Fernanda Vasconcelos Fontes Piccina

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  • 7/25/2019 Fernanda Vasconcelos Fontes Piccina

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUCSP

    Fernanda Vasconcelos Fontes Piccina

    O devido processo legal no processo administrativo disciplinar

    MESTRADO EM DIREITO

    So Paulo2011

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULOPUCSP

    Fernanda Vasconcelos Fontes Piccina

    O devido processo legal no processo administrativo disciplinar

    MESTRADO EM DIREITO

    Dissertao apresentada Banca Examinadora como

    exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestreem Direito do Estado, sub-rea de concentraoDireito Administrativo, pela Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, sob a orientao da Prof.Doutora Dinor Adelaide Musetti Grotti.

    So Paulo2011

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    Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcialdesta dissertao por processos fotocopiadores ou eletrnicos, desde que citada a fonte.

    _______________________________________ So Paulo, ___ de _______ de ______

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    Banca Examinadora

    ____________________________________

    ____________________________________

    ____________________________________

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    Dedico este trabalho ao meu marido Guilherme, pelocarinho, pacincia e incentivo. nossa querida filha Gabriela, cuja doura e alegriatransformaram a nossa vida.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus por iluminar sempre a minha vida;

    Ao meu pai Paulo, pelo amor e incentivo aos meus

    estudos;

    minha irm Daniela, pela amizade e carinho.

    minha me Vera Maria (in memoriam), que estar

    sempre presente no meu corao;

    Ao meu marido Guilherme, pela ajuda diria e por no

    me deixar desistir nunca;

    Gabi, minha filhinha linda, por me fazer to feliz...

    minha orientadora, Professora Dinor Adelaide

    Musetti Grotti, por quem possuo enorme admirao,pelo acompanhamento, dedicao, compreenso e

    ateno;

    Maria Aparecida Pires Lopes, por todo o tempo e

    ateno dedicados s correes formais deste trabalho.

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    RESUMO

    O presente trabalho tem por objeto o estudo do devido processo legal e suas

    implicaes no processo administrativo disciplinar. Parte-se da contextualizao do Devido

    Processo Legal no ordenamento jurdico brasileiro e de uma breve descrio histrica do

    princpio e da sua anlise, tomando por base o fenmeno da constitucionalizao do Direito.

    O estudo do processo administrativo disciplinar feito, inicialmente, a partir de

    abordagem geral desse processo na esfera federal, sob a tica da Lei 8112/90, com a anlisede cada uma de suas fases, passando-se, aps, ao estudo dos princpios que conferem

    concretude ao Devido Processo Legal, bem como as consequncias da sua incidncia no

    processo em estudo.

    O trabalho compreende, assim, o estudo dos princpios concretizadores do Devido

    Processo Legal, quais sejam: contraditrio e ampla defesa, juiz natural, razoabilidade e

    proporcionalidade e, por fim, a razovel durao do processo.

    Nos itens em que os mencionados princpios so estudados, buscou-se conceitu-los eexaminar seus fundamentos, sentido e alcance nos processos de aplicao de sanes

    disciplinares, de modo a constatar a sua incidncia nos casos concretos, bem como o

    entendimento dos Tribunais Superiores sobre a matria.

    Palavras-chave: devido processo legalprocesso administrativo disciplinarservidor pblico

    Lei 8112/90contraditrioampla defesajuiz naturalrazovel durao do processo razoabilidadeproporcionalidade.

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    ABSTRACT

    The present work aims the study of the Due Process of Law and its implications in

    administrative disciplinary proceedings. It starts with the background of Due Process in the

    Brazilian legal and a brief historical description of the principle and its analysis, based on the

    phenomena of constitutionalization of the law.

    The study of administrative disciplinary proceedings is made, initially from the

    general approach of this process at the federal level, from the perspective of Law 8112/90,

    with the analysis of each of its phases, moving after, the study of principles that giveconcreteness to the Due Process of Law as well as the consequences of its impact on the

    process under study.

    The work contains, therefore, the study in furtherance of the principles of due process

    of law, namely: contradictory and full defense, natural judge, reasonableness and

    proportionality and, finally, a reasonable duration of proceedings.

    In items where the above principles are studied, sought to conceptualize them and

    examine its foundations, scope and direction in the processes of disciplinary sanctions inorder to verify their impact in specific cases, as well as the understanding of the Superior

    Courts on the matter.

    Keywords: due process of law - administrative disciplinary proceedings - civil servants - Law

    8112/90 - contradictory - legal defense - natural judge - a reasonable duration of process -

    fairness - proportionality.

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    SUMRIO

    INTRODUO

    I O DEVIDO PROCESSO LEGAL........................................................................................12

    1. A constitucionalizao do Direito e seus reflexos no Direito Administrativo..............13

    2. Origem e contedo do Devido Processo Legal............................................................16

    3. Aspectos processual (formal) e substantivo (material).................................................19

    4.

    O Devido Processo Legal nos processos administrativos.............................................22

    II O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

    1. Conceito.......................................................................................................................26

    1.1.Princpios Fundamentais.......................................................................................31

    1.2.1 Legalidade objetiva......................................................................................31

    1.2.2 Oficialidade.................................................................................................32

    1.2.3. Informalismo...............................................................................................321.2.4.Publicidade..................................................................................................33

    1.2.5. Verdade Material........................................................................................34

    2. Direitos e deveres dos servidores................................................................................34

    3. As esferas de responsabilidade ..................................................................................36

    4. Ilcitos e penalidades aplicveis aos servidores..........................................................41

    5. Sindicncia.................................................................................................................44

    6.

    As fases do processo administrativo disciplinar na Lei 8112/90................................476.1.Instaurao...........................................................................................................47

    6.2. Inqurito...............................................................................................................49

    6.2.1. Instruo..........................................................................................50

    6.2.2. Defesa..............................................................................................51

    6.2.3. Relatrio...........................................................................................53

    6.3. Julgamento........................................................................................................54

    III PRINCPIOS CONCRETIZADORES DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO

    PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

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    1. Os princpios do contraditrio e da ampla defesa..........................................................56

    1.1. Conceito.................................................................................................................56

    1.2.

