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O papel da formação sindical na redemocratização do país (1978 – 1985)
EDUARDO NAVARRO*
Esta comunicação apresenta resultados parciais de uma pesquisa de Mestrado
que se propõe a apresentar a trajetória histórica do Centro de Estudos Sindicais (CES),
no que concerne à formação sindical, compreendendo a sua dinâmica de funcionamento
em relação à história do trabalho e aos contextos políticos no período especificado,
identificando e analisando os eixos temáticos e/ou base curricular dos processos
formativos, encaminhados pelo CES. O Centro de Estudos Sindicais (CES) foi criado
em abril de 1985 por um núcleo de sindicalistas e estudiosos do tema para assessorar o
movimento sindical. A intenção expressa nos estatutos do CES constava que a tarefa
seria “contribuir para municiar o movimento sindical nesta nova fase da vida política da
nação” (CES - Estatutos, p.3, 1985). Neste sentido, o CES se propunha a assessorar o
movimento sindical em questões relacionadas com a) assessoria política, b) assessoria
econômica, c) assessoria educacional, d) assessoria jurídica, e) assessoria
administrativa, e f) assessoria de comunicação.
A pesquisa tem como recorte temporal o período da redemocratização e o
ascenso das lutas, décadas de 1970 e 1980. Tal período se constituiu como momento
significativo para a formação política de ativistas e militantes sindicais.
No esforço de contextualizar historicamente o momento político em que se deu a
criação do CES e considerando os anos iniciais de sua existência, pergunta-se: Quais
foram os padrões de formação ao longo deste tempo? O que se buscava no sentido de
“formação de consciências” do trabalhador? Se houve alteração nos planos de ensino e
na ideia de formação dos trabalhadores com a mudança do cenário político ao longo do
período? Entre o final da década de 1970 e início dos anos 1980, quais foram as grandes
experiências coletivas vivenciadas pelo conjunto dos trabalhadores brasileiros que estão
no âmago do processo de formação sindical do centro em questão?
Tomamos como hipótese a possibilidade de o CES adequar seu currículo aos
temas candentes como forma de aproximá-lo das experiências concretas da classe
trabalhadora, daquele momento histórico.
Para a pesquisa são estudados os seguintes documentos do CES: Carta de
Princípios e Estatutos; Balanços de atividades dos anos de 1985 a 1989; Proposta de
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trabalho dos anos de 1986 a 1990; Reestruturação do CES; Nova fase do CES;
relatórios de cursos e seminários realizados; relatórios de reuniões; projetos de
realização do Seminário de Planejamento Sindical e projeto de realização sobre
Imprensa Sindical; roteiro do Curso Básico de Sindicalismo; folder de apresentação,
publicações, cartilhas, livros, revista Debate Sindical.
A AÇÃO DOS MILITARES CONTRA O MOVIMENTO SINDICAL
Identificamos que durante a ditadura o movimento sindical foi vítima de
perseguições que resultaram em intervenções em sindicatos, prisões e demissões de
sindicalistas. Ataques que visaram “domesticar” os sindicatos em relação aos militares e
aos patrões. Tais medidas quebraram a resistência dos sindicatos. O entulho autoritário
do regime militar vinculado ao movimento sindical atendia a interesses bem definidos
do empresariado que buscava, assim, ampliar seu poder discricionário dentro da fábrica.
Marco Antônio de Oliveira (2002) nos apresenta a intenção do empresariado ao apoiar o
regime militar:
A partir de 1964, ampliou-se, porém, o poder empresarial sobre o trabalho sem
que fosse necessária uma ampla reforma trabalhista. Bloqueada a atividade
sindical, as empresas ficaram mais livres para restabelecer as condições de
contratação, uso e remuneração da força de trabalho. Amparados pela política
salarial, que reduziu o poder de compra do salário mínimo e que passou a
coibir aumentos salariais, os patrões deixaram de enfrentar maiores obstáculos
para rebaixar os salários. Livres também da estabilidade no emprego, eles
podiam apelar mais facilmente à rotatividade de mão de obra para manter os
salários baixos, para ajustar seus custos às oscilações da atividade econômica e
para adequar o quadro e o perfil dos trabalhadores às necessidades da empresa.
