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Ficha Técnica
Título
Santarém. Carta Arqueológica Municipal
Coordenação
António Matias
Revisão Editorial
António Matias Helena Vicente Inês Serafim
Textos
Ana Margarida Arruda António Faustino Carvalho António Matias Catarina Viegas Ellie Gooderham Helena Santos Hugo Cardoso João Luís Sequeira Lia Mergulhão Marco Liberato Maria Antónia Amaral Olímpio Martins Tânia Casimiro Telmo Pereira
Cartografia e Desenho
Inês Serafim
Grafismo da Capa
Ah d'ldeias
Produção Gráfica
Ah d'ldeias
Impressão e acabamento
Tipotejo - Artes Gráficas, Lda
Data de impressão
Setembro de 2018
Tiragem
600 exemplares
Depósito Legal
N° 445623/2018
Propriedade e Edição
©2018 Município de Santarém Praça do Município 2005-245 Santarém www.cm-santarem pt
3
SANTAREM e CARTA ARCWEOLOGICA MUNICIPAL
índice
06 Carta Arqueológica do Concelho de Santarém
07 1. Introdução
08 2. Arqueologia em Santarém
11 3. Legitimação
13 4. Enquadramento Geográfico e Administrativo
14 5. Enquadramento Natural
15 5.1 Clima
16 5.2. Unidades de Paisagem
18 5.3. Coberto Vegetal
20 5.4. Recursos Hídricos
21 6. Enquadramento Geológico e Geomorfológico
25 7. Enquadramento Histórico
34 8. Metodologias
34 8.1 . Sistematização Prévia de Informação
35 8.2. Produção de Cartografia Digital
35 8.3. Organização da Informação
40 8.4. Prospeção Sistemática de Superfície
41 9. Resultados
/,7 10. Considerações Finais
49 11. Bibliografia
53 12. Cartografia
53 12.1. Carta Arqueológica
84 12.2. Carta de Restrições e Sensibilidade Arqueológica
85 Sínteses
86 Geossítios I Lia Mergulhão e Olímpio Martins
94 O Paleolítico I Telmo Pereira
104 A Pré-História Recente I António Faustino Carvalho
112 A Idade do Ferro I Ana Margarida Arruda
118 A época romano-republicana I Ana Margarida Arruda
124 Breves apontamentos sobre o período romano imperial
e a antiguidade tardia de Santarém I Catarina Viegas
132 Uma imagem em construção: funções urbanas e materialidades em Santarém durante a Alta Idade Média I Marco Liberato
140 A reafirmação da centralidade regional: séculos X-XII I Helena Santos e Marco Liberato
11,8 Intervenção arqueológica no paramento Norte da muralha da barbacã do Castelo de Alcanede (Santarém) I Maria Antónia de Castro Athayde Amaral
168 À mesa com as Donas. Faiança Portuguesa de uma lixeira conventual em Santarém [1640-1660) I Tânia Casimiro e João Luís Sequeira
176 O Memorial de um Convento. Reconstrução dos padrões de Vida e Morte no Convento de S.
194
232
Domingos de Santarém I António Matias
Reflections on bioarchaeological research in Santarém I filie Goodheram e Hugo Cardoso
Estrutura muralhada de Santarém. Síntese e avaliação do estado de conservação I António Matias
13. ANEXO I DVD-ROM com as fichas de sítio da Carta Arqueológica do Concelho de Santarém
SANTARÉM ~ CARTA ARQjJEOLOGICA MUNICIPAL ""~.
Na área do concelho de Santarém, a Idade do Ferro
está plasmada, quase exclusivamente, em dois sítios
arqueológicos icónicos: a antiga Alcáçova da capital
ribatejana e os Chões de Alpompé, localizado em Vale
de Figueira .
Estão ambos implantados em cotas altas, com boas
condições naturais de defesa, em planaltos mais ou
menos recortados sobre linhas de água, o primeiro
sobre o Tejo, o segundo sobre o Alviela, importante
afluente do primeiro, próximo, aliás da área de
confluência dos dois rios .
Há uma absoluta inter-visibilidade mútua, não
surpreendendo, portanto. o muito que têm em comum,
do ponto de vista da sua cultura material.
o conhecimento adquirido nas últimas duas décadas do
século XX sobre o primeiro, e o que passámos a dispor,
desde há três anos, sobre o segundo, permite abordá
los numa perspetiva mais ampla e integrada, que se
afasta das leituras centradas quase exclusivamente na
Geografia Histórica, que sempre se lhes associou .
