FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - POSGRAP COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO - COPGD PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA - PPGA ANDRESSA MARIA MACHADO MEDEIROS COMUNIDADE SAHU-APÉ: PRODUÇÃO ARTESANAL E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS São Cristóvão-SE 2019

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Page 1: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M488c Medeiros, Andressa Maria

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PROacute-REITORIA DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO - POSGRAP

COORDENADORIA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO - COPGD

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ANTROPOLOGIA - PPGA

ANDRESSA MARIA MACHADO MEDEIROS

COMUNIDADE SAHU-APEacute

PRODUCcedilAtildeO ARTESANAL E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS

Satildeo Cristoacutevatildeo-SE

2019

ANDRESSA MARIA MACHADO MEDEIROS

COMUNIDADE SAHU-APEacute

PRODUCcedilAtildeO ARTESANAL E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Antropologia Orientador Prof Dr Ugo Maia Andrade

Satildeo Cristoacutevatildeo-SE

2019

FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

M488c

Medeiros Andressa Maria Machado Comunidade Sahu-Apeacute produccedilatildeo artesanal e os

desdobramentos sociais Andressa Maria Machado Medeiros orientador Ugo Maia Andrade ndash Satildeo Cristoacutevatildeo SE 2019

124 f il

Dissertaccedilatildeo (mestrado em Antropologia) ndash Universidade Federal de Sergipe 2019

1 Antropologia 2 Artesanato ndash Aspectos sociais 3 Cultura e turismo 4 Iacutendios Maweacute 5 Artesatildes indiacutegenas 6 Territorialidade humana I Andrade Ugo Maia orient II Tiacutetulo

CDU 572026745

Dedico este trabalho agrave Arlene Machado minha

avoacute

AGRADECIMENTOS

A Deus por tudo

Agrave UFS na sua totalidade pela oportunidade

Agrave CAPES pelo investimento e incentivo agrave pesquisa

Agrave turma 20171 do PPGA-UFS pela convivecircncia alegre singular em tom de amizade

Agrave minha famiacutelia minha matildee Arlete meu pai Deacutecio minhas irmatildes Anaterra Tercilene

Thais e Maria Eduarda minhas tias Jeane Alinda Gilse e Socorro e meus primos por

compartilharem comigo a praacutexis da vida e me fazerem viver as contradiccedilotildees do amor

Agraves minhas inspiraccedilotildees de vida acadecircmica de bem-querer com o proacuteximo de eacutetica e de

acolhimento tia Najoacute Gloacuteria e tia Jonaza Gloacuteria Com todo meu respeito e carinho obrigada

pela oportunidade de me fazer conhecer o que eu jamais imaginei Gratidatildeo

Agrave Sheilla companheira gentil generosa e paciente em todas as horas Uma fortaleza em

meus momentos de fraqueza

Agrave minha melhor amiga e comadre Eacuterika por suas palavras certas em cada momento

triste ou feliz de minha vida

Aos meus afilhados Elvira e Arthur que carrego no coraccedilatildeo como filhos

Agraves minhas amigas Leane Roberta e Ana Pula por trazerem amizade lealdade e leveza

aos meus dias

Ao povo Satereacute-Maweacute em especial a comunidade Sahu-Apeacute pela acolhida e por

compartilharem seus pontos de vista e suas sabedorias

Agrave Tuxaua Baku pelo exemplo de mulher lideranccedila e doccedilura

Ao Pajeacute Sahu pela sua disponibilidade e paciecircncia durante a realizaccedilatildeo desta pesquisa

assim como a todos os participantes

Ao meu orientador Prof Dr Ugo Maia Andrade por ser leve humano Obrigada

ldquoToda existecircncia desse povo eacute cingida natildeo soacute pelo

trabalho mas tambeacutem por um acervo cultural

associado a uma miacutestica que envolve os mitos e

toda a rede de significados e simbologiardquo

Torres e Santos (2011)

RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem como temaacuterio Comunidade Sahu-Apeacute artesanato e seus desdobramentos sociais Com o objetivo de entender como acontecem as relaccedilotildees sociais a partir do processo de produccedilatildeo do artesanato e da comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas por esse grupo assim como o impacto dessa produccedilatildeo na vida desse povo Ao analisar o extraordinaacuterio potencial da produccedilatildeo artesanal na comunidade compreendeu-se que essa atividade tem a participaccedilatildeo direta das mulheres na pessoa da Tuxaua Baku bem como na feitura e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas pelas demais da aldeia enquanto os homens tecircm a responsabilidade de coletar o material diretamente na floresta no momento da caccedila pesca e outras atividades proacuteximas agrave aldeia As metodologias que serviram de base e ajudaram no processo investigativo foram a pesquisa de campo auxiliada pelo estudo etnograacutefico fazendo uso de uma abordagem qualitativa Utilizamos como procedimentos adicionais a observaccedilatildeo a entrevista o caderno de campo e os registros em fotografias aacuteudios e filmagens Os aportes teoacutericos que contribuiacuteram foram Torres e Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2018) Prodonov (2013) Oliveira (2011) entre outros Sobremaneira eacute preciso entender o artesanato enquanto praacutetica social uma vez que antes de tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades ao servir como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo Artesanato e turismo provocam mudanccedilas natildeo somente para o turista mas tambeacutem para a populaccedilatildeo residente A pesquisa revelou que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel na vida social e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e as manifestaccedilotildees do trabalho nesse espaccedilo Palavras-chave Artesanato Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Relaccedilotildees sociais

ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

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contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

23

vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

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estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

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interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

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Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

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Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

30

O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

32

direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

33

21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

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Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

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Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

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do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

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06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

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comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

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Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

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parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

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Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

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Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

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Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

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Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

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Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

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apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

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dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

48

oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

49

e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

50

que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

51

Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

52

Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

55

artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

56

A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

59

Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

64

particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

65

cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

67

Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

68

como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

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Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

76

reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

84

clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

85

circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

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eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

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de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

89

equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

91

Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

92

O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

93

para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

94

da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

95

Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

96

A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

97

Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

98

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

99

a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

100

Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

102

gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

110

inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

113

usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

114

REFEREcircNCIAS

AGNELLI S A C A implementaccedilatildeo da atividade turiacutestica em Brotas ndash SP euforia e decliacutenio Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - Centro Universitaacuterio de Araraquara ndash UNIARA AraraquaraSP 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Terras de quilombo terras indiacutegenas ― babaccediluais livres ―castanhais do povos faxinais e fundos de pasto terras tradicionalmente ocupadas Manaus PPGSCA-UFAM 2006 ALVAREZ Gabriel O Poliacutetica Satereacute-Maweacute do movimento social agrave poliacutetica local Seacuterie Antropologia n 366 Departamento de Antropologia da Universidade de Brasiacutelia 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbricsdanSerie366empdfpdfgt Acesso em 20 jul 2018 ASSIS L F de Turismo sustentaacutevel e globalizaccedilatildeo impasses e perspectivas Revista da casa da geografia de Sobral Sobral ndash CE UVA 2003 BALLIVIAacuteN Joseacute M P Palazuelos (Org) Artesanato Kaingang e Guarani 1 reimpr Satildeo Leopoldo Oikos 2012 BARROSO Milena Fernandes Rotas criacuteticas das mulheres Satereacute-Maweacute no enfrentamento da violecircncia domeacutestica novos marcadores de gecircnero no contexto indiacutegena Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social e Sustentabilidade na Amazocircnia - Universidade Federal do Amazonas Manaus 2011 BARROS Joatildeo Luiz da Costa O brincar e suas relaccedilotildees interculturais na escola indiacutegena 1 ed Curitiba Appris 2015 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe e STREIFF-FENART Jocelyne Teorias da etnicidade seguido de grupos eacutetnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth Satildeo Paulo Editora Fundaccedilatildeo da Unesp 1998 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contracapa Livraria 2000 ______ A anaacutelise da cultura nas sociedades complexas In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Traduccedilatildeo de John Cunha Comerford Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 107-139 BAUMAN Zygmunt Identidade entrevista a Benedetto Vecchi Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 BERNAL Roberto Jaramillo Iacutendios Urbanos processo de reconformaccedilatildeo das identidades eacutetnicas indiacutegenas em Manaus Manaus EDUA FSDB 2009 BOURDIEU Pierre A identidade e a representaccedilatildeo Elementos para uma reflexatildeo criacutetica sobre a ideia de regiatildeo In O poder simboacutelico Lisboa Difel 1989

115

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Page 2: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M488c Medeiros, Andressa Maria

ANDRESSA MARIA MACHADO MEDEIROS

COMUNIDADE SAHU-APEacute

PRODUCcedilAtildeO ARTESANAL E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Antropologia Orientador Prof Dr Ugo Maia Andrade

Satildeo Cristoacutevatildeo-SE

2019

FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

M488c

Medeiros Andressa Maria Machado Comunidade Sahu-Apeacute produccedilatildeo artesanal e os

desdobramentos sociais Andressa Maria Machado Medeiros orientador Ugo Maia Andrade ndash Satildeo Cristoacutevatildeo SE 2019

124 f il

Dissertaccedilatildeo (mestrado em Antropologia) ndash Universidade Federal de Sergipe 2019

1 Antropologia 2 Artesanato ndash Aspectos sociais 3 Cultura e turismo 4 Iacutendios Maweacute 5 Artesatildes indiacutegenas 6 Territorialidade humana I Andrade Ugo Maia orient II Tiacutetulo

CDU 572026745

Dedico este trabalho agrave Arlene Machado minha

avoacute

AGRADECIMENTOS

A Deus por tudo

Agrave UFS na sua totalidade pela oportunidade

Agrave CAPES pelo investimento e incentivo agrave pesquisa

Agrave turma 20171 do PPGA-UFS pela convivecircncia alegre singular em tom de amizade

Agrave minha famiacutelia minha matildee Arlete meu pai Deacutecio minhas irmatildes Anaterra Tercilene

Thais e Maria Eduarda minhas tias Jeane Alinda Gilse e Socorro e meus primos por

compartilharem comigo a praacutexis da vida e me fazerem viver as contradiccedilotildees do amor

Agraves minhas inspiraccedilotildees de vida acadecircmica de bem-querer com o proacuteximo de eacutetica e de

acolhimento tia Najoacute Gloacuteria e tia Jonaza Gloacuteria Com todo meu respeito e carinho obrigada

pela oportunidade de me fazer conhecer o que eu jamais imaginei Gratidatildeo

Agrave Sheilla companheira gentil generosa e paciente em todas as horas Uma fortaleza em

meus momentos de fraqueza

Agrave minha melhor amiga e comadre Eacuterika por suas palavras certas em cada momento

triste ou feliz de minha vida

Aos meus afilhados Elvira e Arthur que carrego no coraccedilatildeo como filhos

Agraves minhas amigas Leane Roberta e Ana Pula por trazerem amizade lealdade e leveza

aos meus dias

Ao povo Satereacute-Maweacute em especial a comunidade Sahu-Apeacute pela acolhida e por

compartilharem seus pontos de vista e suas sabedorias

Agrave Tuxaua Baku pelo exemplo de mulher lideranccedila e doccedilura

Ao Pajeacute Sahu pela sua disponibilidade e paciecircncia durante a realizaccedilatildeo desta pesquisa

assim como a todos os participantes

Ao meu orientador Prof Dr Ugo Maia Andrade por ser leve humano Obrigada

ldquoToda existecircncia desse povo eacute cingida natildeo soacute pelo

trabalho mas tambeacutem por um acervo cultural

associado a uma miacutestica que envolve os mitos e

toda a rede de significados e simbologiardquo

Torres e Santos (2011)

RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem como temaacuterio Comunidade Sahu-Apeacute artesanato e seus desdobramentos sociais Com o objetivo de entender como acontecem as relaccedilotildees sociais a partir do processo de produccedilatildeo do artesanato e da comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas por esse grupo assim como o impacto dessa produccedilatildeo na vida desse povo Ao analisar o extraordinaacuterio potencial da produccedilatildeo artesanal na comunidade compreendeu-se que essa atividade tem a participaccedilatildeo direta das mulheres na pessoa da Tuxaua Baku bem como na feitura e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas pelas demais da aldeia enquanto os homens tecircm a responsabilidade de coletar o material diretamente na floresta no momento da caccedila pesca e outras atividades proacuteximas agrave aldeia As metodologias que serviram de base e ajudaram no processo investigativo foram a pesquisa de campo auxiliada pelo estudo etnograacutefico fazendo uso de uma abordagem qualitativa Utilizamos como procedimentos adicionais a observaccedilatildeo a entrevista o caderno de campo e os registros em fotografias aacuteudios e filmagens Os aportes teoacutericos que contribuiacuteram foram Torres e Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2018) Prodonov (2013) Oliveira (2011) entre outros Sobremaneira eacute preciso entender o artesanato enquanto praacutetica social uma vez que antes de tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades ao servir como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo Artesanato e turismo provocam mudanccedilas natildeo somente para o turista mas tambeacutem para a populaccedilatildeo residente A pesquisa revelou que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel na vida social e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e as manifestaccedilotildees do trabalho nesse espaccedilo Palavras-chave Artesanato Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Relaccedilotildees sociais

ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

16

contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

23

vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

25

estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

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interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

28

Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

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Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

30

O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

32

direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

33

21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

34

Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

35

Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

36

do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

37

06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

38

comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

39

Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

40

parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

41

Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

42

Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

43

Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

44

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

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Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

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apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

47

dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

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oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

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e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

50

que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

51

Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

52

Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

55

artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

56

A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

59

Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

64

particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

65

cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

67

Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

68

como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

71

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

76

reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

84

clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

85

circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

86

eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

87

de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

89

equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

91

Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

92

O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

93

para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

94

da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

95

Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

96

A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

97

Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

98

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

99

a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

100

Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

102

gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

110

inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

113

usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

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REFEREcircNCIAS

AGNELLI S A C A implementaccedilatildeo da atividade turiacutestica em Brotas ndash SP euforia e decliacutenio Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - Centro Universitaacuterio de Araraquara ndash UNIARA AraraquaraSP 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Terras de quilombo terras indiacutegenas ― babaccediluais livres ―castanhais do povos faxinais e fundos de pasto terras tradicionalmente ocupadas Manaus PPGSCA-UFAM 2006 ALVAREZ Gabriel O Poliacutetica Satereacute-Maweacute do movimento social agrave poliacutetica local Seacuterie Antropologia n 366 Departamento de Antropologia da Universidade de Brasiacutelia 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbricsdanSerie366empdfpdfgt Acesso em 20 jul 2018 ASSIS L F de Turismo sustentaacutevel e globalizaccedilatildeo impasses e perspectivas Revista da casa da geografia de Sobral Sobral ndash CE UVA 2003 BALLIVIAacuteN Joseacute M P Palazuelos (Org) Artesanato Kaingang e Guarani 1 reimpr Satildeo Leopoldo Oikos 2012 BARROSO Milena Fernandes Rotas criacuteticas das mulheres Satereacute-Maweacute no enfrentamento da violecircncia domeacutestica novos marcadores de gecircnero no contexto indiacutegena Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social e Sustentabilidade na Amazocircnia - Universidade Federal do Amazonas Manaus 2011 BARROS Joatildeo Luiz da Costa O brincar e suas relaccedilotildees interculturais na escola indiacutegena 1 ed Curitiba Appris 2015 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe e STREIFF-FENART Jocelyne Teorias da etnicidade seguido de grupos eacutetnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth Satildeo Paulo Editora Fundaccedilatildeo da Unesp 1998 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contracapa Livraria 2000 ______ A anaacutelise da cultura nas sociedades complexas In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Traduccedilatildeo de John Cunha Comerford Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 107-139 BAUMAN Zygmunt Identidade entrevista a Benedetto Vecchi Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 BERNAL Roberto Jaramillo Iacutendios Urbanos processo de reconformaccedilatildeo das identidades eacutetnicas indiacutegenas em Manaus Manaus EDUA FSDB 2009 BOURDIEU Pierre A identidade e a representaccedilatildeo Elementos para uma reflexatildeo criacutetica sobre a ideia de regiatildeo In O poder simboacutelico Lisboa Difel 1989

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RAMOS Dina COSTA Carlos Manuel Turismo tendecircncias de evoluccedilatildeo Revista Eletrocircnica de Humanidades do Curso de Ciecircncias Sociais da UNICAMP Macapaacute v 10 n 1 p 21-23 janjun 2017 RIBEIRO Darcy Os iacutendios e a civilizaccedilatildeo a integraccedilatildeo das populaccedilotildees indiacutegenas no Brasil moderno 3 ed Petroacutepolis Vozes 1979 SAHLINS Marshall O pessimismo sentimental e a experiecircncia etnograacutefica por que a cultura natildeo eacute um objeto em via de extinccedilatildeo (parte I) vol3 1997 ________ Marshall David Histoacuteria e cultura apologia a Tuciacutedides Rio Janeiro Zahar Editores 2006 116 ________ Marshall David Metaacuteforas histoacutericas e realidades miacuteticas Estrutura nos primoacuterdios da histoacuteria do Reino das Ilhas Sandwich Rio Janeiro Jorge Zahar Editores 2008 ________ Marshall David Sociedades Tribais Rio Janeiro Zahar Editores 1970 SANTOS M O retorno do territoacuterio In SANTOS M SOUZA M A de Alegre Juldez 1990 SANTOS M O retorno do territoacuterio In SANTOS M SOUZA M A de SILVEIRA Maria Laura Territoacuterio globalizaccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo Satildeo Paulo Hucitec 1994 ______ SOUZA M A de SILVEIRA M L Territoacuterio globalizaccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo Satildeo Paulo Hucitec 1994 SANTOS Luciano Cardenes Etnografia Satereacute-Maweacute Turismo e cultura Manaus Editora Valer 2015 SCOTT Parry CORDEIRO Rosineide MENEZES Marilda (Orgs) Gecircnero e geraccedilatildeo em contextos rurais Ilha de Santa Catarina Ed Mulheres 2010 p 185-207 SILVA Raynice G Pereira da Esboccedilo sociolinguumliacutestico Satereacute-Maweacute RevistaTellus ano 7 n 13 p 73-101 out 2007 Disponiacutevel em ltwwwetnolinguisticaorggt Acesso em 12 abr 2018 SILVA Joseli Maria Cultura e Territorialidades Urbanas uma abordagem da pequena cidade Revista de Histoacuteria Regional v 5 n 2 p 9-37 inverno 2000 SILVA Carolina Braz de Castilho SCHNEIDER Sergio Gecircnero trabalho rural e pluriatividade 2004 SILVA Joseacute de Oliveira dos S da FRANCESCHINI Dulce do Carmo CARNEIRO Denize de Souza Revitalizaccedilatildeo Linguiacutestica e Cultural SatereacuteMaweacute Anais do SILEL Volume 1 Uberlacircndia EDUFU 2009 SILVA Lucio Flavio Ferreira da A geo-histoacuteria e o perfil do imigrante de periferia nas cidades de Parintins e Itacoatiara Relatoacuterio Final de PIBICCNPQ 2010

120

SILVEIRA M A T da Poliacutetica de turismo oportunidades ao desenvolvimento local In RODRIGUES A B (Org) Turismo rural 1 ed Satildeo Paulo Contexto 1997 SMITH Neil Gentrificaccedilatildeo a fronteira e a reestruturaccedilatildeo do espaccedilo urbano GEOUSP ndash Espaccedilo e Tempo Satildeo Paulo n 21 p 15-31 2007 SOUZA Marcelo Joseacute Lopes de O territoacuterio sobre espaccedilo e poder autonomia e desenvolvimento In CASTRO Inaacute GOMES Paulo C CORREcircA Roberto (Orgs) Geografia conceitos e temas Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1992 SOUZA M J L de Como pode o turismo contribuir para o desenvolvimento local In RODRIGUES A B (Org) Turismo e desenvolvimento local Satildeo Paulo Hucitec 2000 SOUZA Kalinda Feacutelix e Regimes e transformaccedilotildees cosmoloacutegicas da pajelanccedila Satereacute-Maweacute Manaus UFAM 2011 SOUZA Fabriacutecio Filizola De Iacutendios Citadinos A Constituiccedilatildeo de uma comunidade multieacutetnica no bairro Tarumatilde Manaus AM Dissertaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociedade e Cultura da Amazocircnia ndash UFAM Manaus 2017 TORRES Iraildes Caldas SANTOS Fabiane Vinente Intersecccedilatildeo de Gecircnero na Amazocircnia Manaus EDUA 2011 TRIVINtildeOS A N S Introduccedilatildeo agrave pesquisa em ciecircncias sociais a pesquisa qualitativa em Educaccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 1987 TRIVINtildeOS A N S Introduccedilatildeo agrave pesquisa em ciecircncias sociais a pesquisa qualitativa em Educaccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2011 TRICAUD Solene PINTON Florence PEREIRA Henrique dos Santos Saberes e praacuteticas locais dos produtores de guaranaacute (Paullina cupana Kunth var sorbilies do meacutedio Amazonas Duas organizaccedilotildees locais frente a inovaccedilatildeo Boletim do Museu Paraense Emiacutelio Goeld Ciecircncias Humanas UGGEacute Henrique Mitologia Satereacute-Maweacute 1 ed [S l] Editora Abya-Yala 1991 VALVERDE RRHF Transformaccedilatildeo no conceito de territoacuterio competiccedilatildeo e mobilidade na cidade GEOUSP - Espaccedilo e Tempo Satildeo Paulo n15 2004 VIDAL Lux Grafismo indiacutegena estudos de antropologia esteacutetica Satildeo Paulo Studio Nobel Editora da Universidade de Satildeo Paulo FAPESP 1992 WEBER Max Economia e sociedade fundamentos da sociologia compreensiva Traduccedilatildeo de Regis Barbosa e Karen Elsabe WOOD Robert E Ethnic Tourism the State and Cultural Change in Southeast Asia In Annals of Tourism Research v 11 1984 Sites Consultados

121

httpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_Conhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4nia httpswwwcomaldamirsatere 2018 118 httpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenas httpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawe httpwwwpetrobrascombrptnossasatividadesprincipaisoperacoesgasodutosurucu-coari-manaushtm

Page 3: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M488c Medeiros, Andressa Maria

FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

M488c

Medeiros Andressa Maria Machado Comunidade Sahu-Apeacute produccedilatildeo artesanal e os

desdobramentos sociais Andressa Maria Machado Medeiros orientador Ugo Maia Andrade ndash Satildeo Cristoacutevatildeo SE 2019

124 f il

Dissertaccedilatildeo (mestrado em Antropologia) ndash Universidade Federal de Sergipe 2019

1 Antropologia 2 Artesanato ndash Aspectos sociais 3 Cultura e turismo 4 Iacutendios Maweacute 5 Artesatildes indiacutegenas 6 Territorialidade humana I Andrade Ugo Maia orient II Tiacutetulo

CDU 572026745

Dedico este trabalho agrave Arlene Machado minha

avoacute

AGRADECIMENTOS

A Deus por tudo

Agrave UFS na sua totalidade pela oportunidade

Agrave CAPES pelo investimento e incentivo agrave pesquisa

Agrave turma 20171 do PPGA-UFS pela convivecircncia alegre singular em tom de amizade

Agrave minha famiacutelia minha matildee Arlete meu pai Deacutecio minhas irmatildes Anaterra Tercilene

Thais e Maria Eduarda minhas tias Jeane Alinda Gilse e Socorro e meus primos por

compartilharem comigo a praacutexis da vida e me fazerem viver as contradiccedilotildees do amor

Agraves minhas inspiraccedilotildees de vida acadecircmica de bem-querer com o proacuteximo de eacutetica e de

acolhimento tia Najoacute Gloacuteria e tia Jonaza Gloacuteria Com todo meu respeito e carinho obrigada

pela oportunidade de me fazer conhecer o que eu jamais imaginei Gratidatildeo

Agrave Sheilla companheira gentil generosa e paciente em todas as horas Uma fortaleza em

meus momentos de fraqueza

Agrave minha melhor amiga e comadre Eacuterika por suas palavras certas em cada momento

triste ou feliz de minha vida

Aos meus afilhados Elvira e Arthur que carrego no coraccedilatildeo como filhos

Agraves minhas amigas Leane Roberta e Ana Pula por trazerem amizade lealdade e leveza

aos meus dias

Ao povo Satereacute-Maweacute em especial a comunidade Sahu-Apeacute pela acolhida e por

compartilharem seus pontos de vista e suas sabedorias

Agrave Tuxaua Baku pelo exemplo de mulher lideranccedila e doccedilura

Ao Pajeacute Sahu pela sua disponibilidade e paciecircncia durante a realizaccedilatildeo desta pesquisa

assim como a todos os participantes

Ao meu orientador Prof Dr Ugo Maia Andrade por ser leve humano Obrigada

ldquoToda existecircncia desse povo eacute cingida natildeo soacute pelo

trabalho mas tambeacutem por um acervo cultural

associado a uma miacutestica que envolve os mitos e

toda a rede de significados e simbologiardquo

Torres e Santos (2011)

RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem como temaacuterio Comunidade Sahu-Apeacute artesanato e seus desdobramentos sociais Com o objetivo de entender como acontecem as relaccedilotildees sociais a partir do processo de produccedilatildeo do artesanato e da comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas por esse grupo assim como o impacto dessa produccedilatildeo na vida desse povo Ao analisar o extraordinaacuterio potencial da produccedilatildeo artesanal na comunidade compreendeu-se que essa atividade tem a participaccedilatildeo direta das mulheres na pessoa da Tuxaua Baku bem como na feitura e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas pelas demais da aldeia enquanto os homens tecircm a responsabilidade de coletar o material diretamente na floresta no momento da caccedila pesca e outras atividades proacuteximas agrave aldeia As metodologias que serviram de base e ajudaram no processo investigativo foram a pesquisa de campo auxiliada pelo estudo etnograacutefico fazendo uso de uma abordagem qualitativa Utilizamos como procedimentos adicionais a observaccedilatildeo a entrevista o caderno de campo e os registros em fotografias aacuteudios e filmagens Os aportes teoacutericos que contribuiacuteram foram Torres e Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2018) Prodonov (2013) Oliveira (2011) entre outros Sobremaneira eacute preciso entender o artesanato enquanto praacutetica social uma vez que antes de tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades ao servir como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo Artesanato e turismo provocam mudanccedilas natildeo somente para o turista mas tambeacutem para a populaccedilatildeo residente A pesquisa revelou que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel na vida social e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e as manifestaccedilotildees do trabalho nesse espaccedilo Palavras-chave Artesanato Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Relaccedilotildees sociais

ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

16

contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

23

vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

25

estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

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interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

28

Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

29

Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

30

O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

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direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

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21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

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Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

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Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

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do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

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06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

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comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

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Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

40

parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

41

Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

42

Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

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Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

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Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

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Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

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apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

47

dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

48

oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

49

e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

50

que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

51

Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

52

Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

55

artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

56

A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

59

Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

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particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

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cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

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Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

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como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

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Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

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reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

84

clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

85

circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

86

eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

87

de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

89

equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

91

Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

92

O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

93

para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

94

da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

95

Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

96

A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

97

Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

98

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

99

a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

100

Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

102

gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

110

inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

113

usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

114

REFEREcircNCIAS

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Page 4: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M488c Medeiros, Andressa Maria

Dedico este trabalho agrave Arlene Machado minha

avoacute

AGRADECIMENTOS

A Deus por tudo

Agrave UFS na sua totalidade pela oportunidade

Agrave CAPES pelo investimento e incentivo agrave pesquisa

Agrave turma 20171 do PPGA-UFS pela convivecircncia alegre singular em tom de amizade

Agrave minha famiacutelia minha matildee Arlete meu pai Deacutecio minhas irmatildes Anaterra Tercilene

Thais e Maria Eduarda minhas tias Jeane Alinda Gilse e Socorro e meus primos por

compartilharem comigo a praacutexis da vida e me fazerem viver as contradiccedilotildees do amor

Agraves minhas inspiraccedilotildees de vida acadecircmica de bem-querer com o proacuteximo de eacutetica e de

acolhimento tia Najoacute Gloacuteria e tia Jonaza Gloacuteria Com todo meu respeito e carinho obrigada

pela oportunidade de me fazer conhecer o que eu jamais imaginei Gratidatildeo

Agrave Sheilla companheira gentil generosa e paciente em todas as horas Uma fortaleza em

meus momentos de fraqueza

Agrave minha melhor amiga e comadre Eacuterika por suas palavras certas em cada momento

triste ou feliz de minha vida

Aos meus afilhados Elvira e Arthur que carrego no coraccedilatildeo como filhos

Agraves minhas amigas Leane Roberta e Ana Pula por trazerem amizade lealdade e leveza

aos meus dias

Ao povo Satereacute-Maweacute em especial a comunidade Sahu-Apeacute pela acolhida e por

compartilharem seus pontos de vista e suas sabedorias

Agrave Tuxaua Baku pelo exemplo de mulher lideranccedila e doccedilura

Ao Pajeacute Sahu pela sua disponibilidade e paciecircncia durante a realizaccedilatildeo desta pesquisa

assim como a todos os participantes

Ao meu orientador Prof Dr Ugo Maia Andrade por ser leve humano Obrigada

ldquoToda existecircncia desse povo eacute cingida natildeo soacute pelo

trabalho mas tambeacutem por um acervo cultural

associado a uma miacutestica que envolve os mitos e

toda a rede de significados e simbologiardquo

Torres e Santos (2011)

RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem como temaacuterio Comunidade Sahu-Apeacute artesanato e seus desdobramentos sociais Com o objetivo de entender como acontecem as relaccedilotildees sociais a partir do processo de produccedilatildeo do artesanato e da comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas por esse grupo assim como o impacto dessa produccedilatildeo na vida desse povo Ao analisar o extraordinaacuterio potencial da produccedilatildeo artesanal na comunidade compreendeu-se que essa atividade tem a participaccedilatildeo direta das mulheres na pessoa da Tuxaua Baku bem como na feitura e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas pelas demais da aldeia enquanto os homens tecircm a responsabilidade de coletar o material diretamente na floresta no momento da caccedila pesca e outras atividades proacuteximas agrave aldeia As metodologias que serviram de base e ajudaram no processo investigativo foram a pesquisa de campo auxiliada pelo estudo etnograacutefico fazendo uso de uma abordagem qualitativa Utilizamos como procedimentos adicionais a observaccedilatildeo a entrevista o caderno de campo e os registros em fotografias aacuteudios e filmagens Os aportes teoacutericos que contribuiacuteram foram Torres e Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2018) Prodonov (2013) Oliveira (2011) entre outros Sobremaneira eacute preciso entender o artesanato enquanto praacutetica social uma vez que antes de tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades ao servir como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo Artesanato e turismo provocam mudanccedilas natildeo somente para o turista mas tambeacutem para a populaccedilatildeo residente A pesquisa revelou que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel na vida social e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e as manifestaccedilotildees do trabalho nesse espaccedilo Palavras-chave Artesanato Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Relaccedilotildees sociais

ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

16

contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

23

vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

25

estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

27

interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

28

Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

29

Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

30

O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

32

direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

33

21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

34

Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

35

Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

36

do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

37

06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

38

comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

39

Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

40

parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

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Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

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Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

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Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

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Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

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Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

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apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

47

dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

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oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

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e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

50

que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

51

Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

52

Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

55

artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

56

A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

59

Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

64

particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

65

cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

67

Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

68

como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

71

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

76

reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

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clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

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circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

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eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

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de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

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equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

91

Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

92

O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

93

para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

94

da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

95

Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

96

A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

97

Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

98

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

99

a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

100

Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

102

gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

110

inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

113

usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

114

REFEREcircNCIAS

AGNELLI S A C A implementaccedilatildeo da atividade turiacutestica em Brotas ndash SP euforia e decliacutenio Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - Centro Universitaacuterio de Araraquara ndash UNIARA AraraquaraSP 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Terras de quilombo terras indiacutegenas ― babaccediluais livres ―castanhais do povos faxinais e fundos de pasto terras tradicionalmente ocupadas Manaus PPGSCA-UFAM 2006 ALVAREZ Gabriel O Poliacutetica Satereacute-Maweacute do movimento social agrave poliacutetica local Seacuterie Antropologia n 366 Departamento de Antropologia da Universidade de Brasiacutelia 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbricsdanSerie366empdfpdfgt Acesso em 20 jul 2018 ASSIS L F de Turismo sustentaacutevel e globalizaccedilatildeo impasses e perspectivas Revista da casa da geografia de Sobral Sobral ndash CE UVA 2003 BALLIVIAacuteN Joseacute M P Palazuelos (Org) Artesanato Kaingang e Guarani 1 reimpr Satildeo Leopoldo Oikos 2012 BARROSO Milena Fernandes Rotas criacuteticas das mulheres Satereacute-Maweacute no enfrentamento da violecircncia domeacutestica novos marcadores de gecircnero no contexto indiacutegena Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social e Sustentabilidade na Amazocircnia - Universidade Federal do Amazonas Manaus 2011 BARROS Joatildeo Luiz da Costa O brincar e suas relaccedilotildees interculturais na escola indiacutegena 1 ed Curitiba Appris 2015 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe e STREIFF-FENART Jocelyne Teorias da etnicidade seguido de grupos eacutetnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth Satildeo Paulo Editora Fundaccedilatildeo da Unesp 1998 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contracapa Livraria 2000 ______ A anaacutelise da cultura nas sociedades complexas In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Traduccedilatildeo de John Cunha Comerford Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 107-139 BAUMAN Zygmunt Identidade entrevista a Benedetto Vecchi Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 BERNAL Roberto Jaramillo Iacutendios Urbanos processo de reconformaccedilatildeo das identidades eacutetnicas indiacutegenas em Manaus Manaus EDUA FSDB 2009 BOURDIEU Pierre A identidade e a representaccedilatildeo Elementos para uma reflexatildeo criacutetica sobre a ideia de regiatildeo In O poder simboacutelico Lisboa Difel 1989

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Page 5: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M488c Medeiros, Andressa Maria

AGRADECIMENTOS

A Deus por tudo

Agrave UFS na sua totalidade pela oportunidade

Agrave CAPES pelo investimento e incentivo agrave pesquisa

Agrave turma 20171 do PPGA-UFS pela convivecircncia alegre singular em tom de amizade

Agrave minha famiacutelia minha matildee Arlete meu pai Deacutecio minhas irmatildes Anaterra Tercilene

Thais e Maria Eduarda minhas tias Jeane Alinda Gilse e Socorro e meus primos por

compartilharem comigo a praacutexis da vida e me fazerem viver as contradiccedilotildees do amor

Agraves minhas inspiraccedilotildees de vida acadecircmica de bem-querer com o proacuteximo de eacutetica e de

acolhimento tia Najoacute Gloacuteria e tia Jonaza Gloacuteria Com todo meu respeito e carinho obrigada

pela oportunidade de me fazer conhecer o que eu jamais imaginei Gratidatildeo

Agrave Sheilla companheira gentil generosa e paciente em todas as horas Uma fortaleza em

meus momentos de fraqueza

Agrave minha melhor amiga e comadre Eacuterika por suas palavras certas em cada momento

triste ou feliz de minha vida

Aos meus afilhados Elvira e Arthur que carrego no coraccedilatildeo como filhos

Agraves minhas amigas Leane Roberta e Ana Pula por trazerem amizade lealdade e leveza

aos meus dias

Ao povo Satereacute-Maweacute em especial a comunidade Sahu-Apeacute pela acolhida e por

compartilharem seus pontos de vista e suas sabedorias

Agrave Tuxaua Baku pelo exemplo de mulher lideranccedila e doccedilura

Ao Pajeacute Sahu pela sua disponibilidade e paciecircncia durante a realizaccedilatildeo desta pesquisa

assim como a todos os participantes

Ao meu orientador Prof Dr Ugo Maia Andrade por ser leve humano Obrigada

ldquoToda existecircncia desse povo eacute cingida natildeo soacute pelo

trabalho mas tambeacutem por um acervo cultural

associado a uma miacutestica que envolve os mitos e

toda a rede de significados e simbologiardquo

Torres e Santos (2011)

RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem como temaacuterio Comunidade Sahu-Apeacute artesanato e seus desdobramentos sociais Com o objetivo de entender como acontecem as relaccedilotildees sociais a partir do processo de produccedilatildeo do artesanato e da comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas por esse grupo assim como o impacto dessa produccedilatildeo na vida desse povo Ao analisar o extraordinaacuterio potencial da produccedilatildeo artesanal na comunidade compreendeu-se que essa atividade tem a participaccedilatildeo direta das mulheres na pessoa da Tuxaua Baku bem como na feitura e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas pelas demais da aldeia enquanto os homens tecircm a responsabilidade de coletar o material diretamente na floresta no momento da caccedila pesca e outras atividades proacuteximas agrave aldeia As metodologias que serviram de base e ajudaram no processo investigativo foram a pesquisa de campo auxiliada pelo estudo etnograacutefico fazendo uso de uma abordagem qualitativa Utilizamos como procedimentos adicionais a observaccedilatildeo a entrevista o caderno de campo e os registros em fotografias aacuteudios e filmagens Os aportes teoacutericos que contribuiacuteram foram Torres e Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2018) Prodonov (2013) Oliveira (2011) entre outros Sobremaneira eacute preciso entender o artesanato enquanto praacutetica social uma vez que antes de tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades ao servir como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo Artesanato e turismo provocam mudanccedilas natildeo somente para o turista mas tambeacutem para a populaccedilatildeo residente A pesquisa revelou que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel na vida social e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e as manifestaccedilotildees do trabalho nesse espaccedilo Palavras-chave Artesanato Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Relaccedilotildees sociais

ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

16

contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

23

vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

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estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

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interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

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Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

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Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

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O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

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direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

33

21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

34

Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

35

Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

36

do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

37

06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

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comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

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Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

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parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

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Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

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Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

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Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

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Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

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Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

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apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

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dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

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oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

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e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

50

que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

51

Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

52

Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

55

artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

56

A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

59

Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

64

particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

65

cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

67

Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

68

como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

71

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

76

reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

84

clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

85

circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

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eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

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de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

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equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

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Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

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O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

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para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

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da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

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Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

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A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

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Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

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411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

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a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

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Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

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gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

110

inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

113

usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

114

REFEREcircNCIAS

AGNELLI S A C A implementaccedilatildeo da atividade turiacutestica em Brotas ndash SP euforia e decliacutenio Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - Centro Universitaacuterio de Araraquara ndash UNIARA AraraquaraSP 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Terras de quilombo terras indiacutegenas ― babaccediluais livres ―castanhais do povos faxinais e fundos de pasto terras tradicionalmente ocupadas Manaus PPGSCA-UFAM 2006 ALVAREZ Gabriel O Poliacutetica Satereacute-Maweacute do movimento social agrave poliacutetica local Seacuterie Antropologia n 366 Departamento de Antropologia da Universidade de Brasiacutelia 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbricsdanSerie366empdfpdfgt Acesso em 20 jul 2018 ASSIS L F de Turismo sustentaacutevel e globalizaccedilatildeo impasses e perspectivas Revista da casa da geografia de Sobral Sobral ndash CE UVA 2003 BALLIVIAacuteN Joseacute M P Palazuelos (Org) Artesanato Kaingang e Guarani 1 reimpr Satildeo Leopoldo Oikos 2012 BARROSO Milena Fernandes Rotas criacuteticas das mulheres Satereacute-Maweacute no enfrentamento da violecircncia domeacutestica novos marcadores de gecircnero no contexto indiacutegena Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social e Sustentabilidade na Amazocircnia - Universidade Federal do Amazonas Manaus 2011 BARROS Joatildeo Luiz da Costa O brincar e suas relaccedilotildees interculturais na escola indiacutegena 1 ed Curitiba Appris 2015 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe e STREIFF-FENART Jocelyne Teorias da etnicidade seguido de grupos eacutetnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth Satildeo Paulo Editora Fundaccedilatildeo da Unesp 1998 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contracapa Livraria 2000 ______ A anaacutelise da cultura nas sociedades complexas In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Traduccedilatildeo de John Cunha Comerford Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 107-139 BAUMAN Zygmunt Identidade entrevista a Benedetto Vecchi Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 BERNAL Roberto Jaramillo Iacutendios Urbanos processo de reconformaccedilatildeo das identidades eacutetnicas indiacutegenas em Manaus Manaus EDUA FSDB 2009 BOURDIEU Pierre A identidade e a representaccedilatildeo Elementos para uma reflexatildeo criacutetica sobre a ideia de regiatildeo In O poder simboacutelico Lisboa Difel 1989

115

______ A miseacuteria do mundo Petroacutepolis Vozes 2007 ______ O Poder Simboacutelico 12 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2009 BOULLOacuteN Roberto C Planejamento do espaccedilo turiacutestico Bauru SP Edusc 2002 CARDOSO DE OLIVEIRA Roberto O trabalho do antropoacutelogo Brasiacutelia Paralelo 15-Unesp2000 CARDOSO Maria Barbara da Costa Saberes ribeirinhos quilombolas e sua relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo de jovens e adultos da comunidade de Satildeo Joatildeo do Meacutedio Itacuruccedilaacute AbaetetubaPA Orientador Salomatildeo Antocircnio Mufarrej Hage 2012 161 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Instituto de Ciecircncias da Educaccedilatildeo Universidade Federal do Paraacute Beleacutem 2012 CASTELLS Manuel O poder da identidade (A era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura v2) Satildeo Paulo Paz Terra 1999 CASTELLS M A Era da Informaccedilatildeo Economia Sociedade e Cultura Vol I A Sociedade em Rede Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian (2002) CASTELLI Geraldo Turismo atividade marcante do seacuteculo XX Caxias do Sul Educs 1990 CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano artes do fazer Petroacutepolis Vozes 1994 COELHO Flaacutevio A A Qualidade no Turismo Informativo PBQD [Sv s n] p 4-5 nov 1994 COELHO Para Uma Antropologia da Muacutesica Arara (Caribe) Um Estudo do Sistema das Muacutesicas Vocais Dissertaccedilatildeo de Mestrado Florianoacutepolis UFSC 2003 CORAacute M A J Desenvolvimento local sustentaacutevel e turismo o caso de Cumuruxatiba Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Administraccedilatildeo) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo PUC Satildeo Paulo 2006 CRUZ Rita de Caacutessia Ariza da Geografia do Turismo de Lugares a Peseudo-lugaresColaboradores Andreacute Luiz Sabino Fabio Silveira Molina Rodolfo Pereira das Chagas Satildeo Paulo Roca 2007 NIMUENDAJUacute Curt Mais uma vez a questatildeo Iacutendigena Tellus Campo Grande n 24 p 269-274 janjun 2013a [1948] DELEUZE G GUATTARI F Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Ed 34 1996 DIAS M E B As Areias Coloridas do Litoral Cearense Modeladas por Saacutebias Matildeos O puacuteblico e o privado n2 2003

116

DOUGLAS Mary ISHERWOOD Baron O mundo dos bens para uma antropologia do consumo Rio de Janeiro Ed UFRJ 2006 DUTRA Marina A zona portuaacuteria entre a ldquoPequena Aacutefricardquo e o Porto Maravilha disputados em torno da significaccedilatildeo do territoacuterio portuaacuterio carioca Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Cultura e Territorialidades) - Universidade Federal Fluminense Niteroacutei 2015 GEERTZ Clifford ldquoO saber local fatos e leis em perspectiva comparativardquo In O Saber Local Petroacutepolis Vozes 1998 GIL A C Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 5ed Satildeo Paulo Atlas 1999

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Page 6: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M488c Medeiros, Andressa Maria

ldquoToda existecircncia desse povo eacute cingida natildeo soacute pelo

trabalho mas tambeacutem por um acervo cultural

associado a uma miacutestica que envolve os mitos e

toda a rede de significados e simbologiardquo

Torres e Santos (2011)

RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem como temaacuterio Comunidade Sahu-Apeacute artesanato e seus desdobramentos sociais Com o objetivo de entender como acontecem as relaccedilotildees sociais a partir do processo de produccedilatildeo do artesanato e da comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas por esse grupo assim como o impacto dessa produccedilatildeo na vida desse povo Ao analisar o extraordinaacuterio potencial da produccedilatildeo artesanal na comunidade compreendeu-se que essa atividade tem a participaccedilatildeo direta das mulheres na pessoa da Tuxaua Baku bem como na feitura e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas pelas demais da aldeia enquanto os homens tecircm a responsabilidade de coletar o material diretamente na floresta no momento da caccedila pesca e outras atividades proacuteximas agrave aldeia As metodologias que serviram de base e ajudaram no processo investigativo foram a pesquisa de campo auxiliada pelo estudo etnograacutefico fazendo uso de uma abordagem qualitativa Utilizamos como procedimentos adicionais a observaccedilatildeo a entrevista o caderno de campo e os registros em fotografias aacuteudios e filmagens Os aportes teoacutericos que contribuiacuteram foram Torres e Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2018) Prodonov (2013) Oliveira (2011) entre outros Sobremaneira eacute preciso entender o artesanato enquanto praacutetica social uma vez que antes de tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades ao servir como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo Artesanato e turismo provocam mudanccedilas natildeo somente para o turista mas tambeacutem para a populaccedilatildeo residente A pesquisa revelou que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel na vida social e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e as manifestaccedilotildees do trabalho nesse espaccedilo Palavras-chave Artesanato Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Relaccedilotildees sociais

ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

16

contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

23

vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

25

estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

27

interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

28

Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

29

Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

30

O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

32

direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

33

21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

34

Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

35

Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

36

do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

37

06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

38

comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

39

Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

40

parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

41

Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

42

Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

43

Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

44

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

45

Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

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apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

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dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

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oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

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e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

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que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

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Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

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Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

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artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

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A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

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Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

64

particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

65

cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

67

Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

68

como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

71

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

76

reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

84

clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

85

circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

86

eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

87

de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

89

equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

91

Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

92

O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

93

para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

94

da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

95

Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

96

A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

97

Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

98

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

99

a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

100

Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

102

gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

110

inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

113

usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

114

REFEREcircNCIAS

AGNELLI S A C A implementaccedilatildeo da atividade turiacutestica em Brotas ndash SP euforia e decliacutenio Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - Centro Universitaacuterio de Araraquara ndash UNIARA AraraquaraSP 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Terras de quilombo terras indiacutegenas ― babaccediluais livres ―castanhais do povos faxinais e fundos de pasto terras tradicionalmente ocupadas Manaus PPGSCA-UFAM 2006 ALVAREZ Gabriel O Poliacutetica Satereacute-Maweacute do movimento social agrave poliacutetica local Seacuterie Antropologia n 366 Departamento de Antropologia da Universidade de Brasiacutelia 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbricsdanSerie366empdfpdfgt Acesso em 20 jul 2018 ASSIS L F de Turismo sustentaacutevel e globalizaccedilatildeo impasses e perspectivas Revista da casa da geografia de Sobral Sobral ndash CE UVA 2003 BALLIVIAacuteN Joseacute M P Palazuelos (Org) Artesanato Kaingang e Guarani 1 reimpr Satildeo Leopoldo Oikos 2012 BARROSO Milena Fernandes Rotas criacuteticas das mulheres Satereacute-Maweacute no enfrentamento da violecircncia domeacutestica novos marcadores de gecircnero no contexto indiacutegena Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social e Sustentabilidade na Amazocircnia - Universidade Federal do Amazonas Manaus 2011 BARROS Joatildeo Luiz da Costa O brincar e suas relaccedilotildees interculturais na escola indiacutegena 1 ed Curitiba Appris 2015 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe e STREIFF-FENART Jocelyne Teorias da etnicidade seguido de grupos eacutetnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth Satildeo Paulo Editora Fundaccedilatildeo da Unesp 1998 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contracapa Livraria 2000 ______ A anaacutelise da cultura nas sociedades complexas In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Traduccedilatildeo de John Cunha Comerford Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 107-139 BAUMAN Zygmunt Identidade entrevista a Benedetto Vecchi Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 BERNAL Roberto Jaramillo Iacutendios Urbanos processo de reconformaccedilatildeo das identidades eacutetnicas indiacutegenas em Manaus Manaus EDUA FSDB 2009 BOURDIEU Pierre A identidade e a representaccedilatildeo Elementos para uma reflexatildeo criacutetica sobre a ideia de regiatildeo In O poder simboacutelico Lisboa Difel 1989

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Page 7: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL€¦ · FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M488c Medeiros, Andressa Maria

RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem como temaacuterio Comunidade Sahu-Apeacute artesanato e seus desdobramentos sociais Com o objetivo de entender como acontecem as relaccedilotildees sociais a partir do processo de produccedilatildeo do artesanato e da comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas por esse grupo assim como o impacto dessa produccedilatildeo na vida desse povo Ao analisar o extraordinaacuterio potencial da produccedilatildeo artesanal na comunidade compreendeu-se que essa atividade tem a participaccedilatildeo direta das mulheres na pessoa da Tuxaua Baku bem como na feitura e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas pelas demais da aldeia enquanto os homens tecircm a responsabilidade de coletar o material diretamente na floresta no momento da caccedila pesca e outras atividades proacuteximas agrave aldeia As metodologias que serviram de base e ajudaram no processo investigativo foram a pesquisa de campo auxiliada pelo estudo etnograacutefico fazendo uso de uma abordagem qualitativa Utilizamos como procedimentos adicionais a observaccedilatildeo a entrevista o caderno de campo e os registros em fotografias aacuteudios e filmagens Os aportes teoacutericos que contribuiacuteram foram Torres e Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2018) Prodonov (2013) Oliveira (2011) entre outros Sobremaneira eacute preciso entender o artesanato enquanto praacutetica social uma vez que antes de tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades ao servir como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo Artesanato e turismo provocam mudanccedilas natildeo somente para o turista mas tambeacutem para a populaccedilatildeo residente A pesquisa revelou que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel na vida social e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e as manifestaccedilotildees do trabalho nesse espaccedilo Palavras-chave Artesanato Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Relaccedilotildees sociais

ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

16

contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

23

vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

25

estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

27

interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

28

Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

29

Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

30

O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

32

direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

33

21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

34

Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

35

Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

36

do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

37

06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

38

comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

39

Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

40

parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

41

Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

42

Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

43

Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

44

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

45

Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

46

apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

47

dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

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oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

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e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

50

que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

51

Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

52

Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

55

artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

56

A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

59

Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

64

particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

65

cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

67

Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

68

como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

71

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

76

reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

84

clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

85

circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

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eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

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de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

89

equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

91

Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

92

O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

93

para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

94

da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

95

Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

96

A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

97

Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

98

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

99

a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

100

Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

102

gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

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inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

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usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

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REFEREcircNCIAS

AGNELLI S A C A implementaccedilatildeo da atividade turiacutestica em Brotas ndash SP euforia e decliacutenio Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - Centro Universitaacuterio de Araraquara ndash UNIARA AraraquaraSP 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Terras de quilombo terras indiacutegenas ― babaccediluais livres ―castanhais do povos faxinais e fundos de pasto terras tradicionalmente ocupadas Manaus PPGSCA-UFAM 2006 ALVAREZ Gabriel O Poliacutetica Satereacute-Maweacute do movimento social agrave poliacutetica local Seacuterie Antropologia n 366 Departamento de Antropologia da Universidade de Brasiacutelia 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbricsdanSerie366empdfpdfgt Acesso em 20 jul 2018 ASSIS L F de Turismo sustentaacutevel e globalizaccedilatildeo impasses e perspectivas Revista da casa da geografia de Sobral Sobral ndash CE UVA 2003 BALLIVIAacuteN Joseacute M P Palazuelos (Org) Artesanato Kaingang e Guarani 1 reimpr Satildeo Leopoldo Oikos 2012 BARROSO Milena Fernandes Rotas criacuteticas das mulheres Satereacute-Maweacute no enfrentamento da violecircncia domeacutestica novos marcadores de gecircnero no contexto indiacutegena Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social e Sustentabilidade na Amazocircnia - Universidade Federal do Amazonas Manaus 2011 BARROS Joatildeo Luiz da Costa O brincar e suas relaccedilotildees interculturais na escola indiacutegena 1 ed Curitiba Appris 2015 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe e STREIFF-FENART Jocelyne Teorias da etnicidade seguido de grupos eacutetnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth Satildeo Paulo Editora Fundaccedilatildeo da Unesp 1998 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contracapa Livraria 2000 ______ A anaacutelise da cultura nas sociedades complexas In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Traduccedilatildeo de John Cunha Comerford Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 107-139 BAUMAN Zygmunt Identidade entrevista a Benedetto Vecchi Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 BERNAL Roberto Jaramillo Iacutendios Urbanos processo de reconformaccedilatildeo das identidades eacutetnicas indiacutegenas em Manaus Manaus EDUA FSDB 2009 BOURDIEU Pierre A identidade e a representaccedilatildeo Elementos para uma reflexatildeo criacutetica sobre a ideia de regiatildeo In O poder simboacutelico Lisboa Difel 1989

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SILVEIRA M A T da Poliacutetica de turismo oportunidades ao desenvolvimento local In RODRIGUES A B (Org) Turismo rural 1 ed Satildeo Paulo Contexto 1997 SMITH Neil Gentrificaccedilatildeo a fronteira e a reestruturaccedilatildeo do espaccedilo urbano GEOUSP ndash Espaccedilo e Tempo Satildeo Paulo n 21 p 15-31 2007 SOUZA Marcelo Joseacute Lopes de O territoacuterio sobre espaccedilo e poder autonomia e desenvolvimento In CASTRO Inaacute GOMES Paulo C CORREcircA Roberto (Orgs) Geografia conceitos e temas Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1992 SOUZA M J L de Como pode o turismo contribuir para o desenvolvimento local In RODRIGUES A B (Org) Turismo e desenvolvimento local Satildeo Paulo Hucitec 2000 SOUZA Kalinda Feacutelix e Regimes e transformaccedilotildees cosmoloacutegicas da pajelanccedila Satereacute-Maweacute Manaus UFAM 2011 SOUZA Fabriacutecio Filizola De Iacutendios Citadinos A Constituiccedilatildeo de uma comunidade multieacutetnica no bairro Tarumatilde Manaus AM Dissertaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociedade e Cultura da Amazocircnia ndash UFAM Manaus 2017 TORRES Iraildes Caldas SANTOS Fabiane Vinente Intersecccedilatildeo de Gecircnero na Amazocircnia Manaus EDUA 2011 TRIVINtildeOS A N S Introduccedilatildeo agrave pesquisa em ciecircncias sociais a pesquisa qualitativa em Educaccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 1987 TRIVINtildeOS A N S Introduccedilatildeo agrave pesquisa em ciecircncias sociais a pesquisa qualitativa em Educaccedilatildeo Satildeo Paulo Atlas 2011 TRICAUD Solene PINTON Florence PEREIRA Henrique dos Santos Saberes e praacuteticas locais dos produtores de guaranaacute (Paullina cupana Kunth var sorbilies do meacutedio Amazonas Duas organizaccedilotildees locais frente a inovaccedilatildeo Boletim do Museu Paraense Emiacutelio Goeld Ciecircncias Humanas UGGEacute Henrique Mitologia Satereacute-Maweacute 1 ed [S l] Editora Abya-Yala 1991 VALVERDE RRHF Transformaccedilatildeo no conceito de territoacuterio competiccedilatildeo e mobilidade na cidade GEOUSP - Espaccedilo e Tempo Satildeo Paulo n15 2004 VIDAL Lux Grafismo indiacutegena estudos de antropologia esteacutetica Satildeo Paulo Studio Nobel Editora da Universidade de Satildeo Paulo FAPESP 1992 WEBER Max Economia e sociedade fundamentos da sociologia compreensiva Traduccedilatildeo de Regis Barbosa e Karen Elsabe WOOD Robert E Ethnic Tourism the State and Cultural Change in Southeast Asia In Annals of Tourism Research v 11 1984 Sites Consultados

121

httpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_Conhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4nia httpswwwcomaldamirsatere 2018 118 httpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenas httpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawe httpwwwpetrobrascombrptnossasatividadesprincipaisoperacoesgasodutosurucu-coari-manaushtm

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ABSTRACT

This research work had the following theme Sahu-Apeacute Community handicrafts and their social unfolding and the general objective established was the understanding of how social relations happen from the handicraft production process and the commercialization of handcrafted pieces produced by this social group and what is the impact of this production in these peoples lives Analyzing the extraordinary potential of handicraft production in the community it was understood that this activity has the direct participation of women in the person of tuxaua Baku in the making and marketing of the pieces made by the others in the village while men have the responsibility of collecting the material directly into the forest at the time of hunting fishing and other activities near the village The methodologies that underpinned and helped in the investigative process were field research aided by ethnographic study treated within the qualitative approach and its assistive tools were observation interview notes and records in photographs audios and filming The theoretical support that contributed to this legacy were Torres and Santos (2011) Santos (2015) Barros (2015) Paiva (2016) Prodonov (2013) Oliveira (2011) among others Above all it is necessary to understand the handicrafts as a social practice since it is first and foremost practiced by people who seek alternatives to support the family as well as stimulate concentration creativity and the development of other skills serving as a means of occupation leisure and integration In addition crafts and tourism cause changes for the tourist and the resident population The research also revealed that the dynamics that move the community is indispensable in social life and expresses a relevant tool to understand the interrelations and manifestations of work in this particular area

Keywords Handicraft Sahu-Apeacute Satereacute-Maweacute Social relationships

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Entrada da Vila Ariauacute 30

Figura 2 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute 30

Figura 3 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute 31

Figura 4 Aldeia Satereacute Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute Marau 35

Figura 5 Fruto maduro do guaranazeiro 37

Figura 6 Ritual da Tucandeira39

Figura 7 As formigas tucandeiras 40

Figura 8 Adolescente agonizando41

Figura 9 Ritual da Tucandeira 42

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute 43

Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantin na aldeia Nova

Esperanccedila rio Marau 44

Figura 12 Fotografia de dona Teresa 48

Figura 13 Casa de Sahu 52

Figuras 14 Escola da Aldeia (Tupana Yaporoacute) 52

Figura 15 e 16 Local onde acontecem as festividade (Ritual da Tucandeira) 54

Figura 17 Estruturas de palha presentes na aldeia 53

Figura 18 Cozinha da aldeia 55

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute 55

Figura 20 Colar de sementes61

Figura 21 Realizaccedilatildeo de Pinturas62

Figura 22 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercialiaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute 62

Figura 23 Registro de fotoacutegraficos63

Figura 24 Barraca para Exposiccedilatildeo de artesanato69

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute69 Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

70

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica a aldeia Sahu-

Apeacute usando um colar de morototo e semente de accedilaiacute ) 70

Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de lagrimas de NSenhora e plumagemcolar de

morototo com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute 70

Figura 29 Confecccedilatildeo da luva do ritual da Tucandeira72

Figura 30 Banca de vendas91

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na

escola da aldeia 97

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku) 99

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute 106

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio 107

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku 108

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku 109

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas 103

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM 070 entre Manaus e Manacapuru 29

Mapa 2 Localizaccedilao da Vila Ariauacute na AM 070 29

Mapa 3 Mapa da Aldeia Indiacutegena de Ponta Alegre∕TI Andiraacute- Maraacuteu 35

Mapa 4 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute51

Mapa 5 trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus 82

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGCOM Agecircncia de Comunicaccedilatildeo do Amazonas

AISA Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute

AMIM Associaccedilatildeo de mulheres Sahu-Apeacute

ANAI Associaccedilatildeo Nacional de Apoio ao Iacutendio

CODEAMA Comissatildeo de Desenvolvimento do Estado do Amazonas

CGTSM Conselho Geral da Tribo Satereacute-Maweacute

CPSM Consoacutercio de Produtores Satereacute-Maweacute

CTI Centro de Trabalho Indigenista

CPISP Comissatildeo Proacute-Iacutendio de Satildeo Paulo

CEDI Centro Ecumecircnico de Documentaccedilatildeo e Informaccedilatildeo

COIAB Coordenaccedilatildeo das Organizaccedilotildees Indiacutegenas da Amazocircnia Brasileira

CGPH Comissatildeo Geral do Povos Heskariana

FEPI Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas

FUNAI Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

FUNASA Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede

GGTI Comissatildeo Geral Tribo Ticuna

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IG Indicaccedilatildeo Geograacutefica

ITEAM Instituto de Terras do Amazonas

INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazocircnia

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

TI Terra Indiacutegena

Petrobras Petroacuteleo Brasileiro SA

SEBRAE Serviccedilo Brasileiro de Apoio agraves Pequenas Empresas

SEPROR Secretaria de Produccedilatildeo Rural do Amazonas

SPI Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios

SPVEA Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econocircmica da Amazocircnia

SIL Summer Institut of Linguistics

SPI Sistema de Proteccedilatildeo ao Iacutendio

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNI Uniatildeo das Naccedilotildees Indiacutegenas

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 14

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO 21

11 Trilha Formativa 21

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo 21

12 Procedimentos Metodoloacutegicos24

121 Levantamento Bibliograacutefico 24

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante 24

123 Realizaccedilatildeo da entrevista 25

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo 26

13 Talhes Metodoloacutegicos 27

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute 28

21 Quem satildeo eles 33

211 Povo Satereacute-Maweacute 33

212 Sahu-Apeacute-Maweria Satereacute-Maweacute 46

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda50

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO 59

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute 68

311 Objetos e recursos 68

32 Territoacuterio e Territorialidade 73

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas 81

34 O turismo na Amazocircnia86

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute 88

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute 90

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado 94

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia 98

412 O mosaico religioso da aldeia 105

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 111

REFEREcircNCIAS 114

14

INTRODUCcedilAtildeO

A epiacutegrafe de abertura deste trabalho traduz a amplitude e a pluralidade cultural de um

povo envolvendo o trabalho a miacutestica e toda uma rede de significados e simbologia do

cotidiano dessa comunidade Nesse acircmbito considera-se que conhecer a sociodiversidade dos

povos tradicionais eacute fonte de conhecimento em vaacuterios aspectos e para vaacuterios segmentos sociais

e cientiacuteficos

Destarte este estudo tem como fio condutor a concepccedilatildeo do artesanato em Sahu-Apeacute

em sua forma mais abrangente como um meio de suscitar desdobramentos nos processos de

formaccedilatildeo social e de comportamento O artesanato eacute um itineraacuterio percorrido por essa

populaccedilatildeo suas estrateacutegias e articulaccedilotildees de formulaccedilatildeo de sentidos representaccedilotildees e (re)accedilotildees

a partir das mais complexas relaccedilotildees que englobam a vida cotidiana na comunidade ou seja

nas relaccedilotildees sociais por meio do processo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia Eacute sabido que os moradores vivem basicamente das atividades

artesanais e do turismo eacutetnico divulgando sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das

exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos interessados nas diversas questotildees

indiacutegenas

Ademais a pesquisa tem como proposiccedilatildeo investigativa e temaacutetica central a

comunidade Sahu-Apeacute Produccedilatildeo artesanal e os desdobramentos sociais O pretendido campo

de estudo estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no Amazonas com redes de relaccedilotildees

ligadas inerentes ao territoacuterio e possuem tambeacutem como especificidade um processo de

reorganizaccedilatildeo socioambiental que implica a criaccedilatildeo de uma nova unidade sociocultural de

existecircncia a qual se apoia como jaacute dito a cima no artesanato no turismo e na farmaacutecia como

meios de renda e tambeacutem como uma forma conexatildeo No que concerne aos aspectos econocircmicos

comerciais e de caraacuteter exibicionista Sahu-Apeacute difere das demais comunidades como

Yapyrehyt Waikiru e Inhatilde-Beacute localizadas proacuteximas a Manaus

A relevacircncia social deste trabalho se apresenta no fato de que existe um processo de

criaccedilatildeo de relaccedilotildees na comunidade indiacutegena a partir da produccedilatildeo do artesanato uma atividade

laboral praticada pelos indiacutegenas considerada como potencializadora de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de

renda para as famiacutelias que mantecircm seu labor na produccedilatildeo de souvenires colares tiaras cocares

pulseiras chapeacuteus entre outros

Contudo a arte artesanal natildeo pode ser apenas encarada como um conjunto de teacutecnicas

e processos dirigidos agrave produccedilatildeo de bens manufaturados mas eacute vista diante da reciprocidade

das relaccedilotildees com o meio em que se expande ou seja dentro do contexto cultural que gera

15

dinamizaccedilatildeo de outras atividades como comeacutercio e serviccedilos ligados intimamente agraves atividades

turiacutesticas

Ao pensarmos nas artes indiacutegenas inevitavelmente percebemos que o significado

tradicional de arte difere da forma como os povos indiacutegenas a entendem Pois sob o ponto de

vista europeu a arte deve ser contemplada em um ambiente propiacutecio e separado de toda a

movimentaccedilatildeo cotidiana As artes indiacutegenas para as populaccedilotildees tradicionais o objeto artiacutestico

natildeo estaacute extremamente ligado agrave funccedilatildeo esteacutetica mas sim agrave funccedilatildeo utilitaacuteria

Observamos essa diferenccedila em relaccedilatildeo ao proacuteprio artista No que diz respeito a isso

existe um ldquouniverso da arterdquo composto por estudantes de arte professores criacuteticos jornalistas

e pelo proacuteprio artista Nas sociedades indiacutegenas natildeo existe esse ldquouniverso das Artesrdquo porque

natildeo existe a visatildeo da arte como atividade diferenciada e indissociaacutevel do sentido uacutetil do objeto

Mas isso natildeo quer dizer que dentro dessa compreensatildeo de arte pelos povos indiacutegenas natildeo exista

a funccedilatildeo esteacutetica e ateacute afetiva para com as peccedilas O processo esteacutetico na visatildeo antropoloacutegica

estaacute ligado agrave accedilatildeo humana nesse sentido Lux Vidal nos mostra que

De acordo com uma visatildeo antropoloacutegica afirma-se que o processo esteacutetico natildeo eacute inerente ao objeto estaacute ancorado na matriz da accedilatildeo humana Eacute possiacutevel entatildeo afirmar que o fenocircmeno esteacutetico eacute feito digamos de experiecircncias em tom qualitativo O produtor a plateacuteia e o objeto interagem dinamicamente cada um contribuindo para a experiecircncia que eacute ao mesmo tempo esteacutetica e artiacutestica Cabe perguntar ateacute que ponto esses valores satildeo culturalmente condicionad os e ateacute que ponto satildeo algo humanamente mais universal De modo geral para a antropologia interessa o culturalmente definido sem que no entanto descartem-se as possibilidades de investigaccedilatildeo a partir de conceitos elaborados pela psicologia pela teoria da comunicaccedilatildeo ou pela esteacutetica ( Lux Vidal 1992 p 281)

Compreendemos entatildeo que a arte eacute culturalmente definida de acordo com a cultura em

questatildeo assim para as populaccedilotildees indiacutegenas arte eacute praacutetica esteacutetica e funcional aleacutem de ser

um sistema simboacutelico e transmissor de conhecimento e afetividade corroborando a ideia de que

arte eacute uma praacutetica social

Eacute importante frisar que a histoacuteria do artesanato teve iniacutecio no mundo com a proacutepria

histoacuteria do homem que passou a dominar e a produzir bens de utilidade e uso rotineiro para

atender agraves suas necessidades e desse modo poder expressar a capacidade criativa e produtiva

como forma de trabalho uma maneira de preservar sua cultura e buscar proventos para o

sustento da famiacutelia Registra-se que atraveacutes da arte artesanal houve um crescimento por parte

dos consumidores de produtos diferenciados e originais atraveacutes de seu surgimento uma

16

contrapartida agrave massificaccedilatildeo e agrave uniformizaccedilatildeo de produtos globalizados promovendo o resgate

cultural e a identidade regional

A comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute tem acentuadamente o artesanato e o turismo como

pontos fortes uma estrateacutegia de desenvolvimento local na medida em que possibilitam natildeo

apenas a inserccedilatildeo do povo em meio ao ldquopovo brancordquo mas tambeacutem por viabilizarem um meio

de sobrevivecircncia e qualidade de vida em resgate de sua cidadania e a autoestima de pessoas

que muitas das vezes se sentem excluiacutedas por serem indiacutegenas

Foi nesse caminho de perspectivas que se desenvolveu este estudo com vistas a

conhecer as relaccedilotildees geradas pela vinculaccedilatildeo dos setores de Artesanato e do Turismo mediante

a inserccedilatildeo do artesatildeo e seu local de produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de

estrateacutegias ligadas agrave comercializaccedilatildeo de produtos na proacutepria aldeia garantindo dessa forma os

proventos para a comunidade

Mundialmente o turismo eacute visto como um grande gerador de empregos de renda e de

divisas e pode vir a ser a soluccedilatildeo para o desenvolvimento econocircmico social de uma

comunidade E ao falar em turismo voltei meu olhar para as minhas raiacutezes pois sou

umbilicalmente ligada agrave ilha de Tupinambarana a cidade de Parintins que recebe turistas

domeacutesticos e internacionais vaacuterias vezes ao ano O turismo oferecido eacute cultural religioso e

ecoloacutegico e esse eacute um meio de capitanear investimento para a cidade e seu povo

Ainda no tocante agrave cidade de Parintins esta realiza um dos maiores espetaacuteculos a ceacuteu

aberto do mundo e carrega fortemente o orgulho de expor a heranccedila cultural dos seus

antepassados Orgulho que se manifesta em toadas (muacutesicas apresentadas no festival folcloacuterico

de Parintins) nos discursos cotidianos de rivalidade entre os contraacuterios nas indumentaacuterias que

usam (personagens femininos e masculinos) e estatildeo presentes desde muito cedo na vida dos

parintinenses Tais manifestaccedilotildees se datildeo no desejo de cada menina que ao colocar um cocar

de penas se imagina uma cunhatilde-poranga (mulher bonita) escolhida pelos seres da floresta e

seus ancestrais para lutar e defender sua aldeia A moccedila bonita aleacutem da sua beleza natural se

reveste da forccedila da mulher adornada de penas dentes sementes e outros materiais sendo esse

um momento de expressar a cultura e a arte do povo Parintintim

A referida cidade eacute em potencial turiacutestica estaacute localizada no interior do Amazonas a

uma distacircncia de 370 km em linha reta e por via fluvial 420 km Tem uma populaccedilatildeo resultante

da miscigenaccedilatildeo das trecircs etnias baacutesicas que compotildeem a populaccedilatildeo brasileira o iacutendio o europeu

e o negro sendo que dessa hibridaccedilatildeo nasceram os mesticcedilos da regiatildeo conhecidos como

caboclos Mas se entende que a populaccedilatildeo do Amazonas descende de uma miscigenaccedilatildeo mais

voltada para a populaccedilatildeo indiacutegena

17

Historicamente os povos tradicionais do Brasil satildeo detentores dos saberes artiacutesticos

dentre esses povos a naccedilatildeo Satereacute-Maweacute um povo que manteacutem sua presenccedila entre os rios

Tapajoacutes e Madeira a regiatildeo do meacutedio rio Amazonas nas imediaccedilotildees dos estados do Amazonas

e do Paraacute Esses indiacutegenas estatildeo distribuiacutedos em cinco municiacutepios distintos Barreirinha

Parintins Maueacutes pelo estado do Amazonas e Itaituba e Aveiro pelo estado do Paraacute

Atualmente eles habitam densamente sua terra tradicional com aproximadamente 8500 iacutendios

entre os rios Andiraacute e os Marau sem considerar a populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute residente em Manaus

e em outros municiacutepios

O povo da aldeia Sahu-Apeacute estaacute localizado no municiacutepio de Iranduba no estado do

Amazonas cenaacuterio no qual se desenvolveu nossa pesquisa Ao realizar este trabalho

percorremos trajetos de vida e experiecircncias dos sujeitos em questatildeo delimitadas aqui em quatro

etapas com conexotildees metodoloacutegicas entre si Na primeira etapa apresentamos a relevacircncia da

pesquisa para os estudos antropoloacutegicos contemporacircneos cujo objetivo foi analisar a dinacircmica

da estrutura familiar religiosa e comercial desse povo de maneira a entender as movimentaccedilotildees

dos proacuteprios materiais desde a mateacuteria-prima utilizada ateacute a finalizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos

produtos e observar a participaccedilatildeo do gecircnero feminino no desenvolvimento da produccedilatildeo do

artesanato evidenciando a pessoa de dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da

aldeia

Em seguida apresentamos o percurso formativo da pesquisa que se consistiu na

construccedilatildeo sistemaacutetica das informaccedilotildees atividades e experiecircncias desenvolvidas no percurso

da vivecircncia e apoacutes o aprofundamento teoacuterico e a realizaccedilatildeo da pesquisa Ainda nesse capiacutetulo

delineamos os procedimentos empiacutericos e o percurso metodoloacutegico adotados na

problematizaccedilatildeo dos conhecimentos em confronto com a realidade social assentados em

fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos e teacutecnicas de estudo de campo

Outra etapa de estruturaccedilatildeo da pesquisa consistiu no amadurecimento teoacuterico das

categorias voltadas para a compreensatildeo do que eacute a antropologia e o fazer antropoloacutegico aleacutem

dos conceitos de cultura artesanato relaccedilotildees sociais e sociedades tradicionais indiacutegenas

elencadas como majoritaacuterias que se deu no cumprimento das disciplinas obrigatoacuterias e

optativas junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da Universidade Federal de

