fosfatados a partir de minérios marginais ou de rejeitos deminas e de matéria orgânica úmida, pelo ataque nítrico, sendo os compostos formadosmais solúveis que os fosfatos naturais iniciais e menos que os fertilizantes tradicionais.O processo Humifert foi aplicado pela primeira vez em materiais fosfáticos brasileirospor OBA (2000), e os compostos obtidos por este autor foram caracterizados neste tra-balho, visando ao entendimento das transformações dos grãos de apatita, das interaçõesentre os componentes presentes, das neoformações ocorridas e das propriedades adqui-ridas pelo material transformado, além de correlacionar esta caracterização com os ma-teriais minerais originais utilizados pelo autor mencionado, provenientes de Catalão I(GO), Jacupiranga (SP) e Patos de Minas (MG), e com os resultados diferenciados dosensaios agronômicos de seu trabalho. As observações em microscopia mostraram, nosprodutos, fases correspondentes a compostos neoformados e grãos de apatita diferentesdos grãos dos materiais iniciais. As análises térmicas mostraram, além da perda da águalivre dos produtos, um pico exotérmico a 490-520oC, que foi relacionado a novos com-postos. As medidas da solubilidade do P em diferentes extratores (água, ácido cítrico 2%e citrato neutro de amônio) mostraram um aumento de solubilidade dos produtos emrelação aos respectivos materiais iniciais. Os melhores resultados agronômicos, dentreos produtos, foram apresentados por aqueles obtidos a partir de materiais maisintemperizados e com apatita não relacionada ao quartzo.

Palavras-chave: Humifert, fertilizante fosfatado, fertilizante alternativo, apatita, fosfato.

ABSTRACT

Brazilian phosphatic ores are mainly the lateritization products of apatite-richcarbonatitic igneous bodies. Lateritic weathering plays a double role in phosphatic oreconcentration, because, after concentrating the ore mineral, in the early phase ofweathering, it modifies and destabilizes the residual apatite, generating low qualitymaterials, although still rich in P2O5 (TOLEDO et al. 1999). These rejected materialscan be valuable in alternative processes, as the Humifert process (STERNICHA 1988),in which a mixture of discarded phosphatic materials and wet organic matter are treatedwith nitric acid formed by the reaction between N oxides and the humidity, formingproducts with higher solubility than that of the initial natural phosphates but not as solubleas traditional phosphated fertilizers. The Humifert process was applyed to Brazilianphosphatic materials for the first time by OBA (2000), and the products then obtainedare characterized in the present work, in order to understand the changes in apatite grains,

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the interactions between the constituents, the neoformations and the properties acquiredby the transformed materials. Moreover, this research tried to correlate all thesecharacteristics with original phosphatic materials, from Catalão I (GO), Jacupiranga (SP),and Patos de Minas (MG), and with the different agronomic results observed by OBA(2000). Microscopic studies showed phases within the products corresponding toneoformed compounds and different apatite grains as compared to the initial grains.Thermal analyses indicated an exothermic event at about 490-520oC, related to the newcompounds. P solubility measures with different substances (water, 2% citric acid, andamonium neutral citrate) showed increasing solubility in the products, related to theoriginal phosphatic materials. The best agronomical results among the products wereobtained from the more weathered original materials, having apatite not related to quartz.

Keywords: Humifert, phosphatic fertilizer, apatite, phosphate.

1 INTRODUÇÃO

O clima tropical predominante no Brasil de-termina condições para rápida dissolução dos ferti-lizantes fosfatados de solubilidade relativamente altaem água, apresentando alta disponibilização de Pao ambiente, seguindo o modelo adotado em paísesde clima temperado (VALARELLI et al. 1999). Istocausa problemas econômicos, como o desperdíciode minério, e ambientais, como a eutrofização e apoluição de corpos d’água e de solos, já que apenasuma pequena parte do P liberado nos solos entra nometabolismo das plantas, sendo a maior parte per-dida para os minerais dos solos e as águas.

A fabricação de fertilizantes fosfatados utilizamatéria-prima (apatita) proveniente, no Brasil, deduas situações geológicas: corpos ígneoscarbonatíticos, responsáveis pela maior parte da pro-dução (Catalão I-GO, Tapira e Araxá-MG,Jacupiranga e Juquiá-SP, entre outros) e formaçõessedimentares, metamorfizadas (Patos de Minas-MG)ou não (Irecê-BA, Olinda-PE). O intemperismolaterítico sobre os maciços ígneos gera espessosmantos de alteração e concentra o mineral de miné-rio numa primeira fase. No entanto, sua progressãomodifica e desestabiliza a apatita residual, gerandomateriais de menor qualidade do ponto de vista doaproveitamento mineral, embora ainda ricos emP2O5, contendo fosfatos secundários tradicionalmen-te desprezados por sua baixa solubilidade e por se-rem prejudiciais aos processos de concentração ebeneficiamento do minério, e apatita que é, em boaparte, descartada, por não servir aos procedimentosindustriais tradicionais devido a suas característicasmorfológicas e químicas (TOLEDO et al. 1999,FERRARI et al. 2001). Este descarte gera grandesvolumes de rejeitos nas minas em operação, aumen-tando os custos ambiental e econômico da lavra.