    Instaurao..............................................................................................................62

    1.2.1. A necessidade de Justa Causa para a instaurao de processo disciplinar...62

    1.2.2. A descrio dos fatos imputados ao acusado e sua tipificao na portaria de

    instaurao....................................................................................................63

    1.2.3. Citao prvia do Acusado..........................................................................65

    1.3.Instruo.................................................................................................................67

    1.3.1. A produo de provas no Processo Administrativo Disciplinar..................67

    1.3.2. A ampliao da acusao no curso do processo...........................................731.4. Defesa.....................................................................................................................75

    1.4.1. A defesa tcnica e a smula vinculante n 5 do Supremo Tribunal Federal.. 75

    1.4.2. O direito ao silncio.....................................................................................76

    1.5. Relatrio................................................................................................................78

    1.5.1. A descrio de imputao nova no relatrio ...............................................78

    1.5.2. A apresentao de razes finais no Processo Administrativo Disciplinar...79

    1.6.Julgamento..............................................................................................................801.6.1. Verdade sabida.......................................................................................80

    1.7. Recurso...................................................................................................................81

    1.7.1. AReformatio in Pejus no processo administrativo disciplinar...............82

    2. O Princpio do Juiz natural...............................................................................................85

    2.1.Origem.....................................................................................................................85

    2.2. Conceito.................................................................................................................872.3. Elementos...............................................................................................................91

    2.4. O princpio do juiz natural no processo administrativo disciplinar........................93

    2.4.1. Instaurao...................................................................................................95

    2.4.2. Instruo.......................................................................................................97

    2.4.3.Julgamento..................................................................................................105

    3. Os Princpios da Razoabilidade e Proporcionalidade.........................................................109

    3.1. Origem...........................................................................................................109

    3.2. Fundamento e Conceito..............................................................................111

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    3.2.1. O Princpio da Proporcionalidade.........................................................111

    3.2.2.O Princpio da Razoabilidade.............................................................113

    3.2.3.A questo da fungibilidade entre os princpios da proporcionalidade e

    razoabilidade.....................................................................................116

    3.3. Os Princpios da Razoabilidade e Proporcionalidade no processo

    administrativo disciplinar..............................................................................119

    4. O princpio da razovel durao do processo.....................................................................125

    4.1. Origem....................................................................................................................125

    4.2. Conceito de razovel durao do processo.............................................................129

    4.3. Do necessrio equilbrio entre a razovel durao do processo e os demaisprincpios constitucionais..............................................................................................131

    4.4. Dos meios destinados a assegurar a celeridade da tramitao do processo............132

    4.5. O princpio da razovel durao do processo no processo administrativo disciplinar

    ........................................................................................................................................136

    CONCLUSES......................................................................................................................141

    REFERNCIAS .....................................................................................................................145

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    INTRODUO

    O tema do processo administrativo dos mais importantes no direito brasileirocontemporneo como instrumento de garantia dos administrados em face das prerrogativas

    pblicas.

    A Constituio de 1988 lhe deu respaldo expresso ao constitucionalizar o devido

    processo legal enquanto princpio (art. 5, inciso LIV), e determinar expressamente sua

    aplicao na esfera administrativa (inciso LV). A partir da, a jurisprudncia constitucional do

    Supremo Tribunal Federal assimilou uma srie de solues concretas atinentes incidncia do

    princpio no campo administrativo.O presente trabalho tem por objeto o processo administrativo disciplinar sob a

    perspectiva do devido processo legal, cuja incidncia lhe traz relevantes consequncias, que

    justificam o exame da matria.

    Apesar de se tratar de tema que vem sendo aperfeioado pelo estudo doutrinrio e

    jurisprudencial, certo que, at mesmo em virtude da sua relevncia, muito j se escreveu

    sobre o devido processo legal. A sua incidncia no processo administrativo disciplinar,

    contudo, foi abordada por poucos trabalhos, o que demonstra a atualidade do assunto.

    Iniciaremos o estudo a partir de uma anlise histrica do devido processo legal,

    abordando o posicionamento da doutrina sobre o princpio e contextualizando-o a partir do

    fenmeno da constitucionalizao do Direito. Assim, no primeiro captulo sero estudados a

    origem, contedo e aspectos formal e substancial do devido processo legal, para, aps,

    examin-lo nos processos administrativos em geral.

    No segundo captulo, sero abordados o conceito de processo administrativo

    disciplinar na esfera federal e seus princpios especficos, fazendo uma breve anlise da

    sindicncia e de cada uma das fases do processo em estudo, sempre a partir da Lei 8112/90.

    No terceiro captulo sero estudados os princpios concretizadores do Devido Processo

    Legal, quais sejam: os contraditrio e a ampla defesa, o juiz natural, a razoabilidade e a

    proporcionalidade e, por fim, a razovel durao do processo.

    Nesse ponto do estudo, faremos uma anlise mais profunda e crtica sobre cada um dos

    princpios e suas relaes com o processo administrativo disciplinar, de forma a solucionar as

    principais questes envolvendo os casos concretos de servidores acusados de infrao

    disciplinar, alm do tratamento conferido pela jurisprudncia ptria sobre o tema.

    Ao final, sero pontuadas as concluses obtidas no decorrer do estudo.

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    I O DEVIDO PROCESSO LEGAL

    Desde a sua origem, o princpio do devido processo legal tem ocupado papel de

    destaque na cincia do Direito, tendo sido incorporado pelos textos constitucionais vigentes

    de diversos pases, entre eles o Brasil.1

    Inicialmente circunscrito ao processo penal, o devido processo legal estendeu-se, ao

    longo dos anos, ao processo civil e ao processo administrativo, como forma de garantir s

    partes envolvidas em todas essas modalidades procedimentais um processo legal e legtimo,

    plenamente apto, portanto, a culminar numa sentena justa.2

    O princpio em comento foi objeto de relevante desenvolvimento pela doutrina e

    jurisprudncia estrangeira e nacional, o que permitiu considervel alargamento de seu sentido

    e alcance, correspondentes tanto construo de seu aspecto substantivo, como tambm sua

    incidncia nos processos civil e administrativo.