(OLIVEIRA, p.184, 2002).
Já para os militares, e aos que deram sustentação ao golpe, silenciar o
movimento sindical era interromper o ascenso do movimento que vinha dos anos
iniciais da década de 1960 defendendo um projeto de desenvolvimento da nação através
das reformas de base do governo Goulart, ao mesmo tempo que iria impedir formas de
resistência organizada. A repressão contra o movimento sindical foi violenta, com
prisões e intervenções, segundo Oliveira:
Até hoje, não há informações precisas sobre o número de intervenções
sindicais que houve durante os governos militares. Em um dos primeiros
estudos sobre o tema, Argelina Cheibub Figueiredo mencionou a ocorrência de
536 intervenções entre 1964 e 1970, envolvendo 483 sindicatos, 49 federações
e 4 confederações. De acordo com seu levantamento, baseado em informações
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do Diário Oficial, essas intervenções se concentraram entre 1964 e 1965
(80,6%) e quase todas elas foram em nome do combate à subversão (81,9%) e
à “corrupção” (14,6%). Entre 1966 e 1970, a maior parte das intervenções
(90,3%) foi provocada por motivos eleitorais e outros motivos relativos à
infração de normas que regulavam o funcionamento das entidades sindicais.
Nos dois períodos, as intervenções se concentraram nas regiões Sudeste e
Nordeste e predominaram no setor industrial (49,1%). (OLIVEIRA, 2002).
Apesar da escassez de dados oficiais sobre a ação do regime militar contra as
entidades sindicais, apontada por Oliveira, o próprio autor identifica uma divergência
nos dados relatados por Figueiredo quanto ao número total de intervenções, quando
confrontados estes número com a intervenção do ministro do Trabalho do governo
Castelo Branco, Arnaldo Sussekind, a uma CPI da Câmara Federal, em abril de 1965.
Para Sussekind ocorreram 761 intervenções apenas em 1964 e 1965, o que corresponde
a 15% dos sindicatos existentes. Segundo ainda o mesmo autor, outro pesquisador,
Maurício Godinho, teria apontado o percentual de 26% de sindicatos que sofreram
intervenção. Outro dado apresentando por Oliveira que atesta a magnitude da
intervenção dos militares no movimento sindical indica que o total destas entidades em
1968 era de 2616 sindicatos, entre urbanos e rurais. (OLIVEIRA, p.185, 2002). A ação
dos militares não se restringiu, porém, às intervenções e ao arrocho salarial, mas atingiu
a formação de lideranças comprometidas com o novo ordenamento jurídico:
Uma vez quebrada as resistências do movimento sindical, esboçou-se até uma
tentativa de cooptação política dos sindicatos, que se manteve pelo menos até o
momento em que os militares acreditaram que seria possível utilizá-los para
apoiar sua estratégia de desenvolvimento nacional. Essa tentativa de
arregimentação envolveu a realização a partir de 1970 de um programa
governamental de formação de ativistas sindicais. Entre 1972 e 1974, foram
treinados mais de 2.600 funcionários sindicais. E por volta de 1973, cerca de
30 mil ativistas sindicais já tinham sido submetidos a treinamento com o apoio
do American Institute for Free Developement, organização antinacionalista e
anticomunista ligada à AFL-CIO e subsidiada pelo governo norte-americano
(OLIVEIRA p.192, apud Erickson 1979:220).
Como podemos observar no quadro 1, o “entulho autoritário” relativo ao
movimento sindical foi além da perseguição e prisão de lideranças sindicais; de
destituições e intervenções em sindicatos; da manipulação de índices; da retirada da
estabilidade e alteração nos Institutos de Pensões e Aposentadorias. Ela interferiu
também na livre vontade dos trabalhadores em sua organização. As medidas visavam
ainda coibir a manifestação de greve e a escolha da representação sindical.