Neste quadro, algumas iniciativas têm sido tomadasna busca da otimização do aproveitamento dos ma-teriais, como por exemplo, o processo Humifert,além da caracterização tecnológica cada vez maisdetalhada dos corpos de minério.

O processo Humifert foi desenvolvido pelospesquisadores franceses F. Sternicha e A. Bernard(STERNICHA 1988) com o intuito de produzircompostos com liberação mais lenta do P no solo,alternativos aos fertilizantes atualmente em uso.Nele, são utilizados materiais naturais fosfáticosde baixo teor ou de baixo rendimento nos proces-sos industriais tradicionais na indústria do fósforo(rejeitos das minas de fosfato ou minérios fosfáticosmarginais) e matéria orgânica. Assim, o processopode contribuir para uma diminuição dos custoseconômicos (pela otimização do aproveitamentode materiais fosfáticos) e ambientais (pela dimi-nuição da produção de rejeitos das minas defosfatos e aproveitamento de rejeitos orgânicos) dalavra de minérios fosfáticos e da aplicação de fer-tilização fosfática.

Em pesquisa anterior OBA (2000) utilizou 11amostras de materiais fosfáticos diversos, provenien-tes de três minas no Brasil (Catalão I - GO,Jacupiranga – SP e Patos de Minas – MG), para pro-dução de compostos organo-fosfatados pelo proces-so Humifert. As diferentes amostras de fosfatos mis-turadas à turfa da região do baixo Ribeira de Iguape(SP) e a uma turfa comercial francesa e foram pro-cessadas em equipamento micropiloto, instalado noInstitut Polytechnique de Toulouse, França. Os resul-tados dos experimentos agronômicos realizados comos produtos obtidos (OBA, 2000), envolvendo a ava-liação da produção de matéria seca das partes aérease das raízes, o teor em fósforo nas plantas e o teor emfósforo residual no substrato inerte, mostraram boaliberação de P no primeiro mês de cultivo, com bons

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rendimentos na produção de matéria seca, compará-veis com aqueles obtidos em testemunho com utili-zação de solução nutritiva rica em P, para o primeirocorte, assim como a continuidade de liberação, emmenor escala, nos cinqüenta dias seguintes.

O objetivo deste trabalho é caracterizar os pro-dutos organo-fosfatados obtidos pela aplicação doprocesso Humifert por OBA (2000), visando ao en-tendimento das transformações dos grãos de apatita,das interações entre os componentes presentes, dasneoformações ocorridas e das características adqui-ridas pelo material transformado, e correlacioná-lascom as características dos materiais minerais origi-nais e com os resultados diferenciados dos ensaiosagronômicos realizados. O trabalho está incluido empesquisa mais ampla sobre o estudo e a aplicaçãodo processo Humifert no Brasil. Os dados analíti-cos foram obtidos no desenvolvimento da disserta-ção de mestrado de Passos (2005).

2 PROCESSO HUMIFERT

O processo Humifert (Sternicha 1988) consisteno ataque de uma mistura úmida de matéria orgâni-ca e fosfatos naturais por ácido nítrico nascente, for-mado na própria superfície das partículas da mistu-ra, pela reação entre óxidos de N e a umidade damistura. Os óxidos de N são obtidos pela combus-tão do NH3 ao ar, em temperaturas entre 650°C e800°C. O ácido nítrico ataca os fosfatos naturais deforma total ou parcial e pode formar compostosfosfáticos mais solúveis como, por exemplo, osfosfatos monocálcico e bicálcico e ácido fosfórico,além de nitratos e hidróxidos de Ca. Após maturaçãode alguns dias, o produto final consiste em compos-tos fosfáticos parcialmente solúveis, matéria orgâ-nica pré-humidificada e nitratos.

Nas décadas de 1980 e 1990, algumas pes-quisas foram realizadas, na França, sobre o pro-cesso Humifert, envolvendo diferentes aspectos doprocesso. ROUQUET (1989) concluiu que a tem-peratura de secagem dos compostos influencia namaturação dos produtos e na cristalização defosfato monocálcico e bicálcico e também na solu-bilidade. BIDEGAIN (1995) estudou as reaçõesentre os óxidos nitrosos e a matéria orgânica e ava-liou o comportamento de diferentes tipos de maté-ria orgânica e da presença de carbonato de cálciona solubilização de apatita sintética durante o ata-que Humifert.