Sergipe ndash PPGAUFS ndash e ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Educaccedilatildeo da Universidade Federal

do Amazonas ndash NPGEDUFAM Aleacutem disso contamos com as discussotildees e participaccedilotildees em

eventos em diferentes aacutereas

18

A terceira etapa ndash ideaccedilatildeo da pesquisa ndash consolidou-se no processo de conectar as

experiecircncias vivenciadas com a pesquisa ora apresentada vinculada a partir de um resgate

histoacuterico dialeacutetico pessoal e acadecircmico

Na quarta etapa por sua vez reunimos o estudo de campo que se caracterizou pela

identificaccedilatildeo do local dos sujeitos e das redes de relaccedilotildees da aldeia Sahu-Apeacute Salientamos que

o caraacuteter qualitativo da pesquisa apresenta a potencialidade da cultura como preservaccedilatildeo dos

saberes dos talentos da tradiccedilatildeo do povo da populaccedilatildeo hibrida que jaacute faz parte da comunidade

devido ao casamento de indiacutegenas com membros de outros povos

Os conhecimentos teoacutericos adquiridos sobre o tema em contato com a realidade

vivenciada pelos interlocutores sustentaram-se em uma perspectiva de construccedilatildeo de

conhecimentos inovadores que sejam tatildeo criativos quanto proacuteprios das ciecircncias voltadas agrave

construccedilatildeo da teoria social

O estudo realizado na aldeia Sahu-Apeacute na vila Ariauacute no municiacutepio de Iranduba

proacutexima agrave capital Manaus no estado do Amazonas se deu em um espaccedilo cuja realidade

histoacuterico-cultural eacute construiacuteda em conjunto com eventos originados fora dos limites locais

eventos esses que se desenvolvem a partir da saiacuteda da terra indiacutegena Andiraacute Marau da iniciaccedilatildeo

do comeacutercio de peccedilas derivados de seus estilos de vida da participaccedilatildeo em eventos no hotel

Ariauacute Tower do beneficiamento do programa de gasoduto Coari-Manaus etc

A presente pesquisa trilhou etapas para elaborar os capiacutetulos estando assim estruturada

No primeiro capiacutetulo apresentamos a metodologia utilizada para o desenvolvimento e

a realizaccedilatildeo desta pesquisa fizemos um levantamento bibliograacutefico e em seguida visitas ao

campo Foram feitas observaccedilotildees direcionadas agrave temaacutetica do estudo junto aos interlocutores e

instituiccedilotildees de apoio ao povo Satereacute-Maweacute tanto em Manaus como em Parintins Barreirinha

e Maueacutes no decorrer das visitas encontros e eventos realizados na aldeia Foram utilizadas

teacutecnicas de entrevista semiestruturada conversas informais registros fotograacuteficos registros de

aacuteudios registros em diaacuterios de campo e coleta de material artesanal produzido

No percurso metodoloacutegico adotamos a abordagem qualitativa com ecircnfase agraves anaacutelises

emergidas durante o processo da observaccedilatildeo etnograacutefica antecedida das etapas de revisatildeo

bibliograacutefica e documental Para a discussatildeo sobre metodologia foram convidados autores com

conhecimento de causa sobre o tema Dentre esses teoacutericos como Gil (2002) e Trivintildeos (2011)

E tendo uma visatildeo mais direcionada ao meacutetodo etnograacutefico buscamos respaldo em Cardoso

de Oliveira (2000)

No segundo capiacutetulo expomos uma versatildeo histoacuterica da aldeia Sahu-Apeacute por se

constituir como um loacutecus diferenciado em que as interaccedilotildees desta pesquisa aconteceram Pela

19

particularidade de ter sua gecircnese urbana pertencente agrave aacuterea metropolitana de Manaus a aldeia

constitui-se como um lugar antropoloacutegico com simbolismos e significados edificados pelas

relaccedilotildees e contradiccedilotildees da vida social que foram e satildeo desenvolvidas em seus limites

geograacuteficos

No terceiro capiacutetulo por sua vez nos inclinamos ao entendimento da produccedilatildeo material

aos objetos e seus percursos aleacutem do territoacuterio e da territorialidade da aldeia Sahu-Apeacute e

finalizamos com a importacircncia do gasoduto Coari-Manaus Abordamos tambeacutem as relaccedilotildees

sociais que se desenvolvem a partir da produccedilatildeo de artesanato que satildeo construiacutedas nessa

interaccedilatildeo de habitanteidentidadelugar Para que chegaacutessemos a entender o processo de

produccedilatildeo artesanal do povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foi necessaacuterio

primeiramente o conhecimento da trajetoacuteria histoacuterica deles tanto ainda nados que moravam

ainda na terra indiacutegena Andiraacute-Marau localizada entre os estados do Amazonas e do Paraacute

como tambeacutem em outro momento da vida desse povo quando jaacute residindo na capital do

Amazonas

Foi imprescindiacutevel saber como viviam como se relacionavam e como se estabeleciam

as praacuteticas sociais econocircmicas e culturais desse povo O artesanato para o povo Satereacute-Maweacute eacute

parte inerente de seus ritos mitos e costumes ou seja faz parte do proacuteprio viver dessa

populaccedilatildeo Partimos nesse sentido do pressuposto de que inicialmente entendecircssemos seu

modo de vida social condiccedilatildeo essencial e primordial para a compreensatildeo da produccedilatildeo do

artesanato

Percebemos na historicidade desse povo que segundo os primeiros relatos ainda na

deacutecada de 30 eles viviam praticamente da coleta da pesca da caccedila aleacutem de serem agricultores

e produzirem diversos alimentos para sua subsistecircncia Constatou-se que eles tinham uma

atenccedilatildeo especial principalmente agrave produccedilatildeo de guaranaacute que se configurava como fonte de vida

para esse povo segundo sua mitologia

Em siacutentese os objetos artesanais dos Satereacute-Maweacute eram produzidos para se atender agraves

necessidades baacutesicas desse povo no que se diz respeito a utensiacutelios para o cotidiano adornos

pessoais e tambeacutem objetos utilizados em rituais citamos para melhor clareza o proacuteprio

Porantig e a luva utilizada no Ritual da Tucandeira Nesse acircmbito percebemos que o contexto

artesanal Satereacute-Maweacute tambeacutem estaacute vinculado diretamente ao sistema ritual desse povo

Para a tentativa de compreensatildeo da organizaccedilatildeo desse povo utilizamos trabalhos de

autores como Lorenz (1992) Alvarez (2005) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991)

Santos (2015) que em seus diferentes objetos de estudo fazem menccedilatildeo agrave estrutura

organizacional do povo Satereacute-Maweacute Jaacute nas discussotildees a respeito do conceito de artesanato

20

por sua vez trouxemos os trabalhos de autores como Vidal (1992) Balliviaacuten (2012) Mauro

(2016) Silva (2009) e Barth (1969)

No quarto capiacutetulo ressaltamos a compreensatildeo do turismo na Amazocircnia e em Sahu-

Apeacute e a importacircncia desta anaacutelise para os estudos contemporacircneos na aacuterea da antropologia

analisamos as diversas dinacircmicas deste povo como tambeacutem as movimentaccedilotildees das mateacuterias-

primas usadas desde o desenvolvimento ateacute a comercializaccedilatildeo dos produtos aleacutem disso

observamos a participaccedilatildeo do gecircnero feminino nessas atividades dando evidecircncia agrave pessoa de

dona Zelinda Freitas primeira tuxaua e fundadora da aldeia seguindo de uma anaacutelise sobre a

religiatildeo em Sahu-Apeacute Por fim satildeo apresentadas as consideraccedilotildees finais da pesquisa

21

1 PERCURSO METODOLOacuteGICO

Pesquisar eacute marchar sendo possiacutevel por meio da metodologia ldquoo caminho do

pensamento e a praacutetica exercida na abordagem da realidaderdquo (MINAYO 2010 p 14) Assim

ela ldquoinclui simultaneamente a teoria da abordagem (o meacutetodo) os instrumentos de

operacionalizaccedilatildeo do conhecimento (as teacutecnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiecircncia sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)rdquo (MINAYO 2010 p 14) Destacamos

ainda que para Minayo

Enquanto abrangecircncia de concepccedilotildees teoacutericas de abordagem a teoria e a metodologia caminham juntas intrincavelmente inseparaacuteveis Enquanto conjunto de teacutecnicas a metodologia deve dispor de um instrumento claro coerente elaborado capaz de encaminhar os impasses teoacutericos para o desafio da praacutetica (2010 p 15)

A intenccedilatildeo principal da pesquisa foi investigar de forma constante e etnograacutefica os

recortes das realidades simbolicamente construiacutedas pelos artesatildeos da comunidade indiacutegena

Sahu-Apeacute especialmente os relacionados agraves transformaccedilotildees sociais e ambientais que

priorizavam a emancipaccedilatildeo dos sujeitos e de suas geraccedilotildees futuras no que se refere ao artesanato

e ao turismo Assim este trabalho desmitificou situaccedilotildees concretas da realidade a partir da

tensatildeo entre atividade cultural e sua relaccedilatildeo com o turismo e o turista Atraveacutes de nossas

anaacutelises procuramos mostrar algumas das muitas tensotildees socioambientais que satildeo capazes de

responder metodologicamente agrave inquietaccedilatildeo desta pesquisa

Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho visto que

nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante acerca da qual destacamos

tambeacutem as contribuiccedilotildees de Cardoso de Oliveira (2000) O meacutetodo etnograacutefico nos deu suporte

para a realizaccedilatildeo de entrevistas diaacuterios de campo e registros fotograacuteficos sendo possiacutevel a

realizaccedilatildeo desta pesquisa contando com a colaboraccedilatildeo de interlocutores como a senhora Zelinda

Freitas (Tuxaua Baku) lideranccedila na aldeia e tambeacutem seu filho Sahu membros da comunidade

aleacutem das instituiccedilotildees que tratam de questotildees indiacutegenas no Estado do Amazonas

11 Trilha Formativa

111 Tipo de pesquisa e abordagem de estudo

22

Ao Considerar que o objeto de estudo eacute a comunidade Sahu-Apeacute Artesanato e seus

desdobramentos sociais e levamos em conta a natureza do problema e optamos por realizar

uma pesquisa qualitativa a partir da utilizaccedilatildeo do meacutetodo etnograacutefico escolhido em funccedilatildeo da

possibilidade de investigaccedilatildeo profunda e exaustiva do fenocircmeno a ser estudado e da

compreensatildeo mais proacutexima da realidade social

Geertz nos fala que

A etnografia eacute uma descriccedilatildeo densa O que o etnoacutegrafo enfrenta de fato a natildeo ser quando (como deve fazer naturalmente) estaacute seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados eacute uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas muitas delas sobrepostas ou amarradas umas agraves outras que satildeo simultaneamente estranhas irregulares inexpliacutecitas e que ele tem que de alguma forma primeiro apreender e depois apresentar Fazer etnografia eacute como tentar ler (no sentido de lsquoconstruir uma leitura dersquo) um manuscrito estranho desbotado cheio de elipses incoerecircncias emendas suspeitas e comentaacuterios tendenciosos (1989 p 20)

Segundo Mattos (2011p50) acerca da abordagem etnograacutefica na investigaccedilatildeo

cientiacutefica ldquoA maior preocupaccedilatildeo da etnografia eacute obter uma descriccedilatildeo densa a mais completa

possiacutevel sobre um grupo particular de pessoas e o significado das perspectivas imediatas que

eles tecircm do que fazemrdquo

Mattos pontua tambeacutem que

A etnografia como abordagem de investigaccedilatildeo cientiacutefica traz algumas contribuiccedilotildees para o campo das pesquisas qualitativas em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais processos de exclusatildeo e situaccedilotildees soacutecio-interacionais por alguns motivos entre eles estatildeo Primeiro preocupa-se com uma anaacutelise holiacutestica ou dialeacutetica da cultura isto eacute a cultura natildeo eacute vista como um mero reflexo de forccedilas estruturais da sociedade mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as accedilotildees e interaccedilotildees humanas (2011 p 50)

Compreende assim o estudo pela observaccedilatildeo direta e por um periacuteodo de tempo das

formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas um grupo de pessoas associadas

de alguma maneira uma unidade social representativa para estudo seja ela formada por poucos

ou muitos elementos Destarte a etnografia estuda preponderantemente os padrotildees mais

previsiacuteveis das percepccedilotildees e dos comportamentos manifestos na rotina diaacuteria dos sujeitos

estudados Estuda ainda os fatos e eventos menos previsiacuteveis ou manifestados particularmente

em determinado contexto interativo entre as pessoas ou os grupos O objetivo da etnografia eacute

observar de forma presente os modos como esses grupos sociais ou pessoas administram suas

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vidas e consequentemente suas relaccedilotildees com os aspectos sociais com o escopo de revelar a

definiccedilatildeo do cotidiano em que os personagens atuam Sua ecircnfase se inclina no sentido de

realizar a documentaccedilatildeo e o monitoramento para que assim possamos encontrar o sentido da

accedilatildeo

A natureza da pesquisa requereu um estudo com foco na vida cotidiana da comunidade

Sahu-Apeacute e foi precisamente o que aconteceu a presenccedila do pesquisador in loacutecus E para essa

feitura buscamos outra ferramenta de trabalho ndash a pesquisa de campo Ribeiro (1979)

acrescenta que o estudo tem de estar relacionado ao contexto social a fim de que a compreensatildeo

se torne possiacutevel e possibilite novas indagaccedilotildees Dessa forma as noccedilotildees de estrutura social

totalidade e contradiccedilatildeo satildeo elementos que constituem a pesquisa

Segundo Prodonov (2013 p 59) a pesquisa de campo eacute aquela utilizada com o objetivo

de conseguir informaccedilotildees eou conhecimentos acerca de um problema para o qual procuramos

uma resposta ou de uma hipoacutetese que queiramos comprovar ou ainda descobrir novos

fenocircmenos ou as relaccedilotildees entre eles As fases da pesquisa de campo requerem em primeiro

lugar a realizaccedilatildeo de uma pesquisa bibliograacutefica com imbricamentos com o tema

Foi por meio dessa intenccedilatildeo que desenvolvemos o trabalho utilizando a pesquisa de

campo por possibilitar um estudo ligado diretamente ao local conjugado ao objeto a ser

investigado pois isso exige do pesquisador um encontro mais direto Nesse caso o pesquisador

precisa ir ao espaccedilo em que o fenocircmeno ocorre ou ocorreu e reunir um conjunto de

informaccedilotildees a serem documentadas Este trabalho de investigaccedilatildeo aconteceu na comunidade

Sahu-Apeacute onde foi possiacutevel a observaccedilatildeo direta da feitura e comercializaccedilatildeo dos produtos

artesanalmente construiacutedos na comunidade

Para Gil (1999) o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigaccedilatildeo das

questotildees relacionadas ao fenocircmeno em estudo e das suas relaccedilotildees mediante a maacutexima

valorizaccedilatildeo do contato direto com a situaccedilatildeo estudada buscando-se o que era comum mas

permanecendo entretanto aberta para perceber a individualidade e os significados muacuteltiplos

Na concretizaccedilatildeo desta pesquisa as visitas agrave comunidade resultaram numa vivecircncia

com o objeto pesquisado sendo esta uma condiccedilatildeo possiacutevel para a prospecccedilatildeo das informaccedilotildees

pretendidas Tal concretizaccedilatildeo foi composta da pesquisa documental qualitativa e

bibliograacutefica aleacutem do trabalho de campo e da observaccedilatildeo

A pesquisa bibliograacutefica utilizou artigos da internet revistas obras claacutessicas e

contemporacircneas bem como perioacutedicos especializados sobre o tema investigado Jaacute a pesquisa

documental fizemos uso de referecircncias institucionais (sites relatoacuterios projetos e plano de

governo)

24

12 Procedimentos Metodoloacutegicos

121 Levantamento Bibliograacutefico

O processo de revisatildeo literaacuteria eacute de extrema importacircncia para o desenvolvimento do

trabalho acadecircmico pois eacute atraveacutes dele que o pesquisador posiciona seu trabalho dentro da

grande aacuterea de pesquisa da qual faz parte contextualizando-o

Por meio da revisatildeo de literatura o pesquisador reporta e avalia o conhecimento

produzido em pesquisas preacutevias destacando conceitos procedimentos resultados discussotildees

e conclusotildees relevantes para seu trabalho Nessa parte do estudo satildeo discutidas as questotildees

relacionadas ao estado da arte da aacuterea em que a pesquisa se insere

A pesquisa bibliograacutefica possibilita uma ampla aquisiccedilatildeo de elementos aleacutem de

possibilitar a emprego de informaccedilotildees dispersas em inuacutemeras publicaccedilotildees ajudando tambeacutem

na constituiccedilatildeo ou na melhor significaccedilatildeo do quadro de conceitos que direciona o elemento de

estudo sugerido (GIL 1994) Ao tratar da pesquisa bibliograacutefica eacute importante destacar que ela

eacute sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo contribuindo com

elementos que subsidiam a anaacutelise futura dos dados obtidos Portanto difere da revisatildeo

bibliograacutefica uma vez que vai aleacutem da simples observaccedilatildeo de dados contidos nas fontes

pesquisadas pois imprime sobre eles a teoria a compreensatildeo criacutetica do significado neles

existente (LIMA MIOTO 2007 apud OLIVEIRA 2011)

122 Realizaccedilatildeo da Observaccedilatildeo Participante

Uma outra ideia-valor a ser destacada como constituinte do oficio antropoloacutegico eacute a ldquoobservaccedilatildeo participanterdquo que jaacute mencionei momentos atraacutes Permito-me dizer que talvez seja ela a responsaacutevel pela caracterizaccedilatildeo do trabalho de campo antropoloacutegico distinguindo-a enquanto disciplina de suas irmatildes nas ciecircncias sociais Apesar dessa observaccedilatildeo participante ter alcanccedilado sua forma mais consolidada na investigaccedilatildeo etnoloacutegica junto a populaccedilotildees aacutegrafas e de pequena escala isso natildeo significa que ela natildeo ocorra no exerciacutecio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais da sociedade a que pertence o proacuteprio antropoacutelogo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 P 34)

O desenvolvimento e a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante demandam um tempo longo

ateacute mesmo a entrada no ambiente eacute negociaacutevel A realizaccedilatildeo desta pesquisa junto agrave comunidade

Sahu-Apeacute se deu em um processo muito simples e sem grandes problemas O contato inicial se

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estabeleceu junto agrave tuxaua a qual na ocasiatildeo jaacute se encontrava muito enferma e encaminhou a

decisatildeo de aceitaccedilatildeo ou natildeo desta pesquisa na aldeia para o filho mais novo Sahu Na ocasiatildeo

depois da explicaccedilatildeo dos objetivos desta pesquisa foi cobrado um valor de quinhentos e

cinquenta reais valor esse que incluiacutea entrevistas fotografias filmagens e acomodaccedilotildees na

comunidade ateacute o periacuteodo do mecircs de junho

Assim o tempo eacute um preacute-requisito muito importante para o desenvolvimento da

observaccedilatildeo participante e soacute ele pode propiciar ao pesquisador a compreensatildeo e a anaacutelise dos

objetivos propostos A observaccedilatildeo participante eacute mais empregada em estudos exploratoacuterios e

natildeo tem planejamento e controle previamente elaborados O ecircxito da utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica

vai depender do observador de estar atento aos fenocircmenos que ocorrem no mundo que o cerca

de sua perspicaacutecia de seu discernimento preparo e treino aleacutem de ter uma atitude de prontidatildeo

No entanto a observaccedilatildeo participativa pode apresentar perigos quando o pesquisador ao pensar

que sabe mais do que o realmente presencia ou quando se deixa envolver emocionalmente A

fidelidade no registro dos dados eacute fator importantiacutessimo na pesquisa cientiacutefica (PRODONOV

2013 p 104)

123 Realizaccedilatildeo da entrevista

As entrevistas semiestruturadas podem ser definidas como uma lista das informaccedilotildees

que se deseja de cada entrevistado mas a forma de perguntar (a estrutura da pergunta) e a ordem

em que as questotildees satildeo feitas iratildeo variar de acordo com as caracteriacutesticas de cada entrevistado

Geralmente as entrevistas semiestruturadas baseiam-se em um roteiro constituiacutedo de ldquo[] uma

seacuterie de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem previstardquo (LAVILLE e DIONNE

1999 p187-188)

A teacutecnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma conversa diretiva com os

interlocutores na aldeia Desse momento foi possiacutevel registrar a conversa com a Tuxaua Baku

mesmo que sempre muito curta e com o passar do tempo cada vez mais rara devido ao estado

de sauacutede da tuxaua com Sahu seu filho caccedilula atualmente pajeacute da aldeia que durante o periacuteodo

da pesquisa sempre era responsaacutevel por falar pela aldeia com Midian a filha mais nova da

tuxaua que depois da morte da Tuxaua Baku perceptivelmente apresentou uma voz mais ativa

na comunidade realizando entrevistas e tentando atuar como a atual Tuxaua da comunidade

e no decorrer do processo da pesquisa as entrevistas foram realizadas com outros adultos e

crianccedilas da comunidade

26

124 Teacutecnica da observaccedilatildeo

A observaccedilatildeo tambeacutem eacute considerada uma coleta de dados para conseguir informaccedilotildees

sobre determinados aspectos da realidade Ela ajuda o pesquisador a ldquo[] identificar e obter

provas a respeito de objetivos sobre os quais os indiviacuteduos natildeo tecircm consciecircncia mas que

orientam seu comportamentordquo (MARCONI LAKATOS 1996 p 79 apud OLIVEIRA 2011)

A observaccedilatildeo tambeacutem obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade Como

a maioria das teacutecnicas de pesquisa a observaccedilatildeo sempre deve ser utilizada juntamente com

outra teacutecnica de pesquisa pois do ponto de vista cientiacutefico essa teacutecnica possui vantagens e

limitaccedilotildees que podem ser administradas com o uso concorrente de outras teacutecnicas de pesquisa

(MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

Para a realizaccedilatildeo dessa atividade foi utilizada a observaccedilatildeo natildeo participante em que o

observador entra em contato com o grupo a comunidade ou a realidade estudada poreacutem natildeo

se envolve nem se integra a ela permanece de fora O observador presencia o fato mas natildeo

participa dele (MARCONI LAKATOS 1996 apud OLIVEIRA 2011)

a) Diaacuterio de campo

O diaacuterio de campo eacute uma ferramenta que estaacute estreitamente ligada agrave teacutecnica de

observaccedilatildeo direta nele eacute possiacutevel registrar dados do que eacute observado e anotar dados minuciosos

para que natildeo sejam esquecidos Barroso (2011) descreve que a observaccedilatildeo eacute uma teacutecnica de

coleta de dados para conseguir informaccedilotildees e utiliza os sentidos na obtenccedilatildeo de determinados

aspectos da realidade Natildeo consiste apenas em ver e ouvir mas tambeacutem em examinar fatos ou

ferramentas que se deseja estudar Assim

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe satildeo estranhas a vivecircncia que delas passa a ter cumpre uma funccedilatildeo estrateacutegica no ato de elaboraccedilatildeo do texto uma vez que essa vivecircncia soacute assegurada pela observaccedilatildeo participante ldquoestando laacuterdquo passa a ser evocada durante toda a interpretaccedilatildeo do material etnograacutefico no processo de sua inscriccedilatildeo no discurso da disciplina Costumo dizer aos meus alunos que os dados contidos no diaacuterio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador o que equivale dizer que a memoacuteria constitui provavelmente o elemento mais rico na redaccedilatildeo de um texto contendo ela mesma uma massa de dados cuja significaccedilatildeo eacute melhor alcanccedilaacutevel quando o pesquisador a traz de volta do passado tornando-a presente no ato de escrever Seria uma espeacutecie de personificaccedilatildeo do passado com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenecircutico ou em outras palavras com toda a influecircncia que o ldquoestando aquirdquo pode trazer para a compreensatildeo ndash Verstehen ndash e

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interpretaccedilatildeo dos dados entatildeo obtidos no campo (CARDOSO DE OLIVEIRA 2000 p 34)

O diaacuterio de campo eacute o parceiro do pesquisador nele o pesquisador relata sua trajetoacuteria

o percurso para se chegar ao campo de estudo e outros eventos ocorridos e que natildeo fazem parte

do estudo Segundo Trivintildeos (1987) o diaacuterio de campo possui dois tipos de anotaccedilotildees 1)

descritiva transmite com exatidatildeo a situaccedilatildeo observada 2) analiacutetico-reflexiva observaccedilatildeo dos

acontecimentos e processos que indicam quais questotildees devem ser aprofundadas

b) Registro fotograacutefico

Eacute uma boa ferramenta de trabalho contribuindo para comprovar ou provar aquilo que

pesquisa melhor dizendo o que nos interessa confirmando como de fato satildeo e suas

peculiaridades mas interagindo com o texto com a pesquisa Assim utilizamos a fotografia no

primeiro momento como registro documental para composiccedilatildeo de arquivos e posteriormente

como instrumento de feedback

A fotografia eacute de acordo com a semioacutetica um signo e junto a ele a representaccedilatildeo e os

trecircs aspectos que ela engloba a significaccedilatildeo a objetivaccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo Nesse sentido o

desenvolvimento desta pesquisa se realizou tranquilamente em Sahu-Apeacute pois os componentes

da comunidade satildeo muito soliacutecitos ao serem registrados Em algumas vezes havia ateacute o pedido

para serem fotografados junto com suas peccedilas e esse pedido sempre vinha seguido de outro

para que essas fotos fossem postadas nas minhas redes sociais expondo e evidenciando o

trabalho deles

13 Talhes Metodoloacutegicos

Para desenvolver este estudo inicialmente foram utilizados instrumentos de

levantamento empiacuterico ou seja descrever a partir da observaccedilatildeo e da produccedilatildeo especiacutefica do

povo estudado Partimos da observaccedilatildeo das mateacuterias-primas utilizadas da dinamicidade dessa

mateacuteria-prima da comercializaccedilatildeo e por fim das relaccedilotildees sociais eminentes dessa produccedilatildeo

dentro da aldeia

O universo desta pesquisa nos remete agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute descendente

do povo Satereacute-Maweacute localizada no municiacutepio de Iranduba proacuteximo aos municiacutepios de

Manacapuru e Manaus

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Nossa pesquisa se realizou em 11 meses de fevereiro a dezembro de 2018 O campo

desta pesquisa ocorreu junto agrave aldeia sempre em contato com os artesatildeos Satereacute-Maweacute A

realizaccedilatildeo das entrevistas foi feita diretamente com os homens e as mulheres desse grupo e

tambeacutem nos eventos encontros e exposiccedilotildees feitos pela Aldeia quando eram convidados

Apoacutes esse processo o relato dos artesatildeos foi registrado e em seguida as entrevistas

foram interpretadas pela pesquisadora No campo as teacutecnicas etnograacuteficas que foram utilizadas

se inclinam sobre a observaccedilatildeo sistemaacutetica de registros fotograacuteficos de viacutedeos aacuteudios

entrevistas com roteiro semiestruturadas e conversas informais

Atraveacutes das entrevistas das conversas e da observaccedilatildeo foi possiacutevel presenciar todo o

processo de idealizaccedilatildeo e confecccedilatildeo dos objetos Pudemos perceber que algumas mateacuterias-

primas estatildeo mais dispostas a serem comercializadas do que outras mas em geral quase tudo

dentro da aldeia eacute negociaacutevel como cocares colares brincos flechas cestos tranccedilados arcos

tapetes luva componentes dos rituais grafismo indiacutegena remeacutedios como garrafadas e

defumaccedilatildeo e ateacute mesmo a proacutepria da aldeia pode ser fotografada desde que se tenha

recompensa

2 LOacuteCUS E OBJETO SAHU-APEacute

O cenaacuterio da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute pertence ao povo Satereacute-Maweacute A aldeia

eacute formada a partir da migraccedilatildeo de indiacutegenas da regiatildeo do Baixo Amazonas para a cidade de

Manaus e adjacecircncias local onde construiacuteram vaacuterias territorialidades especiacuteficas baseadas na

cultura ancestral desse coletivo (SANTOS 2015)

Esse territoacuterio situa-se no municiacutepio de Iranduba localizado agrave margem do rio Ariauacute

proacuteximo ao municiacutepio de Manacapuru Tem-se como via de acesso tanto o rio Ariauacute quanto a

rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Como nos mostram as ilustraccedilotildees dos

mapas 01 e 02 a seguir

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Mapa 01 Localizaccedilatildeo da extensatildeo da AM-070 entre Manaus e Manacapuru

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Mapa 02 Localizaccedilatildeo da Vila Ariauacute na AM-070

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

30

O acesso agrave comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se daacute tanto pelo rio Ariauacute quanto pela rodovia Estadual AM-70 exatamente ao quilometro 37 Na figura 01 02 apresentamos as principais entradas para a comunidade

Figura 01 Entrada da Vila Ariauacute Disponiacutevel em

lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 19 de agosto de 2018

Figura 02 Rua em que se localiza a aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwgooglecommapssearcham+070+km37-31807155-60431084719111mdata=3m11e3gt Acesso em 24 de agosto de 2018

31

Figura 03 Entrada da aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

A entrada da aldeia se encontra no final de uma das principais vias da vila Ariauacute Na

vegetaccedilatildeo do lugar predomina uma floresta densa onde se pode observar tambeacutem a existecircncia

de grandes aacutervores tiacutepicas da regiatildeo como sapopemba e sumaumeiras Sendo aacuterea de vaacuterzea

sofre com os impactos da enchente e da vazante dos afluentes dos rios mais proacuteximos desse

territoacuterio Outro ponto a destacar eacute a apropriaccedilatildeo indevida pela populaccedilatildeo da vila vizinha que

aleacutem da invasatildeo vem provocando a degradaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo do lugar

Os moradores vivem basicamente das atividades artesanais e do ecoturismo divulgando

sua cultura e seu modo de vida atraveacutes das exposiccedilotildees para os turistas pesquisadores e grupos

interessados na questatildeo indiacutegena Nosso objetivo visava compreender como acontecem essas

relaccedilotildees sociais a partir dos processos de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas

artesanalmente na aldeia

A comunidade tem uma estrutura constituiacuteda por dez casas onde residem as famiacutelias

Oito delas satildeo construiacutedas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa uma de

alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem trecircs

palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de terra batida Nelas se situam

respectivamente a escola a casa de festas onde se realizam as danccedilas da Tucandeira do Matildee-

Matildee do Gambaacute dos Espiacuteritos Mortos aleacutem de outras festividades e a casa de fabricaccedilatildeo dos

remeacutedios (farmaacutecia Kunatilde)

No quintal satildeo cultivadas ervas medicinais (Kunan) e logo abaixo haacute a farmaacutecia de

ervas naturais onde satildeo atendidos clientes e se cuida da sauacutede fiacutesica e espiritual do povo Agrave

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direita da entrada da aldeia eacute o espaccedilo do lazer ndash um campinho de futebol Infelizmente natildeo

cultivam roccedila nesse local por falta de espaccedilo A casa de farinha estaacute desativada e com a subida

do rio o espaccedilo estaacute alagado

Os moradores de Sahu-Apeacute preservam e reinventam sua cultura com a danccedila da

Tucandeira a caccedila a pesca o artesanato e os produtos faacutermacos que satildeo utilizados pelos

indiacutegenas e tambeacutem vendidos aos turistas As atividades culturais e turiacutesticas auxiliam

financeiramente no dia a dia da comunidade aleacutem dos produtos faacutermacos que satildeo compostos

preparados a partir das plantas retiradas da floresta e comercializados em uma pequena barraca

construiacuteda na aldeia sendo administrada por Sahu o filho caccedilula da Tuxaua Baku Ressaltamos

que natildeo eacute costume desse grupo indiacutegena o consumo de Ccedilapoacute (bebida derivada do poacute de

guaranaacute) ao contraacuterio de aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute o Ccedilapoacute na aldeia

Sahu-Apeacute eacute somente consumido em festividades de grande importacircncia e trazido por outros

parentes quando visitam Aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo pudemos perceber dentro do periacutemetro da aldeia que algumas

aacutervores medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo

utilizadas no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo e chaacutes

satildeo consumidos pela aldeia por parentes proacuteximos pelos moradores da Vila Ariauacute por cidades

proacuteximas e ateacute por turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia Essas ldquogarrafadasrdquo

satildeo comercializadas na farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da comunidade e hoje

estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

A aldeia Sahu-Apeacute recebe periodicamente turistas vindos de vaacuterias partes da cidade de

Manaus como tambeacutem de vaacuterias partes do Brasil e ateacute mesmo de outros paiacuteses o que eacute fruto

do turismo no Amazonas ndash que vem crescendo anualmente O imaginaacuterio das pessoas cresce a

cada ano acerca da Amazocircnia uma vez que se quer conhecer o ldquouacuteltimo reduto de florestardquo ldquoo

maior rio de aacutegua doce do mundordquo ldquoa maior biodiversidade do planetardquo e outros novos e antigos

mitos que cercam o imaginaacuterio da populaccedilatildeo como o ldquopulmatildeo do mundordquo ldquoa terra das

amazonasrdquo ldquoo El Doradordquo e outros

A cultura e o turismo na aldeia Sahu-Apeacute potencializam a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda

para as famiacutelias que mantecircm seu labor voltado para a produccedilatildeo de souvenires colares tiaras

cocares pulseiras chapeacuteus aleacutem de suas relaccedilotildees com o meio ambiente e suas manifestaccedilotildees

simboacutelicas culturais e religiosas

33

21 Quem satildeo eles

211 Povo Satereacute-Maweacute

Figura 04 Aldeia Satereacute-Maweacute - Ponta Alegre - Andiraacute-Marau

Fonte Aldemir Satereacute Disponiacutevel em lthttpswwwcomaldamirsatere 2018gt Acesso em 13 de junho 2018

A aldeia de Ponta Alegre eacute uma das principais aldeias do povo Satereacute-Maweacute (figura

acima) situada na regiatildeo do meacutedio rio Amazonas entre os estados do Amazonas e do Paraacute a

Terra Indiacutegena1 (TI) Andiraacute-Marau onde vive o povo Essa populaccedilatildeo indiacutegena eacute conhecida

regionalmente como os Maweacute poreacutem se autodenominam Satereacute-Maweacute

Para a construccedilatildeo deste toacutepico foram utilizados os conhecimentos teoacutericos de Lorenz

(1992) Teixeira (2005) Pereira (2003) Uggeacute (1991) Alvarez (2005) Santos (2015) Souza

(2009) Barros (2015) para compreensatildeo e organizaccedilatildeo do estudo sobre o povo Satereacute-Maweacute

O povo Satereacute-Maweacute faz uso da liacutengua Maweacute procedente do tronco Tupi segundo Curt

Nimuendajuacute (1948) estudioso que foi o pioneiro a realizar a classificaccedilatildeo dessa liacutengua

especificando-a como parte do troco Tupi sendo que boa parte de suas pesquisas linguiacutesticas

aponta para esse resultado Desde os primeiros contatos com os colonizadores Pereira (2003

apud BARROS 2015 p 102) informa que os Satereacute-Maweacute receberam diferentes designaccedilotildees

tais como ldquoMaooz Mabueacute Mangueacutes Manguecircs Jaquezes Maguases Mahueacutes Magueacutes

Mauris Maweacutes Maraguaacute Maueacute Maguesesrdquo

1 Terra Indiacutegena (TI) eacute uma porccedilatildeo do territoacuterio nacional de propriedade da Uniatildeo habitada por um ou mais povos indiacutegenas por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas imprescindiacutevel agrave preservaccedilatildeo dos recursos ambientais necessaacuterios a seu bem-estar e necessaacuteria agrave sua reproduccedilatildeo fiacutesica e cultural segundo seus usos costumes e tradiccedilotildees Trata-se de um tipo especiacutefico de posse de natureza originaacuteria e coletiva que natildeo se confunde com o conceito civilista de propriedade privada Fonte lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em 30 jun 2018

34

Na concepccedilatildeo de Paiva

SER-MAWEacute natildeo depende unicamente de um nome para sobreviver ao tempo mas das circunstacircncias determinantes de se auto identificarem como MAWERIA que vem a ser uma compreensatildeo que os Satereacute-Maweacute tecircm de si mesmos como grupo ou seja (o Povo Maweacute Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo) Por se tratar de peculiaridades culturais deste povo a denominaccedilatildeo que se construiu pelo grupo ou pelo branco revela esta especificidade de caraacuteter pessoal e social (2018 p 45)

A comunidade indiacutegena de Ponta Alegre rio Andiraacute-Marau eacute habitada por indiacutegenas

da naccedilatildeo Satereacute-Maweacute ndash que tem como primeira liacutengua o Satereacute-Maweacute ndash sendo tal comunidade

reconhecida pela Lei Orgacircnica do Municiacutepio de Barreirinha como Distrito localizado agrave margem

direita do rio Andiraacute a 60 km do municiacutepio de Barreirinha e a 100 km do municiacutepio de Parintins