    Como se sabe, essa evoluo do princpio do devido processo legal fruto de uma

    longa trajetria histrica, sobre a qual trataremos, com mais vagar, nos itens subsequentes

    deste captulo. Antes disso, porm, cabe enfatizar que o fenmeno da constitucionalizao do

    Direito, ao contribuir para uma nova leitura e interpretao dos dispositivos legais luz da

    Constituio, acaba por conferir ao devido processo legal um grau de importncia ainda maior

    do que aquele de outrora.

    Diante disso, abordaremos, na sequncia, o mencionado fenmeno, sobretudo em

    relao ao Direito Administrativo, para, a partir dele, analisar especificamente o princpio do

    devido processo legal.

    1Antes da promulgao da Constituio Federal de 1988, e j antevendo a previso expressa do Devido ProcessoLegal no novo texto constitucional, bem como a sua importncia para o ordenamento, Carlos Roberto SiqueiraCastro, jurista que acompanhou os trabalhos da Assemblia Nacional Constituinte, elaborou interessante obra arespeito da clusula, na qual afirmou : Permite-se antecipar que a solene e promissora reverncia prestada aesse instituto pela vindoura e fecunda Constituio far com que o mesmo se transmude em breves dias numa

    garantia nominada e explcita em nosso Direito Constitucional, qui a mais importante dentre todas asdemais, isto se explorada doravante e com sabedoria e superioridade por toda a classe jurdica responsvel

    pela afirmao diuturna na supremacia da Lei Maior. (O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leisna Nova Constituio do Brasil.Rio de janeiro: Forense, 2005,p. 05)

    2CASTRO, Carlos Roberto Siquera. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituiodo Brasil.Rio de Janeiro: Forense, 2005p. 34.

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    1 A constitucionalizao do Direito e seus reflexos no Direito Administrativo

    De acordo com Luis Roberto Barroso, a idia de constitucionalizao do Direito:

    est associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujocontedo material e axiolgico se irradia, com fora normativa, por todo osistema jurdico. Os valores, os fins pblicos e os comportamentoscontemplados nos princpios e regras da Constituio passam a condicionar avalidade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Comointuitivo, a constitucionalizao repercute sobre a atuao dos trs Poderes,inclusive e notadamente nas suas relaes com os particulares.3

    Com efeito, o fenmeno em anlise, originado na Alemanha4 e posteriormente

    estendido a diversos pases, incluindo o Brasil, gerou uma verdadeira mudana de paradigmas

    no constitucionalismo, desde o seu surgimento no final do sculo XVIII, tornando-se distinto

    de todas as experincias constitucionais precedentes, posto que assentado, segundo a doutrina

    constitucional,5nas seguintes premissas:

    a) mais Constituio do que leis: o texto constitucional deixa de ser um documento

    de cunho eminentemente poltico para se tornar a norma suprema e fundamento de

    validade de todo o ordenamento jurdico;

    b) mais juzes do que legisladores: o juiz passa a ser dotado de uma funo criadorado Direito, deixando de ser visto, na acepo de Montesquieu, como a mera boca

    da lei, vale dizer, como simples revelador da vontade da lei ou do legislador;

    c) mais princpios do que regras: dada a fora vinculante atribuda aos princpios,

    no mais dependentes da mediao do legislador infraconstitucional para produzir

    efeitos jurdicos;

    d) mais ponderao do que subsuno: diante da preponderncia acima registrada

    dos princpios sobre as regras, fazendo com que a ponderao passe a ser utilizada

    3Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo.So Paulo: Saraiva, 2009, p. 351-352.

    4 Segundo Luis Roberto Barroso, h razovel consenso de que o marco inicial do processo deconstitucionalizao do Direito ocorreu na Alemanha, sob o regime da Lei Fundamental de 1949,impulsionado principalmente pela jurisprudncia do Tribunal Constitucional Federal daquele pas, o qualassentou que os direitos fundamentais, alm de sua dimenso subjetiva, tambm contemplam um aspectoobjetivo, instituindo uma ordem objetiva de valores. Conforme esse entendimento, os direitos fundamentais,alm de conferir proteo esfera subjetiva dos interessados, tambm correspondem ao interesse geral dasociedade na sua satisfao. Dessa forma, o mencionado Tribunal passou a interpretar todos os ramos doDireito (especialmente o Direito Civil) luz das normas constitucionais, as quais passaram a vincular os

    Poderes estatais (Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo donovo modelo. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 354 -355).

    5MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direitoconstitucional. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 119-122.

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    com maior frequncia do que a subsuno, especialmente naqueles casos de

    coliso entre princpios;

    e) mais concretizao do que interpretao:j que a tarefa do aplicador do Direito

    no se circunscreveria, apenas, a desvendar o sentido e alcance das normasjurdicas, mas tambm a buscar, nos princpios previstos na ordem jurdica, a

    justia no caso concreto;

    Como bem elucida Gustavo Binenbojm, o processo de constitucionalizao do

    direito

    no se esgota na mera disciplina, em sede constitucional, de questes outrorareguladas exclusivamente pelo legislador ordinrio. Ele implica, mais que

    isso, no reconhecimento de que toda a legislao infraconstitucional tem deser interpretada e aplicada luz da Constituio, que deve tornar-se umaverdadeira bssola, a guiar o intrprete no equacionamento de qualquerquesto jurdica. Tal concepo, que vem sendo rotulada comoneoconstitucionalismo, impe aos juristas a tarefa de revisitar os conceitosde suas disciplinas, para submet-los a uma releitura, a partir da ticaconstitucional.6

    Em consonncia com esse entendimento, Luis Roberto Barroso7esclarece que, nesse

    ambiente, a Constituio, situando-se no centro do sistema jurdico, deixa de servir apenas

    como parmetro de validade para a ordem infraconstitucional e passa a funcionar tambm

    como vetor de interpretao dos demais ramos do Direito, nos quais se inclui, por evidente, o

    Direito Administrativo objeto de estudo na presente dissertao.

    Assim, no que tange especificamente ao Direito Administrativo, o mesmo autor

    sustenta que a centralidade da dignidade da pessoa humana e a preservao dos direitos

    fundamentais contriburam para uma relevante alterao na qualidade da relao entre a

    Administrao Pblica e os administrados, repercutindo na superao ou reformulao de

    alguns paradigmas tradicionais desse ramo do Direito, dos quais podemos destacar, para os

    fins do presente estudo, a vinculao do administrador Constituio e no apenas lei

    ordinria.8 Haveria, por assim dizer, uma superao do dogma da onipotncia da lei

    administrativa e sua substituio por referncias diretas a princpios expressa ou

    implicitamente consagrados no ordenamento constitucional.9

    Nesse sentido, Luis Roberto Barroso leciona:

    6 Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalizao. Rio deJaneiro: Renovar, 2006, p. 65.