3 MATERIAL E MÉTODO

As amostras estudadas neste trabalho são aque-las utilizadas no trabalho de OBA (2000), e incluí-ram os materiais fosfáticos naturais (minérios de tra-tamento complexo, rejeitos com teores residuais deP2O5 e produtos intermediários com teores abaixodas especificações de mercado) e os produtos obti-dos pelo processo Humifert a partir da mistura des-tes materiais fosfáticos com turfa. Os materiaisfosfáticos (amostras M1 a M11) provêm de três de-pósitos brasileiros: Jacupiranga-SP (uma amostrafornecida pela Bunge: M1), CatalãoI-GO (sete amos-tras fornecidas pela Fosfértil: M2 a M8) e Patos deMinas-MG (três amostras fornecidas pela Fosfértil:M9 a M11) (Tabela 1). As amostras P1 a P11correspondem aos produtos organo-fosfatados ob-tidos pelo processo Humifert, preparados por OBA(2000) em reator Humifert do Institut NationalPolytechnique de Toulouse, França.

O método de estudo utilizado consistiu na apli-cação de uma série de análises e observações nos ma-teriais iniciais e transformados pelo processo Humifert

TABELA 1 – Proveniência das amostras de material fosfático utilizadas por OBA (2000) para preparação dosprodutos Humifert.

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para comparação de suas características; os resulta-dos foram integrados para tentar compreender as di-ferenças de desempenho agronômico dos produtos.As técnicas empregadas foram: microscopia óptica(MO), difratometria de raios-X (DRX), análises quí-micas microlocalizadas por microssonda eletrônica(ME), microscopia eletrônica de varredura (MEV-EDS), análises de solubilidade do P, análises termo-diferencial e termo-gravimétrica e espectrofotometriade absorção no infravermelho (EIV).

Os resultados dos ensaios agronômicos reali-zados com os materiais estudados (amostras P1 a P11)por OBA (2000), foram utilizados para correlaçãocom as características determinadas neste trabalho.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os onze compostos estudados apresentaramalgumas características comuns, independentemen-te de sua área de origem, e outras diferenciadas, re-lacionadas à proveniência ígnea carbonatítica(Catalão e Jacupiranga) ou sedimentar (Patos deMinas) e a suas peculiaridades mineralógicas. Osresultados sobre todos os materiais e produtos se-rão discutidos em conjunto, por técnica analítica ouconjunto de técnicas, sendo destacados apenas al-guns exemplos para as ilustrações em microscopia,devido à grande quantidade de amostras.

4.1 Difratometria - DRX

As análises difratométricas tiveram como ob-jetivo principal identificar os minerais presentes nasamostras naturais e em seus produtos, além de reco-nhecer possíveis compostos neoformados. Foramrealizadas no IGc-USP, em difratômetro SiemensD5000, com espelho de Gobel, anticatodo de cobreK alfa, no intervalo de 3 a 65 graus de 2θ e conta-gem de 1 seg por passo de 0,05grau/2θ. Na inter-pretação dos difratogramas foi utilizada a coleçãode fichas ICDD (International Centre for DiffractionData 2001).

Todas as curvas de difração de raios-X dosprodutos (amostras P 1 a 11) mostraram diminuiçãona intensidade dos picos em comparação com asamostras naturais correspondentes (amostras M 1 a11) (Figura 1); além disso, os picos de alguns mine-rais, como apatita e minerais carbonáticos, anterior-mente presentes nas amostras M, em alguns casos,estão ausentes nos produtos. Entretanto, estes mi-nerais foram reconhecidos por outras técnicas, comoMO e MEV. A diminuição na intensidade ou a au-sência dos picos de minerais identificados emmicroscopia foi relacionada a dois fatores: diluiçãoda amostra, pela adição de matéria orgânica aos pro-dutos, e consumo de alguns minerais, parcial ou to-tal, durante o ataque nítrico do processo Humifert.

FIGURA 1– Difratogramas de raios-X das amostras M1 a M11 (materiais fosfáticos originais) e P1 a P11(produtos Humifert), mostrando as reflexões principais da apatita, que diminuem de intensidade ou desa-parecem nas amostras P (detalhe: discreto pico a 2,96Å em P10 e P11). (Ar: argilomineral, Mi: mica, Qz:quartzo, Gt: goethita, Do: dolomita, Cc: calcita, Ap: apatita, Fap: fluorapatita).

