FLEXIBILIDADE INTERPRETATIVA DA TECNOLOGIA NO ENSINO DE ENGENHARIA...
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FLEXIBILIDADE INTERPRETATIVA DA TECNOLOGIA
NO ENSINO DE ENGENHARIA
Vágner Ricardo de Araújo Pereira – [email protected]
Universidade Federal de São Carlos, PPGCTS – UFSCar
Rodovia Washington Luís, Km 235 - SP 310
São Carlos – SP
Carlos Roberto Massao Hayashi – [email protected]
Universidade Federal de São Carlos, PPGCTS – UFSCar
Rodovia Washington Luís, Km 235 - SP 310
São Carlos - SP
Resumo: Este trabalho apresenta os resultados de um estudo desenvolvido no primeiro
semestre de 2014, entre estudantes de engenharia de uma instituição privada do
interior do Estado de São Paulo. O objetivo principal foi analisar o desenvolvimento de
um conjunto de atividades que aborda a construção social da tecnologia, bem como
controvérsias sociotécnicas. Em tais atividades houve a preocupação de criar um
ambiente que propiciasse uma reflexão crítica sobre questões sociotécnicas,
valorizando o trabalho em equipe, o que culminou em debates denominados Fóruns de
Negociações. Os resultados indicaram que, para os estudantes envolvidos no projeto,
sua posição pessoal como cidadão, muitas vezes, difere de sua posição como ator,
especialista e representante de determinado setor da sociedade. Além disso, a maioria
dos estudantes é favorável aos fóruns de negociações como forma de buscar o consenso
para a implantação de determinada tecnologia e considera que esta é a melhor maneira
para nortear as tomadas de decisão.
Palavras-chave: Ensino de engenharia, CTS, Flexibilidade interpretativa, Tecnologia.
1 INTRODUÇÃO
Os problemas que os engenheiros enfrentam atualmente tornaram-se cada vez mais
multidisciplinares, interagindo com a complexidade da realidade em seus diversos
aspectos sociais, éticos, políticos, ambientais, culturais, além dos aspectos científicos e
tecnológicos. Isto ocorre pelo fato da tecnologia estar cada vez mais difundida na
sociedade e na política, em um mundo globalizado e competitivo. O engenheiro do
século XXI deve ter um olhar mais amplo e interagir diretamente com pessoas de
diversas áreas e de muitas maneiras diferentes. Entretanto, o ensino de engenharia não
vem acompanhando tais mudanças. O ensino precisa desenvolver uma compreensão
mais abrangente do que os engenheiros vão fazer em suas carreiras, preparando-os para
assumirem diversas responsabilidades com envolvimento em várias áreas (KINDELÁN;
MARTÍN, 2008).
A sociedade moderna, fortemente influenciada pelo desenvolvimento científico e
tecnológico, “impõe profundas transformações às atividades escolares” (CABOT, 2012,
p. 84). Em uma sociedade cada vez mais informatizada e interconectada, o ensino
requer atividades mais dinâmicas, com currículos flexíveis, cujas características devem
estar presentes nos materiais instrucionais e nas metas educacionais visando preparar os
futuros cidadãos para enfrentarem as implicações sociais, políticas, éticas, ambientais
que o impacto tecnológico envolve, “capacitando-os para tomadas de decisão
fundamentadas e responsáveis” (CABOT, 2012, p. 84).
O campo Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) vem construindo as bases sociológicas
do conhecimento científico e tecnológico, ao analisar problemas afins, contribui para a
transformação do papel do engenheiro no mundo atual. Portanto,
[...] disciplinas ligadas ao campo denominado Ciência, Tecnologia e
Sociedade (CTS) podem diminuir esse distanciamento do engenheiro com a
sociedade e inculcar nesse profissional, valores sociais que serão integrados à
sua função tecnológica, pois entendemos que as disciplinas que hoje
compõem essa formação não afetam a compreensão do engenheiro das
interações entre a sociedade e a ciência e tecnologia. (SOUSA & GOMES,
2010, p. 91)
Carletto e Pinheiro (2010, p.510), afirmam que “o enfoque CTS ganhou espaço no
contexto educacional, visando à promoção do letramento científico e tecnológico1,
assim como a superação de conteúdos isolados, inclusos no currículo sem a devida
contextualização”. Esse enfoque permite uma ação interdisciplinar, desenvolvendo
atividades que leve o estudante a compreender a influência da ciência e da tecnologia na
sociedade, bem como a interação entre elas. Além disso, contribui para que assumam
uma postura crítica ao analisar os aspectos científicos e tecnológicos. Pesquisa
desenvolvida por esses autores indica que os estudantes se descobrem como cidadãos,
“com o direito, o dever e, principalmente, a capacidade de intervir em seu cotidiano”
(CARLETTO; PINHEIRO, 2010, p.517).
