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Coleção ANTROPOLOGIA SOCIAL diretor: Gilberto Velho O Riso E o RISÍVEL Verena Alberti ANTROPOLOGIA CULTURAL Franz Boas O ESPÍRITO MILITAR EVOLUCIONISMO CULTURAL • Os MILITARES E A REPÚBLICA Celso Castro • DA VIDA NERVOSA Luiz Fernando Duarte BRUXARIA, ORÁCULOS E MACIA ENTRE OS AZANDE E.E. Evans-Pritchard GAROTAS DE PROGRAMA Maria Dulce Gaspar NOVA Luz SOBRE A ANTROPOLOGIA OBSERVANDO o ISLÃ Clifford Geertz • O COTIDIANO DAPOLÍTICA Karina Kuschnir CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO Roque de Barros Laraia AUTORIDADE & AFETO Myriam Lins de Barros GUERRA DF. ORIXÁ Yvoniic Maggie CULTURA E RAZÃO PRÁTICA ILHAS ni: HISTÓRIA Marshall Sahlins Os MANDARINS MILAGROSOS Kli/.abeth Travassos ANTROPOLOGIA URBANA DESVIO E DIVERGÊNCIA INDIVIDUALISMO E CULTURA PROJETO E METAMORFOSE SUBJETIVIDADE E SOCIEDADE • A UTOPIA URBANA Gilberto Velho PESQUISAS URBANAS Gilberto Velho e Karina Kuschnir • O MUNDO FUNK CARIOCA • O MISTÉRIO DO SAMBA Hermano Vianna BEZERRA DA SILVA: PRODUTO DO MORRO Letícia Vianna • O MUNDO DA ASTROLOGIA LAIÍS Rodolfo Vilhena SOCIEDADE DE ESQUINA William Foote Whyte William Foote Whyte Sociedade de Esquina [Street Corner Society] A estrutura social de uma área urbana pobre e degradada Tradução: Maria Liicia de Oliveira Revisão técnica: Karina Kuschnir Puc-Rio Apresentação de Gilberto Velho Jorge/AI IAR Kclitor

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Coleção

ANTROPOLOGIA SOCIAL

diretor: Gilberto Velho

• O Riso E o R I S Í V E L

Verena Alberti

• A N T R O P O L O G I A C U L T U R A L

Franz Boas

• O E S P Í R I T O MILITAR

• E V O L U C I O N I S M O C U L T U R A L

• O s M I L IT A R E S E A R E P Ú B L I C A

Celso Castro

• DA VIDA N E R V O S A

Luiz Fernando Duarte

• B R U X A R I A , O R Á C U L O S E MACIA

E N T R E O S A Z A N D EE.E. Evans-Pri tchard

• G A R O T A S D E P R O G R A M A

Maria Dulce Gaspar

• N O V A Luz S O B R E

A A N T R O P O L O G I A

• O B S E R V A N D O o I S L Ã

Clifford Geertz

• O COTIDIANO DAPOLÍTICA

Karina Kuschnir

• C U L T U R A : U M C O N C E I T O

A N T R O P O L Ó G I C ORoque de Barros Laraia

• A U T O R I D A D E & A F E T O

Myriam Lins de Barros

• G U E R R A D F . O R I X Á

Yvoniic Maggie

• C U L T U R A E R A Z Ã O P R Á T IC A

• I L H A S ni: H I S T Ó R I A

Marshall Sahlins

• O s M A N D A R I N S M I L A G R O S O S

Kli/.abeth Travassos

• A N T R O P O L O G I A U R B A N A

• D E S V I O E D I V E R G Ê N C I A

• I N D I V I D U A L I S M O E C U L T U R A

• P R O J E T O E M E T A M O R F O S E

• S U B J E T I V I D A D E E S O C I E D A D E

• A U T O P I A U R B A N AGilberto Velho

• P E S Q U I S A S U R B A N A S

Gilber to Velho e Karina Kuschnir

• O MUNDO F U N K C A R I O C A

• O M I S T É R I O DO S A M B A

Hermano Vianna

• B E Z E R R A D A S I L V A :

P R O D U T O D O M O R R O

Letícia Vianna

• O MUNDO DA A S T R O L O G I AL A I Í S Rodolfo Vilhena

• S O C I E D A D E D E E S Q U I N A

William Foote Whyte

Will iam Foote W hy t e

Sociedade de Esquina[Street Corner Society]

A estrutura social de uma área urbana

pobre e degradada

Tradução:

Maria Liicia de Oliveira

Revisão técnica:

Kar i n a Kuschnir

Puc-Rio

A p resen t ação de

Gilberto Velho

Jorge/AI I A R Kclitor

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H Anexo A

Sobre a evolução de

Sociedade de esquinei

N os anos que se passaram desde qu e t e rminei Sociedade de esquina, mui tas vc/cs

quis ensinar a meus alu nos os métodos de pesquisa necessários para a real iza ção

de estudos de c a mp o em c o mu n i d a d e s ou organizações. Assim como ocorria

com outros professores dessa área, encontrei-m e seria men te l imitado pela escas-

se z de lei turas qu e pudesse recomendar ao s alunos .

Hoje ex i s t em inúmeros bons es tudos sobre comunidades ou o rgan izações ,mas em geral os relatórios publicad os conferem pouca atenç_ão_ao irjroçesso_efe|b1

vo_de real i zaçã o da p_esquisjL. Também têm apare cido alguns trabalh os úteis so-

bre métodos de pesquisa , porém, com poucas exceções, si tuam toda a discussão

num n ível puramen te lóg ico- in te lectual . Falham qu ando deixam cie levar cm

conta qu e, assim como seus informa ntes, o pesqu isador é um animal soci 'al . ' I c m

um papel a desempenhar , e as demandas de sua própr ia p e r s o n a l i d a d e devem

se r satisfeitas em alguma medida para que ele possa atuar co m sucesso. Quando

0 pesquisador está ins ta lado numa un ivers idade , indo ao campo apenas po r pou-

ca s horas de cada vez, pode ma nter sua vida social separada da at ividacle de cam-

po . L i d a r co m seus diferentes papéis não é tão compl icado . Contudo , se v iver

po r um longo período na c o mu n i d a d e que é seu objetó de estudo, sua vida pes-

soal estará inextr icavelmente associada à sua pesquisa. Assim, uma explicação

real de com o a pesquisa foi feita necessariamente envolve um relato bastante pes-

soal do modo como o pesquisador viveu durante o t empo de real ização do estudo.

Esse relato da vida na comunidade também pode a judar a explicar o processo

de análise dos dados. As ideias que temos duran te a pesquisa são apenas pa rcial-

mente um produto lógico que cresce a partir de uma cuidadosa avaliação de evi-

1 ências . Em geral , nossa maneira de ref letir sobre os prob lemas não é l inear .

< '"m f requên cia temos a sensação de estarmos imersos numa massa confusa de

d a d o s . Nos os a n a l i s a m o s c u i d a d o s a m e n t e , c o l o c a n d o s o b r e eles lodo o peso

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2 8 4 Sociedade de e s q u i n a

de nosso poder de anal i se lóg ica. Saímos d i s so com u ma ou du as ideias . Mas os

d ad o s a i n d a n ã o r ev e l am q u a l q u e r p ad r ã o co e r en t e . E n t ã o , p a s s am o s a v i v e r

c o m o s d ad o s — e c o m a s pessoas — até q u e , q u e m s ab e , a l g u m aco n t ec i m en t o

for t u i t o l an ce u m a l u z to talmen te d i feren te sobre eles e c o m e c e m o s a en x e r g a r

u m p ad r ã o a t é en tã o n ã o v i s u a l i zad o . E s s e p ad r ã o n ã o é p u r am en t e u m a c r i aç ã o

a r t í s t ica . Q u a n d o p e n s a m o s q u e o vemos , somos forçados a r eex am i n a r n o s s a s

notas e , ta lvez, co letar novos dados a f im de determ inar s e o padrão p erceb ido re -p r e s en ta ad eq u ad am en t e a v i d a q u e o b s e r v am o s o u é s i m p l e s m en te u m p r o d u t o

de nossa imag in ação . A lóg ica, en tão , tem um a pa r t i c ipação impor tan te . Mas es -

t o u co n v en c i d o d e q u e a ev o l u ç ã o r ea l d a s i d e i a s n a p e s q u i s a n ã o aco n t ece d e

acordo com os relatos forma is que lemos sobre métodos de inve s t igação ._As

i de i as crescem, e m par te , como res u l tado de nossa imersão nos dados e d o j W H

cesso total de_viyer. Co n s i d e r an d o q u e m u i t o d e s s e p r oce s s o d e an á l i s e o co r r e

n u m p l an o i n co n s c i en t e , e s t o u s eg u r o d e q u e d e l e n u n ca p o d em o s a p r e s e n t a i

um relato completo . No en tan to , uma descr ição do modo de se fazer a p e s q u i s a

p o d e a j u d a r a_explicar c o m o o p ad r ã o d e Sociedade de esquina fo i g r a d u a l m e n t e

emejrgjnclo.N ã o s u g i r o q u e m i n h a ab o r d ag em em Sociedade de esquina preci sa ser s e g u i

d a por ou t ros pesqu i sadores . Em alguma medida, e la deve ser ún ica, para r u i m

m es m o , p a r a a s i t u aç ã o p a r ti cu l a r e p a r a o u n i v e r s o d e co n h ec im en t o s q u e c x r ,

ti a q u an d o co m ece i o t r ab a l h o . P o r o u t r o l ad o , d ev e h av e r a lg u n s e l em en t o s cn

m u n s n o processo d e p es q u i s a d e cam p o . S o m en t e à m ed i d a q u e a c u m u l a m i n > i

uma sé r ie de relatos sobre como a pesqu i sa fo i efet ivamen te real izada s e r e n i m

capazes de i r a lém do quadro lóg ico- in telectual e de ap render a descrever o p i o

cesso real d e i n v e s t i g aç ã o .O q u e s e segue, por tan to , é s i m p l e s m en t e u m a c o n h ib u i ç ã o na d i reção des se ob jet ivo .

i. A N T E C E D E N T E S P E S S O A I S

V e n h o de um con tex to mui to só l ido de clas se média al ta . Um avô e ra m é d i i i > .

o u t r o , i n s p e t o r escolar . Meu pa i e ra p r o f e s s o r u n i v e r s i t á ri o .M i n h a c r i a ç ã o , | > c

l a u t o , fo i m u i t o d i f e r en t e e di s tan te d a v ida q u e descrev i em C o r n e r v i l l c .

N o S w ar t h m o r e C ol l e g e , e u t i nha doi s fortes in teres ses : econ omia ( m i s l i i f H i l

da com a ide ia de r e f o r m i s m o s o c i a l) e e s c r ev e r . N aq u e l a é p o ca r e d i g i d i v c i M H

i m i t o s e p e ç a s tea t r a i s e m u m a t o . D u r an t e o v er ã o , no ano em q u e l a m i n e i a I r t »

i n l i l a d r , l a i l e i p r o d u z i r u m r o m a n c e . O ato de e s c r ev e r fo i i m p o r t a n t e , a i i i u r t

d e l i u l i i p o i q u c m i 1 e n s i n o u sobre m   m m es m o . V á r i o s do s c o n t o s s a í r a m n a i t M j

i l i l i l n . i i i , i d o c o l é g i o e n m l o i i n c i t o p a r a p u b l i c a ç ã o ( m a s n u n c a | > n l > l n a i l i l )

n a revista Story. Três d a s peças e m u m a t o f o r am p r o d u / i d a s c m S u . n l l > i < - n o

co n cu r s o an u a l d e peças cu r tas . N ã o f o i u m m a u co m eç o p a r a a l g n n n q n c l i n h a

e s p e r an ç a s , co m o e u , d e s eg u i r a ca r r e i r a d e e s c r i t o r . Mas , a i n d a a s s i m , s e n

t i a-me descon for tável e i n sat i s fe i to . A s peças e o s con tos e r a m l o d o - , i d . i h r , t u

c i o n a i s d e even tos e s i tuações q u e e u própr io v ivera o u o b s e r v a i a. Ao I c i i l . n n

além d e m i n h a ex p e r i ê n c ia e e n f r e n t a r u m r o m an ce s o b r e tem a p o l í t i c o , < > i c . - . n l

tado fo i um f r acas so to tal. Enqu an to escrev ia o s ú l t i m o s cap í t u l o s , já h a v i a pc iceb i d o q u e o m an u s c r i t o n ão v a l i a n ad a . T e r m i n e i , s u p o n h o , s ó p ar a di/ .c i a

m im m es m o q u e t i nha escr i to u m r o m an ce .

Agora le io com f re qu ência o conselho d ado a jovens escr i tores , de que d e v e m

t r a b a l h a r a par t i r de sua p róp r ia exper iência; e ve jo q u e n ã o t i n h a r azã o p a r a m e

en v e r g o n h a r d aq u e l a l i m i taç ã o . P o r ou tro lado , fo i q u a n d o reflet ia s o b r e m i n h a

e x p e r i ê n c i a q u e co m ece i a m e s en t i r i n co m o d ad o e in sa t i s fe i t o . M i n h a v ida fa -

m i l i a r hav ia s ido mui to f e l iz e i n t e l ec t u a l m en t e e s t i m u l an t e — m a s s e m av en t u -

ra . Nunca t ivera d e l u t a r p o r n a d a . C o n h e c i a mui tas pes soas ag radávei s , m a s

quase todas elas , c o m o eu , t i nham boas , só l idas r aízes de clas se média. Na esco-

l a , é claro , conv iv ia com e s tuda n tes e p rofes sores de clas se média. Na da sab ia so-br e as á reas pobres e degradadas ( com o, al iá s , t a m b é m não sa b ia sobre a v ida dos

m i l i o n á r i o s da Cos ta Dou rada) . Nada sab ia sobre a v ida n a s fáb r ica s , n o s c a m p o s

o u n a s m i n a s — exceto o q u e co n s eg u i r a ap r en d e r n o s l iv ros . Ass im , a c a b e i po r

me sen t i r um t ipo bas tan te ba nal . Algumas vezes es se senso de b a n a l i d a d e t o r n a -

va-se tã o opres s ivo q u e e u s i m p l e s m en t e n ã o p o d i a p en s a r c m c o n t o a l g u m p a i a

escrever . C o m e c e i a ach a r q u e , s e fos se para r e a l m e n t e 1 e s c r e v e r q u a l q u e r c o i s a

( | i i c vales se a pena, ter ia d e a l g u m a m a n e i r a q u e i r a l e m d a s e s t r a l a s I n m l d i a s

sociais d e m i n h a ex i s t ê n c ia .

M eu i n teres se em eco n o m i a e em r e f o r m a s o c i a l l a m b e m m e - l e v o u a Socie-

dade de esquina. Um a d as m i n h as l em b r an ç a s m a i s v í v id a s d o t em p o d a f a c u l d a -d e é d e u m d i a p a s s ad o co m u m g r u p o d e e s t u d an t e s v i s i t an d o o s distritos pobres

i l a Fi ladé l f i a . Lembro-me d i s so n ã o s ó p e l a s i m ag en s d e p r é d i o s d i l ap i d ad o s e

pessoa s am o n t o ad as , m as t a m b é m pela m i n h a s en s aç ã o d e em b ar aç o , d e q u e eu

aã u m t u r i s t a n a área. Como é c o m u m e n t r e o s joven s , sen t ia o i m p u l s o d e a j u -

i l . n Io d as aquelas pes soas , mas , a inda as s im, sab ia q u e a s i tuação era tão além d e

q u a l q u e r co i s a rea l i s t a q u e eu p u d es s e t en t a r à q u e l a é p oc a q u e m e s en t i co m o

d i l e t a n t e f ing ido , p e lo s imples fa to de es tar a l i . Comecei a p en s a r a l g u m as

M v.cs ai i v o l t a r ã o distr i to e r e a l m e n t e a p r e n d e r a c o n h e c e r a s pessoas e as co n d i -

i , i M \ c m q u e v i v i am .

M ai s i m p n l s o s . d e r e f o r m a s oc i a l a s s u m i r am o u t r a s f o r m as n o c a m p n s . N o

M r m i d o a n o d a f a c u l d a d e , f az ia p ar t e d e u m g r u p o de l 5 p es s o a s q u e se r e l h a -

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28 6 Soc iedade de esquina

ram de suas f ratern idade s em m eio a um bocado de fanfarra. Aquela era uma

época exci tan te no camp us, e alguns dos homens fortes na fra te rnidade temeram

que, com nossa saída, a estrutura ruísse sob seus pés. Não p recisavam ter se preo-

cupado . As fratern idades prosseguiram n m i l o bem sem nós. No ú l t imo ano en-

volvi-me em ou tro esforço para re formar o campus . Desta vez pretendíamos não

menos que a reorganização de toda a vida social do lugar . O movimento decolou

de modo promissor , mas rap idam ente se e x a u r i u .Esses esforços abor tados de reforma t iveram um grande v alor específ ico para

m i m : vi que reform ar não era tão fáci l . Reconheci que havia cometido vár ios

equívocos. Também cheguei à conclusão de q u e algum as das pessoas que me f i -

zeram a mais forte oposição eram na real idade gente bastan te agradável . Não

conclu i , co m isso, qu e estavam certas e e u errado , m as reconheci quão pouco eu

realmente sabia sobre as forças que levam a lguém a agir. A partir de minhas pró-

prias reflexões sobre os fracassos de meus esforços cm reform ar o campus, cres-

ceu um in teresse ainda mais acen tuado de entender as outras pessoas.

Ho u v e também um livro que li e me c au so u forte impressão naquela época.

Era a Autobiografia de Lincoln Steffens. Caiu-me nas mãos durante o ano quepassei na Alemanha, en tre o f im do segundo grau e a facu ldade . Em meus esfor-

ços para domin ar a língua alem ã, esse livro foi a única coisa escrita em inglês que

l i duran te algum tempo, e isso pode expl icar por que me impressionou tanto, o

qu e talvez não tivesse acontecido em outras c i rcunstâncias . D e qualquer modo,

estava fascina do por ele e o li várias vezes. Steffens começou como reformador e

nunca abandou esse ímpeto de m u d ar as coisas. A inf indável cur iosidade sobre o

mundo à sua volta fez com que se tornasse cada vez mais interessado em desco-

bri r como a sociedade realmente funcionava. E le demonstrou que um h o m em

com uma origem semelhante à minha poder ia se afastar de seu modo de vida

u su a l e ganhar um conhecimento íntimo de ind iv íduos e grupos cu jas at iv idadese crenças fossem muito diferentes das suas. Então, você poderia realmente fazer

com q ue esses "políticos corruptos" falasse m com você. Eu precisava saber disso,

que me ajud ou algumas vezes, quando sen t ia que as pessoas que en trev istava

prefe r i r iam be m mais que eu desaparecesse dal i de uma v ez por todas.

2 . D E S C O B E R T A D E C O R N E R V I L L E

Em 1936, quando me formei em S warthmore, receb i uma bolsa do Comité A ca-

dé m i c o de Harvard . I sso m e abr iu um a opor tun idade excepcional — Ires a n u s

de a p o i o para qualquer l i n h a de pesquisa qu e desejasse desenvolver . A única ic s

l i u;an c ia q u e nã o me seria p e rm i t i d o ac u m u l a r c r é d i to s p a ra o dou t o r a do , l l o j c 1

Anexo A 287

sou grato por essa limitação. Sc l ivcssc l i d o pn missão de trabalhar para o douto-

rado , su p o n h o qu e teria s ido levado a a p n i \ i o I r m p n c a opoi lu n i d a d e . Com

essa al ternat iva e l iminada , l u i fo içado a l a / . c i < > q u e c | u n i a . independentemente

dos créditos académicos.

Comecei c om um a vaga ideia d e q u r q n n u estudai um a a i c a p o b r e 1 c degra-

dada. Eastern City me oferecia diversas escolha1 , p o s s í v e i s . N as p r im e i r a s sema-

nas de minha bolsa de l larvard, gaslci a l f . i m i I c m p u a a n d a r para c ima e parabaixo n as ruas dos vários d i s l i i l o s p o b i c s d c K a s l r i n ( i i l v , ta lando c o m diferentes

pessoas e conversando com o pessoal Q B E agenc ias sociais a respeito da s áreas .

Minha escolha fo i f c i l a co m bases n e m um pouco c ien t íf i cas : Cornerv i l le er a

o que melhor se ajustava à m i n h a i d e i a d e c o m o deveria ser um distrito pobre e

degradado . D e alguma maneira, eu havia criado um a imagem de prédios de três

a cinco andares, decadentes e amontoados. Embora d i lap idados, não me pare-

c iam m uito genuínos os préd ios com estru turas de madeira que encontrara em

alguma s outras partes da cidade. Se m dúvida Cornerville tinha ou tra caracterís-

t ica um pouco mais objet iva que também motivou minh a esco lha: al i v iv iam

mais pessoas por metro quadrado do que em qualquer ou tro ponto da cidade . S edistrito pobre e degradado sign if icava superpopulação , Cornerv i l le cer tamenteer a um .

3. O PLANEJAMENTO DO ESTUDO

Tão logo encontre i uma área pobre e degrad ada, comecei a p l a n e j a r meu estu-

do . Naq u e la época, não era suf ic ien te plane jar apenas para mim. Havia começa-

do a ler a literatura sociológica e a seguir um a linha semelhante à dos Lynd em

Middletown. Gradua lmente , passei a me ver como sociólogo ou antropólogo so -

cia l , e não como econom ista . Descobr i que, embora as áreas pobres tivessem re -

c e b i do muita atenção na l i teratura socio lóg ica, não existia qualquer estudo de

c o m u n id ad e verdadeiro sobre e las . Assim, decidi organizar um estudo de comu-

n i d a d e sobre Co rnerville. Tratava-se claramente de um grand e empreendimen-

to , M eu primeiro esquema, Jjrevia pesquisa^esjDeciaisjobre a história do distrito.,

econom ia (padrões de v ida, hab i tação , rnarketing, dlstribmcjio e_emrjregp), polí-

l i c a (a estrutura da organização política e suas relações com os gângsteres e a po-x „ _~-™ ,—JS~—«»JL««t,——- ! ™~~~~5 *«*_ m̂C3_~~SX~ ,.~̂~__

l i c i a ) , R£drões_de e^ucac_§g_e_jecrea£ão, a igreja , ^úd££ubjica e — quem dir ia

a l i tudes sociais. Obviamente isso era mais que um t rabalho para uma pessoa

|ó, c e n t ã o eu o planeje i para um a equipe de dez pesquisadores.

( l o i u o p r o j e to na s mãos, p rocurei L.J. Henderson, em in en te b io q u ím ic o c• , ( • < i c l a r i o d o Comité Académico .

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288 Sociedade de esquina

Passamos uma hora junto s, e saí dali num estado de grande incertez a a respeito

de meus p lanos. Como escrevi para um amigo na época: "Henderson jogou

água fria sobre aquele gigantesco começo; disse-me que não dever ia conceber

proje tos tão g rand iosos enqu a n t o eu m esm o ainda não tivesse fei to p r a t i c a m en tet raba lho de campo a lgum. Ser ia mui to mais razoável começar o traba lho prá t ico

e t enta r cr ia r len tamente uma equipe, à medida que fosse avançando . Se a té o

outono eu tivesse um a equipe de de z pessoas funcionando, a responsab i l idadepela direção e coordenação inev i tavelmente ca i r ia sobre m i m , pois eu a teriacr iado. Como poderia dirigir de z pessoas nu m ca m p o que não me era f ami l i ar?

Henderson d isse que, se eu conseguisse logo de in íc io um projeto com dez pes-

soas isso seria minha ruína; era o que ele pensava . O je i to c o m o apresen tou tudo

isso fez com que soasse bastan te persp icaz e razoável ."Essa última sentença deve ter sido escrita depois que tive t em po de me recu-

perar da en trev is ta , da qual m e l em b r o c o m o um a exper iência esm agadora . Su -p on h o que um bom conselho seja tã o dif íci l de acei ta r quan to u m m a u aviso,

mas, apesar disso, nã o levou mui to t em po até eu perceber qu e Henderson estava

certo, e a b a n d on e i o plano grand ioso. Como as pessoas qu e oferecem conselhosdolorosos — embora bons — ra ramente recebem qualquer r ec onhec i m ent o po r

eles, serei sempre grato por ter ido ver Henderson novamente, pou c o antes desua mor te , para d izer que eu percebera como el e estava absolutamente cer to.

E m b or a tenha deixado de lado a ideia de um p rojeto para uma equipe de de/,

pessoas, ainda relutava em voltar inteiramente à Terra. Parecia-me que, em vista

da magni tude da tarefa que eu assumia , dev ia te r pelo menos um colaborador , cc om ec e i a procurar meios de conseguir um amigo, um colega da f a cu ld a d e , paru

se j u n t a r a mim no trabalho de campo. Seguiram-se, duran te o inverno de

1936-37, vár ias rev isões da versão prel iminar do estudo de com unidade e nu me

rosas entrevistas co m professores de Harvard que me poder iam a j ud a r a conse-guir o apoio necessár io.

Relendo essas várias versões da pesquisa , o mais impressionan te sobre c ia s e

c om o estavam d is tan tes do trabalho qu e efet ivamente rea l izei. À m ed id a q ue eu

prosseguia , os termos do p rojeto foram se tornando cada vez mais sociológ icos ,de forma que encer rei essa fase plane jando a t r ibuir maior ên fase a um t ipo de c>

í2£S 4?am'zao-eenm?aspessoas. Começ ar ia com_

uma f amíl ia e pergun tar ia qu em eram seus amigos e quais as pessoas pelas q i i a í »

sent iam maior ou m e n o r host i l idade. E nt ã o i r ia aos amigos ind icado s c pedir ia

um a l ista de seus p rópr ios amigos, e, ao longo desse p rocesso, aprend er ia a lgo só

b i i 1 suas a l iv idades c o n j u n t a s . Desse m o d o poder ia t raçar a es t r u tu r a social depe lo n i m o s um a par te da com u n id a d e . Por ém , é claro que não f i/ n em isso, po i

q ue acabei descobr indo que se p od e e x a m i n a i a e s l i n l u i a soc ia l d i r e t a m c n t e ,observando as pessoas em ação .

Q u a n d o , um ano depois , no o u l o i i o de l '^7, j o l m l l owa r d — t a m b ém pes-quisador - júnior de Harvard — d e i x o u o c a m p o da l i s i co-qu ímica e passou para a

sociolog ia , eu o convidei a se j u n t a i a n u > e s t u d o de Cornervi l le . Trabalha-

m o s j un tos po r dois anos. H o w ard c o i u c n l i a v a - s c p a r t i c u l a r m e n t e n u m a das

igrejas e na Congregação do V er b o l ) i v m o . A s discussões en tre nós a judaramim en sa m en te a tornar mais ci a r ã s n l i u l a s i d e i a s . C on tu d o , p oucos m eses a p en a sdepois de começar o t raba lho de c a m p o em (lornerv i l le , eu h a v i a a b a n d on a d oto t a lm en te a ideia de m o n t a i um a e q u i p e . S u p o n h o q ue tenha achado a vida lo -

ca l tão in teressan te e co mp ens ado ra que já não sen t ia mais necessidade de pen-sa r em termos tão amplos .

Em bora es t ivesse c o m p l c l a m c n l c à m e r c ê da s circunstâncias no que se refe-

ri a ao p la n e j a m en to do es tud o , pe lo m en os con t av a c o m u m a a j ud a val iosa paradesenvolver os métodos cie pesqui sa cie ca m p o qu e acabar iam levando a um pro-jeto de pesquisa e aos dado s que aq u i rela to.

Ê difícil perceber agora com o foi veloz o desenvo lv imento dos es tudos socio-lóg icos e an tropológ icos de c o m u n i d a d e s e organ izações desde 1936 , qua ndo co-

m ec e i m eu t raba lho em Cornerville. Na q u e l a época a inda nã o havia nadapubl ica do sobre o es tudo de "Yankee Ci ty" feito por W. Lloyd Warner . Eu t inha

l ido co m interesse Middletown, do s L y n d , e Greenwich Village, de CarolynWare, e aprendera mui to com ambos. A inda ass im, c om ec e i cada vez mais a me

da r conta , à proporção qu e cont inuava , que o estudo de com un id a d e que eu rea-

l izava não era do m e s m o t ipo. Grand e par te do res to da l i tera tura sociológ ica en-tão d isponível tend ia a olhar a comunidade em termos de p rob lemas sociais, oqu e fa z ia com que ela s implesmente não ex is t issecomo um sistema social orga-

nizado.Passei o p r imeiro verão depois do in íc io do estudo lendo a lgumas das obras de

l )urkheim e Th e Mind an d Society, de Pareto (para um seminár io co m L.J. Hen-

derson , do qual participei no ou ton o de 1937). T i nha a sensação de que esses tex-lo s eram ú teis , mas, a inda uma vez , apenas de modo genér ico. En tão comecei aler a l i tera tura de an tropolog ia socia l , a com eça r de Ma l in ow sk i , e isso pareceu

mais próx imo daqui lo que eu quer ia f aze r , embora os pesquisadores es tudassemt r i b o s pr imit ivas — e eu est ivesse no me io de um d is t r i to de uma grande cidade .

Como havia pouca or ien tação para mim na b ib l iogra f ia , eu p recisava , comm a i s urgência a inda , d a a j u d a de pessoas ma is capaci tadas e exper ien tes qu e n i

no t r a b a l h o q ue rea l izava . Nisso f u i ex t r a o r d in a r i a m en tebe m a f o r t u n a d o , ao e u

i o i i l i a r C o n r a d M . A r c ns be r g bem no in íc io d e m i n h a p esq u i s a . l ' . l c l a i i i l i r m

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290 Soc iedade de esquina

er a pesquisador - júnior , e por isso no s víamos co m muita f requência . Depo is de

te r t rabalhado po r alguns meses co m W. Lloyd Warner no estudo de Yankee

City , junta ra -se a So lon Kimbal l para pesqu isar um a p eq u en a co m u n i d ad e na

I r landa . Quand o o encon tre i , acabava de vol t ar da v iagem de campo e começava

a elaborar a descrição dos dados. Jun to com Elio t Chapple, também desenvo lv ia

uma nova abordagem p ara a anál ise da o rgan ização social . Os do is t inham pro-

curado jun tos maneiras de estabelecer essa pesquisa social em base m ais científi-ca . Ao rever os dados de Yankee Ci ty c também o estudo i r landês, t inham

montado cinco d i feren tes esquemas teór icos. U m após outro, os quatro p r imei-

ro s esquemas desabaram sob suas p rópr ias ex igências cr í ticas ou sob os go lpes de

Henderson , Elton May o ou outras pessoas consu l tad as. F inalmente os do is co -

m eça r am a desenvolver u m a t eor i a d a i n l c r a ç ã o . Sent iam que, a despeito d e

tudo o que fosse subjetivo n a pesqu i sa soc ia l , er a possível estabelecer objetiva-

mente o padrão de in teração en tre as pessoas: quão frequentemente A en tra em

c_pntatpjcorn_Bj quantoJtejnrjo_p_assa21ÍUritos, q u e r n ongjrj^^ão_guando A, B e

Cestãojiintojs, e assim_£or d ian te . A cj.iid_adosa_gbseryação desses eventos>Ínter-_

pessoais poderia entãojbrnecer dados co_nfiáveisjso_b ré ji_ organ izacã o social de _um a comunidad e. Essa , pelo menos, era a presunção . Como a teoria fora desen-

volvida a par t i r d e pesquisa já real izada, er a natu ral q ue esses estudos prév ios n ão

tivessem tantos dados quantitativ os qua nto os impostos por uma teoria. Assim,

parecia que eu pod er ia ser um dos p r imeiros a levar a teo r ia ao campo .

Arensbcrg e eu t ivemos in f indáveis d iscussões sobre a teor ia , e Eliot Chapple

par t ic ipou de alguma s delas . No in ício , tudo parecia m ui to confuso para m im —

e ainda n ão estou seguro de que já tenha esclarecido todos o s aspectos — , mas ti-

nha a crescente sensação de que havia ali algo sólido que poderia servir de base

p a ra constru i r meu t rabalho .

Arensberg também d iscu t iu comigo a questão dos métodos de pesqu isa de

campo, en f a t i zan d o a i m p o r t ân c i a d e observar as pessoas em ação e escrever vi m

relatório detalhado sobre os compor tamentos concretos , to ta lmente i sen to de

j u l ga m e n t o s morais . No segundo semestre em Harvard , f iz um curso min is t rado

po r Arensberg e Chapple sobre estudos socia is an tropo lógicos d e comunidades.

E m b o r a fosse útil, devo muito mais às longas conversas pessoais que tive com

Are n s b e rg duran te todo o t rabalho em Cornerv i l le , par t icu larmente nas e tapas

i n i c i a i s .

N o o u l o i i o d e 1937, f iz um pequeno seminár io co m Elton Mayo . Isso e n v o l -

v i a , p a i l i c i i l a r m c n l c , l e i t uras d o s t rabalhos d e Pier re Janct e t am b ém a l g u m al > i a l i c a < ! < • r n l r c v i s l a s c o m ps iconcnrót i cos n u m h o s p i t a l cie Eas te rn C i t y . A e x -

per iência fo i muito breve para m e levar além d o es tágio d e a m a d o í , mas ! hl

para desenvolver meus métodos de entrevista.

L.J. Hen d e r so n exerceu uma in f luência menos c s p c c i l i r a , n i a s . i n n l . i ass im

general izada, sobre o desenvo lv imento d e meus métodos c I c o i i a . v ( : < > I I K > | > K - M

dente d o Comité Académico , e le comandava nossos jan tares de s e g u n d a I c n a

como um patr iarca o faz em seus p róprios domín ios. Embo ra o g m p o i n c l u í s s e

A. Lawrence Lowell , Alfred No r th Whitehead, John Livings ton l , < > w c s , S a m u e lElio t Morr ison e A r t hu r Darby Nock, Henderson e ra faci lmente a g r a n d e | I > M I U

impressionan te para os bo ls is tas mais novos, e parecia gostar particularmente dea to r m en ta r o s joven s cien t is tas socia is . El e m e f isgou e m m e u p r i m e i r o j a n l a i

de segunda-feira e decid iu m e mostrar qu e todas as minha s ideias sobre a socie-

dade se baseavam num sen t imental ismo ingénuo . Embora f requen tem ente m e

ressentisse com as críticas penetrantes de Henderson, ficava cada vez mais deter-

m i n ad o a faze r com que m inha pesqu isa de campo fosse capaz de resistir a qual -quer coisa que e le pudesse dizer.

4. P R I M E I R O S E S F O R Ç O S '.

Quando comecei meu trabalho , não t ivera t re ino algum em sociolog ia o u a n l r o -

pologia . Via a mim mesmo como economista c , natu ralmente , começava

o lh an d o as questões q u e t ínhamos abordado n o s cursos d e e c o n o m i a , c o m o o

p r o b lem a d a habi tação em áreas pobres. Naquela época, eu a s s i s t i a a n m c u r s o

sobre favelas e h ab i t ação no D e p a r t a m e n t o de Sociolog ia de l l a i v a i d . ( l o m o t r a -

b a lh o f ina l , f iz um estudo sobre n m q u a r t e i r ã o cm C o r n e r v i l l e . P a r a l e g i tim a r

esse esforço, entrei em contato com uma agência pr ivada que t r a t a v a de questões

de moradia e me ofereci para passar para eles os resultados d e m e u mirvey. C om

esse apoio, comecei a bater às portas, a olhar para dentro de apartamentos e aconversar com os moradores sobre as condições de habitação. Isso me pôs em

contato com as pessoas de Cornerville, mas seria difícil imaginar agora ummodo mais inadequad o de dar início a um estudo como o que eu aca baria por fa-

zer . Sen t ia-me mui to desconfor tável co m essa in trom issão , e tenho certeza d e

que as pessoas também . Terminei o t rabalho sobre o quar te i rão o mais ráp idopossível e o contabilizei como perda total no que se referia a conseguir uma ver-dadei ra en trada no d is t r i to .

