Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisível Vicente Franz Cecim

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    VIAGEM A ANDARA oO LIVRO INVISVEL

    VICENTE FRANZ CECIM

    FONTE DOS QUE DORMEM

    POEMAS

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    I

    OS DIAS CONSAGRADOS

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    Cinzas do Caminho que se encontra

    porque o dia que passa agora um Sol negro nos Passos humanos, sobre ns,

    eute acolho em minha Sombrade Ternura para o Incndio das Fontes que viro

    E se dizes, dos meus passos: So meus passoseu digo dos teus passos: So Teus passos

    E assim,indo,

    aVe

    que o Vento nos ventos: Destinos de areia

    j no sabe se conduz ao Crepsculoou se a Aurora j a Penumbra que cintila em nossos Olhos,

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    porque outra vez Somos o que fomos

    Eis:

    a AsaInvisvel

    murmurante no Horizonte

    Pois agora Teumeu o Corpo Entre Vus

    oO Pas

    soque vindo,

    no passar

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    na via Lenta

    este o caminho das

    Grades,e ouves no fundo da Terra portes de ferro voltando ao p,

    como tu

    Mas Tu no cumprirs toda a Profecia

    Afinal,no chegaste pela rua da tua Infncia? No tropeaste na porta da Sede e a gua te ergueu?

    No testemunhas o regresso das rvores em Sonhos

    eno passa Dentro de tia Outra via?

    leve

    Queleva Leveza invisvel

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    esboando no Sem Rumo

    quando passas, em Si se esconde a rvoredos Negros Corais

    tu passeias sem Clamorquem sabe: At cantes

    e o Caminho no longo

    no colheste nenhum fruto,mas os Corais vo contigo

    e teus Passos vo deixando Rumor de treva e gua profunda, poiste seguem, Negros, os Corais

    rvore dos Negros Corais

    quando passas em Tise esconde

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    a Residncia entre Clares est nas cinzas

    Agarrado ao teu Tronco,

    como no lamentarias a queda dos Frutos?

    Perdido de Ti,

    como colherias a Sementeno ar

    e a semearias nas noites da Fadiga?

    Para isso: ouvirAquilo que chama na Sombra

    Para aquilo, verIsso: o Anel de Luz

    na noite que mais pede sacrifcios Aurora dos Destinos

    ao passo

    mais fiel ao caminho para a casa tombada, L: onde a Curvano horizonteoferta a Esfera ao fechar dos Crculos

    gua de murmrios dos Teus Olhos

    Asa murmurante que no pousa

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    Celebrao das noites fatigadas

    h Desesperos circulares, Tu sabes desesperos

    como o do animal no Escuro escuro

    Girando

    contido no Centro que seu giro gera

    E a cada giro, Puraemisso de intensidade busca as margens para Alm das margens

    E a cada giro, o NoEscrita de grades: a palavra Dor no a palavra Sim

    Mais um giro, e eis: a Queda

    Luz fenecendo

    Oo

    Centro que desmorona, desfalece em centro

    E se esmorece

    o Desespero, e sese apaga: Se sob a pele Negra olhos se ocultam,

    na harpa de grades a pausa breve e no h Msica

    pois foi escrito no Bosque Sem Ternuras, em nossa Face: Que os olhos que uma vez sefechem outra vez se abram,

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    e eles se abrem,

    Clio sem paz se

    acende o Desespero

    e Testemunha: as Grades permanecem L

    E

    se adormece para os Sonos dos Alvios? Sem

    remdio Semremdio,

    porque sonha Grades

    ah, tudo oculta em sonhos a Catedral de cinzas

    as Margens

    o Crculo

    e a chave perdida

    Animal escuro,

    te tornaste o prprio Centro escuro

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    Tece teus clios de Hera sagrada

    Cintila

    nas noites Sonha

    com a Alvura

    No sabes que Outro centroO

    te Ilumina,

    mais Escuro?

    h Desesperos circulares, Tu sabes

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    Caminho dos corpos lentos

    E o Cu? Sepergunta a Terra,

    enquanto desces ao encontro do Teu Centro

    eis: a espreita do Suspeito de Si Mesmo

    Eis a Penumbra da gua em silncioNa Fonte,no so Longos os peixes que te incineram

    Ainda uma vez um Sim de pedrase ocultou

    na Noite,

    e enquanto tombas vais lembrando que No s

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    Noite de nutries profundas

    Para nutrir o Lodo,tu no escreves Tu

    s o Livro

    que se lana em todas as direes nas Regies Escuras: AgoraoO Crculocintilante

    que te envolve

    E nos limites da Esfera,se te voltas para te ver Fonteque se jorra,v:

    o Outro,

    gua que no Centro da Esfera ainda L s tu de novo, murmurando:

    Tu

    s o Livro,que se lana: Chama

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    na noite do Gro luminoso

    Quando a Esfera cantou na Penumbra para a Dvida

    a Vida o que

    coisa que a si SeFaz

    longe, em Ti

    ouviste O Eco

    s

    isso

    e nada Mais

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    rvore de Negros Corais e dos silncios do Cu

    Submerso

    em Si como um homem

    esquecido pelas paisagenS

    E vagando

    Como se um mundo No existisseUm mundo nocomo um mundo Sim

    E convivendo com Ausncia e Sombra

    Quase deitado na linha do Horizonte, e sem temer a Lmina, e com os ps pisoteandoestrelas:

    dana,

    mas no O Danarino

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    a parte dos Dons

    mas

    Se

    nutrires em Tia Metamorfose da Esfera,

    ouve e Celebra o teu rumor de Hera

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    H

    e

    } quando o Silncio horizontal se disser, te despindo, o Fulgor que se tudo em crculos vagando sobre a Esfera vier se Delatar a ti comoMscara para esmagamentos > a horda escura e a Histriae o ir e o ir e o ir dos frutos retornantes s sementes

    mas noo Virda Semente ao Fruto que ns chamamos Vida

    e

    quando na Clareira, Nutestemunhares o desabrochar da Hera

    #

    Ento

    } haver um dia seguinte

    E nesse DiaManh do Caminho sem caminhos,despertando

    abrirs a porta da tua casa

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    e vers

    a Constelao Sem Centro

    Porque o Centro tombou sem rumor toda a Noite para a Terra

    Ests outra vez na rua onde passou por ti a Vertigem, a Tua Infncia

    E agora } o Centro

    s Tu

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    Caminho longo

    OoO

    o

    O

    oO

    Oo

    OoO

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    II

    FONTE DOS QUE DORMEM

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    A colheita das paisagens

    Para descer o cu terra num antro mais cheio de murmrios

    aquilO

    que morre nas florescantaum Rumor de luz

    Eu escuto, na Residncia da Semente Branca daqueles que tiveram o p esquerdodevorado por ovelhas

    Eu nutro: os caminhos apagadosEu nutro: a mais antiga, a Viso que veio ao encontro dos que voem busca

    da espera de Si mesmos

    Eu no sou a sementede uma intensidade nua de espinhos, eu no sou

    Eu no sou

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    Fonte das constelaes

    Sem semear ossos no fim da tardee vindo ao encontro dos teus olhos nos Caminhos das espreitas,

    eu buscoo segredo luminosodaTuagua

    Soprando as cinzas,mais humano que o Limo

    Este o Passo de Sombras

    Esta a Noite em que o cu vir beber nosso rumor de terra

    Aqui

    Eu espero

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    Como uma Construo erguida para baixo

    rio em Silncio, e serpentes: A Palavrainterminvel

    mente

    calada

    mente de Aves Profundas

    e um Carrilho de Luz

    soando na Penumbra dos Seus Olhos,

    dAquilo que escureceas manhs de cinzas

    as pedras dos dedos da Orao

    quando o mais Alto se ergue

    e depe o Muro Branco das Idadescomo Transparncia

    no deserto Inundadodos Teus sonhos: Clio

    da Carne,

    e Rumor de Bosque Escuro

    Curva dos Lbiosque no dizem - Rio

    l, ondea gua Escura de um Abismo

    Aquele que teve os olhos Seladosj no aguarda a Aurora das Virtudes: o Guardio de Sombras

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    Aurora das virtudes

    Quando a terra se abre aos nossos ps,quando a terra se abriu aos nossos ps

    e vindo a ausncia da Ausente, veio a Ausncia

    do ausente

    e A que devorvamos na Sombra estava atrasada, e vindo

    a que espervamos estava atrasada

    Caminho lentoque a terra ainda no abrira aos nossos ps

    ainda Tantas vezes O teu silncio e a Plpebraque no quis nos ver

    Tantas vezes o Conselho: Solua sem espreitas

    Tu me nutriste de Escombros,

    como uma construo erguida para baixono era os passos

    Vocao de Olhos mais Escurosquando a mo se abriu

    para tocar O cu

    No eram os Passos dos que vieram antes

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    Sim

    Quando a rvore sem trguas descer do cu

    como saber: Se um homem vem por degraus

    no corao da nave submersa nos Seus Olhos,

    antesque a Inquietante fale as Palavrasmas no aps o silncio das Virtudes

    indoao Encontro das lpides Flutuantes e das guasse erguendo para a Sede

    e na penumbra oh na Penumbrade um Encanto

    eda Esfera tombada no Caminho

    por Onde ainda Passam os que passaram antesNa penumbra oh na Penumbra,

    enquanto espera a tempestade, a: Tempestade

    nos

    Repousos

    dos

    Teus

    Passos

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    Lodo das espcies

    As Catedrais de Luzes j foram semeadasno Centeio Negro

    e no te voltas para colher a Sombra

    OQue Ora est ausenteonde murmura Silncio a Serpente

    Agora aquele que aguardou a Alvuradespertou na nvoa e sem olhos

    Agora, Aquilo se lanou nas guas e

    sem guelrasNenhum Clio

    desvia o P de um homem das Visesdo Florescerao Fenecerda vida,

    indo

    tu sers o Escombro de Lgrimas

    Canto Mais ImpuroOcantandoSe um Oceano de pedras descesseuma palavra No te espera