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Não há, na maioria dos produtos, picos no-vos que evidenciem compostos neoformados nascurvas de DRX, indicando que, ou estes compos-tos não são cristalinos, ou a quantidade formada épequena e não foi detectada pela técnica. As amos-tras P10 (PM-CG) e P11 (PM-CF), de Patos deMinas, são as únicas que apresentaram um piconovo evidente mas discreto, em 2,96Å, visto ape-nas com ampliação dos difratogramas, que podecorresponder ao fosfato bicálcico, citado porBIDEGAIN (1995) como formado durante o pro-cesso Humifert. Como os outros picos deste com-posto estão ausentes nos difratogramas, não foipossível confirmar sua presença.

4.2 Microscopia – MO e MEV/EDS

Os estudos em microscopia óptica (MO) e ele-trônica de varredura com análise química qualitati-va microlocalizada por EDS (MEV/EDS) foram fei-tos em lâminas delgadas preparadas após impreg-

nação em resina de alíquotas dos materiais (M1 aM11 e P1 a P11), e tiveram por objetivo localizargrãos de apatita dos produtos e observar suas carac-terísticas morfológicas, comparando-os com os grãosdos materiais originais. Foram utilizados os labora-tórios de Análises Mineralógicas do IGc/USP e deMicroscopia Eletrônica de Varredura do NUPEGEL/USP (equipamento Jeol, modelo JSN 5600 LV,acoplado a um espectrômetro de energia dispersivaEDS NORAN/voyager).

Apesar de muitos dos grãos de apatita dosmateriais iniciais já apresentarem modificações quí-micas e texturais devido ao intemperismo natural,observou-se, nos estudos em MO e MEV, que o pro-cesso Humifert provocou grandes modificações, e aapatita presente nos produtos, que é residual em re-lação ao ataque Humifert, apresenta característicastexturais e morfológicas diferentes da apatita obser-vada nas amostras naturais, como pode ser observa-do no exemplo das imagens em microscopia eletrô-nica (Figuras 2 e 3).

A intensidade de modificação promovida peloataque Humifert foi avaliada visualmente em MO,complementada pelos dados obtidos em MEV-EDS,levando em conta feições consideradas reflexos demudanças devidas ao ataque Humifert, quais sejam,a ocorrência de fraturas intracristalinas conformes eseu caráter aberto, por vezes com preenchimento pormateriais com P, a ocorrência de porções dos grãoscom textura diferenciada, a ocorrência de materiaisde composição fosfática não-apatítica nestes locaise a presença de vazios dentro dos grãos. Estas fei-ções, comparadas com os materiais naturais, foramconsideradas distintas das causadas pelointemperismo, e possibilitaram reconhecer o maiorgrau de destruição dos grãos apatíticos nos produ-tos em relação aos materiais naturais iniciais, comoilustrado pelas figuras 2 a 6.

A apatita das amostras naturais, em geral, apre-senta, como era de se esperar, menor grau de modi-ficação (grãos não ou pouco modificados) do que aapatita que ocorre nos produtos (grãos muito modi-ficados). Já algumas amostras de Catalão I, como opar M7-P7, apresentaram grãos de apatita da amos-tra natural mais alterados que a apatita do produto.Neste caso, certamente, pode-se interpretar que osgrãos remanescentes encontrados nos produtos de-vem representar os grãos de apatita menosintemperizados antes do ataque, por terem menosdescontinuidades internas e, portanto, menos super-fícies em contato com material úmido que possibili-tasse a formação do ácido nítrico nascente e o con-seqüente ataque ácido.

FIGURA 2 - Apatita alterada com textura homogênea(M1, MEV)

FIGURA 3 - Apatita muito alterada, contendo, dentrodo grão, material de textura esponjosa, cinza, de com-posição não-apatítica e vazios (P1, MEV)

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Em geral, a avaliação visual ao MO e/ouao MEV indica diminuição na quantidade dosgrãos, tanto de apatita como dos outros mineraisdos produtos, em comparação com as amostrasnaturais, para todos os pares estudados (Figuras4 e 5).

A quantidade de grãos remanescentes deapatita nos produtos de Patos de Minas é maior emrelação às outras regiões estudadas. Isto pode estarrelacionado à íntima associação com o quartzo apre-sentada pela apatita desta área, o que pode, de algu-ma forma, ter protegido os grãos do ataque nítrico.Cabe destacar que a estreita associação com o quart-zo é uma das razões da dificuldade de lavra regulardeste material.

Outra característica observada ao MO e aoMEV refere-se à diminuição na dimensão dos grãosde apatita dos produtos em relação às amostras na-turais. Esta diminuição é evidente para os materi-

ais de Catalão I. Já o produto de Jacupiranga (P1),apresenta grãos maiores que os comumente encon-trados em sua amostra natural; provavelmente tra-tavam-se de grãos pouco alterados de M1 que nãoforam totalmente destruídos pelo ataque nítrico,mas que passaram a apresentar fraturas abertas,vazios e material de composição e textura não-apatítica em seu interior. Os grãos menores deapatita das amostras naturais de Patos de Minasdevem ter sido preferencialmente consumidos du-rante o ataque nítrico, pois há maior quantidade degrãos maiores nos produtos.