Pouco depois, tive outro começo problemático — se é que um esfo rço tão

precár io mereça ser chamad o até mesmo de começo. Na época, es tava comple-

tamente t o m ad o — e f rust rado — pelo p roblema d e achar u m a f o r m a de en trarn o d i s t r i t o . C o r n e r v i l l e e s tav a bem à m i n h a f r en t e , e ainda ass im tã o d i s t a n t e . P o-

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Sociedade de esquina

di a and ar l ivremente p ara cima e para baix o em suas ruas e já t inha até consegui-

do ent rar em alguns apartamentos . Todavia, ainda era um est ranho num m u n d o

completamente desconhecido para mim.

Nessa época conheci em Harvard um jovem professor de economia que me

impress ionou com sua au t oc onf ianç a e seu conhecimento de Eastern City. Ele

estivera l igado a um cent ro comunitár io e falava levianam ente sobre suas as-

sociações com os jovens durões do distrito,homens e mulheres . Também descre-veu como às vezes entrava num bar na área, travava conhecimento com uma

garota, pagava uma b ebida p ara ela e então a enco rajav a a contar sua história de

vida. Ele garantia que as mulheres que encontrava desse modo apreciavam a

opor t un idade , e que não havia aí qualquer obrigação adic ional .

Essa abordagem parecia pelo menos tão plausível quanto qualquer outra que

eu t ivesse sido capaz de pensar. Resolvi tentar o mesmo. Escolhi o Regai Hotel ,

que ficava quase no f inal de Cornerville. Com uma certa agitação, subi as esca-

da s para a área de comida e lazer e de i uma olhada em volta. O que encontrei foi

uma s i tuação para a qual meu conselheiro não me preparara. De fato, havia mu-

lheres, mas nenhuma delas estava sozinha. Algumas se faziam ac ompanhar porum homem, e havia dois ou três pares de m ulheres. Avaliei rapidamen te a s i tua-

ção. Sent ia pouca confiança em minha habil idade de escolher uma mul he r , e

me parecia desaconselhável l ida r com duas ao mesmo tempo. Ainda assim, esta-

va determinado a não me dar por vencido se m lutar . Olhei em volta de novo e

percebi um trio: um homem e duas mulheres . Ocorreu-me que ali havia má dis-

t r ibuição de mulheres, e que eu poderia corrigir isso. Aproximei-me do grupo

com uma fala mais ou menos assim: "Perdoem-me. Vocês se importam se eu m e

j u n ta r a vocês?" Houve um momento de silêncio, enquanto o homem me enca-

rava. E então se ofereceu para me jogar escada abaixo. Garanti que isso não seria

necessário, e demonst rei o que diz ia saindo de lá sem qualquer a juda .Mais tarde descobri que dificilmente alguém de Cornervil le teria entrado no

Regai Hotel . Se meus esforços ali fossem coroados de sucesso, teriam sem dúvi-

da conduzido a algum lugar , mas certamente não a Cornervil le .

Na minha próxima tentativa, escolhi os centros comunitários locais. Eram

abertos para o público . Neles podia-se entrar à von tade, e eram o perado s por pes-

soas de classe média como eu (com certeza eu não teria falado assim na época).

Mesmo n aquela op ortunidade percebi que , para es tudar Cornervil le , te r ia de ir

i n n i l o a l é m do cent ro comunitár io. M as talvez os assistentes sociais pudess em

i n c a j u d a r n a part ida.

( ) l l u n d n para trás agora, o cent ro comunitár io cont inua a parecer um l ugarp o u co promissor para se c ome ç ar u m estudo. Se eu livcsse de p r i n c i p i a r

novamente , era provável que fizesse minha pr ime i ra a b o r d a g e m | > < I n m r d m

de um polít ico local, ou , talvez, da igreja católica, e m b o r a n a u seja < a l n l i < n

John Howard, qu e t rabalhou comigo m ais t arde , fez sua e n t r a d a ru m i o MI

cesso pela igreja, e ele t ambém não era católico — embora su a esposa Inv.r

Seja como for , o centro comunitário provou-se o luga r certo para m i n i d a q n c

Ia vez, pois foi ali que conheci Doe. Tinha falado co m vários assistentes soc ia is

sobre meus planos e esperanças de me familiarizar com as pessoas e e s t u d a i odistrito. Ouvi ram-me co m graus de interesse variados. Se t iveram sugestões a

dar , não me lem bro agora, exceto uma. D e algum a form a, a despeito da impreci -

sã o de minhas próprias explicações, a chefe das moças do Centro C omuni t á r io

da Norton Street entendeu o que eu buscava. Começou descrevendo Doe para

mim. Disse que era uma pessoa muito inteligente e talentosa que, numa certa

época, havia s ido muito at iva no cent ro, mas o aba ndona ra, de fo rma que só mui-

to raramente aparecia por ali. Talvez ele pudesse entender o que eu queria, e cer-

tamente t inha os contatos de que eu necessi tava.Ela disse que o encont rava com

f requência no caminho ent re sua casa e o t rabalho, e que às vezes paravam para

conversar um pouco. Se eu quisesse, marca ria uma hora para me encont rar comele no centro, à noite. Isso, finalmente, parecia correto. Não perdi essa oportuni-

dade . Quando fu i para o distrito naqu ela noite, senti que ali estava minha grande

chance de começar. De alguma forma, Doe teria de me aceitar e se dispor a tra-

balhar comigo.

Num certo sentido, meu estudo começou na noite de 4 de fevereiro de 1937,

quando a assistente social me chamou para conhecer Doe. Ela nos levou para

seu escritório e então saiu, para que pudéssemos conversar. Doe a fundou-se

numa pol t rona e esperou calmam ente que eu começasse. Era um home m de es-

ta tura mediana e comple ição magra. Seus cabelos eram de um castanho claro,

bem em contraste com o cabelo negro t ípico dos i t al ianos , e começavam a escas-sear nas têmporas. A face er a afilada, e os olhos, de um az ul claro, davam-lhe um

ar penetrante.

Comecei perg unta ndo se a assistente social havia falado sobre o que eu que-

ria fazer.

"Não, ela só me disse que você queria se encontra r comigo e que eu ia gostar

de conhecê-lo."

Então comecei um a longa expl icação que infe l izmen te omiti de m inhas no-

tas . Pelo que me lembro, disse que, no meu tempo de faculdade, havia me inte-

ressado por distritos urbanos superpopulosos, mas me sentira muito dis tanciado

deles . Eu esperava estudar o s problemas nesses distritos. Sentia que pod ia l a / c i

m u i t o pouc o c omo a lguém de fora. Só seria capa/ de a t ing i r a co mp r een s ão d e

 

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-"H Sociedade de esquina

q u e prec i sava se pudesse conhecer as pessoas e saber de seus problem as e m pri -

m e i r a mão.

Do e me ou v i u sem alterar sua expressão, de m odo que eu não dispunha de

qualquer meio de antec ipar sua reação. Quando t erminei , ele pergun tou : "Você

q u e r ver a alta roda ou o povão?"

"Quero ver t udo o que puder . Quero consegui r o quad ro mais completo pos-

sível da comunidade.""Bom, q ualq uer noite q ue q uiser, saio com você por aí. Posso levá-lo aos pon-

to s — - pontos de jogos — e andar co m você pelas esquinas. Lembre-se apenas de

que você é meu amigo. Isso é t u do que precisam saber. Conheço esses lugares, e

se eu disser que é meu amigo ningu ém vai incomodá-lo. Basta me di zer o que

quer ver, e nós providenciamos."

A proposta era tão perfei ta que f iquei perdido por um momento, sem saber

como responder . Conversamos um pouco mais, e busquei a lgumas indicações

sobre como dever ia me comporta r em sua companhia . Ele me a ler tou que eu te-

ri a que correr o r i sco de ser preso numa ba t ida em a lgum ponto de jogo, mas

acrescentou q u e nã o seria nada sério. Eu só teria que dar um nome falso, e entãoo homem responsável pelo lugar consegui r ia me l ibera r pagando apenas uma

multa d e cinco dólares. Concordei em co rrer o risco. Pergunte i se deveria entr ar

no jogo com os outros. Ele disse que era desn ecessário e, para um incauto como

eu, mui to desaconselhável .

Fina lmente , eu j á es tava em condições de expressa r meu reconhec imento.

"Você sabe, os primeiros passos para conhecer u m a comunidade são os mais difí-

ceis. Com você, eu posso ve r coisas que, de ou t ra forma, nã o veria durante mui -

tos anos."

"É isso mesmo. Você me diz o que quer ver , e nós ar ranjamos. Quando qu i ser

a lguma informação, eu pergunto e você ouve. Quando qu i ser descobri r a f i loso-fia de vida deles, começo uma discussão e consigo pra você. Se quiser a lguma

outra coisa, monto a cena pra você. Simplesmente me diga o que q u e r e consigo

tudo pra você, a história inteira."

"Bom demais. Eu não poderia querer nada melhor que isso. Vou t enta r me

encaixar l ega l, mas , a qua lquer momento, se você achar que es tou ent rando pelo

caminho errado, quero que me diga."

"Agora a gente está ficando dramá tico dem ais. Você não vai ter nenhum pro-

M c m a . Ve m como meu amigo. Quando você chega assim, no início todo mund o

v a i I c l r a l a r co m respei to . Você pode tom ar u m monte de l i be rda des e nin-

." j icni v a i c h i a r . Depois de u m t empo, quando já te c onhec e r em , va i ser t r a t a docomo q u a l q u e r ou Iro — você sabe, cli/em que a f a m i l i a r i d a d e I r a / a f a l t a d e rcs-

Anexo A

pei to. M as nunc a t erá qu a lqu er problema. Só va i t er que tomar cu ida do com

u m a coisa: nã o pague nada para os o u t r o s . N ão se ja l ibera l demais co m se u di -

nhei ro."

"Você quer dizer que, se f i / c r isso, vã o pens a r que sou otário?"

"E, e você não vai q u e r e r paga i p i a MT acei to . "

Conversamos um pouco ma i s sobre como c quando poder íamos nos encon-

trar. Então e le me fez uma p e r g u u l a : "Você q u e r escrever algo sobre isso?""Quero, em a l gu m m om ent o . "

"Você quer mu dar as coisas?"

"Bom... Sim, quero. Não vejo c om o a l g u é m pode r i a chegai: aqui , com as pes-

soas tã o amontoadas , se m d i nhe i r o a l g u m ou nenhum t raba lho, e não deseja r

ve r as coisas mu dadas . M as pens o q u e c a d a pessoa deve f azer aqu i lo para o qua l

el a é mais adequada . Não quero se r u m r eformador , c não sou ta lhad o para ser

polít ico. Só q u e ro en t ende r essas co i sas r lhm q u e puder e escrever sobre

elas, e se isso t iver a lguma i n f l u ê n c i a . . . "

"Acho q u e você pode m u d a r a s coisas desse j c i l o . N a m a i o r p a r l e da s ve/es, é

assim que as coisas s ã o mu da da s , e sc r e v e n d o s o l n c e las ."

Esse foi o começo. N a época a c h e i d i l í c i l acreditar q u e , co m se u a p o io , m i-

nha ent rada pudesse ser tão f á c i l c om o D oe h a v i a d i l o . M as a c o n t e c e u c x a l a -

mente assim.

Enq u a n t o da va m eu s p r i me i r o s passos com Doe, t a m bé m p m c m a v a um lu -

ga r para viver em Cornerv i l le . M inha bolsa inc lu ía acomodações m u i l o confor -

táveis em Harvard , com quarto, sala e banhei ro. Eu t inha t e n t a d o v iver al i e ao

mesmo tempo ir a Cornervi l l e fazer a pesqu i sa . Tecnicamente er a fac t íve l , m as

cada vez mais me convenci de que socialmente tornava-se impossível . Percebi

q ue ser ia sempre u m es t ranho para a comunidade se não me mudasse para l á.

Também e ncont re i di f i cu ld ade para dedicar o tempo q u e sabia necessário para

estabe lecer re lações mais próximas em Cornervi l l e . A vida no lugar não se de-

senrolava segundo encont ros formalmente agendados . Para encont ra r as pes-

soas, passar a conhecê-las, encaixar-me em suas atividades, t inha q ue gastar

t empo com elas — um bocado de tempo, dia após dia. Quando vive fora de Cor-

nerville, você pode vir uma determinada ta rde o u noite apenas para descobrir

q ue as pessoas q ue pret endia ver não estão al i na q u e l e m om en t o . Ou , m es m o se

as encontrasse, podia ver o tempo passando sem acontecer absolu tamente nada .

Você podia ficar dando voltas co m pessoas c u j a única ocupação er a conversa r

l i ado ou andar à-toa para não se aborrecer .

K m diversas t a rdes e noites, e m Harvard, m e peguei pensando em ir a Cor-n c r v i l l c c e n t ã o Fazendo u m a racional ização qualquer para não i r . ( ' o r n o p o d e -

 

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2()6 Sociedadede e s q u i n a

ri a saber se ia encon trar as pessoas que qu er ia ver? Mesmo se is so acon tecesse,

como poder ia ter cer teza de que apren der ia algum a coisa h o j e ? Em vez de sair às

cegas para Cornerv i l le , poder ia aprovei tar meu tempo lendo l ivros e ar t igos para

p r een che r min ha l amen táve l i g n o r ân c ia d e sociologia e an tropologia social . E

tamb ém t i n ha q u e ad m i t i r q u e , n aq u e la ép o ca , s en t i a -me ma i s co n f o r t áve l n e s -

se amb ien te fami l iar que a vagar por Corn ervi l le e a gas tar tempo com pessoas

em c u j a presença sen t ia-me indiscu t ivelmen te descon for tável .

Q u a n d o me percebi ra ciona l izand o dessa forma , en ten di qu e ter ia de fazer o

corte. Só se vivesse em Cornervi l le eu ser ia capaz de um dia en tendê- la e acei-

tá-la por s i mesma, como era. No entanto, ficava difícil acha r u m l u g a r . N u m dis-

trito t ão s u p e r p o vo ad o , p r a t i camen te inexis tia um cómodo desocupado. Poder ia

acha r u m q u a r to n o Centro C o mu n i t á r io da Nor ton S treet , m as percebi que de -

ver ia consegu ir a lgo mais q u e isso, se poss ível .

A melhor d ica me fo i dada pelo edi tor de um j o r na l s eman a l p u b l i cad o em

inglês para a colón ia í ta lo-amer icana. Eu falara an tes com ele sobre meu es tudo,

e ele fora s impático . Agora eu voltava, pedindo a j u d a p a r a en co n t r a r u m q u a r to .

Levo u - me ao s M ar t i n i , u ma família q u e o p e r ava u m p eq u en o r e s t au r an te . Fu ialmoça r lá e depois conver sei com o fi lho. Ele fo i r ecept ivo , mas d is se que não t i -

nh am espaço para mais um a pessoa. Ain da ass im, gos tei do lugar e apreciei a co-

mid a. Voltei lá várias vezes só para comer . N um a de las , encon trei o edi tor , e e le

me con vidou para sua mesa. No in ício fez algum as pergu n tas exploratór ias sobre

m eu e s t u d o : o que e u p r o cu r ava , q u a l min ha co n ex ão co m Har va r d , o q u e eles

esperavam consegu ir , e as s im por d ian te . Depois que respondi de uma forma

que in fel izm ente não anotei , d is se-me que es tava satisfeito e que, de fato, j á hav ia

me defen dido com pessoas que ach avam q ue eu podia es tar a l i para "cr i t icar nos-

so povo".

Discu t imos m eu problema de a lo jamen to de n o vo . Mencionei a possibi-l idade de viver n o Cen t ro C o m u n i t á r i o da Nor ton S treet . E le co n co r d o u , m as

acrescen tou : "Ser ia muito melhor se ficasse co m u ma famí l ia . Você aprende r ia a

l í n g u a mu i to ma i s r ap id amen te e ficaria co n he cen d o a s p es s o a s . M as vo cê q u e r

u ma b o a famí l ia , u m a família ed u cad a . N ão q u e r s e en vo lve r co m tipos inferio-

res . Você quer u m a família bo a mesmo."

Então v i rou-se para o f i lho da casa, com qu em eu h avia falado, e p e r g u n to u :

"Você não pode con segu ir um lugar para o sen hor Wh yte em s ua casa?" Al Mar -

I m i p e n s o u u m momento e disse: "Talvez a gente consiga resolver. V ou falar co m

;\ a de novo."

E le l i i l o n com a M a m a , e e n c o n t r a r a m u m l u g a r . Na ve r d ad e , el e c e de u s euq u a i l n | > a i a n i m i c passou a d i v i d i r u m a c a m a d u p l a com o f i l h o d o c o / i n h c i r o .

Anexo A 297

Protes tei t imid amen te a respeito do a r r a n j o , m as I n d o já e s lava d e c i d i d o — exce-

to o preço. Eles n ão s a b ia m q u a n t o c o b r a r d e m i n i , c e u n ã o s a b i a q u a n l o ofere-

cer . F inalmente, após algumas idas c v i n d a s , o lc rcc i l "• > d ó l a r e s por m ê s , e eles

fecharam por 12 .

O q u a r to e r a s imp le s , m a s a d e q u a d o a os m e u s p ropós i lo s . N ã o l i n h a a q u e c i

men to , p o r ém, q u an d o co mece i a da l i logr a fa r m i n h a s n o l a s , c o n s e g u i u m p ç

q u en o aq u eced o r a óleo. N ã o h av i a b a n h e i r a n a ca s a , mas , de q u a l q u c i m o d o ,eu t i n h a que i r a H a r v a r d co m f r e q u ê n c i a e u s ava as ins ta lações da g r a n d e u m

vers idade (o q u a r to d e meu amig o Hen r y G u e r l ac ) p a r a u m b an ho o c a s i o n a l d e

b an he i r a ou de chu ve i r o .

F is icamente, o lugar dava para viver e me p r o p ic io u mu i to ma i s q u e a p e n a s

uma base física. Eu e s t ava en t r e o s M ar t i n i ap en as há u ma s eman a q u an d o d e s -

cobr i que era muito mais que um pens ion is ta para eles . Fazia muitas das refei-

ções n o r e s t a u r a n t e e às vezes ficava para conver sar u m p o u co com a famí l ia ,

an tes de i r para a cama à noi te . En tão , nu ma tarde, eu es tava em H arvar d e per -

cebi que começava a pegar um a gr ipe for te . Como a in d a co n s e r vava meu q u a r to

ali, pareceu razoável passar a noi te na un iver s idade. Não pensei em comu nicarmeu plano aos Martin i .

No dia segu in te , quan do cheguei ao res tau ran te para almoçar , Al Mar t in i me

recebeu calorosamente e d is se que todos t inham f icado p r eo cu p ad o s p o r q u e eu

n ão voltara para casa n a noi te an ter ior . A M ama p e r man ece r a aco r d ada até as duas

horas , à minha espera. Como eu era um jovem es t rangeiro na cidade, ficou imagi-

nan do todas as coisas que poder iam me acon tecer . Al me dis se que a Mam a t inha

passado a me v er como um mem bro da famíl ia . Eu era l ivre para i r e vi r como q u i-

sesse, mas ela não se preocupar ia tan to se soubesse os meus p lanos .

F iq u e i mu i to co mo v id o co m esse pedido e decidi ser , dali em dian te , o me-

l ho r f ilho que pudesse p ara os Mar t in i .N o in ício e u me c o m u n i c a v a com a Mama e o Papa bas icamente co m sor r i -

so s e gestos. O Papa n ão sabia nada de inglês , e o co n hec imen to da Mama es tava

l imitado a uma ún ica frase, que usava quando alguns dos garotos da rua faziam

b a r u lho em b a ix o d e s u a j an e la en q u an to t en tava t i rar a soneca da tarde. Enf iava

a cabeça para fora da j a ne l a e gr i tava: "Seusf i lhodaputadesgraçado! Foradaqu i!"

Algum as semanas an tes , ao prepar ar min ha mu dança para o d is t r i to , eu havia

co meçad o a e s t u d a r i ta l iano por con ta pró pr ia , com o aux í l io de um l i n g u a fo n e .

Um a manhã, Papa Martin i , como eu já o chamav a, passou por mim q u an do eu

falava co m o g r avad o r . F ico u p a r ad o à p o r ta , o u v in d o p o r a lg u n s mo men to s , I c n -

t a n d o en ten d e r e s s a co n ve r s a p ecu l i a r . En tão me teu - s e q u a r t o a d e n t r o c ome xc l a m a ç õe s fascinadas . Sentou-se per to de m i m , e n q u a n t o eu e x p l i c a v a o l u n

 

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S o c i e d a d e - (t e es qui na

c i o i i a i n e i i l o da m á qu i na e o m é t odo . Depois disso, f icava e nca n t a do q ua nd o tr a -

b a l h a v a com i go , e eu o c h a m a v a de meu professor de i ta l iano. Em pouco tempo

ch e ga m os a u m estágio no qua l eu podia entabula r conversas s imples , e, graças

ao l i ngua foue e a Papa Martin i , o i ta l iano qu e sa ía aparentemente soava autênt i -

co. Ele gostava de me apresenta r a seus amigos como "un paesano mio" — um

homem de sua cidade na ta l na I tá l ia . Qua ndo t inha o cu i da do de m a n t e r mi-

nh a s falas dentro do s l imi tes de meu vocabulár io , às vezes podia passa r por umimigrante da vi la de Via reggio, na prov íncia da Toscana.

Como a pesquisa f izera com que eu me concentrasse quase exclusivamente

na ge r a ç ão m a i s j ov e m , q ue falava inglês , m eu conh e c i m e n t o de i ta l iano pro-

vou-se desnecessár io para os propósi tos do estudo. No entanto, t inha ce r teza de

que era impor tante pa ra es tabe lece r minha posição socia l em Cornerv i l le —

mesmo co m aque la geração mais jovem. Hav ia professores e assistentes sociais

que t r a b a lh a r a m em Cor ne r v i l l e dur a n t e 20 anos e, a inda ass im, nã o f ize ram

q u a l q u e r empenho para aprender i ta l iano. M eu esforço em a pr e nde r a l íngua

provavelmente foi mais útil para demonstrar a sinceridade de meu interesse do

qu e qua lquer coisa que eu pudesse te r dito às pessoas a meu respeito e de meut r a b a lh o . Como poder ia u m pesquisador plane ja r "cr i t ica r nosso povo" quando

se deu ao t r aba lho de a pr e nde r a l íngua? Com a l íngua v e m a com pr e e nsã o , c

co m ce r teza é mais fáci l cr i t ica r as pessoas se v ocê não as compreende.

Meus dias com os Mart in i e ram assim: acordava po r vol ta da s nove horas e to-

mava ca fé . Al Mar t ini d isse que eu podia tomar o de sje ju m no res taurante , co n-

t udo , po r mais q ue dese jasse m e a jus t a r , nunca consegui tomar o ca fé da m a n h ã

de les , composto de ca fé c om leite e uma fatia de pão.

Depois de comer, vol tava para o quar to c passava o resto da m a n h ã , ou a

maior parte de la , da t i logra fando as notas que hav ia tomado sobre os a co n t e c i -

mentos d a véspera . Almoçava n o res tauran te e então ia pa ra a esquina . U s u a l -mente vol tava para janta r no r e s t a u r a n t e e depois saía para a noi te .

Em geral voltava para casa entre 11 horas e meia -noi te , quand o o res taura n Ir

es tava vaz io , exce to ta lvez por uns po ucos amigos da fam í l ia . Então eu podia m r

j u n t a r a Papa na coz inha ; ficava conversando e a judava a enxugar os pratos; ou

puxava uma cade i ra e me ju ntav a à conversa da famí l ia em vol ta das mesas pi m i

mas da coz inha . Hav ia um copo de v inho para beber ica r , e eu podia f i car a l i , l > ; i

sicamente ouv i ndo e de vez em quando tes tando c o m eles m e u p e q u e n o m as

c r e s ce n t e v oc a b u lá r i o i ta l i a no .

O padrão e ra di fe rente no domingo, quando o res taurante f e c h a v a às d u i i *

h o ra s c os dois irmãos e a irmã de Al , mais esposas, mar ido c f i lhos, v i n h a m pa mu m g r a n d e a l m o ç o d o m i n g u e i r o . Ins is t iam para q ue eu a l m o ça s s e co m c i e s . < l < " i

Anexo A 299

sa v ez com o m e m b r o da famí l ia , se m p a g a i pe la r c l r i ç ào . S e m p r e h n v i a mais

com i da do que e u conse gu i a co m e i , m a s ua d e l i c i o s o , r ru e n g o l i a I n d o acom-

panhado p o r dois copos d e v i n h o / m l a n d c l . ( J u a l q u e i I r n s a o q u e pudesse te r

sof r ido em meu t r a b a lh o n a s e m a n a a n l n i o i d r s a p a i r n a r i u | i i a i i l < > cn c o m i a ,

bebia e depois ia para o q u a r t o , l i r a i um a M i n e r a de u m a o u d u a s l i o i a s . d a q u a l

saía e o mp l e ta me n te r e nov a do c pi ou In pau pa i I n n o v a m e n t e m i n o a s e s q u i n a s

de Cornerv i l le .Embora t ivesse feito vár ios c o n l a l o s u k ' i . s n o r c s l a u r a n l c , o u po i i n t r i m é d i o

da fam í l ia , não foi por isso que os M a r l i m .se tornaram importantes pararnim,Há

um desgaste quando se ta/, esse t i p o de t r a b a l h o de campo. E le é m a i o r q u a n d o

você é um est ranho e está c o i i s l a i i l c m c u t c se pergun tando se as pessoas vão acei-

tá-lo. Po r mais q ue gosle do q u e está fazendo, você deve desempenhar u m papel

enquanto observa e e n t r e v i s t a , e nu nc a es tá eomple tamente descontra ído. Era

um sent imento m a r a v i l h o s o poder v ol ta r pa ra casa depois de um dia de trabalho

e re laxar e m e distrair com a famíl ia . Provave lmente te r ia s ido impossíve l para

mim realizar um estudo tão intensivo de Cornerville se não tivesse uma casa

como aque la de onde sair e à qua l pudesse re tornar .

5. NO COMEÇO, CO M DO C

A i nda posso rn e l e m b r a r de minha pr imeira sa ída c om Doe. N os encontramos

uma noi te no Ce nt r o Com un i t á r io da Nor ton S t ree t e saímos de lá para um pon-

to de jogo a a lguns quar te i rões de dis tância . Segui Doe a ns i o sa m e nt e , por um

longo e escuro cor redor nos f u n d o s de um prédio de apar tamentos . Eu não me

preocupava c o m a possib i l idade de uma ba t ida po l ic ia l . Pensava em com o me en-

ca ixar e ser ace i to . Entramos por uma pequena coz inh a quase vaz ia e com as pa-

redes descascadas. Logo qu e passamos a porta, tirei o ch a pé u e pr ocur e i um lu-ga r onde o pe ndur a r . N ão h a v i a . O lh e i e m vol ta , e aqui aprendi minha pr imeira

l i ção de observador par t ic ipante em Cor ne r v i l l e : não tire o ch a pé u quando en-

t ra r numa casa — pe lo menos qu ando est ive r ent re homen s. Pode-se perm it i r ,

m as ce r tamente não é exigido, t i r a r o ch a pé u qua ndo h ouv e r m ulh e r e s .

Doe me apresentou como "meu amigo Bi l l" a C h i c h i , que adminis t rava o lu-

g a r , c aos amigos e f r egueses de Chichi. Fiquei parte do tempo com Doe na cozi -

n h a , onde vár ios hom ens es tavam sentados con versando ; e pa r te na outra sa la ,

o l h a n d o o jogo de dados.

Hav ia conversas sobre jogo, cor r ida de cava los , sexo e outros as sun tos . Na

m a i o r pa r l e d o tempo, apenas ouv ia c tentava agir de m a ne i r a a m i gá v e l c i u l e i r ss a d a . Tornamos v i n h o , c a f é c om a n i s , e cada um da roda d a v a su a contr ibuiç f lo

 

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SIH iodado de esquina S O I

para pagar as bebidas. (Doe não me deixou pagar minha parte nessa primeira

vc/..) Como el e havia antecipado, ningu ém pergun tou nada sobre mim, mas de-

pois ele me disse que, quando fui ao toalete, houve uma torrente de diálogos ex-

eitados em ital iano, e que ele teve de garantir que eu não era agente do FBI.

Contou-me que s implesmente informou que eu era um amigo seu, e eles con-

co r d a r a m em deixar por isso mesmo.

Fomos muitas outras vezes juntos ao ponto de jogo de Chichi, até que che*:gou a hora em que ousei ir sozinho. Quando passei a ser cu m p r im en ta d o de ma-

neira natura l e amigável , sent i qu e com eça v a a encontrar um lugar para mim em

Cornerv i l l e .

Q u a nd o Doe não ia ao jogo, passava se u tempo em vol ta da Norton Street, e

comecei a ficar ali com ele. No início, Norton Street significava apenas um pon-

to onde me pu nha à espera para i r a outro lugar . Gradu almente , à medida que

conhecia melhor os rapazes, vi que me tornava um integrante da gangue da Nor-

ton Street.

Então formou-se o Clube da C om u nid a d e I t a l i a na no Centro C om u ni tá r io

da Norton Street, e Doe fo i convidado para se r sócio. Ele m a nob r ou p a r a que eu

fosse aceito no clube, e fiquei feliz, pois via que representava algo totalmente di -

ferente das gangues de esquina que eu es tava conhec endo.

Q u a nd o comecei a encon t r a r os homens de Cornerv i l l e , també m entrei em

contato c om algumas garotas . U m a ve z levei um a delas para um a d a nça na igre-

ja. Na ma nhã seguinte, os cam aradas na esquina me pergunta ram: "Como v ai

su a namorada?" Isso me deu uma sacudida. Aprendi que ir à casa da garota era

algo que você s implesmente não fazia, a menos que esperasse se casar com ela.

Fel izmente a garota e sua famíl ia sabiam que eu não conhecia os cos tumes lo -

cais, e não p r es u m i r a m que eu estivesse m e com p r om etend o . N o entanto, o avi-

so foi ú t i l . Embora achasse a lgumas garotas de Cornerv i l l e extremamente

atraentes , nunca mais saí com uma delas, exceto em grupo, e nunca mais as visi-

tei em casa .

Com o passar do tempo, descobr i que a v ida em Cornerv i l l e não era nem de

perto tão interessante e agradável para as garotas como para os homens . Um ra-

paz tin ha total l iberd ade para sair e and ar à-toa. As garotas não podia m ficar pelas

esquinas. Tinh a m q u e dividir seu tempo entre sua casa, a casa das amigas e dos

parentes e um emprego, se fosse o caso. Muitas delas tinham um sonho mais ou

> v s ass im: um dia chegar ia um j ov em de fora de Cornerv i l l e , c om a l g u m di -

bo m emprego e uma boa educação, e as cor tejar ia e levar ia para tora[mente eu teria condição de preencher esse perfil .

6. TRE INO EM O B S E R V A Ç Ã O P A R T IC I P A N T E

A pr imavera de 1937 me propiciou um c urso intens ivo de observaçfio p a i l i r i p . m

te. Aprendi a me conduzir , e fiz isso no convívio de vários grupos, rm perticulil

com os Norton.

Quand o comec ei a andar por Cornerv i l l e , descobr i que prec i sava d a i m i u

explicação para minha presença ali e para me u estudo. Se estivesse com l ) < > t ,

endossado por ele, ninguém m e perguntava quem eu era ou o que fa / i a . Q u a n

do circulava sem ele em outros grupos , ou mesmo entre os N or ton , er a óbvio qu e

t inham cur ios idade a meu respeito.

Comecei com um a expl icação bas tante elaborada. Eu es tudava a h is tór ia só

ciai de Cornerv i l l e — mas de um novo ângulo. Em vez de t rabalhar do passado

para o presente, buscava um amplo conhecimento das condições presentes e,

depois, seguiria em dire ção ao passado. Na época estava bastante satisfeito c om

m inh a fala, mas ninguém parecia se impor tar com ela . Só dei essa explicação

duas vezes , e quando terminei f icou aquele s i lêncio incómodo. Ningu ém, inc lu-

sive eu mesmo, sabia o que dizer.

Embora essa explicação tivesse ao menos a v ir tude de abarcar qualquer coisa

que eu algum di a quisesse faze r no distrito, er a aparentemente compl icada de -

mais para significar algo para as pessoas de Cornervil le.

Logo descobri que essas pessoas desenvolviam sua própria explicação a meu

respeito: eu escrev ia um l iv ro sobre Cornerv i l l e . Pode parec er um a expl icação

absolutame nte vaga, mas a inda ass im foi suf ic iente. Descobr i que minha acei ta-

ção no distrito depend ia da s relações pessoais qu e desenvolv i , muito mais que de

qualquer exp l icação que pudesse dar . Se escrever um l iv ro sobre Cornerv i l l e era

ou não boa coisa, isso depe ndia inte iram ente das opiniões que as pessoas tinham

sobre mim, sobrea

minha pessoa. Se fosse favorável , então meu projeto es tavabem; se fosse desfavorável, então nenh uma expl icação que eu desse poder ia con-

vencê-las do contrário.

E claro que as pessoas não sa tisfaziam sua cur iosidad e a meu resp eito apenas

com perguntas que me fizessem di re tamente . P r ocu r a v a m Doe, por exemplo, e

indagavam. Doe então respondia às perguntas e dava as garantias necessárias.

D u r a n te m eu per íodo em Cornerv i l l e , aprendi bem r a p id a m en te a impor-

tância crucial de ter o apoio dos indiv íduos-chave de qualqu er grupo ou orgaui-

/ação que eu estudasse. Em vez de tentar me explicar a todos, descobri qu e as

informações sobre mim e meu es tudo que eu dava a l íderes como Doe e r a m

m u i t o mais d e ta l h a d a s que as que oferecia ao rapaz comum da es q u i na . S c m p i cI c n l a v a I r a i i s m i l i r a todos a impressão de que estava disposto c ans ioso p a i a l a l a i

 

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Sociedade de esquina

sobre meu es tudo para qualqu er um, mas só com os l íderes dos grupos eu f az ia

um es forço especial para realmente passar a in form ação completa .

Minha re lação com Doe mudou rapidamente nesse primeiro período em

Cornerv i l le . No in ício , e le era apenas um in formante-chave — e tamb ém meu

padrinho. À medida que passávamos o tempo juntos , parei de tratá-lo como um

i n f o r m a n t e pass ivo . Discut ia bas tante f ran came nte com ele o que eu ten tava fa-

z e r , que p r o b lemas m e i n t r i g av am,e assim po r diante . Mui to de nosso tempo er agasto nessa discussão de ide ias e observações, de mo d o que Doe se tornou, num

sent ido mui to real , um colaborador da pesquisa .