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    Reino que Se curva

    Quando a Mente, sem espinhos,torturou Teu Sangue

    veio a lgrima

    e O orvalho te doou

    O Lago

    Na Solidose tinge o Lodo

    Ainda a carne a Submersa na pedraque o teu Dom adormece

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    Estao das seivas

    No era a Infncia ainda,pois foi antes

    Instante

    sem tempo, O cancelado instantede Ressurreies

    do P

    enteNoiteente de murmrios: uma semente,apenas Uma bastaria, Escura

    Se

    no Silncio de Seivas em que nasceste

    o teu Luar acolhesse a serpente

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    Corpo nu da Demanda profunda

    Tomba,

    quando vir Tona coberto de Cinzas

    quando dar s Fontes suas mos de Encantos em runas at Seca folha lgrima Raiz da Desfolhada no nascida

    quando dir ao outroOnascendo do seu Lado Esquerdo com a ferrugemdas Catedrais partidas- Busca

    O ourO Escuro

    para onde, para onde

    Irindo,indo

    com sua imortalidade de lenis de Alvura: O naufragado em terra,caminhando sobre guas brancas que no v

    Pde despedidas de reencontros de Trevas murmurantes

    Pedra de Queda como um fruto: o Fruto Oque alcana a outra margem: Oo

    Fervor de LimoLevanta vo para baixo

    Quando obter a recusa da Envolvente?

    e o No lhe ser um Dom

    de Indiferena

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    que poupar, por Desprezoque poupar, pelo silncio

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    Respirando face a Face

    Quando a Me se ergue na Alvorada,

    quanta Espessura no sutilquanta Presena no vazio

    que contm

    a mo dentro de Si, oculta de si mesma

    Oco e Noite Esferada Espcie

    Uma estrela desliza nos teus Olhosbuscando a Origem da Luz

    na luz do Dia

    De Rastros, animais imensos mais antigos

    te dizemque j foste e ests Aqui, escuro

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    Purificaes da imagem maculada

    nenhuma Ausncia mais ser sentidaaquela que Devora consolando

    foi embora

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    Passo em sonho

    A Construo de Carne est nas Trevas

    e um Silncio Branco

    ressoa em toda parte: o

    Ausentepermanece

    o que deixam seus Ossos com sons de flautapara a Msica

    e o Vento da Vida

    Ns no somos um cortejo de Runasns no somos Ns

    no somos os que vieram atrs do Mantorevestido de algascelebrando o Encanto e o Musgo

    que a gua dos Olhos no lava Nsno permanecemos

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    indistintos

    na Paisagem dos Crepsculos Ns no

    tememos

    a nossa Fome das Aurorasnossa embriagus de Vinho Plido

    enquanto passamos, e passamos,

    exatamente

    Agora

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    Iluso das Sedes

    agora, diante de ti est o Muro

    que no existe

    Construo mental

    que esmaga

    Mas teus cabelos, Antro de Musgo que te sonha, ainda sentem falta

    das ramagens longas, das Ascenses

    e da Floresta,

    onde os teus Passos percorrendo insetos, mas te apoiando com Ternura nas Sementes,

    te dizem:

    que logo vir o Limo sobre a Pedra cravada nos teus Olhos

    Pois continuas l, e a Fonte e o Fruto,

    ainda L,

    Agora

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    no dizerSim

    infinito o que est Dentro in

    terno?

    Pois no magoas

    esta Paisagem

    Paraso

    que sem rancor acolhes sob os Clios, ex

    terna

    na Pedra da Meditaoem que Te dormes

    e te v

    um Horizonte todo em torno de Miragens,sobre a Terra

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    Para abolir os lances de dados

    unes com a Asa o Vento e a rvore

    e Agora ds adeus a ti, no Escuro

    H gua e Fogo e Terra e Ar

    e a Msica a Voz

    que fala o que nenhum homem ainda Se disse

    oO Eucriou a Si

    e ao seu redor a Esfera o Crculo a Vida

    e a Multido da Semente

    Ests na Aurora do teu pensamento

    oO d eu stem muitos eus

    nossa habitada Constelao de Ser

    seu Fruto e Cinzas

    a Tua Criana Invisvel

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    Mais simples que o sono da pedra

    agora vem Aquele

    que lana para Titua mo cheia de ervas, e no h Eras entre doishomens de limo

    Agora,

    te ouve em Teus Ouvidos te fala nos Teus Lbios Ej Sabias o que te dizcom gestos de aprendiz de Vinho e Sangue

    Est te olhando dos Teus Olhos

    Contempla: a Paisagem das Espcies

    onde se faz a Colheita dos Dons

    nenhum Espelho Nenhum espelho

    O Semeado

    Agora,ests onde Stu Te Esperas

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    O que passou na Noite e no foi visto

    Nada,

    e Mais Alm

    Uma Esperana de Murmrios

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    Residncia Profunda

    s tens a ti

    e um Gesto se desfaz no Ar

    Fala da Ponte

    Onde a Palavra, oca, simula madeira

    Para onde te voltes, no ests

    E Ningum

    que seja Algum espera, Se no existes

    Dizer: Espelho de miragens

    E Despertar dos Sentimentos de Ausncia,

    abandonar os ps:

    j no se movam nem te mantenham em ti

    E no entanto uma Ave canta

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    A Tarde j foi Manh

    e h Leitos com promessas de Ternuras

    noite, acolhe a Tua Penumbra

    Tu lembras o Nome vago que no dizesTeu Alento ergue o p at Teus Olhos

    Um animal antigo ainda teu irmoH Luta preenchendo o intervalo dos seresUm pensamento Deserto se nutre de areiaH ondas de Lgrimas nos Oceanos, longeCinzas retornando ao Fogo, com brandurasOssos de Flautas, ouves, se Incineram

    E no entanto, uma Ave canta

    e s aqutico como: No Princpio Era o Verbo,

    sobre as guas

    Silncio Silncio

    Na Tarde houve uma Manh

    S tens um Ti,

    e um Gesto desfaz se no ar

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    Lua das idades

    Sob o Clio submerso

    Onde um sol jamais ilumina

    E no ar mais Elevado, vendo a Ave respirando o P

    da Terra

    Onde no houve o que Ver, do que passou na Noite

    E depois das Lentides e Cantos

    E Antigo como um homem de Madeira na janela,

    se abrindo

    flutuante

    aos Oceanos

    E no fundo de Ti

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    Silncio dos nomes

    Indiferente e lento

    mas como um movimento Adormecido

    E no Deserto Verde

    Diante de uma Casa de Penumbra

    Quem saberiaO que dizer desta Paisagem onde um homem

    semeado

    Diante de uma casa em um deserto verde

    espera

    Indiferente e Lento

    Mas com um movimento Adormecido

    Antes da Aurora

    E a Vida, num Sussurro, ainda no nasceu em parte alguma

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    para subir montanhas Murmurantes

    Ali,

    onde em cada corpo humano h um s homem

    L

    onde se renem para as Festas do Medo

    passa uma Ave que nos v: Espelhos ocultos emespelhos

    Cinzas

    dos Campos de SilnciosemeadosdeVida Ausente cada um em si

    E Odor

    vindo do Crculo do Horizonteguiar

    os Passos a no dar,

    pois ests A, Fantasma

    da Amizade

    Ponte

    que sonha a Alucinao dos Gestos

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    Para alegrar uma esquina deserta

    Assim que tu habitas umaMeditao

    Peixes de Estrelas e rvores e se apagando ao teu redor

    no teu Rosto de Terra

    Onde

    No todos choram juntos noTodos riem juntos, e No se sabe

    at Saber:que uma Lgrima Meditao de Tudo

    E o Riso: Meditao de Tudo

    e Essesso os Dons da Semente Una Oca

    Escuta: O Eco,aqui

    O sermoscomo Aves de Dois Cantos

    enquanto, L,

    O sorrindo chora O chorando ri

    Enquanto passa uma Nau de Silncio

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    Asa dos olhos

    Quando um Lagofor lanado num Crculo

    fora do tempo

    por mos vazias antes do gesto

    Quem

    estar na Margempara receber, sem mos,

    as Doaes do Centro adormecido

    que Se amplia

    despertado

    em gratides gratides gratides

    em Cinzas Cinzas Cinzas

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Quando descerem em Ti escuro e sol

    A ltima

    gota de gua acaba de subir aos Cus e a Terra

    no mais

    a Esfera de Miragens

    Agora,

    esses seres de Lgrimas banidos dos Teus Olhos

    buscam Refgio

    na Tua Mo de P

    E no s o Lago

    O Uivo em Tua em Memria no a Pedra que lanastevoltando tona

    Um homem Sua Curva s por ter nascido

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Ests

    entre a Aurora e o Crepsculo

    como uma Ddiva

    que se oculta antes do Gesto

    Deita no Centro do leito da Serpente

    Se

    confundires os perdes escuros com a Lentido

    da Tua Estrela,

    ests perdido

    Tudo Caverna e ecoa

    Consulta os Clamores da Vida

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Se o Adormecido leva um Gesto aos lbios

    no Falar

    para no nascer do Seu Ouvido

    em Rumor O

    no dito, lentamente no

    Ouvir

    para no nascer no meu ouvido

    em Ramagens A

    no dita, lentamente no

    para no assustar as Ramagens do Rumor

    indo e vindo

    entre ns

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Asa no Ar

    Exalado pelo Alento: por que veio o Homem de VentoInalado pelo Alento, para Onde voltar?