O ensino de engenharia, de acordo com Bazzo (2010), não vem cumprindo plenamente
seus objetivos, ou seja, o de proporcionar condições para que os estudantes adquiram as
habilidades e competências necessárias à formação de um profissional que atenda os
anseios da sociedade, principalmente neste momento em que afloram questões políticas,
econômicas, sociais e ambientais. Vários problemas podem ser identificados, dentre eles
o fato de os conhecimentos sistematizados na área tecnológica serem estruturados para
um ensino dissociado do mundo real, centrado no trabalho individual, cujo “ambiente
de sala de aula desencoraja a participação ativa dos estudantes” (BAZZO, 2010, p. 28).
As situações de controvérsias tecnocientíficas oferecem condições privilegiadas para se
descobrir a produção dos conhecimentos científicos e as realidades tecnológicas. Elas
constituem um elemento básico no campo CTS para desconstruir posições positivistas e
deterministas acerca do desenvolvimento científico e tecnológico (SCHLIERF, 2010,
p.75). Para a autora, o termo controvérsia não tem o significado de polêmica no sentido
usual da palavra, mas de um debate que tem por objeto conhecimentos técnicos ou
científicos que ainda não estão assegurados. Inserir atividades de ensino que analisem
controvérsias sociotécnicas, segundo a autora, pode levar o estudante a desenvolver a
1 O letramento científico e tecnológico refere-se à compreensão de conceitos científicos bem como à
capacidade de aplicação de tais conceitos e a reflexão sobre o desenvolvimento tecnológico.
capacidade de lidar com incertezas, mais do que informar ou ilustrar sobre aspectos
sociais inerentes nas atividades e produtos científicos e tecnológicos.
Nessa sociedade emergente, a tecnologia passa a ser vista como algo isolado
das relações sociais, como se tivesse vida própria, independente dos motivos
e agentes que a criam e a utilizam. [...] não é comum haver um espaço para
que essas reflexões se efetivem, nem na sociedade como um todo, nem, o que
é pior, no ambiente escolar (SILVEIRA; PINHEIRO; BAZZO, 2010, p. 4).
Diante da complexidade da realidade torna-se fundamental estimular a participação
ativa dos estudantes de engenharia, propiciando um ambiente de aprendizagem com
reflexões críticas acerca do processo de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a
partir da análise da influência da tecnologia na sociedade, bem como a da sociedade na
tecnologia, em seus aspectos multidisciplinares e de forma multidirecional. Rompendo,
dessa forma, com uma tradição de ensino que vem reforçando a visão linear e
determinista do desenvolvimento tecnológico. Neste contexto, o objetivo deste trabalho
foi analisar o desenvolvimento de uma proposta didática para implantação de fóruns de
negociação entre estudantes de engenharia, com trabalhos em equipe, baseados em
temas controversos e com escolha espontânea pelos participantes, pois, como afirmam
Silveira, Pinheiro e Bazzo (2010, p.8), em relação a tais influências, essas reflexões:
[...] somente serão possíveis se tivermos um público formado na
compreensão do funcionamento da tecnociência, percebendo que o debate e a
negociação são métodos que permitem a resolução de conflitos que envolvam
o interesse da sociedade, podendo contribuir ao desafio de viver em uma
sociedade voltada para a democracia.