De facto, as questões relacionadas com a localização
geográfica dos dois núcleos urbanos citados nas fontes
clássicas, Scallabis e Moron, dominou, quase sempre, o
debate em torno destes dois importantes sítios.
Se o topónimo indígena que os romanos mantiveram
para designar a sede de um dos três conventus da
Província da Lusitânia, o Scallabitanus, e que ainda
hoje se conserva na memória coletiva da cidade,
correspondeu, ou não, a Santarém é hoje uma questão
ultrapassada, dados os abundantes testemunhos
de um núcleo urbano de dimensão e importância
consideráveis, pré-romano, mas também romano,
sobposto ao atual Jardim das Portas do Sol, onde
também se implantou a antiga Alcáçova islâmica ,
Por outro lado, os trabalhos de campo que tive a
oportunidade de conduzir, juntamente com outros
colegas, nos Chões de Alpompé, no Verão de 2015,
permitiram também esclarecer que é neste lugar
que se situou Móron, a "cidade" que o cônsul Décimo
Júnio Bruto terá usado, em 138 a.n.e., para estacionar
o seu exército, antes da campanha que dirigiu para o
Noroeste.
«É neste lugar [Chões de Alpompé]
que se situou Móron, a "cidade"
que o cônsul Décimo Júnio Bru-
to terá usado, em 138 a.n.e., para
estacionar o seu exército»
o planalto da Alcáçova de Santarém ofereceu milhares
de fragmentos cerâmicos, metálicos e vítreos da Idade
do Ferro, para além de um muito expressivo conjunto
de fauna e de restos carpológicos e antracológicos
que possibilitam uma análise vasta e holística da sua
ocupação sidérica, que pôde ser completada pelas
estruturas domésticas identificadas Convém, contudo,
começar por recordar que o planalto, com cerca de 5
hectares de área, era já habitado no final da Idade do
Bronze, facto desde sempre intuído [ARRUDA, 1993;
ARRUDA, 1999/20001. mas que ficou definitivamente
comprovado nas escavações de 2001 [ARRUDA e
SOUSA. 20151.
Os níveis da Idade do Ferro da Alcáçova de Santarém
estão ainda impregnados, do ponto de vista da sua
cultura material, pelos elementos anteriores, do
Bronze Final, sendo muito abundante a cerâmica de
produção manual [ARRUDA. 1993; 1999/2000; SOUSA e
ARRUDA, 20181. As próprias formas e decorações deste
último período mantêm-se praticamente inalteradas,
mas a cerâmica fabricada com roda de oleiro completa
o inventário, apresentando morfologias e tratamentos
de superfície exteriores ao sítio, à região e ao próprio
território da Península Ibérica . O início da Idade do
Ferro foi marcado, aqui e em outros sítios da região
central e meridional da costa portuguesa e do SO,
SE e NE peninsulares pela introdução de uma série
de inovações tecnológicas, como é caso da utilização
do torno, com o qual se fabricaram vasos, sobretudo
de mesa e de armazenamento, mas também de
transporte, e que constituem novidades absolutas nos
repertórios locais, Além disso, a aplicação de pintura
bícroma [vermelho e negro) ou mesmo polícroma
[vermelho, negro e branco) sobre as superfícies
externas dos grandes vasos de armazenamento, os
pithoi, ou nas internas dos pratos do serviço de mesa
marcam também esta nova e importante etapa de
SANTAREM
113
114
Ana Margarida Arruda Santarém Por outro lado, os recipientes de transporte
de produtos alimentares, as ânforas, com conteúdos
oleícolas, mas também vinícolas, estão Já presentes
nestes níveis antigos da Alcáçova de Santarém,
havendo evidências que se trata de importações da
área de Málaga.