Elsse pleno conhecimento da natureza de meu es tudo es t imulou Doe a pro-

cu r a r e me m ostrar os tipos de observação pelas quais me interessav a. Mu itas ve-

zes , quand o eu o pegava no ap a r t amen to onde vivia com a i r mã e o cu n h ad o , el e

me dizia: "Bill, você devia estar aqui ontem à noite. Teria f i cado cur ioso com

isso." E então prosseguia contando o que acontecera. Seus relatos eram sempre

interessantes e valiosos para m eu estudo.

Doe achava atraente e prazerosa essa experiência de t rabalha r comigo, mas ,

mesmo ass im, a re lação t inha seus aspectos negat ivos . Uma vez e le comen tou:"Você me fez diminuir a velocidade desde que está aqui. Agora, quando faço al -

guma co isa , tenho qu e pensar o que Bill Whyte gostaria de saber sobre isso e

como posso explicar a ele. Antes costumava fazer tudo por instinto."

N o en tan to , Doe não parecia con s iderar es te um problema sér io . N a verda-

de, sem ter qualquer t re inamento , ele era um observador tão perceptivo que bas-

tava um peq ueno es t ímulo para a judá - lo a tornar expl íc i tas mui tas das d inâ micas

da organização social de Cornerv i l le . Algumas das in terpretações que f i z são

mais dele que minhas , embora seja imposs ível desemaranhá- las agora.

Embora t rabalhasse mais próximo de Doe que de qualquer outra pessoa,

sempre busquei os líderes em q u a lq u e r grupo qu e estivesse estudando. Querianã o ap en as se u apoio , m as t amb ém um a colaboração m ais a t iva com o es tudo.

Como as pos ições desses l íderes na com unidade lhes permi t ia m observar mui to

m e l h o r que os seguidores o que acontecia , e como eram em geral observadores

ma i s habilidosos que os seguidores , descobr i que t inha mui to a aprender por

m e i o de uma cooperação mais ativa com eles .

Ou an to ao s métodos d e entrev is ta , hav ia s ido or ien tado para n ão discut i r

i - u n i as pessoas, ne m fazer julgamentos morais sobre elas. Isso estava bem de

acordo com mi nha s própr ias incl inações . Apreciava ace i t a r a s pessoas e s e r ace i -

I d p i i i d as . No c n l a n l o , essa at i tude não aparecia tanto na s entrevistas, pois t ive

I I I M U as c o i i N c i s a s l o rmais . Buscava mostrar essa acei tação in tere ssada pelas pes-soas c pe la comunidade cm m i n h a participação c o l i d i a n a em suas v idas .

Anexo A

Aprendi a par t ic ipar da s d iscussões na esquina sobre beisebol e sexo. Isso nau

exigiu qualquer treinamento especial, pois esses temas pareciam ser de interesse

quase un iversal . Eu não e ra cap az de par t ic ipar tã o ativamente da s discussões so -

bre corr idas de cavalos. Comecei a segu i r as corridas cie maneira bas tante geral e

amad o r a . Tenho cer teza de que t e r ia val ido a pena devotar mais tempo ao es tudo

do Morning Telegraph e outras publicações sobre corridas, mas meu conheci -

mento de beisebol pelo menos garant iu que eu não fosse deixado de fora da sconversas nas esquin as .

E mb ora evitasse expressar opiniões sobre questões melind rosas, descobri que

discu t i r sobre alguns assuntos era s imp lesmen te parte do padrão social, e que di-

f ic i lmente a lguém poder ia par t i c ipa r sem se jun tar à discussão . Mui tas vezes

achei-me envol vido em discussões acaloradas, mas cordiai s , sobre os méritos re-

lativos de determinados jogadores ou dir igentes de a lg u m t i me i mp o r t an te .

Sempre que uma garota ou grupo de garotas viesse andando pela rua, os rapa-

zes da gangue tomavam notas menta is para depois d iscut i r suas aval iações sobre

elas. Essas avaliações tinh am a ver, basicam ente, com questões de form a, e aí eu

t inha prazer de argume ntar que M ary possuía um corpo melhor que Ana, ou v i -ce-versa. E claro que, se alguns do s rapazes fossem pessoalmente l igados a M a r y

ou An a , não se fa r ia qualquer comentár io ind iscreto , e eu t a m b é m c v i l a i ia esse

tóp ico .

À s vezes ficava pensando se simplesmente c s l a r p a r a d o na e s q u i n a se i i a um

processo suf ic ien temente ativo para se r dignificado pelo I c i m o "pescjuilfl". l i i l

v ez devesse f a ze r p e rg u n t a s a esses homens, N o c n l a n l o , c p i r r i s o a p i c n d r i

q u an d o p e r g u n ta r e q u an d o n ã o p e r g u n t a r , c l a m b e m q u e p c i i M i n l a s l a / . c i .

Aprendi essa lição um a n o i t e , no s p r i m e i r o s meses , q u a n d o csla\ com l )o c

no ponto de jogo de Chiclii. U m homem de outra par te da c i da de e s l a v a no s re -

galando com uma h is tór ia sobre a organização das a t iv idades r e l a c i o n a d a s com ojogo. Haviam m e d i to que ele fora grande op erador de jogos e falava com conhe-

c i men to de causa sobre muitos assuntos interessantes. Falou a maior par te do

tempo, m as como os outros f a z i am p e r g u n ta s e comentár ios , achei , numa cer ta

a l tu ra , que dever ia d izer a lguma co isa para par t ic ipar . E pergunte i : " Imagino

que os tiras eram todos subornados, não?"

O queixo cio jogador ca iu . Ele me en ca r o u . E então negou com v eemên c i a

qu e qualquer pol ic ia l t ivesse s ido subornado, e i med i a t amen te mudou de assun-

to . Passei o resto daquela noi te sent indo-me m ui to desconfor tável .

No dia seguin te , Doe ex p l i co u a l ição da noi te an ter ior . "V á d ev ag a r , B i l l ,

co m essa coisa de 'quem', 'o quê', 'por quê', 'quando', 'onde'. Você p e rg n n l a es-sa s co isas c as pessoas se f ech a r ão em copas. Sc te a c e i t a m , bas la q u e você l i q u c

 

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304 Sociedade de esquina

por perto, e saberá as respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer as

perguntas ."Descobr i qu e isso er a verdade. Sentando e ouvindo, soube as respostas às

perguntas que nem m e s m o teria tido a ideia de f aze r se colhesse minhas infor-

mações apenas por en trev is tas. Não ab andonei de vez as perguntas , é c laro . Sim-plesmente aprendi a j u lgar quão delicada era uma questão e a aval iar min h a

re lação com a pessoa, de mo d o a s ó fazer um a pergunta delicada quando estives-se seguro da so l idez de minh a re lação com e la .

Depois de ter es tabelecido minha pos ição na esquina, os dados v inham am im se m esfprços muito a t ivos de minha par te . Apenas ocas ionalmente , quando

estava p r eo cu p ad o co m u m problema específ ico e sent ia necess idade d e novas

informações sobre um cer to ind iv íduo, apenas en tão eu buscav a uma opor tuni-dade de encontrá-lo a sós e fazer uma entrevis ta mais formal .

No in íc io , concentre i -me na tarefa d e me a jus t ar a Cornerv i l le , embora ump o u c o mais tarde tivesse de enfrentar a questão de até que ponto ia me envolver

na v ida do d is t r i to . Dei de cara com o problema numa noite, quando descia a rua

com os Nor ton . Tentando entrar no esp ír i to do papo fu rado , soltei um monte deobscenidades e vulgar idades . Todos pararam por um m o m e n t o e olharam paramim, surpreendidos . Doe balançou a cabeça e disse: "Bill , a gente não espera

qu e você fale desse jei to. N ão co mb in a co m você."

Tentei expl icar que s om en te usava termos comuns na esquina. Doe insistiu,n o en tan to , que eu era diferente , e que eles quer iam que eu cont inuasse ass im.

A l ição fo i muito a lém do emprego de obscenidades e vulgar idades . Aprendi

que as pessoas não espera vam que eu fosse exatam ente igual a e las ; na real idade,es tavam in teressadas em m im e satisfeitas comigo porque v iam que eu era dife-

rente, bastava que tivesse um interesse amigável por elas. Abandonei portanto

meus es forços de imersão to ta l . Ainda ass im, m eu co mp o r t amen to fo i a f e t ad opela vida na esquina. Q u a n d o John Howard chegou de Harvard para se j u n t a r am i m n o es tudo d o l u g a r , notou n a mesma hora qu e min h a man e i r a d e conver -

sa r em C ornerv i l le era muito d i ferente da que eu t inha em Harva rd . Não er a

um a ques tão de usar imprecações ou obscenidades , nem de eu me fo rçar a usai

expressões gramaticalmente incorretas . Eu falava de um je i to que me parecia

n a l u r a l , mas o natural de Cornerv i l le não era o mesmo de Harvard . Em Corner -

v i l l e encontre i -me dando muito mais v ivacidade à min h a fala, engol indo as l e r

m i i i a ç õ c s de a lg u ma s p a l av r as e ges t iculando de maneira muito mais express iva ,

( l í n v i a l a m b e m , c c l a r o , a diferença d e vocabulár ios . Quando estava m a i s p i o

l u i i i l a m c n l c en v o lv id o e m Cornervi l le , v i -me ba s t a n t e d e s a r t i c u l a d o d i i n n i t t '

' i a s v i s i l a s a l la rva rd . E u s i m p l e s m e n t e n ã o c o n s e g u i a a c o m p a n h a ra s < l i s

Anexo A 305

cussões sobre re lações in ternacion ais , a n a l u r c / a da c i ê n c i a e coisas assim, na squais antes me sentira mais ou menos à v o n t a d e . )

 medida que fui sendo aceito pelos N o r l o n c por v á r i o s o u t r o s grupos , ten te im e to rnar bas tan te agradável , d e mo d o q u e as pessoas t i v e s s e m p r a / e r de me ver

po r perto. A o mes mo t em po , tentei nã o i n f l u e n c i a r o ;M u pó , p n i q u e q u e r i a estu-

dar a s i tuação da maneira menos afe t ada poss ível po i m i n h a p i e . s e u c a . Assim,

durante toda a minha es tada em Cornerville, e v i t e i a c e i t a i em p reg o s o u posi -ções de l iderança em q u a lq u e r d o s g r u p o s , c o m um a f m i c a c \ cccão . l Im a v ê / l u i

n o m e a d o secretário d o Clube da C o m u n i d a d e I t a l i a n a . M eu p r i m e i r o i m p u l s o

fo i decl inar da ind icação , m as cn l ã o reflet i q u e a f u n ção do secre tár io c n o r ma l -m e n t e cons iderada menor — escrever as atas e cu id a r da correspondência . Acei-tei e descobr i qu e poder ia fazer um regis t ro muito completo do desenrolar da s

reuniões enquanto e las aconteciam, sob o pretex to de tomar no tas para as atas .

Embora t enha evi tado in f luenciar indiv íduos ou grupos , ten te i se r ú t i l emCornervi l le da man e i r a como ali se espera que um amigo a j u d e o outro . Q u a n d oum dos rapazes t inha de i r f azer a lguma coisa no centro da c idade e quer ia com-

p an h ia , eu ia ju n to . Quando alguém tentava conseguir u m emprego e devia es -crever uma car ta fa lando de s i mes mo , eu o a judava a escrever, e assim por

diante. Esse tipo de c o m p o r t a m e n t o não apresentava problema algum, mas

q u an d o se tra tava de l id a r co m dinheiro , de m o d o algum es tava c laro como eu

dever ia m e co n d u z i r . Certamente, buscava gas tar d inheiro co m meus amigos d o

m e s m o je i to que faziam comigo. M as , e quanto a empres tar? Num lugar como

Cornerville, espera-se que um homem ajude seus amigos sempre qu e possa, e

muitas vezes a a j u d a necessár ia é f inanceira . Empres te i d inheiro em diversas

ocasiões, m as sempre m e sent i desconfor tável a respeito disso. N atu r a lmen teu m a pessoa gosta quando você lh e empres ta d inheiro , mas o que sente e la q u an -

do chega a hora de pagar e não tem como? T alvez f ique emb ar açad a e tente evi-ta r sua com panhia . Nessas ocasiões , eu ten tava encora jar m eu amigo, d izendo

saber q u e n ão t i n h a c o m o me pagar no m omento e que isso não me preocupava.O u então dizia para esquecer a dívida de uma vez por todas. Mas isso não a apa-

gava do livro de contabi l idade, e o desconfor to permanecia . Aprendi que é possí-vel fazer um favor para um amigo e, no processo, causar um dano à re lação .

N ão conheço so lução fáci l para esse problem a. Tenho cer teza d e q u e have-r á c i r cu n s t ân c ia s na s q u a i s o pesquisador ag ir ia muito m al caso se recusasse a

l a / c r um emp rés t imo a uma pessoa. Por outro lado , es tou convencido de que,

s e j am quais forem os seus recursos f inanceiros , e le não deve buscar opor tun i-

d a d e d e emp r es t a r d in h e i r o , e precisa ev i tar fazer is so , semp re q ue possa , d em a n e i r a e l e g a n t e .

 

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,!!(, Soc ied . ide de esqu ina A n e x o A 30 7

Sc o pesquisador es tiver ten tando entrar em mais de um grupo, se u t rabalho

de c a m p o lorna-se mais complicado. Pode haver momentos em que os grupos

e n t r e m em conf l i to um com o outro, e esperam que e le tome posição. U m a vez,

na primavera de 1937, os rapazes combinaram um jogo de boliche entre os Nor-

lo n e o Clube da Comunidade I ta l iana. Doe jogou pelos Nor ton , é claro. Feliz-

mente meu jogo naquela época não havia chegado a um nível que me tornasse

disputado po r q u a lq u e r do s times, e p u d e ficar sentado assistindo. De lá eu tenta-va aplaudir , imparcialmen te , os bons lances dos dois t imes , embora tema que es -

tivesse evidente o crescente entus iasmo de meus aplausos para os Norton.

Qua ndo es tava com os sócios do Clube da Comunidade I ta l iana, de forma

alguma me sent ia chamado a defe nder os rapazes da esquina contra quaisquer

observações depreciativas. N o entanto, houve um a ocas ião cons trangedora,

quando estava com os rapazes da esquina e um dos rapazes formados parou para

falar comigo. N o me io da conv ersa, ele disse: "Bill, esses caras não vão en tende r

o que quero d izer , mas tenho certeza de que você entende." Eu pensei que t i n h a

de dizer alguma coisa, e falei que ele es tava muito e quivocado ao subes t imar os

rapazes, e que os formados não eram os únicos in te l igentes .Embora a observação es t ivesse de acordo com min ha in cl inação natu ral , es -

to u certo de que ela se just i ficava de um ponto de vista estritamente prático. M i-

nh a resposta nã o abalou o sent imento de s u p e r io r id ad e do rapaz formado, nem

perturbou nossa relação pessoal. Por outro lado, ficou claro, logo que ele saiu,

como os rapazes da esquina t inham f icad o profundame nte sent idos com aque la

observação. Passaram algum tempo expressando, de maneira explos iva, o qu e

achavam do cara . Então m e disseram que eu era diferente , qu e apreciavam isso,

e que eu sabia muito mais do que esse cara, e mesmo assim não me exib ira .

A pr imeira pr imavera que passei em Cornervi l le serv iu-me para estabe lece i

um a posição sólida na vida do distrito. Estava lá somente há umas semanas q ua 1 1do Doe me disse: "Você é uma coisa tã o par te des ta esquina como aquele pos le

a l i . " Talvez o evento ma is impor tante a s inal izar minha acei tação entre os N oi

to n tenha sido o jogo de beisebol qu e Mike Giovanni organizou contra o g ru p o

dos rapazes da Norton Street que tinham perto de 20 anos. Os homens m a i s vr

lhos haviam acum ulado g lor iosas vitórias no passado contra os mais jovens, q u r

então começava m a surgir . Mike me deu uma po s ição regular no t ime, a c l m

q u e ta lvez não fosse uma posição-chave (e u fiquei na pr imeira base) , m as pelo

meno s es tava jogando. Quando chegou minha vez de rebater, na se gunda p a i l e

da n o n o I c m p o , o escore estava apertado, já houvera duas fora, e as bases csla

v a m carregadas, Qu an d o m e aba ixe i para pegar o bas tão, ouvi a lgum do s c a m aradas suge rir a M i k e (|ue el e devia pôr um rcba lcd or da rese rva . M i k e r e s p o n d e u

numa voz alta que só podia ser para eu ouvir: "Não, tenho conf iança em Bill

Whyte. Ele vai se sair bem desse aperto." Então, com o estímulo da confiança de

Mike, fui lá , perdi d u a s reba t idas e depois bati uma bola difícil, que passou entre

a segunda base e a base cen tral. Pelo men os foi o que me disseram . Estava tão

ocupa do tratan do de chegar à primei ra base que não sei se cheguei lá por erro oupor ter fe i to uma rebat ida indefensável mesmo.

Naquela noi te , quando descemos para um café, Danny m e presenteou conium anel , por se r um companheiro regular e um jogador bas tante bom. F iquei

par t icu larm ente impress ionado com o anel , pois t inha s ido feito a mão. Dann y

começara com um dado de âmbar claro, que já não t inha u t i l idade em seu jogo.

Durante longas horas, usou o cigarro aceso para fazer um furo no dado e arre-

dondar os cantos, de modo que a par te de c im a ficasse com o f o r m a to de um co-

ração. Assegurei meu s amigos de que guarda ria aquele an el comigo para sempre.

Talvez devesse acrescentar que minha rebatida, que nos deu a vitória , resul-

tou no escore 18-17, a mostrar que eu não era o único a acert ar a bola. Ain da as-

s im, foi um sent imento maravi lhoso te r conseguido corresponder quando eles

contavam comigo, e isso me fez sent i r mais a inda qu e tinha um lugar na Nor tonStreet.

À med ida que junt ei os pr imeiros dados de pesquisa , tive que decid ir como

organ izar as notas escritas. Bem no início da fase exploratór ia , simplesmente pu-

nh a todas as notas numa única pas ta , em ordem cronológica. Como seguiriaes -tudand o vár ios d iferentes grupos e problemas , er a óbvio qu e essa nã o poder ia se ra solução.

Tive que su bdiv idir as notas. Parecia haver duas possibilidades, basica mente .

Organizá-las por tópicos, com pastas para política, organizações mafiosas, igreja,

famíl ia , e assim por diante. Ou em term os dos grupos aos quais se referiam, o que

implicaria pastas sobre os Nor ton , o Clube da Comunidade I ta l iana, e outras.Sem realmente refletir a respei to do problem a, comecei a organizar o material

com base nos grupos , racioc inan do que m ais tarde pode r ia rediv id ir o mate-

r ial po r tópicos, qua ndo tivesse conh ecime nto sobre o método mais relevante.

Porém o mater ia l na s pas tas começou a au m en ta r , e cheguei à conclusão de

que a organização das notas por grupos sociais se adeq uava ao modo c omo meu

es tudo vinha se desenvolvendo. Por exemplo, temos um rapaz formado que é

membro do C lu b e da Comunidade I ta l iana qu e diz: "Esses gângsteres dão már ep u tação ao nosso distri to. Eles realmente dever iam se r postos pr a fora daqui."

E temos um membro dos Norton dizendo: "Esses gângsteres são rea lmente le -

gais . Quando você precisa de a juda , eles estão aí. O empresário legítimo eslemio lê da n e m a hora cer la . " Essas ci tações deveriam se r arquivadas em " ( ' . ; i n < ' s -

 

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308 Sociedade de esquina

te res , a t i tudes com re lação a"? Nesse caso , e las apenas most rar iam que há

at i tudes conf l i tuosas em Corne rv i l l e a respeito dos gângsteres. Som en te um

quest ionár io (di f ic i lmente viável para estuda r esse tópico) pod eria m ostrar a dis-

t r ibu ição de a t i tudes no d is t r i to . Além d isso , c o m o ser ia impor tan te saber quan-

ta s pessoas se sen t iam de uma ou de outra maneiras a respe i to do assunto?

Parecia-me de mui to maior in te resse c ien t í f ico ser capaz de re lacionar a a t i tude

ao grupo do qual par t ic ipava o ind iv íduo . Isso mos traria por que seria de se espe-ra r que duas pessoas t ivessem at i tudes bastan te d i fe ren tes com re laç ão a um a

dada questão .

Com o passar do tempo, a té as no tas em cada pasta aum enta ram além do

ponto a part i r do qual minha mem ór ia já não me permit ia local izar rap idamente

de terminado i tem. Então invente i um sis tema rud imentar de indexação: uma

página de t rês co lunas co ntendo, para cada en t revis ta ou relato de observação , a

data, a pessoa ou as pessoas entrevistadas ou observadas, e um breve resumo da

entrevista ou da observação. Esse índice tinha de três a oito páginas. Quando

chegou o mom ento de rever as no tas ou de escrever a part i r de las , uma busca de

cinco a dez minutos no índ ice e ra suf ic ien te para me dar um quadro razoavel-m e n t e comple to do que eu t inha e d e onde qualquer i tem podia se r local izado .

7. UMA AVENTURA NA POLÍTICA

Passei julho e agosto de 1937 fora de Cornerv i l le , com m eus pais . Talvez s im-

plesmente es t ivesse mui to acostumad o com as férias de verão da famíl ia para

p e r m a n e ce r em Cornervi l le , mas por fim racional ize i qu e precisava sair de l d

por um tempo para le r a lgum as co isas, e t a m b é m co n s t r ui r u m a perspectiva so-

bre meu estudo . Não era fácil const ru i r uma perspect iva naquela época. A i n d a

não via o e lo que conectava um estudo abrangente da vida da comunida de c osestudos intensivos de grupos.

Voltei sen t indo que , de a lgum a forma, devia ampliar m eu es tudo . I sso podia

significar aband onar meus conta tos com os Nor ton e com o Clube da C o m u n i

dade I ta l iana — e passar a ter uma par t ic ipação mais in tensa em outras á reas ,

Talvez essa tivesse sido um a decisão lógica em te rmos da forma c o m o v i a meu c - ,

t u d o de Cornervi l le na época. Fe l izmente não agi assim. O clube m e tomavf l l

apenas uma noi te por semana, en tão não havia qualquer grande pressão p . m i

abandoná-lo. O s Nor ton tomavam muito mais tempo, porém, a i n d a a s s i m , C I M

i m p o r t a n t e para m im te r uma esquina e um grupo nos q u a i s m e sent isse cm ctlXB

cm ( ] o r n c r v i l l c . N a época, não via c l a r a m e n t e qu e a q u e l e e s t u d o d e - u m ) ' , n i | H I ;

i r p i r s f i i l a v a m u i t o m a i s q u e u m e x a m e d e . s u a s a l i v i d a d c s c re l ações pcssOlB

Anexo A 309

n u m d e t e r m in a d o m om ento . Som en te quando comecei a p e r ce b e r m u d a n ç a s

nesses grupos m e de i couta de quão ex t remamente importante é observar um

grupo duran te um longo período de t em po .

E m b o r a e u p e r a m b u la s se c om os Nor ton e o Clube da C o m u n id a d e I t a l i a n a

mais ou m enos po r inércia, decidi q ue dever ia expandir o e s t u d o b u sca n d o um a

visão mais ampla e p rofunda da vida política da comunidade. Em C ornervi l le , as

a t iv idades dos grupos de esquina e a política estão inex t r i c av e lm en te entre laça-d a s . Ha v ia diversas organizações pol í t icas buscan do f o r t a l e c e r candidatos rivais .

Sent i que a melhor maneira de ter uma visão de dentro da política seria m e asso-

ciando a t ivamente a um a delas, m as t inha receio de que isso m e pusesse um r ó -

tu lo que , mais tarde , dificul taria m eu estudo , quando eu quisesse m e re lacionar

co m pessoas que fossem contra esse de te rminado político.

O problema se reso lveu sozinho. N o outono de 1937, h o u ve um a eleição

para prefe i to . Um pol í t ico i r la ndês que já fora prefe i to e g o v e r n a d o r do estado se

recandida tava . Entre os "bons ianques", o n o m e de Murphy era a personif icação

da cor rupção . N o entan to , em Cornervi l le , el e t inha a reputação de ser um ami-

go dos pobres e do povo i ta l iano . A maior par te dos políticos de C ornervi l le fe -chava co m ele, e se esperava que ganhasse no distrito por uma t r emenda

maior ia . Decid i, por tan to , que seria bo m para m eu estudo se eu pudesse come-

ça r na pol í t ica t r abalhando para esse homem. (Entre meus colegas de Ha r va r d ,

essa nova a l iança pol í t ica p rovocou o arquear de algumas sobrance lhas; m as ra-

c iona l izei dizendo que um neóf i to comple to d i f i c i l me n t e poderia fazer qual-

q u e r coisa que contr ibu ísse para a e le ição de um notório político.)

A f im d e m e engajar na campanha, t inha que fazer algum t ipo de conexão lo-

c a l . Consegui i sso co m George Ravel lo , o senador d o estado qu e represen tava

nosso distr ito e dois outros. N o restauran te o n d e eu vivia , conheci Paul Fer ran te ,

secretá r io de Ravel lo e t a m b é m amigo da famíl ia Martini. O s serviços que Fer-l a n t e prestava a Ravel lo e ram in te i ramente vo lun tár ios . Paul estava desemprega-

do na época e t r abalhav a para o se n a d o r na esperança de que, co m isso, pudesse

c ons eg u i r um emprego pol í t ico a lgum dia .

Após u m a rápida d iscussão pre l iminar , a l is te i -me como secretário não-re-

1 1 n 1 1 i c rado do secretário não- r em uner ado do se n a d o r estadual, e n q u a n t o durasse

, i campanha para prefe i to . Q u a n d o te rminou a eleição, m e realistei, pois h a v i a

n i n a e l e i ç ã o especia l para uma cadeira vaga no Congresso, e George R a v e l l o

i u i i c o r r i a a e la . Fe l izmente , para m eu estudo, todos os outros pol í t icos de ( ] o r -

n c i v i l l e estavam pelo menos of ic ia lmente c om R a v e l l o , já q u e e le c o n c o r r i a

1 v á r i o s i r l a n d e s e s . Ass im, sen t i qu e p o d e r i a a l u a r cin s u a c a m p a n h a s e mi i i . n bar re i r as pa ra mim c m q u a l q u e r o u t r a p a r l e do d i s l r i l o .

 

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Sociedade de esquina

Como alguém qu e t rabalhava na c a mp a n h a do senador es t adual , e u e ra u m a

completa anomal ia . A maior par te dos que se e n g a j a m n e s s a s c a mp a n h a s p r e -

tende pelo menos ar rebanhar u m n ú m e r o subs tancia l de votos; eu não podia

prometer nada a l ém do m e u . Foi difícil para a organ ização acos tumar-se co m

isso. Um a v e z George Ravel lo me deu uma carona até a Assembleia Legislat iva e

quis saber q u a n d o eu ia consegu i r para ele o apoio do C l u b e da C o mu n i d a d e

I ta l i ana . Naquela época, esta era uma ques tão bas tan te d i scu t ida no clube. Po ru m lado, todos os sócios t inham interesse em ver um í ta lo-americano a v a n ç a r

para u m alto posto; p or out ro , sen t i am-se embaraçados quando eram iden t i f i ca-

do s co m Ge o r g e Ravel lo . Dif ic i lmente se poder ia cons iderar educada a l ingua-

gem que e le usava em públ i co , e Ravel lo ganhara u m t ipo de p u b l i c i d a d e qu e

em diversas ocasiões deixava os rapazes embaraçados . U m a v e z , p or exemplo ,

u m a mulh er es t ava t es temunhando cont ra u m p r o j e t o a p r e s e n t a d o no senado

p or Ravello. Ele se e n f u r e c e u no meio da a u d i ê n c i a e a m e a ç o u jogar a boa mu-

l her ao mar se ela algum di a pusesse os pés em seu distri to. Em out ra ocas ião , os

jorna is mo s t r a r a m a foto de Ravello c om u m olho roxo, qu e hav ia ganhado

n u ma l u t a c o m u m membro da J u n t a de Indu l tos e Liberdade Condicional does tado.

Expl iquei a Ravel lo que era cont ra a polí t ica do clube endossar candidatos a

qualquer cargo públ i co . Embora isso fosse verdade, d i f i c i lmente era uma expli-

cação satisfatória para o senador . Ainda ass im ele não insist iu no assun to , t a lvez

r e c o n h e c e n d o q u e , a f ina l , o apoio do Clube da Comunidade I t a l i ana não conta-

va mu i t o .

C o m o não era c a p a z de angar i ar vo tos , busquei se r úti l fazendo diversos p e-

quenos serv iços , c o m o pregar car t azes de Ravel lo em vár ias par tes do dis t r i to .

Estou certo de que n i n g u é m a c h o u que eu fosse de g r a n d e a j u d a para a c a m-

p a n h a do senador , m a s t a m b é m n ã o parecia causar nenhum dano , d e m o d o q u etive a p e r mi s s ã o de a n d a r à vontade pelo l u g a r , qu e servia c o m o u m a c o mb i n a -

çã o cie escr i tó r io po l ít i co e sa lão fune rár io .

Eu achava esse u m dos piores lugares para f i car , p o r q u e j a ma i s c o n s eg u i

ma n t e r u rn c o m p le to dis t anciamento c ien t í f i co co m re l ação à questão do s "sa-

lões funerár ios" . Um a da s minhas mai s v ív idas e desagradávei s memórias de

Cornervi l le v em desse período. U m d o s elei tores do senador hav ia morr ido .

( ' / o r n o a escada para se u a p a r t a me n t o er a mui to es t re i t a para passar o caixão , o

morto fo i exposto para os amigos e a fam í l i a na capela dos fundos do sa lão fune-

r á r i o . I n f e l i z m e n t e foi exposto em dois pedaços, pois sua perna fora a m p u ta d a

p o u c o a u l c s da mo r t e . O resto do c o r p o e s t a v a emb a l s a m a d o , m as m e disseram

q u e n ã o h a v i a c o m o e m b a l s a m a r u m a p e r n a a v u l s a . A p e r n a g a n g r e n a d a l i n h a

Anexo A

u m chei ro nausean te . E i u | n a n l o a f a m í l i a c o s a m i g o s v i n h a m p r c s l a r suas últ i-

m as h o m e n a g e n s , os e mp r e g a d o s políticos f i cavam na p a i l ê da I r e n k - do escr i tó -

rio, t en tando se m a n l c r c o n c c n l r a d o s n a p o l i l i c a . D e vr / , c m q u a n d o Paul

Ferran te andava p e l a s a l a b o r r i f a n d o p e r f u m e . A c om b i na ç ã o de perfume e

m a u - c h e i r o d e p o d r i d ã o d i l i c i l m c n l c poder ia m e l h o r a r a s i l u a c â o . F i q u e i n o

m e u posto o dia todo , m a s l e i m i n e i u m tan to en joado .

Como os pol í t icos não s a b i a m o que f aze r com meu s serv iços , mas , a i n d a as -

s im, es t avam dispostos a m e ler por per to , descobr i que poder ia cr i ar minha p ró-

pr i a def in ição do cargo . A n l c s de uma das reun iões dos t raba lhadore s po lí t i cos ,

suger i a Carr ie Rave l lo — a esposa do candidato e verdadei ro cérebro da famí l i a

— que eu servisse de secre tár io . Então , passe i a tomar no tas enq uanto a reun ião

se desenrolava e dat i lografe i u m s u má r i o p a ra us o f u t u r o , qu e passei para e la . ( A

invenção do pape l c a r b o n o m e p e r mi t i u g u a r d a r mi n h a p r ó p r i a c ó p ia de todas as

anotações . )

N a real idade, esses registros nã o t i n h a m q u a l q u e r i mp o r t â n c i a p a r a a organ i -

zação . Embora fossem cons ideradas reun iões para d i scu t i r es t ra tég ia e t á t i cas p o-

l í t icas , e ram apenas encont ros p repara tó r ios para a segunda l inha de poderes

polí t icos qu e apoiava Ravel lo . Nu nca es t ive em n e n h u m a da s discussões pol í t i -

cas do alto escalão, em que as verdadei ras deci sões eram t o ma d a s . N o entan to , as

anotações que fiz nesses encont ros po l í t i cos rea lm ente m e d e r a m u m r eg is t ro

plenam ente docum entado de uma á rea especí f i ca . A par t i r dali , passe i p a r a o co-

mício po l í t i co de grande por te , o n d e busquei reg i s t rar , no local da ação, as l a i a s c

out ras a t iv idades dos p r incipai s corre l ig ionár ios de Ravel lo .

Q u a n d o chegou o dia da eleição, votei logo que a seção a b r i u e me apresente i

no quarte l -genera l do candidato . A li soube qu e h a v i a s ido des ignado pa ra t raba-

l h a r com o secre tár io de Ravel lo em out ro Dis t r i to . Passei a p r i me i r a p a r t e do diafora de Cornerv i l l e , segu indo Ferran te , se m exercer qual quer a t iv idade ú t i l para

m im ou para a organ ização . N ã o m e p r e o c u p a v a co m mi n h a c o n t r i b u i ç ã o p o r -

qu e t inha a impressão cada v ez ma i s forte de que mu i t o do que acontecia sob o

n o m e de at iv idade po l í t ica er a s imples perda de t e mp o . N a m a n h ã daquele di a

paramos para conversar co m vár ios am igos de Paul Ferran te e beber alguma co i -

sa ou t o ma r u m café a q u i e al i . Depois f i c a mo s em ci rcu laç ão , o ferecendo t rans -

porte para elei tores qu e preci sassem cheg ar a suas seções — o que, nu m distri to

Iã o povoado , signif icava u m local logo al i , depois da esqu ina . F iz e m o s cerca de

30 p a r a d a s e t r a n s p o r t a mo s u m a elei tora qu e d e c la r o u p r e t e n d e r c a mi n h a r até a

seção d a l i a c inco minu tos . Os ou t ros não es tavam em casa ou disse ram q u ei r i a m m a i s tarde a pé .

 

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5/14/2018 Foote White - Anexo - slidepdf.com

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S oc i edade de e s q u i n a

À s d u a s ho ra s , pe rgu n t e i se poderia sa i r e vol tar para m eu Distri to. A permis-

sã o fo i i me d i a t a , e e n t ã o pu d e pa s s a r o res to do d i a e m Cornervi l l e .

Quando cheguei em casa , comecei a o u v i r rela tos a l armantes a respei to doDis tr i to do pol í t i co i r l andês , o pr incipa l adversár io de Ravel lo . Diz ia-se que e let i n h a u m a frota d e táxis passeando pelo Dis t r i to , e ass im cada repet idor conse-

g u i a vo t a r em todas a s zonas . Ficou claro que, s e n ã o ro u bá s s e mo s a ele ição , esse

m a u cará ter a ro u ba r i a d e n ós .Po r volta d a s c i n c o ho ra s , u m dos principai s assessores d o s e n a d o r c o r r e u at é

a lg u n s de nós que es távamos parados na esquina, do out ro l ado da rua onde fica-

va minha seção . Ele nos disse que a seção de Joseph Maloney, em nosso Dis t r i to ,

estava totalmente aberta para repetidores. Os carros estavam prontos para trans-

portá-los e t u d o de que preci sávamos eram uns po u c o s ho me n s pa ra c o me ç a r o

t r a b a lh o . N a q u e l e m o m e n t o a o rga n i z a ç ã o e s t a va d e s f a l c a d a d e mão-de-obra

para real izar essa importante t ar efa . O assessor não ped iu voluntár ios ; e l e s im-

plesmen te no s mando u ent rar nos carros e segui r para as seções onde o t rabalho

p u de s s e s e r feito. He s i te i u m mo m e n t o , ma s n ã o me r e c u s e i .