(Figura 05) o que facilita o acesso dos moradores aos serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo bancaacuterios

entre outros utilizando como meio de transporte embarcaccedilotildees fluviais

Atualmente esse povo se nomeia como Satereacute-Maweacute o primeiro nome ndash Satereacute ndash quer

dizer ldquolagarta de fogordquo que deriva de um importante clatilde que tem o papel de indicar a sucessatildeo

dos chefes poliacuteticos como por exemplo o proacuteprio tuxaua O nome secundaacuterio ndash Maweacute ndash

significa ldquopapagaio falante ou inteligenterdquo e natildeo parte de fins clacircnicos (UGGEacute 1991)

Haacute informaccedilotildees dessa populaccedilatildeo desde 1668 quando da instalaccedilatildeo da missatildeo jesuiacutetica

Tupinambarana que se consolidou na regiatildeo atestando o contato com os portugueses Desde

esse periacuteodo de mais de trecircs centenas de anos haacute o contato com a sociedade natildeo indiacutegena O

povo Satereacute-Maweacute apesar da relaccedilatildeo com os natildeos indiacutegenas tenta manter viva a liacutengua

materna e sendo um povo biliacutengue tambeacutem fala o portuguecircs O espaccedilo geograacutefico da TI

Andiraacute-Marau habitado pelos Satereacute-Maweacute estaacute localizado entre os rios Andiraacute Marau e

Uaicurapaacute proacuteximos aos municiacutepios de Parintins Barreirinha e Maueacutes pertencentes aos

estados do Amazonas e do Paraacute

Souza (2009 apud BARROS 2015 p 104) assinala que ldquono tempo dos colonizadores

os iacutendios eram considerados pelos portugueses como trabalhadores e estavam atrelados a uma

legislaccedilatildeo real que regulamentava suas relaccedilotildees com o trabalho entre o governo e os colonosrdquo

o autor ainda relata que um grupo ficava na povoaccedilatildeo para praticar a agricultura de sustentaccedilatildeo

do povo da aldeia enquanto a produccedilatildeo excedente era vendida sob a orientaccedilatildeo dos

missionaacuterios Outro grupo de iacutendios ficava inteiramente agrave disposiccedilatildeo dos missionaacuterios

ajudando na conversatildeo de outros iacutendios e os trazendo para o povoado Um terceiro grupo ficava

a serviccedilo do governo que o distribuiacutea aos colonos

35

Pela fala do estudioso os iacutendios sempre foram hostilizados e escravizados sua matildeo de

obra era em benefiacutecio dos missionaacuterios dos colonos e do governo Essa forma de tratamento

dado aos iacutendios os levou agrave rebeldia contra os dominadores Nessa frente de movimentos os

Satereacute-Maweacute estavam ativamente envolvidos juntamente com os negros caboclos e mesticcedilos

lutando para conseguir sua liberdade Esse movimento foi denominado de Cabanagem

Mapa 03 Mapa da Terra Indiacutegena Andiraacute-Marau

Fonte Cartilha Paradidaacutetica Nossa Aldeia Nossa Histoacuteria Nossa Gente 2016

Barros (2015 p 104) completa dizendo que o territoacuterio do povo Satereacute-Maweacute foi

invadido pelos colonos deixando-os com uma pequena parcela da terra um pedaccedilo curto da

aacuterea no Koataacute-Laranjal (Borba) junto com o povo Mundurucu e finalizando com as terras

indiacutegenas no Uaicurapaacute (Parintins) Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no site da

FUNAIAM a regiatildeo mais habitada pela populaccedilatildeo indiacutegena Satereacute-Maweacute encontra-se agraves

margens do rio Andiraacute no municiacutepio de Barreirinha Outra aacuterea com uma populaccedilatildeo bastante

expressiva localiza-se proacuteximo ao municiacutepio de Maueacutes na regiatildeo do rio Marau

O povo Satereacute-Maweacute encontra-se em sua maioria nas aacutereas rurais em aldeias que tecircm

suas proacuteprias lideranccedilas e que hierarquicamente estatildeo organizadas Segundo Lorenz (1992)

essa organizaccedilatildeo se estabelece em tuxauas (tueacutersquosa) que eacute a principal lideranccedila na TI

normalmente formada por dois tuxauas em cada braccedilo de rio tem-se tambeacutem os Paini que satildeo

os especialistas em interpretaccedilatildeo e trocas com o mundo espiritual em seguida existe a figura

36

do Capitatildeo (akag hit) que passou a existir sob influecircncia do extinto Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao

Iacutendio (SPI) e sua principal funccedilatildeo eacute ser interlocutor no debate e na tomada de decisotildees dos

Satereacute-Maweacute e para finalizar existe a figura do Capataz que se encarrega da organizaccedilatildeo do

trabalho coletivo

Esse povo eacute inevitavelmente reconhecido pelo cultivo e pela domesticaccedilatildeo do guaranaacute

(Paullinia cupana sorbilis) fruta de grande importacircncia para a cosmologia e a estruturaccedilatildeo

social do povo Satereacute que tem grande semelhanccedila com um olho humano Parte daiacute a

compreensatildeo da nomenclatura ldquoWaranaacuterdquo (o prefixo Wara na liacutengua Satereacute significa

conhecimentovisatildeo) e para algumas aldeias o proacuteprio ccedilapoacute (bastatildeo de guaranaacute ralado na aacutegua)

tem um papel simboacutelico nas reuniotildees de tomada de decisotildees atuando como um segundo

Tuxaua

Segundo o mito Satereacute-Maweacute o guaranaacute eacute originalmente os olhos de um indiozinho que

foi mordido por uma serpente quando estava colhendo os frutos na floresta Desse fruto eacute feita

uma bebida muito apreciada pelos indiacutegenas que a consideravam tatildeo saudaacutevel e tatildeo importante

que a utilizavam diariamente como se fosse um elixir da longa vida

Coelho (2003) comenta que os iacutendios costumavam contar uma lenda muito bonita

Segundo ele em uma aldeia dos iacutendios Maueacute havia um casal que possuiacutea um uacutenico filho alegre

e saudaacutevel Todos os habitantes da aldeia gostavam muito da crianccedila e afirmavam que se

transformaria em um grande chefe guerreiro Isso fez com que Jupari sentisse muita inveja do

menino e resolveu mataacute-lo Transformou-se em uma enorme serpente e enquanto ele

distraidamente colhia frutinhas na floresta ela atacou e matou a pobre crianccedila

Os pais que nada desconfiavam esperaram em vatildeo pela volta do indiozinho esperaram

muito ateacute que o sol foi embora Veio a noite e a lua a brilhar no ceacuteu e a iluminar toda a floresta

Os pais jaacute estavam desesperados Toda a tribo se reuniu para procuraacute-lo Quando a tribo o

encontrou ele estava morto na floresta uma grande tristeza tomou conta de todos Ningueacutem

conseguia conter as laacutegrimas Nesse exato momento uma grande tempestade desabou na

floresta e um raio veio cair bem perto do corpo do menino Todos ficaram muito assustados a

matildee da crianccedila pediu aos iacutendios para enterrarem os olhos do menino pois essa era a vontade de

Tupatilde jaacute que nasceria no local onde fossem enterrados uma nova planta que iria trazer muita

alegria e felicidade a todos

Assim foi feito os iacutendios plantaram os olhinhos da crianccedila imediatamente conforme o

desejo de Tupatilde o rei trovatildeo Alguns dias se passaram e no local nasceu uma plantinha que os

iacutendios ainda natildeo conheciam Era o guaranazeiro Eacute por isso que os frutos do guaranaacute (ver figura

37

06) satildeo sementes negras rodeadas por uma peliacutecula branca muito semelhante a um olho

humano

Figura 05 Fruto maduro do guaranazeiro

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 19 de junho de 2018

Os povos indiacutegenas comeccedilaram a domesticaccedilatildeo do guaranaacute na Amazocircnia haacute mais de

500 anos Da cultura e da sabedoria nativa surgiu a inspiraccedilatildeo para as pesquisas geneacuteticas que

estatildeo em estaacutegio avanccedilado da agricultura moderna O fruto guaranaacute eacute rico em vaacuterias substacircncias

como a cafeiacutena a teobromina a teofilina entre outras Desse fruto se extrai o poacute que eacute usado

pelos indiacutegenas como revigorante estimulante fiacutesico e mental afrodisiacuteaco aleacutem disso tem accedilatildeo

tocircnica eacute diureacutetico combate a obesidade melhora a pressatildeo sanguiacutenea e o cansaccedilo fiacutesico e

mental O consumo do guaranaacute aumenta o gasto caloacuterico diaacuterio e diminui o apetite por manter

estaacuteveis os niacuteveis de glicose no sangue combatendo assim a obesidade

A produccedilatildeo do guaranaacute do povo Satereacute-Maweacute eacute um produto vendaacutevel aleacutem do consumo

pelos indiacutegenas tem mercado certo atraveacutes do Consoacutercio Satereacute-Maweacute que funciona como

cooperativa eacute formada por 300 produtores A sede fica em Parintins a 369 km de Manaus No

local as sementes passam por um processo de limpeza depois satildeo trituradas e viram poacute o

produto pronto eacute acondicionado em embalagens plaacutesticas e enviado para Manaus para ser

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comercializado Esse produto tambeacutem eacute comercializado na cidade de Parintins em pequena

escala

O fruto guaranaacute leva uma meacutedia de trecircs meses para ser beneficiado depois de todo o

processo o produto vai direto para a Itaacutelia e a Franccedila aleacutem do mercado nacional A exportaccedilatildeo

comeccedilou haacute 20 anos com 20 quilos Hoje chega a sete toneladas por ano O dinheiro da venda

do guaranaacute eacute entregue ao produtor sendo a fonte de renda para muitas famiacutelias participantes do

consoacutercio A multiplicaccedilatildeo das oportunidades de mercado aliada ao sucesso comercial dos

derivados do guaranaacute representa fatores propiacutecios agrave diversificaccedilatildeo das formas de gestatildeo da

planta na sua regiatildeo de origem apoacutes muitos anos de imposiccedilatildeo de um modelo produtivista

No ponto de vista de Tricaud

O verdadeiro desafio para essas agriculturas eacute a sua capacidade em coabitar umas com as outras para responder agraves diversas demandas dos lsquoconsumidoresrsquo mas tambeacutem para defender a multiplicidade dos sistemas agriacutecolas Atraveacutes dos lsquomercados da biodiversidadersquo os produtores de guaranaacute do territoacuterio do baixo Amazonas poderiam ganhar maior visibilidade no Brasil e no mundo desde que eles sejam capazes de se organizar e definir seu proacuteprio territoacuterio de accedilatildeo para estruturarem e defenderem valores compartilhados (2016 p 51)

Os Guaranacultores ndash satildeo assim denominados os agricultores e familiares que trabalham

no cultivo de guaranaacute e que recebem assistecircncia teacutecnica da EMBRAPAAM SEPRORAM

SEBRAEAM e de outros oacutergatildeos estaduais que trabalham junto aos produtores com o fito de

dar qualidade e melhoramento agraves sementes objetivando ganhar mercado para o produto Os

incentivos vecircm contribuindo para a valorizaccedilatildeo do produto fazendo-o se confirmar como um

produto nobre conseguiu inclusive o Registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) emitido pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) oacutergatildeo vinculado ao Ministeacuterio da Induacutestria

e Comeacutercio A qualidade do produto tem mercado garantido sendo absorvido em feiras

mercados restaurantes e quiosques da capital do estado do Amazonas mantendo seu potencial

no mercado como produto de primeira qualidade

Outra marca da expressividade do povo Satereacute-Maweacute eacute o Ritual da Tucandeira Ritual

ilustrado na imagem a baixo

39

Figura 06 Ritual da Tucandeira

Disponiacutevel em lthttpswwwinstitutoamazoniaorgbrinstituto-amazonia-atende-agricultores-familiares-indigenas-da-tribo-satere-mawesatere-mawegt Acesso em 29 de junho de 2018

Essa celebraccedilatildeo eacute uma tradiccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute realizada como ritual de

passagem do menino adolescente para a vida adulta mas que tambeacutem tem a funccedilatildeo de cura de

doenccedilas atraveacutes da dor causada pela toxina do ferratildeo da formiga como prova de coragem de

resistecircncia e de admiraccedilatildeo Essa celebraccedilatildeo eacute

Uma praacutetica repassada de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que mesmo com a pressatildeo da sociedade moderna se manteacutem viva Considerado pelos indiacutegenas como um ato de forccedila coragem e resistecircncia agrave dor o ritual consiste em vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos Aleacutem da representatividade da bravura masculina o ritual tambeacutem simboliza uma proteccedilatildeo para o corpo Segundo a crenccedila dos Satereacute-Maweacute a ferroada da tucandeira funciona como uma espeacutecie de vacina Durante o ritual o jovem deve se deixar ferrar no miacutenimo 20 luas Para isso coloca as matildeos dentro da saaripeacute uma luva de palha feita pelos padrinhos que satildeo os tios maternos do iniciante Durante o ritual a comunidade toda canta e danccedila ao lado do adolescente em especial as mulheres solteiras que buscam maridos fortes e corajosos O ritual comeccedila no dia anterior com a captura das formigas vivas e com ferratildeo com o uso de folhas do caju-branco Enquanto as tucandeiras satildeo conservadas em um bambu os meninos tecircm seus braccedilos pintados com uma tintura preta de jenipapo feita por suas matildees Em seguida com um dente de paca elas comeccedilam a riscar a pele dos meninos ateacute sangrar No dia da cerimocircnia as tucandeiras satildeo colocadas em uma bacia com uma tintura anestesiante de folha de cajueiro e cuieira Quando estatildeo lsquoadormecidasrsquo as formigas satildeo postas na luva com a cabeccedila para fora e o ferratildeo para dentro na

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parte interna da saaripeacute Depois para voltarem a ficar agitadas elas recebem uma baforada de tabaco Eacute quando ficam prontas para atacar Natildeo haacute um periacuteodo certo para a realizaccedilatildeo do ritual eacute organizado conforme a vontade de quem deseja ser iniciado (Paiva 2018 p 37)

Figura 07 As formigas tucandeiras Fonte Arquivo pessoal

Soares (2014 apud PAIVA 2018 p 107) enfatiza que o ritual de iniciaccedilatildeo da tucandeira

dos Satereacute-Maweacute eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo no sentido antropoloacutegico de como a tradiccedilatildeo

cultural eacute cercada de simbolismo em articulaccedilatildeo com a histoacuteria como um processo em que o

indiviacuteduo passa de uma situaccedilatildeo social para outra como um processo limiar ou seja a entrada

do jovem no mundo adulto pois a vida dos indiviacuteduos possui ciclos e passagens de um para

outro quando se fecham deixam suas marcas simboacutelicas para os que os sucedem marcando as

mudanccedilas de status que os iniciados passam a ocupar em determinadas posiccedilotildees sociais

41

Figura 08 Adolescente agonizando com fortes dores apoacutes o Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo disponibilizado pela aldeia

No ritual de passagem da tucandeira dos Satereacute-Maweacute o jovem passa a ser guerreiro

caccedilador quando apoacutes participar da cerimocircnia passa a ter privileacutegios como ter boa sauacutede aleacutem

de estar preparado para contrair laccedilos matrimoniais

A muacutesica cantada durante o ritual daacute o entendimento de que quando se celebra a

passagem do curumim No trecho ldquoa tribo inteira festeja todos os guerreiros na danccedila da

tucandeira Tem caxiri taruba e guaranaacute ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo se evidenciam outros homens da tribo

os guerreiros Essa celebraccedilatildeo envolve danccedila canto bebidas culturais chamadas de caxiri

tarubaacute e ccedilapoacute O caxiri e o tarubaacute satildeo produtos derivados da massa da mandioca enquanto o

ccedilapoacute eacute uma bebida feita a partir do guaranaacute

ldquoIacoamatilde Icumaatoacute

Com a forccedila do Porantim

Inicia o curumim

A tribo a noite inteira

Festejam todos os guerreiros

Na danccedila da tucandeira

Tem caxiri tarubaacute e guaranaacute-ccedilapoacute oacuteoacuteoacuterdquo

(Trecho da muacutesica para o Ritual da Tucandeira)

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Nesse ritual os homens jovens e adultos participam como forma de provar a sua

coragem e bravura Para eles a formiga representa a figura feminina ldquoa nossa mulherrdquo aquela

que os vacina que os livra das doenccedilas Nesse sentido a mulher Satereacute-Maweacute eacute valorizada eacute

a guardiatilde desses segredos e tem determinaccedilatildeo para realizar os serviccedilos domeacutesticos e sociais

Figura 09 Ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

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Esse ato de celebraccedilatildeo soacute acontece como ritual de passagem dos homens adolescentes

raramente as meninas satildeo convidadas a participar O Ritual da Tucandeira eacute o maior siacutembolo

cultural desse povo e consequentemente de identidade porque seus cantos se referem a seus

mitos e sua histoacuteria mantendo viva a dinacircmica da praacutetica cultural onde quer que seja realizado

Figura 10 Realizaccedilatildeo do Ritual da Tucandeira na aldeia Sahu-Apeacute

Fonte Acervo pessoal

A dinacircmica da cultura se constroacutei como uma praacutetica reveladora do que somos eacute uma

accedilatildeo dialoacutegica que ocorre entre os sujeitos atraveacutes da sua cultura manifestada por signos e

siacutembolos que formam a expressatildeo cultural e se identifica por meio do protagonismo construiacutedo

no decorrer do seu processo histoacuterico A cultura Satereacute-Maweacute na construccedilatildeo de sua identidade

eacute alicerccedilada por significados que se expressam no discurso revelado pelo miacutetico ritual

originados na criaccedilatildeo do povo para atender agraves suas necessidades individuais e do grupo a que

pertence (PAIVA 2018 p 113)

Outro legado sagrado do povo Satereacute-Maweacute eacute o Porantig Um remo sagrado no qual

estatildeo escritos a historia deste povo Exposto nas imagens 11A e 11B Este remo se configura

em uma espece de registro identitaacuterio como objeto de materialidade que esta fortemente ligado

aacutes funccedilatildeo das praacuteticas xamacircnicas no processo de cura e atua tambeacutem como elemento que

constitui a coletividade dos Satereacute-Maweacute pois em todas as aldeias eacute reconhecida a importacircncia

deste objeto

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Figuras 11A e 11B Tuxaua Manoelzinho Miquiles na leitura do Porantig na aldeia Nova Esperanccedila rio Marau

Foto Socircnia Lorenz 1980 Disponiacutevel em lthttpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9_MawC3A9gt Acesso em 19 de agosto de 2018

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Sinaliza-nos Souza (2011) que

O ccedilapoacute tambeacutem aparece na leitura e nas revelaccedilotildees do Porantig (pora ndash remo ig ndash pintura pintado) uma peccedila feita de madeira com gravuras Segundo os Satereacute laacute estaacute escrito seu passado e seu futuro seus mitos suas histoacuterias de vida E somente um especialista pode decifrar o que estaacute gravado no Porantig Contam que antigamente era feita a leitura do Porantig e que o guaranaacute era a bebida sagrada a qual todos tomavam Relatos dos Satereacute-Maweacute revelam que somente os adultos reuniam-se para ler o Porantig e nesse momento ningueacutem poderia ausentar-se do local enquanto a leitura do Porantig natildeo terminasse Caso algueacutem tivesse necessidade de ausentar-se a leitura era interrompida ateacute que a pessoa retornasse para que continuassem a leitura Os Satereacute dizem que o Porantig eacute uma peccedila de madeira e que vive guardado em um dos lados dos rios Andiraacute ou Marau poreacutem existem muitas coacutepias do Porantig para que todos tenham contato com a peccedila Entretanto o verdadeiro Porantig eacute visto e guardado apenas pelo seu ldquoguardiatildeordquo em geral uma lideranccedila da aldeia por ser um siacutembolo da sabedoria do povo Segundo lideranccedila Satereacute-Maweacute da cidade ldquoo Porantig eacute guardado em lugar bem escondido onde nem todos podem pegar ou vecirc-lo poreacutem existem coacutepias do Porantig nas aldeias na TI Andiraacute-Marau e o verdadeiro fica com a lideranccedila da aldeia soacute ele sabe onde estaacute E soacute uma pessoa especializada poderaacute ler o Porantig de forma correta pois nele estaacute escrito nosso passado e nosso futuro nossos mitos nossa histoacuteriardquo (marccedilo2008) O Porantig eacute um siacutembolo sacramental memoacuteria viva porque os Satereacute-Maweacute se referem a ele como ldquoescritos sagradosrdquo Nesses regimes aparece um tempo que difere entre passadoacontecimentos e leituras atualizadas desse passado-futuro presente no mito revelado nos coacutedigos do Porantig (SOUZA 2011 p 29-30)

A autora ainda acrescenta que numa leitura durandiana estabelecida por Gilbert Durand

a respeito dos aspectos imaginaacuterios e seus efeitos histoacutericos e sociais que enfatizam a polissemia

dos siacutembolos nas diferentes loacutegicas sociais o ato de beber ccedilapoacute nos rituais nas cerimocircnias e

nas reuniotildees de importacircncia para os Satereacute-Maweacute na cidade traduz um regime que estabelece

um resgate e uma continuidade de elementos sagrados

O processo de ldquodescida do ccedilapoacuterdquo o ato de ingerir a bebida suavemente eacute ao mesmo

tempo vigoroso alegre transmite forccedila e vitalidade ao corpo Sugere remeter a um processo de

(re)construccedilatildeo do corpo que foi exaustivamente exposto no ritual quando danccedilam e cantam

para a tucandeira Nessa ordem o engolimento do ccedilapoacute significa afirmar que existe um regime

cosmoloacutegico no acircmbito dos mitos e dos ritos e na proacutepria vida cotidiana

Assim percebemos que tanto o Ritual da Tucandeira quanto o ritual de descida do ccedilapoacute

satildeo na perspectiva adotada por Leach (1995) como um coacutedigo de comunicaccedilatildeo de siacutembolos

arquitetados no interno de uma cultura que tem o propoacutesito de assegurar a ordem social tendo

a possibilidade de ser dividido em distintas etapas seguindo moldes caracteriacutesticos que

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apontam graus de formalidade ou protocolo estereoacutetipos de capacidade de condensaccedilatildeo ou

siacutentese e de repeticcedilatildeo redundacircncia e ateacute mesmo de contradiccedilatildeo

Os vaacuterios periacuteodos do ritual mostram os conflitos que existem no esqueleto social

abandonando-os adicionando-os ou sustentando o mesmo padratildeo tido como oficial pelos

componentes desse grupo Leach (1995) ainda afirma que os rituais satildeo caracterizados pela

bifurcaccedilatildeo entre ritos religiosos sagrados em contraposiccedilatildeo a accedilotildees profanas constituindo ainda

uma forma de assegurar a estrutura social de uma sociedade deliberando o desejaacutevel

fundamento em uma compreensatildeo mitoloacutegica

Na leitura do Porantig as histoacuterias remetem a um passado miacutetico e presente traduzindo

um sentimento coletivo numa ordem de pertencimento em que todos satildeo regressados ao

passado agraves origens miacuteticas A leitura do Porantig tambeacutem eacute realizada pela lideranccedila da aldeia

quando detecta as constantes tensotildees entre as famiacutelias Nessas reuniotildees o Porantig eacute mostrado

como forma de organizar e lembrar aos membros da aldeia a importacircncia de continuarem

unidos vivendo em harmonia paz alegria e obedecendo agraves regras de bom viver Souza (2011)

conclui dizendo que o povo Satereacute-Maweacute tem o Porantig como um siacutembolo positivo haja vista

que toda a histoacuteria do povo nele estaacute escrita Num regime noturno dessa imagem do Porantig

eacute o siacutembolo que se esforccedila por transmitir harmonia agraves contradiccedilotildees como um mergulho iacutentimo

na leitura na tentativa de (re)organizar os pensamentos e as contradiccedilotildees surgidos na vida atual

Estudos sobre essa populaccedilatildeo Satereacute tecircm registrado que se manteacutem uma organizaccedilatildeo

sociocultural chamado de clatildes Segundo Uggeacute (1991) ldquoesses clatildes se dividem em animais e

frutas como por exemplo ingaacute formiga guaranaacute lagarta gaviatildeo accedilaiacute cobra cutiardquo Esse

arranjo define as qualidades da natureza para eles representando assim cada clatilde Quando nasce

o indiviacuteduo pertence agrave linhagem derivada do pai ou seja do clatilde patrilinear Os clatildes coordenam

o casamento e eacute dada a preferecircncia agraves uniotildees entre primos cruzados matrilineares

212 Sahu-Apeacute-Maweria2 Satereacute-Maweacute

Em meados da deacutecada de 70 os Satereacute-Maweacute comeccedilaram a se deslocar para a cidade

de Manaus em busca tambeacutem de emprego e melhor qualidade de vida Pesquisadores e

estudiosos da aacuterea afirmam que no final da deacutecada de 70 e iniacutecio da deacutecada de 80 houve um

crescimento populacional na cidade de Manaus e algumas famiacutelias indiacutegenas apareciam nos

2 Maweria ndash Na liacutengua Satereacute-Maweacute significa todos do mesmo grupo (PAIVA 2018)

47

dados estatiacutesticos juntamente com outras populaccedilotildees tradicionais indiacutegenas e quilombolas

vindas do estado do Paraacute

Encontrados em distintos pontos da cidade e em sua grande parte em bairros perifeacutericos

da cidade os arranjos familiares agrave medida que os casamentos aconteciam se estabeleciam e

os Satereacute-Maweacute em busca de espaccedilo fiacutesico cultural econocircmico e social se deslocavam para

outros pontos da cidade e ateacute mesmo para municiacutepios proacuteximos agrave capital nos muniacutecipios de

Iranduba e Manaquiri Os iacutendios Satereacute-Maweacute se deslocaram para a capital do estado do

Amazonas agrave procura de melhores condiccedilotildees de vida A urbanizaccedilatildeo de populaccedilotildees indiacutegenas

no Amazonas mais especificamente em Manaus se constitui como um fenocircmeno ainda pouco

estudado E os estudos jaacute realizados em maior parte trabalham no sentido de mostrar as

situaccedilotildees socioeconocircmicas e identitaacuterias desse povo

Eacute necessaacuterio compreender que mesmo com um comprometimento profundo com o

meio que se deseja estudar algumas situaccedilotildees se apresentam com uma realidade niacutetida

inicialmente e consequentemente evidenciam uma total contradiccedilatildeo

No entanto a percepccedilatildeo pode ser verdadeiramente confirmada natildeo exclusivamente a

partir das aparecircncias mas principalmente por aquilo que eacute interno ou seja por meio dos

proacuteprios sujeitos envolvidos na pesquisa Conhecer as caracteriacutesticas dos sujeitos envolvidos

aleacutem de ser um ponto prioritaacuterio no desenvolvimento do processo do estudo ainda perpassa a

ideia de que os sujeitos devem participar ativamente da edificaccedilatildeo da pesquisa Nesse sentido

o ponto central de uma pesquisa natildeo somente pode ser a evidenciaccedilatildeo de um problema mas

deve estar presente o desejo de mostrar outras realidades assim como o desenvolvimento de

accedilotildees e reflexotildees no campo

Em face das anaacutelises propostas neste trabalho tornou-se imprescindiacutevel um olhar agrave

realidade das dinacircmicas de produccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute que envolvem relaccedilotildees

intracomunitaacuterias entre iacutendios e natildeo iacutendios Daiacute perceber que dentro dessas produccedilotildees se

estabelecem relaccedilotildees de gecircnero e constantemente relaccedilotildees de reafirmaccedilatildeo da proacutepria identidade

Ademais questotildees como ser ou natildeo indiacutegena satildeo de grande importacircncia e transitam no diaacutelogo

e nas relaccedilotildees que se desenvolvem dentro dessas comunidades

Antes de se pensar em relaccedilotildees sociais existentes na comunidade a partir das produccedilotildees

realizadas devemos analisar essa necessidade latente que se desenvolve prioritariamente na

aldeia em estudo questionando ldquoo que eacute ser iacutendio fora da zona originaacuteria de seu povordquo

Barros (2015 p 129) faz uma anaacutelise do contexto e contribui dizendo que ldquo[] os

indiacutegenas ao chegarem agrave cidade encontraram muitas barreiras relacionadas com a

discriminaccedilatildeo pelo fato de serem indiacutegenas e em consequecircncia depararam-se com a falta de

48

oportunidade no mercado de trabalho e ausecircncia de atendimento baacutesico de sauacutede e educaccedilatildeordquo

Assim o autor sublinha que os indiacutegenas encontram barreiras ao se encontrarem na cidade

grande por exemplo por serem iacutendios recebem certa discriminaccedilatildeo e consequentemente

alguns direitos sociais lhes satildeo negados Acredita-se que o primeiro impacto seja a questatildeo da

moradia seguido peal questatildeo dos usos e costumes

De acordo com sua genealogia os habitantes da aldeia Sahu-Apeacute satildeo pertencentes ao

clatilde do Gaviatildeo e ao clatilde Me‟yru dos quais satildeo participantes o senhor Quirino e a senhora

Mariquinha Eles tiveram cinco filhos respectivamente em ordem de nascimento Raimundo

Ferreira Nilson Ferreira Tereza Ferreira Clara Ferreira e Iracema Ferreira

No desenvolvimento desta pesquisa a inclinaccedilatildeo devida recai sobre a senhora Tereza

Ferreira do clatilde do Gaviatildeo

Figura 12 Fotografia de dona Teresa

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia Sahu-Apeacute

Dona Tereza que teve um relacionamento estaacutevel com o Sr Abidatildeo pertencente ao clatilde

do Accedilaiacute os dois jaacute falecidos Esse casal teve oito filhos Leilinha da Silva (Awaita) Zebina da

Silva (Menkia) Zelinda da Silva (Baku) que hoje eacute a atual Tuxaua da aldeia Sahu-Apeacute Zeila

da Silva (Kutera) Zenilda da Silva (Aruru) Zilma da Silva (Moreho) Zaqueu da Silva (Rewi)

49

e Zorma Silva (Woriri) Constantes incertezas e duacutevidas permeiam a diaacutespora desses grupos

clacircnicos entre a chegada e fixaccedilatildeo na cidade de Manaus ateacute a criaccedilatildeo das aldeias Yrsquoapyrehyt

(que significa ldquoTerceira luvardquo espeacutecie de luva estilo peneira em que satildeo colocadas as formigas

tucandeiras) A formaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute comeccedilou no ano de 1969 Dona Tereza chegou agrave

cidade de Manaus vinda de dois clatildes muito importantes dentro do sistema social Satereacute-Maweacute

o clatilde Mersquoyru do Senhor Quirino e o clatilde Gaviatildeo do qual dona Mariquinha descende Esse

tronco familiar se tornou forte e resistente espalhando-se pela proacutepria cidade de Manaus e por

regiotildees proacuteximas

Em meados dos anos 80 dona Teresa ficou viuacuteva e segundo as tradiccedilotildees indiacutegenas

teria de voltar para a aldeia no rio Marau para se casar novamente ou voltar a residir na casa de

seus genitores ou irmatildeos mais velhos mas dona Tereza decidiu morar em Manaus

reconstruindo a sua vida junto com suas filhas no ambiente natildeo indiacutegena rompendo assim a

tradiccedilatildeo da estrutura Satereacute-Maweacute

Nas falas de boa parte dos interlocutores identificamos que a grande maioria da

populaccedilatildeo Satereacute-Maweacute no territoacuterio Manauara se configura em irmatildeos sobrinhos filhas e

netos da matriarca A trajetoacuteria pessoal dela e de sua famiacutelia se mescla com a proacutepria histoacuteria

da cidade de Manaus pois com o apoio do SPI (Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio) muitos membros

da famiacutelia de dona Tereza foram empregados para atuar no desenvolvimento de rodoviaacuterias e

na proacutepria construccedilatildeo civil

Jaacute o protagonismo feminino se concretizou a partir do deslocamento na cidade de

Manaus e pela busca da conquista de espaccedilos para a moradia e a permanecircncia foram as

mulheres que deram iniacutecio aos processos da criaccedilatildeo das comunidades em Manaus e nos seus

arredores Essa busca por lugares de moradia se dava atraveacutes de ldquoinvasotildeesrdquo que se

configuravam como os novos modos de ocupaccedilatildeo do espaccedilo urbano

O bairro Morro da Liberdade onde inicialmente foi sediada a moradia dos Satereacute-Maweacute

que chegavam agrave cidade de Manaus Haacute quase uma deacutecada vivendo na cidade dona Tereza e

alguns familiares tiveram contato com o prefeito da eacutepoca o senhor Amazonino Mendes que

em um discurso poliacutetico realizado num comiacutecio prometeu a ela um terreno no bairro da

Redenccedilatildeo localizado na zona oeste de Manaus o terreno foi doado alguns meses depois dessa

ocasiatildeo

O local cedido se tornou sua moradia contudo ocorreram alguns conflitos com a

vizinhanccedila e por esses e outros dona Teresa morou por mais ou menos trecircs anos no bairro da

Redenccedilatildeo que eacute hoje a atual aldeia Yrsquoapyrehyt Em seguida mudou-se para o bairro de Tarumatilde

onde residiu ateacute sua morte hoje atual aldeia Haatilde-beacute Bernal (2009) enfatiza em seu trabalho

50

que uma parte da famiacutelia da matriarca se deslocou para o bairro do Tarumatilde por causa dos

conflitos com vizinhos e pela falta de emprego e alimentaccedilatildeo pois morando no bairro da

Redenccedilatildeo dona Tereza ia para o lixo em busca de roupas alimento alumiacutenio e outros materiais

que pudessem ser utilizados para venda E no bairro Tarumatilde havia uma grande aacuterea verde que

possibilitava a caccedila e a pesca para a sua sobrevivecircncia

As configuraccedilotildees organizacionais desse tronco familiar se desdobraram tendo como

protagonistas duas figuras importantes dona Zenilda e dona Zelinda filhas de dona Teresa

Dona Zenilda teve um papel muito importante dentro do processo econocircmico e identitaacuterios

dessa famiacutelia na cidade de Manaus pois foi por sua iniciativa e seus esforccedilos que se iniciou a

Associaccedilatildeo de Mulheres Indiacutegenas Satereacute-Maweacute ndash AMISM ndash jaacute no bairro da Compensa zona

perifeacuterica da capital

22 Sahu-Apeacute comunidade indiacutegena urbana uma realidade construiacuteda

A aldeia Sahu-Apeacute eacute uma realidade construiacuteda pelos iacutendios Satereacute-Maweacute localizada na

Rodovia AM 070 km 37 nuacutemero 610 mais precisamente na Vila do Ariauacute apoacutes a ponte do

rio Ariauacute (Figura 13) O nome Satereacute-Maweacute adveacutem dos seus ancestrais exatamente do grupo

clacircnico dos tuxauas estimado como de alta importacircncia entre os Satereacute Segundo Uggeacute (1991)

padre da diocese de Parintins e pesquisador haacute mais de duas deacutecadas sobre questotildees

relacionadas ao povo Satereacute-Maweacute essa eacute a nomenclatura mais acabada desse povo Durante a

pesquisa de campo junto aos indiacutegenas de Sahu-Apeacute em roda de conversa nos foi dito que haacute

20 anos a aldeia Sahu-Apeacute se instalou agraves margens do rio Ariauacute em Iranduba municiacutepio a 27

km da capital Manaus

Constituiacuteda naquela eacutepoca por 32 pessoas divididas em 14 famiacutelias eacute denominada de

Sahu-Apeacute nome que significa ldquoTatu Granderdquo figura da mitologia sobre a origem do Ritual da

Tucandeira assunto em que satildeo varias as explicaccedilotildees entre os proacuteprios Satereacute