Quadro 1
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Legislação Antisindical do Regime Civil-Militar
Brasil – 1964 a 1974 01.06.1964 Lei nº 4.330 considerando legais apenas as greves aprovadas em
assembleia geral da categoria profissional, convocada
pelo sindicato oficial por meio de edital publicado na
imprensa com no mínimo dez dias de antecedência. A
votação na assembleia teria que ser secreta com a
apuração dos votos presidida pelo Ministério Público do
Trabalho. As deliberações sobre greve e reivindicações
deveriam ser aprovadas por dois terços dos presentes,
caso não se atingisse o quórum nova assembleia deveria
ser convocada com um intervalo de no mínimo dois dias.
Após a realização da assembleia, o empregador dispunha
de cinco dias para se posicionar sobre o conflito.
21.11.1965 Portaria nº 40 Passou a exigir dos integrantes de chapas uma declaração
de observância da Constituição Federal, além de respeitar
as autoridades e acatarem as decisões delas emanadas.
27.01.1966 Decreto-Lei nº 3 Permitia à autoridade solicitar ao empregador o
afastamento do empregado do serviço por motivo de
segurança nacional, além de prever a possibilidade de
dispensa por justa causa caso se comprovasse as
acusações.
05.08.1966 Portaria n. 666 Possibilitou que os interventores interessados em
concorre à direção dos sindicatos permanecessem em seus
cargos até 30 dias antes do pleito.
28.02.1967 Decreto-Lei nº229 Fixou novos critérios que vetavam a elegibilidade em
cargos sindicais; impedia a ocupação de cargos sindicais o
trabalhador que não estivesse no gozo de seus direitos
políticos; que fosse destituído de cargo administrativo ou
de representação sindical; que defendesse publicamente
princípios ideológicos de partidos e organizações
proscritas. 20.12.1974 Portaria nº 3.437 Adoção de procedimento minucioso para convocação de
eleições, inscrição de chapas, votação e apuração,
recursos e impugnação. Sob homologação pela DRT.
Tabela própria com dados obtidos em OLIVEIRA (2002).
Como podemos observar no quadro acima, o “entulho autoritário” relativo ao
movimento sindical foi além da perseguição e prisão de lideranças sindicais;
destituições e intervenções em sindicatos; manipulação de índices; retirada da
estabilidade e alteração nos Institutos de Pensões e Aposentadorias. Ela interferiu na
livre vontade dos trabalhadores em sua organização. As medidas alteraram, para coibir,
a manifestação de greve e a escolha da representação sindical.
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A estrutura sindical, na década de 1970, que resultou deste processo se amoldou
aos interesses dos militares e das empresas. Se, inicialmente os motivos do
desmantelamento do movimento sindical cumpria o objetivo de evitar reações ao golpe,
logo tais objetivos passaram a ser o de conter os salários. Neste período, as campanhas
salariais eram artificiais com índices de reajuste manipulados pelo IBGE. O caso mais
grave ocorreu com a inflação de 1973, tendo sido descoberto pelo Dieese em 19771, e
reconhecida pelo Banco Mundial, fato que teve grande repercussão nos principais
jornais do país, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI, foi criada na Câmara
Federal, para apurar os fatos. Esta denúncia veio ratificar o sentimento de carestia
vivenciado pelos trabalhadores no período.
REAÇÃO E LUTA
Se, por um lado, a estrutura sindical ficou “domesticada”, por outro lado, a
sociedade civil passou a exigir a redemocratização do país e a participar das lutas mais
gerais. Os artistas e a intelectualidade foram os primeiros a se colocarem contrários ao
regime militar. Espetáculos musicais como “Opinião”, com João do Vale, Zé Kéti e
Nara Leão, de 1964; peças teatrais como “Arena contra Zumbi”, de Augusto Boal, de
1965; “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, com música de Chico
Buarque, de 1966; “Roda Viva” do próprio Chico Buarque, em 1968; músicas como
“Prá Não Dizer Que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré, de 1968; “Travessia”,
de Milton Nascimento, de 1967, e tantas outras. As donas-de-casa com o Movimento
contra a Carestia. A Igreja Católica, representada pela Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), os profissionais liberais – como os advogados, através da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), e jornalistas, pela Associação Brasileira de Imprensa
(ABI) –, Os estudantes e a juventude com a retomada do movimento estudantil e a
reconstrução da UNE e da UBES também assumem o protagonismo da luta.