O campo CTS busca romper com a visão de verdade científica, prevalente até meados
do século passado, em prol de uma visão crítica e reflexiva sobre o impacto da ciência e
da tecnologia na sociedade. Também abre canais de comunicação entre usuários e
especialistas, de forma a possibilitar o desenvolvimento de melhores projetos, uma vez
que as soluções não são únicas nem estão garantidas por meio de maiores investimentos
em ciência e tecnologia, segundo uma abordagem linear. Entretanto, tais canais de
comunicação não estão preestabelecidos, mas precisam de muito esforço para serem
criados por meio de situações que propiciem uma abordagem crítica e reflexiva acerca
do significado de progresso ou da evolução da tecnologia na sociedade. Nesse sentido,
este trabalho procura contribuir para a criação de um ambiente de debate entre
estudantes de engenharia, uma vez que tais profissionais são tomadores de decisão no
meio em que atuam.
Essa atitude crítica e reflexiva frente ao desenvolvimento tecnológico, por parte de
especialistas, contribui para fazer emergir os riscos inerentes à própria tecnologia,
possibilitando sua análise de forma científica. Como afirma Beck (2011, p. 241),
O processamento científico de riscos da modernização pressupõe que o
desenvolvimento técnico-científico se converta – com mediações
interdisciplinares – em problema; a cientificização é aqui cientificizada como
problema. [...] Em lugar da resistência frequentemente tão agressiva quanto
impotente dos leigos, entram em cena as possibilidades de resistência de
ciências contra ciências: contracrítica, crítica metodológica, assim como
“atitudes de bloqueio” corporativo, em todos os campos de disputas
profissionais pela distribuição de recursos. [...] os riscos fazem saltar as
possibilidades tradicionais e intradisciplinares de processamento de erros e
forjam novas estruturas de divisão do trabalho na relação entre ciência,
prática e espaço público.
2 METODOLOGIA
Os sujeitos envolvidos na pesquisa foram 25 estudantes, de uma turma de 41, do
terceiro semestre dos cursos de engenharia mecânica, química e de produção, do
período diurno, de uma instituição privada do interior do Estado de São Paulo. O
trabalho foi desenvolvido ao longo do primeiro semestre de 2014, com encontros
aproximadamente quinzenais, em horário extra-aula, excetuando-se os períodos de
prova para os estudantes.
Como forma de obter o engajamento da turma no projeto2, em horário extra-aula, uma
vez que o primeiro autor deste artigo é professor de física da turma, foi realizada uma
apresentação, cujos temas abordados aparecem no Quadro 1, ou seja, apresentação de
alguns itens das diretrizes curriculares para os cursos de engenharia no Brasil, alguns
tópicos sobre os estudos CTS, com ênfase nas expectativas acerca das funções do
engenheiro neste século, alguns dados sobre pesquisa em inovação tecnológica, trechos
do filme 2001 – Uma odisseia no espaço, produzido e dirigido por Stanley Kubrick
(1968), além de esclarecimentos sobre os objetivos do projeto. Também foi aplicado um
questionário inicial com o objetivo de levar o aluno a refletir sobre algumas concepções
de tecnologia e seu desenvolvimento. Esse questionário foi adaptado do trabalho de
Veraszto (2009), cujos resultados não serão analisados neste artigo, considerando que
estão de acordo com as conclusões obtidas por esse autor.
Quadro 1. Temas e respectivas fontes utilizadas na apresentação inicial.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Os textos e a apresentação foram disponibilizados aos estudantes em um grupo fechado
do Facebook, denominado “Tecnologia e Sociedade” e administrado pelo primeiro autor
2 Projeto aprovado pelo Comitê de Ética sob n
o CAAE: 25120413.1.0000.5433.
deste artigo. A apresentação inicial demandou cerca de uma hora e meia (duas aulas). O
engajamento obtido foi cerca de 60%, que pode ser considerado elevado uma vez que
tais atividades não influenciariam nas notas dos estudantes, que receberam um
certificado de participação no projeto.
Uma segunda apresentação foi realizada abordando a construção social da tecnologia e
controvérsias sociotécnicas, uma vez que, de acordo com Oudshoorn e Pinch (2007), a
abordagem da Construção Social da Tecnologia (SCOT, na sigla em inglês), considera
que os usuários de um artefato tecnológico desempenham um papel importante na
construção da tecnologia, sendo que diferentes grupos sociais, incluindo os usuários,
podem dar diferentes significados a uma tecnologia. Ideia conhecida como flexibilidade
interpretativa.
A flexibilidade interpretativa se relaciona à ideia de que um fato ou artefato tecnológico
pode ser culturalmente construído e interpretado, isto é, não há um único caminho para
o seu desenvolvimento, ficando submetido aos debates entre os atores interessados.
