Ficha 2 Introdução ao M10 Programa

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Português Módulo 10 Texto Épico e Épico -Lírico Prof. Sandra Valentim _____________________________________________________________________________________________________________ Um forte sopro épico perpassa por este módulo, conduzindo-nos à leitura de duas obras maiores do panorama literário português. Em ambas se deve, em primeiro lugar, analisar a sua singularidade, só para depois buscar a finalidade essencial comum: a valorização dos heróis, a linguagem hiperbólica e culta, os mitos e símbolos, os descobrimentos, o real e o imaginário, o humano e o divino. Os Lusíadas apresentam-se como uma epopeia da Renascença pela sua pluralidade cultural, pela experiência humanista, pelo sentido crítico, pela valorização do homem e das suas capacidades. Segundo Camões, era urgente mostrar aos portugueses “uma lista de valores e de ideais, que tinham forjado a pátria e que no momento histórico camoniano definhavam por esquecimento, por negligência, por medo, ou ainda por egoísmo, falta de devoção patriótica e anemia existencial, face ao materialismo mercantil e consequente devassidão de costumes”. 1 O conceito de herói vai-se construindo ao longo de toda a narrativa épica, até à conquista do estatuto de imortalidade. É a euforia do Renascimento que valoriza os humanos pela heroicidade e sublima os seus feitos, nascidos no orgulho de ser “peito ilustre lusitano”, centrando a sua atenção nos valores e na excelência. Mas os valorosos também são afetados pelas contingências da vida humana e, nesse âmbito, Camões tece, sobretudo no final dos cantos, algumas considerações sobre o infortúnio pessoal e a falta de visão cultural e civilizacional dos seus contemporâneos. É uma crítica amarga e uma tristeza profunda que invadem o texto, contrastando com a proposta ideal de heroicidade patenteada ao longo da obra. Também a poesia de Pessoa mostra uma face heroica que busca forças na vontade de fazer renascer Portugal das cinzas. No entanto, escreveu o seu livro à “beira-mágoa”, procurando vislumbrar o mito e a chama que transmutam a existência, revolvendo o destino português e os seus sinais proféticos, sem esquecer nunca que “Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor”. Enquanto Camões se preocupou em valorizar o coletivo português, Pessoa apresenta as personagens como forças individuais da ação, transformando-as em símbolos ou mitos modelares, capazes de lutar contra a oposição das forças reais: “Mensagem, sendo no seu núcleo histórico e valorativo uma epopeia, na sua formulação estético-poética é simbólica e mítica do relato histórico sem a continuidade e a estrutura da epopeia clássica ou renascentista. Nela a ação dos heróis só adquire pleno significado na sua faceta mítica. Pois só serão eleitos e com direito à imortalidade aqueles que manifestam em si mitos significativos de heroicidade”. 2 Apesar dos métodos e dos tempos históricos distintos, Camões e Pessoa comungam um desejo de renovação da pátria, insistindo na força messiânica e na crença de um Portugal predestinado a um futuro glorioso, suportado por um ideal renovador, só possível através do esforço dos homens feitos heróis. (…) in Programa Componente de Formação Sociocultural da Disciplina de Português, Direção-Geral de Formação Vocacional 2004/2005, Cursos Profissionais de Nível Secundário 1 J. Oliveira Macedo, (2002), Sob o signo do Império Os Lusíadas e Mensagem análise comparativa, Porto, Edições Asa. 2 Dalila L. Pereira da Costa, (1971), O Esoterismo de Fernando Pessoa, Porto, Lello & Irmãos Ficha 2

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Ficha Introdutória ao módulo 10

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  • Portugus Mdulo 10

    Texto pico e pico -Lrico Prof. Sandra Valentim

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    Um forte sopro pico perpassa por este mdulo, conduzindo-nos leitura de duas obras maiores do panorama literrio portugus. Em ambas se deve, em primeiro lugar, analisar a sua singularidade, s para depois buscar a finalidade essencial comum: a valorizao dos heris, a linguagem hiperblica e culta, os mitos e smbolos, os descobrimentos, o real e o imaginrio, o humano e o divino. Os Lusadas apresentam-se como uma epopeia da Renascena pela sua pluralidade cultural, pela experincia humanista, pelo sentido crtico, pela valorizao do homem e das suas capacidades. Segundo Cames, era urgente mostrar aos portugueses uma lista de valores e de ideais, que tinham forjado a ptria e que no momento histrico camoniano definhavam por esquecimento, por negligncia, por medo, ou ainda por egosmo, falta de devoo patritica e anemia existencial, face ao materialismo mercantil e consequente devassido de costumes.1 O conceito de heri vai-se construindo ao longo de toda a narrativa pica, at conquista do estatuto de imortalidade. a euforia do Renascimento que valoriza os humanos pela heroicidade e sublima os seus feitos, nascidos no orgulho de ser peito ilustre lusitano, centrando a sua ateno nos valores e na excelncia. Mas os valorosos tambm so afetados pelas contingncias da vida humana e, nesse mbito, Cames tece, sobretudo no final dos cantos, algumas consideraes sobre o infortnio pessoal e a falta de viso cultural e civilizacional dos seus contemporneos. uma crtica amarga e uma tristeza profunda que invadem o texto, contrastando com a proposta ideal de heroicidade patenteada ao longo da obra. Tambm a poesia de Pessoa mostra uma face heroica que busca foras na vontade de fazer renascer Portugal das cinzas. No entanto, escreveu o seu livro beira-mgoa, procurando vislumbrar o mito e a chama que transmutam a existncia, revolvendo o destino portugus e os seus sinais profticos, sem esquecer nunca que Quem quer passar alm do Bojador/Tem que passar alm da dor. Enquanto Cames se preocupou em valorizar o coletivo portugus, Pessoa apresenta as personagens como foras individuais da ao, transformando-as em smbolos ou mitos modelares, capazes de lutar contra a oposio das foras reais: Mensagem, sendo no seu ncleo histrico e valorativo uma epopeia, na sua formulao esttico-potica simblica e mtica do relato histrico sem a continuidade e a estrutura da epopeia clssica ou renascentista. Nela a ao dos heris s adquire pleno significado na sua faceta mtica. Pois s sero eleitos e com direito imortalidade aqueles que manifestam em si mitos significativos de heroicidade.2 Apesar dos mtodos e dos tempos histricos distintos, Cames e Pessoa comungam um desejo de renovao da ptria, insistindo na fora messinica e na crena de um Portugal predestinado a um futuro glorioso, suportado por um ideal renovador, s possvel atravs do esforo dos homens feitos heris. ()

    in Programa Componente de Formao Sociocultural da Disciplina de Portugus, Direo-Geral de Formao Vocacional 2004/2005, Cursos Profissionais de Nvel Secundrio

    1 J. Oliveira Macedo, (2002), Sob o signo do Imprio Os Lusadas e Mensagem anlise comparativa, Porto, Edies Asa.

    2 Dalila L. Pereira da Costa, (1971), O Esoterismo de Fernando Pessoa, Porto, Lello & Irmos

    Ficha 2