Essas ações culturais ou políticas produziram nas mais diversas parcelas da
população sentimentos diversos, mas em sua grande maioria o sentimento teve um
significado de contestação à ordem estabelecida. Para muitos, os trechos da canção de
1 Memória do Dieese (http://memoria.dieese.org.br/museu/navegacao/linha-do-tempo/anos-70)
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Geraldo Vandré, Prá não dizer que não falei de flores, “...vem, vamos embora / que
esperar não é saber / quem sabe faz a hora / não espera acontecer...” funcionou como
um hino para a rebeldia.
Diversos movimentos – além de personalidades – constituíram o Movimento
Nacional pela Redemocratização que passou a coordenar ações organizadas que antes
estavam dispersas em vários movimentos e atores sociais, dando uma maior dimensão a
tais reivindicações. Tais ações impulsionam a luta pela reconquista do Estado
Democrático de Direito a avançar a passos largos, tendo como bandeiras o fim do
“entulho autoritário”, pela anistia ampla geral e irrestrita, por eleições para
governadores e prefeitos, por eleições diretas para presidente da República, por uma
Assembleia Nacional Constituinte, dentre outras bandeiras.
Mesmo na luta mais geral pela redemocratização apareceram bandeiras de
interesse relacionado aos trabalhadores, como a luta contra a carestia puxada pelas
donas de casa da periferia de São Paulo, que indiretamente passam a questionar e
desmascarar o arrocho salarial do período dos militares. O insucesso dos militares com
seus métodos para retomar o crescimento da nação baseados no financiamento do Fundo
Monetário Internacional (FMI) levou o país a uma superinflação que descontrolou
completamente a economia. Tal fato ampliou a insatisfação dos brasileiros para com o
regime militar.
O Movimento do Custo de Vida (MCV), também conhecido como movimento
contra a carestia, nasceu na Zona Sul de São Paulo ligado ao clubes de mães das
paróquias da Igreja Católica, em 1973. Tal movimento buscou destacar formas de
questionamentos à crise econômica pelo qual passava o país relacionando seus efeitos
para a vida das donas de casa, consequentemente para os trabalhadores. Segundo o
depoimento do metalúrgico Eustáquio Vital Nolasco, dirigente da Ação Popular (AP)2
nas comunidades de bairros:
Para nós que vínhamos da AP a atuação ali era bem mais fácil do que
no sindicato. Mesmo o Aurélio Peres, nossa principal liderança
metalúrgica, tinha uma ligação forte com o Movimento. Ele falava
2 Ação Popular – organização política de esquerda, nascida a partir da Juventude Universitária Católica
(JUC) e da Juventude Operária Católica (JOC), dirigiu a UNE na década de 1960, com forte presença nas
atividades de bairros na década de 1970. Se incorporou ao PCdoB em 1973.
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muito bem, tinha facilidade para se expressar em público, e foi
designado para ler uma carta dos clubes de mães na comemoração do
“Dia Internacional dos Trabalhadores”, 1º de maio de 1973, no
sindicato dos metalúrgicos (BERTOLINO, p.110, 2016).
O movimento foi ganhando força paulatinamente. Segundo Nolasco, a mesma
carta apresentada por Peres na assembleia dos metalúrgicos foi lida no Congresso
Nacional pelo deputado Federal Freitas Neto, do MDB de São Paulo. Já em 1975, foram
ouvidas duas mil donas de casa sobre o aumento no preço dos gêneros alimentícios
através de uma pesquisa realizada pelo grupo. Com o resultado da pesquisa se buscou
ampliar o trabalho, que
... a partir daí, foi feito um primeiro abaixo-assinado pedindo controle
do custo de vida e aumento dos salários, além de creches e escolas. O
documento obteve dezenove mil e quatrocentas assinaturas. Em agosto
de 1977, sem reposta do governo, a coordenação estendeu o Movimento
do Custo de Vida para toda a Grande São Paulo. (BERTOLINO, p.112,
2016).