Conforme Bijker, Hughes e Pinch (1997, p. 40), não há flexibilidade somente na forma
como as pessoas pensam ou interpretam, mas também na forma como os artefatos são
projetados. Não há apenas um caminho possível, ou uma melhor maneira de projetar um
artefato. Os autores afirmam que, em princípio, isso poderia ser demonstrado por meio
de entrevistas com os técnicos que estão envolvidos em uma controvérsia tecnológica
contemporânea.
Segundo Bucchi (2004, p. 84), a construção social da tecnologia articula-se em três
fases consecutivas, ou seja:
a) A demonstração da flexibilidade interpretativa de dispositivos
tecnológicos, isto é, o mesmo artefato pode ser concebido de diversos
modos e formas, uma vez que não há uma única solução ótima;
b) A análise dos mecanismos através dos quais a flexibilidade interpretativa
é “fechada” em um determinado momento e o artefato assume uma
forma estável e,
c) A conexão desses mecanismos de fechamento com os meios
sociopolíticos mais amplos.
A apresentação sobre a construção social da tecnologia foi baseada no trabalho de
Bijker, Hughes e Pinch (1997) a respeito do desenvolvimento da bicicleta segura, a
partir do modelo Penny Farthing, do final do século XIX, proposta por jovens atletas do
sexo masculino, para os quais o risco de cair era parte da diversão. A flexibilidade
interpretativa no desenvolvimento de tal artefato tecnológico declinou, com a
participação de diversos atores interessados, por exemplo, mulheres e pessoas idosas,
levando a estabilização de um modelo seguro.
Além disso, como forma de despertar para discussões acerca de controvérsias sociais e
tecnológicas foram apresentados dois vídeos, um deles sobre a descoberta da estrutura
do DNA - A construção social da descoberta, produzido pela UFSCar (2012) e o outro
sobre alimentos transgênicos, produzido pela Globo News (2010): Alimentos
transgênicos criam polêmica sobre efeitos à saúde, parte 1. Alguns temas controversos
foram apresentados, baseados no trabalho de Gordillo (2005), outros temas foram
acrescentados, como por exemplo, a mobilidade urbana.
Alguns aspectos da importância da reflexão sobre controvérsias sociais e tecnológicas
na formação do engenheiro foram levantados, como o de proporcionar competências
próprias frente a situações controversas, que não devem ser consideradas como
polêmicas, mas envolvendo um debate acerca do conhecimento social, técnico e/ou
científico, ainda não estabilizado. Além de considerar como os diversos atores, ou grupo
de atores constroem e fortalecem suas associações em busca de um possível consenso
(CHICHILLA; MUNIESA, 2004).
Os objetivos definidos para o projeto, em relação à participação dos estudantes foram os
seguintes: compreender o processo da construção social da tecnologia; desenvolver
habilidades e competências no trabalho em equipe, na identificação de controvérsias
sociotécnicas e na identificação de grupos de atores relacionados com determinada
controvérsia.
Como forma de atingir tais objetivos foi proposta a seguinte tarefa: pesquisar sobre uma
controvérsia sociotécnica de interesse do grupo, relacionada com atividades de
engenharia, identificando os atores ou grupos de atores envolvidos e descrevendo as
relações entre eles. Os estudantes tiveram duas semanas para preparar tal atividade.
Um questionário final, com dez questões, foi aplicado entre os estudantes participantes
do projeto, com questões extraídas do questionário inicial, citado no Quadro 1, e
algumas questões originais. Neste artigo serão analisadas somente as questões originais,
uma vez que as demais questões foram adaptadas do trabalho de Veraszto (2009), cujos
resultados corroboram suas conclusões.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os estudantes se organizaram em sete grupos, cujos temas escolhidos estão
apresentados no Quadro 2. Eles representaram cinco tipos de atores: governo, membros
da universidade, empresas, setores organizados da população e meios de comunicação.