51

Mapa 04 Croqui da estrutura fiacutesica da aldeia Sahu-Apeacute

Disponiacutevel em lthttpswwwacademiaedu9028965Caderno_de_debates_nova_cartografia_social_Vol_01_no_01_C

onhecimentos_tradicionais_na_Pan-AmazC3B4niagt Acesso em 09 de abril de 2018

A decisatildeo de deixar a cidade de Manaus foi uma tentativa corajosa de buscar se

aproximar de como vivia quando morava no rio Andiraacute no baixo Amazonas A jovem Zelinda

foi a Manaus com seus familiares em busca de melhor condiccedilatildeo de vida Barros (2015 p 129)

escreve o que dizia a tuxaua Baku ldquoEu natildeo vim fui trazida Eu fui trazida pra caacute Eu chorava

muito quando eu saiacute da aldeiardquo Zelinda mais tarde se tornou uma lideranccedila representativa na

aldeia Sahu-Apeacute

Acerca do motivo da saiacuteda dos indiacutegenas para a aacuterea rural de Manaus nos dizia Baku

ldquoSoacute natildeo quero voltar para Manaus porque eacute muito ruim Natildeo tem peixe Tem mas soacute se a gente

comprar ningueacutem pescardquo A liacuteder tribal tinha suas razotildees porque a base alimentar do indiacutegena

eacute o peixe e a caccedila

Os Sahu-Apeacute vivem em aldeia com uma estrutura de dez casas onde residem as

famiacutelias Oito das construccedilotildees satildeo feitas com paredes e tetos de palha duas com parede de ripa

uma de alvenaria com telhado de zinco e outra de madeira com telhado de palha Haacute tambeacutem

trecircs palhoccedilas circulares cobertas de palha sem paredes com piso de concreto Abaixo

registramos por meio da sequencia de algumas imagens a estrutura da aldeia

52

Nesse aspecto se situam respectivamente a escola a casa de festa onde se realizavam

as danccedilas da Tucandeira do Matildee-Matildee do gambaacute dos espiacuteritos mortos e outras festividades e

a casa de fabricaccedilatildeo dos compostos a partir das plantas medicinais encontradas na floresta

Figura 13 Casa de Sahu Fonte Arquivo pessoal

Figura 14 Escola da aldeia (Tupana Yaporoacute)

Fonte Arquivo pessoal

53

Figuras 15 e 16 Estruturas de palha presentes na aldeia Fonte Arquivo pessoal

54

Figura 17 Local onde acontecem as festividades (Ritual da Tucandeira)

Fonte Arquivo Pessoal

Essas estruturas de madeira e palha que ficam proacuteximas agrave escola e ao local de

realizaccedilatildeo das festividades Elas chamam atenccedilatildeo pois satildeo estruturas pouco usadas pela

comunidade Esporadicamente servem de abrigo para visitantes ou parentes que chegam para

algum evento tendo assim utilidade baacutesica Mas partindo de outro ponto de vista essas

estruturas sem muita utilidade servem no dia a dia como cenaacuterio de um ambiente ruacutestico e

primitivo para registros fotograacuteficos dos muitos turistas que passam pela aldeia

Nessa aldeia haacute um barracatildeo retangular que funciona como uma cozinha no qual as

famiacutelias se reuacutenem para fabricar os artesanatos almoccedilar e jantar juntas apoacutes uma caccedila bem-

sucedida quando capturam algum animal silvestre como cutia e jacareacute entre outros Logo ao

lado encontram-se as estruturas de palha e madeira em que satildeo comercializadas as peccedilas

55

artesanais produzidas pela aldeia e que tambeacutem satildeo ocupadas quando o nuacutemero de visitantes

(convidados e parentes) nos eventos e festividades eacute grande

Figura 18 Cozinha da aldeia

Fonte Arquivo pessoal

Figura 19 Barracas de exposiccedilatildeo de artesanato na aldeia Sahu-Apeacute Fonte Arquivo pessoal

56

A cultura de determinado grupo eacutetnico natildeo eacute fixa natildeo estaciona no tempo pois ao se

constituir na relaccedilatildeo entre sujeitos de um mesmo grupo ou entre sujeitos de diferentes grupos

eacutetnicos sofre um processo de mudanccedila Poreacutem mesmo vivendo no contexto da cidade natildeo

significa que os indiacutegenas abram matildeo de sua identidade eacutetnica Para Souza essa relaccedilatildeo se

expressa em continuidade e descontinuidade como declara

A ldquocidaderdquo para os iacutendios eacute o mundo presente Eles estabelecem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com esse ambiente seja pelo consumo de bens industrializados seja atraveacutes das relaccedilotildees comerciais da busca por formas de acesso ao sistema de sauacutede ou de educaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar que a ldquocidaderdquo estaacute na ldquoaldeiardquo assim como a ldquoaldeiardquo estaacute na ldquocidaderdquo Perceber essa dinacircmica implica reconhecer que o processo eacute marcado por relaccedilatildeo de continuidade e descontinuidade (2017 p 34 )

Eacute bastante oacutebvio que o povo indiacutegena ao morar na cidade natildeo cultiva a terra natildeo planta

natildeo pesca e diante dessa dificuldade Bernal (2009) nos apresenta alguns dados da situaccedilatildeo

precaacuteria em relaccedilatildeo agrave agricultura pelas condiccedilotildees geoloacutegicas e ecoloacutegicas do espaccedilo assim

tendo uma baixa produtividade em produtos agriacutecolas as dificuldades tambeacutem na criaccedilatildeo de

animais para a economia familiar a difiacutecil mobilidade e o custo alto do combustiacutevel para escoar

a produccedilatildeo o encanto pelos nuacutecleos urbanos principalmente pelos jovens incitados ao

consumo de bens e atividades de lazer presentes na cidade

Diante dessas dificuldades as famiacutelias procuram alternativas para prover o sustento e

tambeacutem a aproximaccedilatildeo entre os membros tendo em vista assim outras possibilidades como o

artesanato Desse modo Dias (2007) esclarece que

O artesanato para os segmentos populares se baseia na experiecircncia vivida e transmitida de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo assim como para a economia A tradiccedilatildeo familiar tem enorme peso no processo criativo Pertencer a uma famiacutelia de artistas ou crescer em meio artesanal eacute geralmente um meio de natildeo soacute ldquodar continuidade agrave categoriardquo mas manter os viacutenculos afetivos a memoacuteria as trocas simboacutelicas e os elos de solidariedade e dom necessaacuterios agrave gestatildeo do cotidiano de cada artesatildeo

Nesse sentido os trabalhos artesanais satildeo realizados por famiacutelias sem renda que vivem

em regiotildees mais pobres e cuja produccedilatildeo artesanal apresenta grande variedade de expressotildees e

quantidade de mateacuterias-primas disponiacuteveis Representam um meio de sobrevivecircncia para

muitos artesatildeos que procuram comercializar seus produtos em feiras festivais e exposiccedilotildees em

lojas na cidade No caso dos indiacutegenas Sahu-Apeacute eles tecircm uma casinha coberta de palha para

expor e vender seus artesanatos aos turistas que visitam a aldeia

57

Vale ressaltar que a ocupaccedilatildeo artesanal dos indiacutegenas da aldeia Sahu-Apeacute acontece em

famiacutelia e representa uma expansatildeo da forccedila de trabalho e da capacidade produtiva dos jovens

e adultos em especial da mulher Esse trabalho eacute como uma forma de emprego por ldquoconta

proacutepriardquo na qual cada artesatildeo procura fazer peccedilas de qualidade com valor comercial no

chamado setor informal da economia

Lemos (2011 p 52) pontua que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato Aleacutem disso o artesanato que por muitos era visto como atividade econocircmica marginal hoje eacute tratado como atividade regular inserida no mercado competitivo Em paiacuteses desenvolvidos as atividades artesanais geram normalmente produtos de qualidade superior e de alto valor agregado contribuindo fortemente para o crescimento econocircmico e para o bem-estar social de inuacutemeras pessoas A Finlacircndia e a Dinamarca satildeo exemplos de paiacuteses que mantecircm essa relaccedilatildeo proacutexima com o artesanato e onde essa atividade eacute altamente sofisticada destacando-se pela inovaccedilatildeo e design criativo arrojado e moderno (apud CARDOSO 2012 p 18)

A produtividade e a criatividade do povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute satildeo

dinacircmicas que subsidiam as financcedilas de suas famiacutelias pois a maioria dos moradores da aldeia

natildeo tem trabalho formal Dizem eles que o mundo do trabalho formal estaacute difiacutecil na atualidade

principalmente para aqueles menos instruiacutedos menos qualificados As empresas e os comeacutercios

de grande e pequeno porte selecionam trabalhadores qualificados e dessa forma absorvem matildeo

de obra com habilidades para a funccedilatildeo requisitada Neste ponto eacute importante destacar que o

trabalho informal eacute a saiacuteda para que a populaccedilatildeo desempregada encontre uma alternativa para

se ficar viva Logo

A organizaccedilatildeo do trabalho como forma de atividade artesanal permite o domiacutenio integral do processo de produccedilatildeo fato inexistente no caso de um operaacuterio de faacutebrica que eacute obrigado a se especializar numa operaccedilatildeo tatildeo simples a ponto de causar demecircncia O artesatildeo eacute dono do saber e centro do processo de produccedilatildeo e natildeo um simples apecircndice de uma maacutequina Soacute ele pode iniciar e concluir o processo e ainda deteacutem o conhecimento sobre a compra os tipos e qualidade das mateacuterias-primas aleacutem de comumente comercializar o produto final gerado (NASCIMENTO 2008 p 2)

58

Ressaltamos que o trabalho artesanal ganha espaccedilo no mercado comercial quando tem

qualidades acabamentos design e mateacuteria-prima sustentaacutevel Lima (2011 p 14) pontua que ldquoeacute

imprescindiacutevel reconhecer seus saberes ouvir suas falas e compreender como estes ocupam

organizam e constroem seus territoacuterios bem como os seus elementos identitaacuteriosrdquo Em

conformidade com essa linha de pensamento Cardoso (2012 p 18) acrescenta

O saber se entrelaccedila e faz parte de um grande emaranhado com o afetivo o social o cultural o histoacuterico e o poliacutetico possibilitando uma identidade proacutepria preservada pela perpetuaccedilatildeo de seus costumes e de suas tradiccedilotildees ao longo dos seacuteculos pelos mais velhos aos mais novos Os saberes estatildeo relacionados tambeacutem com a concepccedilatildeo de vida sociedade e relaccedilotildees

A aldeia dos Sahu-Apeacute eacute um cenaacuterio oriundo de doaccedilatildeo de terras pelo governo do estado

do Amazonas e que foram edificados aos poucos pelos indiacutegenas que laacute residem e por outros jaacute

falecidos A paisagem do local nos dias atuais possui tambeacutem conteuacutedo simboacutelico que expressa

intencionalidades ou ideais exercidos pelo grupo no territoacuterio

Por estar localizada natildeo tatildeo distante do centro urbano a aldeia eacute frequentemente

visitada logo se pode defini-la como um nuacutecleo turiacutestico Referente a esse aspecto Bolloacuten

(2002 p 59) enfatiza ldquoReferem-se aos agrupamentos com menos de dez atrativos turiacutesticos de

qualquer hierarquia e categoria que estatildeo isolados no territoacuterio e portanto tem um

funcionamento turiacutestico rudimentar ou carecem completamente dele devido precisamente a

seu grau de comunicaccedilatildeordquo

Vale aqui justificar que o nuacutecleo turiacutestico (conforme grifo da pesquisadora) resulta da

observaccedilatildeo realizada durante a pesquisa acreditando-se que ainda tem muito a se desenvolver

a crescer embora o fluxo de turistas seja frequente A atividade turiacutestica no lugar se configura

como uma importante atividade capaz de atrair investimentos e fluxos financeiros ainda em

crescimento Considera-se tambeacutem que a atividade turiacutestica do lugar movimenta recursos

financeiros e permite o desenvolvimento e o intercacircmbio cultural visto que o artesanato

produzido na aldeia congrega saberes cultura e histoacuteria do povo A contribuiccedilatildeo do turismo

para destinos especiacuteficos pode ser indicada pela quantidade de renda que gera para a

comunidade a partir dos gastos realizados pelos turistas gastos esses que continuam a circular

na economia entre os diversos setores de atividade

A pesquisa responde agrave problematizaccedilatildeo levantada e os desdobramentos acontecem

atraveacutes do fluxo de pessoas que visitam a comunidade O turista ao comprar o artesanato leva

consigo um pouco da histoacuteria da cultura e dos saberes do povo aleacutem de poder estar proacuteximo

ao meio ambiente ecoloacutegico

59

Os turistas visitam a comunidade Sahu-Apeacute em busca de experiecircncias exoacuteticas lazer e

ateacute mesmo curas como tambeacutem para comprar os compostos naturais produzidos a partir das

ervas medicinais colhidas na floresta receber defumaccedilatildeo com tauari durante a pajelanccedila ou um

banho com ervas ou ainda por curiosidade

3 PRODUCcedilAtildeO MATERIAL PROCESSOS IMBRICADOS ETNICIDADE E

ARTESANATO

Alguns autores consultados como Balliviaacuten (2012) Mauro (2016) Silva (2009) e

Barth (1998) serviram de base para a discussatildeo teoacuterica deste trabalho Durante o periacuteodo de

contato com o povo Satereacute-Maweacute na comunidade Sahu-Apeacute percebemos uma sutil

diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave comunidade de Satereacute-Maweacute de Ponta Alegre no rio Marau quanto

agrave produccedilatildeo artesanal por desenvolver conceitos especiacuteficos sobre esteacutetica e beleza Eacute

perceptiacutevel dentro da conjuntura que abarca esta pesquisa que a etnicidade se apresenta como

uma forma de estrateacutegia social ao usar o artesanato para a materializaccedilatildeo de sua cultura ou seja

eacute uma forma encontrada por essa comunidade para se expressar se divulgar e se firmar

enquanto parte de um todo urbano

Poe meio da pesquisa de campo observamos que diversas formas de ligaccedilatildeo atraveacutes da

praacutetica do artesanato se vinculam ao processo de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da proacutepria

etnicidade Reconhecer-se como sujeito eacutetnico eacute se auto afirmar legitimar-se como membro de

um povo existente ativo e que valoriza elementos de sua tradiccedilatildeo

Com os avanccedilos da tecnologia da informaccedilatildeo ampliou-se tambeacutem o acesso agrave internet

agrave televisatildeo e a outros meios de produccedilatildeo e difusatildeo da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo resultando na

mudanccedila no comportamento nos costumes e na forma de ser e pensar de muitos sujeitos que

influenciados por esses meios podem negar suas origens eacutetnicas atraveacutes da construccedilatildeo de sua

identidade

Sobre esse aspecto Silva pontua o seguinte

Nossa identidade assim natildeo eacute uma essecircncia natildeo eacute um dado natildeo eacute fixa natildeo eacute estaacutevel nem centrada nem unificada nem homogecircnea nem definitiva Eacute instaacutevel contraditoacuteria fragmentada inconsistente inacabada Eacute uma construccedilatildeo um efeito um processo de produccedilatildeo uma relaccedilatildeo um ato performativo A identidade se cria tambeacutem por certos atos de linguagem particularmente por enunciados que ldquofazem com que alguma coisa aconteccedilardquo (2000 p 42)

60

Na opiniatildeo de Belo (2004 p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado

da vida social indiacutegena que tambeacutem se apresenta como uma participaccedilatildeo preponderante na vida

cotidiana e nas praacuteticas sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo Nesse sentido eacute de extrema

importacircncia para a compreensatildeo de nosso trabalho discutirmos questotildees a respeito da discussatildeo

teoacuterica sobre etnicidade e seus conceitos

Durante o estudo de campo foi possiacutevel observar uma tentativa de autoafirmaccedilatildeo por

parte dos indiacutegenas nos discursos nas letras das muacutesicas cantadas para turistas e em conversas

informais como se quisessem a todo instante provar que satildeo iacutendios por morarem fora da sua

terra originaacuteria configurando-se entatildeo como iacutendios citadinos

Um exemplo bem claro eacute a letra de muacutesica transcrita a seguir que tem autoria dos

proacuteprios integrantes da aldeia e que eacute cantada durante apresentaccedilotildees dentro da aldeia e fora

dela

Satereacute-Sese

Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese Sou iacutendio na cidade

Sou no interior Levo minha cultura

Pra onde quer que eu vou Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Eu natildeo quero saber o que falam de mim

Eu tomo Tarubaacute e fumo Tauari Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese Satereacute-Sese

Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute Wum waacute coa toeacute

Satereacute-Sese

A organizaccedilatildeo social da aldeia Sahu-Apeacute entende a especificidade de sua realidade e

tenta em cada oportunidade manifestaccedilatildeo ou praacutetica como eacute o caso do artesanato se fazer

presente ao evidenciar suas particularidades e tentar fazer parte dessa comunhatildeo nacional E

essa organizaccedilatildeo e dinacircmica tambeacutem revelam que seus habitantes tecircm a seu favor o labor dos

61

artesotildees com os produtos e o turismo Os benefiacutecios gerados pela forte vinculaccedilatildeo observada

entre os setores de Artesanato e do Turismo mediante a inserccedilatildeo do artesatildeo em seu local de

produccedilatildeo nos roteiros turiacutesticos aleacutem da implantaccedilatildeo de estrateacutegias integradas tais como a

comercializaccedilatildeo de produtos artesanais e a apresentaccedilatildeo da danccedila da Tucandeira evidenciam

dessa forma a identidade cultural local

Entretanto eacute necessaacuterio entender natildeo somente a dinacircmica da cultura do artesanato mas

tambeacutem das proacuteprias exigecircncias dos novos tempos O fazer artesanal passa natildeo soacute pela tradiccedilatildeo

familiar mas tambeacutem pela ldquohabilidaderdquo e ldquocompetecircnciardquo do saber fazer e considerando o

mercado que absorve esse produto nessa feitura ldquoas mulheres iacutendias satildeo mais laboriosasrdquo

(TORRES SANTOS 2011 p 27)

Em Sahu-Apeacute podemos perceber que as dinacircmicas coletivas de subsistecircncia satildeo

diversificadas e voltadas o ano todo para o turismo momento em que se comercializam

diversos produtos como artesanato pintura de grafismo em turistas sucinta produccedilatildeo de mel

cracircnios e couros de animais derivados da farmaacutecia Kunatilde ingresso para a entrada na aldeia

registros fotograacuteficos de pessoas e animais Como podemos visualizar nas imagens a seguir

Figura 20 colar de sementes exposto pra a comercializaccedilatildeo

Fonte Arquivo Pessoal

62

Figura 21 realizaccedilatildeo da pintura do grafismo em turista Fonte Arquivo Pessoal

Figura 22_ Sahu explicando para turistas como os remeacutedios satildeo produzidos na farmaacutecia Kunatilde

Fonte Arquivo pessoal

63

Figura 23 registros fotograacuteficos de turistas com crianccedilas da comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Satildeo essas praacuteticas coletivas de sobrevivecircncia que diferem bastante das praacuteticas coletivas

de subsistecircncia do povo da aldeia Sahu-Apeacute em relaccedilatildeo aos Satereacute-Maweacute na TI Andiraacute-Marau

que estatildeo mais voltadas para a produccedilatildeo da agricultura (mandioca e guaranaacute) e tambeacutem para a

produccedilatildeo de animais para consumo (galinha e porco) o artesanato tambeacutem eacute produzido para a

comercializaccedilatildeo na TI Andiraacute-Marau mas sendo exposto com mais ecircnfase no periacuteodo de junho

e julho quando acontece o festival folcloacuterico de Parintins

Nesse contexto eacute possiacutevel notar a especificidade da estrutura social e econocircmica que se

desenvolve em Sahu-Apeacute configurando-se assim as suas relaccedilotildees sociais Segundo Belo (2004

p 15) as identidades formam parte de um acircmbito politizado da vida social indiacutegena que

tambeacutem se apresentam como uma participaccedilatildeo preponderante na vida cotidiana e nas praacuteticas

sociais dos sujeitos pertencentes ao grupo

Assim sendo faz sentido discutir as questotildees sobre etnicidade e seus conceitos

Apoiados em Max Weber em sua obra Economia e Sociedade publicada no seacuteculo XIX vemos

que o estudioso sinaliza uma discussatildeo sobre os grupos eacutetnicos tendo como objetivo expor e

definir no acircmbito socioloacutegico o que realmente seriam e como se configuravam esses grupos

Para ele os grupos eacutetnicos satildeo aqueles agrupamentos humanos que mantinham uma crenccedila

64

particular numa descendecircncia comum de semelhanccedilas de tipo corporal ou de tradiccedilotildees ou de

ambos ou devido agrave memoacuteria (WEBER 1979 p 376)

Essa discussatildeo natildeo se trata portanto de uma mudanccedila apenas de significado de sentido

mas traz a essecircncia de que o grupo eacutetnico eacute nada mais do que uma accedilatildeo poliacutetica O autor ainda

nos remete a uma reflexatildeo no sentido de que o processo de ldquosimbolizaccedilatildeordquo das coisas se

configura no esteio central da concretizaccedilatildeo do que chamamos de etnicidade O termo

etnicidade vem tomando uma proporccedilatildeo significativa e de caraacuteter relacionado agrave agitaccedilatildeo e agraves

discussotildees poliacuteticas e em muitas situaccedilotildees escapa do que poderia ser encontrado nas praacuteticas

diaacuterias dos grupos

Para Barth (1998) a ideia de etnicidade estaacute vinculada agrave criaccedilatildeo de fronteiras que podem

ser dinacircmicas e maleaacuteveis de acordo com o interesse dos grupos O conceito primordial de

etnicidade estaacute vinculado a questotildees de ordem e estruturaccedilatildeo grupal conferidas por meio

bioloacutegico ou a partir de processos culturais existentes Aleacutem disso Barth (1998) define grupo

eacutetnico de acordo com as formas de organizaccedilatildeo social em que os membros dessas populaccedilotildees

se identificam e satildeo identificados como grupo pelos outros

De forma ampla a colocaccedilatildeo ldquoIdentidade Eacutetnicardquo nos remete imediatamente a um

conjunto de informaccedilatildeo em que existem etnicidade e grupos eacutetnicos Oliveira (2010) define

como conceito de identidade uma caracterizaccedilatildeo autocircnoma agrave cultura e em contraposiccedilatildeo esta

certamente influencia a identidade eacutetnica de um povo e especificamente seu caraacuteter simboacutelico

Silva (2010 p 131) complementa

A configuraccedilatildeo de agentes eacutetnicos especialmente as associaccedilotildees ciacuterculos satildeo instauradores de novos quadros de socializaccedilatildeo e expressatildeo dos sujeitos e transformam as narrativas eacutetnicas passadas em sinais diacriacuteticos Esses satildeo por sua vez os signos e siacutembolos que o grupo cria para se representar mostrar que eacute diferente em certo sentido Silva (2010 p 131)

A discussatildeo sobre identidade deixa claro que a identidade natildeo eacute fixa e que a etnicidade

congrega costumes cultura usos e costumes de diferentes grupos Hall (2006 p 13) acrescenta

que ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo O grupo

pode adotar traccedilos culturais de outros como a liacutengua e a religiatildeo e contudo continuar a ser

percebido e a se perceber como distintivo (BARTH 2000)

Dentro de uma compreensatildeo desse aspecto podemos perceber que os Satereacute em Sahu-

Apeacute atualizam suas fronteiras soacutecio simboacutelicas por meio dentre outras coisas do artesanato

que eacute visto por eles e por outros como atividade indiacutegena possibilitando-lhes assegurar uma

identidade indiacutegena especialmente em contextos de interaccedilatildeo com os natildeo iacutendios seja nas

65

cidades em outras aldeias ou em sua proacutepria aldeia com turistas que vatildeo visitaacute-los vizinhos

habitantes de Manaus etc

Natildeo existem identidades concretas ou congeladas mas sim processos de construccedilatildeo de

significados sempre inacabados que constituem uma busca constante como assinala Bauman

(2005) uma experiecircncia que nunca teraacute finalidade A identidade eacute moacutevel forma-se e

transforma-se de acordo com as condiccedilotildees geograacuteficas fiacutesicas histoacutericas como a memoacuteria

coletiva Barth nos explica que essas fronteiras satildeo moacuteveis podendo mesmo assim impor uma

delimitaccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo e ldquoelesrdquo

Satildeo caracteriacutesticas da cultura a maneira como os indiviacuteduos agem pensam e comportam-se perante as inuacutemeras diversidades apresentadas pelo que lhe eacute incomum visto aos olhos de seus costumes e tradiccedilotildees A cultura natildeo eacute estaacutetica natildeo eacute fechada e muito menos um conjunto de instruccedilotildees na qual o homem deve seguir ldquoeacute a maneira de descrever o comportamento humanordquo Barth (2000 p 25)

No caso dos Satereacute de Sahu-Apeacute que vivem em uma vila cercada de cidades e com um

fluxo consideraacutevel de turistas em sua aldeia indica-se uma rede de relaccedilotildees de cunho cultural

social e laboral e que tambeacutem demonstra conexotildees na edificaccedilatildeo social das identidades ainda

que essas identidades possam estar conectadas agraves necessidades expressas em determinados

momentos da histoacuteria desse povo

No todo que abarca a regiatildeo onde se localiza a aldeia Sahu-Apeacute se estabelece a

existecircncia de distintas identidades seja social cultural territorial dentre outras obtidas e ateacute

deixadas no processo de constituiccedilatildeo social dessa comunidade A identidade eacute flexiacutevel eacute

tambeacutem complexa no seu modo de inclusatildeo inovaccedilatildeo e exclusatildeo Os contextos entatildeo exibidos

e os modos de vida originados por eles tecircm tido um papel importante nas diferentes identidades

que os sujeitos da comunidade em foco possuem variando de acordo com as circunstacircncias

Para Hall (2006 p 13) em diferentes momentos os indiviacuteduos assumem diferentes

identidades e dentro de um ldquoeurdquo coerente essas identidades natildeo satildeo unificadas ou seja dentro

de noacutes haacute identidades contraditoacuterias que estatildeo a todo momento se deslocando Nesse contexto

consideramos que a comunidade Sahu-Apeacute percebida como um arranjo cultural se adapta agraves

mudanccedilas reafirmando e modificando sua identidade haja vista que segundo Hall (2006 p

13) ldquoa identidade plenamente unificada completa segura e coerente eacute uma fantasiardquo

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria se estrutura como um elemento primordial na construccedilatildeo da

identidade esta estaacute vinculada agrave noccedilatildeo de continuidade individual e grupal ou seja eacute um

processo ligado agrave coletividade no qual as lideranccedilas do grupo tecircm enorme papel Pietrafesa de

66

Godoi (1999 p 15) afirma que a memoacuteria se estabelece ldquocomo produtora de identidade e

portadora de imaginaacuterio regendo regras de pertencimento e exclusatildeo que delimitam as

fronteiras sociais do grupordquo Isso acontece na comunidade em momentos coletivos em que as

histoacuterias dos antigos satildeo contadas para a proacutepria comunidade e tambeacutem para os visitantes

Dentro desse processo o indiviacuteduo escolhe numa parte do passado o que lhe interessa e

somente recorda por pertencer a um conjunto social Halbwachs (2006) nos leva agrave reflexatildeo de

que o sujeito natildeo pensa de maneira intencional mas em face do que encontra em determinadas

situaccedilotildees pelos outros e para os outros pois eacute por meio da coletividade que se visa a

universalidade ou seja uma memoacuteria que nunca eacute somente do sujeito mas sim de um sujeito

pertencente ao contexto social

Em Sahu-Apeacute a memoacuteria eacute nutrida e transmitida para que se sustente e natildeo se perca no

enredo da contemporaneidade assim a identidade revela um desenho do eu da histoacuteria da

singularidade e vai se estabelecendo como uma forma de orientaccedilatildeo na constituiccedilatildeo das proacuteprias

praacuteticas sociais

O reconhecimento de sua essecircncia na identidade cultural estaacute inteiramente ligado ao

sentimento de pertenccedila e ao sentimento de coletividade do grupo desse modo se tornam um

fator de extrema importacircncia Santos salienta que

[] eacute importante considerar a diversidade cultural interna de uma sociedade Mesmo porque essa diversidade natildeo eacute soacute feita de ideias ela estaacute tambeacutem relacionada com as maneiras de atuar na vida social eacute um elemento que faz parte das relaccedilotildees sociais Santos (1994 p 19)

As relaccedilotildees de posse estatildeo manifestadas nas criaccedilotildees individuais e coletivas da

comunidade estabelecendo criteacuterios de valoraccedilatildeo de vaacuterios elementos o que eacute perceptiacutevel na

produccedilatildeo de artesanato como em tantas outras coisas que carregam um valor histoacuterico

geograacutefico e identitaacuterios E dentro desse mesmo bojo ainda se configura como fonte de geraccedilatildeo

de renda

Na constituiccedilatildeo social os artesatildeos de Sahu-Apeacute ressignificam elementos de

comportamento e elementos simboacutelicos que moldaram sua proacutepria dinacircmica social e valores

culturais caracteriacutesticos Nesse sentido Geertz afirma

a cultura natildeo eacute um poder algo ao qual podem ser atribuiacutedos casualmente os acontecimentos sociais com especificidade ou natildeo [] ela eacute um contexto algo dentro do qual eles podem ser descritos com densidade Geertz (1989 p 10)

67

Assim a partir da visatildeo antropoloacutegica Geertz nos faz perceber a cultura como uma

ciecircncia interpretativa e que ldquocompreender a cultura de um povo expotildee a sua normalidade sem

reduzir sua particularidaderdquo (1989 p 10) Eacute parte da cultura a forma como os sujeitos atuam

pensam e reagem perante o que se apresenta como incomum diante de suas tradiccedilotildees e seus

costumes Entende-se nesse acircmbito que a cultura eacute dinacircmica ldquoeacute a maneira de descrever o

comportamento humanordquo (BARTH 2000 p 25)

A distinccedilatildeo das culturas natildeo se daacute de forma imoacutevel uma vez que as sociedades natildeo estatildeo

isoladas como eacute o caso de Sahu-Apeacute que desenvolve relaccedilotildees com diferentes grupos que de

maneira inevitaacutevel influenciam e interferem na conduta social e na conjunccedilatildeo cultural da

comunidade E para Leacutevi-Strauss (1993) a distinccedilatildeo das culturas perpassa o tempo-espaccedilo

estando aqui ali em todo lugar e sempre construindo-se e evoluindo constantemente em ritmos

distintos

Outro ponto de vista que chamou atenccedilatildeo para a composiccedilatildeo deste trabalho foi a forma

da sociedade intitulada de ldquosociedade em rederdquo (CASTELLS 2002) Essa teoria explica que as

informaccedilotildees circulam com muita naturalidade nos diversos nichos em que se acreditava haver

uma sociedade estritamente homogecircnea culturalmente tornando-se perceptiacuteveis as novas

identidades coletivas que tentam buscar o seu reconhecimento Outro ponto de vista do mesmo

estudioso eacute que a identidade seria percebida a partir do desenvolvimento do processo de

significaccedilatildeo de uma entatildeo chamada cultura interna e tambeacutem indo aleacutem a partir de atribuiccedilotildees

desenvolvidas por meio do contato com outras realidades ou seja essa relaccedilatildeo proacutexima entre

as culturas e consequentemente entre os sujeitos seria o que basicamente constroacutei a identidade

de fato

Hannerz (1997) tambeacutem compartilha dessa ideia a partir da qual trabalha conceitos de

dinamicidade cultural Eacute o que ele vai chamar de ldquocultura em fluxordquo por entender que para a

manutenccedilatildeo de uma cultura que estaacute em movimento pessoas que inevitavelmente estatildeo ligadas

agraves redes tecircm de reinventar a proacutepria cultura e se permitir refletir sobre ela e assim experienciaacute-

la

Para Hall (2000) as questotildees sobre etnicidade podem ser vistas dentro de uma atmosfera

que reflete um fenocircmeno social E dentro desse fenocircmeno social a identidade pode ser atribuiacuteda

aos grupos existindo com o passar dos anos uma necessidade de buscaacute-la em outros grupos

diferentes o que segundo o autor afasta a ideia impregnada de originalidade e exclusividade

identitaacuterias Hall (2000) ainda sobre identidade nos direciona a entender que todo esse

processo de discussatildeo estaacute relacionado agraves perspectivas de objetividade e subjetividade sobre o

que compotildee as questotildees Assim primeiramente haacute uma relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo com fatores

68

como territoacuterio religiatildeo e linguagem e todos eles satildeo trabalhados como fatores de origem Em

seguida o autor pontua a importacircncia da proacutepria identidade o que podemos perceber como

auto identificaccedilatildeo

Portanto eacute possiacutevel entender que a concepccedilatildeo de identidade estaacute vinculada agrave

movimentaccedilatildeo do dia a dia dos sujeitos como uma alternativa de convivecircncia com os que os

cercam vislumbrando talvez uma alternativa de simplesmente achar o seu proacuteprio espaccedilo na

sociedade poacutes-moderna Permite-se assim ir mais aleacutem na tentativa de traccedilar um estudo sobre

as coisas e suas trajetoacuterias e dentro desses novos contextos sociais um exemplo claro disso eacute o

proacuteprio povo Satereacute-Maweacute da aldeia Sahu-Apeacute que interage direta e indiretamente com

diversos valores e necessidades que lhes satildeo apresentados nos dias de hoje modificando nesse

contexto a sua proacutepria noccedilatildeo de esteacutetica

31 Movimento de sementes e materiais na aldeia Sahu-Apeacute

311 Objetos e recursos

Um ponto de grande relevacircncia dentro do universo da pesquisa eacute a mateacuteria-prima que eacute

utilizada pois as sementes e as plumagens tecircm um circuito proacuteprio e uma movimentaccedilatildeo

dinacircmica algumas sementes satildeo trocadas entre as aldeias Yrsquoapyrehyt e wha-beacute vindo ateacute

mesmo de parentes de Maueacutes Parintins e Barreirinha satildeo as chamadas ldquoencomendasrdquo

69

Figura 24 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 25 Barraca para a exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas de artesanato Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

70

Figura 26 Exposiccedilatildeo de artesanato de Mulheres de Sahu-Apeacute em evento no centro de Manaus

Fonte G1 Disponiacutevel em ltglobocom2017gt Acesso em 03de setembro de 2018

Figura 27 Congressista de um evento sobre sauacutede coletiva em visita turiacutestica agrave aldeia Sahu-Apeacute usando um

colar de morototo e semente de accedilaiacute) Fonte Arquivo pessoal

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Figura 28 Meyrre utilizando uma tiara e sutiatilde de laacutegrimas de N Senhora e plumagemcolar de morototo

com caroccedilo de tucumatilde e sementes de accedilaiacute Fonte Arquivo pessoal

Durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa notou-se atraveacutes da observaccedilatildeo que natildeo

existe diferenccedila ou ateacute mesmo separaccedilatildeo na mateacuteria-prima para a confecccedilatildeo de peccedilas de cunho

comercial e de peccedilas para uso pessoal dos indiacutegenas Alguns colares utilizados pelos proacuteprios

indiacutegenas satildeo expostos nas barraquinhas agrave disposiccedilatildeo de turistas Ateacute mesmo no que se refere

agraves peccedilas que satildeo utilizadas no proacuteprio ritual se algueacutem manifestar o interesse e pagar a quantia

pedida pode obter qualquer peccedila

72

Figura 29 Luva confeccionada pela aldeia para o ritual da Tucandeira

Fonte Arquivo pessoal

Uma situaccedilatildeo dessa natureza ocorreu logo apoacutes o momento do Ritual da Tucandeira

quando um estudante de enfermagem do Mato Grosso manifestou interesse em comprar a luva

ainda com as formigas dentro e Sahu atual responsaacutevel pela aldeia respondeu no momento

de enfermidade da tuxaua que natildeo haveria o menor problema mas que antes eles teriam de

tirar as formigas de dentro uma vez que elas tecircm um cheiro muito forte A peccedila ndash isto eacute as

luvas usadas pelos indiacutegenas que participam do ritual e que satildeo confeccionadas de palha de

inajaacute (palmeira) ndash custou ao estudante o preccedilo de R$ 25000 Dessa forma podemos deduzir

que qualquer objeto ainda que de cunho ritual pode ser comercializado na aldeia Sahu-Apeacute

Torna-se imprescindiacutevel destacar aqui que em outras aldeias Satereacute-Maweacute natildeo eacute comum agrave

praacutetica de comercializaccedilatildeo de peccedilas de cunho ritual

73

32 Territoacuterio e Territorialidade

Para Valverde (2004) a ideia de territoacuterio eacute o lugar de espaccedilo de residecircncia ou local

onde se desenrolam as muacuteltiplas relaccedilotildees entre os agentes sejam elas sociais ou econocircmicas

Apesar disso essa eacute uma definiccedilatildeo que suprime os elementos norteadores do conceito de

territoacuterio

Enquanto isso Haesbaert (2001) um dos mais importantes pesquisadores das temaacuteticas

territoriais brasileiras considera que o territoacuterio expressa o local da manifestaccedilatildeo de poder e

apresenta trecircs perspectivas distintas a juriacutedico-poliacutetica a cultural e a econocircmica Na

perspectiva juriacutedico-poliacutetica o territoacuterio eacute visto como um espaccedilo delimitado e controlado sobre

o qual se exerce um determinado poder especialmente o de caraacuteter estatal na perspectiva

cultural por sua vez priorizam-se as dimensotildees simboacutelicas e mais subjetivas sendo o territoacuterio

visto fundamentalmente como produto da apropriaccedilatildeo feita atraveacutes do imaginaacuterio eou da

identidade social sobre o espaccedilo e por fim na perspectiva econocircmica destaca-se o territoacuterio

como produto espacial do embate entre classes sociais e da relaccedilatildeo capital-trabalho