    7Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo.So Paulo: Saraiva, 2009, p. 363.

    8Ibidem, p. 374-376.9Ibidem, p. 144.

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    supera-se, aqui, a idia restrita de vinculao positiva do administrador lei, na leitura convencional do princpio da legalidade, pela qual sua atuaoestava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. Oadministrador pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituioe independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestao dolegislador ordinrio.10

    A partir disso, constatamos a grande importncia que assume a incidncia do

    princpio do devido processo legal no processo administrativo disciplinar. Em outras palavras,

    a Administrao Pblica, enquanto submetida aos ditames do texto constitucional, dever

    obedecer ao princpio constitucional em comento e seus consectrios (entre eles o direito

    ampla defesa e ao contraditrio) durante todo o trmite do processo administrativo destinado

    aplicao de uma sano disciplinar ao acusado. Isso porque, conforme leciona a doutrinasobre a matria:

    toda a sistematizao dos poderes e deveres da Administrao Pblicapassa a ser traada a partir dos lineamentos constitucionais pertinentes, comespecial nfase no sistema de direitos fundamentais e nas normasestruturantes do regime democrtico, vista de sua posio axiolgicacentral e estruturante do Estado democrtico de direito.11

    Diante desse panorama, passaremos, na sequncia, a tratar especificamente do

    princpio do devido processo legal para, posteriormente, estudar o processo administrativo

    disciplinar, bem como a estreita ligao entre ambos.

    2 Origem e contedo do devido processo legal

    Certamente, tarefa das mais tormentosas conceituar o que se deve entender por

    devido processo legal. A uma, porque no h qualquer consenso, quer na doutrina, quer na

    jurisprudncia. A duas, pois muitos estudiosos questionam a utilidade desse esforo em

    conceitu-lo, haja vista que, segundo eles, isso poderia contribuir para uma indevida restrio

    ao amplo sentido e alcance j albergados pelo referido princpio.

    Na esteira desse entendimento, assevera Egon Bockmann Moreira:

    os estudiosos no alcanam unidade quanto sua definio, contedoe limites. O que, uma vez mais, demonstra a essencial amplitude dodue process of law a impossibilidade de seu enclaustramento em

    10Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo.So Paulo: Saraiva, 2009, p. 375.

    11 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia econstitucionalizao.Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 144.

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    uma definio (acadmica ou de direito positivo) no que esto arazo de ser da clusula e o motivo de sua sobrevivncia atravs dossculos. Tentar dizer, pontual e exatamente, o que significa o devido

    processo tarefa de pouca ou nenhuma utilidade, pois implicaria a

    limitao da grandeza da garantia12

    Na mesma linha, Carlos Roberto Siqueira Castro afirma, ao relacionar o devido

    processo legal razoabilidade e racionalidade das leis, que por

    no ser o requisito da razoabilidade das leis um princpio aritmticoou suscetvel de preciso terica ou jurisprudencial, foroso que aclusula melhor vocacionada sua implementao (a do devido

    processo legal) padea, por igual, de inexatido e de variaes decontedo ao sabor da evoluo nem sempre retilnea do sentimento

    jurdico vigorante em cada tempo e lugar13.

    Seguindo o mesmo raciocnio, San Tiago Dantas tambm ensina que:

    o due process of law um standard, pelo qual se guiam os Tribunais,e, assim sendo, deve aplicar-se tendo em vista circunstnciasespeciais de tempo e de opinio pblica em relao ao lugar em que oato tem eficcia.14Da no ser possvel aprision-lo num conceitoteortico, sob pena de se lhe comprometer a elasticidade. Umadefinio aproximada h de ser extrada da sucessiva considerao devrias hipteses, nele includas ou dele excludas pelos

    pronunciamentos judicirios.

    Tido por parcela expressiva da doutrina como um dos mais importantes princpios

    previstos pela Constituio Federal de 198815, a origem mais conhecida do devido processo

    legal remonta Carta Magna inglesa de 1215, associando-se expresso by the law of the

    land (segundo a lei do lugar) prevista em seu artigo 39, que confere proteo liberdade e

    propriedade nos seguintes termos:

    nenhum homem ser preso ou detido em priso ou privado de suasterras ou postos fora da lei ou banido ou de qualquer maneira

    12MOREIRA, Egon Bockmann, Processo Administrativo: princpios constitucionais e a Lei 9.784/99. 4. ed.,atual., rev. e aum., So Paulo : Malheiros, 2010,p. 254.

    13 CASTRO, Carlos Roberto Siquera. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na NovaConstituio do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2005,p. 176 - 177.

    14POUND , Roscoe. The Administrative aplication of legal Standards Catinella, La Corte Suprema federale,Cedam, p. 60, apud DANTAS, San Tiago.Problemas de Direito Positivo.Rio de Janeiro, Forense, 1953.

    15A ponto de Nelson Nery Jr. afirmar, de forma categrica, que: bastaria a Constituio Federal de 1988 terenunciado o princpio do devido processo legal, e o caput e a maioria dos incisos do art. 5 seriamabsolutamente despiciendos. De todo modo, a explicitao das garantias fundamentais derivadas do devido

    processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos do art. 5, CF, uma forma de enfatizar aimportncia dessas garantias, norteando a administrao pblica, o Legislativo e o Judicirio para que

    possam aplicar a clusula sem maiores indagaes (Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 6.ed. rev. ampl. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 41).

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    molestado; e no procederemos contra ele, nem o faremos vir a menosque por julgamento legtimo de seus pares e pela lei da terra.16

    Nessa poca, a aludida garantia destinava-se proteo dos direitos dos homens livres

    - bares e proprietrios de terra que integravam a nobreza daquele pas - em face dos abusos

    provenientes da Coroa inglesa (Rei Joo sem Terra), de tal modo que os direitos relativos

    vida, liberdade e propriedade daqueles somente poderiam ser suprimidos pelas regras

    constantes da lei da terra ou do direito costumeiramente aceito.