A matéria orgânica adicionada ao materialfosfático antes do ataque do processo Humifert seapresenta, em MO, após a reação, como um materialalaranjado, enquanto, ao MEV, ocorre como um ma-terial homogêneo de aspecto característico em todosos produtos estudados, cujos espectros EDS indicamcomposição química heterogênea com a presença deP (Figura 6). A heterogeneidade de composição des-tes agregados organo-fosfáticos (Ca, P, Al, Mg, K eSi, principalmente), sugere que eles representam umafase de adsorção para os elementos liberados peladesestabilização de outros minerais durante o ataquenítrico promovido pelo processo Humifert.

4.3 Análises químicas microlocalizadas - ME

A microssonda eletrônica (ME) foi utiliza-da para investigar a homogeneidade de composi-ção dos grãos de apatita dos produtos, em análi-ses quantitativas microlocalizadas nos grãos deapatita remanescentes, tanto em suas partes apa-rentemente inalteradas, como em suas partes evi-dentemente afetadas pelo ataque Humifert,selecionadas nos estudos em microscopia, por suascaracterísticas ópticas e texturais modificadas,para quatro pares M-P dos materiais estudados.Para isso, foram analisados também grãos deapatita das amostras originais (M), para compa-ração. Foi utilizado o equipamento Jeol Super-probe modelo JXA-8600, do Laboratório deMicrossonda Eletrônica do IGc/USP, operado com15kv de voltagem, 20,10 ± 0,10hA de corrente ediâmetro do feixe eletrônico de 5μm.

A tabela 2 mostra os resultados das análises àME, em seus valores médios, máximos e mínimos,para a apatita sã dos materiais fosfáticos iniciais (M1,M4, M7 e M9) e para a apatita sã e modificada (pon-tos alterados texturalmente) dos produtos Humifert(P1, P4, P7 e P9).

Os resultados encontrados nas regiões nãomodificadas dos grãos, tanto da apatita das amos-

FIGURA 5 - Grão muito modificado de apatita, jun-to com argilomineral 2:1 (partícula em lamelas) e agre-gado arredondado de matéria orgânica (P4, MEV).

FIGURA 4 - Grãos intemperizados de apatita com fra-turas abertas e fechadas e poucos vazios em seu interi-or (M4, MEV)

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tras naturais quanto da apatita dos produtos, sãosemelhantes (resultados A e B, Tabela 2). Já asanálises, em grãos de apatita dos produtos, nospontos considerados modificados pelo ataqueHumifert, devido a seu aspecto textural diferen-te (como visto, por exemplo, nas partes de tex-tura modificada do grão de apatita da Figura 3),mostraram resultados diferenciados (resultadosC, Tabela 2). Normalmente, esses pontos modi-ficados apresentam, em adição a Ca, P e F, tam-bém os elementos ausentes ou presentes em quan-tidade insignificante nos pontos não modifica-dos, como Si, Al e Fe, e ainda Ti, Ba, Fe, Mn eETR; estes foram interpretados como elementosoriundos da desestabilização ou da própriaapatita, ou de outros minerais (mica, quartzo ecarbonatos) durante o ataque Humifert, que li-berou seus constituintes para adsorção nas por-ções modificadas da apatita, indicando o seuaporte por meio da percolação de fluidos dentrodos grãos, pelas descontinuidades, durante o pro-cesso. Por outro lado, F é claramente perdido noataque, como mostram os resultados para esteelemento nas porções modificadas, em relaçãoaos pontos inalterados.

As análises na apatita dos produtos mos-traram valores da razão CaO/P2O5 muito distan-

tes de 1,32, valor considerado normal para aapatita de estequiometria perfeita. Estes pontosnão correspondem mais a uma apatita propria-mente dita, mas sim a um material de composi-ção intermediária entre uma apatita normal e umcomposto neoformado durante o processoHumifert (Figura 7). O total da análisemicrolocalizada, que pode ser relacionado à in-tensidade de alteração intempérica de grãos deapatita (TOLEDO et al. 2004), também pode,neste caso, ser relacionado às modificações cau-sadas pelo ataque Humifert, como mostram osdados para os pontos com modificação texturale óptica analisados; o gráfico da figura 8 mos-tra, para os dados relativos aos pontos modifi-cados de grãos de apatita, que quanto maior ototal da análise (mais próximo de 100%), maispróximo é o valor de 1,32, ou seja, quanto me-nos modificada a apatita, mais próximo do valornormal é a razão CaO/P2O5.