Nas regiões o Movimento do Custo de Vida ganhou nova dimensão, crescendo
na região Sul e Leste da cidade de São Paulo, que são bairros com maior concentração
operária, mas também nas cidades do entorno da região metropolitana em se concentra
grande parte das indústrias. O objetivo do MCV era denunciar as manobras econômicas
do governo que manipulando os índices de inflação não os repassava para os salários.
Indiretamente, se colocou também o objetivo de despertar a consciência dos
trabalhadores para o nível de exploração pelo qual passavam.
Mesmo com o envolvimento de diversos setores que impulsionaram a luta pela
democratização, faltava ainda ouvir a voz dos trabalhadores ressoar. E esta voz se
expressa com força redobrada a partir das massivas greves dos operários do ABC
paulista, a partir de maio de 1978, com a greve da Scania. O pesquisador Munakata
afirma que:
O acontecimento político mais importante do primeiro semestre deste ano
(1978) não foi a indicação do general Figueiredo para a presidência e a
consequente crise do meio militar, nem o surgimento da candidatura dissidente
do senador Magalhães Pinto, nem tampouco a articulação da Frente Nacional
de Redemocratização. Foi, na realidade, a irrupção do movimento grevista,
que, iniciado na região do ABC (SP), rapidamente se alastrou pelos centros
industriais e urbanos do Estado, envolvendo centenas de milhares de
trabalhadores... não se pode negar que o movimento fez emergir à tona da cena
política brasileira um novo fator: exatamente a presença dos trabalhadores, o
que, aliás, já foi amplamente contestado. (MUNAKATA, p.20, 2010).
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O pesquisador destaca, ainda, que a greve não surgiu a partir do movimento
sindical e sim do interior da Comissão de empresa da fábrica:
aliás, a greve em si, que representou a negação absoluta da lei de greve, aponta
para a superação desses mecanismos de repressão; o controle do movimento
operário por meio do sindicalismo oficial – um dos importantes elementos do
regime, embora não criado por este – também começa a se tornar caduco com o
transbordamento do movimento grevista. (MUNAKATA, p.19, 2010).
É de se destacar que a greve dos trabalhadores, desencadeada em 1978 (as
greves nos anos seguintes vão ganhar outro patamar de organização), não possuía o
caráter explícito de oposição ao regime militar, apesar de demonstrar insatisfação com
os rumos que o país seguia.
O centro da luta era efetivamente econômico representado pelo arrocho salarial.
O fato que Munakata bem destacou é que a organização da greve não passou pela
estrutura dos sindicatos. Na verdade ela transbordou da organização das Comissões de
Fábrica, que vinham se constituindo no interior das empresas, a partir do elevado grau
de descontentamento salarial e impulsionado por diversas ações internas, nos locais de
trabalho, que vinham num crescendo.
Esta experiência de luta, a partir dos próprios trabalhadores, juntamente com
algumas direções sindicais que se reciclaram atendendo aos anseios de democratização
exigidos pela sociedade brasileira, dá início a um profundo processo de renovação
sindical. Os anos seguintes à retomada das greves, de 1978 a 1985, quando a eleição de
um civil para presidente de república configura o fim do regime militar, o movimento
sindical vai se alterar profundamente em sua composição e em seu processo de
politização.
A pauta de reivindicações continuou econômica, porém os trabalhadores passam
a expressar mais claramente as exigências políticas – tais como eleição para
governadores, prefeitos de capitais e estância hidrominerais; eleição para presidente da
república (mesmo em colégio eleitoral); convocação da assembleia constituinte;
revogação do entulho autoritário; revogação dos banimentos com o retorno dos
exilados; anistia para os presos políticos – tomando como ponto central o fim do regime
militar.
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Aberto o ciclo da renovação sindical, os esforços de formação se multiplicaram
(esforço que teve continuidade por toda a década de oitenta). Parte desse processo se
deu pelas estruturas de formação partidária, em especial aos partidos e agremiações de
esquerda; outra parte se deu por instituições de assessoria, como o CES e congêneres.