    J a expresso due process of law(devido processo legal) apareceu pela primeira vez

    anos depois, com o advento do Statute of Westminster of the Liberties of London de 1354,

    segundo o qual:

    nenhum homem deve ser condenado sem julgamento. Alm disso,nenhum homem, de qualquer camada social ou condio, pode serretirado de sua terra ou propriedade, nem conduzido, nem preso, nemdeserdado, nem condenado morte, sem que seja trazido responder

    pelo devido processo legal. (grifo nosso).17

    Paralelamente ao desenvolvimento terico e prtico do aludido princpio na Inglaterra,

    este encontrou ressonncia no direito norte-americano, tendo sido positivado na Constituiodos Estados Unidos de 1787 por meio da Emenda V de 1791, segundo a qual: nenhuma

    pessoa deve [...] ser privada da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal..18

    A Emenda XIV de 1868, por sua vez, estendeu a aplicao da clusula, que at ento

    era destinada somente ao governo central, tambm aos Estados da Federao, ampliando o seu

    alcance naquele pas.

    Nesse diapaso, importante observar que, no obstante a sua origem inglesa, foi nos

    Estados Unidos que o significado do devido processo legal foi objeto de importantes avanos

    e desdobramentos, impulsionados principalmente pela jurisprudncia norte-americana. Por

    intermdio dos julgados proferidos pela Suprema Corte desse pas, o princpio em anlise

    deixou de ser visto como uma garantia de cunho meramente processual e passou a servir

    16No free man shall be taken, imprisioned, desseised, outlawed, banished, or in any way destroyed, nor will weproceed or send against him, except by the lawful judgement of his peers or bythe law of the land

    17None shall be condemned without trial. Also, that no man, of what estate or condition that he be, shall be putout of land or tenement, nor taken or imprisoned, nor disinherited, nor put to death, without being brough toanswer by due process of l aw(grifo nosso)

    18no person shall [...] be deprived of life, liberty or property, without due process of law

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    como um instrumento destinado a coibir todo tipo de arbitrariedade perpetrada pelo Poder

    Pblico em geral, inclusive o legislador (aspecto substantivo).19

    Depois de ter sido contemplado pela Constituio estadunidense, o princpio do devido

    processo legal irradiou-se para os textos constitucionais de diversos pases, entre eles o Brasil.

    No caso brasileiro, embora j se admitisse, antes de 1988, a existncia tcita do

    devido processo legal em nosso ordenamento jurdico, foi somente com o advento da

    Constituio Federal vigente que houve a sua previso expressa, espancando qualquer dvida

    a respeito de sua aplicao ou no ao direito ptrio. Assim, consta no artigo 5, inciso LIV da

    Carta Magna brasileira: ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

    processo legal.

    Feito esse breve escoro histrico acerca do princpio do devido processo legal,passamos, a seguir, a tratar de seus aspectos.

    3 Aspectos processual e substantivo

    Jos Celso de Mello Filho20

    elenca as garantias que seriam decorrentes do princpiodo devido processo legal em seu aspecto processual, quais sejam:

    a) direito citao e ao conhecimento do teor da pea acusatria;b) direito a um rpido e pblico julgamento;c) direito ao arrolamento de testemunhas e notificao destas paracomparecimento perante os tribunais;d) direito ao procedimento contraditrio;e) direito de no ser processado, julgado ou condenado por alegada infraos leis editadas ex post facto;f) direito plena igualdade com a acusao;g) direito de no ser acusado nem condenado com base em provasilegalmente obtidas ou ilegitimamente produzidas;h) direito assistncia judiciria, inclusive gratuita;i) privilgio contra a auto-incriminao;j) direito de no ser subtrado ao seu juiz natural

    Esses seriam, portanto, os pilares necessrios consecuo de um processo justo, que

    respeite, de modo amplo, o direito ao contraditrio e ampla defesa do acusado, enquanto

    corolrios do devido processo legal e positivados no artigo 5, inciso LV da Constituio

    Federal de 1988.

    19No item seguinte trataremos especificamente dos aspectos processual e substantivo do devido processo legal.20Constituio Federal anotada. So Paulo: Saraiva, 1984, p. 341.

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    Contudo, como vimos ao tratar da origem do devido processo legal, a jurisprudncia

    norte-americana no se limitou anlise puramente processual do princpio, avanando o seu

    exame sobre o seu aspecto substantivo. A razo histrica para tanto atribuda averso das

    colnias americanas ao controle exercido pelo Parlamento ingls, fato este tambm

    responsvel pelo desenvolvimento do controle de constitucionalidade das leis nos Estados

    Unidos.

    Em outras palavras, ao contrrio do prestgio existente no direito ingls acerca da

    produo legislativa, havia no direito norte-americano um claro propsito de controlar os atos

    provenientes do Poder Legislativo. Eis a razo para justificar a criao do aspecto substantivo

    do devido processo legal, o qual tambm passou a ser invocado em face do Poder legiferante.

    Sintetizando essas idias, aponta Egon Bockmann Moreira:o due process of law foi aplicado pelos norte-americanos para defender asliberdades pblicas (dos colonos) contra o absolutismo real (da Inglaterra)[...] ao distinguir a garantia da compreenso original inglesa, para ampliarsua proteo qualitativa (aspectos substancial e processual) e quantitativa(em face de todos os Poderes do Estado), a jurisprudncia estadunidenseconferiu-lhe ostatusde norma fundamental de todo o sistema.21

    Essa constatao, segundo o autor, fez com que as fronteiras do devido processo legal

    fossem dilatadas, de forma que:

    a lei e o ato administrativo podem ser contrrios ao devido processo legalno porque violaram a vida, liberdade ou propriedade atravs da visoautnoma e estrita do fenmeno processo. Mais do que isso, atos estataispodem produzir agresses de fundo ao devido processo legal quando seucontedo sobre no guarnecer determinados interesses pblicos, atingedireitos protegidos constitucionalmente.22

    A concepo substantiva do devido processo legal, portanto, passou a viabilizar o

    controle jurisdicional sobre os atos do Poder Pblico, inclusive do legislador, de modo a

    invalidar todo aquele ato considerado arbitrrio, desproporcional ou no condizente com arazoabilidade (reasonableness) ou racionalidade (rationality).