Antes q u e a s seções fossem fechadas naqu ela no i t e , eu havia votado mais trêsvezes em George Ravello — r e a lme n t e n e n hu m a gra n d e f a ç a n ha , já q u e u m ou -

tro novato que começara na mesma hora que eu consegui ra produz i r nove votos

n o mesm o período . Dois d o s meu s votos foram d a d o s n u ma po n t a d o Distrito q u e

pertencia a Joseph Maloney, e o t ercei ro fo i registrado n a minha própria seção .

Estava parado na esquina quando os capangas do polít ico chegaram com a

l is ta de ele i tores e ped i ram que eu ent rasse . Expl iquei que aquela era minha se-

ção e que já havia votado c o m me u própr i o n o me . Quando s o u be ra m q u e isso ti -

n ha acontecido logo q u e a seção fora aberta , d i sseram q u e n ã o havia razão parame preocupar , po i s a equipe encarregada da seção já mudara. Escolheram para

mim o nome de Frank Pet r i llo . Disseram que Petrillo era um pescador s i c i l i anoque estava no mar no dia da eleição, e portanto es távamos exercendo os direitos

democrá t i cos por ele . Olhei na l is ta e d e s c o br i que Petri l lo t inha 45 a n o s e me-

di a l,75m. Como eu t i n ha 23 a n o s e me d i a l,89m, pa re c e u -me im p la u s ív e l

subs t i tu í- lo, e l evante i a questão . Garant i ram q u e isso n ã o fazia a me n o r d i f e r e n -

ça , já que as pessoas dent ro da seção eram gente de Joe Maloney. Não me sent icompletamente t r a n q u i l o com i s so , mas, mesmo ass im, já perto da hora de en-

c e n a r a votação , ent re i num a longa fila e esperei a mi n ha ve z .

l )c i meu n o m e , a m u l h e r n a e n t r a d a m e d e i x o u e n t r a r , pe gu e i mi n ha c é d u -

la , v o l l c i à c a b i n e e ma rq u e i Ge o rge R a ve ll o . Qu a n d o e s t ava a ponto d e colocar

o v ol o n a n i n a , a m u l h e r m e o l ho u e pe rgu n t o u mi n ha i d a d e . D e re p e nt e - o r i d i> i i l u d a I a i sã m e b a l e i i d e c h e i o . E u d e ve r i a d i z e r 4 5 , m a s n ã o pude- I a l a r m e n t i r a

tã o a b s u r d a . E m v e z di sso , f i / p o r 2 l). E la | K T ; M I I I | < l i n h a a l h u a c l i / u n h a m e

dia , d izendo 1,82. E u estava | > c > ' , < > , m a s o m l r m i c a l c < < . I I I M I M . H I A m u l h e r

pe rgu n t o u c o mo e u soletrava m e u • N a q u e l a c - x c i l a ç ã o h K I a , s n l r l i n nu

do . A out ra fiscal c he go u c p c i f . m i l n u s o l u e m i n h a s m n a s . A c h e i q u r m e l e n i

brava de te r visto o s n o m e s d e algumasmulheres Petrillo na I r . l a . e. de q n a l q i i c i

mo d o , s e e u i nventasse n o m e s q u e n ã o a | > a i e e e v , e m , | H H | < mi n M - I n o m e s d e

m u l h e r e s q u e n ã o estavam r e g i s t r a d a s . E n d i s s e : " S i m ,l e n h o d u a s u m a s . " E la

pe rgu n t o u s e u s n o me s , c r e s p o n d i "( i e h a e E l o i e i i c e . "

L a n ç o u -me u m o l h a r m a l i c i o s o e p e i ^ i m l o n : "E essa M a n e 1 ' c h i l l o ? " I n s p i

re i p r o f u n d a m e n t e e d i sse : "E m i n h a p i i ma ." E l a s d i s s e r a m q u e l e n a m q u e i m

pu gn a r me u vo t o . C ha ma ra m o p o l i c i a l encarregado da seção.

Tive u m m i n u t o d e esper a a le q u e e l e c he ga s s e , e fo i t e mpo s u f i c i e n t e para

refletir sobre m e u f u t u r o . Podia ve r d i a n t e de m im gra n d e s ma n c he t e s n a s pri -meiras páginas dos tab ló ides de Eastern City: BOLSISTA DE HARVARD PRESO

PO R FRAUDAR A K l K I ( , ; Á O . Por que d e i x a r i a m de fazer isso? Na ve rd a d e , era a his-

tória i deal para um j o r n a l , do t ipo homem mo rd e c a c ho r ro . Na q u e l e i n s t a n t e re -

solvi que pe l o me n o s não me n c i o n a r i a mi n ha c o n e x ã o com Ha rva rd nem meue s tu do s o bre C o rn e rv i l l e q u a n d o fosse preso .

O pol ic ia l chegou, d isse que teria que i m p u g n a r meu voto e pe d i u que eu es-

crevesse meu nom e at rás do voto . Fui para a cabine. Mas àq uela a l tura es t ava t ão

nervoso que e s q u e c i q u a l era meu pr i me i ro nome, e escrevi "Paul". O pol ic ia lpegou meu voto e o l ho u no verso. Fez-me j u r a r que esse era o meu nome e que

não ha via votado an tes . Jure i . E cam inhei para o portão . Ele me d i sse para parar .

Olhei a mu l t i d ã o e n t r a n d o e pensei em sa i r c o r r e n d o na di reção dela , mas não

fiz isso. Vol te i . El e o l ho u n o l ivro de ele i tores regi s t rados . Então se vi rou para a

c a b i n e e por um mo me n t o f i c o u de costas para mim. E o vi a pa ga n d o o nome

que eu t inha escr i to no verso do voto . Deposi tou o voto na urna e o regi s t rou,soando uma campainha. Disse-me que eu podia sair, foi o que fiz, tentando ca-

m i n h a r de um j e i to c a l mo e d i s p l i c e n t e .

Quando estava na rua, d i sse para o cabo ele i toral do polít ico que meu voto

havia s i d o i mpu gn a d o . "E daí , qual o pro b l e ma ? Não pe rd e mo s n a d a com isso."

Então conte i que o voto f inalmente havia ido para a urna. "Bom, melhor a inda.Escute , o que e les poderiam ter feito com você? Se os t iras t ivessem te l evado,não iam te s e g u r a r lá. A gente cu idava de você."

Não c o mi bem n a q u e l a n o i t e . C u r i o s a me n t e , não me sent i a tão c u l pa d o

c o m o q u e ha v i a feito a t é pe n s a r q u e i a m me pre n d e r . A té a q u e l e mo me n t o t i-

n ha a p e n a s feito a s co i sas , meio des l igado . Depois d o j a n t a r fu i p r o c u r a r ' l o n vC a r d i o , d o C l u b e d a C o m u n i d a d e I t a l i a n a . À t a rd e , q u a n d o eu m i r a v a n a sccílo

 

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314 Soc iedade de e s q u i n a

para "repet i r" o vo to , e le v inha sa indo . Ao passar por mim, a r r e g a n h o u u m s o r r i -

s o e d i s se : "Es tão dan do um d u r o em você h o j e , não é?" Concluí i m e d i a t a m e n t e

que e le devia saber que eu i a vo tar de novo . Agora sen t i a que prec i sava vê- lo o

mai s de pressa poss ível para expl ica r d a m e lh o r m a n e i r a o q u e e u havia feito e

por quê . Fel izmente para mim, Tony não estava em casa n a q u e la n o i te . À medi -

d a q u e m i n h a a n s i e d a d e f o i b a i x a n d o , r e c o n h e c i q u e , s i m p le s m e n t e p o r q u e e u

sab ia d e minha própr ia cu lpa , i s so não ne cessa r i amente s ign i f i cava que todos o sou t ros e Tony sou bessem o que eu f i ze ra . C o n f i r m e i isso indiretamente quando

mais t arde t ivemos uma con versa sobre a e le ição . E le não levan tou q ues tão a lgu-

m a a r e s p e i t o d e m i n h a s a t i v id a d e s como votan te .

Fo i esse o meu desempenho no dia da eleição. O que g a n h e i com ele? Tinha

visto d e pr imei ra mão , p o r exper iência pessoal , como er a fei ta a repet ição . M as

isso e ra r e a lm e n t e d e pouca impor tância , po i s observara essas at ividades bas t an te

de per to an tes , e pode r i a t er obt ido todos o s dados sem corre r ri sco a lgum. Na

verdade não a prend i na da de valo r para a pesqu i sa com essa exper iência , e me ar -

r i s q u e i a p r e j u d i c a r t odo o meu es tudo . Embora t ivesse escapado d a pr i são , nem

sempre es sas co i sas são reso lvidas com tam anh a seguran ça quan to pensa o -asses-s or d o polí t i co . U m a n o m a i s t a rd e , q u a n d o e s t a v a fora d a c i d a d e n o d i a d a ele i -

ção , a lguém fo i rea lmente preso por vo tar em me u n o m e .

Além d o r i sco d e s e r preso , havia ou t ras perdas poss ívei s . Embora a repet ição

fosse b a s t a n t e c o m u m e m nosso Di s t r i t o , somente umas t an t as pessoas es t avam

e n g a j a d a s n i s so , e e m geral eram vi s t as como a s q u e f a z i a m o t r a b a lh o s u j o . S e a

notícia t ivesse s e espalhado , minha pos ição n o Dis t r i t o t er i a sof r ido u m d a n o

c o n s i d e r á v e l . A té onde sa iba , apenas a lgumas das pessoas -chave na o rgan ização

de Ravello f i c a r a m sabendo da hi s tór i a . Eu vo tara mai s fora do Dis t r i t o , e meus

amigos d a N o r t o n S t r e e t n ão votavam n a mesma seção e m q u e d e i m e u s e g u n d o

voto e m Comerville. N ã o t i n h a s i d o o b s e r va d o p o r n i n g u é m c u j a opin ião pudes-se me cau sar dano . Além d i s so , fo i por abso lu t a so r t e que n ão me denun cie i a

Tony Card io ; na verdade, t ive so r t e em tudo , do começo ao f im.

A exper iência t rouxe problemas que t ranscend iam a ques tão de t er -me sa ído

b e m . E u fora c r i a d o como u m respei t ável c idadão d e clas se méd ia , segu idor d a

l e i . Quando descobr i q u e e r a u m repet ido r , minh a consc iência começou a c r i a i

sérios problemas . Não e ra essa a auto-imagem q u e v i n h a t e n t a n d o c o n s t r u i r .

Nã o p o d i a s i m p le s m e n t e ri r dela , como s e fosse u m a par t e necessár i a d o t r a b a -

lh o d e campo. Sabia q u e n ã o e r a neces sár i a ; depo is de te r c o m e ç a d o a " r e p e l i r " ,

p o d e r i a t c r -m c r e c u s a d o a ir a d i a n t e . H o u v e o u t r o s q u e s e r e c u s a r a m . E u s i m

plesfnente m e e n v o l v e r a n a d i n â m i c a d a campanha e me p e r m i t i r a s e r l e v a d o

I K I I ela. T i v e d e a p r e n d e r q u e , pa r u s e r a c e i t o pe la s p e s s o a s n u m dis t r i to , v oe i 1

A n e x e i A315

n ão deve f aze r t u d o e x a t a m e n t e como e l a s r a / c m . N a v e i d a d e . n u m distrito

onde ex i s t em d i f e r e n t e s g r u p o s com d i f e r e n t e s p a d r õ e s d* comportamento,•U S

tar-se a o s p a d r õ e s d e u m g r u p o p a r t i c u l a r p o d e te r c o n s e q u ê n c i a s n n n l n s c i i a s .

Também prec i se i aprender q u e o p e s q u i s a d o r d e c a m p o n a u p o d e ie d ,n .m

l uxo d e p e n s a r a p e n a s em viver a vida com os ou t ros à sua v o l l u . El e deve COnti

n u a r a viver c o n s i g o m e s m o . Se o observador par t i c ipan te se vê assumindo em u

p o r t a m e n t o s q u e havia a p r e n d i d o a cons iderar imorai s , en tão é provável q u ecomece a pensar sobre o t ipo d e pessoa que e le é . A m e n o s q u e possa l e v a i e o n s i

g o u m a imagem razoavelmen te cons i s t en t e d e s i mesmo, é provável q u e s e m e l a

e m d i f i c u ld a d e s .

8 . DE V O L T A A N O R T O N S T R E E T

.

Qua ndo t erm inou a campa nha, vo lt e i a Nor ton St reet sem cor t ar totalmente

m e u s laços c o m a organ ização d e Ravello . Havia duas razões para i s so : que r i a

m a n t e r m e u s c o n t a t o s p a ra f u t u r a s poss ívei s pesqu i sas sobre po lí t i ca , e t a m b é m

n ão desej ava q u e p e n s a s s e m e m m i m a p e n a s como mais um desses caras f i ng i -d o s q u e f a z e m a maior agi t ação em t o rno d o p o l í t i c o q u a n d o este p a r e c e le r a

c h a n c e d e v e n c e r , e o a b a n d o n a m q u a n d o p e r d e . A i n d a a s s i m , n ã o h a v i a q u a l -

q u e r laço pessoal forte m e p r e n d e n d o à organ ização . Gostava d e ( ' a r r i e Ravello

e a respei t ava;o s e n a d o r m e i n t r igava e m e i n t e r e s s a v a , m a s n u n c a s c n l i vontade

d e conhecê- lo . S e u ex-secre tár io s i m p l e s m e n t e d e s a p a r e c e u d e \ã por a l g u m

t empo depo i s d a eleição — e a i n d a m e d e v e n d o de/ , d ó l a r e s . ( ) s o u t r o s í c a l i n c n

t e não t i n h a m i m p o r t â n c i a p a r a m i m , p e s s o a l m e n t e . E a o rcv c i m i n h a s n o l a s ,

h o j e , vejo q u e a t é m e s m o s e u s n o m e s tê m p o u c o s i g n i f i c a d o .

Q u a n d o v o l te i a es t ar mai s a t ivo n a N o r t o n S t r e e t, o m u n d o l o c a l c o m e ç o u a

m e p a r e c e r d i f e r e n t e . O u n i v e r s o q u e e u v i n h a o b s e r v a n d o e s ta v a n u m p r o ce s s ode mud ança . Observei a lguns dos sócios do Clube d a C o m u n i d a d e I t a l ia n a e s ta -

belecer con ta tos com o a lto mund o i a n q u e qu and o os acom panhe i à "All-

A m e r i c a n Night" n o C lu b e d a s M u l h e r e s Repu bli cana s . Via crescer as tensões e

o s desgas tes en t re o s Nor ton , com o res u l t ad o dos con ta tos com o Clube Afrodite

e o C lu b e d a C o m u n i d a d e I t a l i a n a . Completamente desprovido de d i s t anc ia-

mento c i en t í f i co , observava Doe e n q u a n t o e le se preparava e m s e u es fo rço f ra-

c a s s a d o d e c o n c o r r e r a u m c a r g o p ú b l i c o .

En tão , em abr i l de 1938, numa no i t e de sábado , me def ron te i i nesperada-

m e n t e com uma de minhas mai s empolgan tes exper iências de pesqu i sa em Cor-

uervi l l e . Foi na no i t e em q ue os Nor ton i am d i spu tar um prém io em d i n h e i r o n ob o l i c h e , a m a i o r n o i t e d o b o l i c h e e m toda a t e m p o r a d a . L e m b r o - m e d e e s t a r n a

 

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316 Sociedade de esquina

esqu ina com os rapazes enquanto eles discutiam o torneio. Ouvia Doe, Mike e

Danny fazerem suas previsões quanto à ordem de classificação f inal dos ho-

mens . De início aquilo não me causou impressão part icular alguma, pois

min has próp rias previsões não expre ssas eram e xatamen te as deles. Então, en -

quanto os homens brincav am e discut iam, subitamente comecei a ques t ionar

toda a s i tuação e a vê-la de uma maneira nova. Es tava convencido de que Doe,

M ike e Dann y es tavam bas icamente correios em suas previsões, mas, ainda as -

s i m , por que as classificações dever iam se aproxima r da estrutura da gangue?

Será que esses homen s no topo eram simplesmente melhores atletas que o resto?

N ão fazia qualquer sent ido, pois al i es tava Frank Bonell i , um atleta bom o

suf ic iente para receber a promessa de um teste num t ime de beisebol da primei-

ra divisão. Por que não po deria Fra nk supe rar todos nós na pista de boliche ?

Então me l embre i do jogo de beisebol que t ínhamos jogado um ano antes contra

a turma mais jovem da Norton Street. Eu via o homem que era tido consensual-

mente como o mel hor j ogador de beisebol entre nós a fazer arremessos errados ,

com passos longos, graciosos, e deixar as bolas rasteiras repicar entre su as pernas.

Eentão

mel embre i

de que nem eu nemninguém parec ia surpreso

com o de-

s empenho de Frank naquele jogo. Nem mesmo ele estava surpreso, como expli-

cou: "Até parece que não sei joga r bola quando jogo com os camaradas que

conheço, como os dessa turma."

Naq uela noite fui para as pistas fascina do e um tanto tomado por um sent i-

mento de reverência pelo que estava prestes a testemunhar. Aqui estava a estru-

tura social em ação, bem aqui , nas pistas de bol iche. Ela mant inha os in tegrantes

ind iv idua is em seus lugares — e a mim t ambé m, j un t o co m eles. Naquele m o-

mento, não parei para rac ioc inar que, como amigo íntimo de Doe, Danny e

M ike , eu t inha uma pos ição próxima ao topo da gangu e. Portanto, devia-se espe-

ra r de mim um desempenh o excepcional nessa grande ocas ião. Simplesmenteme vi extas iado, t ransportado pela s i tuação. Sent ia que meus amigos es tavam co-

migo, t inha m confiança em mim, queriam que eu jogasse bem . Quando chegou

minha vez e avancei para jogar, sent i um a absurda confiança de que ia der rubar

os pinos qu e mirava. Nunca havia m e sent ido daquele je ito antes — nem depois.

Aqui , na pis ta de bol iche, experime ntava subje t ivamente o impacto da es t ru tura

do grupo sobre o indivíduo. Era um sent imento es t ranho, como se algo maio r

q u e eu cont rolasse a bola quando comecei a fazer o balanço e soltei-a em d ireção

ao s pinos .

Quando tudo terminou, olhei as pontuações de todos os outros h o m e n s . A i n

da es lava um l a u t o perplexo co m minha pró pria experiência, e agora e mp o lg a d oao d e s co b r i r que os rapa /e s r ea l men t e ha v i a m t e r m i n a d o na o rdem p r c v i s l a ,

Anexo A 317

com apenas duas exceções que p o d e r i a m se r fac i lmente expl icadas em termos

da es t rutura do grupo.

Refle t indo depois sobre a disputa na pis la de b o l i ch e , dua s coisas se destaca-

ram em minha mente. Em pr imei ro lugar , es lava c o n v e n c i d o de que agora t inha

chegado a algo importante: a re lação c n l i r desempenho i n d i v i d u a l e es t rutura

grupai , embora, naquela época, a i n d a n ã o visse c o m o l a l obse rvação poder ia se

encaixar n o padrão geral do cs lndo s o b i e ( l o r n r i v i l l e . Eu a c i c d i l a v a e n t ã o ( e

ainda acredito ho je ) qu e e s s e - l ipo d e i c l a ç a o pode se i obsci vad o cm u n i r a s a l i v i -

dades d e grupos em toda p a r l e . ( l u i n o u m á v i d o lã d e b e i s e b o l , l i c q i i c n l c m c n l e

m e vira in t r igado com o desempenho de a l g u n s atletas que parec iam capa/cs de

rebater , arremessar e r ec upera r a bola co m fantásticas habi l idades técnicas c,

ainda ass im, não conseguiam ent rar nos times da primeira divisão. Também me

intrigara os casos de homens que, tendo jogado bem n uma época, de repentefra-

cassavam feio, enquanto outros pareciam fazer tremendos progressos que não

poderia m ser explicados s implesmente pela expe riência acumulada. D esconfio

que um estudo sistemático da estrutura social de um t ime de beisebol , por exem-

plo, expl icaria alguns desses fenómeno s que, de out ra forma, permanecem mis-teriosos.

O outro ponto que me impress ionou envolvia métodos de pesquisa de cam-

po. Aqui es tavam as pontuações dos homens naquela noite f inal no boliche. Esse

co n j u n to de números certamente era importante, pois representava o desempe-

nho dos homens no evento pelo qual t inham esperado durante todo o ano , o

ponto alto. No entanto, o mesmo grupo jogara boliche todos os sábados à noite

duran te muitos meses , e alguns dos in tegrantes t ambém t inham jogado em ou-

tras noites durante a semana. Teria sido uma tarefa r idiculamen te s imples para

mim ma nter um registro de todas as partid as joga das em todas as noites de sába-

do daquela temporada e em outras noites na s quais joguei co m eles. Isso teriaproduzid o um con junto de es tat ís t icas de dar i nve ja a alguns dos meus amigos

al tamente quant i tat ivos . Mas não fiz registro algum , pois na época não via qual-

quer razão para isso. Tinha tomado as noites de sábado no bol iche como s im-

plesmente uma recreação para mim e meus amigos . Eu descobrira que gostava

tanto de joga r bol iche que de vez em quando sent ia um pouc o de culpa por ne-

gligenciar minha pesquisa. Jogava com os homens para es tabelecer um a po s ição

social que me permitisse entrevistá-los e observar coisas importantes. Mas quais

eram essas coisas imp ortante s? Só depois de deixar passar essa mina de ouro esta-

t ís t ica foi que percebi subitam ente que o comportamento dos homens nos jogos

regu lares de bol iche era o exemplo perfeito do que eu deveria estar obse rva i K I n .Em v c v , d e jogar bol iche para conseguir observar um a out ra coi sa , eu dever ia jo

 

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318 S o c i e d a d e d e e s q u i n a

gar para observar o j o g o . D e s c o b r i e n t ã o q u e a s a t iv i d a d e s d i á r i a s r o t i n e i r a s d a -

q u e l e s h o m e n s c o n s t i tu í a m o s d a d o s bá s i co s d e m e u e s t u d o .

9. R E P R O G R A M A Ç Ã O DA P E S Q U I S A

O f i n a l d a p r i m a v e r a e o v e r ã o d e 1 93 8 t ro u x e r a m a l g u m a s m u d a n ç a s i m p o r ta n -

te s p a r a m i n h a p e s q u i s a .N o d i a 2 8 d e m a i o c a s e i - m e c o m K a t h l e e n K i n g e , t r ê s s e m a n a s d e p o i s , v o l ta -

m o s j u n t o s p a r a C o r n e r v i l l e . K a t h le e n m e v is i t ara n o r e s t a u r a n t e e s e e n c o n t r a r ac o m a l g u n s d e m e u s a m i g o s . Mesmo s e n d o u m homem c a s a d o , n ão q u e r i a m e

m u d a r d o d i s t r i t o , e f e l i z m e n t e K a t h l e e n e s t a v a a n s i o s a p a r a v i r m o r a r a l i . Is s o

a p r e s e n t a v a p r o b l e m a s , p o r q u e , e m b o r a n ão es t ivés semos à p r o c u r a d a per fe i -

ç ã o , e s p e r á v a m o s e n c o n t r a r u m a p a r t a m e n t o q u e d i s p u s e s s e d e toale te e d e u m a

b a n h e i r a . Fomos visitar diversas possibilidades deprimentes, até que a f i n a l acha-

m o s u m préd io q u e e s t a v a s e n d o r e m o d e l a d o n a Shelby Street . Alguns d o s meus

a m i g o s d a N o r t o n S t r e e t n o s a l e r t a r a m a r e s p e i t o d a v i z i n h a n ç a , d i z e n d o q u e o

l u g a r e ra c h e i o d e s i c i l i a n o s , u m b a n d o d e a s s a s s i n o s . A i n d a a s s i m , o a p a r t a m e n -t o t in h a a b a n h e i r a e o t o a l e te , e r a l i m p o e r e l a t i v a m e n t e a r e j a d o . N ã o p o s s u í a

a q u e c i m e n t o c e n t r a l , m a s p o d e r í a m o s d e s f r u t a r d e u m r e l a t iv o c o n f o r t o c o m o

fogão d a c o z i n h a .A g o ra q u e é r a m o s d o i s , s e r ia p o s s í ve l n o s e n g a j a m o s e m n o v o s t i p o s d e a t iv i -

d a d e s s o c i a i s , e K a t h l e e n p o d e r i a conhecer a l g u m a s d a s m u l h e r e s ta l como e u

conhecera o s homens. N o e n t a n t o , e s s a s n o v a s o r i e n t a ç õ e s d a s a t i vi d a d e s s o c ia i s

e r a m c o i s a p a r a o f u t u r o . M e u p r o b l e m a por o ra era s a b e r o n d e e u es tava e para

onde i a . C hegara a hora de fa ze r u m b a l a n ç o .A o d e s c r e v e r m e u e s t u d o e m C o r n e r v i ll e , f re q u e n t e m e n t e d i g o q u e p a s s e i 18

m e s e s n o campo a n t e s d e s a b e r p a r a o n d e s e e n c a m i n h a v a m i n h a p e s q u i s a .N u m s e n t i d o , i s s o é li t e r a l m e n t e v e r d a d e i r o . Comecei c o m a i d e i a g e r a l d e fazer

u m e s t u d o d e c o m u n i d a d e . S e n t i a q u e preci sava m e e s t a b e l e c e r c o m o o b s e r v a -

d o r p a r t i c i p a n t e a f i m d e fazer i s s o . N o s p r i m e i r o s m e s e s e m C o r n e r v i l l e , vivi o

proces so q u e o s o c i ó lo g o R o b e r t J o h n s o n d e s c r e v e u e m s e u própr io t r abalho d e

c a m p o . Comecei como u m o b s e r v a d o r n ã o - p a r t i c i p a n t e . A m e d i d a q u e f u i a c e i -

to n a c o m u n i d a d e , v i q u e m e t o r n a v a q u a s e u m p a r t i c i pa n t e n ã o - o b s e r v a d o r . Ti -

n h a d e s e n t i r a v i d a e m C o r n e r v i l le , m a s i s so s i gn i f i c a va q u e d e v i a t o m a r c o m o

d a d o s o s m e s m o s a s p e c t o s q u e m e u s a m i g o s d e C o r n e r v i l l e c o n s i d e r a v a m c o m o

t a l . E n c o n t r a va - m e i m e r s o n a v i d a l o c a l , m a s a i n d a n ã o c o n s e g u i a q u e a s c o i s a s

a d q u i r i s s e m s e n t i d o p a r a r n i m . Tinha a i m p r e s s ã o d e q u e faz ia algom as l a l l a v a explicar a mim mesmo d o q u e s e t ra t a va .

A n e x o A 319

F e l i z m e n t e , n e s s e p o n t o , e n f r e n t e i u m p r o b l e m a b e m p r á t i c o . M i n h a bolsa

d e e s t u d o s d e t rê s a n o s t e r m i n a r i a n o verão d e 1 93 9 e p o d e r i a s e r r e n o v a d a po r

u m p e r í o d o d e a t é t r ês a n o s . O s p e d i d o s d e r e n o v a ç ã o d e v i a m s e r e n t r e g u e s al e oi n í c i o d a p r i m a v e r a d e 1 9 39 .

E u g o s t a v a d e C o r n e r v i l l e e s e n t i a q u e e s t a va c h e g a n d o a a l gu m l u g a r , m a s

a o m e s m o t e m p o p e r c e b i a q u e p r e c i s a v a d e p e l o m e n o s m a i s tr ê s a n o s . Entendia

q u e , a té a q u e l e m o m e n t o , t i n h a pouco a m o s t r a r c o m o p r o d u t o d o t e m p o gasto.

Quando a p r e s e n t a s s e m e u p e d i d o d e r e n o v a ç ã o , d e v e r i a t a m b é m o f e r e c e r algu-

m a e v i d ên c i a d e q u e m e c o n d u z i r a b e m n o s p r i m e i r o s I res a n o s . C a b e r i a escre-

ve r a l g u m a c o i s a . E u t i n h a vár i os m e s e s à f r e n l c p a r a í a / e r i s s o , m a s n o início a

t a re fa m e a b a t e u . S e n t e i- m e p a r a p e r g u n t a r a m i n i m e s m o s ob r e q u e a s p e c t o d e

C o r n e r v i l l e e u d i s p u n h a d e d a d o s razoavelmente b o n s . 1 1 avia a l g u m a coisa

p r o n t a p a r a s e r e s c r i t a ? R e fle t i c o m c u i d a d o s o b r e i s s o c c o n v e r s e i a respei to c o m

K a t h l e e n e J o h n H o w a r d , q u e t r abalhava comigo n o distr ito.

A i n d a p e n s a n d o e m t e r m o s d e e s t u d o d e c o m u n i d a d e , r e c o n h e c i q u e sabia

m u i t o p o u c o a r e s p e i to d a vi d a d a s f a m í l i a s e m C o r n e r v i l l e , e q u e m e u s d a d o s s o -

b re a ig re j a e r a m b a s t a n t e s u p e r f i c i a i s , e m b o r a J o h n H o w a r d e s t i ve s s e começan-

d o a t r a b a l h a r n e s s a á r e a . E u m o r a v a c o m a fa mí l i a d o n a d o r e s t a u r a n t e n u m

q u a r to q u e d a v a p a ra a e s q u i n a o n d e T . S ., o m a i s f a m o s o g â n g s t e r d e Cornervil-

le, às vezes e ra visto com s e u s s e g u i d o r e s . O l h a r a o g r u p o c o n s t a n t e m e n t e d e

m i n h a j a n e l a , c o n t u d o , a i n d a a s s i m , n u n c a e n c o n t r a ra a q u e l e s h o m e n s . A s orga-

n i z a ç õ e s m a f i o s a s t i n h a m u m a ó b vi a i m p o r t â n c i a n o d i s t r i to , m a s tudo q u e e u

s abia e r a m c o m e n t á r i o s o u v i d o s d e r a p a ze s a p e n a s u m p o u c o m a i s p r ó x i m o s d e -

la s q u e e u . Tinha m u i t o m a i s i n f o r m a ç ã o s o b re a v i d a p o l ít i c a e s u a s o r g a n i z a -

ç õ e s , p o r é m , m e s m o n e s s e a s p e c t o , s e n t i a h a v e r t a n t a s l a c u n a s q u e a i n d a n ã op o d i a j u n t a r a s p e ç a s .

S e e s s a s g r a n d e s á r e a s a i n d a p r e c i s a v a m s er p r e e n c h i d a s , o q u e e utinha

aa p r e s e n t a r ? E n q u a n t o m a n u s e a va a s vár i a s pas ta s , es tava óbv io q u e a d o s Norton

e a d o Clube d a C o m u n i d a d e I t a li a n a e ra m m a i s gr o ss a s q u e a s o u t r a s . S e é q u e

s abia a l g u m a c o i s a s o b r e C o r n e r v i l l e , e s s a c o i s a s e r ia s o b r e o s N o r t o n c o Clube

d a C o m u n i d a d e . S e e s c r e v e s s e e s s a s d u a s h i s tó r ia s , t a lv e z c o m e ç a s s e a v e r algum

p a d r ã o n a q u i lo q u e e u faz ia e m C o r n e r v i l le .

À m e d i d a q u e f u i e s c r e v e n d o o s e s t u d o s d e c a s o d o s N o r t o n e d o Clube ci a

C o m u n i d a d e I t a li a n a , g r a d u a l m e n t e e m e r g i u e m m i n h a c a b e ç a u m p a d r í í opar a a p e s q u i s a .

P e r c e b i , f i n a l m e n t e , q u e n ã o escrev ia u m e s t u d o d e c o m u n i d a d e n o s c n l i d o

u s u a l d o t e r m o . O le i to r q u e e x a m i n a rMíddletown

n o t a r á q u e o l ivr oI r a l a

d a sp e s s o a s c m g e r a l n a q u e l a c o m u n i d a d e . I n d i v í d u o s o u g r u p o s n ão l i g u r a m n a 1 1 i

 

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320 Sociedade de esquina

t ó r i a , exceto pa ra i lust ra r os aspectos que os au tores estão desenvolvendo (a se-

qu ê n c i a , Middletown in Transition, apresen ta u m a exceção, co m u m cap í tu lo

sobre a p r inc ip a l famíl ia da comunid ade) . O le i to r no ta rá a inda que Middletown

está organ izado em t e rmos de tóp icos: ob tenção de um me io d e vida , const rução

de uma casa , t re inamento dos jovens , uso do tempo l ivre.

Os L y n d c u mp r i r a m a d mi ra v e lme n t e a tarefa que se p ropuseram . E s imples-

mente acabei compreendendo que minha tarefa era d i feren te : eu l idava com in -divíduos p a r t i c u l a re s e grupos específ icos.

T ambém perceb i qu e encont ra ra u m a out ra d i ferença . Presumira que um es -

tudo socio lóg ico deveria apresen ta r a descrição e anál i se de uma comunidade

em u m m o m e n t o específ ico , apo iadas, é claro, em a lguns dados h is tór icos qu e

const i tu íssem um panorama gera l . E agora perceb ia que o tempo, em s i mesmo,

er a um dos elementos-chave de meu estudo . Eu observava , descrev ia e ana l i sava

grupos à medida qu e a v a n ç a v a m e mu d a v a m ao longo d o t empo. Pa rec ia -me qu e

eu poderia exp l ica r de manei ra mui to mais efetiva o comportamento de pessoas

caso as observasse duran te um certo período, be m mais do que se as pegasse nu m

único m o m e n t o . Em out ras pa lavras , eu as f ilmava , em vez de fotografá-las.Porém, se este era um estudo de ind iv íduos pa rt icu la res , e s e havia mais de 20

mil pessoas no distri to, como poderia dizer qualq uer coisa significativa sobre

Cornerv i l le com base nesses ind iv íduos e g rupos? Acabei percebendo que só po-

deria fazer isso se visse os ind iv íduos e grupos em t e rmos de suas posições na

es t rutura social. T ambém deveria p resumir que , qua isquer que fossem as dife-

renças en t re ind iv íduos e g rupos, hav ia semelhanças básicas a serem descober-

t a s . Desse modo, eu não teria que estudar todas as gangues de esquina a f im de

fazer af i rmações significativas sobre as gangues de esqu ina em Cornerv i l le . Um

estudo de uma g a n g u e não era su f ic ien te , é c la ro , mas se o exame de várias ou

trás mostrasse os mesmos aspectos un i fo rmes que eu esperava encont ra r , e n t ã o

essa parte da t a refa se to rna ria m ane já ve l .Sobre o Clube da Comun idade I ta l iana , sen t i que não precisava d e q u a l q u c i

dado ad ic iona l . Hav ia poucos homens fo rmados e m Cornerv i l le naquela época ,

de modo que o g ru p o do clube represen tava um a ampla amost ra da s pessoas uc s

sã ca tegoria . Também me pareceu que e les represen tavam pontos s ign i f i ca t ivos

ua est ru tu ra socia l e no p rocesso de mobi l idade socia l . Certamente s u rg i r i a m

o u t r o s homens fo rmados depo is que estes sa íssem do d is t r i to , a ssim como a r o u

U r e i a a n t e s com o Clube Dram át ico Sunset . Além d isso , o e x a me d e s u a s a l i v i

d a d cs m o s t r o u l i g a ç õ e s i mp o r t a n t e s com a p o l í t ic a r e p u b l i c a n a e com o ( I r i i l m

Coi

Ane x o \a eu co m e ça va a

caso da gangue da e squ i n a . E m Cornerv i l le , o polít ico n ão buscava n i t l m i n i .n

indivíduos separados; co n s c i en t em en te ou não , buscava os l íderes t I n 1 , i ; i i i | i i i ' .