4.4 Análises termo-diferencial e termo-gravimétrica(ATD-TG)

As análises térmicas foram realizadas no La-boratório de Análises Mineralógicas do IGc/ USP,em equipamento TA-Instruments modelo

FIGURA 6 - Agregado de matéria orgânica com borda diferenciada, rica em fragmentos de quartzo e de apatita,e pontos onde foram realizadas análises químicas qualitativas (espectros 1 a 5), mostrando a composição variá-vel, com Ca, P, Si, Al e C, principalmente (P9, MEV).

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FIGURA 7 - Valores médio, mínimo e máximo da razão CaO/P2O5, para os pontos aparentemente inalteradosde grãos de apatita das amostras M1, M4, M7 e M9 (A), para os pontos também aparentemente não modifica-dos das amostras P1, P4, P7 e P9 (B) e para os pontos modificados destes últimos produtos (C), calculados apartir das análises à microssonda eletrônica.

FIGURA 8 - Correlação entre os valores do total dasanálises à microssonda eletrônica e os valores da ra-zão CaO/P2O5, para os pontos modificados de grãosde apatita dos produtos Humifert.

SDT2960, com sistema simultâneo ATD/TG, sobatmosfera dinâmica de ar (50mL/min), com a fina-lidade de investigar a presença de materiais for-mados durante o processo Humifert que apresen-tassem, eventualmente, reações térmicasidentificáveis nas curvas de aquecimento diferen-cial. As amostras foram aquecidas da temperaturaambiente até 1000oC, com elevação de 10oC/min,em cadinho de alumina.

Os resultados das análises foram semelhan-tes para todos os pares M-P estudados. As amos-tras naturais apresentaram picos endotérmicos ca-racterísticos, dependendo da composição minera-lógica da amostra, indicando a presença de mine-rais carbonáticos, no caso de amostras de origemcarbonatítica, e de óxi-hidróxidos de Fe, no casodas amostras de rejeitos ricas em Fe; já ostermogramas dos produtos são muito semelhantesentre si (Figura 9), devido à presença dos picos dequeima da matéria orgânica (320-340oC e ao redor

de 400oC). Todos apresentaram uma bandaendotérmica inicial, ao redor de 50oC, decorrente,provavelmente, da perda da água livre dos produ-tos. A única informação que pode indicar a presen-ça de compostos neoformados nos produtos, a par-tir destas análises, é o pico exotérmico ao redor de490-520oC, pois estes picos não correspondem aminerais dos materiais fosfáticos iniciais e nãoocorrem nos termogramas das turfas utilizadas naobtenção dos compostos (Figura 9).

4.5 Espectroscopia de absorção no infravermelho(EIV)

A espectroscopia de absorção no infraverme-lho também foi utilizada com o objetivo de investi-gar a presença de produtos neoformados, que pode-riam apresentar picos reconhecíveis nos espectros.As análises foram realizadas em um espectrofotô-metro MAGNA IR 550 Spectrometer-Series II, mar-ca Nicolet, com faixa de trabalho na região do in-fravermelho de 4000 a 400cm-1 do Laboratório deInfravermelho do Instituto de Química da USP.

Os espectros das amostras naturais diferementre si devido à composição mineral de cadaamostra, reflexo de sua proveniência. Já os es-pectros dos produtos são semelhantes entre si;mostram um pico proeminente a 1385cm-1, queprovavelmente corresponde a nitratos formadosdurante o processo, uma banda ao redor de3400cm-1, que se refere ao OH-, além de dois pi-cos entre 3000 e 2900cm-1, que indicam a presen-ça de agrupamentos CH3 e/ou CH2 (BELLAMY1975), correspondentes à matéria orgânica adici-onada (Figura 10).

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4.6 Solubilidade do P

Todas as amostras foram submetidas a análi-ses de P total, de solubilidade do P em água, emácido cítrico 2% e em citrato neutro de amônio(CNA), utilizando-se o procedimento oficial daEmbrapa (SILVA 1999), no Laboratório de Análisede Fertilizantes do Departamento de Solos e Nutri-ção de Plantas da Escola Superior de AgronomiaLuiz de Queiroz ESALQ/USP. Estas análises tive-ram como objetivo investigar os teores em P solú-vel das amostras que passaram pelo processo

Humifert e compará-los com os teores de P solúveldas amostras naturais, bem como com seus teoresiniciais totais.

Em relação às análises de solubilidade do P, asamostras naturais são mais solúveis em ácido cítrico2% do que em água ou em CNA, pois os fosfatos deCa, como a apatita, são mais solúveis em pH ácido doque em pH neutro ou básico (Tabela 3 e Figuras 11 a13). Todos os produtos apresentaram maior solubili-dade que suas amostras naturais, para todos os ensaiosrealizados com água, ácido cítrico 2% e CNA. Algunsprodutos apresentaram melhor resultado em ácido cí-

FIGURA 10 - Espectros de absorção no infravermelho do par M1-P1.