Estas novas realidades observáveis na produção e
utilização dos vasos cerâmicos, que, como veremos,
acompanham outras, podem e devem ser integradas
num complexo processo de "colonização" do vale do
Tejo por parte de comunidades fenícias, que se iniciou
em torno ao século VIII a.n .e. e no qual Santarém teve
um papel decisivo, A ele não será alheio a riqueza
aurífera do grande rio, bem como as competências do
ponto de vista agrícola do território envolvente e ainda
o controle do curso fluvial, que conduz a territórios
ricos em estanho, localizados a montante, na Beira
Baixa
A emigração para o Ocidente de grupos humanos
com origem na fachada sírio-palestiniana, a partir,
pelo menos, do século X a.n.e ., tem motivações bem
conhecidas e de natureza diversa [demográficas,
económicas e políticasl e está muito bem documentada
em Chipre, na Sardenha, na Sicília e no norte de África
[nos atuais territórios da Tunísia e de Marrocosl. Na
Península Ibérica, fez-se sentir de forma intensa na
área meridional, em Cádis, uma das primeiras, se
não a primeira, colónia fenícia ocidental, mas também
em Huelva, em Málaga e até no Sudeste, na zona de
Alicante, e mesmo no vale do Ebro. Concretizou-se em
ritmos e tempo distintos e modalidades diversas, entre
o referido século X e o VII a.n.e., tendo havido fundação
de estabelecimentos coloniais ex novo, e também
fixação em sítios indígenas, onde comunidades
exógenas se estabeleceram, muito provavelmente, em
"bairros" próprios e exclusivos
Este movimento atingiu o Extremo Ocidente, muito
especialmente os vales do Tejo, numa primeira fase, e
os do Sado e do Mondego, depois, bem como o Algarve.
A precocidade dos contactos do estuário do primeiro
dos rios com o mundo fenício ocidental foi Justamente
verificada inicialmente em Santarém, onde as datações
de carbono 14 e a morfologia de alguns materiais
mostraram a antiguidade daqueles [Arruda, 1993;
1999/2000; 20051. Em anos mais recentes, algumas
evidências de Lisboa comprovaram que desde cedo
houve comunidades orientais instaladas nesta região,
o que ficou atestado por materiais arqueológicos
[ARRUDA, 1999/2000; CALADO etal., 2013a; CALADO et
ai ., 2013b; FERNANDES etal, 2013; FILIPE etal, 2014;
PIMENTA, CALADO e LEITÃO, 2014; PIMENTA, SILVA
e CALADO, 2014; PIMENTA, CALADO e LEITÃO, 20151.
e pela epigrafia . Esta última está materializada em
duas inscrições em língua e caracteres fenícios, uma
das quais, um grafito sobre cerâmica, pode ser datada,
paleograficamente, do século VIII a ,n,e [ZAMORA,
20141. A outra corresponde a uma lápide funerária
[NETO et aI., 20161. do século VII a.n.e., na qual as
personagens identificadas, o falecido e o dedicante,
têm nomes indígenas, mas escrevem em fenício, o que
significa que o falam, e que haja quem saiba ler o texto.
O orientalismo de que se revestiu a Idade do Ferro de
Santarém e, como veremos, dos Chões de Alpompé,
está assim integrado num amplo movimento que
mudou, definitivamente e de forma indelével, a
fisionomia do território e das populações que nele
viviam e circulavam. Os restos arqueológicos, de
que se falou antes, traduzem alterações muito mais
profundas, mas que se tornam visíveis se soubermos
olhar para aqueles em profundidade.
Assim, a alteração na baixela de mesa evidencia
modificações nos hábitos de consumo e também em
algumas práticas sociais. E não podemos esquecer
nunca que as refeições e a comida nelas servida
têm uma importante componente simbólica, estando
repletas de significados sociais e políticos. A uma
alimentação à base de papas, líquidas e coloides,
comestíveis em taças mais ou menos profundas,
de bordo ligeiramente evertido, típicas da Idade do
Bronze, acrescentam-se os produtos sólidos, que
podiam ser consumidos, individualmente, em pratos.
Por outro lado, a introdução do vinho, primeiramente
importado envasado em ânforas e posteriormente
produzido na região, bem como do azeite, para fritar
e para temperar, impôs novas atitudes e formas de
comer e de beber e distintas dietas alimentares . Estas
últimas puderam também ser aferidas pelo estudo da
fauna [DAVIS, 20061. que mostraram a introdução de
novas espécies, como é o caso dos galináceos, que
eram, até então, desconhecidos na Europa em geral
e no extremo ocidente, em particular. Os cereais
continuaram, contudo, a ser a base da dieta destas
populações, tendo sido recolhidos restos, sobretudo,
de trigo, mas também de cevada, nas escavações
da Alcáçova, onde estavam associados a produtos
hortícolas, como as ervilhas [ARRUDA, 2003: 2071.