(HAESBAERT apud SPOSITO 2004 p 18)

Na opiniatildeo dos autores territoacuterio eacute realmente lugar de residecircncia de pertencimento

local onde acontecem as relaccedilotildees de poder de decisatildeo Haesbaert (2001) destaca o poder

juriacutedico-poliacutetico cultural e econocircmico

Os territoacuterios transformam-se de acordo com o ritmo das novas teacutecnicas e isso ocorre

tanto na cidade quanto no campo Entretanto esse processo de reconhecimento legal das

comunidades indiacutegenas incluindo a demarcaccedilatildeo de suas terras e o direito de preservarem suas

tradiccedilotildees eacute bastante recente

Pellegrini (2010 p 246) afirma que

Somente no iniacutecio do seacuteculo XX as chamadas Terras Indiacutegenas (TI) comeccedilaram a ser demarcadas pelo governo brasileiro Poreacutem os direitos dos iacutendios soacute foram estabelecidos claramente pela constituiccedilatildeo brasileira em 1988 que garantiu a posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles e tambeacutem o direito de preservar sua cultura e seu modo de vida

Para compreender esses grupos sociais eacute preciso desvendar seu cotidiano e considerar

o contexto contraditoacuterio no qual estatildeo inseridas suas manifestaccedilotildees e praacuteticas culturais

Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazocircnia natildeo significa apenas

conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais mas sobretudo compreender seus

74

vastos territoacuterios Eacute imperativo notar que para aleacutem da paisagem natural harmocircnica e

romacircntica haacute paisagens socialmente construiacutedas que satildeo repletas de contrastes e contradiccedilotildees

A territorializaccedilatildeo construiacuteda em Sahu-Apeacute necessita ser observada sob o prisma da

percepccedilatildeo identitaacuteria traduzida por extensotildees territoriais de pertencimento e enquanto

construccedilatildeo poliacutetica tal como indica Almeida

O processo de territorializaccedilatildeo eacute resultante de uma conjugaccedilatildeo de fatores que envolvem a capacidade mobilizatoacuteria em torno de uma poliacutetica de identidade e um certo jogo de forccedilas em que os agentes sociais atraveacutes de suas expressotildees organizadas travem lutas e reivindicam direitos face ao Estado (2006 p 88)

No desenvolvimento desse processo as relaccedilotildees comunitaacuterias se encontram em

modificaccedilatildeo constante alternando entre uma unidade afetiva e uma unidade poliacutetica Sahu-Apeacute

se compotildee dessa forma ainda que se constitua enquanto unidade familiar aleacutem de ser tambeacutem

um nuacutecleo poliacutetico indo aleacutem do parentesco compondo-se sobretudo enquanto uma existecircncia

coletiva

Outro ponto a ser destacado eacute que o processo territorial se desenvolve no tempo

partindo sempre de uma forma precedente de outro estado de natureza ou de outro tipo de

territoacuterio

Eacute importante deixar claro que existem territoacuterios na cidade de Manaus e nas adjacecircncias

a exemplo da aldeia Sahu-Apeacute em que haacute os chamados iacutendios citadinos ou iacutendios urbanos

Segundo as lideranccedilas dessas comunidades na pessoa do senhor Sahu e do tuxaua Moiseacutes natildeo

foi devidamente expresso pelo uacuteltimo censo do IBGE no ano de 2010 que em suas evidecircncias

expotildee um nuacutemero bem menor do que o existente na realidade Percebe-se assim uma tentativa

de invisibilidade por parte do estado quanto a esses povos tradicionais que habitam essa

localidade Isso se torna preocupante visto que na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 documento

maior que rege esta naccedilatildeo satildeo reconhecidos os direitos dos povos indiacutegenas diferentemente

do que existia nas constituiccedilotildees anteriores que os julgavam como sociedades em fases

evolutivas que seriam aculturadas e depois integradas a essa mesma comunhatildeo nacional

Outro fator relevante e preocupante eacute a percepccedilatildeo da FUNAI (oacutergatildeo indigenista oficial)

sobre essas comunidades natildeo oferecendo assistecircncia e poliacuteticas puacuteblicas baacutesicas Mesmo tendo

um nuacutemero expressivo de indiviacuteduos pertencentes a essas comunidades talvez resida agrave

necessidade latente de se desenvolver nessas duas aldeias em estudo a reflexatildeo do que eacute ser

indiacutegena fora da zona originaacuteria de seu povo ou seja natildeo houve uma renuacutencia dos indiacutegenas

75

agraves suas tradiccedilotildees e agraves suas raiacutezes identitaacuterias ou a negaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo indiacutegena mas sim

sua reafirmaccedilatildeo em um novo contexto e lugar

Dentro desse acircmbito vale ressaltar a reflexatildeo sobre os termos ldquoiacutendios dana cidaderdquo e

ldquoiacutendios urbanosrdquo termos esses elucidados por Silva (2010) Bernal (2009) e Oliveira (1968) A

culminacircncia desses termos tem o objetivo de apontar a especificidade de indiacutegenas que moram

fora de suas aacutereas originaacuterias e tambeacutem dos que jaacute nasceram dentro dessas aacutereas urbanas

Entende-se a partir de diversos autores que compotildeem as bases para esta anaacutelise que o

espaccedilo fiacutesico eacute dicotocircmico pois haacute um lugar de significado usos modos significados e

sentidos que lhes satildeo atribuiacutedos Nesse contexto podemos entender um espaccedilo geograacutefico

tambeacutem como um espaccedilo de relaccedilotildees de poliacuteticas de conflitos de produccedilotildees e que satildeo de

extrema importacircncia para as configuraccedilotildees de reflexotildees-chave e para a percepccedilatildeo de categorias

como memoacuteria cultura identidade etc

Santos (1994) e Haesbaert (2004) entendem a territorialidade como um espaccedilo de vida

em que se estabelece no cotidiano nas accedilotildees e nas praacuteticas dos indiviacuteduos nesses espaccedilos

geograacuteficos dando-lhes significado e que naturalmente vatildeo se diferindo no decorrer do tempo

Souza (1992) argumenta em seu trabalho que esse estabelecimento se daacute mediante relaccedilotildees

sociais projetadas e esquematizadas para determinado espaccedilo geograacutefico inevitavelmente

abrindo a porta para a compreensatildeo de algo que exige uma mobilidade dinamicidade e

flexibilidade na sua proacutepria existecircncia ou seja algo que natildeo eacute estaacutetico ou que muito menos jaacute

estaacute estabelecido Outro ponto importante da anaacutelise de Souza (1992) eacute que natildeo podemos deixar

de compreender esses espaccedilos de comunidades urbanas complexas sem deixar de pensar

primeiramente essas comunidades como a noccedilatildeo de redes de relaccedilotildees sociais Assim os

proacuteprios indiviacuteduos desses espaccedilos se tornam protagonistas de seus proacuteprios territoacuterios e

atribuindo vaacuterios significados de poder e autoridade a ele podendo desse modo construir e

desconstruir esse conceito pertencente basicamente agrave chave da compreensatildeo do que eacute

territorialidade

Partindo entatildeo dessa chave de compreensatildeo a ideia de territorialidades eacute constituiacuteda

para Haesbaert (2004) como uma forma de incorporar uma dimensatildeo de relaccedilotildees econocircmicas e

culturais e prioritariamente poliacuteticas ao espaccedilo Assim a noccedilatildeo de territorialidades seria mais

importante e mais bem aplicada do que a noccedilatildeo de territoacuterios para determinar esses espaccedilos

geograacuteficos Isso tambeacutem parte de uma ressonacircncia das teorias de Gilles Deleuze e Feacutelix

Guattari (1996) sobre os conceitos de desterritorializaccedilatildeo e reterritorializaccedilatildeo que enfatizam

como territoacuterios plurais esses mesmos territoacuterios inicialmente apropriados desapropriados e

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reapropriados por diversos atuantes a partir da extensatildeo cultural entendida como exerciacutecio

discursivo

Oliveira (1998) ainda argumenta que a territorializaccedilatildeo abarca inclusotildees poliacuteticas que

servem de instituiccedilatildeo e instrumento para atuar em um espaccedilo e que tambeacutem servem como

fundamento para que esses atores possam agenciar suas territorialidades estabelecendo com

isso a ocupaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do seu espaccedilo geograacutefico a partir de suas visotildees de mundo

e suas relaccedilotildees sociais levando em consideraccedilatildeo tambeacutem as noccedilotildees de forccedila e poder no lugar

no sentido institucional para determinar a loacutegica do proacuteprio espaccedilo Um exemplo bem claro

disso estaacute presente nas demarcaccedilotildees de fronteiras para que os agentes possam estabelecer uma

relaccedilatildeo de propriedade e identidade com o espaccedilo

Ainda nas palavras de Oliveira (1998 p 55) temos ldquoa pertenccedila a um sistema de base

territorial fixa se compotildee em um posto-chave para a apreensatildeo das mudanccedilas por que ela passa

isso afetando profundamente o funcionamento das suas instituiccedilotildees e o proacuteprio significado de

suas manifestaccedilotildees culturais e sociaisrdquo Partindo desse pressuposto podemos entatildeo entender

que o processo de territorializaccedilatildeo impotildee determinadas logicas a criteacuterio das muacuteltiplas

territorialidades aludindo a outras praacuteticas de reterritorializaccedilatildeo e como jaacute mencionado

incluindo accedilotildees de empoderamento e sistemas poliacuteticos a partir dos coacutedigos instituiacutedos e

fixados

Em derredor dos territoacuterios as relaccedilotildees satildeo portanto relaccedilotildees de incansaacuteveis transaccedilotildees

e disputas que se tornam fundamentais para as necessidades de busca das dimensotildees de

memoacuteria e de identidade jaacute que eacute a partir delas que se constituem os projetos de

territorialidades ou seja possibilidades de ocupar o espaccedilo habitado e lhe dar significado E

se percebemos a identidade como uma maneira de narrar o indiviacuteduo e o coletivo entatildeo existe

uma relaccedilatildeo pertinente na constituiccedilatildeo dos processos identitaacuterios entre as dimensotildees do evento

dos agentes e do lugar o que nos direciona agrave noccedilatildeo de territorialidades Em resumo a busca

pela memoacuteria eacute por conseguinte a busca da identidade e eacute ao mesmo tempo uma disputa pela

narraccedilatildeo e pelo discurso do espaccedilo vivido Como afirma Bourdieu

As lutas a respeito da identidade eacutetnica ou regional quer dizer a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas agrave origem atraveacutes do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes satildeo correlativos como a proacutepria liacutengua materna o sotaque satildeo um caso particular das lutas das classificaccedilotildees lutas pelo monopoacutelio de fazer ver e fazer crer de dar a conhecer e de fazer reconhecer de impor a definiccedilatildeo do mundo social e por este meio de fazer e de desfazer os grupos Com efeito o que nelas estaacute em jogo eacute o poder de impor uma visatildeo do mundo social atraveacutes dos princiacutepios de divisatildeo que quando se impotildeem ao conjunto do grupo realizam o sentido e a unidade do grupo que

77

fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo Bourdieu (1989 p 115)

Conforme a concepccedilatildeo do autor a noccedilatildeo espacial de territorialidades eacute desenvolvida

pela praacutetica de falas performativas na qual o poder daquele que tem a fala se utiliza da

autoridade no proacuteprio discurso para determinar os alcances e denominar os espaccedilos Bourdieu

tambeacutem expotildee em seu trabalho que essas configuraccedilotildees fronteiriccedilas satildeo instaacuteveis e estatildeo na

chave de entendimento do simboacutelico sobrevivendo devido agraves praacuteticas culturais presentes na

fala e na constituiccedilatildeo do proacuteprio significado

ldquoCercasrdquo e ldquoPontesrdquo eacute como Douglas e Isherwood (2006) definem essa busca do

simboacutelico para a tentativa de significaccedilatildeo de territoacuterios e de contextos sociais desenvolvendo

assim dinacircmicos sistemas de classificaccedilatildeo e inevitavelmente a exclusatildeo e inclusatildeo de diversos

elementos Parte-se do pressuposto da compreensatildeo da estudiosa de que haacute uma multiplicidade

de perspectivas que estatildeo presentes e que envolvem uma seacuterie de situaccedilotildees do cotidiano

incluindo tambeacutem neste bojo as poliacuteticas puacuteblicas para o processo de ocupaccedilatildeo e as estrateacutegias

para apropriaccedilatildeo e uso desses espaccedilos aleacutem de que parte desses diversos indiviacuteduos presentes

marca a valorizaccedilatildeo e desvalorizaccedilatildeo do espaccedilo urbano Douglas e Isherwood (2006) ainda

afirma que estamos diante de um processo que se estabelece dinamicamente para as atribuiccedilotildees

de sentidos e valores em torno do espaccedilo e que esse processo transforma o espaccedilo em um lugar

significativo

Para que haja a constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo do espaccedilo que eacute habitado a populaccedilatildeo atua

de modo objetivo e simboacutelico no proacuteprio territoacuterio em que passam a existir relaccedilotildees sociais

desenvolvendo assim um sistema dialeacutetico de relaccedilotildees que se estabelecem a partir do trabalho

e da sociabilidade Esse mesmo espaccedilo de relaccedilatildeo dialeacutetica reforccedila partes essenciais da

identidade e das parcelas da histoacuteria e da memoacuteria dos que ali estatildeo inseridos

Eacute de importante pensar o cenaacuterio econocircmico e social dessas populaccedilotildees pois eacute partir

dessas relaccedilotildees que satildeo determinados os modos pelos quais esses agentes vivenciam e

expressam a sua cultura podemos exemplificar muito claramente as proacuteprias manifestaccedilotildees

artiacutesticas que satildeo comercializadas a partir da essecircncia da sua cultura Isso eacute muito presente no

povo Satereacute-Maweacute que reside em Manaus e nos arredores Esses modos econocircmicos tambeacutem

refletem a importacircncia da consciecircncia e identidade de classes assim as proacuteprias possibilidades

de organizaccedilatildeo e resistecircncia estatildeo diretamente vinculadas a essas relaccedilotildees econocircmicas e sociais

que de formas associativas e por discursos identitaacuterios se tornam relevantes sobre as praacuteticas de

sociabilidade e determinam diferentes atuaccedilotildees e intervenccedilotildees desses indiviacuteduos sobre o espaccedilo

78

urbano vivido Para tentar compreender a territorialidade dessa aldeia compartilhamos tambeacutem

das ideias de Silva (2000 p 45) a saber ldquoa territorialidade eacute uma identidade criada a partir da

relaccedilatildeo dialeacutetica entre territoacuterio e sociedaderdquo E tambeacutem

A vida em sociedade eacute resultado de um processo cultural que se concretiza pelas relaccedilotildees sociais que instituem siacutembolos que expressam uma determinada visatildeo de mundo comum manifestando-se em vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo como a linguagem comportamentos artefatos materiais etc Os siacutembolos instituiacutedos teratildeo capacidade de influenciar e controlar o comportamento humano dependendo da sua capacidade de transmitir e reforccedilar um sistema ideoloacutegico jaacute dado A sociedade entatildeo pode ser considerada um agregado de relaccedilotildees sociais e a cultura eacute seu conteuacutedo enfatizando os recursos acumulados que as pessoas adquirem como heranccedila na medida em que os utilizam transformam acrescentam e transmitem [] A cultura natildeo eacute algo externo ou uma estrutura que paira sobre todos mas compotildee homens em sociedade Esta noccedilatildeo de cultura esteve ausente durante muito tempo nos estudos dos geoacutegrafos que poucas vezes questionaram com profundidade a condiccedilatildeo existencial dos homens preocupando-se muito mais com a comparaccedilatildeo das diferentes paisagens da terra Contudo a raacutepida modernizaccedilatildeo da sociedade a divisatildeo do trabalho e a crescente uniformizaccedilatildeo das teacutecnicas tecircm lanccedilado questionamentos aos geoacutegrafos que agora tecircm como grande desafio a anaacutelise das sociedades complexas (SILVA 2000 p45)

Eacute necessaacuterio tambeacutem pensar territorialidades dentro da chave de anaacutelise de lugar cultura

e atores a qual nos expotildee muito bem Sahlins (1997) ao fazer uma exaltaccedilatildeo a diferentes culturas

em detrimento de uma possibilidade de homogeneizaccedilatildeo do mundo O autor ainda fala que a

globalizaccedilatildeo reforccedila a diversidade cultural em todo o planeta levando-nos assim a entender

que a cultura natildeo eacute um objeto que estaacute em extinccedilatildeo e que a dinamicidade eacute inerente ao processo

Sobre a chave da interpretaccedilatildeo e do entendimento desses dois autores sobre cultura e aspectos

culturais percebemos que na comunidade em estudo reflexotildees pertinentes e em consonacircncia

com suas ideias pois os Satereacute-Maweacute realizam uma tentativa de reproduccedilatildeo do sistema cultural

de seu povo em outro territoacuterio que natildeo eacute o de origem

Eacute possiacutevel pensar que eacute um amarro poliacutetico o processo de territorializaccedilatildeo e que se

realiza por meio das relaccedilotildees de forccedila e poder entre as diferentes regiotildees Isso reflete bem a

situaccedilatildeo do povo Satereacute-Maweacute entre os municiacutepios de Manaus Parintins Maueacutes Barreirinha

Iranduba e Manaquiri Aleacutem disso vale ressaltar que cada um se mune de associaccedilotildees em prol

de representatividade

O processo de territorializaccedilatildeo eacute uma agitaccedilatildeo pela qual um elemento poliacutetico-

administrativo vem se modificar em um conjunto organizado assim criando a sua proacutepria

identidade Eacute o que se percebe no processo de territorializaccedilatildeo no qual se organizaram as

comunidades Satereacute-Maweacute em especial Sahu-Apeacute Essas comunidades criam e reformulam

79

uma identidade a partir da proacutepria vivecircncia e de suas representaccedilotildees na reestruturaccedilatildeo da proacutepria

cultura e isso se perpetua atraveacutes de vaacuterias extremidades inclusive no processo religioso

econocircmico e administrativo

A territorializaccedilatildeo estaacute para a comunidade Sahu-Apeacute como um processo poliacutetico

administrativo que representa a comunidade e sua identidade ao mesmo tempo tambeacutem que

funciona como uma espeacutecie de gestatildeo dessas relaccedilotildees com o meio em que se vive e com os

agentes envolvidos e que estatildeo em processos dinacircmicos de relacionamentos

Eacute necessaacuterio tambeacutem entendermos como considera Oliveira (1999) que natildeo existe mais

a condiccedilatildeo do proacuteprio isolamento que por muitas vezes serviu como ponto-chave e determinante

para tentar explicar os elementos que faziam parte das definiccedilotildees e dos conceitos de um grupo

eacutetnico e que as suas proacuteprias caracteriacutesticas seriam construiacutedas pelos proacuteprios membros daquela

sociedade

A partir do momento que paramos para refletir sobre o processo de territorializaccedilatildeo do

povo Satereacute-Maweacute de Manaus e imediaccedilotildees percebemos que se reafirma a ideia de que esses

povos tradicionais satildeo inerentes ao isolamento e ao territoacuterio rural demonstrando com isso

certa fragilidade em relaccedilatildeo agraves dinacircmicas de reproduccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico e social deles E

assim cada grupo se desenvolve socialmente e no seu territoacuterio de maneira particular e com

suas especificidades extremamente presentes durante todo o processo de resoluccedilatildeo de conflitos

e estabelecimento de relaccedilotildees

Ao mesmo tempo esse processo de diferenciaccedilatildeo vigora consideravelmente dentro das

relaccedilotildees eacutetnicas e da noccedilatildeo de diversidade existente Assim sob a oacutetica da identidade se

configuram os processos de territorializaccedilatildeo dos Satereacute em Manaus e imediaccedilotildees pois eacute dentro

da aldeia Sahu-Apeacute que se estabelecem visivelmente as noccedilotildees de afirmaccedilatildeo e reafirmaccedilatildeo do

que eacute ser Satereacute-Maweacute trazendo lembranccedilas do tempo em que os mais antigos viviam agraves

margens dos rios Marau e Andiraacute

Diante disso tem-se a construccedilatildeo de identidades especiacuteficas junto com a construccedilatildeo de

territoacuterios especiacuteficos O advento de categorias ndash como Cultura Satereacute-Maweacute e Cultura Satereacute-

Maweacute de Sahu-Apeacute ndash pode permitir um entendimento mais acurado desse processo o que natildeo

significa que estamos diante da fragmentaccedilatildeo indefinida de identidades coletivas mas sim de

desdobramentos e reelaboraccedilotildees para a promoccedilatildeo da afirmaccedilatildeo eacutetnica desse povo

Assim vejamos o que Sahu diz a respeito de ser iacutendio em espaccedilos urbanos

80

Sobre como eacute ser indiacutegena na cidade ldquoRapaz eu acho que eacute mais complicado de que mora na aldeia laacute na nossa reserva laacute no Andiraacute porque aqui tu enfrentas muita coisa discriminaccedilatildeo eacute a primeira coisa Aqui tentar manter a cultura eacute mais difiacutecil ainda pois aqui eacute perto da cidade e as crianccedilas estatildeo nascendo e jaacute natildeo querem mais falar como os antigos tem muita influecircncia da cidade E fica mais complicado para noacutes Eacute por isso que noacutes temos a nossa escola para explicar para as crianccedilas porque noacutes viemos para caacute porque noacutes estamos aqui e qual o motivo Porque noacutes natildeo somos diferentes de vocecircs e de ningueacutem noacutes soacute temos o costume diferente soacute a gente tem carne a gente tem sangue e a gente morre tambeacutem soacute o nosso costume que eacute diferente de vocecircs a gente vive aqui no nosso espaccedilo vivendo como a gente quer E batalhando todo dia mas eu te digo que eacute muito complicadordquo (Sahu 05 maio 2018 )

A organizaccedilatildeo territorial dos Sahu-Apeacute se resume a um espaccedilo natural social

historicamente organizado e produzido onde os sujeitos procuram valorizar seus saberes

culturais Eacute nesse sentido que entendemos o territoacuterio e a territorialidade como

multidimensionais e inerentes agrave vida na natureza e na sociedade Na natureza e na sociedade

satildeo vivenciadas diversas relaccedilotildees e em ambas o homem vive essas relaccedilotildees construindo um

mundo objetivo e subjetivo material e imaterial

Para o homem viver relaccedilotildees sociais construccedilatildeo do territoacuterio interaccedilotildees e relaccedilotildees de

poder ocorrem diferentes atividades cotidianas que se revelam na construccedilatildeo de malhas noacutes e

redes e assim constituindo o territoacuterio A territorialidade efetiva-se em distintas escalas

espaciais e varia no tempo atraveacutes das relaccedilotildees de poder das redes de circulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

da dominaccedilatildeo das identidades entre outras relaccedilotildees sociais realizadas entre sujeitos e entre

estes e seu lugar de vida seja econocircmica poliacutetica eou culturalmente A territorialidade tambeacutem

pode ser compreendida como mediaccedilatildeo simboacutelica cognitiva e praacutetica que a materialidade dos

lugares exerce nas accedilotildees sociais

A territorialidade eacute um fenocircmeno social que envolve indiviacuteduos que fazem parte do

mesmo grupo social e de grupos distintos Nas territorialidades haacute continuidades e

descontinuidades no tempo e no espaccedilo as territorialidades estatildeo intimamente ligadas a cada

lugar elas datildeo lhe identidade e satildeo influenciadas pelas condiccedilotildees histoacutericas e geograacuteficas de

cada lugar Dito de outra maneira podemos afirmar que a apropriaccedilatildeo e construccedilatildeo do territoacuterio

geram identidades e heterogeneidades e que estas concomitantemente geram os territoacuterios jaacute

na reterritorializaccedilatildeo satildeo reproduzidos traccedilos comuns e heterogeneidades que ao mesmo

tempo estatildeo na base da apropriaccedilatildeo e produccedilatildeo dos novos territoacuterios

81

33 O gaacutes natural e sua importacircncia para o desenvolvimento de comunidades indiacutegenas

no Amazonas

O gaacutes natural passou a ser explorado no Brasil no ano de 2001 na gestatildeo do entatildeo

presidente Fernando Henrique Cardoso quando noticiou um imponente projeto de

desenvolvimento com o objetivo de beneficiamento do gaacutes natural estabilizando assim tambeacutem

uma uniatildeo na Ameacuterica Latina pelos gasodutos que se propunham a abranger por volta de 5250

km iniciando no sul da Boliacutevia atravessando a Argentina e o Paraguai ateacute o Brasil mais

especificamente Brasiacutelia SNAM uma empresa majoritariamente italiana assinou contrato para

a realizaccedilatildeo desse projeto e contou com uma base de investimento da Petrobras de cinco bilhotildees

de doacutelares

O ministeacuterio de minas e energia no ano de 2003 afirmou que desde o final dos anos 70

existem descobertas de gaacutes natural na bacia do Juruaacute Surgiram entatildeo as notiacutecias de uma

importante reserva desse combustiacutevel em territoacuterio amazocircnico E no ano de 1986 foram

encontrados indicativos de petroacuteleo agraves margens do rio Urucu proacuteximo ao divisor de aacuteguas das

bacias do Juruaacute e do Purus (PETROBRAS 1999) Essa informaccedilatildeo foi decisiva para que a

Petrobras determinasse a implementaccedilatildeo de condiccedilotildees para produzir petroacuteleo e assim

proporcionar a abertura de caminhos para a produccedilatildeo do gaacutes natural na regiatildeo

A partir da descoberta em Urucu no Municiacutepio de Coari a 653 km em linha reta de

Manaus a Petrobras contratou dez cientistas de diversas aacutereas de conhecimento ambiental para

realizar um diagnoacutestico detalhado das diversas aacutereas que seriam afetadas com esse projeto

vindos de instituiccedilotildees como Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CODEAMA INPA UFAM e outros Ou

seja essa iniciativa tinha o objetivo de formar equipe e proporcionar pesquisas e conversaccedilotildees

entre ambientalistas e teacutecnicos envolvidos aleacutem concretizar esboccedilos de laudos ambientais

baacutesicos referentes agraves aacutereas a serem impactadas com o objetivo de minimizar a construccedilatildeo de

acessos e estradas prevenir a poluiccedilatildeo ambiental e remanejar a flora nas aacutereas desmatadas

(PETROBRAS 1999)

Segundo a Petrobras com a concretizaccedilatildeo do Gasoduto Coari-Manaus o consumo de

combustiacuteveis liacutequidos no Brasil poderia ter uma reduccedilatildeo de cerca de 10 mil barris por dia

trazendo vantagens econocircmicas e ambientais imediatas para toda a sociedade brasileira natildeo

somente para o Amazonas

Para que o projeto se realizasse de forma mais correta o intuito primordial do programa

de desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus foi facilitar a conversa e o encontro

entre as comunidades envolvidas no desenvolvimento do projeto que teve iniacutecio no ano de

82

2003 segundo os dados solicitados pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentaacutevel De acordo com informaccedilotildees solicitadas pela Agecircncia de

Comunicaccedilatildeo do Governo do Estado do Amazonas ndash AGCOM ndash ainda no ano de 2003 esse

projeto teve a colaboraccedilatildeo de inuacutemeras instituiccedilotildees na esfera federal e estadual aleacutem de contar

com prefeituras e organizaccedilotildees natildeo governamentais

Entatildeo podemos entender que o foco principal desse projeto foi promover o

desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades proacuteximas agrave aacuterea em que passaria o gasoduto

Coari-Manaus E dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentaacutevel de comunidades

residentes trecircs inclinaccedilotildees satildeo apontadas como a de desenvolver a proacutepria cidadania estimular

a produccedilatildeo de renda como tambeacutem conservaccedilatildeo e insensibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo ao meio

ambiente

Contando com uma extensatildeo de 382 km de extensatildeo o gasoduto Coari-Manaus poderaacute

transportar uma quantidade significativa de gaacutes natural chegando ateacute a 105 milhotildees de m3dia

da produccedilatildeo de gaacutes natural E essa distacircncia percorreraacute os municiacutepios de Manacapuru Anamatilde

Codajaacutes Anori Caapiranga Iranduba finalizando-se em Manaus Vale ressaltar que esse

projeto se desenvolveu somente apoacutes estudos que preservaram siacutetios arqueoloacutegicos tendo assim

algumas consequecircncias de mudanccedila no seu percurso

Mapa 05 Trecho percorrido pelo gasoduto Coari-Manaus

Fonte lthttpwwwpetrobrascombrptnossas-atividadesprincipais-operacoesgasodutosurucu-coari-manaushtmgt Acesso em 16 de setembro de 2018

83

Este e outros foram os grandes problemas para o desenvolvimento do projeto pois para

sua realizaccedilatildeo dependia-se da adaptaccedilatildeo agraves especificidades da selva amazocircnica respeitando-

se o clima a flora e a fauna da regiatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as questotildees culturais e

sociais com total abrangente de 137 comunidades que receberiam a passagem do gasoduto-

Manaus Todas essas comunidades onde o projeto foi desenvolvido passam por trecircs etapas de

desenvolvimento a saber cidadania renda e meio ambiente

A responsabilidade social adquirida e parcialmente realizada desse projeto abrangia a

alfabetizaccedilatildeo solidaacuteria o projeto interaccedilatildeo Escola Esperanccedila e um convecircnio com a Associaccedilatildeo

de Mulheres Indiacutegenas do Alto Rio Negro aleacutem de princiacutepios baacutesicos como a preservaccedilatildeo

ambiental e tratamentos de resiacuteduos nas comunidades

Durante o desenvolvimento do projeto centenas de indiacutegenas tinham assistecircncia gerada

pela parceria que envolvia o desenvolvimento sustentaacutevel do gasoduto Coari-Manaus

juntamente com a Fundaccedilatildeo Estadual dos Povos Indiacutegenas ndash FEPI

As propostas desse projeto objetivavam primeiramente a revitalizaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo

do artesanato e a geraccedilatildeo de renda em certas comunidades como tambeacutem a praacutetica da apicultura

em aacutereas indiacutegenas juntamente com oleicultura e horticultura tentando melhorar a produccedilatildeo e

a qualidade da alimentaccedilatildeo e subsistecircncia desses povos tradicionais beneficiando-os assim

com os produtos da proacutepria floresta (SDS 2003)

Durante o trabalho de campo na comunidade Sahu-Apeacute observamos que algumas

praacuteticas iniciadas com o projeto ainda satildeo desenvolvidas como a produccedilatildeo de artesanato para

a comercializaccedilatildeo na aldeia e fora dela aleacutem disso a apicultura tambeacutem se faz ainda presente

com um total de 35 colmeias em toda a extensatildeo da comunidade O mel produzido eacute exposto

para ser comercializado junto aos produtos da farmaacutecia Kunatilde e tambeacutem eacute utilizado por Sahu na

preparaccedilatildeo de alguns remeacutedios especiacuteficos para os membros da proacutepria aldeia e tambeacutem por

encomenda principalmente por moradores da Vila Ariauacute

No municiacutepio de Manacapuru trecircs etnias inicialmente foram beneficiadas com o

projeto quais sejam Apurinatilde Tikuna e Satereacute-Maweacute No povo Satereacute-Maweacute a comunidade

beneficiada foi Sahu-Apeacute que legitimou seu territoacuterio a partir do incentivo desse programa No

ano de 1996 a tuxaua Baku foi convidada a trabalhar no atualmente extinto Hotel de Selva

Ariauacute Tower logo em seguida construiu um abrigo de madeira coberto de palha proacuteximo ao

seu entatildeo trabalho Sahu explica que inicialmente trabalhou servindo de atraccedilatildeo turiacutestica no

hotel durante um periacuteodo de mais ou menos oito meses Durante esse periacuteodo dona Baku e seus

familiares tiveram livre acesso para a comercializaccedilatildeo de seus produtos artesanais para toda a

84

clientela do hotel Em seguida receberam generosamente uma doaccedilatildeo do municiacutepio de

Iranduba de um terreno

O povo de Sahu-Apeacute vive em uma aacuterea de terra totalizando aproximadamente 11250

msup2 eacute uma regiatildeo em sua maior parte de terra firme mas tambeacutem sendo atingido em certos

pontos pelas aacuteguas do rio Ariauacute que serve de caminho para o acesso a outras comunidades e

ateacute mesmo agrave proacutepria capital E na outra extremidade da aldeia podemos ter acesso atraveacutes da

AM-070 que tem um traacutefego constante de veiacuteculos que fazem o percurso Manaus-Iranduba-

Manacapuru

Especificamente para Sahu-Apeacute o plano de investimentos do programa do gasoduto

Coari-Manaus voltou-se para o desenvolvimento sustentaacutevel da comunidade tornando-se

oficina de planejamento participativo e iniciada no dia 14 de maio de 2005 Esse planejamento

visava em detalhes estrateacutegias de accedilotildees em prol de prioridades da comunidade em trecircs grandes

eixos a parte ambiental social e econocircmica da comunidade E para a realizaccedilatildeo dessas

estrateacutegias foram direcionadas algumas potenciais ajudas para a concretizaccedilatildeo real das

atividades planejadas dentro de cada eixo primordial O projeto visava o desenvolvimento

sustentaacutevel a partir da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de diversos setores da sociedade

Desde 2005 a aldeia Sahu-Apeacute dispotildee de ajuda do programa de desenvolvimento do

gasoduto Coari-Manaus ao estabelecer um equiliacutebrio entre as suas atuais particularidades

Apoacutes a implantaccedilatildeo do projeto a responsabilidade e a manutenccedilatildeo ficam a cargo da lideranccedila

que no caso foi exercida pela tuxaua Baku por quase 20 anos e que no presente momento estaacute

sob os comandos de seu filho mais novo Sahu Eacute responsabilidade do chefe organizar

economicamente o grupo sendo que a principal atividade econocircmica dessa aldeia se inclina

sobre o turismo recepcionando pessoas de todos os lugares do paiacutes Esses turistas em sua

maioria brasileiros buscam o mundo exoacutetico propagado e vendido pelos hoteacuteis de selva

localizados proacuteximos agrave aldeia Na geraccedilatildeo de renda o projeto incentivou de maneira significativa os moradores da

aldeia na participaccedilatildeo dos seguintes processos de capacitaccedilatildeo voltados para o aumento da

geraccedilatildeo de renda como a criaccedilatildeo de trilhas e roteiros turiacutesticos voltados agrave exposiccedilatildeo e agrave

apresentaccedilatildeo da aldeia a potencializaccedilatildeo do artesanato como forma de expressatildeo artiacutestica e

cultural e a melinopolicultura (que eacute a criaccedilatildeo de abelhas sem ferratildeo associada ao cultivo de

accedilaiacute) essas foram as soluccedilotildees apresentadas pelo projeto

Na aldeia satildeo oferecidos para o deleite dos olhos atentos dos turistas os rituais as

canccedilotildees as danccedilas a culinaacuteria e o artesanato desse povo algo que se assemelha a um espetaacuteculo

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circense e por vezes eacute criticado pelas lideranccedilas Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau

por expor de forma leviana e trivial partes dos elementos sagrados para esse povo

O incentivo desse projeto ao vieacutes turiacutestico na aldeia Sahu-Apeacute desencadeou a praacutetica de

acolher os turistas em algumas ocasiotildees de festividade Essas festividades como por exemplo

o encontro anual de guerreiros Satereacute-Maweacute tem o objetivo de realizar a socializaccedilatildeo desse

povo com o maior nuacutemero de parentes possiacutevel e tambeacutem expor a cultura comercializar os

produtos da aldeia como artesanato remeacutedios e processos de cura realizados pelo pajeacute E a

comercializado desse artesanato se faz com as participaccedilotildees dos proacuteprios moradores de Sahu-

Apeacute quando satildeo convidados para feiras exposiccedilotildees encontros e eventos

Eacute interessante ressaltar que nessa aldeia em especiacutefico natildeo observamos a praacutetica

agriacutecola natildeo existem hortas e criadouros de animais para a subsistecircncia Apenas uma tiacutemida

intenccedilatildeo de se trabalhar com apicultura Nesse sentido podemos notar que essa particularidade

da aldeia Sahu-Apeacute difere bastante das praacuteticas exercidas em sua terra originaacuteria nos rios Marau

e Andiraacute pois nestas aacutereas a agricultura eacute a grande fonte de renda e alimentaccedilatildeo do povo Satereacute-