    E a O Que Quem perguntaaquina Breve Residncia

    onde Asa de Sombra

    dO sidoedO no ser

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Um passo antes das Cinzas

    Bastante silencioso

    e Ausente

    mas caminhando atravs de Onde em si h Ningum

    Um olhar mais fechado, para ser Amplo para acolher aConstelaoque no cabe nos olhos

    para no esquecer que algum

    onde no h ningum

    E a Gotejante, ouam: Est chamando, a cada umpelo seu Nome

    a Cada nenhum nome que no Diz

    Ali,

    onde a Fonte mais transforma Luz em Sombras

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    visto no Vazio

    E ento entendes:

    que tudo que Passa se sonha um Eu,

    e toda neblina quer Ser

    E essa a Origem

    da Lgrima

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Fonte dos que dormem

    como se fosse uma centelha: } a Transparente

    com som de guas at o afogamento

    e Asas cristalinas de Pudor

    e O sangue

    se desfazendo em lgrima a Gotaonde um relmpago de patas mais selvagens

    e a desabrochando: } a Constelao

    suas figuras de Musgo suas serpentes de espinho

    e O Jamais se acabar [ Suas Serpentes de Espinhosde chegardAquelequeSempre passar

    como o Cordo dO Tempo nos Teus Olhos }

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    III

    SERDESPANTO

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    - Tu s o gro do espanto. Escuta

    o ter nascido

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    ave do bico tranqilo

    teme o ninho que os homens,entre naufrgios,chamamo lar,a terra

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    O som das guas, Filho

    O som das guas, Filho, estou ouvindo

    Estou ouvindo a hera e a ervae o teu espantoquando refeito , Filhoo milagre do tato

    Estou ouvindo

    Estamos juntos ouvindo a noite que mais geraos espinhos de sedae aquela que fabrica mais fantasmas

    e no que fui, a seiva que no flui,a que mais permanecee a que no desespera em sua paixo pela pedra em nossa mo

    Tu sabes o que no sabes, Filho, eu sei

    Um sol mais negro vem nascendo em cada peitopara dar ao ouvido do homemum canto mais escuro

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    a Voz a Msica

    A Voz

    Existe a Noite sagradae nela Eu estou, no fundo dos cus que no existem

    como uma criana em seu bero

    velado

    Velando.

    Do fundo dos cus, do fundo da Noite sagrada que no noiteEu cintilo

    a Luz

    que envolve e anima a vida.

    Eu sou a Origem. Eu estou L na origem de tudo.

    Eu sou o Mantenedor, Eu sou o Destruidor. Por isso Eu tambm estou Aqui

    vindo da Noite,

    em plena luz

    onde vocs esto

    A Msica,

    se desprendendo das cinzas de Serdespanto. Ouam a msica

    A Msica

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    E primeiro eu vi: a senda : Viver Sem ViverE segundo eu vi: a senha : Viver Sem Viver Viver

    E depois eu vi: a senha : tudo tem sentido

    E depois eu vi: a senda : nada tem sentido

    Ento eu vi: a senha OEu em mim

    vendo

    E a senda Oeu na vida

    vivendo

    A Msica

    cessa e regressa,vindo das cinzas de Serdespanto

    A Msica, ouam

    nima que anima a vida desalmada da matria, estou te vendo

    Matria e Mater, Me terra

    - Me, eu chamava quando ainda ser de espanto,mas leve imergia em sonhos, longe do peso da terra

    A Msica

    Atravessar o que nos nega, chegar ao SimE assim

    que tu vers o que eu vi das cinzas: a madeira incendiadae nela estava escrito, no: Tu, deixa toda a tua esperanae sim:um V que vela o caminho para o Eu grande

    e um Z que zela no caminho do eu pequeno

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    pois pelo Eu vendoo eu na vida vivendo

    que cessa a luta dos eus,entre asas negras e brancas

    e o Eu grande e o eu pequeno

    se unem no Eu Um, Eumque ex-sou serei sido sendo

    Sendo L sido Aqui por onde flu, e no fui

    Agora, dispersas as cinzassou sido ser o NoSim ser sempre sendo

    A voz

    vem ainda uma vez das cinzas de Serdes- panto,antes que se faa o silncio de Andara na terra inteira e em todo o cu

    antes que uma brisa leve, vinda do cu ou da terra, no se sabe,sesomos s homenzinhos vivendo,doe essas cinzas a um invisvel e outro vento

    A voz. E diz

    A senha e a senda colher os ossos do osso Pai

    E nessa voz um eco, sussurranteque tambm quer me falar, me diz: Vicente, ser de espanto, em teu espanto

    e sem mimmas em mim

    que tu sonhas Andara ir e vir, minha a tua viageme ela s

    atravs da Origem e do Mantenedor e do Destruidor de ti

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    E dessa voz ainda uma vez o eco,

    e sussurrante, a fonte de cinzas: Vicente, em meu Espanto

    e sem mimmas em mim

    que tu sonhas Andara ir e vir, e a tua viagemela s atravs da Origem e do Mantenedor e do Destruidor em ti

    no fundo da Noite sagrada,Eu tambm sendo o Estrondo e o Espanto

    e O espanto de mim

    #

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Bem-vindo casa incendiada

    Eu agradeo a vocs por existirem: meus ouvidos de madeiras sonoraspor existirem

    e porque agora estou ouvindo as estrelase as cinzas

    e as portas esto abertas para as chamas

    e as luzes dos meus olhos sem infnciase parecema um amontoado de pedrinhas desbotadasque me falam cinzase me dizem cinzase sussurram e desbotadasmurmuramque o pior ainda no foi ter nascido das suspeitasdas montanhas

    para as cinzas de outro ser

    levado pelo ventonas tempestades da carnesob o cu e a rvore que doou a madeira

    e doar seus frutos j sabemoss descendncias

    e s chuvase s foices pouco brandas ah to pouco branca a veia aberta em nossos sonhosonde um rio de areia passa em outro sono

    Em nossos sonhos as palavrassuspiros dos homensesperam

    a msica que um dia nascer das heras

    e j tendo escurecido em meus olhos de sonospendem estes jardins aflitosas nossas cabeas

    e agradecem aos olhos os seus silncios

    e por jamais sorrirempara as guas das lgrimas

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    e perdoam terra por ter nascido

    e perdoam os caminhos rendas de ramos escurospor haverem de ns se perdido

    onde a gua e as cinzas

    j no bebem a alvura

    a alvura

    a alvura

    a alvura

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Bem-vindo terra semeada

    Oh Terra

    Ah Me que no mente

    e mata seu filho com um murmrio ardente

    Dado ao nadadepois de semeado

    quem de mim relanar o dado

    quem sem mimsemear a semente?

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Bem-vindo ao rumor das cinzas

    Mas eis que a gua chega

    e j tarde demais para viver tarde demais

    As cinzasvieram antes

    e o fogo adormece apagado

    E no entanto preciso beber precisoa gua das cinzas

    E um sonho ser um homem at os ossose suas canes do corpoque nenhum ouvido ouveque nenhuma boca canta

    Ou s a boca de uma sombra cantar

    Ento que sejam assim as doaes mais purasE crepitantes sejamos ossos se doando s cinzasem que um dia iro se transformarAh crepitantes canes Ah sombras do corpo nu e nuas

    Rendas tecida no escuro

    por amor a um rumor de guas mais obscuras

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Bem-vindo ao estranho mundo

    Em algum lugar do estranho mundomos se tocam em silncio brancoAh o encanto da carne

    quando esquecida a existncia do deusque causa a dor

    Uma ave vai pousando em seu ninho,traz nos olhos os espantos do dia que se acaba, se acaba

    Mas a tarde nos serena, com a promessade que logo vai anoitecer

    para novamente nos tornarmos sombras, nos tornarmos sombras,

    nos tornarmos sombras

    Devolvidos aos ninhos escuros, escuros, escuros

    Ah como nos assusta caminhar sob um solA este lado da esferaainda no veio o tempo do repouso A terra geme,a fatigada, fatigada

    Os homens nos caminhos do crepsculo da raa

    perderam seus olhosnos clios pesados de bronzes antigos As esttuas com ndoas de vergonhas,a vergonha, a vergonha

    Nunca mais tu ouvisteo sino que chamava os gestos brandos do fundodo templo

    Ah a sina

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    do efmero encarnada em tudo que se move nossa voltaMas tu ouves num inseto de outono o Insetodo outonoAs folhas que se fecham sem desprezo

    Num ramo que se parte e cai sozinho,nenhuma fora negativa pousou neste inverno

    No estranho mundo, algum est deixandoo pequeno portoem seu leito de morte,

    e isso nos faz mais lentos do que o cedro transformado em leito macio

    porque de madrugada algum, que ser outro,acaba de nascer na casa verde ao lado

    Ah o ir e vir dos viajantes pelas estrelas, as estrelas,as estrelasComo tem poder um gesto

    branco brancoquando vm do fundo na noite os silnciosem que nasce a flor a rubra da ternura

    noite a noite a noite

    banhar as frontes que sonham serenas o serenoUm co se encosta ao donoe ao seu odor humano