A chegada e a instalação de populações ao estuário do
TeJO implicaram também certamente um considerável
aumento demográfico . Este ficou plasmado nos
trabalhos arqueológicos levados a efeito na área do
Jardim das Portas do Sol, em Santarém, onde a área
ocupada parece ter pelo menos triplicado em relação
à do Bronze Final [ARRUDA e SOUSA, 2015; ARRUDA,
20171. na fundação de novos sítios, como foi o caso
dos Chões de Alpompé [ARRUDA et ai., no prelol.
mas também em alterações ambientais. Em relação
a estas últimas, deve fazer-se notar o aumento da
área cultivada e a diminuição da floresta, como as
análises polínicas efetuadas na região demonstraram
à sociedade [ARRUDA, 20031. As mesmas análises
provaram que a produção de vinho se iniciou na
região em data coincidente com estas alterações, que
naturalmente podemos associar às referidas chegada
e instalação de grupos humanos exógenos.
Ainda que, infelizmente, não tenha sido possível
detetar estruturas habitacionais da Idade do Bronze,
é provável que estas fossem ovais ou elípticas, à
semelhança das que, em momento coevo, existiram
na foz do estuário, por exemplo na Tapada da
Ajuda [CARDOSO et ai " 1980/81] As da Idade do
Ferro exibiam já plantas retangulares, das quais se
escavaram vários alicerces [ARRUDA, 1999/20001.
sobre os quais seriam alçadas paredes construídas
com tijolos de adobe ou constituídas por taipa. Os
solos eram de terra batida, muitas vezes enrubescida,
o que lhes forneceu uma considerável compactação
e lhe concedeu uma cor vermelha Em alguns, raros,
casos, estes solos eram decorados com incisões
circulares.
Outra das alterações que decorre deste complexo
processo de interação entre as duas comunidades
que se encontraram na Alcáçova de Santarém no
início do primeiro milénio a n e., indígenas e colonos,
prende-se com o uso, e eventualmente com o fabrico
de artefactos de vidro . Falamos concretamente
das contas de colar, de cor azul, opacas, por vezes
decoradas por círculos brancos [ARRUDA, 1999/20001.
que lhes fornecem um aspeto que justifica a
designação por que são conhecidas: "contas de colar
oculadas". O aparecimento de artefactos de ferro
na Alcáçova de Santarém evidencia o conhecimento
da técnica da redução do ferro, outra das novidades
tecnológicas introduzidas pelos fenícios na Península
Ibérica, o mesmo se podendo dizer de alguns
fragmentos de mó, cuja forma indicia uma mudança
significativa nas técnicas de moagem, simplificando-a
através dos moinhos giratórios.
As relações inter-regionais da Alcáçova de Santarém
nesta etapa antiga da Idade do Ferro [séculos VIII
a VI a.n.e.] puderam ser diretamente rastreadas
através das ânforas que aqui se recuperaram e que
já atrás referimos, o que evidencia a importação de
produtos alimentares, como o azeite e o vinho, da
atual Andaluzia Mas as evidentes semelhanças
entre a sua cultura material e a que se observou
na área do Estreito de Gibraltar devem explicar-se,
sobretudo, pelo facto dos seus agentes, produtores
e consumidores, terem a mesma matriz genética, e
assim étnica e cultural, partilhando antepassados
comuns.
Outro tipo de interação terá sido a mantida com os
sítios da área do estuário do TeJO, onde se destacam,
na foz, Lisboa, na margem direita, e Almaraz, em
Almada, na esquerda, pela extensão das ocupações
e pela diversidade, quantidade e riqueza dos espólios,
que no segundo caso incluem vasos de alabastro e
escaravelhos egípcios. A ela e a eles voltaremos nas
páginas seguintes.
No entorno de Santarém, um outro sítio famoso, os
Chões de Alpompé, destaca-se, agora também, pela
sua ocupação sidérica . A pequena campanha de
escavações levada a efeito em 2015 no âmbito de um
projeto de investigação que tinha por objetivo o estudo
da Idade do Ferro no estuário do Tejo ["Fenícios no
estuário do Tejo"] provou as suas características
orientalizantes e a sua relação profunda e intensa
com o implantado no planalto da Alcáçova, com o qual
mantém, aliás, contacto visual direto [ARRUDA et ai,
no prelol.