Assim, eram homens como D oe q ue serv iam de e lo de ligação entre s e u - , ) M U | M > ' .

e a o rgan iza ção po l ít ica maior . Agora eu poderia c o m e ç a r a escrever mm ei

e x a mi n a n d o d e t a lh a d a rn e n t e os grupos pa rt icu la res , e depois pros segu ir r r l a n o

nando-os com as est ru tu ras maiores da c o mu n i d a d e . Tendo em mente esse | > a

drão , p u d e perceber que eu t inh a mui to m ais dados sobre po l ít ica do que h a v i a

pensado .

Ainda ex is t iam lacunas importan tes a p re e n c h e r . M eu conhecimento sobre

o papel da igreja na comu nidade era f ragme ntário , e esperava poder ampl iá- lo .

Não hav ia feito qua lq uer pesqu isa s i s temát ica sobre a famí l ia . De um lado , pa re-

c ia inconceb ível que a lguém pu desse escrever um estudo sobre Cornerv i l le sem

discut i r a família; ao mesmo tempo, nã o sab ia como proceder pa ra enca ixa r es -

se s estudos na o rgan izaçã o do l ivro, ta l c omo ele su rg ia em min ha mente . Devo

confessar t ambém que, por razões nada c ien t í f icas , sempre achei que po l í t ica ,

o rgan izações mafiosas e gangues são temas mui to mais in teressan tes que a un i -dade básica da sociedade humana .

As lacunas que ma is me preocupavam eram na área das o rgan izações maf io -

sa s e da po l í t ica . Eu t inha um conhecimento gera l de como funcionavam as o r-

gan izações, mas nada com parável aos de ta lh ados dados in terpessoa is sobre a

gangue da esqu ina . À medida que meu l iv ro p rossegu ia , pa rec ia -me que esta era

u ma f rag i l idade que s implesmente dev ia ser superada , embora na época não t i -

vesse a menor ide ia de c o m o chegar à experiência d i re ta de que p rec isava.

Terminei de escrever os do is p r imei ros estudos de caso e os apresen te i como

jus tif icativas de meu ped ido de renovação da bo lsa . Receb i a resposta a lgumas

semanas depo is . O auxí l io fora r e n o v a d o por um a n o , e não pelos três que eu es -perava . No in íc io f iquei amargamente desapontado . Uma vez que somente co-meçava a co lher os primei ros frutos, não via como seria possível te rminar

a d e qu a d a me n t e o estudo nos 18 meses qu e a inda restavam.

Tendo a acred i ta r agora que essa redução de tempo fo i mui to boa pa ra mim e

para a p e squ i sa . N u m certo sen t ido , o estudo de uma c o mu n i d a d e o u organ iza -

ção não tem um ponto final lóg ico . Quanto mais você aprende , mais co isas vc

para aprend er . Se t ivesse t ido três anos, em vez de um, levaria ma i s te mp o p a ra

completar o t r aba l ho . Ta lvez fosse um estudo melhor. Por ou t ro lado , quando

s o u b e q ue s ó d i sp u n h a de 18 meses, t ive cie p a ra r e r e a v a l i a r m e u s p l a n o s i n n i s

dc l ai l n u l a m en te , a v a n ç a n d o na pesqu isa c na e sc r i t a com i i m i l a d e t e r m i n a ç ã o .

 

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322 Sociedade de e s q u i n a

10. DE NOVO A CANGUE DA ES Q UINA

Os passos mais imp or tantes que d e i para amp l ia r meu es tudo das gangues de es-

quina resul ta ram do proje to do cent ro de recreação de Doe, embora no início eu

t ivesse a lguns out ros inte resses em m e n t e . Tudo c ome ç ou c o m u m d o s m e u s es -

forços per iódicos para conseguir um emprego para e le . Quando soube que o

Cent ro Comuni tá r io de Cornerv i l le hav ia f ina lmente obt ido uma doação paraabri r t r ês centros de rec reação em lo jas vaz ias que dav am para a rua , bu sque i per -

suadi r o senhor Smith, o cliretor, a cont ra ta r pessoas loca is para operar o s cent ros ,

pessoas c o m o Doe, que fossem l íderes em seus g rupos. Descobr i qu e e le plane ja -

ra contra ta r ass is tentes soc ia is t r e inados em t raba lho d e g rupo. Q u a n d o percebi

que não conseguir ia faze r com que se lec ionasse t r ês hom ens de Cornerv i l le , ten-

te i pelo menos levá-lo a c on t r a t a r Doe. Eu podia ver que o senhor Smith de ixa-

ra-se tenta r pe la ide ia , ma s a o mesm o tempo es tava receoso. Quando t rouxe Doe

para o encontro, descobr i que havia perdido te r reno, e m v e z de ganhar, pois

como e le própr io me disse mais ta rde , teve um a taque de ansiedad e e confusão

me n t a l no escr i tór io d o Cent ro Comuni t á r i o e não pôde causar um a impressãopessoal favorável. Se eu e Doe t ivéssemos entendido c or r e t a me n t e a s causas sub-

j acentes de seu mal-es tar , saber íamos que um emprego seguro e o dinhe i ro q uelh e permi t i ssem re tomar se u padrão costumeiro de a t iv idad es soc ia l cura r iam es -

se s s intomas neu rót icos . Por out ro lado, di f ic i lmente eu p oder ia expl ica r i sso ao

senhor Smith. Temia parecer que tentava faze r um simples favor a um a mig o .

Como último recurso nessa direção, passei para ele uma cópia d o meu estudo decaso dos N or ton e pe d i o favor de mante- lo conf idenc ia l , pois a inda não estava

pronto para publ icação. I sso contou, e ele c onc or dou em e mpr e g a r Doe.

À medida que as a tiv idades prepara tór ias para ins ta la r os cent ros de recreaçãoavançavam, comece i a me preocupar com minhas prev isões ot imis tas a respe i to

do sucesso de Doe. Nas pr im eiras r euniões para discu t i r planos para os cen t ros

e le f icou pass ivo e em aparênc ia apá t ico. Apesar disso, pra t icamente desde o mo -

m e n t o e m que o cent ro fo i aber to, es tava c la ro qu e seria um sucesso.

N uma de minha s p r ime i r a s visi tas ao cent ro de D o e , e l e me a p r e se n tou a

Sam Fr an co , qu e de se mpe nha r i a u m papel mui to mais impor tante e m m e u es

tudo q ue os indicados pe las breves menções a e le no l ivro. Doe conheceu Sam

na noi te de aber tura do cent ro. A g a ng ue de Sam estava do lado de fo r a , c x a i m

nanclo o lugar . E le ent rou c o m o emissár io d o g r upo — u m m o v i m e n t o q u e i m c

diatamente o i de n t i f i c ou c omo líder para D o e . O s dois c onv e r sa r a m brevenie t l t lsobre o c e n l r o e en t ão S am s a i u c I r o u x c su a t u r m a . N a n o i t e 1 s e g u i n t e , e l e se l o i

Anexo A 323

n a r a o se g undo em c o m a n d o na a c l n m i i s l r a c ã o do c e n l r o . l )o (- c onhe c i a u m a spoucas pessoas neste lado d o dis t r i to , m as S am c onhe c i a l odo m u n d o .

Doe sabia que eu t e n ta v a a m pl i a r m eu e s t udo de g a ng ue s de esquina, e suge-

r i u q u e S am m e a juda s se . Já s o u b e r a q u e este l i n h a u m a l h t - ( ) m not íc ias dej o r na i s sobr e a t i v i da de s em C o r n e r v i l l e e a l g u m m a te r i a l pessoal .sobre se u pró-pr io g rupo.

Conv ide i Sam — e seu á l b u m para vir a nosso a pa r t a me n to . L ,á soube qu ee le começara o á lbum dep ois de um a exper iênc ia num proje to da Nat iona lYouth Adminis t rat ion , o n d e I r a b a l h a r a para u m h o m e m q u e estava escrevendo

sobre os pr ob l e ma s d os j ovens ua região . O á lbum era to talmente de so r g a n i z a do

e sem um e ixo, mas uma p a r l e m e inte ressou espec ia lmen te . Sam t i nha uma se -ção sobre sua gangue , com u m a pág ina para cada integrante . No a l to da pág ina

h av i a um de se nho ( f e i to de m em ór i a ) de cada indiv íduo , e então Sam escrev ia

coisas c o m o i da de , e nde r e ç o , e duc a ç ã o , e m pr e g o e a mbiç ã o . (U sua lm e n t e es t a-v a e sc ri t o "ne nhum a " j u n t o à palavra "a mbiç ã o" . )

M inha tarefa agora era persuadi r Sam de que , embora fosse b o m ve r esses ho -

me ns com o indiv íduo s, aind a m elh or seria olhar para eles em termo s de suas rela-ções mútuas . Mal começara minha expl icação quando Sam captou a ide ia eaceitou-a com entusiasmo. Ev identemente e ra o t ipo de coisa que e le sabia, mas

estava tão habi tuado com isso que não lhe ocorrera sua importância. A partir da-que le momento, e até o final de me u estudo, Sam Franco foi meu assistente de

pesquisa. Consegui até mesmo que H arva rd pagasse cem dólares por seus serviços.

C o m e ç a m o s com uma aná l i se da própr ia gangue d e Sam, os Mil le r . Tam-

bé m examinamos out ras gangues que iam ao cent ro d e recreação de Doe. Ali, tí -nham os a g rande vantagem de conta r com dois observadores per spicazeschecando mutuamente suas impressões a r espe i to dos mesmos g rupos. F ique i

t r an q u i l o ao ver que es tavam em pleno acordo a respe i to da es t rutura da l ideran-ça de todas asgangues - com uma exceção, que me per turbava , até que a expli-cação um dia se apresentou.

Eu passara parte d e u ma t a r de ouv indo Doe e Sam discut i r em sobre a l ide-

rança d e u ma gangue . Doe a r g ume n t a v a que Car i era o h o m e m ; S am diz ia q u eer a To mmy. Cada um apoiava seu ponto de vista, re la tando inc identes observa-

dos. N a manhã seguinte , S am cor reu at é minha casa com esta nov idad e : "Sabe oque aconteceu n a noi te passada? C ar i e T ommy qua se se a t r a c a r a m.Tiveram

um a grande discussão e agora a gangue par t iu-se em duas , alguns f o r a m c om

National Y o u l l i Adrninistration: u m d o s p r o g r a ma s d a W I ' A q u e f o r n e c i a empregos d e l e i u p " p ' i ' ~c i a i p u r a j o v e n s eu l ré 1 6 e 2 5 c| li e q u e r i a m p r o s s e gu i r s e u s e s t u d o s . ( N . T . )

 

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324 Sociedade de esquina Anexo A 325

Cari, e o resto com Tommy." O confl i to entre as duas percepções acabou se re-

velando uma representação correta do que ocorria na gangue.

Enquanto t raba lhava com esses estudos de outras gangues, eu presumia que

havia terminado minha pesquisa sobre os Norton. Ainda assim, continuava a

manter contatos com Doe e, só como diversão, a jogar boliche com os remanes-

centes dos Norton em algun s sábados à noite.

Com a atenção voltada para outras coisas, deixei de ver o que acontecia entreos Norton, bem à minha frente. Sabia que Long Jo h n não jogava como o fizera

no s anos anteriores, e tamb ém que já não era tão próximo a Doe, Danny e Mike .

Notara tam bém que, quand o Long John estava na Norton Street, os seguidores o

molestavam muito mais agressivamente do que jamais t inham feito antes. Devo

te r presumido que havia alguma conexão entre esses fenómen os, po rém, mesmo

assim, não dei muita atenção à si tuação até que Doe veio falar comigo sob re as

dif iculdades psicológicas de Long John.

Foi como se essa informação acendesse uma l âmpada em minha mente . De

repente, todas as peças do quebra-cabeça se enca ixaram. Nos meses anteriores,

eu havia topado com a relação entre posição no grupo e desempenho nas pistasde boliche. Agora via a conexão trípl ice entre posição no grupo, desempenho e

saúde mental . E não apenas em Long John. Os episódiosde ans iedade e confu-

são mental de Doe parec iam te r exa tamente a mesma expl icação.

Poderíamos general izar isso nos termos que se seguem. O i ndivíd uo se acos-

tuma com um certo padrão de in teração . Se esse padrã o é submet ido a uma mu-

dança drást ica, então é de se esperar que ele tenha problemas com sua saúde

mental . Essa é uma afirmação muito rudimentar. Seria necessário pesquisa r

mais antes de podermos determinar o grau de mudança exigido, as possibil ida-

des de compensar co m interações em outras áreas sociais, e assim po r diante . A l i

estava, pelo menos, um a fo rma d e jun ta r re lações human as e ajuste psicológico.Além disso, aquela era uma oportunidade d e rea l i za r um a experiência em Ir

rapia. Se meu diagnóstico est ivesse correto, então a l inha de t ra tamento er a c l a -

ra : restabelecer um padrão de inte ração semelhante ao que Long John l i u l i a

ante r iormente , e os sintomas neuróticos deveriam desaparecer. Essa era a p n

meira oportunidade rea l de testar minhas conclusões sobre estrutura de g m | > u

Eu a agarrei co m real entusiasmo.

Convenc ido como es tava do resultado, devo confessar qu e f iquei d e - cer lo

modo fasc in ado quando, sob o programa de t e rapia habi lmente ex ecu tad o pu i

Hoc, Long J ohn n ão apenas deixou de te r os s intomas neuró t icos como l a i i i l n i n

I c c l i o n a t emporada ganhando o prémio em d i nhe i r o do ú l l i i n o c a m p c o n a l i i d rb o l i c h e . E c l a r o q u e essa v i l ó n a n ão er a necessár i a para d c h i i i i a i a / o a h i l i d i H Í B

do diagnóstico. Teria bastado que Long John recuperasse sua posição entre os

melhores jogadores . O prémio de cinco dólares era apenas uma recompensa ex-

tra para a teoria da interação.

n. ESTUDO D O C A N G S T E R I S M O

Meu encont ro com Tony Cataldo, o proeminente gângster de Cornerv i l le ,aconteceu quase por acaso. Uma tarde passei no restaurante da família co m

quem tinha morado. Ed Martini , o irmão mais velho de Al, estava lá, reclaman-

do de dois ingressos para um banque te que tivera de comprar de um pol ic ia l do

lugar. Disse que a esposa não queria ir a banqu etes, ta lvez ' eu quisesse acompa-

nhá-lo.

Perguntei do que se t ra tava . Expl icou que p banque te e ra em h onr a do fi lho

do tenente da polícia local. O jovem acabara de passar no exame da Ordem e co-

meçava sua carreira como advogado . Pensei um minuto. Era perfe i t amente ób-

vi o o tipo de pessoa qu e estaria no banquete: basicamen te p oliciais, polí t icos e

gângsteres. Decidi qu e aquela podia ser uma oportunidade para mim.No salão de banque te , Ed e eu ocupamos nossa posição no saguão, próximo

ao toalete masculino. Ali encont ramos Tony Cata ldo e um de seus empregados,

Rico Defeo. Ed Mart ini conhecia Tony superf ic ia lm ente ,e Rico morava bem do

outro lado da rua onde eu residia. Rico m e perguntou o que eu es tava fazend o, e

disse-lhe algo sobre escrever um livro a respeito de Cornervil le. Tony falou qu e

m e vira t i r a ndo fotografias na festa do santo padroe i ro, na Shelby Street , no últ i-

mo verão. Esta se provou uma associação providencial de sua mente, pois me

permit iu falar bas tante à vontade sobre o que eu t enta ra aprender na festa — qu e

da era na verdade apenas um interesse secundário na pesquisa.

Os qua t ro subimos para o salão de banque te e ocupamos uma mesa, onde ti-

vemos que esperar mais de uma hora pelo j a n t a r . Comemos aze i tonas e talos de

, n | > o , c expressamos s im pat ia u ns pelos outros diante do serviço ruim. Depois do

l . i n l a r , descemos e jogamos jun tos t rês par t idas de bol iche . A essa al tura Tony es -

l a v a bastante amigável e me convidou para passar em sua loja a qua lquer hora .

l ' ' i / , várias visitas à sala do s fundos da lo ja de onde Tony operava alguns de

léus negóc ios . Uma semana depois de nos conhecermos, convidou K ath leen e a

n i i i i i para u m j a n t a r e m s ua casa. S u a esposa, um a jovem a t raente , contou-nos

m a r , l a r d c que e le havia falado de nós como u m professor d e Harvard c uma a i

I r . l , i E s l a v a i n u i l o aborrec ida de só ter sido avisada na véspera, pois a c h a v a q u e

l M I r r,; 1 1 i ; i d e pelo m en o s u n i a sem an a para prepara r u m j a n l a i d i g n o de p c i s o n . i; ; < i r , Iã o i n i p o i l a n l c s . A in d a a s s im , o s p r a l o s e r a m bastante c l a h o i a d o s , r r . i i l a

 

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32 6 Sociedade de esquina

qual equ ival ia a uma refe ição completa . Depois do jan tar Tony nos levou para

conhecer a lguns paren tes que moravam num bair ro de pessoas mais abastadas.

E então fomos todos j ogar bol iche .

Jan tamo s duas vezes em sua casa , c eles vieram duas vezes à nossa . Em cada

ocasião, além da conversa l igeira, o padrão de pesquisa era seme lhan te . Faláva-

mos um pouco sobre a festa , as atividacles do s paesani no clube e coisas que Tony

associava ao meu estudo. Então, aos poucos, fui deixando-o à vontade para dis-cutir seus negócios. Tudo ind ica que a d iscussão se moveu natu ra lmente nessa

direção . E ra apenas um amigo perguntando a u m h o m e m de negócios legítimos

sobre os progressos que fazia e os problemas que encontrava. Tony parecia satis-

feito de poder se abr i r .

Agora eu me sentia ot imis ta a respeito de meu fu tu ro quan to ao gangsteris-

m o. Parecíamos nos dar mui to bem com os C ata ldo , e eu estava pron to a seguir

Tony na nova área . No en tan to , depois das p r imeiras t rocas de amabi l idades soci-

ais, Tony perdeu o interesse em nós.

Eu m e senti mal com esse súb i to esf r iam ento . N ão estou certo a respeito da

expl icação completa , m as acho que ela t inha pelo menos duas par tes . Em pri-meiro lugar , mais ou m e n o s na mesma época os negócios de Tony passavam po r

uma cr ise . Um a tarde , a lguns homens invadiram sua lo ja de apostas em cor r idas

de cavalos, puseram todos de mãos para o alto e levaram todo o dinheiro do s

cl ien tes e de Tony. A f im de manter boas re lações co m seus clientes, el e teve qu e

reembolsá-los, de m o d o qu e aquela tarde lh e custou muito caro. Ta mb é m fo i

be m f rus t ran te , porque, enquan to os homens fug iam, Tony podia vê- los da jane-

la , cor rendo bem abaixo na rua . Poder ia acertá-los fac i lmente com um t i ro , mas,

a inda assim, nã o teve c o m o fazê-lo, pois sabia que não havia nada pior para o

jogo em C ornerville que um tiroteio: tudo seria fech ado. Se as coisas fossem rea-

l izadas em silêncio, o "fogo" nã o t inha tan ta p robabi l idade de pegar.Isso pode ter levado à interrupção de nossa vida social juntos, mas dificilmen-

te explica ria seu total encerram ento. Parece-me que o outro fator foi um proble-

m a de status social e mobil idade. No início Tony m e promovera peran te su a

esposa — e provavelmente t a m b é m peran te seus amigos e paren tes — como

professor de Harvard . Eles eram be m conscien tes da questão de sta tus. N ão per-

mi t i a m que o fi lho br incasse c o m a gent inha local . Expl icaram que só viviam no

distri to por ex igências dos negócios, mas a inda t inham a esperança de se m udar .

Quan do fomos à casa deles , nos apresen taram a seus amigos e paren tes que v i-

v i a m em par tes mais ch iques da c idade.

Po r o u t r o l a d o , q ua n d o v i e r a m j a n t a r em nossa casa , estávamos ape nas nósd o i s c c ies . Além disso, l ó n y agora v i a q u e eu m e l igava a pessoas da S l i e l b y

Anexo A 327

Street, c laramen te peixes m i ú d o s par a de. N o i n í c i o p e n s a r a qu e seu conta to co -

mi go fosse algo importante; agora l a l v c / . o considerasse i n s i g n i f i c a n t e .

Nu m a c e r t a medida, eu l i n h a c o n s c i ê n c i a desse l i s c o , e h a v i a p e n sa d o n a

poss ibi l idade d e convidar a m i g o s de l l a u a i d p a i a o j a n l m c o m o s ( l a t a ld o . V i-

n ha m a n t e n d o os d o i s m u n d o s separados, l I m d e n i c n s a m i g o s , especialista em

lógica s i m b ó l i c a , u m a ve z m e p e d i r a para leva- lo a u m jogo de d a d o s . Explicou

que havia descober to , matemat icamente , como v e n c e r o jogo. E u disse-lhe q u e

meus amigos jogadores de ciados t a m b é m t i n h a m c h e g a d o à m e s m a c o n c l u s ã o

matemát ica pelo método exper imenta l p rá t ico , e decl inei da a ve n t u ra . E m ou-

tr a ocasião , a esposa de um de me us com panheiros de Harvard estava nos v is i tan-

do quando um dos homens locais apareceu . Aval iand o sua nova audiência , e le

c o m e ç o u a entretê-la com histór ias de assassinatos fam osos qu e haviam aconte-

cido em Cornerv i l le nos anos recen tes . E la ouvia de o lhos ar regalados . No f im

de uma h istó r ia par t icu la rmen te ar rep ian te , perguntou : "E que m o matou?".

Nosso amigo de Cornerv i l le balançou a cabeça e disse : "Madam e! M adame!

Não se perguntam co isas assim por aqu i . "

O inc iden te não nos causou qualquer dano , po is o h o m e m nos conhecia obastan te para levar tudo na br incad eira . Ainda assim, eu hesi tava em misturar

Harvard e Cornerv i l le . Não me p reocupava com o que Cornerv i l le pudesse fa-

ze r a Harvard , mas, s im, que a lgu ns amigos de Harv ard pudessem involun tar ia-

m e n t e cometer a lgum equívoco que to rnasse as co isas embaraçosas para mim ;

ou agisse de tal m o d o que deixasse as pessoas locais em si tuaç ão desco nfortáve l.

Por essa razão, mantive os dois mundos separad os. Mas isso significava que Tony

não poder ia m elhorar sua posição socia l usando sua re laçã o conosco .

Q u a n d o ficou ev iden te que eu chegara a um beco sem saída com Tony, co-

mecei a p rocurar novas possib i l idades para o estudo do gangster ismo. Parecia ha-

ve r dois caminhos aber tos. Tony t inha um irmão m ais velho que t rabalhava paraele . Raciocinei que , como eram irm ãos e t rabalhavam tão próx imos um do ou-

tro, Henry saberia quase o mesmo que Tony sobre operações mafiosas. Eu já fa-

zi a uma ideia de quem era Henry , e comecei a avança r na re lação com ele . Isso

foi c a m in h a n d o m u i to n a tu r a lm e n te , c o m várias visitas um ao outro e conversas

na sala dos fundos da loja. (O que indica que Tony não se afastou de nós por sus-

peita, pois, neste caso, teria impedido que retomássemos o contato com seu ir-

m ã o . )

Isso levou a uma grande quan t idade de conversas sobre a o rgan ização mafio-

sa de Tony que eram ex tremamente valiosas para mim . Ainda assim, tinha a sen-

sação desagradáv el de que não conseguia aqu i lo de que precisava . A i n d a n ãoestava pron t o para desis t i r da poss ib i l idade de c h e g a r m a i s p e r lo de ' l ó n v c o l i s c i

 

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S o c i e d a d e de esqu ina

v ; i - l < > c m ação. Sabia que era m e m b r o d o Clube Social e Atlético Cornerville , si-

l u a d o do outro lado da rua , bem em f r en te ao nosso apartamento . Então me

as socie i ao c lube , c om o propósito d e recomeçar minha c açad a a TonyCataldo.

No início f ique i d e s a p o n t a d o c o m o s frutos de minha dec isão . Embora fosse

of ic ia lmente sócio, Tony ia ao c lube mui to poucas vezes . E m a l g u m a s s e m a n a s ,

f i cou evidente que eu não iria c imentar re lações com e le nessa área . E agora?

C o n s i d e re i a p o s s i b i l i d a d e d e sair do clube. Talvez tivesse feito isso se na época

houvesse outras poss ib i l idades de pesquisa demandando minha a tenção . Como

p l a n e j a r a me c oncentrar no pape l do gângs te r , e como não t inha p lanos a l te rna-

t ivos, conc luí que deveria ficar no c lub e . Não reg is t re i as razões de minh a

dec isão naque le mom ento . Talvez pre ssen t i s se q u e fossem acontece r co isas in te -

res santes . Ou, ta lvez , eu s im plesmente t ivesse sorte .

Pelo menos reconhec i que o c lube agregava a lguns ângulos novos à pesquisa .

Er a muito m aio r q u e qualquer das gangues de esqu ina que eu es tudara . Aqui es -

tava u m a o p o r t u n i d a d e d e avançar no s métodos d e observação q u e u s a ra c o m o s

N o r t o n .

Quando r e d i g i o p r i m e i ro r a s c u n h o deste re la tó rio , desc rev i c o m o desenvol-

vi esses novos métodos a té ob te r um co nhec imen to s i s temát ico da e s t rutura do

c lube antes da c r i se da e le ição . Em outras palavras , eu diz ia que , quando Tony

entrou e ten tou m anipu lar o c lube , eu já t inha um quad ro comple to da e s t rutura

que e le ten tava manipu lar . Devo adm it i r agora , ao rever minhas anotações , q u e

es ta é uma falsi ficação re t rospec t iva . O que e sc rev i p r im eiro e ra o que eu deveria

te r feito. Na r eal idade , comece i minha s obse rvações s i s tem át icas do c lube várias

semanas an te s da e le ição . Porém, quand o a c r i se chegou, t inha apenas u m qua-

dr o impress ion ís t ico da e s t rutura do grupo . As anotações de que dispunha na-

que le m o m e n t o nã o jus t i f icav am quais quer conc lusões s i s temát icas .

Houve do is fatores que m e im pe l i ram na di reção de e s forços mais s i s temát i -

cos para inapear a e s t rutura o rganizac ional . Em primeiro lugar , quando co-

mece i a passar meu tempo no c lube , tamb ém princ ip ie i a o lhar em vol ta

p ro c u ra n d o o l í d e r. N a t u ra l m e n t e não o encontre i . Se Tony nã o vinha m ui to a l i ,

en tão a lguém devia assum ir a lide rança em sua ausênc ia . O c lube t inha um pre -

s iden te , mas e ra apenas u m cara legal, indec iso , que não contava mu i to . Por ce r-

to não encontre i o l íde r porque o c lube cons is t ia de duas facções com doi s

l íde re s , e — s ó para to rnar as coisas mais d i f íce is para m im — C a r i o Tedesco, o

l í d e r d e u m a d e l a s , n e m a o m e n o s e ra m e m b ro d o c l u b e q u a n d o c o m e c e i m i

n h ã s obse rvações . Como estava c o m p l e t a m e n t e c o n f u s o e m m e i o ao s m e u s n i-

dimentares esfo rços d e m a p e a r a e s t ru t u ra , d e d u z i que eu dev ia t rabalhar osd a d o s d e m a n e i r a m a i s s i s t e m á t i c a . E n t ã o , a cr i se pol í t ica r e f o r ç o u a n c c c s s i

Anexo A 329

dade d e i r adian te com as obse rvações . Eu t inha que apren der m ais sobre a e s t ru-

t u ra q u e Tony t e n ta v a m a n i p u l a r .

A q u i eu e s tava dian te de um a tarefa m a i s complicada q u e q u a l q u e r o u t ra q u e

já t ivesse enf ren tado . O c lube possuía S ( ) sócios. l ' ' c l i / mc n t c , apenas ce rca de 30

e ra m f r e q u e n t a d o r e s as s í d u o s , d e m o d o q u e p u d e m e c o n c e n t r a r n u m n ú m e r o

m e n o r ; m e s m o a s s im o p ro b l e m a e r a e n o r m e .

Sent i que te r ia de desenvolve r p r o c e d i m e n t o s m a i s f o rm a i s e s i s t e m á t i co sq u e aque le s q u e e m p re g a ra quando a n d a v a n u m a e s q u i n a c om u m g ru p o m u i t o

m e n o r d e rapazes . Comecei c om o m a p e a m e n t o d e posições . Presumindo qu e

os rapazes que t ivessem uma convivênc ia soc ia l mais p róxima se pos ic ionariam

d e u m m e s m o lado quando s e t ra tasse d e tomar dec isões , c o m e c e i a faze r u m re -

g is tro dos agrupa men tos que obse rvava a cada no ite no c lube . Em algum a m edi-

da, podia fazer isso da jane la da f ren te de nosso apartamento . Eu ajus t ava a

veneziana de m odo a não se r v is to , e en tão podia obse rvar a sa la da f r en te do c lu-

be . In fe l izmente nosso apartamento ficava dois andares ac ima, e o ângulo d e

visão e ra ta l que só podia enxergar a té a me tade da sa la . Para te r p quadro com-

ple to , dev ia at ravessar a rua e m e jun tar aos rapazes .

Q u a n d o as a t iv idades da no i te e s tavam no aug e , eu o lhava em vol ta da sa la

para ver que pessoas conversavam jun tas , quem jogava cartas ou de alguma for-

ma in te rag ia com os outros . Contava o número de homens na sa la para saber

quantos te r ia que obse rvar . Como t inha fam il iar idad e com os p rinc ipais ob je tos

físicos na sala, não era difícil reg is t rar um quad ro men tal dos hom ens com re la-

ção a mesas , cade iras , sofás, rádio , e ass im po r dian te . Q u a n d o as pessoas se movi-

mentavam pe la sa la , ou quando havia a lguma in te ração en tre os g rupos , eu

t a m b é m buscava reg is t rar is so mentalm ente . N o c u r s o d e u m a noite, poderia ha-

ve r uma reorganização ge ra l das pos ições , e eu não e ra capaz d e m e l e m b ra r d e

todos os movim entos , m as ten tava obse rvar com que sóc ios e sse s movim entos t i -

nham in íc io . E q u a n d o s e desenvolvia u m outro a r r a n j o espac ia l , seguia o m e s -

mo processo m ental q ue us ara para reg is t rar o p rim eiro .

Eu conseguia tomar a lgumas no tas nas idas ao toale te , porém a maior parte

d o m a p e a m e n t o er a fei to d e memória , quando chegava em casa. N o início, eu ia

cm casa um a ou duas vezes por no ite para faze r o s m a p a s . C o n t u d o , com a prá t i -

ca , f ique i tão bom n isso que podia re te r pe lo m e n o s dois ar ran jos comple tos na

m e m ó r i a e faze r todas as anotações no final da no i te .

Achei esse m étod o extremam ente p rodut ivo , poupando-m e bas tan te das rol i-

n as a b o r r e c i d a s do s m a p e a m e n t o s i n f indáve i s . A o j u n t a r os m a p a s , f i c a r a m e v i -d e n t e s q u a i s o s p r i n c ip a i s a g ru p a m e n t o s soc ia i s e que pessoas f l u t u a v a m c n l i c as

 

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33° Soiiediide de esquina

d u as facções. Quando surgiam questões no clube, eu podia antecipar quem fica-

r ia de qu e lado.

A o longo de minhas observações, registrei 106 agrupamentos . Examinando

os dados, dividi o clube, exper imenta lmen te, em d uas facções que eu ju lgava ob -

servar. Então, quando reexaminei tudo, descobr i que apenas 40%, ou 37,7% dos

agrupame ntos observados continham integrantes de ambas as facções . Descobr i

a inda que apenas dez desses 40 grupos t inham dois ou mais membros de cadafacção. Os outros 30 eram casos em que um único indivíduo da outra facção se

j un t a v a ao jogo ou à conversa. Então dividi os agrupame ntos em duas colunas ,

colocando na pr i meira aqueles que eram predominantemente de uma facção, e

na segunda os que per tenciam pred ominantem ente à outra . Depois , grifei co m

vermelho os nomes que não "per tenciam" à coluna ond e os havia encontrado.

De um total de 462 nomes, 75, ou aproximadamente 16%, foram marcados as -

s im. E claro que não se poder ia esperar um a total separação d e duas cl iques em

nen hum clube, mas os números, embora grosseiros , pareciam de monstra r que

as duas facções eram duas entidades rea is que ser iam importantes para a com-

preensão de qualquer decisão tomada pelo clube.

Essa observação clc agrupamentos nã o indicava , por si mesma, as pessoas in -

fluentes no clube. Para esse propósito, tentei prestar atenção especial aos eventos

nos qua is um indivídu o or iginava at iv idades para um ou mais in tegrantes — oca-

siões em que uma proposta, sugestão ou solicitação era seguida por uma resposta

positiva. Num per íodo de seis meses , tabulei em m inhas anotações todos os inci-

dentes observados no s qua i s A havia or iginado a t ividade para B . O resul tado disso

para a compreensã o de eventos-par (que envolviam apenas duas pessoas) foi to-

ta lmente negativo. Emb ora pudesse ter a impressão de que, na relação entre A e

B, este er a decididamente o subordinado, a tabulação podia mostrar que B origi-

nara a t ividades para A aproximada mente o mesmo número de vezes que A para

B . N o entanto, quando tabulei os eventos-grupo (os que envolviam três ou mais

pessoas), a estrutura hierárquica da organização f icou cla ramente visível.

Com o prosseguimento desta fase da pesquisa, vi com maior clareza como re-

lacionar a grande organização mafiosa e a gangue da esquina ou clube. Na

verdade, o estudo do papel de Tony Cata ldo nesse cenár io forneceu o elo neces-

sário, e os métodos de observação aqui descr i tos proporcionaram os dados para a

anál ise desse elo.

Enquanto apr imorava esses métodos de pesquisa , cometi um sér io equívoco.

A c o n l c c c u d u r a n t e a cr ise polí t ica . Tony vinha tentando persuadir o c l u b e ac o n v i d a r se u candidato a f a la r para os sócios, em bora quase1 todos es t ivessem dis-

Anexo A

postos a apoiar Fiumara. Desse i i i n m c n l n c r u c i a l eu par t icipei a t i v a i n c n l c , d i-

zendo que, embora fôssemos Iodos a l avo r de 1 ' i um a ra , achava uma boa ideia

ouvir o que os outros pol í t i cos t i n h a m a d i /er . A questão fo i votada logo depois

qu e falei , e o resul tado foi a l a v o i de T ony c contra Cario. Isso resultou no comí-

cio de Mike Kelly no salão do nosso c l u b e c na ma is sér ia discordânc ia entre os

sócios.