    Ah como lento este aprender a semelhana

    entre a pata do animal e o gesto humano

    Misteriosa, uma estrela agora desce sobre o bosquedos destinosA filha dos pntanos se agasalha em folhagens negrasO sol tem um ritmo de sangue,anunciando um novo despertar do mundo

    Ah como renasce este outro lado da terra, a dourada, para a luzUm emblema de paixo te dado a cada diaE o vinho est servido nos sentidos

    para ser bebido por aqueles que tiveram as suas mos feridas, feridas,as feridas

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Claro e escuro o mundoClaro e escuro o mundo

    Ah o espanto daquele que desperta aps um breve sono O anjo, em ossose sangueSe adormeceu no fim da tardee abre os olhos na penumbraque no sabese anuncia um anoitecer de pedraou ainda a areia as auroras da vida

    Por algum tempo, permanece mudoE no pode se dizer o que vir depois, se luz, se treva

    Ah a garganta quando quer cantar uma cano de pura luz

    Ah o irmo perdido Ah a voz que prefere calardiante do crime do irmo

    Em algum lugar do estranho mundomos se tocam em silncio branco,olhos se olham em virtude azulada,

    peles se roam na intimidade dos amigos

    Ah os ninhos que se constri com o afagadoe o murmurado

    Quem so aqueles dois que agora cruzam a ponte

    entre suspiros e brumas,

    ignorando o co de ferro que late em seus calcanhares

    Levando um peixe de ouro, o pescador de sonhosEi-lo que vai voltando para o recanto do estranho mundo onde ergueu sua casade palha e centelha convivendo em paz

    Ah a ave distendendo as asasno amanhecer do ninho, o ninho

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    para reiniciar a aventura da leveza

    Como leve esta pedra no caminho

    Como longo o culto rvore

    em que se enterram as razes da famliae o choro da criana pela primeira vez

    No tires a tua mo da claridade

    da minha mo cansada que repousa em ti,para ocultar na sombra

    Ah

    no esperes o receiopara te abrigar em meu peito, diz a voz brandae longe uiva a fera do adeus

    Quem so aqueles que atravessam a pontesem temer o co de ferro, a vidaE por que ainda est ausente o peixe

    As plancies de escamas, ao longe, ao longe ao longe Mais uma estrelacaiu dos teus olhos

    Ah os que caminham juntos sobre as guase a pacincia do homem com a madeira

    para fazer a casa e a cama

    onde o recm-nascido acaba de chorar pela primeira vez

    enquanto a vida tambm constri para eleuma ponte

    e um latir de ferro em seu calcanharapontado para o cu,enquanto o sangue verde lhe desce cabeaenquanto o olhar da me de lbios lvidos

    Ah o nome que daremos a tudo issoque nos envolve,

    e que chamamos vida,

    quando voltarem os tempos perdidosao regressarmos aos ninhos de vero,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    dois a doisatravessando a ponte,

    pisando as marcas dos passos dados pelos anos puros

    Aquela que tece a l generosa

    porque cr no balido do amigo,

    ahcomo a chamaremos depois que cessar nosso primeiro choroe a Casa ao lado for a nossa casa?

    Ah o encanto da carne

    quando esquecida a existncia do deusque causa a dor

    Ah o encanto da dor

    quando esquecida a existncia do deusque causa a carne

    Mos se tocam em silncio branco

    em algum lugar do branco e estranho mundo

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Silncio do gro agora. Silncio humano e vegetal

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    A voz humana

    A voz do gro

    O ter nascido, o renascido

    o. O

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    IV

    MSICA DO SANGUE DAS ESTRELAS

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Para aquele que cai

    O principal terror desceu cantando a montanha Mximaat o Mnimo refgio do ser

    E depois veio o tempo

    Flor das mais estranhas, que jamais saberiao sabor da amizadeMesmo que fosse um mritodeclarar ao mundo que ali ainda um anjo, alionde desceste um dia, espera

    soluando, negro e espiando a vida

    A verdade no divina que tingiram o vinhodo teu sanguesem derramar uma gota no oceanoE o trabalho de purificar a renda negra do peitofoi para ti um corpo de criana

    O que passou sem patas por a?

    Os que temiam as vinhasno foram os mesmos que ofertavam com rigor fraternidade das rochas

    Passaram os dias de recusa

    Nas trevas,as pedras das trevas temendo um leite mais doce

    Ento, sempre um excesso de nuvensO sol branco

    nunca ser essa coisa de homens semeadosem campos de prantose colhidos por ningum

    Ningum para viver com lbios que no dizem: Luz

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    de murmurar na gua dos ossos,

    Luz de tudo isso que se erguee se inclina para ti

    como a onda que traz os peixes da Vergonha

    O principal terror desceu cantando a montanha Mxima

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    A parte dos dons

    A submisso das espcies E tudo isso que jaz

    sob esses hinos aos musgos

    Depois, viriam aqueles que escutassemas rvores murmuradas pelo ventoEm outras relvas, outros tambm j tiverama ma da inocncia

    no lado esquerdo do peitoEu,

    palavra desconhecida dos homens que dormem,no sou o dia claro sobre o tmulo de um reique sobreviveentre o centeio negroAinda poderia dizer, sem os lbios que perdinuma noite de sol,tudoo que esqueci, se aguardasse a pele nova

    da serpente

    Dizer: Quando o tronco da vida se retesae se abranda o arco,

    para que no resseque,devia ser beijado pela mo humana

    Dizer: Tambm eram pequenos os animais buscando o ninhodo rfo silencioso,

    e ningum sabe o amanh

    Ento, por um claro da carne,talvez o hmus iria sorrir o seu humor na pedra

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    A impacincia das sementes

    O lao estava armado E o sol se ps,com um rumor escuro,

    para que o animal conhecesse a armadilha,para que a armadilha conhecesse o animal

    Quantas vezes euesperei por ti, minha Sombra

    e em mim nenhum passo foi dado que anunciasse a Tua chegada

    Para que haja um esprito, as florestas cantam ventosExiste uma rvore raradando seu fruto vida

    E ningum sabe porqueos sis brotam todo dia

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Os grandes mestres

    h Uma qualidade que os homens ignoram: viver menosQueda que a pedra da memria

    e mais do que as serpentes reconhecem: O odor humano

    Estentre as estrelas morrendo nos seus sonhose a terra fria afagada contra o peito

    antes de lanar um sol sobre as suas vtimas

    Se isso se parece um pouco com as residncias do male com casas perdidas em si mesmas,

    foram os Clices da espcie que deram vida a nutrio e os tumultosEu falo da inveno da sedePorque o homem o animal de areia que d sentido s fontes do real

    e quanto a noite cai,bebemos a gua escura do ventre das mulheres

    Mas vejam: o escorpio instalou as suas ferragens

    O cu tem suas lgrimas em silncio

    O caracol da voz,quando sussurra os enigmas da chuva,sabe:Quase nunca tempoQuase nunca tempo

    para o perfume do sangue

    Quase nunca tempode permanecer humano

    Esses rios tm espelhos partidos, e tudo o que foi submerso

    um caos perdido

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Sete homens tristes

    Agora nasce Aqueleque um lago fundo onde lanamos cinzas

    Agora volta,para dizer a palavra nada

    Agora senta pela primeira vez na pedra

    e sonha com gua

    e inclina a fronteOnde lanamos cinzas

    sempre e ainda esta a terra sob estrelas,

    a fruta noturnaonde a luz das nossas faces iluminava faces mais antigas

    E sempre e ainda este o solque nos rene para os dias de irmos,

    quando mos perdidas achavam as nossas mos

    O alado e o fervilhante,

    o cu,

    ainda dura aps a lua dos olhos

    Mas se um homem se turva na esperana,como salgar a palavra dos aflitos?

    Aqui ningum mais nutrea boca seca das hipteses

    Levantar uma pedra mais leve,despertar todo o ninho da espcie

    Tudo isso ainda seria a vida

    para o ausente

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    indo pelos vales onde baliu a amizade extraviadadas coisas pelas coisasSe voltasse em ns Aquilo que pela primeira vez sentou na pedra

    e, para beber a gua,

    inclinou a fronte

    para sonhar a inexistente fonte

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    83/144

    quele que dorme sem sono

    Os teus corpos, Um de Carne e Outro de Sombra,envolve em leos

    pois so dois, e o segundo mais real

    preciso ver num sonhoa paisagem das verdades

    onde insetos vm pousar em nossas mosH palavras que os homens no dizem

    H guas to amargas,filho,

    que se recusam a devolver s fontesas antigas possibilidades musicais da espcie

    Mas as luas da febre

    esto passando

    sobre os lugares onde a sombra humana ainda ir passar

    Um longo caminho no sinal de eternidade

    Ningum ainda foi ouvir o silncio das estrelas

    E no ter colhido o mel,a um murmrio de distncia dos teus lbios,salgou ainda mais as colmias eternas

    lenta a economia daqueles que aqui esquecem o sabor do sal

    E h uns que temem a queda das unhas no inverno,e h outros que pararam a vidanuma estao vazia

    preciso ir paisagem das verdades: Insetos pousariamem nossas mos: Os ouvidos humanosso cavernas escuras

    Agora nascero razes,quando esperavas asas

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    84/144

    E quem sabe um dia viro frutos

    para te dar ao leite coagulado,

    suficiente ter nascido

    Suficiente ser a sede, pois s por isso se obtevea ddivados lagos e da gota de veneno

    e um oceano de lgrimaspara encher os olhos de ternura

    O que tu sabes de ti?Somente que j vai comeando a desacelerao do ventoem teus cabelos

    A menos que desas no caminho, para colher as imagensque foram caindo da nossa memria,

    ests perdidoA menos que subas, ao avistar uma montanha de homens

    que foram virados do avesso, os ossos por fora,a carne por dentro,

    e te prostres em adorao ao p,

    em que esses homens se tornaro?