Os materiais recolhidos em contextos estratigráficos
selados e primários Inserem-se, praticamente
na totalidade, na categoria das cerâmicas,
maioritariamente de produção a torno. As cerâmicas
de mesa incorporam tigelas hemisféricas, quer de
cerâmica comum, mas de superfícies cuidadosamente
polidas, quer de cerâmica cinzenta fina polida, e
pratos, alguns dos quais exibem engobe vermelho na
superfície interna. As de armazenamento cabem no
grupo dos pithoi, pintados em bandas de cor vermelha
e negra, e as ânforas, que trariam até ao local
produtos alimentares [vinho e azeiteI. pertencem aos
tipos mais conhecidos A cerâmica manual foi usada,
em exclusividade na preparação de alimentos, na
cozinha, como provam os vasos de tipo panela, que
mostram evidentes sinais e fogo nos fundos externos.
O tratamento das superfícies e o repertório formal
deste conjunto indica uma matriz cultural em tudo
idêntica à verificada no povoado da margem do Tejo,
ainda que tudo indique uma cronologia ligeiramente
mais tardia [segunda metade do século VIII/século VII
a n e ]
A reduzida dimensão da área escavada não
..:=rr .... SANTAREM ~)) CARTA Ar,(llJEOLO(;ICA MLJNICIPAL
115
11 6
Ana Margarida Arruda possibilitou a identificação de estruturas de habitação
da Idade do Ferro, como as que se verificaram na
capital do Concelho, Porém, foram reconhecidos
solos de ocupação de terra batida, sobre as quais
assentavam lareiras compostas por placas de argila, e/
ou fragmentos cerâmicos dispostos horizontalmente,
por vezes com uma base de pequenos seixos rolados
Algumas estruturas negativas de tipo fossa foram
também detetadas, mas a sua interpretação funcional
não é fácil, até porque parece evidente que estariam
associadas a outras realidades arqueológicas que se
estendiam para áreas não abrangidas pela escavação,
Se pelo menos uma delas poderia tratar-se de uma
fossa de evacuação de detritos domésticos, o mesmo
uso é difícil de assumir para outras, de maiores
dimensões, que continham elevada quantidade de
blocos de argila com negativos de ramagens, o que
permite avançar com a hipótese de estarmos perante
o que resta de "fundos de cabana" .
Estes dados, sobretudo os das cerâmicas, permitem
que se equacione a possibilidade de os Chões de
Alpompé poderem corresponder a uma fundação
scallabitana, destinada, por um lado, a resolver
problemas de ordem demográfica e, por outro,
visando uma expansão territorial das comunidades
orientais e orientalizadas, no quadro de um processo
que poderíamos designar por "colonização interna"
I/bideml. Infelizmente a área escavada foi reduzida,
e apenas o seu alargamento permitiria dar solidez a
estas propostas, ainda preliminares.