Maweacute Na aldeia Sahu-Apeacute ao contraacuterio podemos observar apenas um peacute de guaranaacute plantado

pela proacutepria tuxaua

Sahu em entrevista em marccedilo de 2018 explicou que a intenccedilatildeo de natildeo optar por hortas

no periacutemetro da aldeia eacute para que natildeo haja a derrubada de plantas nativas que oferecem a

mateacuteria-prima para o artesanato (sementes palhas fibras etc) Mas eacute observado tambeacutem que a

alimentaccedilatildeo dessa comunidade eacute baseada em enlatados ovos e farinha de mandioca comprada

nos municiacutepios proacuteximos ou seja uma alimentaccedilatildeo pobre em nutrientes

Natildeo eacute costume tambeacutem no cotidiano da aldeia o consumo de ccedilapoacute (bebida derivada do

poacute de guaranaacute) ao contraacuterio das aldeias que se localizam nos rios Marau e Andiraacute Assim o

ccedilapoacute na aldeia Sahu-Apeacute eacute somente utilizado e consumido em festividades muito importantes

e trazido por outros parentes quando vecircm visitar aldeia

Atraveacutes da observaccedilatildeo notamos que dentro do periacutemetro da aldeia algumas aacutervores

medicinais satildeo mantidas para que a partir delas sejam feitas as famosas ldquogarrafadasrdquo utilizadas

como meacutetodo no processo de cura da Tuxaua Eacute importante frisar que ldquogarrafadasrdquo ldquobanhosrdquo

e chaacutes satildeo consumidos pela aldeia mas tambeacutem por parentes proacuteximos moradores da Vila

Ariauacute cidades proacuteximas e ateacute turistas de todo o Brasil quando estatildeo em visita agrave aldeia aleacutem de

serem comercializadas a partir da farmaacutecia Kunatilde que eacute uma grande fonte de renda da

comunidade e hoje estaacute sob os cuidados de Sahu atual pajeacute da aldeia

Apoacutes o incentivo do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus a aldeia

recebeu infraestrutura significativa como a construccedilatildeo da escola e do Centro Cultural em que

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eacute exposto o artesanato e tambeacutem haacute a realizaccedilatildeo de danccedilas e rituais houve tambeacutem a perfuraccedilatildeo

do poccedilo artesiano em parceria com a prefeitura de Iranduba a disponibilizaccedilatildeo de um kit de

artesanato que se configura em uma furadeira uma lixadeira alguns alicates e tambeacutem uma

maacutequina fotograacutefica digital e um kit de informaacutetica para a comunidade

A implantaccedilatildeo do projeto influenciou a esfera social da aldeia um exemplo bem claro

eacute a legitimaccedilatildeo e a regularizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute do povo Satereacute-Maweacute ndash

AISA que ainda hoje se faz presente e tem como objetivo principal defender os interesses da

comunidade

E por uacuteltimo uma accedilatildeo de extrema importacircncia que aconteceu nessa comunidade a

partir do projeto de desenvolvimento do gasoduto Coari-Manaus foi a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

da aacuterea onde estaacute situada a comunidade Segundo informaccedilatildeo disponibilizada pela Secretaria

de Desenvolvimento Sustentaacutevel da Amazocircnia ndash SDS o processo de solicitaccedilatildeo de posse estava

sob controle do Instituto de Terras do Amazonas ndash ITEAM que no ano de 2005 para 2006

passou essa responsabilidade para o INCRA que efetivou a regularizaccedilatildeo dessa aacuterea em nome

da Associaccedilatildeo Indiacutegena Sahu-Apeacute da etnia Satereacute-Maweacute ndash AISA Entatildeo podemos constatar

que foi a partir dessa iniciativa que hoje o territoacuterio onde estaacute localizada a aldeia indiacutegena Sahu-

Apeacute estaacute totalmente legalizado e reconhecido pela Uniatildeo

Na esfera cultural a exposiccedilatildeo divulgaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das peccedilas produzidas na

aldeia se realizam dentro da proacutepria aldeia em feiras e eventos Com o apoio e incentivo do

programa a comunidade teve a oportunidade de confeccionar banners folders e outros

informativos impressos e digitais com conteuacutedo direcionado a turistas sobre a aldeia

34 O turismo na Amazocircnia

Ao pensar em turismo na Amazocircnia percebemos diferentes objetivos e

intencionalidades para a sua realizaccedilatildeo o mais comum eacute o desejo de conhecer o desconhecido

de desbravar ou ateacute mesmo de ver o que ainda natildeo foi visto de explorar o exoacutetico Essa ideia

de pensar a Amazocircnia como elemento exoacutetico miacutestico e desafiador aparece em muitas

publicaccedilotildees desde 1533 por Michel Montaigne seguido por vaacuterios outros viajantes que

expressavam sua mentalidade ocidental sobre o contexto amazocircnico ou seja existe uma

inclinaccedilatildeo profunda no sentido de conhecer as coisas sobre as quais possuiacutemos determinada

imaginaccedilatildeo

Expressotildees como ldquonatureza purardquo ldquoancestralidaderdquo ldquoTerra virgemrdquo ldquopulmatildeo do

mundordquo satildeo extremamente evidenciadas para a divulgaccedilatildeo e promoccedilatildeo desse lugar tratando-se

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de uma imagem vendida para brasileiros e estrangeiros a partir de aspectos nacionalistas pelos

meios de comunicaccedilatildeo e pelo proacuteprio governo enquanto Estado-naccedilatildeo

Torna-se importante vender essa imagem uma vez que a partir dela podem ser obtidos

benefiacutecios financeiros econocircmicos e tambeacutem um sentimento de heranccedila nacional atraveacutes das

riquezas naturais Mundialmente falando uma referecircncia acerca da Amazocircnia eacute a questatildeo

imaginaacuteria que a ela eacute agregada a partir do pensamento filosoacutefico exposto em relatos de

viagens crocircnicas e poesias Todas essas referecircncias estatildeo carregadas de interpretaccedilotildees e

classificaccedilotildees naturalistas ambientais e evolucionistas

E eacute justamente nesse sentido que se insere o turismo na regiatildeo A partir de um ponto de

vista econocircmico e evolucionista o turismo estaacute para essa regiatildeo como uma metodologia para

inserccedilatildeo da Amazocircnia na comunhatildeo nacional e para o seu proacuteprio desenvolvimento

Para se consolidar essa ideia o governo criou projetos de incentivo ao desenvolvimento

da Amazocircnia como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia) e tambeacutem projetos

como o SPVEA (Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia) implementado em

1946 entre outros As maneiras encontradas pelo Estado-naccedilatildeo para expor a Amazocircnia e fazer

dela ldquoparte do Brasilrdquo aconteceu a partir do desenvolvimento desses grandes projetos de

desenvolvimento e de infraestrutura que sempre contaram com o apoio de poliacuteticas especiacuteficas

para a regiatildeo Entatildeo a partir daiacute o turismo nasce para a regiatildeo amazocircnica enquanto poliacutetica de

estado e de cunho nacionalista

Em 1966 houve a extinccedilatildeo do Serviccedilo e Plano de Valorizaccedilatildeo Econoacutemica da Amazocircnia

e foi criada a SUDAM (Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia) e para esse novo

projeto poliacutetico o turismo permanece como proposta de desenvolvimento para a regiatildeo

oferecendo agora infraestrutura para desenvolver eixos como o elemento artiacutestico cultural

gastronocircmico e histoacuterico da regiatildeo Em 2003 com o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luiz Inaacutecio

Lula da Silva o turismo passou a ser elemento de prioridade para a Amazocircnia tendo ateacute a

criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Turismo diferentemente de gestotildees anteriores que tinham o turismo

vinculado a ministeacuterios da induacutestria e do comeacutercio

Esse Plano Nacional de Turismo teve como objetivos vinculados sustentabilidade

ambiental e a inclusatildeo social De forma geral eacute perceptiacutevel que o turismo sempre foi visto pelo

estado como uma forma de desenvolvimento econocircmico e social enraizado numa perspectiva e

em concepccedilotildees nacionalistas

88

35 O turismo e o turista em Sahu-Apeacute

ldquoO mundo estaacute a mudar e o Turismo estaacute a mudar o mundo a globalizaccedilatildeo assente numa competitividade sustentaacutevel seraacute um dos pilares do futuro turiacutestico a niacutevel mundialrdquo

(RAMOS COSTA 2017)

Economicamente o turismo eacute um dos setores que mais crescem a niacutevel mundial e que

mais oportunidades oferece em vaacuterios setores da economia ao social cultural ambiental

permitindo que as populaccedilotildees conheccedilam a sua histoacuteria as suas origens e que possam se

reinventar e transcender em termos de desenvolvimento ideias inovadoras para organizar esse

setor

Diante deste contexto a artesatilde Regina sobrinha da tuxaua Bacu expocircs em uma conversa

informal o praacutetica do artesanato

ldquoMinha matildee fazia muito artesanato laacute no Marau Quando a vovoacute veio para Manaus minha matildee continuou fazendo aqui para uso nosso mesmo e depois a mamatildee comeccedilou a vender uns aneacuteis de Tucumatilde laacute por perto da UFAM e da Praccedila da Saudade e assim foi Hoje a gente vive quase soacute disso As coisas mudaram muito de laacute para caacute a gente se ajuda quando tem evento fora daqui os meninos vatildeo vender pegam vaacuterias peccedilas de vaacuterias famiacutelias e vatildeo vender depois cada um se reparte Daqui da vendinha nossa eacute que eu tiro o meu gaacutes roupa comida e tudo(Regina 2018)

Dentro dessa concepccedilatildeo Rita Cruz (2007) afirma que o turismo eacute uma praacutetica social e

uma atividade econocircmica ou praacutetica geradora de atividade econocircmica que concorre no

cotidiano na reproduccedilatildeo da vida com outras praacuteticas sociais e outras atividades econocircmicas

podendo portanto ser um vetor de desenvolvimento para os municiacutepios

Na comunidade Sahu-Apeacute o turismo cultural e ecoloacutegico representa a base da economia

desse povo Poreacutem essa atividade pode vir a alterar a dinacircmica do local e sua estrutura com

importacircncia crescente e de significativo potencial de impactos tanto positivos quanto

negativos afetando assim as relaccedilotildees sociais e o ambiente (SOUZA 2000)

Nesse contexto em que o turismo eacute a mola propulsora de desenvolvimento da

comunidade as atraccedilotildees turiacutesticas emergem dos saberes dos atores sociais locais Desse modo

o ldquoproduto turiacutesticordquo acaba por envolcer recursos e atrativos naturais e artificiais tais como

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equipamentos e infraestruturas serviccedilos atitudes recreativas imagens e valores simboacutelicos

constituindo-se como um conjunto de determinados benefiacutecios capazes de atrair certos grupos

de consumidores em busca de satisfaccedilatildeo de motivaccedilotildees e expectativas criadas principalmente

pela publicidade da miacutedia (AGNELLI 2006)

De acordo com Silveira (1997 p 135)

[] a procura por lugares com qualidade ambiental e pouco saturados por feacuterias ativas pelo contato com a natureza e a integraccedilatildeo com a cultura e costumes locais tem feito com que os espaccedilos rurais e naturais se tornem destinos privilegiados dos fluxos turiacutesticos de caraacuteter alternativo

A comunidade Sahu-Apeacute atraveacutes de sua arte pode contribuir significativamente para a

transformaccedilatildeo da sua comunidade oportunizando o crescimento cultural pessoal de cada um

na perspectiva de mudar as estruturas e relaccedilotildees que impedem a construccedilatildeo de uma nova e

melhor convivecircncia em sociedade

A populaccedilatildeo da aldeia Sahu-Apeacute procurou manter suas tradiccedilotildees preservando-as como

o Ritual da Tucandeira as pinturas no corpo a produccedilatildeo de artesanato a partir da mateacuteria-prima

da floresta e os compostos naturais agrave base de ervas medicinais

Eacute importante destacar que os frutos advindos do crescimento econocircmico podem ou natildeo

trazer benefiacutecios para a populaccedilatildeo como um todo assim como para o meio ambiente Dessa

forma o crescimento eacute condiccedilatildeo indispensaacutevel para o desenvolvimento mas natildeo eacute condiccedilatildeo

suficiente (SOUZA 1993 apud MAMBERTI BRAGA 2004)

Salientamos ainda que o turismo contribui no setor econocircmico poliacutetico social e

cultural Assim cabe afirmar que favorece o consumo dos espaccedilos com diversidade de formas

de utilizaccedilatildeo estruturantes de paisagens e de negoacutecios e daacute agilidade a processos dotados de

grande capacidade de organizaccedilatildeo territorial na atividade turiacutestica

Nesse contexto eacute que se encontra inserida a comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute uma vez

que para eles o turismo eacute antes de tudo uma praacutetica social que envolve o deslocamento de

pessoas pelo territoacuterio e que tem no espaccedilo geograacutefico seu principal objeto de consumo

A ideia de desenvolvimento estaacute ligada a uma mudanccedila estrutural que procure eficiecircncia

na produccedilatildeo aleacutem do uso racional dos recursos naturais e de uma maior igualdade na

distribuiccedilatildeo dos empregos e da renda promovendo melhora qualitativa no modo de vida das

pessoas (MAMBERTI BRAGA 2004)

Assim sendo Paiva (2018 p 24) destaca que

90

A Amazocircnia natildeo eacute soacute floresta nem tampouco soacute espaccedilo de exploraccedilatildeo de grandes mineradoras Ela eacute tambeacutem um conjunto de humanos capazes de protagonizar ideias ainda que as forccedilas violentas queiram nos forccedilar a retirar de noacutes mesmos esta possibilidade por isso que as questotildees sobre a Amazocircnia se tornam uma problemaacutetica nacional permanente

A estudiosa em tela sublinha ainda que na Amazocircnia existem conjuntos humanos

capazes de protagonizar ideias acrescentando que as atuais geraccedilotildees indiacutegenas nascem

crescem e vivem com um novo olhar para o futuro potencialmente possiacutevel e alentador

diferentemente das geraccedilotildees passadas as quais nasciam e viviam conscientes da trageacutedia do

desaparecimento de seus povos Assim a reafirmaccedilatildeo da identidade natildeo eacute apenas um detalhe

na vida dos povos indiacutegenas mas sim um momento profundo em suas histoacuterias milenares e

um monumento de conquista e vitoacuteria isto eacute uma revoluccedilatildeo de fato na proacutepria histoacuteria do

Brasil

4 A ARTE O TURISMO E OS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS EM SAHU-APEacute

Nesta pesquisa nosso foco eacute o artesanato e as resultantes dessa atividade logo faz

sentido nos debruccedilarmos sobre a temaacutetica O Programa de Artesanato Brasileiro ndash PAB ndash

conceitua o artesanato como sendo

[] o produto resultante da transformaccedilatildeo da mateacuteria-prima com predominacircncia manual por um indiviacuteduo que deteacutem o domiacutenio integral de uma ou mais teacutecnicas previamente conceituadas aliando criatividade habilidade e valor cultural com ou sem expectativa econocircmica podendo no processo ocorrer o auxiacutelio limitado de maacutequinas ferramentas artefatos e utensiacutelios (PAB 2000 apud LEMOS 2015 p47)

A produccedilatildeo de artesanato tem como meta principal criar oportunidades que venham a

contribuir com melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos tarefa essa que eacute prioritaacuteria para as

instituiccedilotildees que lidam com as poliacuteticas de geraccedilatildeo de trabalho e renda Como podemos observar

nas imagens abaixo

91

Figura 30 banca de venda com peccedilas produzidas na comunidade

Fonte Arquivo pessoal

Em Sahu-Apeacute acredita-se que a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais

porque haacute uma interaccedilatildeo da comunidade indiacutegena com outras culturas nesse iacutenterim existem

o contato e o aprendizado agrave luz das relaccedilotildees sociais Conjectura-se aleacutem disso que a produccedilatildeo

do artesanato por famiacutelias indiacutegenas atrai os turistas e natildeo estaacute dissociada das influecircncias

decorrentes da cultura branca

Destacamos ademais que

Falar de artesanato ou antes apresentar uma uacutenica definiccedilatildeo eacute senatildeo impossiacutevel problemaacutetico na medida em que nos remete para diferentes saberes e referentes culturais para uma pluralidade de objetos e atividades Faz parte do imaginaacuterio coletivo pensar o artesanato como expressatildeo de tradiccedilotildees populares regionais associando-o agrave arte popular pelo que muitas vezes ouvimos designaacute-lo como ldquoarte menorrdquo Progressivamente esta concepccedilatildeo restrita deu lugar a outra em que o criteacuterio de criaccedilatildeo artiacutestica assume um papel importante flexibilizando-se as fronteiras entre arte e artesanato (LEMOS 2015 p 32)

Partindo do pressuposto de que o mundo do trabalho na atualidade se avizinha com

menores possibilidades de emprego formal principalmente para aqueles sem uma qualificaccedilatildeo

faz-se necessaacuterio se pensar em opccedilotildees de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa

Devemos considerar tambeacutem o seguinte

92

O turista traz seus haacutebitos e costumes muitas vezes chocantes para a populaccedilatildeo autoacutectone natildeo familiarizada com excessos de consumo e ldquoliberdaderdquo Haacute muitas vezes uma sensaccedilatildeo de invasatildeo do lugar soacute compensada eou tolerada pelos benefiacutecios financeiros oriundos da passagem do turista Aleacutem disso nos lugares turiacutesticos se encontram duas territorialidades antagocircnicas trabalho e turismo (OURIQUES 2003 p 56)

O turismo pode ser visto como induacutestria motriz da economia urbana e regional e que

certamente induz a uma diversidade de bens envolvendo serviccedilos precedentes de diversos

setores como alimentaccedilatildeo transportes hospedagem cultura entre outros Para Santos e

Rodriguez (2002 apud CORAacute 2006) o desenvolvimento local deve ser pensado como uma

forma de melhorar as condiccedilotildees de vida da comunidade

Na opiniatildeo de Assis (2003) o turismo eacute muito mais do que um simples deslocamento

de pessoas com fins de lazer eacute uma praacutetica multifacetada que interagem os fixos e fluxos e tem

rebatimentos nas suas diferentes esferas da organizaccedilatildeo socioespacial No acircmbito econocircmico

o turismo requalifica os espaccedilos atraveacutes da diversificaccedilatildeo provocando alteraccedilotildees no perfil de

empregos na renda e na base produtiva no acircmbito cultural esse fenocircmeno modifica o conjunto

de valores o estilo de vida e os padrotildees de consumo das populaccedilotildees receptoras

No cenaacuterio que ora apresentamos no que diz respeito agrave arte ao turismo e seus

desdobramentos sociais eacute importante ressaltar que a atividade do turismo natildeo traz

necessariamente o desenvolvimento do local pois a comunidade natildeo substancia em potencial

essa atividade visto que faltam a ela estruturas fiacutesicas e outras instalaccedilotildees para as acomodaccedilotildees

dos turistas De certa forma eacute um meio de contribuiccedilatildeo para a comunidade uma vez que se

torna um fator atrativo para aqueles que estatildeo em busca de oportunidades de empregos

Sobremaneira eacute preciso entender o turismo enquanto praacutetica social jaacute que antes de

tudo ele eacute praticado por pessoas que buscam alternativas para prover o sustento da famiacutelia

aleacutem de estimular a concentraccedilatildeo a criatividade e o desenvolvimento de outras habilidades

servindo como forma de ocupaccedilatildeo lazer e integraccedilatildeo

Nesse sentido Fayga Ostrower (2008 p 31) pontua

O homem elabora seu potencial criador atraveacutes do trabalho [] A criaccedilatildeo se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possiacuteveis soluccedilotildees criativas Nem na arte existiria criatividade se natildeo pudeacutessemos encarar o fazer artiacutestico como trabalho como um fazer intencional produtivo e necessaacuterio que amplia em noacutes a capacidade de viver

Os indiacutegenas de Sahu-Apeacute tecircm como atividade laboral o artesanato e como

consequecircncia o turismo o que pode provocar mudanccedilas no comportamento das pessoas seja

93

para o pessoal ou o coletivo em se tratando dos residentes na comunidade ou para os visitantes

visto que haveraacute contato com novos territoacuterios territorialidades e culturas acabando por

produzir mudanccedilas em ambos os atores

Por outra anaacutelise essa relaccedilatildeo do turista com a comunidade eacute bem mais complexa do

que uma simples perspectiva econocircmica Percebemos em Sahu-Apeacute que ocorre uma

necessidade constante de auto identificaccedilatildeo pois a partir do momento em que a principal fonte

de renda dessa comunidade eacute o turismo a aldeia toda trabalha em prol de exposiccedilatildeo para que

essa praacutetica se reafirme e se concretize cada vez mais um exemplo claro disso eacute quando a

lideranccedila da aldeia avisa aos rapazes da comunidade que devem colocar o calccedilatildeo preto para o

Ritual da Tucandeira pois vai ter turista na comunidade configurando-se de certo modo em

algo teatral quase um espetaacuteculo circense

Nesse sentido MacCannell (1992) nos leva a uma reflexatildeo acerca de uma ldquoetnicidade

para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo de modo que as tradiccedilotildees sejam

geradas apenas para que os turistas as vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade Segundo o autor essa praacutetica se estabelece como uma etnicidade

reconstruiacuteda ou em reconstruccedilatildeo Como afirma MacCannell (1992 p 168) ldquoas novas formas

eacutetnicas construiacutedas estatildeo aparecendo como resultados mais ou menos automaacuteticos de todos os

grupos do mundo que entram numa rede de relaccedilotildees globais e de transaccedilotildees comerciaisrdquo Desse

modo surgem questotildees pertinentes sobre como podemos caracterizar ou categorizar o proacuteprio

processo turiacutestico em aldeias que dependem dele e que a partir desse mesmo turismo

reelaboram continuamente a sua identidade

Wood (1994) apresenta duas relaccedilotildees que se estabelecem dentro desse processo a saber

o turismo eacutetnico e o turismo cultural O turismo eacutetnico conforme o autor eacute definido pela accedilatildeo

direta de pessoas de uma comunidade sobrevivendo de uma identidade cultural cuja

especificidade estaacute sendo comprada por turistas Jaacute o turismo cultural por sua vez configura-

se basicamente como situaccedilotildees em que ldquoo papel da cultura eacute contextual onde o papel estaacute para

moldar a experiecircncia do turista de uma situaccedilatildeo em geral sem foco particular sobre a

singularidade de uma identidade cultural especiacuteficardquo (WOOD 1994 p 361)

Em Sahu-Apeacute durante o periacuteodo visitado foi perceptiacutevel que as accedilotildees daquela

comunidade se estabelecem em prol dos turistas ateacute mesmo a proacutepria praacutetica de fazer o

artesanato durante as tardes acompanhando as possiacuteveis tendecircncias e os designs para que as

peccedilas sejam mais aceitas pelos turistas Concretizava-se isso na fala da artesatilde Beth ao se

perguntar para a filha se a peccedila que estava desenvolvendo seria vendida com mais facilidade

para os turistas sempre tendo a preocupaccedilatildeo de acrescentar sementes bem distintas e especiacuteficas

94

da regiatildeo para que tambeacutem possa conter dentro delas a especificidade geograacutefica histoacuterica e

cultural agregada agrave peccedila Em sua fala Midian atual tuxaua da comunidade fala que quando

um turista leva uma peccedila ele estaacute levando um pouco da aldeia tambeacutem

MacCannell (1992) declara que o desenvolvimento de turismo eacutetnico natildeo se estabelece

necessariamente de forma vantajosa para os nativos O autor explica que as reconstruccedilotildees

eacutetnicas para turistas injetam novas complexidades na relaccedilatildeo de valores sociais e econocircmicos

No caso de Sahu-Apeacute por exemplo percebemos que natildeo necessariamente eacute a comunidade que

eacute totalmente beneficiada com recursos econocircmicos trazidos pelos turistas quem obteacutem grande

percentual dessa economia satildeo as redes hoteleiras proacuteximas o que a comunidade tem como

benefiacutecio econocircmico eacute o valor da entrada da possiacutevel venda de peccedilas artesanais do grafismo

indiacutegena e dos remeacutedios

Outra reflexatildeo trazida pelo autor eacute que as comunidades tradicionais natildeo estatildeo sendo

destruiacutedas pelos turistas mas sim transformadas Nesse sentido entendemos que quando um

turista se desloca do seu lugar de origem para conhecer uma aldeia dentro da Amazocircnia que

tem suas rotulaccedilotildees voltadas ao primitivo ao intocaacutevel entatildeo eacute compreensiacutevel que esse turista

busque algo voltado para isso Em certos momentos eacute basicamente essa a preocupaccedilatildeo das

lideranccedilas em Sahu-Apeacute

O turismo altera tambeacutem a dinacircmica religiosa da comunidade visto que os membros

dela pertencem agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que tem o saacutebado como um dia especiacutefico

para adoraccedilatildeo e louvor mas na comunidade Sahu-Apeacute o movimento e o fluxo turiacutestico satildeo

intensos nos finais de semana sendo que a ida agrave igreja e as realizaccedilotildees de culto satildeo feitas em

dias de semana

41 Gecircnero produccedilatildeo e relaccedilotildees de mercado

Na comunidade Sahu-Apeacute as peccedilas em sua maioria satildeo confeccionadas pelas mulheres

e vendidas em sua maioria por elas mesmas As barracas jaacute fixas e localizadas no centro da

aldeia pertencem agraves diferentes famiacutelias da comunidade Nelas satildeo expostos diferentes produtos

desde colares pulseiras brincos adornos de cabelo cestos esculturas de animais em madeira

molongoacutes cocares porta-joias feitos de ouriccedilo de castanha da Amazocircnia ateacute cracircnios de animais

principalmente jacareacute e macaco tambeacutem satildeo expostos mostruaacuterios de grafismos indiacutegenas que

satildeo feitos por eles mesmos nos turistas com tintura indiacutegena

95

Segundo o relato de uma artesatilde 25 da arrecadaccedilatildeo que cada barraca obteacutem deve ser

repassado para Sahu um dos filhos do tuxaua Baku que atualmente responde pela lideranccedila do

grupo Essa porcentagem eacute direcionada para fins em prol da manutenccedilatildeo da aldeia

Ao iniciar uma discussatildeo sobre questotildees como etnia e gecircnero eacute imprescindiacutevel a anaacutelise

sobre os percursos das relaccedilotildees de poder partindo do pressuposto de que esses processos

abordam as distinccedilotildees e relaccedilotildees de controle de outrem Faz-se necessaacuterio ainda compreender

as relaccedilotildees sociais que se expressam em constructos histoacutericos diante do seu cotidiano

Assim a proacutepria valorizaccedilatildeo da cultura estaacute inevitavelmente imbricada no processo de

produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de cada peccedila essa estrateacutegia de valorizaccedilatildeo a partir do artesanato

estaacute em sua maior parte sobre os ombros do gecircnero feminino Satereacute-Maweacute que tem a

responsabilidade de repassar os saberes e fazeres do seu povo agraves novas geraccedilotildees

Outro ponto de extrema importacircncia para compor esta discussatildeo sobre o artesanato de

forma geral eacute a evidente visibilidade dos saberes e das praacuteticas tradicionais das mulheres

indiacutegenas que ganharam ecircnfase nas uacuteltimas deacutecadas por meio das movimentaccedilotildees e

articulaccedilotildees de associaccedilotildees agrave economia de mercado e em decorrecircncia desse fenocircmeno houve

as esporaacutedicas iniciativas de ldquomasculinizaccedilatildeordquo dos saberes tradicionalmente femininos como

eacute o caso da elaboraccedilatildeo das peccedilas de adorno como colares de sementes e miccedilangas cocares

esculturas de madeira e outros

O termo ldquoGecircnerordquo alcanccedilou maior dimensatildeo em meados da deacutecada de 70 um periacuteodo

de grande movimentaccedilatildeo da poliacutetica em torno do desejo de um novo reajuste e uma

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Houve uma organizaccedilatildeo inclinada em prol da importacircncia

do proacuteprio valor das diferenccedilas humanas ao visar a mulher dentro de uma sociedade com

equidade igualdade sem discriminaccedilotildees nem preconceitos Esse movimento conta ainda com

o reforccedilo de movimentos sociais e ambientalistas que aparecem nas ruas para reivindicar seus

direitos e questionar a ordem social vigente E assim por meio de diferentes enfrentamentos

deu-se iniacutecio a uma espeacutecie de nova episteme que se volta para o processo de amadurecimento

da compreensatildeo de termos soacutecio histoacutericos de constituiccedilatildeo e reconstituiccedilatildeo das desigualdades

a respeito de gecircnero

A diferenccedila entre homem e mulher eacute a principal tecla a ser batida no discurso sobre as

relaccedilotildees de gecircnero colocando em cena a urgente necessidade de desconstruiacute-las e

desnaturalizaacute-las Essas diferenccedilas foram sendo moldadas no processo histoacuterico natildeo como

resultado de um desenvolvimento de uma sociedade que prioriza interesses como a economia

e a poliacutetica mas sim por diferenccedilas bioloacutegicas

96

A compreensatildeo do termo gecircnero estaacute relacionada agrave cultura na medida em que ldquo[] se

compotildee e eacute formada por ela ou seja eacute a forma como a sociedade lida com as contestaccedilotildees entre

os sexos []rdquo como assinalam Silva e Schneider (2004 p 108) Nesse sentido afirmam ainda

que a atuaccedilatildeo da mulher na sociedade foi alterada para o benefiacutecio de todos utilizando-se do

conceito de gecircnero como uma elaboraccedilatildeo cultural sobre os sexos e sendo pregado como natural

e bioloacutegico

Percebemos que as mulheres ao passarem a fazer parte do ambiente puacuteblico

transformando as relaccedilotildees de gecircnero determinadas na cultura natildeo procuram tomar o lugar do

sexo masculino mas almejam consideraccedilatildeo e valorizaccedilatildeo diante de sua comunidade Mas esse

espaccedilo natildeo tem sido faacutecil para as mulheres indiacutegenas pois apesar de se unirem ao movimento

indiacutegena nacional em prol de questotildees gerais ainda trazem agrave tona discussotildees a respeito das

questotildees de gecircnero e da luta por direitos diante da conjuntura poliacutetica e social do paiacutes

Ao Refletir sobre a questatildeo da divisatildeo social do trabalho que arquiteta a proacutepria

separaccedilatildeo no desenvolvimento puacuteblico a que se inclina predominantemente o gecircnero

masculino o gecircnero feminino por outro lado fica somente designado ao contexto do privado

e essa divisatildeo eacute compreendida como uma construccedilatildeo cultural Isso eacute reforccedilado por Leacutevi-Strauss

(1985 p 38) segundo o qual ldquotal como as formas de famiacutelia a divisatildeo do trabalho eacute mais

consequecircncia de consideraccedilotildees sociais e culturais que de consideraccedilotildees naturaisrdquo Isso se

mostra com mais clareza depois de seus estudos de cunho social e antropoloacutegico em sociedades

diferentes nas quais as funccedilotildees propostas aos homens e agraves mulheres se modificam de acordo

com o sistema cultural de cada povo

Os debates de gecircnero se dinamizam e se moldam de acordo com a movimentaccedilatildeo das

proacuteprias culturas e na relaccedilatildeo com a sociedade envolvente segundo as afirmaccedilotildees de Barroso

(2010) Essas transformaccedilotildees intervecircm ateacute mesmo em papeacuteis atribuiacutedos tradicionalmente a

homens e mulheres como tambeacutem em muitos aspectos da organizaccedilatildeo social indiacutegena entre

elas a do universo indiacutegena Satereacute-Maweacute

Tratar etnia e gecircnero abarca o entendimento do conceito de patriarcado natildeo se

percebendo apenas os conceitos binaacuterios (macho-fecircmea) mas tambeacutem as complexas

estratificaccedilotildees ocorridas na sociedade (MURARO BOFF 2010)

97

Assim notar o fato de que a cultura estaacute diretamente relacionada agraves questotildees de gecircnero

se torna evidente isso porque as dominaccedilotildees surgem e se manifestam de formas distintas e

individualizadas

Figura 31 Primeira formaccedilatildeo familiar da aldeia Sahu-Apeacute foto exposta em um banner na escola da aldeia

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

O universo desta pesquisa foi configurado a partir de depoimentos de mulheres que

produzem o artesanato e tambeacutem por homens Eacute importante frisar que a participaccedilatildeo dos

homens no processo criativo eacute miacutenima uma vez que eles auxiliam as mulheres nas coletas de

sementes no proacuteprio espaccedilo da aldeia e tambeacutem auxiliam na etapa de furar as sementes mais

duras e resistentes para melhor utilizaccedilatildeo Aleacutem disso utilizam meacutetodos e etapas tradicionais

para a produccedilatildeo dessas peccedilas bem como alguns instrumentos customizados e adaptados por

eles mesmos para o melhor manuseio e confecccedilatildeo do artesanato

98

411 Tuxaua Baku protagonismo feminino na aldeia

Torres e Santos (2011 p 69) contribuem com a presente discussatildeo ao dizerem que

Eacute inegaacutevel o protagonismo feminino no Amazonas e no Brasil praticamente em todas as aacutereas da atividade humana fato que os agentes de comunicaccedilatildeo social datildeo visibilidade cada vez mais quase sempre com certa simpatia impliacutecita e sem sequer disfarce [] a expansatildeo da atuaccedilatildeo feminina nas atividades econocircmicas formais e natildeo formais da mais simples a mais complexa nas zonas rurais e urbanas

A presenccedila da mulher na sociedade como inclusatildeo democraacutetica tem sido estudada e

discutida natildeo somente sob o vieacutes de inserccedilatildeo no mercado de trabalho mas tambeacutem sob os

aspectos praacuteticos da vida com respeito agrave integridade fiacutesica e acesso agrave educaccedilatildeo de qualidade

extensiva agrave mulher e a toda a sua famiacutelia A inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho quebra

um paradigma de que a mulher eacute somente do lar do cuidar da casa dos filhos e do marido

sendo submissa a este

A atuaccedilatildeo de Tuxaua Baku como lideranccedila vem mostrar a ampliaccedilatildeo do espaccedilo da

mulher na sociedade Pellegrini (2010) destaca que em todas as eacutepocas histoacutericas houve

mulheres que tiveram participaccedilatildeo ativa na sociedade e obtiveram grande reconhecimento

social favorecendo o reconhecimento de que a mulher tem direito agrave cidadania e isso veio

ganhando espaccedilo O seacuteculo XX jaacute foi chamado de ldquoseacuteculo das mulheresrdquo Algumas conquistas

foram efetivadas muito embora num processo de lentidatildeo exemplos desse feito foram a

liberaccedilatildeo a venda e divulgaccedilatildeo dos meacutetodos contraceptivos em alguns paiacuteses a

descriminalizaccedilatildeo do aborto em que elas puderam escolher o momento de tornarem-se matildees

ou natildeo ter filhos Nos anos 80 o movimento das mulheres investiu na luta contra as violecircncias

das quais eram os alvos principais exigindo puniccedilotildees rigorosas para os crimes de estupro e

violecircncia domeacutestica

Apesar desses avanccedilos atualmente as mulheres ainda satildeo discriminadas principalmente

em relaccedilatildeo ao trabalho uma vez que em geral recebem salaacuterios mais baixos que os dos homens

mesmo exercendo funccedilatildeo idecircntica Eacute preciso pois reconhecer a capacidade que a mulher tem

de produzir de criar de realizar atividades com maior qualidade de conquistar seu espaccedilo de

realizar seus sonhos e objetivos pessoais o que em tempos passados natildeo era possiacutevel em razatildeo

da dominacircncia machista

Torres e Santos (2011 p 77) asseguram que

99

a luta por igualdade de condiccedilotildees eacute salientada na accedilatildeo antiescravagista das Amazonas Libertadoras no seacuteculo XIX e nos embates com patronato do PIM por melhores condiccedilotildees de trabalho e renda para a classe operaacuteria promovidos pelo movimento sindical na segunda metade do seacuteculo XX em que a participaccedilatildeo das operaacuterias foi decisiva

Dessa maneira as mulheres formam arregaccedilando as mangas e conquistando seu espaccedilo

em meio agrave cultura machista e patriarcal A presenccedila feminina ganha espaccedilo em muitos setores

da sociedade podendo estar no comando do gerenciamento de um empreendimento no setor

puacuteblico poliacutetico empresarial e privado Com a ascensatildeo das mulheres aos postos de comando

atinge-se um novo patamar nas relaccedilotildees entre gecircneros sinalizando para a concretizaccedilatildeo das

aspiraccedilotildees universais por uma sociedade mais justa igualitaacuteria com oportunidades para

homens bem como para mulheres

O protagonismo feminino eacute capaz de enfatizar a presenccedila da mulher na valorizaccedilatildeo de

seus papeacuteis sociais numa perspectiva cidadatilde num contexto mais amplo reconstruindo e

ressignificando sua proacutepria histoacuteria identitaacuteria

Figura 32 Zelinda Freitas (Tuxaua Baku)