Quadro 2. Propostas dos estudantes para temas controversos e atores envolvidos.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Após a definição dos temas, foram organizados fóruns de negociações, nos quais cada
estudante defendeu o ponto de vista do ator representado, sem a preocupação de se obter
o consenso, mas desenvolver competências, por meio de debate, próprias do trabalho do
engenheiro. O debate de cada grupo foi gravado em vídeo, cuja duração variou de
aproximadamente 8 min a 26 min, dependendo da eloquência dos estudantes. Não é
objetivo deste artigo analisar os vídeos produzidos.
O Quadro 3 apresenta as questões originais e os respectivos resultados obtidos dentre os
25 estudantes participantes (N = 25).
Nota-se, de acordo com a questão 1, que cerca de 1/3 dos estudantes defendeu um ator
cujas opiniões pessoais eram divergentes. Isto gerou sentimentos que prejudicaram sua
defesa, como a falta de motivação em busca de argumentos convincentes, seguida do
desejo de mudar de posição. A maioria dos estudantes fez a escolha do ator baseado em
suas convicções pessoais, facilitando o processo de pesquisa pelos argumentos em
defesa de sua própria opinião. Há um sentimento de que para defender um ator ou setor
da sociedade é preciso abrir mão de suas opiniões pessoais. Entretanto, de acordo com a
questão 2, apenas 1/3 daqueles estudantes que não se sentiram satisfeitos com a escolha
do ator (questão 1), informaram que escolheriam outro ator para representar, de forma
mais alinhada com as suas concepções.
Quadro 3. Questões originais do questionário final e resultados obtidos.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Os estudantes responderam as questões 3 e 4 ordenando os sete aspectos propostos,
sendo que a questão 3 considera seu papel como ator (especialista) e a questão 4 está de
acordo com a sua opinião pessoal, como cidadão.
De acordo com a Figura 1, nota-se que, para essa turma de estudantes de engenharia, os
aspectos sociais prevalecem de acordo com suas opiniões pessoais como cidadão
(21,1%), assim como para os representantes de setores da universidade (22,6%) e
representantes de setores organizados da população (22,0%).
Como cidadão, as posições de menor influência ficaram para os aspectos científicos
(9,1%), políticos (10,7%) e ambientais (12,7%). Para os representantes das empresas, os
aspectos científicos (17,0%), tecnológicos (17,9%) e econômicos (17,9%)
prevaleceram. Para os representantes do governo, os aspectos políticos prevaleceram
(21,4%), seguidos dos sociais (17,1%).
De maneira geral, pode-se concluir que a posição pessoal do estudante, nesta turma de
engenharia, como mostrado na figura 1 e denominada como cidadão, difere de sua
posição como ator, representando determinado setor da sociedade. Surge, então, a
seguinte questão: quando um profissional representa certo setor da sociedade, ele
precisa abrir mão de suas convicções pessoais? Para esses estudantes, nessa etapa do
curso, parece que sim. Acreditam que sua posição na instituição ou o emprego são
colocados em risco quando expõem uma posição diferente daquela que acreditam
defender os interesses da instituição a que estejam vinculados.
Figura 1. Respostas dos estudantes às questões 3 e 4.
Fonte: Elaborado pelos autores.
O Quadro 4 apresenta as categorias de respostas para a questão 5. Foram 27 respostas
entre 25 estudantes, pois foi possível obter duas categorias na resposta de dois
estudantes.
A maioria dos estudantes é favorável aos fóruns de negociações como forma de buscar o
consenso para a implantação de determinada tecnologia. Os estudantes estabeleceram
alguns objetivos importantes para os fóruns, como a identificação de erros (incertezas e
riscos) no projeto, estabelecimento de um canal de comunicação com a população,
identificação e ampliação de grupos interessados. Eles também consideram que esta
estratégia é a melhor maneira para nortear as tomadas de decisão.
Dentre os estudantes que são desfavoráveis, nota-se uma preocupação com a posição
que a empresa privada ou instituição pública ocupa na sociedade, sua influência sobre as
pessoas, a possível manipulação dos representantes, especialistas dos setores
dominantes da sociedade e o longo tempo dispendido para o estabelecimento de
consenso, o que pode inviabilizá-lo.
Alguns fatores condicionantes foram levantados por quatro estudantes, como a
dependência de organização e sensatez dos grupos interessados, o comprometimento e a
responsabilidade de tais grupos com a implantação da tecnologia, visando o bem estar
da sociedade como um todo.