Neste caso, violei um a regra fundamenta l da observação par t icipante: bus-quei a t ivamente i n f l u e n c i a r os eventos . Nu ma disputa tão acir rada e confusa , é

be m provável que meu endosso à posição de Tony tenha sido um fator decisivo.

Por que intervim assim?

Na época a inda l i n h a espera nça de res tabelecer relações próximas com Tony

Cata ldo e quer i a f a / e r a lguma coisa que m e facil i tasse u m a v iz inha m en to .

En tão busque i o impossível: assumir uma posição que não antagonizasse Cario e

seus rapazes, mas fosse apreciada por Tony. Foi uma tentativa insensa ta e erró-

nea . Mostrei-me c o n t r á r i o a Car io — e ele me perdoou apenas porque presumiu

que eu ignorasse a s i tuação na qua l agia . Como a ignorância é considerada prefe-

rível à traição, aceitei essa desculpa.

I ronicamente, meu esforço para ficar bem com Tony foi um fracasso to ta l .

Antes da crise política, ele pra t icamente não conhecia Car io e não reconhecera

su a posição de l iderança no clube. Quando Cario s e opôs a el e de form a tão vigo-

rosa e efetiva, Tony imedia tam ente reconheceu a posição de Car io e fez todos os

esforços para se aproximar dele. Como eu tomara posição a seu lado na cr ise,

Tony não precisava fazer qualqu er esforço para es tabelecer relações mais próxi-

mas comigo.

Eu não devia ter fa lado nada naqu ela s i tuação. Se ficasse contra Tony, prova-

velmente teria sido melhor para a recuperação de nossas relações.

Mais ta rde, pensando sobre esse evento, cheguei à conclusão d e que mi nha

ação não apenas havia s ido imprudente, do ponto de vista prát ico da pesquisa ,

m as também uma violação da ét ica prof iss iona l . Não é jus to com as pessoas que

aceitam o observador par t icipante que ele busque manipulá- las , possivelmente

causando- lhes a lgum prejuízo, somente para tentar for ta lecer sua posição socia l

numa determinada área . Além disso — embora , consciente e explici tamente,

possa se empenhar para inf luenc iar a lgumas ações com o pleno conhecimento

das pessoas com as quais interage — , com certeza é bastante questionável da pa i

te do pesquisador f i rmar su a posição social co m base no en tend im en to g e i a l de

q u e nã o quer levar ning uém a lugar a lgum, e então, de r e p e n t e , j oga r lodo o seupeso a lavor de um dos lados cm nina s i t u a ç ã o de conf l i to .

 

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Sociedade de esquina Anexo A 333

12 . RUM O À P R E F E I T U R A

Suponho qu e ninguém vá vivei num a área pobre e degradada durante t rês anos e

meio se não estiver preocu pado com os problem as enfre ntad os pelas pessoas do

lugar. Nesse caso, é difícil ser apenas um observado r passivo. Um a vez cedi ao

impulso de fazer algo. Tentei dizer a mim mesmo que eu simplesmente testava

algumas das coisas que havia aprendido sobre a estrutura das gangues de esqui-

na . Contudo, sabia que na verdade esse não era o objeti vo princ ipal.

Durante todo o tempo qu e passei em Cornervi l le ouvira falar, mui tas e mui-

ta s vezes, como o distrito era esquecido pelos políticos, como nu nca se fazia m e-

lhoria algu ma, co mo os político s apenas tenta vam prom over a si e a seus amigos.

Ouvi várias coisas sobre coletas de lixo esporádicas, mas a reclamação mais

amarga talvez fosse sobre os banh os púb licos, onde, no verão de 1939 e em vários

anteriores, não havia água quente. Num distrito onde apenas 12% dos apar ta-

mentos t inham banheiras , esta era uma questão candente.

As pessoas reclamavam umas com as outras sobre essas coisas, mas, aparente-

mente , não a diantara tentar conseguir algo por in termédio dos pol í ticos locais ,

preocupados acima de tudo em fazer favores para amigos verdadeiros ou poten-

ciais. Se você nada obtém com os políticos locais, por que não ir direto ao prefei-

t o — e em massa? Se, como eu presumia, os líderes das gangues de esquina eram

capazes de mobil iza r seus grupos para a ação em vários sentidos, então deveria

se r poss íve l, t rabalhan do c om um pequeno número de indiv íduos , organizar

uma grande manifes tação.

Discu ti isso com Sam Fra nco, que f icou entus iasmado e d ispos to a agir ime-

diatamente , prometendo o apoio de seu setor de Cornerville. Para a área da Nor-

to n Street, convoquei Doe. Para a área em volta do quartel-general de George

Ravel lo, escolhi um dos líderes locais. Co m meus novos conhecidos na Shelby

Street, foi possível cobrir aquela p onta do distrito.

Então começou a complicada tarefa de organizar os vár ios grupos , juntan -

do-os e preparando-os para ma rchar no mesmo dia e hora. E quem iria l iderar

essa manifes tação? Como eu era o elo de ligação entre a maior parte desses líde-

re s de gangues de esquina, e como havia começado a organizar a at iv idade , e ra o

homem indicado para assumir . Mas não estava preparado para me afastar tanto

assim de meu papel de observador . Concordei em ficar no comité de organiza-

ção, como quer iam os outros , mas não seria o coordenador . Propus Doe, e todos

c onc or da r a m , m as q uando falei co m ele, vi que , embora ficasse feliz de se j u n t a r

a nos, nfio eslava preparado para aceitar a responsabilidade da liderança. En lão| ) i o | ) i i s M i k c C ' - i o v a i m i , q u e l a m b e m er a acei tável para o p e q u e n o g r u p o com o

qual eu fazia o trabalho preparatór io . M ike d isse qu e o rgan iza r i a um a reunião

pública em Cornervi l le para j un t a r as pessoas para a ma rcha,-m as achav a que, a

partir daquele m omento , o coorden ador dever ia ser ele i to pelos representantes

das d iferentes áreas presentes no encontro . Todos concordamo s .

Então t ivemos um m a l - c n t c nd ido a respeito da composição dessa reunião

públi ca. Sam Franco trouxe apenas diversos representantes de sua parte do dis-

tr ito, enquanto uma grande par te da área da Shelby compareceu em massa.

Assim, quando houve indicações para a coordenação, fo i indicado e e le ito um

rapaz da Shelby Street que não tivera par t icipação alguma no planeja men to . Os

amigos de Sam Franco ficaram bas tante aborrecidos co m isso, pois sentiram qu e

poder iam ter e legido um de seus candidatos se houvessem trazido os rapazes .

Sam e vários dos outros homens também suspeitaram dos motivos do nosso coor-

denador . Es tavam convencidos de que ele tentar ia usar a manifes tação em bene-

fício próprio, e tive de concordar que havia boa possibilidade disso acontecer. A

partir daí, parte dos esforços de nosso comité fo i canal izada para cercar o coorde-

nador, de modo que ele não tivesse oportunidade alguma de sair pela tangente.

Nessa reunião para a eleição, tínhamos sido induzidos ao erro por nossa pró-

pria concepção de processo dem ocrát ico . Faz sentido eleger um coo rde nado r

apenas quando se tem um grupo ou uma base regularmente cons t i tu ídos . N o

nosso caso, o resultado da eleição fora bastante fo rtuito, dada a super-repre-

sentação da Shelby Street.

Em seguida, t ivemos dif iculdad e com a data para a manifes tação. Fo i marca-

da para uma semana depois da reunião da e le ição, mas agora os homens da

Shelby Street vinham me dizer que seu pessoal já estava quente c queria fa/.cr a

marcha be m antes. Consultei Sam Franco e um ou dois ou t r os in tegrantes do

comité, mas não consegui jun tar os demais . Apesar disso, eu disse a eles que tal-

vez devêssemos esperar cerca de dois dias. En tão ma rcam os uma r e un ião do co -

mité comple to para a noi te antes da marc ha. Quando os hom e ns come çaram a

chegar, ficou evidente que alguns deles es tavam aborrecidos porque haviam f i-

cado de fora, e percebi qu e cometera um erro sério. Felizmente, nesse momento

chegou um d os políticos locais e tentou argu men tar con tra a ma rcha . Isso foi óti-

mo para e levar o moral . Em vez de discut irmos uns com os outros sobre como

havíamos lidado com o planejamento, jogamos toda a nossa agressividade sobre

o político.

N a manhã seguinte , no s r e un imos no playground em f rente à casa de banho .

Tínhamos mimeografado folhetos que foram distribuídos por toda a v i z inha nç a

no diaanterior;

osjornais haviam sido avisados.

Ocomité estava preparado p a i a

l iderar a m a r c h a , e o p layg round se encontrava cheio de gente. H a v i a a l g u n s d , i

 

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334 Sociedade de esquina

velha geração nas laterais. Pensei que m archa riam conosco, mas, bastante signi-

ficativamente, não o fizeram. Devíamos ter percebidoque, se quiséssemos trazer

a geração mais velha, caberia também a tuar por intermédio de suas liderança s.

Quando a mani fes tação começou, men inos de todo o distri to engrossavam a

mult idão, carregando suas bandei ras feitas em casa. E assim marchamos para a

Prefei tu ra , at ravessando di retam ente o centro do setor comercial. Tivemos a sa-

t isfação de par ar o trânsito em todo o caminho, mas não por muito tempo, pois a

marcha se movimentava mui to rapidam ente. Cometemos o erro de pôr todo o

comité na fren te . Como parec ia que todos atrás de nós tentavam avançar para a

pr imeira fila, os que l ideravam a mani fes tação quase foram pisoteados. Algumas

mulheres empurrando carr inhos de bebé nã o conseguiam no s ac om pan h ar .

Não encontramos qualquer oposição por parte d a polícia, que só se preocu-

pava com a manutenção da ordem quand o nos juntam os no pátio abaixo da Pre-

feitura. Então, os dez m em bros do comi té subi ram para ver o prefeito, enquanto

o resto do s mani fes tan tes can tava "Deus salve a América" e outras canções,

ac om pan h ados por uma banda improvisada. Sabíamos que o prefeito estaria fora

da cidade, mas nossa manifestação não podia es perar, então falamo s com o subs-

t i tuto. Ele anotou nossos nomes e uma lista de reclamações, tratando-nos com

seriedade e respeito. Quando os membros do nosso comité começaram a falar,

ouvi Sam, atrás de mim, dizer em voz baixa: "Fora da qui, seu gângster barato."

Virei-me para ver o polí t ico local, Angelo Fiumara, se acotovelando para passar .

Fiumara manteve posição e falou na primei ra oportun idade: "Gostar ia d e jun tar

minha voz ao protesto, como um cidadão..." Sam interrompeu-o, gri tando: "Ele

não tem nad a a ver com a gente. Está só tentando se intrometer." M ike G iovanni

rei terou a observação de Sam, e o prefeito substi tuto decidiu que não ouviria

Fiumara a l i . Enquanto as falas pross eguia m, distribuí entre os repórteres um tex-

to que havia preparado. No fim de nossa sessão, o prefeito substi tuto prometeu

qu e todas as rec lamações ser iam ser iamente consideradas e que se faria tudo qu e

fosse possível para nos atender.

Marchamos en tão para a casa de banho do playground, onde contamos aos

nossos segu idores o que havia acontecido no gabinete do prefeito. Ali , novam en-

te , Angelo F ium ara ten tou se dirigir à mult idão, e o empurramos para fora. O s

jo rna i s do d ia s e g u i n t e t raz iam longas matér ias co m fotos de nossa mani fes tação.

E m diferentes j o r n a i s rcgistrou-se qu e t ivéramos entre 300 e 1.500 pessoas na

m a r c h a . ( > s c o m p a n h e i r o s ac e i t a r am , fel izes, os 1.500, m as suspeito qu e 30 0 e ra

o n ú m r i o m a is p m x i m o da verdade . No d ia seguinte da marcha, alguns enge-

nheiro 1 , e x a m i n a v a m as c a l de i r a s da casa de ban h o , e em menos de uma s e m a n a

i n i :, . i r. n . i i | i i c n l e . A l i m p c / a da s ruas c a eolcta de l i x o também p a r e c i a m

Anexo A

r eavivadas, pelo meno s por alg um tempo. A pesar de todos os erros que havíamos

cometido, er a evidente que a manifestação produzira resultados. M as eu Ião sm -

gi u um novo problema: e agora? Tínhamos criado um a organização e realizado

uma m ani fes tação. De algum modo era preciso m a n t e r Cornervi l le trabalhando

em co n jun to .

Quanto a isso, f r acassamos totalmente. V á r i a s r e u n iõe s do comi té se dispersa-

ram sem que se t ivesse chegad o a qualquer acordo sobre um a ação programada.

Acho qu e havia várias di f i culdades . F m p i i m e i i o l u g a r, os m em bros do comité

nã o estavam acostumados a se r e m i u on I r a ba l h a r j u n t o s pessoalmente. Não ha-

vi a nada a uni-los, exceto a queslão l o r m a l da r e u n i ão . Seus laços eram em suas

respectivas esquinas. E m s e g u n d o l u g a r , co me çá r a mo s co m um desem pen h o

tão sensacional que qua l que r coisa depois daquilo seria um anticlímax. Parecia

difícil dirigir o en t u s i a smo para n i n a al iv idade qu e parecesse diminuta em com-

paração com a nossa m a r c h a de protesto.

Acabei conc lu indo q u e q u a l q u e r organização qu e jun tasse os grupos de es-

quina teria de ser const ru ída em torno de algum tipo de ação permanente . A liga

de softbol desenvolveu-se na primavera seguinte e , em certa m edida, a tendeu aesse r equ is i to , 'l ' r aba lhe i com os mesmos homens para c r iar a liga, de modo que,

nu m certo sentido, a marcha à Prefeitura teve consequências mais continuadas,

embora mui to aquém de nossas acalen tadas esperanças .

13. O A D E U S A C O R N E R V I L L E

Dur ante a prim ave ra e o verão de 1940, passei a maior parte do meu tem po es-

c revendo a primei ra versão de Sociedade de esquina. Já t inha os estudos de caso

do s Norton e do Clube da Comunidad e I t a l i ana. Depois disso, produz i t rês m a-

nuscritos cujos t í tulos eram "Polí t ica e estru tura social", "Os gângsteres no Clu-

be Social e Atlético Cornerville" e "A estrutura social do gangsterismo".

Enquanto escrevia , most rei as diversas partes para Doe e revi tudo d e ta l ha d a -

mente co m ele. Suas crí t icas foram inestimáveis para minha revisão. As vezes,

q u an do eu falava dele e de sua gangue, Doe sorria e dizia: "Isso vai me em bara -

çar, mas é assim que era; então, vá em frente ."

Quando deixei Cornervi l le , na metade do verão de 1940, o C lube Social c

Atlético Cornervi l le fez uma festa de despedida para mim, regada a c e r v e j a .

Can t am os "Deus salve a América" três vezes e "Um barril de c h ope" seis. |a l i a

v ia m e m u dad o bas t an te e m minha v ida, m a s n u n c a , a n l c s de d e i x a i ( ' o i n e i \ llê , s c n l i r a a m u d a n ç a co m l a u t a i n te n s i d a d e , c o m o se c s l ivc ssc d e i x a m !

 

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336 Sociedade de esquina

casa. A ún ica co isa que fa l tava era um adeus dos Nor ton , e aqu i l o era imposs íve l ,

pois eles já não existiam.

14. CORNERVI LLE REVI S I TADO

Enquan to escrevo agora, mais de 40 anos depois cie te r saído do distr ito, parece

nã o haver razão alguma para man ter o nome f ic t íc io nem os p s e u d ó n im o s de a l-guns dos pr incipais personagens . E u es tudava o Nor th End de Boston , uma da s

par tes h is to r icamente mais significativas deste país, onde os turistas podem visi-

ta r a casa de Pau l Revere na Nor th St ree t , e a Old N o r t h Church na Salem

Street. Na ponta sul do North End está o Faneuil H a l l , onde líderes da Revolu-

çã o N o r t e - A m e r i can a se encon traram algumas vezes . Pen ínsu la do por to , o

Nor th End também fo i cenár io do Boston Te a Party .

O N o r t h End t ambém figura com proeminência na história política do sécu-

lo X IX e início do século X X . Estava local izado no d is t r i to 3 e era en tão dominado

pelo Clube Hendr icks , no West End , á rea es tudada por Herbert G an s em seu

Urban Villagers. A li Mart in Loma sney , o ch e fã o de dis t ri to p refe r ido po r Lin-co ln Steffen, d o m in av a d u r an t e as pr imeiras décadas des te sécu lo . Quando co -

mecei m eu es tudo , em 1937 , Lomasney fa lecera, e, sob a l i d e r an ça de John I.

Fi tzgerald , o clube con t ro lado pe los i r landeses perd ia se u comando sobre a polí-

t ica d is t r i ta l .

Em 1980, o North End passava por um processo de transformação. Ainda era

um d is t r i to predomina n temen te í t a lo -a mer ic a no , m as a renovação co m e çar a .

Algumas décadas an tes , os t r i lhos do trem e levado fo ram der rubados , abr indo a

vista para o mar . I s so es t imulou o surg imen to de res tauran tes requ in tados e con-

domín ios caros ao longo do cais. N a ou tra ex t remidade do distr ito, a at ra t iva reur -

ban ização do Quincy M ar k e t de u ainda mais encan to ao Nor th End . A distânciaaté o cen t ro comercial , bancár io e político de Boston já era faci lmen te percor r i -

da a pé. Do pon to de vista físico, a maior par te do dis t r ito parecia in tocada. Em

1980, a Nor th Bennet t St ree t (Nor ton St ree t ) se assemelhava exatamente ao que

eu deixara em 1940. O res tauran te Capr i , da famí l ia Orlandi , há muito desapare-

cera, ma s o pr imeiro p réd io onde vivi , no n ú m e r o 7 da Parmenter Street, esqui-

l ío s ton ' [ 'ca Party: manifes tação real izada em 1773 po r cidadãos de Boston em protes to contra a

I c n l a l i v a ing lesa de cr i ar um imposto sobre o chá; os mani fes tantes assal taram três navios ingleses

no p o r lo c jogaram toda a carga de chá ao m ar . (N.T.)

/ ( r m n w ç í / o ( (len tr í f i ca t ior í ) : processo pelo qual pessoas de classe média ou af luentes t o m avam a

i n i c i a t i v a < l c i c s l a i u a i c m e l h o r a r p ro p r i e d ad e sur ba na s deterioradas; as pessoas de baixa renda qu ev i v i a m na a i c a c i a m c o m f requência de las expul sas . (N.T.)

Vi/

na c om Hanover St ree t, parecia exatam ente o mesmo. O<OUtro ,ondeKath leene

eu começamos nossa vida de casados , a meio quar te i rão do m a i , u « m ..... i o '177

da Hanover St ree t , a inda es tá lá , mas a H an o v e r Associa t ion ( ( : l n l x > S o r j ; i l ,.

Atlé t ico Cornerv i l le ) , qu e f icava do ou tro lado da r u a , d e sa p a re c e u . ( )

que a abr igava fo i recons t ru ído e é h o j e um co n d o m ín io .

Q ue impacto teve o l ivro sobre o N o r t h E n d ? N ão possuo q u a l q u e r e v i ( l r n r u

de que tenha exercido um a in f luência impor tan te , ou m e s m o de que l e n h a s u l , >amp lamen te l ido no d is t r ito . Por mais de dez anos após a pub l icação , a capa i h

p r im e i r a e d i çã o ( d e s e n h ad a p o r K a t h l e e n W h y t e ) f i co u n o q u ad r o cie a v i s o s

da b ib l ioteca púb l ica , na categor ia "pub l icações recen tes in teressan tes", porém

en t re os rapazes da esqu ina, R a lph Orlandella (Sam Franco) não conseguiu en -

con trar n inguém que t ivesse l ido o l ivro, a não ser aqueles aos quais eu enviara

exemplares .

E certo que os ass is ten tes sociais que t r a balhav am no d is t r i to le ram o l ivro

mas is so não teve qualq uer e fe i to s ign i f icat ivo sobre suas ins t i tu ições . Ouvi de

terceiros que, com uma exceção, os que t r abalhavam na North Bennett Street

I n d u s t r i a l Schoo l (Cen tro Com uni tá r io da Nor ton St ree t ) f ica ram aborrecidos

pois haviam sido amigáveis comigo, e eu me v i ra ra con tra e les , deixando-os em -

baraçados peran te ou t ros ass isten tes sociais e membros da e l i l c q u e os apo iavam

A única exceção m e t rouxe algum conso lo : a che fe do t r a b a l h o com as moras

que me hav ia apresen tado a E r n e s t P e c c i (D o e ) . S o u b e que da j u l g a v a M , n i e s-

tudo um a representação precisa da instituição e do distri to . N a d é c a d a do | < ) S ( ) .,

Esco la Indus t r ia l f inalmen te passou a c on ta r — p a i a h a b a l l i o em l e m p o i n t e g r a l

c o rnos m e n in o s — c o m u r n m e m b r o da equ ipe n a s c i d o e c n a d o 1 1 0 Nor th Kn d

mas e le dev ia te r t í tu lo un ivers i tá r io e a lguma ou t ra f o rm a ç ão c o m o assistente

social.

As reações na North End Union (Centro Comunitário de Cornerville) pare-

ciam a mbivale n tes . Frank Hav ey ( senhor Kenda l l ) fa lou-me, em 1953, que não

ques t ionava a p recisão do l iv ro , mas não sab ia d izer em que m edida o Centro

Com uni tá r io poder ia a t rai r r apazes da esqu ina sem perder sua c l ien te la conven-

cional . En tão d isse que conseguira uma doação para con t ra ta r um heró i local da

Segunda Guer ra Mun dial , que o rgan izara uma l iga de basquete com 42 times e

prop iciara ao Centro o per íodo ma is v ivo de sua h is tó r ia — ap ar e n t e m e n t ese m

p e r t u r b a r os programas regu lares . In fe l izmen te , quando terminaram os recursos

deixaram que o homem fosse embora. No in ício da década de 1950 , a Union

teve dois í ta lo-americanos em seus quadros , m as am b o s e r am h o m e n s de f o r a ( | ( )

d i s t r i t o .

 

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3^8 So c i e d a d e de e s q u i n a

l l a v e y c o n f e s s o u q u e s e e n c o n t r a v a n u m di lema entre o reconhecimento d o

v a l o r d a s l i d e r a n ç a s l o c a i s e o s pa d r õ e s p r o m o v i d o s p e l o s q u e a v a l i a v a m o s p r o -

gramas de a s s is tênc ia soc ia l . As e scola s de s e rviço socia l têm se empe nha do em

e l e v a r o pres t íg io prof is s iona l de s eu s f o r m a n d o s . Como o se rviço soc ia l poder ia

s e r e n c a r a d o como prof i s são s e s u a s i n s ti t u i ç õe s c o n t r a t a m j o v e n s q u e t i v e ra m

t r e i n a m e n t o b á s ic o n a s e s q u i n a s ?

Ele não s a b i a de a l g u é m que t ives se s ido ameaçado com um corte de r e c u r -so s s e con tra ta s se uma pes soa s em mes trado em serviço soc ia l . Ainda a s s im, f re -

quentemente lhe p e r g u n t a v a m q u a n t a s pe s s o a s de sua e q u i p e ti n h a m m e s t r a d o ,

e o u v i a r e f e rê n c i a s a o u t r a s i n s t i t u i ç õ e s q u e "n ã o p o s s u í a m a s q u a l i f i c a çõ e s

neces sár ia s . " Ao inves t igar , desco br iu q ue e s sas ins t i tu ições cons id eradas d e

q u a l i d a d e i n f e r i o r e r a m a q u e l a s q u e c o n t i n u a v a m a e m p r e g a r p e s s o a s s e m

p ó s - g r a d u a ç ã o .

Quando preparava e s ta te rce ira edição, fa le i d e n o v o c o m Frank Havey. N a

época de sua a p o s e n t a d o r i a , em 1974, após 40 a n o s na North End U n i o n , ele era

visto c o m a d m i r a ç ã o e afe to em todos os c í rcu los do s e rv iço soc ia l na área de Bos -

t o n . O r e c o n h e c i m e n t o que merec ia foi a lém de um m e m o r á v e l banquete de

gala e m s u a h o n r a : u m profes sor d a U n i v e r s i d a d e d e Bos ton começou u m proje-

to d e his tór ia ora l sobre suas qua tro décadas n o North E n d e fe z extensas entre -

vi s t a s com Havey . Es te e spera um d ia t rans fo rmar es sas r e m i n i s c ê n c i a s e m u m

l i vro — q u e l e re i c o m grande in te res se .

H a v e y re la tou q u e o s p r o b l e m a s d e r e l a c i o n a r o Centro C o m u n i t á r i o a gru-

pos de e squ ina perm anec ia m os mesmo s a té a década de 1970. Ele próprio fizera

d iver sos es forços p a r a i n c l u i r e m s u a e q u i p e homens d o Nor th E n d q u e t i n h a m

e x p e r iê n c i a c o m gangues d e e s q u i n a . L e m b r av a - s e p a r t i c u l a r m e n t e d e d o i s h o -

m e n s q u e faz iam bons t r a b a l h o s p a r a o C e n t r o , m a s a p ó s a l g u n s m e s e s s a í r a m .

Sua exp l icaçã o: v iram-se d iv id idos entre o s padrões do Centro C o m u n i t á r i o e o s

d a e s q u i n a . A c r e s c e n t o u q u e n ã o h a v i a p ro b l e m a e m c o n t r a t a r pe s s o a s p a r a f u n -

ções que não ex ig is s em formação em s e rviço soc ia l . Mas , é c la ro, um homem

contra tado para u m programa d e b a s q u e t e o u u m a m u l h e r c o n t r a t a d a p a r a d a r

a u l a s d e cos tura e s ta r iam n u m e m p r e g o f i m - d e - l i n h a , s e m perspec t iva a lguma

de car re ira .

A despe i to d a b o a r e p u t a ç ã o d a U n i o n n o s c írcu los d e s e r v i ç o s o c i a l , d u r a n t e

m u i t o s a n o s H a v e y n ã o c o n s e g u i u p e r s u a d i r q u a l q u e r d a s pr inc ipa is agênc ias d e

ass i s tência s o c i a l a f o r n e c e r e s t u d a n t e s o u f u n c i o n á r i o s e m tempo parc ia l para

p r o v e r o s s e rviços d e o r i e n t a ç ã o q u e e l e n ã o podia ofe recer . Isso só er a feito p a r aa g ê n c i a s n a s q u a i s o p r o g r a m a fosse s u p e r v i s i o n a d o p o r a l g u é m c o m mestrado

em s e rviço soc ia l . A U n i o n só c o n s e g u i u s u p e r a r a barre ira d a s c r e d e n c i a i s q u a i ido pôde c o n t r a t a r um f u n c i o n á r i o em tempo in tegra l com p ó s - g r a d u a ç ã o .

N a d é c a d a d e 1960, ganharam crescen te popul a r ida de em todo o país o s c r u

t ro s d e re c r e a ç ã o q u e f u n c i o n a v a m e m l o ja s d a n d o d i r e to p a r a a r u a , e t a m b é m

o u t r o s p ro g r a m a s q u e d e p e n d i a m d e l i d e r a n ç a s lo c a i s . S e e u t i n h a a l go a v er

c o m isso? D u v i d o . S u p o n h o q u e a m u d a n ç a t e n h a r e s u l t a d o d a c re s c e n t e m i l i -

tânc iad a s

pes soasq u e

v i v e mem

áreas pobrese

d e g r a d a d a s ,o q u e

f o r ç o uu m r e -

con hec im ento cada vez mai or de que a s ve lhas e s t ra tég ias pa te rna l i s ta s n ão

f u n c i o n a v a m . N o m á x i m o , m e u l i vro pode t e r d a d o a l g u m a l e g i t im i d a d e a c a d é -

m i c a a e s s a t e n d ê n c i a , e p o d e t e r e s ti m u l a d o a l g u m a re f lexão entre p l a n e j a d o r e s ,

professores e e s t u d a n t e s d e serviço soc ia l . Ainda a s s im, o p r o b l e m a s u b j a c e n t e

n ã o será re solv ido s implesmente colocando-se l íderes loca is para cuidar d e pro-

g r a m a s d e "a l c a n c e " e n q u a n t o e s s as p o si ç õ e s n ã o o f e re c e r e m p o s s i b il i d a d e d e

p r e m i a r o bom d e s e m p e n h o com promoções e s e g u r a n ç a no emprego.

N as ú l t i m a s d é c a d a s , c o m o a u m e n t o d o níve l gera l d e e d u c a ç ã o , t o r n o u - s e

c a d a v e z m a i s difíci l para quem n ã o t e m c u r s o s u p e r i o r a s c e n d e r às pos ições d e

g e r ê n c i a n a i n d ú s t r i a p r i v a d a , m a s i s s o a i n d a a c o n t e c e d e v e z e m q u a n d o — eaté mesmo com b a s t a n t e f r e q u ê n c i a , em a l g u n s c a m p o s . Em gera l , tudo que se

requer para ca rgos de gerênc ia é um d i p l o m a u n i v e r s i t á r i o , e, em m u i t a s empre-

sas , a pós -graduação n ã o c o n f e r e v a n t a g e m a l g u m a a o i n d i v í d u o q u e c o m p e t e

pe la maior par te des ses empregos . N ã o s e d e v e r i a p e n s a r q u e a bar re ira d a s cre-

d e n c i a i s é a g o ra m u i t o m a i s difíc i l d e s e r s u p e r a d a n a á r e a d o s e r v i ç o s o c i a l q u e

n a i n d ú s t r i a p r i v a d a ?

O qu e acon teceu após 1940 a a lguns dos pr inc ipa is personagen s do l ivro? Jo-

seph Langone (George Rave l lo) fa leceu há muito tempo, m a s s e u s a l ã o f u n e r á -

ri o c o n t i n u a c o m a f a m í l ia n o N o r t h E n d , e u m d e s e u s fi lhos foi e l e i to para o

Legis l a t ivo d o e s t a d o em 1980.

L e v o u m u i t o tempo para Ernes t Pecc i ( D o e ) e n c o n t r a r um l ugar s eguro no

m e r c a d o d e t ra b a l h o . S ó c o n s e g u i u u m e m p r e g o fixo depois que a expansão eco-

n ó m i c a r e s u l t a n t e d a g u e r r a j á i a b a s t a n t e a v a n ç a d a . E n t ã o deslanchou, e e s tava

i n d o m u i t o b e m a t é q u e chegaram o s cor te s d o pós-guer r a . A s pes soas e ram d e -

m i t i d a s de a c o r d o com o tempo de s e rviço, e Pecci f icou sem t r a b a l h o de n o v o .

F i n a l m e n t e , c o n s e g u i u e m p r e g o n u m a fábrica de apare lhos e le t rônicos . Na

é p o c a d e m i n h a ú l t i m a v i s i t a ( d e z e m b r o d e 1953) , s o u b e q u e h a v i a a s c e n d i d o à

p o s i ç ã o de s u p e r v i s o r - a d j u n t o no d e p a r t a m e n t o de p l a n e j a m e n t o de produção

d a f a b r i c a . Essa s eção é o c e n t r o n e r v o s o d a empresa , pois l i d a c o m a a g e n d a d ep e d i d o s c m I o do s o s d e p a r t a m e n t o s .

 

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34» Sociedade de esquina

Pecci havia alcançado algum sucesso nessa posição, mas tendia a minimizar

suas conquistas. Ele explicou: "Do lado técnico, sou um desastre total. A única

coisa em que realm ente brilh o é quan do tenho de conven cer o capataz a passar

um novo pedido na frente de outro que ele havia planejado. Consigo fazer isso

sem d eixá-lo aborrecido." Assim, Pecci aplicava a este novo mun do indu strial al-

gumas das habi l idades socia is que dem onst rara no North End. No entanto, essa

er a uma área de tecnologia muito avançad a, e sua falta de conhecim ento especí-

fico i mpunha um limite a seu progresso.

Pecci se casou logo depois de conseguir seu prim eiro emprego fixo, durante a

Segunda Guerra Mundia l . Sua esposa era uma atraente moça do North End,

uma pessoa muito inteligente e capaz que a br i u , por conta própria , uma peque-

na loja de roupas .

Fiz uma visita a Pecci cerca de cinco an os depois da publicaçã o do livro. Su a

reação pareceu-me uma combinação de orgulho e embaraço. Perguntei a ele so-

bre como haviam reagido os membros de sua gangue. Disse que Frank Luongo

(Mike Giovanni) parecia ter gostado do l ivro. O único comentário de Gillo

(D an n y ) foi: "Nossa! Você é realmente um cara fenom enal! Se eu fosse um amoça, casaria com você." E os outros memb ros da g angue ? Até onde Pecci sabia,

nunca le ram o l ivro. Sem d úvida a questão havia surgido. Uma noi te , na esqui -

na, um dos caras disse a Pecci: "Olha, ouvi falar que o l ivro do Bil l Whyte sa iu.

Talvez a gente d eva ir à biblioteca para ler." Pecci os demoveu da ideia: "Não ,

vocês não achariam interessante, é só um montão de palavras difíceis. É pra

professores."

Em outra ocasião, Pecci conversava com o editor do jorna l Italian News, que

pensava em publicar um artigo sobre o livro. Pecci o desestimulou, e nenhuma

notícia apareceu.

Presu mo qu e, de sua ma neira discreta, Pecci fez todo o possível para desen-

corajar a leitura local do l ivro, pelo em baraço que po deria cau sar a vários indiví-

duos, inclu sive a ele mesmo. Por exemplo, d ificilmen te seria leitura agradável

para os que ocupavam as posições inferiores ent re os Bennett, pois veriam quão

baixo era seu status e em qu e t ipo de d ificuldad es eles se metiam . Portan to, te-

nho a maior simpatia pelos esforços de Pecci em limitar a circulação do l ivro.

Anos mais tarde, soube que ele havia sido promovido a chefe de planejamen-

to da produção, mas não tive mais notícias até os anos 1960, quando soube que

morrera . Eiquci sentido por eu ter permitido a perda de contato com ele, maspa-

i ceia haver u n i problema crescente entre nós, e isso levou a um afas tamento que

a i n d a n ão c n l c n d o no todo. K u t entara manter conta to po r cartas , m as Pecci ci a

Anexo A 341

um correspondente menos assíduo que eu. A últ ima carta que recebi dele era um

pedido de que, dali em diante, eu não dissesse a ninguém quem era "Doe".

N os primei ros anos após a publicação do l ivro, Pecci aceitara convites para

falar para estudantes em Harvárd e W cl lesley. Soube qu e havia se saído be m nes-

sa s ocasiões, sobretudo com as moç a s de Wcl lcs lcy . N a t ura l me nt e se cansou des-

se t ipo de compromisso, e tive pra/.ci cm a t e n d e i a seu pedido.

N u m a de nossas visitas à área de Boston , K a l l i l c e n c é u t í n h amo s visitado os

Pecci em sua casa, em Medford, u n i a a i c a d e classe media, c p a r e c e m o s nos dar

bem na ocasião. Porém, quando h n a Hoston vários a n o s depois, não consegui-

mos nos encont rar . Fa l a m o s po r t e l e fone a respe i to de um e n c o n t r o , mas ele deu

a impressão de ter m u i t a s o u t r a s coisas a I a / c r e não estar ansioso para me ver.