FIGURA 9 – Termogramas dos produtos Humifert P 1 a 11, e das turfas brasileira e francesa (com curvas deperda de massa) utilizadas nas misturas para obtenção dos compostos Humifert.

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TABELA 3 – Teor de P2O5 total e solúvel em água, ácido cítrico 2% e CNA para todas as amostras.

trico 2% e outros em CNA. Estes dados sugerem queos compostos fosfáticos neoformados podem apresen-tar maior solubilidade em meio ácido ou em meio al-calino, ainda não sendo possível identificar as variá-veis que determinam um ou outro caso; não se podedescartar a hipótese de que parte desta solubilidadeainda seja devida à apatita remanescente.

5 CORRELAÇÃO COM OSENSAIOS AGRONÔMICOS

Os onze produtos organo-fosfatados aqui estu-dados, obtidos pelo processo Humifert, mais dois tes-temunhos, um alimentado com solução nutritiva com-pleta (SNC) e o outro com solução nutritiva carenteem P (SNCP), foram testados agronomicamente napesquisa realizada por OBA (2000). Os resultadosde produção de matéria seca obtidos nos ensaios agro-nômicos (Tabela 4) foram diferentes para cada umdos três cortes realizados em sua pesquisa. Apenas os

ensaios testemunhos apresentaram a mesma respostaem todos os cortes; o alimentado com SNC apresentasempre o melhor resultado, e o com SNCP, sempre opior, como seria de se esperar. De maneira geral, en-tre os produtos Humifert, nota-se que há um grupo deamostras que sempre apresenta os melhores resulta-dos, todas provenientes de Catalão I: P2 (alimenta-ção da usina) e P6 e P7 (rejeitos de flotação). Estesdados podem ser relacionados aos ensaios de solubi-lidade realizados em água, ácido cítrico 2% e CNA,que mostraram este mesmo grupo de amostras comosendo o que se destaca em termos de teor de P2O5solúvel nos três extratores.

O comportamento do produto de Jacupiranga(P1) nos ensaios de solubilidade de P pode sercorrelacionado com os resultados encontrados nosensaios agronômicos, que são ruins, já que nas trêsanálises (água, ácido cítrico 2% e CNA) esta amos-tra apresenta sempre os piores resultados, em com-paração com os outros produtos.

FIGURA 11 - Solubilidade do P2O5 em ácido cítrico2% para todas as amostras estudadas.

FIGURA 12 - Solubilidade do P2O5 em água para to-das as amostras estudadas.

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Para Patos de Minas, a amostra de granulaçãomais grossa (P9), que apresenta maior teor de P2O5solúvel em água, em ácido cítrico 2% e em CNA,também mostra melhor resultado nos ensaios agro-nômicos efetuados. A amostra de granulação maisgrossa dos rejeitos de Catalão I (M6), embora este-ja sempre presente no grupo de amostras que apre-sentaram os melhores resultados agronômicos e osmaiores teores de P2O5 solúveis em todos os ensai-os realizados, apresenta, na maioria das vezes, umresultado inferior ao observado para a amostra P8,de granulação mais fina. Assim, pode-se dizer queos dados são insuficientes para afirmar se a granula-ção inicial interfere na eficiência da formação decompostos organo-fosfatos durante o processo

Humifert. Por outro lado, como os materiais forammoídos antes da preparação da mistura, pode-sepensar que a granulometria indicada no tipo de re-jeito tem relação com sua composição mineral e,esta, é que teria alguma correlação com a eficiênciaagronômica dos produtos Humifert formados.

Alguns produtos, como P3, P4 e P5, não apre-sentaram uma clara correlação positiva entre efici-ência nos ensaios agronômicos e de solubilidade.

As características comuns do grupo de amos-tras que apresentam os melhores resultados nos en-saios agronômicos (P2, P6, P7, P8) referem-se àmineralogia das amostras naturais e à proveniên-cia das mesmas, já que todas são de Catalão I. Asamostras em questão são ricas em oxihidróxidosde Fe e apresentam ainda quartzo e apatita em meioa um material constituído por argilomineral 2:1 eminerais carbonáticos. As outras amostras deCatalão I não se encaixam nesta descrição, ou pelagrande quantidade de carbonatos, cerca de 50%(M4 e M5) ou pela maior quantidade deoxihidróxidos de Fe, cerca de 60% (M3). Já asamostras das outras regiões estudadas apresentammineralogia diferente da encontrada para as amos-tras de Catalão I, seja pela presença de flogopita,no caso da amostra de Jacupiranga (P1), que tam-bém é rica em carbonatos (cerca de 50%), ou deillita, no caso das amostras de Patos de Minas. Asamostras destas duas regiões citadas não apresen-

FIGURA 13 - Solubilidade do P2O5 em CNA paratodas as amostras estudadas.