    Chama o vento com o ar dos teus pulmespor amor s cinzas

    Estas perdido

    Entre a festa para receber,com festa humana,

    e uma esperana de ferrugensSob os sons das estrelas,uma esperana de ferrugens

    o que te fere a sombra

    e ests perdido

    A melhor coisa que fazese a pior, ser parar a circulao contnua da mquina

    Prova uma gota do nosso sangue,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    e aceita, sorrindo,que isso aconteceu,

    que foram caindo da nossa memriaa polpa e a seiva, tingidas de vermelho

    Um futuro de rodas que j no rodaropara as colheitas do destino

    Entrega o nosso trem ao delrio de uma florestavirgem a cada dia

    E a voz que te diz isso:

    ao menos uma vezteremos o ferro do nosso dispensvel corao

    Ento, por que no semear de mos vazias?

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Caminho que os olhos no viram

    Vento e passagem,

    vento e passagem

    Agora, jogar num poo

    Agora, beber sem sede

    Agora, dormir de novoaninhado no peito do animal que semeiaa semente de areia

    Os dias de nascer no so os dias de sorte

    Na Casa dos homens as sombras vm cedo,mal nasce c

    da dia

    de fazer o bem e o mal

    Estamos buscando a fonteE ningum pode ver a invisvel, A

    pensativa fronteFogo

    apagado, enquanto ardemos no ser,

    e vamos de ser em sersem poder dar nem receber

    Se ouve essa voz na folhagemSe entra com passoscaiados, e se vai por entre sombras nas paisagens da verdadeVento e passagem,

    vento e passagem

    Agora, jogar num poo

    Agora, beber sem sede

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Agora, dormir de novo

    Agora, descer sem olhosrumo gua que salgou os oceanos e as lgrimas

    Agora apagarcom dedosde ervasa chama de uma vela

    e ver que escureceu mais uma estrela

    Vento e passagem,

    vento e passagem

    Quais so os gestos para brilhar mais de uma noite?S h

    sis se pondo e luas pela metade?Se isso j fosse a percorrida paisagem

    Acima, embaixo

    eis o caminho da ida

    De puro amor pelas cinzas,frutos entram pelos ps descalosdando adeus ao lugar luminoso da partida

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Para lavar o tecido em outras guas

    O que veste o homempara os dias do animal?

    As rendas da carne,elas vestem o homem para os dias do animal

    As rendas do nascimento, as rendas da morte,

    elas vestem o homem para os dias

    e as noites do animal

    pastando em campos que se erguempara o cu, que acima um outro vu,

    que oculta o amor do paiquando descobre a me terra, dilacerada nas sombras

    que do o frio e a luzpara que eu me veja humano

    nos meus sonhos de animalque se despe de ternura, quando se esconde a lua,

    que se nutre de aflionos crepsculos da raa

    e arrependido deseja ser a pele da serpente

    Tudo isso o tempo finoque flutua entre essas mos

    que desfiamnossos panos, com que cubro a nudez da minha casinha de osso

    Trabalho a que me dedico ouvindo os sons que no ouoda catedral invisvel que s posso visitar

    nesses meus sonos sem sonhos

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    onde so iguais o filho, a renda e o pai calado do silncio,

    que vai queimando as estrelas

    e se desfazendo em cinzas

    para chover sobre mim,

    aprendizado serenode dias que acabam assim

    Chama sem nome ou fulgor de lama que os homens chamam:

    O fruto do jbilo obscuro

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Permisso para salgar o mrmore

    Porque se erguem da terra

    e em toda a terraainda no se ouve o rumor negro da colheita,

    que esperam a tua sombra no crepsculo

    quando j passaste na manh

    a paciente,a pedra

    e a impaciente semente

    Ests passando na amizade das coisas pelas coisas,ests seguindo

    e a luz terrvel

    Paisagensonde a infncia doou seu fruto s Sombras

    Sers azuls na noiteem que partirem as tuas crinas

    e o sol que semeamos ao redor da tua fronte,com pensamentos de terra,

    para dar ao aridiase os seus movimentos de nuvens

    que s vezes formam a Lenta: A cabea de um cavalo

    No h beijoque console quem v estrelas cadentes

    No h sede que apague esses fogos sobre nsAquilo

    te deu mos para cobrires teus olhos,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    mas porque no so tuas mos,pra e colhe sem mgoa as lgrimas e a nossa guaTeus passos ainda so a fonte

    Tu sempre estars aqui,

    pois em tise ergue o monte

    Para que talhar nos lbios o esprito das runas?

    As mos so formas perdidas

    e toda pedra torturada encontrada no caminhoj a imagem de um deus

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Para adormecer aquele que vela

    H montanhas em sonhosto antigas,

    onde sonham

    os gros da areia que te sonha

    O que sobrevive na horaque apaga a ltima claridade?

    De quem faz a Noite a vontade?

    Dia ou homem,

    uma tnica de rancor o que eles vestem,e as montanhas vm rugirCaladas

    Se veio o Tempo, que tempo de colher sob as estrelaso centeio negro com mos mais brancas, caiadas

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Vinho do encontro

    Por sua chegada com o acontecimentodos repousos

    Das regies selvagensPor sua chegada

    Por sua vinda ao Encontro

    daquele que na sombra treme de prazer

    sua chegada de lodoe sua chegada de fonte

    que ali espera e guarda residncia

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Dever de nutrir as sombras

    uma construo em forma de crculoPor que chamada a Casa da Vida?

    Caminhos que do voltas, onde no se encontra ningumNingum

    que seja algum A Companhia

    Como empalideceu o gro, aqui,agora que caiu

    para crescer da terra,

    rfo de uma estrela que se apaga na chamade uma velaComo teme

    o rugidoda noite encerrada em si mesma o animalque adormeceusem resolver o enigma

    Uma construo em forma de crculo

    onde homens-pssaroscom asas de pedras, impedidos de voar,

    perseguidos pelo vento

    e a ameaa das sementes,

    ouvem no ninho das coisas nascidas de coisas nascidasum voz que recita: Isto passarEsse o gro da m sorte

    uma construo em forma de crculo

    Em forma de homemabraado a si mesmo,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    95/144

    como dois irmos que se quisessem bemFrgeis como a linha do horizonte

    e o murmrio das cinzas e das fontes

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Fonte dos que choram

    No, no adianta temer O Que virum dia,

    terrvel e com prantos, a lua sangrando sobre ns,

    pelos nomes das coisas perseguido

    As coisas so pedras nas sombras,a lua sangrando sobre ns

    No, noPois o sacrifcio,a lua sangrando sobre ns

    Aqueleque espera a voz da semente j no teve os olhos perfurados?Como ver

    a lua sangrado sobre ns?Aqueleque esperava o leite do cu no teve suas mos pregadascom o Espinho?

    No dir os nomes das pedras nas sombrasNo,

    no o sol sangrando sobre ns,

    se ainda o sacrifcioIndoao encontro dos cardumes dos seres

    Meu mais estranho som sai porta e chama

    do fundo do peito,clama

    para descer o abismoLongo leito de areia para ti tambm l

    Tenho esses ps sempre perto das fontes,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    que s dizem seus nomes jorrando Por isso, No, no adianta temer O Que virum dia,

    descendo das encostasdas fontes, que j nem se murmuram

    Bosque sem paixes

    quantas vezes aindao corpo de demnio

    e o Outro corpo de vidro,enquanto o ausente se transforma em cinzasque um vento leva, leve

    para a muralha do que no ,

    cravado nos lbiosO nome do Nome

    um dia passou coberto de eras,

    sem haver vindo

    Quando vier o tempo bom renascer da semente OBosque sem paixes

    O nome do fruto eu no digoTu no dizes O nome do frutoO nome do fruto nenhum de ns dirBosque sem paixes

    enquanto isso sangra pelos ps

    Mas eu tenho os meus ps sempre perto das fontespara o bem dos meus ps,para o mal da fontes

    O Crime : a gua cristalina se tingindode vermelhoE o rumor que cala

    sem dizer o nome da gua das lgrimas, sem dizer o nomedas cores, no diro nome da cor vermelha desse sangue

    que marca os caminhos por onde ps te procuram, O cado, O tropeadoA lua sangrando sobre tiBosque sem paixes,

    meu mais estranho som

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    sai do fundo do peito,

    l no fundo eu espero encontrar o nome das palavras

    O Centeio Negro no o centeio branco

    O Centeio Branco no o centeio negro

    A palavra Palavrano grita o nome das palavrascravado nos lbiosdurante o sacrifcio,

    longo leito de arei para ti tambm l

    O centeio negro no o Centeio Negro

    O centeio branco no o Centeio Branco

    Lbios no se abrem para ns dizer o nomeda rvore, o nomedo homem, o nomedaquilo que um dia vir

    sem achar o Caminho

    da vozque dir o nome da rvore, o nomeda Estrela, o nomedaquele que ainda no veio,

    e est passando coberto de heras,

    O Nome

    do Bosque sem paixes

    logo leto de arei para ti tambm l

    No,no adianta temer O Que virum dia

    descendo das encostasdas fontes, que j nem se murmuramBosque sem paixes

    terrvel e com prantos, a lua sangrando sobre ns,

    pelos nomes perseguido

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    No o sol sangrando sobre ns

    Os nomes das coisas so pedras nas sombras,a lua sangrando sobre ns

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    100/144

    A lua o sol

    Um homem sorrindo um Templo,

    e os mortos

    so os Belos Sagrados

    Um homem chorando um Templo

    e ainda por cima da terraflutua

    o cemitrio lunar :: A lua cheia de flores guardao teu lugar, o teu

    lugar

    Podes rugir nas noites, mas quem te ouvir?