Talvez Pecci t e nha a c ha do q u e eu conseguira fama e fortuna com Sociedade

de esquina, e que e le , qu e fo rnecera as chaves mais importantes para meu ingres-

so naquela soc iedade , nã o hav ia recebido su a quota justa de benefíc ios . Emb ora

fosse impossível de termin ar um a quota ju s ta , Pecci na verdade teve alguns ga -

nhos materia i s em consequência de nossa associação. Ele entrara num progra-

ma de televisão que popular na época, A Pergunta de 64 Mil Dólares. Não foi um

do s maiores ganhadores , mas recebeu um Cadi l lac . Embora nunca tenha me

dito o que escreveu para entrar no show, e oapresentador não tenha mencionado

Sociedade de esquina, suspeito que Pecci destacou aquele aspecto de sua vida re-

la tado no l ivro, porque um candidato a part ic ipante tinha de encon t rar a lgum

modo de se fazer especialmente interessante a fim de entrar no show.

Ou talvez o prob lema entre nó s se explicasse simplesmen te pelo fato de que,

quan do liguei pela últ ima vez, Pecci já deixara a esquina há tanto tempo que não

possuía interesse em n ada que o l igasse aos velhos tempos.

Frank Luongo mudou-se do North End para ser l íder s ind ica l . Tudo come-

çou com um emprego numa indúst r ia em rápida expansão durante a guerra .

Frank t inha acabado de ser cont ra tado quando começou a se mobil izar para or-

ganizar um sindicato. Pouco depois foi despedido. Levou seu caso à agência go-

vernamenta l adequada , denunciando que fora demi t ido po r atividades s indica is .

A companhia recebeu ordem de readmiti-lo. Frank escreveu para mim que,

quando reapareceu no t rabalho, a s ituação pareceu mud ar súbi ta e dras ticamen-

te. Os out ros t raba lhadores pensavam qu e havia sido o fim de Frank. Agora qu e

ele mostrara o que pod ia ser feito, começaram a se associar. Duran te a lguns me-

se s Frank estava no portão da fábrica meia hora antes da entrad a do primeiro tur-

no e meia hora depois da saída de seu próprio turno, di s t r ibuindo cartões de

inscrição.Fo i

responsável, pessoalmente, pelafi l iação d e l . S O O m e m b r o s .

Q u a n d o o s indica to fo i reconhecido, Frank tornou-se o vice-prcs idcnlc . Ia m

 

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342 Sociedade de e s q u i n a

bem passou a e screver uma coluna semana l no jorna l do s indicato com o t í t u lo

de "Mr. CIO" . A coluna t i nha u m esti lo vibrante, e deve te r c ha ma do u m boca-

do de atenção no local .

Na eleição seguinte, Frank se candida tou a pres idente do sindicato. Escreveu

a mim dizendo que seu oponente era um homem que t i nha pouco a ver com a

organização da ent idade , m as que e n c a rn a va o t ipo popula r — e era i r l andês .

Frank perdeu . Pouco depoi s , a companh ia começou a fazer demissões em largaescala, seguindo a polí t ica do f im da guerra . Sem o posto s indica l , a a n t i gu i da de

de Frank já não estava protegida, e ele perdeu o emprego.

Trocamos ca r ta s duran te vários anos depoi s que s a í de Boston , mas en tão a

correspondênc ia se i n te rrompeu. Fique i sem notícia de Frank até que , mui tos

ano s depoi s , um es tudante de Cornell passou por meu escri tório para dizer que o

havia encont rado durante um t rabalho de campo para um art igo sobre organiza-

ção s indica l . Frank e s tava organizando o Sin dica to dos Traba lhadores Têxteis e

t rabalhava em Stuyvesant , Nova York.

Cerca de um ano depois, quando plane java i r de carro para Boston, escrevi

para Frank e suger i que Kathleen e eu parássemos para a lmoçar com ele na vol-ta . Respondeu cordia lmen te , mas quando te le fone i na manhã d o encont ro para

conf i rmar , soube que estava internado. Paramos no hospi ta l e f i camos com ele e

a esposa po r mai s ou me n os u m a hora . Foi uma si tuação deprimente. Frank ti -

nha um câncer avançado e sabia que não viveria mui to t empo.

Con ve r s a mos a respeito dos velhos tempos, e então Frank me contou sobre os

anos que t raba lhara regula rmente como l íder sindical . Afinal, disse-me que, na-

quela época, em várias ocas iões , fora procurad o por e s tudan te s e professores de

univers idades em bu sc a de i n formações sobre o s indica to. E acrescentou: "Para

mim, bas ta . Nu nca m ai s farei qua lquer coi sa para a lguém de uma faculdade ."

Pergunte i por que se sen t ia daque le modo. "Sempre dei meu tempo para eles.Sempre buscava coisas nos arqu ivos para eles e respondia a todas as questões o

melhor poss íve l. Nunca pedi nada em troca, porém dizia a eles: 'Quando te rmi-

nar , mande para mim uma cópia do que você escrever, certo?' Eles sempre

diziam q u e s im, q u e teriam prazer em fazer isso, mas a té hoje nada recebi de vol-

ta . 'Então, quero que vão todos pró i n fe rno."

Fique i feliz por ter me lembrado de mandar para Frank uma cópia de Sor/V

dade de esquina. Os pesqu i sadores soc iai s não perderam nada com a dec i são de

Frank Luongo de não lhes pres ta r mai s qua lquer a j u da , porque poucas s e m a n a s

i : i < ) : Sigla da s Oongrcss of Indust r i a l Organiza t ions , federação de s indicatos de t rabalhadores In

dustriais, cr iado cm l ( ) i S . ( N . T . )

Anexo A 343

depois de nosso encont ro e le morreu . Cito suas úl t imas pa lavras a mim, na e spe-

rança de que fu turos pesqu i sadores façam um pouco mai s de e s forço para cum-

pr i r as promessas feitas às pessoas no campo, mes mo q ue depois não precis em

mais delas.

O que aconteceu a Chr i s topl ic r lanc l la (Ch ick M ore l l i )? Eu e s tava par t i -

cu la rmente preocupado co m essa pergun ta , mas a té então hes i t a ra em bu sc a r a

respos ta . Já deba te ra a ques tão comigo m esmo. Finalmente decidi que Chris tal-ve z fosse a única pessoa que eu t ivesse fer ido. Queria saber q u e efeito o l ivro pro-

duz i ra ne le . Te le fone i para pergu nta r s e podia encontrá-lo. N o início custou a s e

l e mbra r de meu n ome , m as então re spondeu cordia lmente . Ainda a ss im, eu f i -

cava imaginan do o que acontecer ia quando nos sen tássemos para conversa r .

Descobri que Chri s havia se mudado do North End, mas, paradoxa lmente ,

a ind a vivia n o me smo distr ito. Pecci , o velho rapaz da e sq u i n a , se mudara para

uma área a f luente , e C h r i s , o homem que estava em ascensão, permanecera no

centro da cidade.

Chri s me apresentou à sua esposa , uma moça atraente e agradável que não vi-

nha do North End nem era de origem i ta l i ana . Sentamo-nos na sala de estar de

um apartamento que , cons iderando-se mobí l i a , l ivros , cor t i nase t u do o mais , pa-

recia de f i n i t i va me n t e de c la sse média . Durante a lguns minutos fugimos do as -

sun to que todos sabíamos qu e i a se r di scu t ido. Então pedi a Chris para me dizer

f rancamen te su as reações a meu l ivro.

Começou dizendo que , no que lhe dizia respeito, havia apenas du as crí t icasa

fazer. E m primei ro lugar , quan do eu o citava, n ão fazia u m a di s t i nção s u f i c i e n t e

ent re s u a própria mane i ra de falar e a dos rapazes da esquina : "V ocê me fez falar

de uma mane i ra mui to bronca , como fala u m gângster."

Expresse i surpresa com i sso, e aqu i sua e sposa ac rescentou o comentár io de

que achava que eu havia feito Chris parecer um esnobe . E le dec la rou qu e acha-

va a mesma coi sa . Su a esposa puxou o l ivro da es tan te e re leu a passagem n a q u a l

cito Doe, por ocas ião de uma reu nião pol í t i ca duran te a qua l Chri s su biu ao pal -

co sete vezes para pegar os i ngressos que ia vender ao candida to. Ambos r iram a < >

ouvir isso, e Chri s comentou q u e n u n c a ma i s faria u m a coisa dessas. A esp

disse que Chri s lhe con ta ra , an te s de se casa rem, que a lguém havia cscr i lo

vr o sobre ele. E acrescentou que só lhe dera o livro depois de es ta rem casados .

C h r i s riu com isso, e então passou para a segun da crí t ica. "Bill, tudo q u e você

descreveu sobre o q u e n ó s f i zemos é t o t a l me n t e verdade i ro , m as d e v i a l e i d r s l a

c a do q u e éramos apenas j oven s n a q u e l a época . A q u i l o c i a u n i a l as r q n r r ' , l . i \ , i

m ós a t ravessando. M u d e i mu boc a do desde a q u e l e l c m i > < > .

 

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V I ' S o c i e d a d e d e e s q u i n a

L ie e x p re s s o u p re o c u p a ção co m as reações d e out ras pessoas ao m eu l i vro .

"V i ic e sabe , depo i s que o l ivro já havia sa ído há a lgum tempo , me e ncont re i com

l ' ceei po r a c a s o , e ele es tava rea lmente aborrec ido . E le me disse: 'Pode i m a g i n a r

um a coisa dessas? Depois d e t u do que f iz por Bill Whyte, as co i sas que ele pôs no

l i v r o sobre m i m . . . Sabe aqui lo d e eu d i z e r que você p i sar i a no pescoço d e s eumelhor amigo só para progred i r? Bom, o lha só , t a lvez eu tenha d i to aqui lo , m as

não e ra rea lmente minha in tenção . Es tava apenas magoado naquela hora.'"Chris p a re c i a p r e o c u p a d o co m o que o l ivro.havia fei to à m i n h a r e l a ção co m

Pecci . Eu nã o disse a ele que este l e ra página po r p ág i n a d o m a n u s c r i t o o r i g i n a l ,

n e m de i m i n h a i n t e rp re t a ção de q u e Pecci s implesmente cuidava de c o n s e r t a r

su a i m a g e m d e p o i s que algumas dessas reações ín t imas haviam s ido expos tas .

Chri s m e g a ra n t i u que não era o t i po duro que o l i vro o fazia parecer . ( "Na

v e rd a d e , sou um t i p o m a n s o , as pessoas f ac i lmente se a p ro v e i t a m d e mi m. " ) E

m e d eu e x e m p l o s d e ocas iões em que h a v i a a j u d a d o s e u s a m i go s se m l evar qual -

q u e r v a n t a g e m .Quando eu m e p re p a ra v a p a ra ir e m b o ra , p e rg u n t e i a Chri s se t inha algo

mais a d ize r sobre o livro ." B o m , fico imag inand o se você poder i a t e r s ido mai s cons t ru t ivo , B i l l . V ocê

a c h a qu e p u b l i c a r um a coisa c o m o essa rea lmente fa z a l g u m b e m ?"Pergunte i o que e le queri a d izer . Mencionou o fato de eu a p o n t a r ( c o m o el e

m e s m o m e h a v i a c o n t a d o ) su a d i f i c u l d a d e de p ro n u n c i a r o s om do th . E u t a m -

bé m havia f a lado d o t u m u l t o que o s rapazes às vezes causavam no s c i n e m a s , e d eque com f r e q u ên c i a ia m d a n ça r se m gravata , e coisas assim — todos aspectos qu efaziam o N o r t h E n d p a re c e r um d i s t r i to bas tante inc iv i l i zado . (Não cons igo lo -

cal i zar n e n h u m a r e f e r ên c i a no l i vro a p e r t u rb a çõ e s nos c i n e m a s o u h o m e n s

i ndo a ba i les sem gravata . )

" O problema, B i l l , é que você pegou as pessoas em m o m e n t o s d e descont ra-ção . É u m q u a d ro v e rd a d e i ro , s i m , ma s a s pessoas sentem que é um pouco pes-

soal demais."E n q u a n t o c a m i n h a v a c o m i g o até a es tação d o metro , f a lamos sobre su a car-

reira po l í t i ca . F iquei a tóni to quando soube que ele havia de ixado d e s e r eleito

p a ra o L e g i s l a ti v o m u n i c i p a l po r um a d i f e r e n ça d e míseros t rês vo tos . O Chri s la -nel la que eu h a v i a c o n h e c i d o n u n c a p o d e r i a te r chegado tã o p e r t o . S em expres-

sa r minha surpresa , t en te i f azer com que falasse sobre isso." Vo c ê s a b e , Bil l , o e n g ra ça d o é que não t ive muitos votos no No r t h E n d . A s

pessoas c om quem você cresce parece que têm c i ú m e s d e q u a l q u e r u m q u e pro-

g r e d i d a . Onde c o n s e g u i m e u a p o i o fo i bem a q u i , onde vivo agora . C o n h e ç o e s-se s c a m a r a d a s da e s q u i n a e r e a l m e n t e m e ciou b e m com e les . "

A n e x o A 7 > 4 r>

Como para d e m o n s l r a r isso c u m p r i m e n t a v a e a c e n a v a c o m c o rd i a l i d a d e d i -

versos grupos d e e s q u i n a e n q u a n t o passávamos po r eles. E m out ra vis i ta , soube

que Chri s l a n e l l a f i n a l me n t e fora ele i to , e e m 1980 e ra p re s i d e n t e da Assemble i a

Leg is l a t iva de B o s t o n .

Chri s m e deixou m ui tas co i sas para refletir . E m p r i m e i ro l u g a r , é difícil des-

crever a s e n s a ção d e alívio que senti depois d e e n c o n t r á -l o . E m b o ra , d e i n íc io ,

deva te r s ido do lo roso para ele ler o l i vro , fora c a p a z d e acei tá-lo com t r a n q u i l i d a -

de, e agora a té pod ia r ir de c o m o era na época d a j u v e n t u d e . Q u a n d o disc uti issocom Pecci mai s ta rde , comec ei a m e p e rg u n t a r se o l ivro nã o p o d e r i a a té m e s m o

t e r a j u d a d o C h r i s . F o i Pecci quem apresentou essa t eo r i a . E le a rg u m e n t o u que

são poucas as pessoas que têm uma o p o r t u n i d a d e de se v e re m ta l c o m o as out rasas enxerg am. Talvez a l e i tura do l ivro tenha perm i t ido que Ch ri s muda sse seu

c o m p o r t a m e n t o . Co m cer teza , prosseguiu Pecci , Chri s havia mudado bas tante .

Ainda dava duro para progred i r , mas já não parec i a a pessoa au t o cen t r ad a e in-

sensível d o s primei ros anos . Chri s cer tamente t inha d e m u d a r se quisesse ali -

m e n t a r q u a l q u e r e s p e ra nça de ir a d i a n t e n a po l í t i ca democra ta — e, de a l g u m a

f o r ma , por razões que nã o posso expl i car agora , e le havia dec id ido que seu f u tu r o

estava co m o s d e m o c ra t a s , e não com os r e p u b l i c a n o s , em cu j a d i reção parec i a

es tar se m o v e n d o q u a n d o d e i x ei o North E nd . Ass im, pe lo menos , o l i vro nã o ha -

vi a causad o dan o a Chri s , e parec i a a té possível que o t ivesse a jud ado .

Ta m b é m f iquei satisfeito de ver que, bas i camente , Chri s ace i tara o l i v r o . Isso,

é c laro , agrado u ao escri to r que há em m im, mas tam bém depôs a l a v o r de Cl í r i s .

Suspei to que o h o m e m q u e pode ace i tar ta l re t ra to de s i m e s m o é l a m b e m o l i o

m e m q u e p o d e m u d a r o c o m p o r t a m e n t o de s c r i l o .

Achei in teressantes a s o b j e çõ e s d e C h r i s a o l i v r o . O u a n l o ; i m a n c h a c o m o o

hav ia ci tado , e u me sent i mu i t o s e g u ro . L i e r e a l m e n t e l a l a v a d i f e r e n t e d o s r a p a -

zes da esquina , mas não tão di ferente q u a n t o e le m e s m o i m a g i n a v a . Se uma c i ta-

ção de Chri s contém uma expressão g r am a t i c a l e r r a d a , o u a l g u m a frase t íp i ca de

u m r a p a z d a esquina , es tou razoavelmente seguro d e que essa parte é a u t ên t i c a .

E u estava tã o consciente d as d i ferenças ent re Chri s e o s o u t ro s r a p a z e s que não

poderi a t e r ima ginad o quai sq uer expressões que os aproximasse . A cr í t i ca parec i a

falar m a i s a respei to d o s ta tus e d as aspi rações d e Chri s que d o s meus métodos d e

pesqui sa .

N a v e rd a d e , t a l v e z eu devesse te r des tacado que C h r i s e seus amigos eram jo -

vens e apenas a t ravessavam um a fase d e desenvo lvimento . M as a j u v e n t u d e , em

si m e s m a , não parece expl i car tudo . Aqueles h o m e n s não eram ado lescentes ; to -dos es tavam no m í n i m o po r vo l ta d o s 2 5 a n o s . O fato i m p o r t a n t e é que a i n d a nãoh a v i a m c o n s e g u i d o c o l o c a r u m p é f i rme n a s o c i e d a d e . E ra m j o v en s q u e h a v i a m

 

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34 6 Sociedade de esqu ina

saído de casa mas ainda nã o tinham chegado a lugar algum. Es tou incl inado a

acreditar que esse é um fator impo rtante p ara explicar a agressividade, o auto-

centramento e outras coisas ass im, que aparecem em Chris e alguns de seus ami-

go s duran te aquele per íodo. Mais tarde , quando e le já havia encontrado algo

como um lugar para si mesmo, pôde relaxar e preocupar-se mais com outras pes-

soas. Será es te apenas um fenómeno de mobil ida de social, quando alguém sai

de áreas pobres e degradadas como Cornerville e adquire o status de classe mé-

dia? Quando reflito sobre m inha própr ia carre ira, posso me lem brar , com cer to

emba raço, d e algum as coisas que disse e f iz nos primeiros estágios, qua ndo luta-

va para cons truir uma base f i rme na carreira académica. E fáci l ser modesto e

despretensioso quando você já alcançou um a posição bastante segura e ganhou

um certo grau de reconhecimento.

Eu n ão discordava da opinião de Chris de que eu re tratara as pessoas em m o-

mentos de descontração, e podia simpatizar com as que se sentiam assim. Se

você vai ser entrevistad o pelo jorna l , veste seu melhor terno e põe a melhor gra-

vata, assegura-se de que a sala esteja limpa e, de modo geral, toma todas as pre-

cauções associadas a uma aparição pública. Você mostra-se ao público no papel

que gos tar ia de desempenhar . Mas não pode f azer isso com um pesquisador so-

cial que passa a viver co m você. N ão vejo maneira alguma de contornar essa difi-

culd ade. Sup onho que sempre haverá aspectos de nossos relatórios que criarão

certo grau de embara ço p ara as pessoas que estudam os. Pelo menos f iquei cm

pa z ao descobr i r que, no caso de Chris , a reação nã o fora tã o séria quanto eu ha-

vi a temido.

Emb ora possamos apenas especula r a respeito do impa cto do livro sobre Pec-

ci , Chr i s e muitos outros , há um homem sobre quem o efeito fo i pro f undo — c

nem sempre com cer teza cons trut ivo. Meu trabalho fez com q ue Ralph Orlan-

della, um jovem que abandonara a escola no curso secundário, quisesse se dedi -

car à pesquisa social. Nesse caso, posso deixar que Ralph conte sua própria

história (ver anexo B ).

15. A ACEITAÇÃO DE SOCIEDADE DE ESQUINA COMO TESE DE DOUTORADO

Embora m e afastasse de minhas antigas ambições de escrever f icção, eu es lava

determinado a escrever Sociedade de esquina de tal modo qu e pudesse se r l i d o

a l é m da s fronteiras do mundo académico. Inic ialmente , submeti o manuscrito a

K c y n a l & H itchcock , um a editora comercial qu e anunc ia r a um concu r s o de I c x

lo s de não- f i cção baseados cm pesquisa académica. Quase acerte i o a lvo . l ' ' i q u r i

cm s e g u n d o luga r , a ln ís de um l ivro de f i lo so l ia .

Anexo A 347

Com o e n c o r a j a m e n t o de W . l , loyd W arne r e Evere t t C . Hughes , submeti o

l ivro à editora da U n i v e r s i d a d e de Chicago. Pouco depois , o editor concordou

em pub l i cá - lo . M as e n l à o recebi u m a car ta d o gerente comercia] , d izendo qu e

eu teria de c o r t a r um t e rço do manuscr i to e contr ibuir co m 1.300 dólares, uma

ve z que o livro não venderia muitos exemplares.

Para um casal qu e vivia há dois anos com bolsas de 600 dólares, e depois de

l .500 (menos 30 0 dólares de matr ícula por ano) , os 1.300 dólares eram um desa-

fio te r r íve l , mas conseguimos j un tar o dinheiro , grande par te de le economizado

durante nossa temporada no North End. Como eu já f izera cortes substanciais,

fiquei preocupado, no início, com a tarefa de condensar ainda mais o l ivro.

Ho je , olhando para trás, acredito que esse ato de disciplina tenha sido bom para

mim. Não consigo me lembrar de nenhuma das partes que cortei, e, nesse pro-

cesso, Sociedade de esquina f icou melhor .

Durante o mesmo período, também tive de batalhar para que o livro fosse

aceito como tese de doutorado. Eu chegara a Chicago para começar meus cur-

so s de pós-graduação já com o pr imeiro rascunho da tese na bagagem. Havia re -

escrito e polido algumas partes, mas não mudara minha análise de algum modo

de que consiga agora me recordar . Aquel e começo não-ortod oxo exigiu algum as

manobras também não-or todoxas no f inal de meu programa de doutorado. Fiz

os exames f inais numa s e mana e a apresentação da tese na semana seguinte —

embora, de acordo com as regras, o doutorado não pudesse ser concedido menos

de nove meses depois da aprovação no s exames, o que explic a que meu d i p l o m a

tenha data de 1943, e não de 1942.

Como ocorre com frequência, havia grandes divisões dentro do d e p a r t a m e n -

to de sociologia, de modo qu e qualque r es tudante que en f ren tas se o c x a i n c de

tese devia torcer para que, com a a j u d a c o e n c o r a j a m e n t o o c u l t o s da l accào da

qual fosse aliado, conseguisse resistir ao s a taque s da laccào opos ta . K u a i n d a le -

vava outra desvantagem, pois na época de minh a aprovação, W . Lloyd W arne r ,

meu orientador , es tava de l icença, e eu só podia esperar q u e Fvere tt Hug hes e

Bill Whyte juntos conseguissem m e fazer passar.

Naque le tempo, Chicago exigia qu e todas as teses de dou to rado fossem im -

pressas, e eu estava determinado a publicar algo que fosse ao mesmo tempo um

livro fácil de ser lido e uma tese. Por essa razão, recusei-me a começ ar com a tra-

dic ional revisão da literatura sobre áreas pobres e degradadas ou a concluir com

um capitulo no qual resumisse minha contr ibuição àquela l i te ratura, inclui ndo

a obrigatór ia frase f inal "é necessário co ntinuar as pesquisas sobre o tema". M i -

nha posição não se devia a razões inteiramente l i terárias. Felizmente para mim,d u r a n t e o período cm que fazia meu trabalho de campo, eu de s conhe c i a a l i l e r a -

 

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34̂ Sociedade de esquina

l u r a sociológica sobre áreas pobres e degrada das , e começara o es tudo cons ide-

r ando-me u m antropólogo socia l . Dur ante os dois anos em Chicago, mergu lhei

naqu ela l i ter a tu r a sociológica e fiquei convencido de que a maior par te er a inú-

til e enganosa. Achava que eu me desviar ia da minha tarefa se tivesse de me li-

vra r do l ixo antes de começar m inha his tór ia .

Como esperava, o ataque mais contundente veio de Louis Wirth, au to r de

um dos melhores es tudos sobre áreas pobres e deg r adadas . Ele começou pedin-

do que eu definisse "área pobre e deg r adada" . O propós i to de ' sua pergunta era

óbvio. Em bor a eu a r gu m en tas s e que o N or th End era na r ea l id ade a l t am en te or-

ganizado, com m uitos agrupam entos coesos , e le não via como eu poder ia def i-

ni-lo como uma dessas áreas sem u t i l iza r o conceito de "desorganiza ção socia l" ,

tema cen t r a l de es tudos anter iores .

Respondi qu e u m a área pobre e deg r adada e r a s implesmente u m a área u rba-

na onde exist ia a l ta concentr ação de pessoas de baixa r enda vivendo em ha bita-

ções dilapid ada s e em péss imas condições sanitár ia s e de saúde. Wir th objetou

que es ta não er a uma def inição sociológica, mas recusei-me a satisfazer se u ape-

t i te conceituai , r espondendo s implesmente que as condições que eu descrevera

cons t i tu íam a r azão pela qua l eu es tudara o Nor th End, e que cons iderava um

pr ob l em a em pí r i co de te r m ina r como as pessoas viviam naquela s condições .

Em bor a nã o satisfeito, Wirth f inalmente per suadiu-se de que não ia obter a

resposta que dese java , e passou a a tac ar minha at i tude af rontosa de ignorar , sem

ao menos mencioná- las , várias gerações de l i ter atu r a sociológica. Isso provocou

um deba te an im ado , no qual tentei demonstr ar que r ea lmente desconhecia

aqu e l a l i t e r a t u r a .

Nesse ponto, Everet t Hughes interveio par a promover um acordo. O depa r t a -

mento ace i t a r i a o l ivro como tese desde que eu escrevesse, em sepa rado, uma re-

visão da l i t e r a t u r a dem ons tr ando c l a r am en te qu e ac r es cen tava a l go ao t r aba lho

já feito. Esse mater ia l complementar poder ia então se r impresso (à m inha cu s t a )

e encade r nado j u n to com o l ivro, nu m a cóp ia que — depos i t ada na bibl ioteca

da u n i v e r s i d a d e — to r nava a tese de Bi l l Whyte a j u s t a d a às t r adições da pós-

g r adu açã o .

Mais tarde, ocor reu-me que, como eu devia escrever u m a revisão da l i t e ra tu -

ra , poder i a pu b l i ca r a l gu ns a r t igos a par t i r dessa tarefa (e na r e a l i d a d e o fi/. , l a l

como es tá indicado na s r eferências do anexo C ). Quando dois desses a r t i g o s I o

r a m acei tos par a publ icação, consu l tei Hughes de novo . E le p e r s u a d i u o d e p a i

l a m e n t o a ace i t a r os a r t igos pu b l i cados como minha revisão da l i ter atu r a r a

abandonai o r equ i s i to fo r m a l de que fo ss em encade r na dos com o l i v r o na c o p i ap a i a a biblioteca.

Anexo A

Assim, a provação da defesa de tese teve final fe l iz , graças , em grande p a r l e , a

Hughes . Consegui publ icar o l ivro sem a parcela que eu cons iderava i r r e levante.

Além disso, l ancei-me n uma car rei r a académica com dois ar t igos e um l ivro.

i6. S O C I E D A D E D E E S Q U I N A R E V I S IT A D O C I N Q U E N T A A N O S D E P O I S

A r ecepção inicia l ao l ivro não forneceu qualquer indicação de que um dia e le

pudesse vir a ser cons iderado "u m cláss ico da l i ter atu r a sociológica" . A r evis ta

oficial da Sociedade Amer icana de Sociologia , a American Sociological Review,

não fez uma r es enha . N o American Journal ofSocíology, E d w i n S u the r l and , u m

renomado c r im in a l i s t a , fez uma cr í t ica favorável , embora tendesse a definir o li-

vr o apenas como mais um bom es tudo sobre áreas pobres e degrada das .

N o início, Sociedade de esquina teve melhor r eceptividade fora do m u n d o

académ ico . H a r r y H ans on , um crítico de alcance naciona l , dedicou uma co l u na

inteir a ao l ivro , termina ndo com es ta af i rm ação: "Whyte oferece matér ia or igi-

na l sobre o tema sempre impor tante da vida na s com u n idades no r t e - am er icanas ,

apresentando-o, e loquentemente, de uma perspectiva humana."

F iqu e i p a r t i cu l a r m en te feliz com os comentár ios en tus iás t icos de Sau l

Alinsky, au to r de Reveílle for Radicais, no per iódico Survey, dir igido aos profissio-

nais de serviço socia l . Embor a reconhecendo se u preconceito contr a sociólogos

em geral , e le achou Sociedade de esquina uma anál ise notavelmente r eal is ta do

tipo de dis t r itos pobres nos qua is vinha t r aba lhan do como organizador de comu-

nidades .

De início , as vendas parecia m conf irm ar a previsão pess imista do gerente co -

mercia l da editor a . O l ivro fo i pu b l i cado em dezem br o de 1943. Em 1945, a r e-

cei ta havia caído par a quase nada, e o volume parecia pronto par a entr ar no

merca do das sobras .Em meados de 1946, tive a su rpresa agradável de r eceber um cheque rela t ivo

aos direi tos au tora is , r egis t r ando o t r ip lo de vendas em c ompa ração ao ano ante-

r io r . O que acontecera ? Em pr im eiro lugar , os veter anos da Segunda Guer r a

M u n d ia l vo l t avam em g r andes levas aos cu r sos de gradu ação e pós-graduação, e

seus soldos inclu íam provisões generosas par a a com pr a de l ivros. A o m e s m o

tem po , muitos professores de sociologia se tornava m insatisfeitos com o c o s t u m e

de s implesmente recomendar livros-texto para seus cu r sos , e p a s s a r a m a e x i g i iq ue o s es tudantes lessem monograf ias de pesquisas .

Ai n d a ass im, no início da década de 1950, as vendas caíam sistematicamente,

e, m a i s u m a vê/, o l i v r o pa r ec i a prestes a expi ra r . Alex M o r i n , q u e t r abalhava naedi tora , disse-me q u e i c c c n l c m c n l c r e l e r a Sociedade de c ' . s ' ( / t / n i t / na ( " . p r i a n i ; a de

 

350 Sociedade de esquina Anexo A 351

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ter ideias para reformu lações que justificassem uma nova edição e mantivessem

o livro vivo. Isso me levou a pensar em escrever este anexo sobre minhas expe-

r iênc ias de campo, que aparec eu pela pr ime ira vez na edição amp liada de 1955

e que depois disso vim expan dindo.

Parecia que o mundo académico impusera um a conspiração do silêncio às

experiên cias pessoais de pesquisadores de cam po. N a ma ioria dos casos, os auto-

re s que deram alguma atenção a seus métodos de pesquisa t inham fornec ido

um a in fo r m ação f r agm en tá r i a , ou escrito o que parec ia um a descr ição de méto-

dos que ter iam usado se, quando entraram no campo, soubessem de antemão o

qu e i r i am p r oduz i r no final . E ra impossível encon trar relatos real is tasqu e reve-

lassem erros, confusões e envolvimentos pessoais pelos quais um pesquisador de

campo deve necessar iamente passar .

Dec idi fazer m inha parte para suprir essa falha. A o as s um ir a tarefa, pare-

cia-me importante ser tão honesto sobre mim mesmo quanto possível. Isso signi-

ficava nã o supr imir inc identes que me fizessem parecer idiota, como minha

tentativa fracassada de seduz ir uma garota num b ar da Scollay Square, ou meu

envolvimento em crime federal (votei quatro vezes numa eleição) — embora,

nes te úl t imo caso, vários colegas tenham me aconselhado a não fazer a confis-

s ã o . Escrevi da maneira que es tá não apenas para l impar minha alma, mas — e

mais impor tante — para a judar os fu turos pesquisadores de campo a entender

que é possível cometer erros estúpidos e equívocos sérios, e ainda ass im produzir

um es tudo de mérito .

A versão ampliada de 1955 deu ao livro novo vigor. Na década de 1960, as

vendas desabavam novamente, mas a publicação do l ivro em brochura colo-

cou-o de novo em patam ar mais elevado.

As vendas es tavam caindo mais uma vez no final dos anos 1970, e eu não pen-

sava numa possível reedição até os dois dias de c om em or ação de minha aposen-

tadoria, promovida por meu depar tamento em Cornell , na New York State

School of Industria l and Lab or Relations. Os eventos organizavam -se em tor no

de apresentações e debates , por parte de sete antigos assistentes de pesquisa ou

associados em projetos de campo: Angelo Ralph Orlandella , Margaret Chand-

ler, Melvin Kohn, Chris Argyris, Leonard Sayles, George Strauss e Joseph Blasi .

Embora tenha aprec iado enormem ente a contr ibuição desses velhos amigos , as

observações de Ralph Orlandella em par t icular me levaram a pensar em minha

pesquisa de um novo ponto de vista .

Ap e s a r de eu não ter dado qualq uer ins trução formal a Orlandella a respeito

de r n l i r v i s l a c obs e r vação — c cer tamente nada te r feito par a aum e n ta r suas ha -

b i l i d a d e s c o m o l í d e r de u m a g a n g u c de e s q u i n a — , el e a f i r m o u q u e o I r a b a l h o

comigo lhe havia ensinado métodos de entrevista, observação e análise de estru-

tura de grupo que lhe serviram para alcanç ar posições de l iderança em sua car-

reira posterior. Antes eu pensara no s métodos qu e usava bas icamente em termos

de sua u t i l idade para pesquisas de campo nas c iênc ias behavior is tas . Em sua car-

rei ra mili tar , Ralph demo nstrou um a extraordiná r ia habil ida de para adquir ir a

conf iança de oficiais super iores , subordinados e pessoas em outras unidades , e

fazer com que trabalhassem juntos cm proj etos inovadores . Também fo i capaz

de desenvolver projetos cooperat ivos entre bases m il i tares e comunidad es vizi-

nhas , como foi o caso quando a s s u m i u a l iderança para c r iar o "Balistic Missile

Explorer Squadron, Boy Scouls of A m e r i ca " , pr im eiro no mund o em seu géne-

ro . Mais tarde, usou essas me sm as habilidades para gerenc iar o depar tamento de

serviços urbanos de uma c i d a d e . N o a n e x o li , "O im pac to Whyte sobre um

Underdog", baseado na ap r es en tação q u e R a l p h f c/ , diante de uma aud iênc ia

entus iasta, durante a cer imónia de m inh a aposentador ia , e le conta sua própr ia

história.

Mais ou menos meio século depois de sua publicação em 1943, Sociedade de

esquina tornou-se de repente um novo centro de atenção académica. Publicado

no outono de 1991, Reframing Organizational Culture, de Frost et ai . (orgs.), de -

dica a maior parte a "Explorando um modelo exemplar de pesquisa sobre cultu-

ra organizac ional" . O ar t igo começa com uma longa citação de meu anexo na

ediçãode 1955 de Sociedade de esquina (daqui em diante, SE), segue com quatro

críticas ao livro feitas por cientistas behavioristas (Michael Owen Jones , Alan

B r y m a n , Patrícia Riley e John M. Jem ier) e conc lui com meus "Comentár ios às

críticas a SE". O núm er o de abr i l de 1992 do Journal of Contemporary Ethno-

graphy é totalmen te dedic ado a SE. Após uma in trodu ção do editor vem o artigo

de W.A. Marianne Boelen que mencionei no "Prefác io" . Boe len me acusa de

transgressões éticas envolvendo minhas relações com "Cornerville" e com Doe,

meu principal guia no distrito. Afirm a que não reconheci terem sido trazidos da

Itália os cos tumes do s jovens qu e f icavam na s esquinas . Sus tenta que a l ingua-

gem comum entre as gangues de esquina era o i t a l i ano e que minha compreen-

sã o da l íngua era def ic iente, de modo que eu não entendia completamente o

que se passava.