    De acordo com Lus Roberto Barroso:

    Na primeira fase, a clusula teve carter puramente processual (proceduraldue process), abrigando garantias voltadas, de incio, para o processo penal eque incluam os direitos de citao, ampla defesa, contraditrio e recursos.Na segunda fase, o devido processo legal passou a ter um alcancesubstantivo (substantive due process), por via do qual o Judicirio passou adesempenhar determinados controles de mrito sobre o exerccio da

    21Processo administrativo: princpios constitucionais e a Lei 9.784/1999. So Paulo: Malheiros, 2010, p. 232.22Processo administrativo: princpios constitucionais e a Lei 9.784/1999. So Paulo: Malheiros, 2010, p. 241.

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    discricionariedade pelo Legislador e os fins visados, bem como na aferioda legitimidade dos fins.23

    Da anlise da jurisprudncia ptria, verificamos que o Supremo Tribunal Federal, j h

    algum tempo, tem aplicado, em diversos casos, o princpio do devido processo legal em seu

    sentido substantivo, inclusive em face do Poder Legislativo. A ttulo de exemplo, citamos o

    seguinte acrdo:

    A norma legal, que concede a servidor inativo gratificao de friascorrespondente a um tero (1/3) do valor da remunerao mensal, ofende ocritrio da razoabilidade que atua, enquanto projeo concretizadora daclusula dosubstantive due process of law, como insupervel limitao aopoder normativo do Estado. Incide o legislador comum em desvio tico-jurdico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem

    pecuniria cuja razo de ser se revela absolutamente destituda de causa.24

    Como soa evidente, tambm incide o princpio do devido processo legal substantivo

    sobre os atos emanados do Poder Executivo, o que se verifica, com mais frequncia, em

    relao quelas condutas praticadas pelos agentes pblicos (ou a ele equiparados) no exerccio

    do poder de polcia. Nessas hipteses, compete ao Poder Judicirio examinar, sob a tica da

    clusula em comento, se esta teria sido ou no observada no caso concreto.

    Sobre o tema, j assentou o Supremo Tribunal Federal:

    Sanes polticas no direito tributrio. Inadmissibilidade da utilizao, pelopoder pblico, de meios gravosos e indiretos de coero estatal destinados acompelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (Smulas 7025, 32326e54727 do STF). Restries estatais, que, fundadas em exigncias quetransgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade emsentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, oexerccio, pelo sujeito passivo da obrigao tributria, de atividadeeconmica ou profissional lcita. Limitaes arbitrrias que no podem serimpostas pelo estado ao contribuinte em dbito, sob pena de ofensa ao

    substantive due process of Law.28

    De se notar que essa faceta do devido processo legal tem realado o papel conferido ao

    Poder Judicirio nessa seara, como registra Carlos Roberto Siqueira Castro:

    23Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo.So Paulo: Saraiva, 2009, p. 256.

    24STF,ADI 1.158-MC,rel. Min. Celso de Mello, DJ 26/05/95.25 Smula 70, STF: inadmissvel a interdio de estabelecimento como meio coercitivo para cobrana de

    tributo.26 Smula 323, STF: inadmissvel a apreenso de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de

    tributos.27 Smula 547, STF: Ao contribuinte em dbito, no lcito autoridade proibir que adquira estampilhas,despache mercadorias nas alfndegas e exera suas atividades profissionais.

    28STF,RE 374.981,Rel. Min. Celso de Mello, DJ 08/04/05.

    http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?PROCESSO=1158&CLASSE=ADI%2DMC&cod_classe=555&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M&EMENTA=1788http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=DESP&n=-julg&s1=RE+374981&l=20&u=http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/Jurisp.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=DESPN&p=1&r=1&f=Ghttp://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=DESP&n=-julg&s1=RE+374981&l=20&u=http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/Jurisp.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=DESPN&p=1&r=1&f=Ghttp://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?PROCESSO=1158&CLASSE=ADI%2DMC&cod_classe=555&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M&EMENTA=1788
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    o abandono da viso estritamente processualista da cogitada garantiaconstitucional (procedural due process) e o incio da fase substantiva naevoluo desse instituto (substantive due process) retrata a entrada em cenado Poder Judicirio como rbitro autorizado e conclusivo da legalidade e doprprio mrito axiolgico das relaes do governo com a sociedade civil.Com isso, os Juzes assumiram o papel de protagonistas no seio dasinstituies governativas, deixando de ser meros coadjuvantes das aes doExecutivo e do Legislativo. A dialtica do poder e as metafsicas questes dodireito pblico passaram a contar, no plano institucional, com a autoridadedotada de prerrogativa decisria (do final enforcing power) e revestida dascredenciais de intrprete derradeiro do sentido e alcance da Constituio: osrgos da Justia29

    Diante do acima exposto, resta claro que o princpio do devido processual legal, em

    seu duplo aspecto (processual e substantivo), detm incomensurvel importncia para a

    preservao dos direitos fundamentais dos indivduos, incidindo tanto nos processos judiciais,

    como administrativos, conforme veremos a seguir.

    4. O devido processo legal nos processos administrativos

    O artigo 5, inciso LV da Constituio brasileira assegura aos litigantes e acusados em

    geral, em processo judicial ou administrativo, o contraditrio e ampla defesa, com os meios e

    recursos a ela inerentes.

    Em relao aos servidores pblicos estveis, o texto constitucional tambm assegura

    tais direitos no artigo 41, 1, com a redao dada pela Emenda Constitucional n. 19/98,

    prevendo que estes somente perdero o cargo em virtude de sentena judicial transitada em

    julgado (inciso I), mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa

    (inciso II) ou mediante procedimento de avaliao peridica de desempenho, na forma de lei

    complementar, assegurada ampla defesa (inciso III).

    Se isso no bastasse, a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no mbito

    da Administrao Pblica Federal, estabelece em seu artigo 2 que a Administrao Pblica

    obedecer, entre outros, os princpios do contraditrio e da ampla defesa.

    Desta feita, o direito ao contraditrio e ampla defesa, enquanto consectrios do

    princpio do devido processo legal, aplicam-se aos processos administrativos em geral, o que

    29 A constituio aberta e os direitos fundamentais: ensaios sobre o constitucionalismo ps-moderno ecomunitrio. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 80.