    Ou, se preferires, uma residncia com heras vai desmoronar

    Onde s,

    o tigre e o homemAqui

    no h tempo, nem o lugar lunar

    noite,sempre rosnam os animais dos dias

    Nos dias,sempre rondam os animais das noites No tua a fomedaquele que come

    as flores visionrias do ar?

    M sorte ter nascido sem saber jogar com as sombras

    Melhor ser dormir abraados garras de um deus

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    101/144

    Pudesse um homem

    Sentado esquerdaobserva

    Odesgarrado

    Os dias de temer agora esto ao teu ladoComo aquele que est ao teu lado,

    como a tua sombra est ao teu lado,

    como o teu corpo est ao teu ladotentando achar uma sada na carne

    Sobre o dia em que nasceste, lembra:o cu foi um lago coagulado

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    102/144

    Aos deuses do fogo

    Para o encontro entre a me e o filho,

    que continua

    na noite escura,

    a rvore do cu deu a lenha e as cinzas

    Ddivas e alvura,Ddivas e alvura

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    103/144

    Rumor de ramos quebrados

    Sim,

    poderia ter sidoo que no foiO silncio

    e o Grito

    Sim, O animal da treva na gua escura

    que reflete embaixo o Alto, o Altssimo

    Quem assustou o cu a esse ponto

    Poderia ter sido ainda maisUm abismo

    E o ter nascido assimNo com um Rosto,

    mas com um enigma com Olhos

    Se te perguntas Como poderia ter sidoo No sido,

    O que te escuta?

    O que te escutas?

    Fontes por jorrar Pedras,e pensativas frontes

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    104/144

    Msica com sombras

    Porque te vestes de Sombra que eu te espero onde os dias morrem para sempre

    Escuta a voz humana

    essa areia sufocada em tua garganta: isso, a areiasoprada por um vento,

    a coisa que os homens chamam a Voz humanaA Nossa voz,ah

    Dela, nada dizer Calar na brumaPorque tu vestes de sombras

    a criana que trazes pela mo,torturada como um vcio, branca como uma virtude tristecomo uma flor presa em sua Raiz

    Onde est o colar dos desesperos, alipuseste os pulsos das manhs nascentes Nenhum Anjo, nenhum AnjoEstamos presos no Centro,

    ou livres caindo no escuroE eu no sei qual das duas portas, assim abertas, so mais terrveis somais belasSes sei

    que te espera

    a que vir coberta pela Sombratrazendo pela mo essa criana sem Face, sem rugas tambmsem ter nascido

    Se assim escurecesse em silncio esta paisagemonde pousamos ausentes para os olhosdos cegos,

    toda Serpente seria caridosa, todo encanto teria nervos azuis de pedras de fontesde lamentos no-nascidos do fundo da garganta

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    105/144

    nem a tua nem a da menor que tu, a tua criana

    que devolves claridadecom um gesto de amargura

    e recuperaspara o negro dia dos meus olhoscom um gesto de ternura

    Ela, a fonte em nossas frontes, pensativamente est pousada,

    observaPaisagem de deserto, e mo cheia de p:um sonho para olhos de vidros sonharem

    com torturas

    Ela: a Paisagem: o Lugar, e o Prantodo lugar onde os dias morrem

    para sempre

    Nenhum anjo, nenhum anjo

    No a Voz humana, nem ao menos murmurando

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    106/144

    Para obter do cu um animal sem asas

    quando tu vens com o Sangue que eu me dirijo Fontecom a lanterna

    Em busca de uma pedra de esquecimento

    Dando adeuscom mos vazias paisagem

    Que nos persegue: Um animal de msculos nas montanhasQue nos persegue: Um animal de lodo nos lagos do vcioQue nos persegue: Um animal sem alma

    ainda maior que os sis inchados dos poentes,

    e ainda mais vasto que os desmoronamentosdo cu

    que sempre vemos em nossos sonhos

    Horizonte e olhar severo

    Olha para dentro: o lapsodistante

    Minrios e memria, e corpos ainda mais nusque o Tempo e os nossos tempos decorridosnos flagelam

    Tudo nos ensinaa ser um ser menos docee mais temvel

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    107/144

    Cobertor feito de ervas

    O animal do friodormiu trs noites em meus ossos

    A vida no guardar as pedras do caminhonos olhos

    no deve ficar a paisagem ultrapassada

    Os passos no sabem nadaA prxima ser a ltima

    e ningum sabe onde est

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    108/144

    Ouviram?

    Silncio

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    109/144

    Silncio

    Esses cantos

    sendo em Andara

    o vento da voz

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    110/144

    Msica do sangue das estrelas

    Nos clios do tempo, as Sombrasdas coisas aladas

    repousam,

    depositadas

    Nossa Compaixo

    no pode com a gua Salgada dos olhos,

    no pode

    com a areia da vida, no pode com ela, no pode

    Um corpo no templo de um lago geladoNingum beber dessa guaUm instante de fora passado

    No fundo do lago pousa

    o naufragado Nossa Compaixo no pode com ela,no pode com ela

    o

    amor, no pode nada com a vida salgada,um instante de fora, depois esgotado

    O homem de p deixou a sua sombra na estrada

    Contra o sol,

    as estrelas dos olhos

    no podem nadaOs frutos dos olhos, as luzes das cinzas geladas

    O homem de p deixou a sua sombra na estrada

    Foi pelo silncio dos frutos madurosque o fim da amizade foi anunciadoDepois se apagaram, nos frutos maduros,os olhos fechados

    Na encruzilhada, da vida, da estrada

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

    111/144

    crianas

    brincavamBosque com paixes,

    onde as crianas brincavam,nossa Compaixo no pode com ela,no pode com a vida,

    no pode com nada O que fazer, no h nada fazer

    Atravs das distncias geladas

    e da carne geladae dos gestos gelados

    no fundo do templo de um lago gelado

    Ali, se esperas pelos no-nascidos, os Calados, osno-suscitadoseles

    no chegam na hora da ceia,no chegam na noite, enjaulados No fundodo templode um lago gelado,a nossa Compaixo

    no pode com a fora que o cuescuro derrama

    na mo das montanhas derrama

    O estranho subiuO estranho

    querendo as estrelas o estranho, mas o cu no desceu

    ao encontro da terra a sua chamaNo no fundo

    do lago geladoa terra

    dos homens alados

    A terra est cheia de homens no p naufragadosVoc pisa o p, e um crnio rachado

    Do escuro,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    do cu, quem viu o homem de p deixando a sua sombra na estradaAnimais, procurando abrigo,onde os homens de fogo foram pagados

    A nossa Compaixo no pode nada

    Bosque das paixes,a nossa Compaixo no pode com a gua salgada,

    crescendo nos olhosA rvore da Compaixo, crescendo nos olhos, no pode nada, no pode nada

    No d frutos a rvoreda Compaixo no dfrutos, no pode dar frutos, no pode com ela, no poder nada

    Para onde foram as crianas

    no Bosque das paixes sonhadas

    A tua Compaixo no pode nada A Minhano pode,no pode com ela, no pode nada

    No ramos mais do que pedras no fundo de um lago,

    e a Compaixo no podia nada,

    no mergulhava nada no silncio cantadodas guasA gua dos olhos tambm no cantava

    Contra a Pedra

    e a Sombra daquele que foi pelas guas escuras banhado,

    debaixo da pedra largado, afundado,

    os silncios dos teus olhos sobre um nome escrito no podem nada,

    a gua dos teus olhos no pode nadaO sal dos teus olhos, o SalUm sol

    por cima de ns ainda o brilho das coisas doadas,

    mas sob o cu no se pode nada

    contra a gua Salgada dos olhos,no se pode nada

    Bosque das paixes,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    quem vai beber nas mos a gua dos olhos, salgada

    Nossa Compaixo foi bebidapela areia molhada

    O homem de p que deixou a sua sombra na estrada

    No podia fazer mesmo nadapor ns, no podia com ela, nopodia com nada

    Apedrejados com os frutos, doendo

    de tanto ver,

    eis

    os teus Olhosna estrada

    e a Compaixo no pode mesmo nada, no poder com ela, no pode

    com a gua dos olhos

    Crianas sempre partem, depois de sonhadasAs crianas no esto mais na encruzilhadaO Bosque das paixes ficou vazio Ningum podia mesmo nada,

    no poderia com ela, no poderia,

    com a areia no poderia,no poderia com a gua salgada

    dos Olhos

    Os olhos no viram as crianas partirem

    e deixarem a inocnciajogada

    Animais vm olhar a ali soluadaO animal dos teus olhosfarejaa inocncia largada, foi abandonada, eis o embrulhona estrada

    que leva ao

    Bosque das paixes,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    e a Compaixo no podia mesmo nada