Houve, também, aqueles que buscaram a autoformação, por leituras individuais. Fato
corriqueiro à época era a circulação de literatura marxista, inclusive com livrarias
especializadas no assunto. Também a circulação de jornais e periódicos destes partidos
e agremiações, chamados de imprensa alternativa, vendidos em portas de fábricas,
escolas, terminais de ônibus, nas assembleias e outras atividades sindicais. Jornais como
Opinião, Pasquim, Tribuna da Luta Operária, A Voz da Unidade, O Movimento, Em
Tempo, A Hora do Povo, O Trabalho, dentre outros. A troca de informações e
experiências – rodas de conversas entre amigos e militantes – alimentava o debate
acerca da visão de mundo, mas, sobretudo, sobre os rumos políticos do país e do
movimento sindical. Portanto, o engajamento político de amplas parcelas da sociedade
era um dado da cultura.
UM CENTRO PARA A FORMAÇÃO
O CES começou a desenvolver suas atividades a partir dos chamados “temas
candentes”, isto é, temas relacionados com questões conjunturais que se referissem aos
trabalhadores, promovendo debates, seminários e palestras. De imediato, duas questões
se destacaram e se incorporaram à temática das atividades formativas, para aquele
período: a retirada da legislação antissindical, criada durante a ditadura militar – Lei
Antigreve, intervenções nos sindicatos, portarias de controle das atividades sindicais
(ver quadro 1 – Entulho Sindical) – que se constituíam em obstáculos para a livre
organização sindical e, logo em seguida, as propostas dos trabalhadores para a
Assembleia Nacional Constituinte, convocada para funcionar a partir de janeiro de 1987
(a escolha dos deputados constituintes iria ocorrer nas eleições de 1986). Ambas as
questões faziam parte do processo de redemocratização do país e estavam contidas nas
reivindicações de movimentos como o das Diretas Já!, do Movimento Brasileiro pela
Redemocratização Nacional ou do Comitê Brasileiro pela Anistia. Estes seminários e
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palestras municiavam a militância para os debates do dia-a-dia nas portas de fábricas e
no convencimento das propostas defendidas.
A realização de debates e palestras ocupou boa parte das atividades do Centro
em 1985, sempre com os temas girando sobre estrutura sindical e ou constituinte. Para
essas tarefas se obteve ajuda de personalidades do mundo jurídico e político. (Entrevista
nº 01, p. 03).
Dentro da agenda dos Temas Candentes, o Centro publicou um livreto ilustrado
sobre a constituinte, que estava convocada para o ano seguinte. Previa-se, àquela época,
que “todos os setores sociais e as forças políticas se preparam para intervir de forma a
garantir espaços para as suas ideias e posições na futura carta magna”. (RDS, nº 1, p.
37, 1986). A publicação do livreto, com 10.000 exemplares, ajudaria a popularizar entre
a militância sindical a visão sobre a estrutura sindical que se propunha. Ademais, apesar
da liberdade e participação que o povo alcançou com a redemocratização, previa-se que
as eleições seriam bastante disputadas, pois “os setores conservadores e patronais dão
indícios claros de que entrarão de rijo na disputa e procurarão eleger representantes
seus”. (DS, nº 1, p. 37, 1986).
Em conformidade com as circunstâncias que definiram os dois eixos temáticos
para a realização das atividades formativas mais amplas (debates, seminários e
palestras), uma parte da grade de atividades formativas já se encontrava determinada.
Faltava ajustar o “departamento” de cursos sindicais para atender às demandas de uma
formação mais elaborada. Diferente das palestras e debates quando há um público maior
com a abordagem de um único tema, desenvolvido em uma atividade de uma única
noite, geralmente, os cursos de formação se caracterizam como atividades
desenvolvidas em dois dias ou 16 horas de atividade pedagógica, com um currículo
mais amplo direcionado para estudo posterior do conteúdo apresentado. Para
desenvolver as atividades formativas de maior escala a entidade montou núcleos de
estudos temáticos.