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    tem sido reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente naquelas hipteses

    relativas a punies disciplinares ou mesmo a restries de direito em geral.30

    Assim, embora o devido processo legal assuma grande importncia nos processos

    administrativos disciplinares objeto do presente estudo, dado que envolve a aplicao de

    sanes disciplinares, a eles no se restringem, tambm se fazendo incidir nos processos

    administrativos em geral. Paradigmtico, nesse sentido, o voto do Ministro Marco Aurlio no

    Recurso Extraordinrio 199.733 (DJ 30/04/1999), ao consignar:

    [...] o vocbulo litigante h de ser compreendido em sentido lato, ou seja, aenvolver interesses contrapostos. Destarte, no tem sentido processual departe, a pressupor uma demanda, uma lide, um conflito de interessesconstante de processo judicial. Este enfoque decorre da circunstncia de oprincpio estar ligado, tambm, aos processos administrativos. A presuno

    de legitimidade dos atos administrativos milita no s em favor da pessoajurdica de direito privado, como tambm do cidado que se mostre, dealguma forma, por ele alcanado. Logo, o desfazimento, ainda que sob ongulo da anulao, deve ocorrer cumprindo-se, de maneira irrestrita, o quese entende como devido processo legal (lato sensu), a que o inciso LV doartigo 5 objetiva preservar. O contraditrio e a ampla defesa, asseguradosconstitucionalmente, no esto restritos apenas queles processos denatureza administrativa que se mostrem prprios ao campo disciplinar. Odispositivo constitucional no contempla especificidade [...]

    No campo do processo administrativo e tratando do aspecto processual do devido

    processo legal, vale transcrever, nesse ponto, as lies de Agustn Gordillo:

    Sob o ponto de vista adjetivo, o devido process legal se refere ao direitode ser ouvido; em matria de decises individuais, trata-se de ma srie derequisitos amplamente divulgados, porm nem sempre cumpridos. juridicamente necessrio poder conhecer as atuaes que se referem ao devista e cpia de um processo, fazer-se assistir ou representar por advogado,oferecer e produzir a prova, fazer alegaes sobre ela, apresentarmanifestaes, etc.Tudo isso, como questo fundamental, deve poder ser feito antes da deciso

    que versar sobre os direitos ou interesses que afetam ouo podem afetar apessoa de que se trata, para que a sua eficcia no se veja diminuda.31

    30 Como exemplo, citamos o seguinte trecho do voto exarado pelo Ministro Marco Aurlio no RecursoExtraordinrio 158.543, T 2, j. 30/08/1994, DJ 6/10/1995: tratando-se da anulao de ato administrativo cuja

    formalizao haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulao no prescinde da observnciado contraditrio, ou seja, da instaurao de processo administrativo que enseja a audio daqueles que teromodificada situao j alcanada.

    31Desde al punto de vista adjetivo, el debido proceso legal se refiere al derecho a ser odo; en materia dedecisiones individuales, se trata de una larga serie de requisitos ampliamente divulgados, pero no siemprecumplidos. Es jurdicamente necesario poder conocer las actuaciones que se refieren a uno derecho a la vista y

    fotocopia de un expediente -, hacerse asistir o representar por letrado, ofrecer y producir la prueba de descargode que uno desea valerse, controlar la produccin de la prueba de cargo y de descargo, alegar sobre ella,

    presentar escritos etc.Todo ello, como cuestin fundamental, debe poder hacerse antes del dictado de laresolucin que versar sobre los derechos o intereses que afectan o puedan afectar a la persona de que se trata,

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    Alm dessas garantias decorrentes do devido processo legal sob o aspecto processual,

    o mesmo jurista acrescenta o direito a uma deciso suficientemente motivada, bem como o

    direito de recorrer a uma instncia imparcial e independente (um rgo judicial), com vistas a

    obter uma reviso suficiente e adequada dos fatos levados em conta pela Administrao

    Pblica e do direito aplicvel, o que no impediria, segundo o autor, a existncia de meios

    alternativos de soluo de conflitos, tais como tribunais administrativos, mediao e

    arbitragem.32

    Em se tratando do princpio do devido processo legal substantivo no Direito

    Administrativo, compreendido, segundo Agustn Gordillo, como a garantia de razoabilidade

    dos atos estatais e privados praticados no exerccio das funes administrativas pblicas,afirma o jurista argentino que, de um modo geral, ele foi inicialmente aplicado s leis, depois

    s sentenas judiciais e, finalmente, aos regulamentos e atos administrativos. De acordo com

    suas palavras:

    Se transcendente o lado adjetivo do devido processo (garantia de defesa),tanto mais ainda o substantivo, como garanta de razoabilidade dos atosestatais e privados praticados no exerccio de funes administrativaspblicas. No campo de aplicao do principio da razoabilidade em algunspases foi primeiro as leisno controle de constitucionalidade que todos os

    juzes realizam, naqueles sistemas concebidos, como o nosso, semelhanado norteamericanoe da passou a ser tambm as sentenas judiciaistodaa construo jurisprudencial sobre a sentena arbitrria -, para chegar, porfim, aos regulamentos e ao ato administrativo. Esta pelo menos a ordemhistrica j que no a lgica - que o desenvolvimento e aplicao doprincipio da razoabilidade tm ocorrido no direito argentino.33

    Portanto, o princpio do devido processo legal, em sua dupla acepo, deve ser

    obedecido e resguardado em todo e qualquer processo administrativo, especialmente naqueles

    para que su eficacia no se vea disminuida.31 (Tratado de derecho administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: DelRey; Fundacin de Derecho Administrativo, 2003, p. VI - 32. T.1)

    32Tratado de derecho administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey; Fundacin de Derecho Administrativo,2003, p. VI - 32. T.1.