    A Compaixo no podia enxugar e levar no coloos nossos olhos molhadosde gua estagnada

    As crianas deixaram embrulhadas, em peles humanas, como roupas usadas,a compaixo e a inocncia na encruzilhadaAqueleque achar o embrulho ter o direito primeira gota sangrada

    As crianas depois foram embora, depoisde sonhadas

    Quem ficou no Bosque das Paixes

    No Bosque das paixes no ficou ningum, no ficar mesmo nada

    A nossa Compaixo no pode nadacom a gua salgada

    No pode com

    o embrulho deixado na estrada,onde a compaixo e a inocnciaesto abraadas

    Em sacrifcio, tens de oferecer teus silncios a nada

    Para merecer a Estrela Sangrada,

    gotejando vermelha a Centelha, a Chorada

    Os vinhos das palmas das mos podem ser tiradosda gua gelada,mas ningum beber dessa gua

    Bosque das paixes,

    dos risos das crianas sobraram os ecose as alucinaes

    A nossa Compaixo no pode mesmo nada

    As luzes se apagam, e ela nopode com elas, no pode com as luzes agora apagadas,no pode mesmo nada

    Sob sangue da Estrela Sagrada, as areiasdas runas esto paradas

    Dias sem velas, noites veladas

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Tambm na noite a nossa Compaixo no pode nada

    Num sonhose viu, no fundo do mar, uma grande embarcao

    dos homens afundada,

    e as vozes cantavam: nossa Compaixo no pode mesmo nada,

    no pode com a gua salgada dos Olhos,

    no pode com ela,

    no pode nadano pode nada

    O que fazer No h nada a fazerSomente ser no ser

    Mas se ainda uma gotado sangue das estrelas for gotejada

    na tua fronte, da fonte sagrada,

    a sombra do homem de p outra vez ir cintilarno p da estradaMsica e luz,

    pela Luz dedilhada

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    V

    FESTA DOS CABELOS TRANADOS

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Aqueles crculos, aquelas quedas, como se no devssemos chegar.

    Sempre voltariam?

    As guas de uma mais clara penumbra

    Evitamos os riosE tendo bebido novamente desta gua amarga que bebes tambm agora comigo

    enquanto me escutas, Andara ento nos faria ver coisas.

    Veja voc Andara.O que ns iramos achar.

    Uma casa em runas estaria aparecendo bem diante dos nossos olhos, aquela casa,s ela, na floresta, como se tivesse que ser assim

    - Parece longe, tu me dirias.

    - Parece perto, eu te diria.

    E no entanto nem longe nem perto, aquela casa estava ali.

    Grande.

    Diante de ns.

    Era s o cansao maior em um de ns fazendo v-la longe, e menor no outrofazendo v-la perto.

    Os ossos mais pesados em ti do que em mim.

    Entraramos.

    E ali estava o primeiro adormecido. Ali estaria ele. Um menino.

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Tentaramos acord-lo, mas viraria para o lado, continuaria a dormir.

    Outros estavam ali tambm adormecidos. Homens, umas mulheres, os nos e ossins com que a vida nos faz

    E veramos tambm aves numas gaiolas, adormecidas.

    E tropearamos. No cho daquela casa, espalhados por toda parte, uns ces latiamsilenciosamente em sonhos, mas ainda tentavam morder.

    Entenderamos que seria preciso lutar para no sermos tambm tragados poraquela noite que havia em tudo ali, enquanto era dia l fora, e assim esqueceramosa festa, no iramos mais

    As vezes, se te narro isso com um tempo mais vivo, tu notas, porque mais real

    quando fecho os meus olhosOuve:

    H uma mulher na casa que adormeceu em p, encostada numa parede, e por umaleve vibrao do ar, quando passas, se desequilibra, cai para frente, e em sonho querse apoiar em ti, suas unhas cresceram durante o sono e rasgam a tua carne

    Mas no a deixarias cair. E verias os olhos da mulher se abrirem um instante, semte ver, e a depositarias no cho suavemente.

    Tu ests abrindo uma gaiola agora, posso te ver, tiras uma ave adormecida da

    gaiola. Parece que vai acordar, pois bica a tua mo vazia. Procura alimento essa ave.

    Jogarias a ave para o alto. No voaria. No cairia.

    E ento tu a pegas no ar e pes de novo na gaiola.

    Mas depois de uns passos, ests de volta. Abres a gaiola. Se a ave um dia acordar

    Aquilo era assim naquela casa.Uma criana adormecida quer dizer algo. Ponho o ouvido em sua boca. Mas s

    ouo um som de guas profundas.

    Uma ave voa em sua gaiola como se estivesse sendo perseguida. Quer escapar.Depois no se mexe mais. Teria sido devorada em sonhos?

    V agora:

    Dos adormecidos, todos, ento comearia a vir o mesmo som de guas,redemoinhos, que viera da criana.

    Era a carne talando neles, agora s a carne estando todo o resto adormecido?

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Se pudssemos ouvir o que a carne tinha a nos dizer naquela casa

    Ouviramos:

    Os sons de guas se transformavam em vozes nos adormecidos.

    E nas gaiolas as aves adormecidas perguntariam: Por que a carne, de olhosabertos, vira p, e de olhos fecha dos eterna em sonhos?

    E as crianas, adormecidas, naquela casa, perguntariam: Por que a carne, de olhosabertos, vira p, e de olhos fechados eterna em sonhos?

    E os homens c mulheres, adormecidos: Por que a carne

    E os ces, adormecidos, roendo seus ossos de sono: Por qu?

    Depois, o silncio voltava. As vozes paravam.

    E ento foi que comeamos a ouvir, comearamos a ouvir aquele canto.

    Nele, tu vers, aqueles adormecidos iriam falar com a carne, dizer-lhe coisas,fazer perguntas a ela.

    Um dos adormecidos, abrindo os lbios, deixava ouvir, num murmrio: Cano deareia

    E o canto estava comeando:

    Viver a cada dia o mais estranho ouro, eles cantavam

    Eles cantariam: A concebida areia,

    e a caminhante em volta da pedra, a areiae o vento em volta da pedra

    e na areiae reunida areia, a carne

    E a concebida da asa,

    e na areia aindaa reunida areia

    Voltava o silncio. Uma pausa. E o canto voltava:

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Fomos aqueles que primeiro uivou para ti,e na primeira noite, o que primeiro riu nos temposFomos os nossos arrependidos ossos curvos

    pois tu trituras amorosamente o que contns,

    e incontidaSilenciosos sob o silncio da erva: sensveis dor e tua ervaSilenciosos at a altura dos ramos voltados

    para a nascente, grande a Face que te espia daoutra margem

    Pois se das coisas temos um sol tombado, e a descidasombra

    e o canto aviltado da voz rouca,e ainda os olhos da primeira vez

    da primeira, inesquecvel

    e sem podermos ver

    deitados sob o silncio da erva, e sensveis ao que fomosAo uivo aos ossos face erva

    Novo silncio. E o canto:

    Pelos tempos e as geleiras,animais fizeram a curva luminosa do teu dorso

    Vero sobrenatural: no damos um passosem a tua companhia

    Pelo espesso: dele a espessura se desprendena forma dos cheiros selvagens que tanto

    nos empalidecem noite:cada um de ns um claro visto distncia

    Tu s o escndalo do deus que se desfez

    do lado mudo dos seus gonzos. E se abres

    a porta escura deste ombro,

    fatigados plos campos

    semeamos nossos ossos mais humanos

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    nos lugares onde tivemos lbios e ressecam da orao

    O canto. Os adormecidos

    Se ests deitada, quando s a beleza

    ainda que no corpo em movimento habite um msculode seduo

    Se vem a morte, que ests te exercitando no cansao

    Casse algo ali, mas estando de costas no verias

    Se curva a rvore, gua reduz

    seu ritmo de msica

    a cada homem um outro pela mo

    se as pernas o abandonam,

    a escura lua que assombra

    Pois voltas o rosto para uma parede

    e a uma vida de ti est passando e vspassar um insetosado do mais estranho sono, que estar vivo

    Existe um passo que no existe

    Voltava o silncio, toda a casa parecia adormecer, mas a boca de um dosadormecidos fazia novamente aquele som de guas, e voltava o canto:

    Pois tua a sombra,

    e o teu deserto percorrido diz:a concebida da areia,

    e na areia a reunida areia, a carne

    O canto outra vez se elevando:

    Tua lentido me atravessa pelo corredor de mim,

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    os passos so antigos neste ouro

    e ainda que se tenha um sol e um corrimo de apoiopara tudoa ausente se esmerando

    a sombraNo passarias se um outro conspirasseNo nome que a senha da imensa floraoainda uma veia d sentido ao nico

    Camadas aps camadas, as invisveis tintas te cobrindo,

    no saberia um homem nunca qual seria: a nave a florao

    desde que um p arrastado pela luz

    se quis ali nas guas, a rvore da tua seiva vindo

    ao encontro dos mais jovens, tona

    Se devamos estar vestidos para a fonte,

    que a transformao do ouro em ferros, nisso tudo,

    o que menos nos oprime a ncora da vida

    O canto. Seus cantos. Aquilo seria assim naquela casa entre rvores. Este outroagora:

    Tua gua estagnada est bebendo no escuro

    um animal de bruma

    Os ausentes deixaram seus cheiros

    ali, uns ossos esperam s a febre para desmoronarAqui a pele a residncia, e nela habitamuma alegria e saras, o msico

    Sua msica: teus animais esto escoiceandoa msica: paredes que se batem umas nas outras

    O corpo s um homem junto da sua pedra de ternura

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Aqueles adormecidos falando com a carne. O canto:

    Ests acumulando lentamente uma ferida na lminareal

    do teu veroDaqui podemos ver que o dia coagula

    E aves como homens batem as asas, para se elevarnosso anzol de nuvensum rosto de pedra voltado para o cuuma caminhada de monstros andando dentroDesce a sombra da sentena sobre a mo que acena

    adeus

    No passe o prximo minuto sem que soe

    a voz da desfolhada

    A lmina a oferta de um grito: pelos olhos,

    quando ainda mais bela a estao das febres,

    pelos tempos, se foi a mais antiga raiz a que deu frutos

    O canto: isso nos retm, isso nos retm, isso nos retm

    Temos por ti a considerao de um vasoonde est depositada a espcie

    mas se abrindo, a terra mostra-se floresta dos homensque se estende

    A pele, a gelada residncia

    E o corpo busca outras passagens clandestinaspara a regio do fundo do peito,

    seu claro de incndios,

    flutuando num mar de cortias, cedendo

    aos silvos desta noite

    Ritual de vus: o lodoPois sonhas em ti mesmo a tua visibilidade

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    se sonhas o limo

    Uma ave novamente estaria esvoaando em sua gaiola, talvez um outro sonho da

    carne perseguida, e ns continuvamos ali ouvindo aquele canto, a carne dosadormecidos falando com a carne

    Pois se tambm s forma slida da msica: o sino,e o homem planta em sua estao de fruta

    do alto das atenes simuladas, sem o artifcio nuloconspirando pelo talo do teu corpo

    perdida est toda a colheita

    Te toca a voz anunciando a quebradia que se dobra,imvel junto a um muro est o muro

    - Senha, ento anunciaria uma voz entre os adormecidos. E os adormecidos todosrespondiam:

    - A senha no sonhar teu nome.

    E o canto, prosseguindo:

    Liblulas dos ossos, liblulas da cara quando meia-noite se estremece de ansiedade em sonhosA revoada dos teus desejos me sobrepassaem muito as costas voltadas para a casados meus pais: o carrilho de sombras

    O canto: isso nos invade, quer nos habitar pelos ouvidos para sempre

    Pois tua a sombra e a Sombra

    e na areiaa reunida areia, a carne

    E a concebida asa,

    e na areia ainda a reunida asa de areia

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Iramos tambm adormecer ouvindo aquele canto, aquelas vozes? Nunca maissairamos daquela casa?

    Saber o que a carne tinha a nos dizer, sim, isso ns queramos. Mas viria vindoento em ns, negro, um medo.

    Nunca mais sair daqui? O canto:

    No nos deixa esquecer a casa alta,l tempo repete: cascas,

    ainda que nascidas pele leve e mesmose ergues no ar a nossa infncia

    E h ventos nos ramos, a areia do teu sonoPois uma a lei severa que se expressa: sereverdecem se inclinando para a morte sero homens.se escurecem e pontiagudos so espinhosMas a floresta genuna estranhar

    Temos as aberturas do ser para observar dos olhosos outros seres,tanto melhor para a euforia da terraRelva do destino suculento, vem a mim, lenta

    antes da noite lenta

    No terminaria nunca aquele canto, no iria nunca acabar?

    Em ti estou plantado pelos ossos at os sonhos,temente s chuvas, e um estranho para os peixes,

    aqueles adormecidos cantavam

    Andara cantava para a carne naquela casa.E antes de adormecermos para sempre, nos afastaramos dali

    Pois tua a sombra

    e na areia a reunida areia, a carne

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    ainda ouviramos, longe.

    Pois tua a sombra

    teramos ouvido aquele canto se extinguindo ou eram apenas os nossos passos queagora j nos levavam para mais longe?

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    VIpreHISTRIA DO SONO

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    a Areia de que somos feitos

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    no escuro da semente

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Homens e cinzas

    homens e cinzas enveredaram cedoDeserto, passos de centeio negro

    Alihorizonte e noite e alimento Uno

    As estaes por onde passam

    A mais rtmica terra uiva longe Silncioentre claresE clamo

    Os trigais sagradosA relva das desordens

    Ex-voz interminavelmente sempre retorna um xtase

    Retorna a vaga espcie em turnos pela terra

    Teu canto e sonho e sons do olhar Claro da vozNascente e ida de outros homens para a morte e bebo ainda de um trigal,prazer e noite

    Agora ex-gua a tua areiae h dias mpares a par das fontes, dizesRetorna a vaga espcie em turnos

    pela terrarondando imagem e runas de um rival de luz

    e o belo som no escutas mais, longe te selae perto negas o ouvido azul do tempo

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Tarde da carne, entoTempo e adeus E um grito estrela

    antes que residncia extraviada torne

    Clarear esta paisagem

    gua e agonia

    e annimo atearum mar ao ossrio luminoso dos teus dias

    Tempo e tribo

    Tua era a janela de longa ascenso e abria-se A lua Seduo de profundezas

    Escndalo de escama e lodoE um mar ali

    Trofu de sombra

    Tempo e tribo,

    e as tuas revelaes tarde demais

    Tais so os gestose msica de limo, ela vir insone sala de torturas de um instante

    Esfera Reta do Fim,temos a carne para a fome de si mesma

    e h cantos percorrendo a nua vozCampos de som que no ignoram o eclipse prximo e as runas

    Face de puras asas

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Teu p fronteira de um passo silenciosoForaexcluindo-se,toda a luz e um retorno de cinzasExlio e reino oculto, Paz Vegetal

    E eis: as formaes, cruis em bando

    Se ali

    revoada e festa interditada,febre lunar

    Onde as runas consagradas? noitea forma cega de um altar de fogo

    Renovemos neste instante pacficos ante um mar mais doce o sangueE as sedesem torno, dentroA voz

    Esta se eleva entre duas rvores de murmrio e sombra nua, unaface de puras asas

    Vegetais e margens

    De p teu animal em ti adormecido e a tua ida ao marque te incinera,

    as cinzas nunca falham

    Os ventos na memria tm desertos e o passo onde me nego antigo e uivoe eco

    e ao longe acenam adeus os vegetais e margensnegam em silncio um nmero mortal as esgotadasmultides

    Colmia e culto,caminhos negrosEspelho sem paisagens

    Vem rever sem flego um rosto de desejos, olhos do imensoazul em teus delrios

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Sorte ter ainda a rvore da Voz, a asa e um grito

    A relva negra dos sons

    Quem nega este deserto a runa da mais antigaresidncia, A Aniquilada

    As esmeraldas deste funeralEste trabalho luminoso quando passo flagrado em crime contra a terra,em sonhos

    Vero,e noite te viro os cantos, a relvanegra dos sons

    em sonhos

    nua, a tua plancie entre aves

    e o teu anoitecer de l de homem ao mar

    Tambor de hmus

    Avanava o veculo todo santo as multides tinhamvertigens de azul

    Murmurando entre dois homensque no soue dando gritos

    ali me esconde meu documento ntimo de sombra

    e o teu incndio E o meu

    E o fogo ftuo e a Fruta de estar vivo

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Tremor da pele, dias de sina

    Ilha a terra,o animal respira lento em sua caverna

    Tambor de hmus e hiptese de cinzas e quarta porta um sol de sal e um espelho

    Tensa se ergue por sobre a residncia entre claresa mais rida hera,a ira

    Centeio e luz

    Eis a colheita e em ti nem ave h, e l a fruta, fmea de cinzaTe deixam as rvores, a fibra e a residncia E vens

    noite,segue em crculos a vida e a colmia Abelhae vtima, os vcios do mal

    Espera e cantoAs estaesTrigal azul os dias

    e os homens bebem um mar indo deriva e invisvelescura hora passa em ti, Lugar de Vus

    Centeio e luz, ento

    S amanhecem o gro e a solidoE na manh, o teu chamado mais selvagem

    Te anunciam eclipse e alimentoe a voz incineradae a incinerada asa entre clares

    e o limo e o vento e a ilha das desordens, pois s a erva real do vero

    e dando adeus s sinas e runas, uma vez mais est pronta a semente

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Teu lodo e o que te esquece

    As armas submersas Teu lodo e o que esquece e l

    revelaes

    Tempos de cinza afundam Os teus clares

    Plantas sombra um rival de musgo,a rvore dos diasSe inclinam frutosTeu peixe antigo sonha

    a negrae dartro luminoso te entreabrem a porta

    e noite os teus cardumes Vem morder um sonhoe o Selo, o labialde uma promessa

    Tua floresta de estrelas pende Astro maduroTe busca o teu vero

    A voz narrando histrias E ainda mais se inclinam para ns

    memria e marEntre razes

    teu lodo sonhar

    Navio da vozCarne fantasmaRenasce a arma amada, teu mar renascer

    Ave, fantasma

    Nas fronteiras da carne, Horizonte Veladopassas tona,a variedade sempre nica de um vo e velas lentasA carne tem golfos de luz que te incineram

    aVe, fantasma

  • 8/22/2019 Fonte dos que dormem/Viagem a Andara oO livro invisvel Vicente Franz Cecim

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    Fim de Fonte dos que dormem

    A viagem a Andara no tem fim

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