Quadro 4. Categorias de respostas à questão 5 do questionário final.
Fonte: Elaborado pelos autores.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No mundo atual, globalizado e articulado, as relações sociais estão cada vez mais
complexas, ampliadas pelas diversas tecnologias de informação e comunicação, além da
rapidez com que as interações e a formação de redes ocorrem. Assim, é salutar ao
profissional da engenharia ampliar seus horizontes, indo além do conhecimento
puramente técnico e preocupar-se também com a complexidade da realidade, em seus
diversos aspectos, no contexto do século XXI.
Nesse sentido, as instituições de ensino, particularmente as escolas de engenharia, têm
muito a contribuir, pois formam profissionais que, muitas vezes, ocuparão cargos que
exigem tomadas de decisão. Como toda tomada de decisão envolve incertezas e riscos e
está sujeita a interações de diversos atores da sociedade, em um contexto
multidimensional, é importante valorizar tais conhecimentos e desenvolver habilidades
e competências no caminho da formação de um profissional mais crítico e reflexivo,
aberto às comunicações advindas dos vários setores da sociedade.
Em diversas pesquisas da área encontram-se sugestões visando a inserção de tais
discussões no ensino tecnológico e científico. Dessa forma, este trabalho busca
contribuir com a elaboração e desenvolvimento de uma estratégia didática para a
inserção de temas controversos e propiciar discussões entre os estudantes, como forma
de despertar o interesse para reflexões sobre políticas de Ciência e Tecnologia (C&T) e
que seja viável sua realização ao longo de um semestre, fornecendo ideias no caminho
de romper com a forma tradicional de ensino, tão enraizada nas escolas de engenharia,
buscando aproximar o estudante de situações que vão além de seus muros.
Não se tem a pretensão, com esta estratégia, de transformar o estudante em um
especialista do campo CTS, mas despertar uma visão analítica e crítica do
desenvolvimento de fatos e/ou artefatos tecnológicos. Como afirma Giddens (1991, p.
45), considerando os aspectos da modernidade, “a consciência geral de que a atividade
humana – incluindo nesta expressão o impacto da tecnologia sobre o mundo material –
é criada socialmente, e não dada pela natureza das coisas ou por influência divina”.
Em linhas gerais, o ensino de engenharia ainda possui forte vínculo com métodos
tradicionais de ensino, que têm se mostrado ineficientes no engajamento dos estudantes,
tanto no aspecto técnico quanto em questões humanas, relacionadas ao impacto da
ciência e da tecnologia na sociedade. É preciso proporcionar condições para uma
aprendizagem crítica e reflexiva. Diversos fatores podem estar interferindo nessa
ineficiência, dentre eles a formação do próprio engenheiro que, em alguns casos, acaba
virando professor de uma instituição, sem romper com esse ciclo. É salutar a criação de
condições de compartilhamento de experiências bem sucedidas entre profissionais que
atuam na formação de engenheiros, tanto para aqueles que ingressarão no mercado de
trabalho, em alguma área da engenharia, quanto para aqueles farão parte do corpo
docente em escolas de formação tecnológica.
Este trabalho procurou refletir sobre o ensino de engenharia sob o ponto de vista de uma
educação CTS, propondo estratégias didáticas que visam a formação de um profissional
mais crítico e reflexivo, como consta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de engenharia (BRASIL, 2002).
Agradecimentos
Agradecemos a participação dos estudantes de engenharia nas atividades do projeto,
pelo empenho e dedicação em horários extra-aula.
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INTERPRETATIVE FLEXIBILITY OF TECHNOLOGY ON
ENGINEERING TEACHING
Abstract: This paper presents the results of a study conducted in the first half of 2014 to
engineering students of a private university from the São Paulo State. The main
objective was to analyze the development of a set of activities that addressed the social
construction of technology as well as socio-technical controversies. It created a critical
environment to reflecting about socio-technical issues, through teamwork, which
culminated in debates called Negotiations Forums. The results indicate that, for the
students involved in the project, his personal position as a citizen often differs from his
position as an actor, specialist and representative of a society sector. Moreover, most
students is conducive to Negotiations Forums as a way to seek consensus for the
deployment of technology and consider it the best way to guide decision making.
Key-words: Engineering teaching, STS, Interpretative flexibility, Technology.