Estas ocupações dos Chões de Alpompé e de Santarém
com características orientalizantes tão marcadas
estão, como já se referiu, em consonância com outras
verificadas no estuário do Tejo e em outras áreas da
Península Ibérica, e não só, tocadas pela colonização
fenícia . Este contexto geral, já sucintamente
apresentado nas páginas anteriores, merece ser
particularizado para a primeira das regiões, Para além
dos sítios Já mencionados, da foz do estuário, Lisboa
e Almaraz, há que ter aqui também em consideração
a densa malha de povoamento registada na margem
esquerda do troço superior do estuário, cujo estudo
detalhado se tem vindo a concretizar no âmbito do
projeto "Fenícios no Estuário do Tejo" [ARRUDA et ai,
2014; PIMENTA et aI., 2014; SOUSA et ai., 2016; ARRUDA
et ai, 2017), mas também na direita, concretamente no
Concelho de Vila Franca de Xira, onde os trabalhos de
campo de João Pimenta e Henrique Mendes trouxeram
novos e importantes dados para a discussão desta
época neste espaço ,
O conjunto de sítios ribeirinhos identificados nos
Concelhos de Almeirim, Alpiarça e Salvaterra de
Magos merece destaque. Um deles, o Alto do Castelo,
em Alpiarça, ocupa uma posição destacada na
paisagem, sendo o mais conhecido, sobretudo pela
sua evidente associação às necrópoles do Bronze
Final do Teixoal, do Meijão e do Cabeço da Bruxa. A
evidência da sua ocupação ainda nos finais do 2°
milénio é inquestionável, mas a permanência no local
de comunidades da Idade do Ferro tornou-se visível
nos últimos anos [ARRUDA, etal., 2014) A avaliar pelas
características dos espólios, uma cronologia do século
VII parece admissível
Com base nos dados que possuímos, uma mesma
cronologia sidérica parece possível de admitir para o
Alto dos Cacos [PIMENTA, HENRIQUES e MENDES,
2012; SOUSA et ai, 2016) e para a Eira da Alorna
[PIMENTA et ai .. no prelo), ambos em Almeirim, mas
também para o Cabeço da Bruxa [Alpiarça) e Porto
de Sabugueiro [Salvaterra de Magos) [PIMENTA et ai"~
2014l. Estão localizados em área ribeirinha e ocupam
espaços de baixa altitude, com poucas descontinuidades
altimétricas, entre os 5,5 e os 8 metros. Em alguns
deles, os materiais estão dispersos por uma superfície
consideravelmente extensa, De todos eles, sobretudo
dos primeiros, a Alcáçova de Santarém é visível, e dela
todos são dominados visualmente,
O universo artefactual, sobretudo cerâmico, é
partilhado por todos, e ainda com Santarém e,
evidentemente, com Chões de Alpompé, dominando as
produções a torno de tipo orientalizante.
No troço médio do estuário do Tejo, mas na margem
direita, outra concentração de sítios idênticos na
natureza e características gerais foi encontrado nos
últimos anos
O Castro do Amaral salienta-se nesta área, por um
lado pela sua posição muito destacada na paisagem, e,
por outro, por uma evidente ocupação do Bronze Final,
mas devem referir-se também a Quinta da Marqueza,
sítio à beira rio de baixa altitude, onde a produção
cerâmica foi, certamente, uma realidade [PIMENTA
e MENDES, 2010/2011) e Santa Sofia, um povoado de
encosta, com raras estruturas habitacionais I/bideml.
O início da ocupação da Idade do Ferro de todos eles
deve situar-se em torno aos finais do século VII, mas
sobretudo no século VI a n.e ..
A forte componente orientalizante da ocupação da
Idade do Ferro de Santarém, bem como, aliás, dos
restantes sítios do estuário do Tejo, quer da foz quer
do seu troço superior, permaneceu constante ao longo
de toda a segunda metade do 10 milénio a.n .e" como
se pode observar pelos espólios recuperados em
quase todos As cerâmicas de engobe vermelho estão
ainda presentes no século Van e., as cinzentas finas
polidas permanecem no conteúdo dos inventários até
momentos bastante avançados e os vasos de tipo pithoi
continuam a ser utilizados no armazenamento de
produtos alimentares . O mesmo aplica às ânforas, já
de produção local e regional, cuja morfologia, porém,
segue, ainda e sempre, os modelos mediterrâneos
[SOUSA e PI MENTA, 20141. As novidades consistem
sobretudo na fundação de novos sítios, quer nas
proximidades do rio, como o Cabeço Guião, Cartaxo
[ARRUDA et ai , 2017bl. quer no interior, estes mais
bem conhecidos na região da foz [SOUSA. 20141.
A chegada de grupos fenícios à foz do Tejo implicou
uma alteração significativa no modelo de ocupação
do território na área do estuário, que certamente
decorreu de uma mudança na estrutura económica,
social e política e também demográfica.
O povoamento sidérico de tipo orientalizante no
estuário do Tejo, sobretudo o do seu troço superior,
funcionou em rede, de forma sistémica e só pode
ser entendido como um todo. Os sítios estão
profundamente relacionados entre si, num processo
de controle de um território específico, em torno
do rio, que une as duas margens O papel que
Santarém representou nessa rede que ligou as duas
orlas do Tejo foi, certamente, preponderante . A sua
antiguidade, a implantação topográfica e a extensão
da área ocupada concederam-lhe um protagonismo
único neste contexto, que merece ser devidamente
valorizado.
- Bibliografia
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