Fonte Imagem disponibilizada pelas lideranccedilas da aldeia

100

Na aldeia o comando eacute feminino o que eacute instigante por haver no contexto indiacutegena a

existecircncia de uma mulher na direccedilatildeo da comunidade exercendo o cargo de cacique Tratava-se

de Zelinda da Silva Freitas conhecida como Tuxaua Baku que liderava a comunidade Sahu-

Apeacute A senhora Baku (Figura 29) nasceu em 05 de outubro de 1953 na aldeia de Ponta Alegre

proacuteximo ao municiacutepio de Barreirinha no estado do Amazonas

A necessidade de sobrevivecircncia fez com que Baku e sua famiacutelia se deslocassem de Ponta

Alegre para Manaus e depois para Iranduba municiacutepio da regiatildeo metropolitana de Manaus

Nos registros da histoacuteria de Baku conta-se que aos 15 anos de idade ela chegou a Manaus por

intermeacutedio do Serviccedilo de Proteccedilatildeo ao Iacutendio ndash SPI ndash no ano de 1968 com o intuito de trabalhar

como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia Estando longe da aldeia aproximadamente

dois anos depois ela retornou agrave aldeia de Ponta Alegre para se casar com o senhor Benedito

Carvalho de Freitas que tem por nome indiacutegena Accedilei (ldquovovozinhordquo)

Apoacutes seu casamento em 1969 dona Baku permaneceu na aldeia de Ponta Alegre ateacute o

ano de 1972 Teve seu primeiro filho Lucemir em 1971 em seguida retornou a Manaus e teve

mais trecircs filhos Joatildeo em 1973 Israel em 1975 e Arno em 1977 Este uacuteltimo era uma crianccedila

saudaacutevel e bem desenvolvida mas infelizmente foi a oacutebito por motivo de uma queda e faleceu

ainda crianccedila Depois da morte do seu quarto filho dona Baku no ano de 1979 retornou mais

uma vez para a aldeia de Ponta Alegre onde teve mais um filho Ismael que tem como nome

indiacutegena Sahu (ldquotaturdquo) Logo em seguida ainda em Ponta Alegre pariu sua primeira filha

Midian em 1982 e depois do nascimento de Midian a senhora Baku retornou para Manaus

tendo mais uma filha a caccedilula Luciane no ano de 1986

Tuxaua Baku e seus filhos e filhas organizaram-se em associaccedilatildeo A luta desses povos

em busca de autonomia e de construccedilatildeo de sua cidadania que como dizia Souza (2008) eacute um

processo em construccedilatildeo que caminha a passos lentos eacute a de pessoas marcadas pelo peso da

discriminaccedilatildeo e do vilipecircndio eacutetnico que ainda natildeo foram reconhecidas cidadatildes do estado

brasileiro (TORRES SANTOS 2011)

A forccedila a coragem e a determinaccedilatildeo de Tuxaua Baku fizeram dela uma lideranccedila

respeitada na regiatildeo inclusive pelo Conselho Maior dos Tuxauas de Etnia Satereacute-Maweacute Firme

em seu papel de liacuteder da aldeia Baku encarava a sociedade machista como um obstaacuteculo jaacute

vencido Ao ser questionada sobre a importante funccedilatildeo de curandeira ela disse ldquoeles tiveram

que aceitar o fato de que nasci com o dom e isso ningueacutem tira de mimrdquo Para a antropoacuteloga

Souza (2011) essa postura de Baku foi essencial para que ela passasse a ser tatildeo respeitada ldquoAgrave

medida que a mulher demonstra sua sabedoria as praacuteticas de cura com sucesso seu prestiacutegio

aumenta e ela passa a ser bem aceita pela sociedade que faz parterdquo afirmou

101

Segundo Souza (2011) dona Baku dizia que

[] o seu talento foi detectado quando ainda era nova Eu vim de uma famiacutelia de trecircs pajeacutes e sempre fui muito ligada a eles Um deles meu avocirc comeccedilou a prestar atenccedilatildeo no meu dom quando eu tinha 12 anos Eu era uma crianccedila muito doente e natildeo queria ser assim A primeira vez que ele notou foi quando uma menina estava com muita tosse e eu resolvi fazer um remeacutedio Logo depois ela ficou bem

Poreacutem o fato de ser mulher interferia ainda em um momento da pajelanccedila ela natildeo podia

exercer seu papel durante o periacuteodo menstrual quando a sociedade acredita que a mulher pode

daacute ldquopanemardquo na pessoa atendida ou seja adoecer ou fazer com que a pessoa fique sem vontade

de fazer trabalhos cotidianos Para os Satereacute-Maweacute a mulher precisa de cuidados quando estaacute

menstruada entatildeo ela eacute afastada da funccedilatildeo

Feitos pelos pajeacutes os medicamentos usados nas aldeias satildeo todos naturais oriundos de

itens encontrados na floresta como folhas e ateacute animais O conhecimento segundo a tradiccedilatildeo

indiacutegena vem dos espiacuteritos da floresta Na comunidade Sahu-Apeacute Baku mantinha duas

farmaacutecias uma menor construiacuteda nas proximidades das casas e uma maior instalada em uma

aacuterea de mata mais fechada Esta segunda guarda itens como cabeccedilas de um jacareacute-accedilu de quatro

metros cracircnios de macaco e ervas todos usados na elaboraccedilatildeo dos remeacutedios

Baku e suas irmatildes iniciaram a praacutetica da arte um meio de mostrar seus saberes fazendo

acessoacuterios femininos adereccedilos como colares pulseiras feitos com sementes de aacutervores da

floresta para comercializaccedilatildeo sendo essa atividade uma forma de sobrevivecircncia

economicamente promissora o artesanato

Os autores Torres e Santos (2005) e Bernal (2009) consideram que o trabalho domeacutestico

serviu como porta de entrada para as mulheres indiacutegenas Satereacute-Maweacute em Manaus tendo em

vista que elas vinham de suas aldeias jaacute com moradia e emprego certos em casa de parentes e

conhecidos da FUNAI e ateacute mesmo de parentes de religiosos que trabalhavam como

missionaacuterios no meio deles O ldquolabor criativordquo dos Sahu-Apeacute nasceu da necessidade de prover

o sustento da casa e tambeacutem de ficar mais perto dos filhos visto que no trabalho domeacutestico em

casa de famiacutelia as patroas natildeo aceitavam crianccedilas no serviccedilo

Depois que passaram a realizar o trabalho artesanal em relaccedilatildeo agrave fabricaccedilatildeo de colares

e outros adereccedilos de enfeite especialmente femininos as mulheres perceberam que tinham

encontrado o meio de prover o sustento da famiacutelia A grande procura pelos produtos artesanais

fez com que a senhora Zenilda Freitas da Silva tivesse a ideia de organizar o grupo de trabalho

em associaccedilatildeo de caraacuteter juriacutedico a fim de que tudo o que fosse produzido e comercializado

102

gerasse lucros para todas as artesatildes Atraveacutes da lideranccedila da Tuxaua Baku nasceu a Associaccedilatildeo

de Mulheres Satereacute-Maweacute (AMIM)

Zenilda irmatilde de Zelinda faleceu no ano de 2006 deixando um legado de coragem e

determinaccedilatildeo exemplo para seu povo Tuxaua Baku faleceu em 2018 era uma mulher simples

paciente iacutentegra no que fazia e dizia Dizem Torres e Santos (2011 p 269) que a senhora Baku

se achava ldquocovarde e medrosardquo limitaccedilotildees que ela vencia todos os dias diante de dificuldades

e desafios que viessem a atingir seu grupo sempre estava pronta para tomar a frente e

providenciar soluccedilotildees

A lideranccedila da Tuxaua Baku foi construiacuteda num processo lento pois por necessidade

ela foi cultivando em si os dons de liacuteder segundo Torres e Santos (2011) ldquo para se tornar liacuteder

natildeo existe foacutermula exata esse eacute um dom inato que ao longo da vida de acordo com as escolhas

que vatildeo sendo feitas a cada mulher ou homem vai se manifestando tanto para o bem quanto

para fazer o malrdquo

Para ser lideranccedila no povo Satereacute-Maweacute eacute necessaacuterio ter certas habilidades pela

comunidade Segundo Lorenz (apud TORRES SANTOS 2011 p 273)

Histologia e mitologia Satereacute-Maweacute sua capacidade como orador seu grau de generosidade sua tradiccedilatildeo como agricultor e beneficiador do guaranaacute sua habilidade para o comeacutercio a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tocircnica de suas relaccedilotildees com os agentes da sociedade envolvente principalmente a Funai os patrotildees e os poliacuteticos locais Pode-se dizer que o tuxaua geral eacute aquele que consegue um bom desempenho em toas as aacutereas

O tuxaua eleito deve estar voltado para o interesse do grupo ou da comunidade e da

famiacutelia Baku alcanccedilou o posto de tuxaua poreacutem ainda assim por ser mulher sempre foi

desafiada o tempo todo pelo poder masculino Em encontros promovidos pelo povo Satereacute

Baku participava e era submetida agrave prova uma avaliaccedilatildeo feita pelo grupo de tuxauas

participantes Segundo a senhora Baku os outros tuxauas natildeo precisavam mostrar seu

conhecimento e sua autoridade

A estrateacutegia era sempre uma taacutetica para pocircr agrave prova os conhecimentos da Tuxaua Baku

como se fosse uma atitude preconceituosa por ser ela a uacutenica tuxaua mulher Por essa razatildeo a

Tuxaua procurava conduzir sua vida dentro de preceitos posicionados nos princiacutepios espirituais

que a orientavam

103

Quadro 1 Mapa genealoacutegico da famiacutelia Freitas

Percebeu-se grande dinacircmica de movimentaccedilotildees de dona Baku entre a aldeia de Ponta

Alegre e a cidade de Manaus movimentaccedilatildeo essa que se deu por vaacuterios motivos um deles

segundo os proacuteprios filhos de dona Baku era a situaccedilatildeo empregatiacutecia do seu esposo que na

eacutepoca era operador de maacutequina desenvolvendo durante 25 anos essa profissatildeo Midian a filha

mais nova da Tuxaua nos fala em uma entrevista sobre o passado da aldeia em relaccedilatildeo as

dificuldades financeiras

ldquoMamatildee falava que era muito difiacutecil viver soacute sendo domeacutestica

aqui em Manaus as pessoas tratavam a gente mal porque sabiam que a gente era iacutendio As vezes natildeo queriam pagar soacute daacute comida mesmo Aiacute quando a gente comeccedilou a viver do que a gente sabe fazer foi melhorrdquo(Midian 2018)

Dona Baku natildeo poderia mais trabalhar como empregada domeacutestica em casa de famiacutelia

pois o ambiente de trabalho natildeo permitia a presenccedila de crianccedilas Foi nesse periacuteodo que Baku e

suas irmatildes comeccedilaram a trabalhar em casa e esse trabalho se voltou majoritariamente para a

confecccedilatildeo de colares aneacuteis de tucumatilde e outros adereccedilos segundo Nascimento (2008)

Amazonas (1984) esclarece que

104

Nas populaccedilotildees tradicionais da Amazocircnia as mulheres possuem um papel social importante na organizaccedilatildeo do trabalho e da economia domeacutestica Elas realizam tanto o trabalho de fino lavor artiacutesticos de tecer fiar confeccionar redes coser e moldar louccedila de argila e ceracircmica quanto o trabalho mais pesado de capinaccedilatildeo do roccedilado para o plantio agriacutecola e posterior queimada do matagal retirado o excesso de fertilizaccedilatildeo e adubaccedilatildeo da terra para o plantio (apud TORRES SANTOS 2011 p 106)

A autora relata a forccedila da mulher ficando claro que a mulher indiacutegena natildeo se limita ao

serviccedilo domeacutestico carrega consigo os saberes tradicionais do seu povo o conhecimento

passado agraves futuras geraccedilotildees de homens e mulheres da aldeia Eacute importante destacar que as

mulheres das populaccedilotildees tradicionais neste caso a indiacutegena tecircm a arte nos dedos

[] tece a rede de dormir faz abanos ou leques paneiro para depositar a farinha cestos peneiras balaios confecciona jirau para tratar o peixe fabrica seu proacuteprio fogatildeo de barro e o forno de fazer a farinha tece o tipiti que eacute utilizado na fabricaccedilatildeo da farina enfim confecciona vaacuterios implementos de cozinha aleacutem dos serviccedilos domeacutesticos (TORRES SANTOS 2011 p 106-107)

Os labores cotidianos da mulher seja indiacutegena ou de outra etnia satildeo visiacuteveis elas se

ocupam com seus afazeres ajudando o marido nos trabalhos da famiacutelia e mostrando aos filhos

a valorizaccedilatildeo do trabalho seja na arte de produzir utensiacutelios de preparar o roccedilado para o plantio

agriacutecola do cuidado da casa dos filhos esse conjunto de saberes fazeres regras normas

proibiccedilotildees estrateacutegias crenccedilas ideias valores mitos que se transmite de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo

controla a existecircncia da sociedade e manteacutem a complexidade psicoloacutegica e social (MORIN

apud TORRES SANTOS 2011 p 110)

A verdade eacute que as mulheres estatildeo ganhando espaccedilo e conseguindo se projetar em meio

agrave sociedade em que a presenccedila masculina ainda eacute prevalente Contudo elas jaacute contribuem

economicamente com suas famiacutelias muitas delas natildeo dependem diretamente de seu parceiro

conseguindo mostrar sua forccedila feminina com trabalho produtivo e de qualidade Muitas delas

desempenham sua atividade laboral de maneira melhor que a do homem

A resistecircncia poliacutetica muitas das vezes deixa de escutar as vozes da mulher Torres e

Santos (2011) revelam que o momento histoacuterico de incerteza planetaacuteria representa uma abertura

para se estabelecer a poliacutetica dos direitos humanos e sua significaccedilatildeo para o restabelecimento

de padrotildees miacutenimos de convivecircncia solidaacuteria em que noccedilotildees como igualdade liberdade e

cidadania ganham espaccedilo necessaacuterio na construccedilatildeo de um novo contrato de convivecircncia

humana (TORRES SANTOS 2011 p 114-115)

105

Percebemos assim que o mundo globalizado se mostra permissivo agraves vozes femininas

ressaltando-se que em muitos paiacuteses a mulher ainda vive submissa ao comando patriarcal

Na aldeia Sahu-Apeacute durante a realizaccedilatildeo da pesquisa comprovamos que a figura

imponente da mulher empreendedora de fala mansa que soube tirar proveito do contato com

o branco e com seu povo Na comunidade Sahu-Apeacute uma mulher se fez reconhecer pela sua

sabedoria determinaccedilatildeo ousadia coragem e sobretudo pelo seu empoderamento feminino

dona Zelinda da Silva Freitas registrada com o nome indiacutegena de Baku (ldquopeixerdquo) lutou e

continua lutando atraveacutes de seus filhos para manter vivos a cultura os usos e os costumes

Os ensinamentos de Zelinda continuam a sussurrar em meio a seu povo A Tuxaua Baku

morreu mas deixou um legado escrito na histoacuteria social e cultural de seu povo

412 O mosaico religioso da aldeia

Durante o periacuteodo de contato com a comunidade Sahu-Apeacute foi observada a ligaccedilatildeo dela

com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia que desde os anos 30 se faz presente na comunidade

indiacutegena Satereacute-Maweacute no rio Andiraacute contando com a presenccedila de missionaacuterios ligados a essa

religiatildeo Atraveacutes do casal Leacuteo e Jessie Halliwell que os antepassados de Tuxaua Baku entraram

em contato com a Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Sahu nos conta que Tuxaua Baku em lembranccedilas de sua adolescecircncia contava que seu

bisavocirc Quirino era um homem muito reservado a respeito de forasteiros e invasores na aldeia

mas o pastor Leacuteo Halliwell conquistou a confianccedila da entatildeo lideranccedila a partir da sonoridade de

hinos da igreja Outro ponto decisivo que permitiu a aceitaccedilatildeo do pastor Leacuteo na comunidade foi

o argumento de se trabalhar com a educaccedilatildeo das crianccedilas indiacutegenas Apoacutes essa aceitaccedilatildeo

imediatamente foi construiacuteda uma escola na comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute uma

das comunidades mais antigas do povo Satereacute-Maweacute A partir da construccedilatildeo da escola os

dogmas da igreja eram regularmente transmitidos Nos dias de semana aulas normais eram

realizadas dentro dessa estrutura e aos saacutebados se realizavam os cultos

Pouco tempo depois o proacuteprio tuxaua Quirino pediu para ser batizado pelo pastor

levando tambeacutem seus filhos e netos a compartilhar desse ritual a proacutepria Tuxaua Baku teve seu

batismo realizado pelo pastor Leacuteo Halliwell quando tinha a idade de 11 anos ainda morando

na comunidade do rio Andiraacute

O ponto claramente mencionado como intenccedilatildeo da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia em

comunidades tradicionais indiacutegenas eacute a preocupaccedilatildeo com a sauacutede dessas populaccedilotildees Na

comunidade Sahu-Apeacute observou-se uma relaccedilatildeo diferente quanto agrave sauacutede vista a partir de dois

106

pilares a visatildeo da igreja e a visatildeo tradicional indiacutegena Era possiacutevel rasteiramente observar a

tentativa de implantaccedilatildeo de uma filosofia de sauacutede Adventista impulsionada pela Tuxaua E

essa filosofia se inclinava basicamente em controlar o apetite alimentar obedecer a restriccedilotildees

severas ao consumo de carne de porco natildeo podendo ser consumida em nenhuma circunstacircncia

para as refeiccedilotildees serem realizadas o corpo a casa e os arredores devem estar limpos e

organizados assim se mencionava o que preceitua o Livro Sagrado no livro Leviacutetico capiacutetulo

11

Segundo Tuxaua Baku o fumo e o cafeacute satildeo venenos havia certas restriccedilotildees a bolos

tortas e pudins muito condimentados evitava-se comer entre os horaacuterios determinados das

principais refeiccedilotildees devia haver aacutegua pura e abundante no ambiente para evitar doenccedilas

incentivar o trabalho fiacutesico que sempre devia ser acompanhado de muita alegria pois auxilia

na disposiccedilatildeo saudaacutevel do corpo e tambeacutem entender que a sauacutede corporal estaacute extremamente

ligada agrave sauacutede espiritual uma vez que o corpo eacute templo de Deus Esses princiacutepios foram

lanccedilados no livro A ciecircncia do bom viver publicado pela Igreja Adventista do Seacutetimo Dia no

ano de 1905 tendo como autora Ellen G White que no decorrer do tempo foi conhecido como

as praacuteticas de sauacutede e de estilo de vida dessa igreja

Em sua fala Tuxaua Baku tentava seguir ao maacuteximo toda essa filosofia mas na

realidade percebemos que natildeo era assim que funciona pois a comunidade eacute bastante carente

financeiramente natildeo podendo escolher ou selecionar devidamente os alimentos segundo o que

ensina a Igreja Aleacutem disso existiam pessoas na comunidade que natildeo compartilhavam das

ideologias propostas pelos dogmas Adventistas Um exemplo bem claro disso eacute um dos filhos

de Tuxaua Baku que tem problemas seacuterios em relaccedilatildeo agrave dependecircncia do alcoolismo e outras

pessoas na aldeia que optam por tomar cafeacute comer carne vermelha etc

Eacute importante frisar tambeacutem que na proacutepria estrutura da Aldeia existe um local

direcionado e apropriado para a realizaccedilatildeo de culto nos dias de saacutebado e a proacutepria participaccedilatildeo

da Tuxaua nos cultos era bem frequente visto que ela se orgulhava de ser desbravadora um

tiacutetulo dado pela igreja aos missionaacuterios Tuxaua Baku aleacutem disso chegou a fazer hinos de

louvor na liacutengua Satereacute-Maweacute entoados em dias de culto pelas filhas e netas

107

Figura 33 Templo religioso Adventista do Seacutetimo Dia em Sahu-Apeacute

Fonte Arquivo pessoal

Figura 34 Tuxaua Baku e sua sobrinha Regina Vilacio Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

108

No dia do veloacuterio inicialmente o corpo de Tuxaua Baku foi velado na estrutura da igreja

na comunidade vestida a caraacuteter com a roupa de desbravadora e soacute entatildeo foi levado o caixatildeo

para ser velado na escola da comunidade

Figura 35 Falecimento da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo disponibilizado pelas lideranccedilas da aldeia

Quando o corpo jaacute estava na escola houve homenagens de vaacuterios pastores da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia que tem seus templos proacuteximos agrave Aldeia e ainda durante o veloacuterio

foram cantados hinos de louvor com a participaccedilatildeo de toda a comunidade

109

Figura 36 Veloacuterio da Tuxaua Baku

Fonte Arquivo pessoal

No decorrer desta pesquisa foram observados na aldeia Sahu-Apeacute muitos aspectos

ligados aos dogmas da Igreja e tambeacutem muitos outros ligados aos costumes tradicionais da

etnia Um exemplo era o meacutetodo utilizado pelo tuxaua na fabricaccedilatildeo de garrafadas banhos e

chaacutes direcionados agrave cura de doenccedilas do corpo e da mente praacuteticas essas natildeo existentes nos

fundamentos religiosos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Entatildeo podemos entender que os

Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute estatildeo sempre dentro de um processo limiar de atitudes

e comportamentos ligados agrave religiatildeo pois natildeo se configuram completamente de um ou de outro

lado

Em vaacuterios momentos de suas falas eles se reportavam aos antepassados para se

ressignificar e em seguida voltavamm para a atual realidade cristatilde e urbana para tentar se auto

identificar ou seja eles comeccedilam a analisar o passado citando algumas referecircncias ainda na

terra indiacutegena Andiraacute-Marau O povo Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute vive nessa linha

tecircnue entre a identificaccedilatildeo e a visatildeo de si mesmo a partir do olhar das tradiccedilotildees originaacuterias

existentes no passado da terra indiacutegena Andiraacute-Marau em contraposiccedilatildeo com todo esse

processo dinacircmico de urbanizaccedilatildeo proacuteximo agrave cidade de Manaus aleacutem de ter como suporte para

essa urbanizaccedilatildeo os extremos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

Segundo a perspectiva de Hall (2006) a identidade se configura em situaccedilotildees e

podemos perceber essa afirmaccedilatildeo no proacuteprio mosaico cultural em que os Satereacute-Maweacute estatildeo

110

inseridos uma vez que se tornaram citadinos como integrantes da Igreja Adventista do Seacutetimo

Dia isso porque foram levados a essas praacuteticas as quais corroboraram para que eles pudessem

assumir uma identidade multifacetada em contraponto com sua identidade inicial indiacutegena

Nossas observaccedilotildees nos levaram a pensar que nesse mesmo mosaico cultural existente

em Sahu-Apeacute haacute os que vivem entre os natildeo iacutendios utilizando os mesmos haacutebitos sem contudo

deixarem de ser iacutendios ou seja sua identidade primaacuteria foi atraveacutes do tempo se ressignificando

em diferentes variantes

Nesse contexto a partir de um periacuteodo acentuado de convivecircncia pudemos perceber

que a populaccedilatildeo de Sahu-Apeacute natildeo possui uma uacutenica cultura identitaacuteria concluiacuteda ou copiada

de outro Suas identidades derivam de um processo temporal longo de ressignificaccedilatildeo de suas

verdades com o urbanismo da cidade e consequentemente da religiosidade dos dogmas da

Igreja Adventista do Seacutetimo Dia

A trajetoacuteria e o processo histoacuterico de povos tradicionais satildeo configurados pelas

abundantes e profundas rupturas e descontinuidades como afirma Said (1995) O estudioso

ainda completa expondo que isso de longe seraacute algo unitaacuterio isolado ou autocircnomo isso porque

as culturas adotam e incorporam elementos estrangeiros como tambeacutem diferenccedilas e alteridades

que ao longo do tempo vatildeo inconscientemente excluindo outros elementos que ateacute entatildeo se

faziam presentes

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo eacute possiacutevel perceber na fala de Geertz (1973)

citado por Said (1995 p 46) quando afirma que o homem eacute um animal suspenso em suas teias

de significados que ele mesmo teceu ou seja essas inuacutemeras teias que se configuram nesse

mosaico cultural Satereacute-Maweacute da comunidade Sahu-Apeacute foram inicialmente construiacutedas por

volta da deacutecada de 30 quando ocorreu a primeira visita do pastor Leacuteo Halliwell da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia agrave comunidade de Ponta Alegre no rio Andiraacute ou ateacute mesmo antes

com trocas inter-eacutetnicas e clacircnicas

111

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O tema discutido nesta pesquisa eacute carregado de complexidades acadecircmicas fortes por

se tratar das relaccedilotildees sociais existentes dentro de uma comunidade indiacutegena tradicional pela

oacutetica do artesanato Ao nos basearmos na anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas movimento econocircmico

relaccedilotildees interpessoais e religiosas que se desenvolve nesse grupo Nossas observaccedilotildees durante

o periacuteodo da pesquisa etnograacutefica se inclinaram no sentido de compreender essas atividades

mas inevitavelmente as elas se direcionaram e tomaram rumos diferentes a cada instante no

decorrer desta pesquisa Quando se estaacute imerso no campo de estudo tudo parece ser

interessante tudo faz pensar em mudar a perspectiva do objetivo inicial e isso aconteceu vaacuterias

vezes desde o dia em que foi apresentado o projeto de pesquisa agrave banca de seleccedilatildeo do Programa

de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UFS

Infelizmente devido a certas situaccedilotildees o objetivo inicial de nosso projeto de pesquisa

natildeo foi possiacutevel devido agraves relaccedilotildees empregatiacutecias da pesquisadora mas ao focar nos esforccedilos

da pesquisa somente na comunidade Sahu-Apeacute percebemos um mundo de possibilidades para

a realizaccedilatildeo do estudo no local como a lideranccedila feminina da Tuxaua Baku as poliacuteticas

indigenistas do Estado do Amazonas a importacircncia do gaacutes-natural para comunidades indiacutegenas

e para o Estado do Amazonas o turismo em comunidades tradicionais indiacutegenas o processo

Ritual da Tucandeira aleacutem de questotildees importantiacutessimas sobre territorialidades e iacutendios

urbanos ou citadinos Nesse acircmbito tentamos no percurso deste trabalho expor e analisar

algumas dessas questotildees

Reajustamos alguns dos nossos objetivos e com mais ecircnfase os expusemos durante o

percurso de desenvolvimento desta pesquisa etnograacutefica colocamos os com bastante clareza na

estrutura dos capiacutetulos desta dissertaccedilatildeo que aleacutem de ter a pretensatildeo de ser uma possibilidade

reflexiva sobre os temas abordados se apresenta tambeacutem como estiacutemulo para novas pesquisas

novos trabalhos sobre o tema Portanto esperamos que o estudo aqui iniciado natildeo se acabe em

si mesmo mas que incite novas pesquisas reflexivas que corroborem com um conjunto mais

amplo de dados que possam compor consideraccedilotildees mais proacuteximas a serem consideradas finais

No decorrer desta pesquisa buscamos analisar as dinacircmicas e movimentaccedilotildees do

artesanato na comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute e como essas movimentaccedilotildees mediamos as

relaccedilotildees sociais daquela localidade A primeira etapa do estudo se concretizou no

desenvolvimento do percurso metodoloacutegico para a realizaccedilatildeo do trabalho considerando o

objeto de estudo e dentro dessa trilha formativa o tipo de pesquisa abordado foi o meacutetodo

etnograacutefico Tal meacutetodo foi de extrema importacircncia para o desenvolvimento deste trabalho

112

visto que nos deu subsiacutedios para os procedimentos de desenvolvimento da pesquisa como o

levantamento bibliograacutefico a realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

Nossa pesquisa compocircs nesse trabalho a anaacutelise da proacutepria aldeia Sahu-Apeacute aleacutem de

tratar do loacutecus e do objetivo expondo a visatildeo histoacuterica da aldeia e particularmente enfatizando

a gecircnese do desenvolvimento dela Tambeacutem fizemos uma exposiccedilatildeo e demonstramos aos

leitores a geografia que configura o universo de nosso estudo assim como as relaccedilotildees de Sahu-

Apeacute com aldeias proacuteximas a Manaus e com as demais aldeias pertencentes agrave terra indiacutegena de

Andiraacute-Marau

Trouxemos um toacutepico especiacutefico sobre a comunidade Suhu-Apeacute caracterizando-a como

uma comunidade urbana e assim uma realidade construiacuteda Eacute nesse contexto que passamos a

entender o significado de expressotildees como ldquoIacutendio Urbanordquo ou ldquoiacutendios citadinosrdquo e como esses

nomes satildeo interpretados pela proacutepria comunidade

Interligados a essa compreensatildeo avanccedilamos na discussatildeo e anaacutelise sobre a produccedilatildeo

material os processos imbricados de etnicidade e o proacuteprio artesanato e o turismo ou seja o

estudo sobre a identidade do povo que estaacute exposta e partimos da anaacutelise de uma muacutesica de

autoria dos proacuteprios integrantes da aldeia chamada de ldquoSatereacute Seserdquo a letra dessa muacutesica

reflete como a proacutepria comunidade se vecirc evidenciando tambeacutem sua alteridade frente ao que

lhe eacute diferente Essa muacutesica eacute cantada pelas meninas na apresentaccedilatildeo a turistas e tambeacutem no

Ritual da Tucandeira tendo clara a intencionalidade pela qual eles querem se fazer vistos como

em ldquoSou iacutendio na cidade Sou no interior Levo minha cultura Por onde quer que eu vou

Eu natildeo quero saber o que falam de mim Eu tomo Tarobaacute e fumo Tauarirdquo Ao analisarmos essa

exposiccedilatildeo que faz parte da cultura dos Satereacute podemos perceber a dinacircmica intencional da

comunidade eacute o que Gruumlnewald (1999) vai chamar de turismo eacutetnico

No processo da pesquisa destacamos as tradiccedilotildees indiacutegenas ricas no que se referem agrave

produccedilatildeo cultural e representada por uma linguagem simboacutelica para estabelecer o diaacutelogo entre

as culturas Compreendemos que o homem soacute existe enquanto ser cultural e depende de

siacutembolos e de seus significados especiacuteficos para a criaccedilatildeo de cada cultura aleacutem de serem os

proacuteprios homens aqueles que construiratildeo suas proacuteprias leis e seus padrotildees de vida os quais satildeo

determinados por relaccedilotildees de utilidade

Vimos que a produccedilatildeo do artesanato propicia a criaccedilatildeo de oportunidades que visam

contribuir para melhores condiccedilotildees de vida dos artesatildeos As relaccedilotildees sociais se afirmam dentro

do artesanato em Sahu-Apeacute uma vez que as peccedilas produzidas satildeo vivenciadas pelas pessoas

que as produzem sendo que esses objetos estatildeo presentes no cotidiano social e pessoal de cada

componente da comunidade Verificamos que natildeo haacute nenhuma distinccedilatildeo entre as peccedilas que satildeo

113

usadas pela comunidade e as peccedilas que satildeo comercializadas nas barraquinhas da aldeia ou seja

natildeo se trata somente de um item de exposiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo mas sim de elementos

presentes na criatividade das pessoas de Sahu-Apeacute e que dialogam com a cultura material

exposta pelo povo Satereacute-Maweacute da terra indiacutegena Andiraacute-Marau carregando sempre a cultura

ancestral em seus abjetos

Em Sahu-Apeacute a arte e o turismo tecircm seus desdobramentos sociais na interaccedilatildeo da

comunidade indiacutegena com as outras culturas nesse iacutenterim haacute o contato e o aprendizado agrave luz

das relaccedilotildees sociais que perpassam as estruturas de poder gecircnero economia afeto desafeto

poliacutetica religiatildeo educaccedilatildeo

Destacamos que a praacutetica do turismo eacutetnico na comunidade acontece pela atraccedilatildeo

ecoloacutegica e cultural incluindo nesse contexto o artesanato as danccedilas o canto a pajelanccedila e

tambeacutem o espetaacuteculo do Ritual da Tucandeira O turista que vai ao territoacuterio Sahu-Apeacute tem em

vista conhecer de perto a cultura a histoacuteria e a arte E todos esses movimentos desenvolvidos

na aldeia contribuem para a formaccedilatildeo da identidade desse povo que nos leva agrave reflexatildeo acerca

de uma ldquoetnicidade para turistardquo como um ldquofazer-se nativo para turistasrdquo natildeo que as tradiccedilotildees

sejam geradas apenas para que eles vejam mas satildeo intensificadas de acordo com o fluxo de

turistas na comunidade

Nesse sentido percebemos que essas intencionalidades estabelecem uma reelaboraccedilatildeo

da conjuntura identitaacuteria dos Satereacute-Maweacute As relaccedilotildees sociais satildeo portanto desencadeadas a

partir do turismo e do artesanato pois atuam no processo de interaccedilatildeo social e na dinacircmica

familiar Na aldeia a Tuxaua e o pajeacute se reuacutenem e dialogam com o povo determinam algumas

atribuiccedilotildees relacionadas agrave comunidade e tambeacutem direcionam para as questotildees individuais e

coletivas em funccedilatildeo do turismo considerando os papeacuteis especiacuteficos que devem ser

desempenhados por cada membro da famiacutelia na atividade econocircmica desenvolvida

Por conseguinte evidenciamos que a produccedilatildeo do artesanato e do turismo na

comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute se mostra em constantes dinacircmicas e articulaccedilotildees em relaccedilatildeo

agraves praacuteticas sociais O turismo eacute uma atividade que atinge diversas esferas da economia aleacutem

do fator humano seja no papel de consumidor ou de produtor repercutindo e interferindo no

relacionamento interpessoal como tambeacutem nos costumes nas experiecircncias e no modo de viver

A pesquisa revelou ainda que a dinacircmica que movimenta a comunidade eacute indispensaacutevel

na vida social dela e expressa uma ferramenta relevante para compreender as inter-relaccedilotildees e

as manifestaccedilotildees do trabalho no caso do artesanato que tem se tornado um atrativo que compotildee

o produto turiacutestico local Eacute nessa perspectiva que se situa o presente estudo acerca dos artesatildeos

da comunidade indiacutegena Sahu-Apeacute

114

REFEREcircNCIAS

AGNELLI S A C A implementaccedilatildeo da atividade turiacutestica em Brotas ndash SP euforia e decliacutenio Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - Centro Universitaacuterio de Araraquara ndash UNIARA AraraquaraSP 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Terras de quilombo terras indiacutegenas ― babaccediluais livres ―castanhais do povos faxinais e fundos de pasto terras tradicionalmente ocupadas Manaus PPGSCA-UFAM 2006 ALVAREZ Gabriel O Poliacutetica Satereacute-Maweacute do movimento social agrave poliacutetica local Seacuterie Antropologia n 366 Departamento de Antropologia da Universidade de Brasiacutelia 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbricsdanSerie366empdfpdfgt Acesso em 20 jul 2018 ASSIS L F de Turismo sustentaacutevel e globalizaccedilatildeo impasses e perspectivas Revista da casa da geografia de Sobral Sobral ndash CE UVA 2003 BALLIVIAacuteN Joseacute M P Palazuelos (Org) Artesanato Kaingang e Guarani 1 reimpr Satildeo Leopoldo Oikos 2012 BARROSO Milena Fernandes Rotas criacuteticas das mulheres Satereacute-Maweacute no enfrentamento da violecircncia domeacutestica novos marcadores de gecircnero no contexto indiacutegena Dissertaccedilatildeo (Mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social e Sustentabilidade na Amazocircnia - Universidade Federal do Amazonas Manaus 2011 BARROS Joatildeo Luiz da Costa O brincar e suas relaccedilotildees interculturais na escola indiacutegena 1 ed Curitiba Appris 2015 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe e STREIFF-FENART Jocelyne Teorias da etnicidade seguido de grupos eacutetnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth Satildeo Paulo Editora Fundaccedilatildeo da Unesp 1998 BARTH Fredrik Grupos eacutetnicos e suas fronteiras In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contracapa Livraria 2000 ______ A anaacutelise da cultura nas sociedades complexas In O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Traduccedilatildeo de John Cunha Comerford Rio de Janeiro Contracapa 2000 p 107-139 BAUMAN Zygmunt Identidade entrevista a Benedetto Vecchi Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 BERNAL Roberto Jaramillo Iacutendios Urbanos processo de reconformaccedilatildeo das identidades eacutetnicas indiacutegenas em Manaus Manaus EDUA FSDB 2009 BOURDIEU Pierre A identidade e a representaccedilatildeo Elementos para uma reflexatildeo criacutetica sobre a ideia de regiatildeo In O poder simboacutelico Lisboa Difel 1989

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