Como foi dito no "Prefácio", o ataque de B oelen era seguido por minh a res-

posta e por um art igo de Angelo Ralph Orlandella . O número fecha com os três

artigos do s cientistas behavior is tas Arthur J . Vidich, Laurel Richardson c N o r -

m an K. Denzin .

Com os ensaios dos sete cientistas behaviorista s em Reframing Organizillio

nal Culture e no Journal of Contemporary Ethnograpliy, nã o l i v c q u e defendei

 

35 2 S o c i e d a d e d e e s q u i n a

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mói c a r á t e r o u a r e p u t a ç ã o d o l i v r o , p o r q u e t o d o s e l e s a c e i t a v a m S E c o m o u m

" c l á s s i c o d a socio log ia" , o u a l g o e q u i v a l e n t e . A p e s a r d i s s o , l e v a n t a r a m q u e s t õ e s

q u e j o g a m u m a l u z i n t e r e s s a n t e s o b r e c o m o o s pa d r õ e s d e c r í ti c a m u d a r a m a ol o n g o d o ú l t i m o m e i o s é c u l o , e m p a r t i c u l a r c o m a r e c e n t e p o p u l a r i d a d e d a e p is -t e m o l o g i a c r í t i c a .

N o q u e e s c r e v i a s e g u i r , e s t a r e i l i d a n d o s o b r e t u d o c o m Refmming Organiza-

tional Culture, q u e p a s s a r e i a c h a m a r d e R O C , e c o m o n ú m e r o p e r t i n e n te d o

Journal of Contemporary Ethnography, o u / C E .

O panorama intelectual de SE

J e m i e r a c r e d i t a q u e " S E e s t á m a r c a d o p e l a p o d e r o s a i n f l u ê n c i a d a E s c o l a d eE p i s t e m o l o g i a d e C h i c a g o " ( R O C , p . 2 2 7 ) . B o e l e n f a z o m e s m o c o m e n t á r i o , c o m

u m a virada negat iva: q u e distorci minhas inteqDretações a fim de alinhá-las c o m aE s c o l a d e S o c i o l o g i a d e C h i c a g o .

C o m o ind iqu ei na ed ição de 1981 de SE (que n e n h u m dos se t e cr í t i cos lera ) ,

eu já h a v i a c o m p l e t a d o u m a p r i m e i r a v e r s ã o a n t e s d e e n t r a r n o c u r s o d ep ó s - g ra d u a ç ã o d a U n i v e r s i d a d e d e C h i c a g o , e a c o n d e n s a ç ã o e revi são que f iz de-poi s d i s s o n ã o m u d a r a m , d e f o r m a a l gu m a , m i n h a a n á l i s e d o s d a d o s s o b r e o N o r t h

E n d . E n q u a n t o e s t a v a n o c a m p o , d e 1 9 36 a 1 9 40 , e u m e v i a c o m o u m e s t u d a n t ed e a n t r o p o l o g i a s o c i a l . F i z e ra a m p l a s l e i t u r a s n a q u e l e c a m p o , s o b a o r i e n t a ç ã o d e

C o n r a d M . A r e n s b e r g . N a q u e l a é p o c a , n ão c o n h e c i a q u a l q u e r d o s e s t u d o s u r b a -n o s d a U n i v e r s i d a d e d e C h i c a g o . N o e x a m e d e tese d e S E , t ive d e resis ti r a o s esfor-

ç o s d e L o u i s W i r t h e H e r b e r t B lu m e r p a r a e n c a i x a r m e u t r a b a l h o n a m o l d u r a d a

d e s o r g a n i z a ç ã o s o c i a l e n t ã o p o p u l a r e m C h i c a g o e o u t r o s l u g a r e s .

Sobre as relações do pesquisador co m aqueles que ele estuda

B o e l e n ( /CE, p.33- 4) p e r g u n t a : "Terá e l e c o m e t i d o u m p e c a d o é t i c o c a p i t a l a o

n ã o l e v a r s e u m a n u s c r i t o d e v o l ta a o c a m p o e c h e c a r o s d a d o s e o s c o n t e ú d o sc o m o s o b j e t o s d o e s t u d o ? "

E s s e " p e c a d o é t i c o c a p i t a l " é u m a c r i a ç ã o d e B o e l e n . N a é p o c a d e m e u e s t u -

d o , n u n c a o u v i r a n a d a s o b r e ta l o b r i g a ç ã o . A t u a l m e n t e , a l g u n s s o c i ó l o g o s c a n -

I r o p ó l o g o s s o c i a i s a d v o g a m a l g u m t i p o d e f e e d b a c k p a r a o c a m p o ; n o e n t a n t o ,

a i n d a a s s i m , n ão c o n h e ç o q u a l q u e r c ód i go d e ét ica p r o f i s s i o n a l e m s o c i o l o g i a o u

antropologia q u e faça t a l e x i g ê n c i a . S u p o n d o q u e e u t i ves s e t e n t a d o i m p l c i n c n

ta r Oprincípio d e B o e l e n , c o m o t e r i a fei to i sso? C o m o se p o d e r c l r o a l i i n c n l a i o .s

15 3

d a d o s e c o n t e ú d o s d o e s t u d o d e u m p e s q u i s a d o r n u m a comunidade < ! < • . ' < > m i l

p e s s o a s — o u m e s m o c o m a p a r te d a c o m u n i d a d e q u e e s t u d e i ?

A n t e s d e e u sa i r d o d is t r i t o , Doe l e u o m a n u s c r i t o q u e levei para Chicago, < • h

v e m o s l o n g a s c o n v e r s a s s o b r e s u a s s u g e s t õ e s e c r ít i c a s . T a m b é m t ive i i i ú i n r u ' .

d i s c u s s õ e s d e f e e d b a c k c o m S a m F r a n c o .

S e r á q u e e u d e v e r i a te r a p r e s e n t a d o a o s N o r t o n , c o m o g r u p o , m i n h a s C O M

c l u s õ e s s o b r e h i e r a r q u i a s o c i a l e p a d r õ e s d e l i d e r a n ç a ? U m a v e z , q u a n d o

p e r g u n t e i a e l e s q u e m e r a s e u l íd e r , r e s p o n d e r a m q u e t o d o s e r a m i g u a i s . R e v e -

l a r - lhes q u e n ã o e r a m i g u a i s e m t e r m o s c o m p o r t a m e n t a i s s e r i a embaraçado!

p a r a Doe e t e r i a p e r t u r b a d o s e u s s e g u i d o r e s .

Observe- se q u e B o e l e n l i d a c o m re lações n o c a m p o a p e n a s e m t e r m o s d a ss u p o s t a s o b r i g a ç õ e s d o p e s q u i s a d o r d i a n t e d o s e s t u d a d o s . E la n ã o c o n s i d e r a o d i -

r e i to d e o p e s q u i s a d o r p u b l i c a r c o n c l u s õ e s e i n t e r p r e t a ç õ e s t a l c o m o a s v ê .

E n c o n t r a r o e q u i l í br i o e n t r e n o s s a s o b ri g a ç õe s p e r a n t e o s q u e e s t u d a m o s e o s d i -

re i t o s d e a u t o r d e p u b l i c a r n o s s a s d e s c o b e r t a s é u m a q u e s t ã o c o m p l e x a q u e n ã o

p o d e s e r a b o r d a d a s i m p l e s m e n t e e m t e r m o s d o " p e c a d o c a p i t a l " d e B o e l e n . E m

Learning from the Field ( 1 98 4 ) d i s c u t i a l g u n s a s p e c t o s d e s s a q u e s t ã o .S e r á q u e e x p l o r e i D o e ? B o e l e n r e l a t a q u e o s f i lhos d e l e p e n s a m q u e s i m , q u e

e u d e v e r i a t e r p a r t i l h a d o o s d i r e it o s a u t o r a i s d e S E c o m e l e . R e c o n h e ç o q u e l u -

c r e i m a i s c o m n o s s a r e l a ç ã o q u e D o e . Porém, n a é p o c a , te n t e i r e t r i b u i r o m e l h o r

q u e p u d e ( /CE, p.61) .

A d m i t i n d o q u e o p r ó p r i o Doe p e n s a s s e q u e e u l h e d e v i a a l g o , R i c h a r d s o n

( /CE, p. 116) o ferece es t a h ipó tese: "Whyte v ia Doe c o m o u m c o - p e s q u i s a d o r ,

c u j a s i n t e r p r e t a ç õ e s e s t a v a m e n t r e m e a d a s à s s u a s . N o e n t a n t o , e m ú l t i m a i n s -

t â n c i a , W h yt e a s s u m i u s o z i n h o a a u t o r i a d o l i v r o , r e c e b e n d o a fa m a e a ' f o r t u n a '

a s s o c i a d a s a i sso. É p r o v á v e l q u e a f o r t u n a p a r e c e s s e i m e n s a a Doe, q u e vi v i a

u s u a l m e n t e s u b e m p r e g a d o . "O p r o b l e m a d e s s a h i p ót e s e é que e la põe Doe e m "hold" e a m im e m " f a s t for-

ward". E m 1 94 3 , q u a n d o S E f o i p u b l i c a d o , m i n h a s e c o n o m i a s t i n h a m s i d o

e x a u r i d a s c o m o s u b s í d i o p e d i d o p e la e d i t o r a , e n a d a g a n h e i d u r a n t e o a n o c m

q u e m e r e c u p e r a v a d a p o l i o m i e l i t e . A p ri m e i r a e d i ç ã o n ã o r e s u l t o u e m qualquer

p a g a m e n t o d e d i r e i t o s a u t o r a i s a té 1944; a p a r t i r d a í , p r o d u z i u a p e n a s u m p o u c o

m a i s q u e o v a l o r d o s u b s í d i o . F o i s ó d e p o is d a e d i ç ã o d e 1955 q u e o l i v ro c o m e 1

ç o u a p r o d u z i r re t o r n o s f i n a n c e i r o s s i g n i f ic a t i v o s . E d a ú l t i m a v e z e m q u e c s l i v e

c o m D o e , e m 1953, e le a i n d a m e s a u d o u c o m o a u m a m i g o .

D u r a n t e m e u p e r í o d o e m C o r n e r v i l l e , é v e r d a d e q u e Doe c m g i - r a l e s l a v a

" s u b c m p r c g a d o " , m a s o boom o c o r r i d o d u r a n t e a g u e r r a , a p a i l n d e l 1 ' l

 

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/.'ri Soc i edade de esquina Anexo A 355

deu- lhe um t rabalho em que ia bem, até que vieram os cortes pós-guerra, c ele

fo i desped ido . U m t e m p o depois , conseguiu emprego numa grande empresa deaparelhos eletrônicos, no qual chegou até o nível de gerência . Em m i n h a úl t ima

visita (dezemb ro de 1953) , e le era supervisor -adjunto de p lane jamento da pro-

d u ção . Quando morreu , em 1967, e ra geren te de p lan e j am e n to de p r o d u ção ,

pos ição-chave no n íve l da gerência in termed iár ia .

Passando além de mi nha experiência pessoal, qu e conclusões gerais podería-

m os t irar a respeito das relações entre o pesquisador e seus informantes? Estes

dever iam ser pagos? Em caso a f irmat ivo , quan to se dever ia pagar? Como deter-

minar a jus t iça? Parece-me impossível estabelecer qualquer regra universal para

t ra tar essas questões. Acho que, se o pesquisador promete dinheiro em troca de

entrevistas, isso in t roduz ir ia um e leme n to de cálcu lo m ú t u o n u m a re lação qu ef unc iona melhor quando as duas par tes concordam em co laborar de m o d o vo -

luntário. Em alguns casos, talvez seja impossível evitar compromissos de paga-

mento, m as esses poder iam aumentar subs tancia lmente os custos da pesquisa ,

impossibilitando a execução de outros projetos desejáveis para as duas partes.

Será que se dever ia prometer um pagamento con t i ngen te — p a r t i c ip açãono s direitos autorais de um l ivro? Isso parece bas tan te i r re a l is ta para monogra-

f ias socio lógicas ou an tropológicas . Apenas raramente ta is monograf ias re -

g ist r am vendas subs tancia is — e, no meu caso, 13 anos após a pr imeira

publ icação do l iv ro .

Gu ie i m eu envolvimento com Doe em termos do pr incíp io de rec iprocidade

in te rpessoa l . Q u a n d o t rabalhávamos jun tos , ten tava se r útil a ele, e Doe parecia

satisfeito com a re lação . Mais tarde , p ode te r chegado à conclusão de que o ex-

plorei, como seus fi lhos acred itam agora .

Seguir o pr incíp io da rec iprocidade in terpessoal não fo rnece qualquer garan-

tia de que, anos depois , a relação será vista c om o jus t a e imparcial por um infor-mante - chave — ou por seus f ilhos.

Se a reciprocidade interpessoal não oferece garantia de boas relações entre os

pesquisadores e seus principais informantes e colaboradores, seria possível en -

contrar outra base para construir tais relações?

J un t o co m alguns de meus colegas, acabei m e co n v e n ce n d o de que a pesqui-

sa de ação participativa (PAP,a par t ir daqu i) fo rnece meios impor tan tes para

supera r o fosso existente entre pesquisadores profissionais e integrantes das orga-

n i / a ç õ c s que es tudamos . A PA P é uma metodologia na qual os pesqu isadores

c o n v i d a m a l g u n s in tegran tes da organização es tudada a p a r t i c ip a r co m cies de

I o d a s a s fases d o p r oc e sso , d e s d e o esboço d a p esqu i s a , p a s s a n d o pela c o l e l a

de dados e pela anál ise, até a aplicaç ão prática dos resultados. A PA P ainda é pou-

co f ami l i a r para a maio r parte dos cienti stas behav ioristas, mas tem sido pratic a-da (usualmente co m outro rótulo) desde pelo menos a década de 1960.

Em termos das questões discutidas aqui, a PA P tem duas vantagens. Nas rela-

ções de campo, possibil ita ir além da reciprocida de interpessoal para estabe lecer

o v íncu lo en tre in fo rmantes -chavcs e pesqu isadores socia is profissionais. À medi-

da que os membros da comu nidade ou organ ização es tudada se c om p rom e t e mcom os resu l tados prá t icos que — ass im se espera — decor rerão do processo de

pesquisa , f icam menos p reocupados com o q ue ganham pessoalmente em troca

do que fazem co m o pesqu isador . Isso também pode l iberar os pesqu isadores de

incer tezas e ans iedades relat ivas à s u f i c i ên c ia do que foi feito pelos in tegran tes

da comunidade em r e t r ib u ição ao que f i z e r am po r nós.

A PA P também nos a ju d a a l idar com uma das preocupações dos epis temólo-go s críticos: abrir canais por meio dos quais ao meno s algun s integrantes da orga-

n ização es tudada agreguem suas própr ias vozes bem in formadas àquelas das

pessoas de fora. Isso p ode e n r iqu e ce r o processo de co le ta e análise de dados , e

t a m b é m a u m e n t a r o nível de acei tação do re la tór io da pesquisa no âmbito da co-m u n id ad e ou organização es tudada.

As potencia l idades e l imitações da PAP es tão a tua lmen te em processo de

exp loração. Eu não poderia fazer isso no final da década de 1930, quando me es-

forçava para segu ir a norma en tão vál ida em Harvard . Es ta enfat izava o com-

promisso com a "ciência pura" e a ausência de qualquer envolv imento dopesquisador na ação social. Além disso, eu não dispunha de uma posição segura

numa organização que me desse a c ha nc e de f azer um pro je to de P A P . A imple-

m e nt a ç ã o da estratégia de PA P funcio na melhor quando o pesqu isador socia l é

in tegran te de uma organização permanente , capaz de desenvolver um a re lação

a longo prazo . O pesqu isador so l i tá r io es tá em s i tuação precár ia para fazer oacompanhamento necessár io a té o f ina l do t rabalho .

A estratégia de PA P só pode ser ap l icada e fe t ivamente em um núme ro l imita-

do de situações. Onde é possível, ela oferece oportunidades para melhorar as re-

lações de campo do pesqu isador , fo r ta lecer o processo de pesqu isa e a lcançarr esul tados prát icos .

' W hy t e , "Advanc ing Scient i f i c Knowledge through Par tic ipa tory Act ion Research" ; Wh yt e , Parti-

cipatory Action Research; W hy t e , G r e e nw ood e Lazes, "Par t ic ipatory Act ion Research: through1'rach'cc Io Sc i e nc e in Social Research" ; H ark avy e Puc k e t t "Toward Effec t ive Univers t i ty-Pnhl i c

S chno l Pavlncrships" ; G r e e nw ood , W hy t e e H ark avy , "Par t ic ipatory Act ion R esearch as a Pioccss< i i i d a s a ( i o a l .

 

356 Sociedade de esquina Anexo A 357

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Sobre a crítica pós-fundacional

Quando concordei em responder ao ataque crítico de Boelen, presumi que os

três cientistas behavioristas que escreviam naquele número do JCE conclu ir iamqu e meus três anos e meio de t rabalho de campo, apoiados na s volumosas anota-

ções datilog rafada s logo após os eventos ou as entrevistas, seriam um guia m ais

acurado para as real idades de Cornervi l le no final da década de 1930 que as me-

mórias de informantes selecionados 30 a 45 anos depois. Nenhum dos três assu-miu uma posição a esse respeito. Vidich ( /CE, p.80) s implesmente af i rma que

"os leitores podem tirar suas conclusões sobre as questões leva ntadas nesses en-

saios", mas então prossegue com tributo s ao contin uado valor de SE para a teoria

e a prática sociais em áreas urbanas pobres e degradadas . Richardson e Denzin

nã o l idam com a questão porque, para eles, a natureza do jogo crítico mudou

desde a época em que fiz o estudo. Richardson (/CE, p. 103-4) afirma que escreve

sobre SE agora "num contexto rad icalme nte difere nte daquele em que o livro foi

produzido . Alguns se referem ao contexto in te lectual de hoje como 'pós-

- fundac iona l ' . O cerne desse clima pós-fundacional é a dúvida de que qualquer

discurso tenha um lugar pr iv i leg iado , de que qualquer texto tenha seu 'nicho'

consagrado na verdade."Denzin ( /CE, p. 130) me cham a de " real is ta positivista-social", e prossegue di-

zen d o qu e (p . 126) , "hoje , o realism o social está so b ataque. E visto agora como

apenas um a estratégia de narraç ão para contar histór ias sobre o mundo lá fora".

Riley (ROC, p.218) segue a mesma l inha . In terpretando o argumento de Clif-

ford Geertz, ela escreve: "descrições culturais, filtradas pelo etnó grafo, são na rea-

lidade ficções de segunda ou terceira ordem. . . . Não existe qualquer cultura ouorganização 'lá' a ser rigorosamente representada por observadores."

Em Works an d Lives, Cli fford Geer tz d iscute os problemas enfrentados po r

e s tu d an te s da cu l tu r a , ta l co mo in d icad o no subt í tu lo : "O antropólogo como

autor". Ele vê os antropólogos sociais c onfrontando uma crise intelectual

(p.71) : "Estão também atormentados por graves incer tezas in ter iores , que cor-

respondem a quase u m tipo de h ip o co n d r i a epis temológica r e l ac io n ad a a

como se pode saber que a lguma coisa que se d iz sobre outras formas de vida é

de fato assim."Após ex amin a r os t rabalhos de alguns do s mais eminentes an tropólogos so -

c ia i s (Lévi-Strauss, Evans-Pr i tchard, Malinowsld e Be ne d i c t ) , el e a b a n d o n aq u a l q u e r esperança de es tabelecer conclusões c ien t í f icas e fala, em vez disso , de

" l o r n a r se u relato crível, tornando crível su a pessoa" (p.79) . E a c r e s c e n t a : "Ac l n o g r a l i a d e u u m a vi r ada b a s t a n t e introspectiva — o b l i q u a m e n t e , n as d é c a d a s

de 1920 c 1930, e cada vez mais abertamente nos dias de hoje. Para ser uma tes-

temunha ocular habi tual , é preciso, assim parece, qu e aquele que vê se torne,pr imeiro , um 'eu/olho' convincente ."

Dessa forma, o escrever etnológico passa a depender do quanto se consiga

persuadi r o leitor. Mas, prossegue Geer tz (p .133) : "Quem deve ser persuadido

agora? Os africanistas ou os af r icanos? Os americanistas ou os índios nor-

te-amer icanos? O s japonólogos ou os japoneses? E persuadidos de quê? D a

precisão factual? Da ampli tud e t eó r i ca? Do alcance da imaginação? Da profun-didade moral? É bas tan te fácil responder : Todas as a l ternat ivas acima. ' Mas nãoé tão fácil p r o d u z i r um texto que atenda a tudo isso."

Sobre o marco pós-fundacional e a ciência social

Quando comecei minha pesquisa para SE , quer ia contr ibuir para a criação de

uma c iência da sociedade — e ainda não desisti desse compromisso. Criei meu

própr io marco de referência tomando com o base uma d is t inção fundamen tal

entre o objetivo (o que está lá para ser observado) e o subjetivo (como o pesquisa-dor e outros in terpretam os fenómenos observados). Presumi qu e dever ia m e

concentrar no objetivo, tentando, na medida do possível, basear minhas inter-

pretaçõ es no que observasse e no que me fosse di to por informantes que me

haviam parecido observadores perceptivos e precisos.

Ref le t indo sobre a etnologia "pós-fundacional", acabei chegando à c o n c l u -

são de que a distinção objetivo-subjetivo não é tão clara como ha v i a i m a g i n a d o .

Considere-se po r exemplo m eu estudo sobre a estrutura social de ga uguc s de

esquina. Ele fo i baseado pr incipalmente em obse rvação d i r c l a , mas os pesqu i sa-

dores n ã o podem observar tudo; se t en t á s s emo s , I c r m i n a r í a i n o s c o m u m a mis -

celânea de dados que não nos conduziriam a q u a l q u e r padrão in t e l ig íve l .

Buscamos o bservar compor tamentos q u e se jam significat ivos puni os propósitos

de nossa pesquisa. A seleção, portanto, depende de alguma teoria implícita ou

expl íc ita — um processo que, em grande medida, é subje t ivo . Mas a escolha não

é alea tória: se espec ificarm os nossas premissa s teóricas e os métodos de pesquisa

que usamos, outros podem ut i l i za r as mesmas premissas e os mesmo métodospara ver i f ica r ou questionar nossas conclusões.

" líu/olho: há a qu i um t rocadilho importante e intraduzível :eyewitness |o olho que t e s t e m unha |

está grafado c o m o "I-witness" [o eu que testem unhal , e daí o convincing "f" [o " c u /o l ho" c ouv i uc c nI c . ( N . T . )

 

i!,» Sociedade de esquina Anexo A

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Seg u in d o o m ar co de referência teór ico de início proposto po r Elio t D .Chapple e C onrad M . Arensberg , concentre i minha a tenção em observar egrosseiramente quant i f i car as f r equ ên c i a s e a duração de ínterações entre inte-

gran tes de gangues de esquina, bem com o em observar o início de mudanças nas

atividades de grupo. (Essa abordagem ainda não havia sido usada pelos sociólo-

gos e a inda ho je é incomum entre sociólogos e an tropólogos sociais.)

Para determinar a l iderança in form al de um grupo , baseei-me na d ist inção

crítica entre eventos-par ( Ín terações en tre duas pessoas) e eventos-grupo ( in tera-

ções entre três ou mais pessoas). Ao observar eventos-par, descob ri que nem sem-

pre conseguia determinar q u e m era mais in f luen te . Observando eventos-grupo ,

o padrão f icou c laro .

N o caso dos Norton , determinei q ue Doe era o l íder po r meio de vários tipos

de observação . Antes que e le chegasse à sua esqu in a, hav ia pequenos grupos de

dois ou t rês conversando . Q uando chegava, os pequenos grupos se d issolv iam e

um a grupamento maior se formava em torno dele . Q u a n d o outro in tegran te fa-

lava para o grupo, e então no tava q ue Doe nã o estava ouvindo , parava e tentava

n o v amen te co n qu i s t a r a atenção d o líder . Frequentemente , m as n em sempre,er a Doe q ue suger ia u m a m u d a n ç a na at iv idade do grupo . Quando outro inte-gran te f a z ia uma proposta de ação não endossada por Doe, não acontecia mu-

dança a lgum a de a t iv idade. Só se observava uma mudança na a t iv idade do grupo

qu an d o Doe fazia ou aprovava a proposta . O método observacional q u e usei no

final da década de 1930 para determinar estruturas de grupos informais pode se r

checado ho je por qualq uer pesquisador que deseje observar um grupo in formalao longo de um período extenso.

Com relação ao sign if icado teór ico de ta is observações est ru tura is , rejei to a

af i rmação de Ri ley (ROC, p.219) , de que minhas conclusões sobre a sociologia

do boliche e a re lação en tre mudanças n o padrão d e in teração e saúde mental"provaram-se mais heur íst icas que ou tras, mas dever iam ser vistas co m o u ma

conversa p ar t icu lar , l imitada n o temp o e no espaço pelas regras q ue governam

su a produção".

Essa af i rmação me leva de vo l ta aos argumentos metodológicos que encontre i

d u r an t e m eu programa de pós-graduação na Universidade d e Chicago no início

da década de 1940. Naqu ela era, o grande debate se desenrolava entre o estudo d e

caso c a estatística. Proponen tes do estudo d e caso argum entav am q ue ele levava à

" co m p reen s ão " , enquanto proponentes da estatística mantinham que ela era o

único caminho para a c iênc ia . Nós, estudantes, qu isemos promover um debateen tre Herber t B l u n i c r (estudo de caso) e Samuel Stouffer (estatística), e o mesm odebate foi uma vez proje tado na cena nacional en tre Blum er e George Lundberg.Acabou tão aca lorado qu e , no final, eles se apertaram as mãos, como se fosse paradar a falsa impressão de que não ficara ressen timento a lgum .

E u apreciava aqueles debates, m as ainda assim estava infeliz co m a maneirac omo as questões eram e nqua dradas. Do lado esta t ís t ico , o p ressuposto implíc i to

era de que l idávamos com surveys socia is — que, tan to naquele tempo como

agora, eram o pr incipa l inst rum ento de soció logos que usavam métodos q uant i -tativos. Desde a década de 1950 tenho em pregado surveys em vários estudos.Porém, no s anos 1940, eu não tinha ut ilida de para eles; que ria qua ntifi car obser-

vações de co mp o r t amen to s .

Ao contrár io da af i rma ção de R i ley , defendo que o estudo de caso presta-se adescobrir un i f o r mi da de s q ue pode m ser confer idas em outros estudos de caso ,bem c o m o por meio de métodos exper imentais e quant i ta t ivos (usados ind i-v id u a lm en te o u em co n ju n to ) . Ma i s a in d a : pode levar a insigh ts que produ zam

avanços teóricos, sejam eles realizados pelo autor , se jam por ou tros.

Trabalhando com Muza f e r Sherif, O.J. Harvey fez um exper imento comgrupos de garotos para checar a relação ent re suas posições dentro do grupo e o

de se mpe nho espor t ivo . Suas conclusões, para le las às minhas, d i f ic i lme nte con-f i rmam aquela re lação para todos os casos ou c i rcunstâncias, mas pelo menosdemonstram a possib i l idade de checar exper imentalmente os resu l tados de estu-dos de caso.

A re lação en tre mudanças marcan tes em padrões de in teração e saúde men-

ta l pode se r checada na prát ica c l ín ica para determ inar se esse marc o de referên-ci a pode ser útil na psicoterapia.

O antropólogo Scudder Mekeel descobr iu um parale lo próx imo à m inha

tese em "The Social Role of the Set t lement House " e as relações entre índiosnor te-amer icanos e f u n c io n á r io s d o B u r eau de Assuntos Ind ígenas. E le consta-tou que bastava subst i tu i r "rapazes da esquina" po r "índios", e "funcionár ios doCentro Comunitár io" po r "funcionár ios do B.A.I." — tudo mais se ajustava a seucaso tão bem qu an to ao meu. Poucos anos depois de m eu estudo no North End,

He r b e r t G a n s iden t i f icou o mesmo p ad r ão d e relações entre funcionár ios decentros comunitários e rapazes da esquina no West End, v iz inho de "Cornerville".

" "An Exper imental Approach to the Study of Status relat ions in I n f o r m a l Groups"." " "Comparativa Notes on The Social Role of the Set t lement Ho u se ' as Contras tcd wi th t l ia t of t l ic

U n i l e d S l a l e s I n d i a n Service" .

 

Sociedade de esquina An ex o A 101

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Em termos de desenvolv imento teór ico , constru í m eu própr io marco de refe-

rência concei tuai ao longo do s anos a par t i r de minhas observações no No r th

E n d , e George H o m a n s usou minha anál ise da gangue da Norton Street para

desenvolver seu próprio marco.

Em conclusão

Qu a n do c o m e c e i m eu proje to para S E , tomei co mo dado q ue dever ia a lme jar

contr ibu ir para o conhecimento c ien t íf ico . Hoje , mui tos c ien t is tas behavior is tas

parecem acredi tar qu e este é um objetivo impossível. M as então pergunto-me:

por que razão tan tos especia l is tas de renome assumem uma posição tão derro t is-

ta ? Acho que é porque abo rdam t ipos de problemas que não pod em ter respostas

científicas. Por exemplo , Geertz e os antropólogos cu jos trabalhos ele an alisa es-

tão preocupados co m estudos da cul tura d e um a tr ibo ou c o m u n ida de .

Cul tura tem m uitas def in ições. Em sua versão mais abrangente , engloba pa-

ren tesco e ou tras est ru turas organizacionais; mitos, crenças e a t i tudes par t i lha-dos por muitas pessoas; práticas, r i tuai s e cer imónias amplamente di fundidos;

padrões usuais de in te ração e a t iv idades; fo rmas de ganha r a v ida; fer ramentas e

tecnologias usadas, e assim por diante. O antropólogo supõe qu e esses elementos

não estão dist r ibu ídos a leator iamente e ten ta de scobr i r a lguns padrões nas re la-

ções entre eles.

Para obter a lgo coeren te a par t i r de qualque r padrão presumido de re lações

entre tantos eleme ntos difer entes , o pesquis ador terá que ir muito além de sim-

ples relatos e descrições. O sucesso nessa tarefa requer imaginação e cr ia t iv idade

— processos mentais a l tam ente subjet ivos. A publ icação resu l tan te pode ou não

se r convincente para determinados le i to res, mas não há qualquer m odo de sub-

metê-la a um teste científico.

Isso n ão signif ica que as. in terpre tações socioantropológicas de uma dada

cul tura se jam inú te is . Um bom estudo cu l tura l pode fornecer o r ien tações va-

l iosas para a compreensão daquela cu l tu ra e a comunicação com seus in te-

gran tes. Isso não é o mesmo que uma prova c ien t í f ica — mas os seres huma nos

rea l iza riam muito pouc as ações se somen te respondess em a proposições c ien t i -

f i c a m e n t e testadas.

' Social Theory for Action.l lif l I I I I I H I I I (!m»/>.

Se os pesquisadores estão em busca de general izações que possam sei s u l u n c

tidas a testes científicos, então tem os de focalizar certos elementos d e n t r o ( L i m l

tu ra que possam ser di re ta ou indire tamen te observados e medidos. Fo i isso q u r

fiz nos estudos de gangue s de esquina . Não posso af i rmar que tenha produzido

qualquer in terpre tação abrangente da cul tura to ta l de Cornerv i l le . Quase n ão

t raba lhe i com os papé is das mulheres e com a vida fami l i ar , nem com o papel da

igreja. N a r e a l ida de , a b a n do n e i a meta de fazer um estudo abrangente para m e

c o n c e n t r a r em áreas sobre a s q u a i s e u t i n h a um a q u a n t ida de su b s t a n c i a l d e

dados sis temát ico s: gangue s de esquina e suas re laçõe s com as organizações

maf iosas e p o l í t i c a s . Os métodos qu e usei e as c o n c lu sõ e s a que c h e g u e i po-

d em s er a m p l i a d o s e m e lh o r a do s p e lo s q ue h o j e e s tu da m a o r g a n i z a ç ã o d e

c o m u n ida de s .

E m b o r a rejei te os padrões da epistemolo gia crítica, reconhe ço que pod em

te r servido a um propósito útil na era pós-colonial, convidando os de fora a ques-

tionar nossas próprias hipóteses sobre uma dada cultura e a buscar conhecer as

opin iões de in tegran tes daquela cu l tu ra . Mas aquele propósi to não pode ser a l -

cançado por ou tra pessoa de fora que, anos depois, vai àquela cultura buscar in-

formantes selecionados e ouvir suas h istór ias . Podemos concordar que n inguém

de fora pode realmente conhecer a to ta l idade de uma dada cu l tura , m as então

precisamos perguntar se qualquer pessoa de dentro pod e conhecer a to ta l idade

de sua cu l tura . Ao enfa t iza r as van tagens do conhecimento dos de dentro , não

nos esqueçamos de que a lguém de fora pod e dar contr ibu ições impo r tan tes —

como fez Alexis de Toqueville, há muitas décadas, com seus estudos pioneiros

sobre a Amér ica .

As opin iões que mais contrastam com as minhas são as apresen tadas por Jer -

mier e Denzin . J ermier (ROC,p . 2 3 3 ) me vê como um positivista e af i rma que "a

epistemologia crítica insiste em que a verdade reside em níveis cada vez mais

pro f und os de ref lexão e exposição subjetivas, e que a ciência serve mais quando

serve menos ." Se formos seguir essa l inha, f icaremos com uma discussão sobre se

minha "verdade" é m e lh o r que sua "verdade".

Denzin começa se u ensaio reconhecendo SE co mo um "clássico da sociolo-

gia", mas acaba sua crítica com esta nota negativa (/CE, p . 1 3 1 ) : "Como o século

X X está agora em sua ú l t ima década, é adequado pergun tar se a inda queremos

esse tipo de ciência social. Queremos o tipo de sociologia clássica qu e W h y l e

produ ziu , e que Boelen , de sua própr ia maneira negat iva , endossa?"

Qual a abordagem al ternat iva proposta pelos ep istemólogos cr í t icos? Sc,

como af i rma Den zin , o que chama de "real ismo socia l" é visto agora c o m o "apc

nas uma est ra tégia narra t iva de c o n ta r hi s tó r i as sobre o m u n d o lá l o i a " , c n l a o a

 

•',(>.' Sociedade de esquina

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crítica pode depender apenas de um ju lgamento da capacidade do au tor para

persuadi r seus leitores. Assim, argumentos científicos sã o t ransformados em crí-

t ica l i t e rár i a . E somos de ixados com padrões de ju lgamento que var iam confor-

m e mu de m as tendências da cr í t ica l i te rár ia .

Para o fu tu ro desenvolvimento da s ciências compor tamentais , a posição de

Denzin no s leva a um beco se m saída. Acredito que a epistemologia crítica será

vista como moda passageira, e que os cientistas behavioris tas que tiverem su-

cu mbido à sua atração enganosa re tornarão à busca do conhecimento cient í f ico.

Pelos comentários e críticas que me a j u d a r a m a rever a versão anterio r, estou gra-

to a Davydd J. Greenwood, Mar t in King Whyte, He r be r t Gans e Jenny Farley.

Esta resenha da his tór ia do l ivro fo i adap tada de "Sociedade de esquina revisita-

do", em Sociological Fórum, 1993.

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