Os núcleos de estudos temáticos acabaram atendendo satisfatoriamente às
primeiras demandas de cursos de formação. Mesmo não estando afinados com questões
como didática, planos de aulas, currículo, o Centro, em 1985, “promovemos(veu) 16
cursos de formação sindical, atingindo cerca de 250 dirigentes e ativistas”. (CES – CES
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em ação, p.1, 1987a). Faltava, portanto, melhor organizar o “departamento de formação
sindical”, para que deixasse de ser um esforço individual dos militantes agregados aos
núcleos, para uma atividade planejada e coordenada coletivamente. A própria
experiência dos cursos iniciais da entidade nasceu da improvisação e do espontâneo.
Porém, a tarefa de redimensionar o trabalho especificamente pedagógico ficou
para o ano seguinte.
Ainda em 1985, o ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, publica seu projeto
sobre a Lei de Greve. De imediato, o núcleo de estudos sobre estrutura sindical resolveu
concentrar sua análise no projeto de tal lei. Como resultado do estudo realizado o CES
promoveu um debate com grande repercussão no movimento sindical, cerca de 100
sindicalistas participam desta atividade. (CES – CES em ação, p.1, 1987a).
O Centro ganhou novo alento com a publicação da revista Debate Sindical em
1986, segundo o documento “CES em Ação” do ano seguinte (que sistematizou as
atividades de 1985 e 1986 e traçou o planejamento de ações para 1987). – O lançamento
da revista ocorreu no Sindicato dos Borracheiros de São Paulo, no dia 30 de maio, e
contou com um público de mais de 100 dirigentes e ativistas. A revista Debate Sindical
“se propunha a ser um órgão especializado na discussão de temas sindicais,
promovendo análises aprofundadas, polêmicas francas e abertas e o intercâmbio das
experiências sindicais”. (CES – CES em Ação, p.2, 1987a). A primeira edição da revista
foi publicada em maio de 1986, comemorando o centenário do 1º de Maio, Dia
Internacional do Trabalhador, e teve uma tiragem de 5.000 exemplares. Em um mês
conquistou mais de 300 assinaturas de exemplares (a revista teve duração de 21 anos e
publicou 56 edições). O balanço, referente a 1986, constata que o esforço da
periodicidade trimestral da revista, prevista inicialmente, não foi cumprido. A segunda
edição saiu em setembro de 1986 (com o tema de capa: Construindo a nova estrutura
sindical) e a terceira edição só foi publicada em junho de 1987 (tendo a temática: Falam
os sindicalistas constituintes). Mesmo assim, essa ação trouxe repercussão e visibilidade
ao CES, que segundo Altamiro Borges:
A Debate Sindical foi na verdade o instrumento que permitiu a ampliação,
porque você pode ter vontade de ampliação, mas se não tiver a ferramenta para
isso, é complicado. A Debate Sindical acabou concretizando essa ideia da
ampliação no sentido da defesa da pauta trabalhista, na defesa do
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fortalecimento dos sindicatos, contra a divisão do sindicalismo. Ela então
acabou materializando, porque senão ficava só de opiniões. (Entrevista 1, p.3).
CONCLUSÃO
A pretensão desta comunicação, ao abordar as experiências vivenciadas pelo
movimento sindical no período final da ditadura militar, quando a sociedade passou a
exigir mudanças políticas na condução do Estado, é contribuir com o debate no
momento atual, levando em conta que se configura um golpe político-jurídico-midiático
contra a democracia. Tratar da perspectiva histórica que, em dialogo com experiência do
passado, pode inspirar novos atores sociais, ou mesmo sindicatos, a construir momentos
de resistência e luta popular reconquistando o estado democrático de direito e a
normalidade jurídica.
Temos clareza da limitação dos dados até aqui apresentados, posto que
corresponda ao estágio da pesquisa em andamento. Esperamos contribuir de maneira
mais decisiva quando da análise dos dados coletados e das entrevistas realizadas, fatos
que serão determinantes para o avanço da pesquisa.
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