TABELA 4 - Síntese dos resultados de eficiência agronômica dos produtos P1 a P11 segundo OBA (2000), emtermos de produção de matéria vegetal seca (seis primeiras colunas), e das análises de solubilidade de P, com oteor de P2O5 solúvel em água, ácido cítrico 2% e CNA indicado após a identificação do produto Humifert, nastrês colunas da direita. Em cada coluna, os produtos estão classificados em ordem decrescente de produção dematéria seca, de cima para baixo. Fundo cinza claro: produto de Jacupiranga (P1). Fundo branco: produtos deCatalão (P2 a P8). Fundo cinza médio: produtos de Patos de Minas (P9 a P11). SNC: solução nutritiva completa.SNCP: solução carente em P.

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tam argilomineral do tipo 2:1 como já foi visto.Deve-se considerar ainda que a apatita deste gru-po de amostras de Catalão I, com melhores resul-tados agronômicos, não está associada ao quartzo,como ocorre com a de Patos de Minas.

Assim, chega-se à associação entre os melho-res resultados agronômicos e as características deriqueza em oxihidróxidos de Fe, pobreza em carbo-natos e em argilomineral 2:1 e presença de apatitanão relacionada ao quartzo. Provavelmente, a mi-neralogia peculiar e a quantidade dos minerais (car-bonatos, goethita, apatita, argilomineral 2:1 e quart-zo) presentes nas amostras naturais M2, M6, M7 eM8 foram mais propícias à formação de compostosorgano-fosfatados durante o processo Humifert, oque foi refletido nos resultados agronômicos. As re-lações entre estas características mineralógicas e odesempenho agronômico ainda não foramesclarecidas, mesmo porque estas consideraçõesparecem contrariar alguns fatos, como a maior ca-pacidade de fixação do P nos oxihidróxidos de Fe;assim sua presença em maior quantidade deveria,portanto, prejudicar o desempenho agronômico, enão melhorar. Por outro lado, a presença abundantede oxihidróxidos de Fe poderia ter funcionado ape-nas como reflexo do grau mais intenso deintemperismo das amostras, que teriam grãos deapatita mais fraturados e, assim, mais propícios aoataque efetuado no tratamento, pela maior superfí-cie específica.

6 CONCLUSÕES

A pesquisa mostrou que os resultados agro-nômicos dos produtos Humifert estão diretamenterelacionados não apenas com a proveniência do ma-terial utilizado na fabricação do fertilizante alter-nativo, mas também com o local da mina ou dausina na qual a amostra foi coletada, e com a mine-ralogia da amostra. Os dados obtidos corroborama afirmação de que os fertilizantes produzidos sãomais solúveis que as amostras naturais e que, nãosó a apatita, mas também os outros minerais pre-sentes, são consumidos durante o processo. Nãoobstante, a maior solubilidade do P, juntamente comas outras informações obtidas sobre o consumo dosgrãos apatíticos durante o processo Humifert, in-dicam que o ataque nítrico da apatita contribuiupara a formação de compostos de caráter mais so-lúvel que a apatita natural. Estes compostos, no en-tanto, não foram especificamente determinados,com as técnicas empregadas. Parece que um maiordetalhe da investigação por meio da espectrometria

de absorção no infravermelho pode ser indicadocomo meio de continuar a busca pela identificaçãodas espécies químicas formadas pelo processoHumifert nos compostos organo-fosfatados.

Finalmente, cabe destacar que um reatorHumifert de bancada foi recentemente fabricado noBrasil e instalado na USP para novas pesquisas vi-sando ao entendimento das transformações promo-vidas pelo ataque e das propriedades adquiridas pe-los materiais e, também, visando à aplicação de no-vos compostos Humifert em condições brasileiras.

7 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às pessoas e insti-tuições que tornaram possível este trabalho:FAPESP (processo 02/10987-2), CNPq (proces-so 303796/1986-3) e CAPES-COFECUB (pro-cesso 309/00/02) pelo apoio financeiro, ao Dr.Carlos A. I. Oba pela cessão das amostras e aoDr. Jean-Louis Lacout pelo fornecimento de bi-bliografia indisponível no Brasil e pelos escla-recimentos sobre os trabalhos anteriores.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 26 (1/2), 31-44, 2005.

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Endereço dos autores:

Maria Cristina Motta de Toledo e Viviane Carillo Ferrari - Instituto de Geociências e NUPEGEL, Univer-sidade de São Paulo, Rua do Lago 562, CEP 05508-080, São Paulo, SP. E-mails: [email protected],[email protected]

Camila M. Passos - SRK Consulting, Rua Mansueto Filizola 14, CEP 31.560-270, Belo Horizonte, MG, E-mail: [email protected]

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