    33Si trascendente es el lado adjetivodel debido proceso (garanta de defensa), tanto o ms aun lo essustantivo,como garanta de razonabilidad de los actos estatales y privados dictados en ejercicio de funcionesadministrativas pblicas. El campo de aplicacin del princpio de razonabilidad en algunos pases fue primerolas leyesen el control de constitucionalidad que todos los jueces realizan, em aquellos sistemas concebidos,como el nuestro, a semejanza del norteamericanoy de all pas a ser tambin lassentencias judicialestoda

    la construccin jurisprudencial sobre la sentencia arbitraria -, para llegar por fin a los reglamentosy al actoadministrativo.Este es por lo menos el ordem histricoya que no el lgicoque el desarrollo y aplicacin del

    princpio de razonabilidad ha tenido en el derecho argentino. (Tratado de derecho administrativo. 7. ed. BeloHorizonte: Del Rey; Fundacin de Derecho Administrativo, 2003, p. VI - 34. T.1).

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    casos em que possam culminar em uma sano disciplinar (processos administrativos

    disciplinares).

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    III O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

    1. Conceito

    O processo administrativo disciplinar pode definido pelo artigo da Lei 8112/90 como

    o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infrao praticada no exerccio

    de suas atribuies, ou que tenha relao com as atribuies do cargo em que se encontre

    investido.34

    Alguns doutrinadores o designam inqurito administrativo. Trata-se, contudo, de

    denominao imprpria, uma vez que o processo administrativo disciplinar no possui

    qualquer caracterstica de procedimento inquisitorial; ao contrrio, a ampla defesa e o

    contraditrio so de observncia obrigatria, conforme preconiza a Constituio Federal.35

    O processo administrativo disciplinar tem a sua raiz constitucional nos artigos 5,

    inciso LV e 41, pargrafo 1, da Lei Maior. No plano infraconstitucional e na esfera federal

    a Lei 8112/90 que o regula, com aplicao subsidiria da Lei 9784/99.Diante da autonomia de cada ente da federao para tratar de matria atinente aos seus

    servidores e tambm do que preconiza o art. 24, inciso XI, da Constituio Federal, certo

    que Estados e Municpios podem elaborar normas prprias de processo disciplinar.

    Com efeito, como vimos acima, o objeto do processo administrativo disciplinar

    apurao de infrao funcional praticada por servidor, sujeita a um regime diferenciado, que

    34 Fabio Medina Osrio denomina infraes morais aqueles tipos descritos nos estatutos disciplinares e quesancionam condutas privadas sob a justificativa de proteo do setor pblico, como o caso do dever impostoao servidor no artigo 116, inciso IX, da Lei 8112/90 manter conduta compatvel com a moralidadeadministrativa. Conclui o autor que: outorgar ao princpio jurdico da moralidade administrativa ou aostipos sancionadores de condutas eticamente reprovveis um sentido to amplo ao ponto de abarcar todo equalquer ato imoral dos agentes pblicos, com a devida vnia de entendimento diverso, equivaleria a liquidarcom o Estado Democrtico de Direito e seu pilar de legalidade. Se o administrador ou agente publico somente

    pode agir fundado em lei, a mera inobservncia de um preceito moral no poderia acarretar-lhe sanes.Anote-se, nesse terreno movedio, que o prprio administrado ficaria exposto a aes administrativas

    amparadas na moralidade e no na juridicidade, se acaso resultasse admitida a confuso progressiva entre asinstncias . (Direito administrativo sancionador. 3. ed., rev., atual e ampl. So Paulo:Revista dos Tribunais,2009, p. 236).

    35Artigo 5, inciso LV, da Constituio Federal.

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    possui suas peculiaridades,36como o caso do abrandamento da tipicidade.37A infrao

    conceituada por Heraldo Garcia Vitta como:

    o descumprimento de dever (conduta contrria ao comando da norma) pelo

    destinatrio da norma jurdica, cuja sano possa ser imposta por autoridadeadministrativa (no exerccio da funo administrativa), em virtude de oordenamento jurdico conferir-lhe tal competncia. 38

    Constitui objeto do processo administrativo disciplinar a apurao das infraes

    praticadas pelos servidores pblicos e tambm a aplicao das correspondentes sanes a elas

    cominadas. certo, contudo, que nem sempre h aplicao da pena, podendo o processo

    culminar com a dispensa de aplicao da penalidade.

    Trata-se de conquista alcanada pelo Estado de Direito, de observncia obrigatria

    pela Administrao Pblica39-40-41-42-43 e que visa a reduzir o arbtrio da autoridade

    administrativa na imposio de sanes, determinando a tramitao de um rito previsto em lei,

    com o respeito a todas as garantias do servidor acusado, que no poder ser surpreendido pela

    instituio casustica de regras pela Administrao, voltadas a prejudicar o exerccio do seu

    direito de defesa.

    Alm de garantia conferida ao agente pblico, o processo administrativo disciplinar

    tambm instrumento de controle da sua atuao e tem por escopo garantir maior grau de

    independncia e imparcialidade na atuao do servidor, que tem a certeza de no poder ser

    36Segundo Fbio Medina Osrio o sistema de punies disciplinares possui suas prprias peculiaridades, apesarde ser inegvel que subsiste m regime de princpios gerais do Direito Administrativo Sancionador aplicveltambm s sanes disciplinares (Osrio, Fbio Medina.Direito Administrativo Sancionador. 3 ed. ver atual eampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 226)

    37VITTA, Heraldo Garcia.A sano no direito administrativo. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 35.38VITTA, Heraldo Garcia.A sano no direito administrativo. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 35.39O artigo 41, 1, I, da Constituio Federal, com a redao conferida pela EC 19/98 preceitua que: 1 O

    servidor pblico estvel s perder o cargo: I - em virtude de sentena judicial transitada em julgado; II -mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa. Portanto, a Carta Constitucional expressa ao impor a observncia de processo administrativo disciplinar com observncia da ampla defesa ousentena judicial transitada em julgado, quando se trata de imposio de pena de demisso a servidor estvel.

    40Sobre o tema importante transcrever trecho da deciso do Superior Tribunal de Justia, segundo a qual nula a sano que no foi precedida de regular procedimento administrativo disciplinar (Tribunal, RO7449/MA , T.6, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJU 30/03/1998).

    41 Preceitua a Smula n 20 do STF que: necessrio processo administrativo, com ampla defesa, parademisso de funcionrio admitido por concurso.

    42 Leciona Celso Antonio Bandeira de Mello ser obrigatria a instaurao de processo administrativo (ouprocedimento, como enuncia) quando a providncia administrativa a ser tomada disser respeito a matria

    que envolva litgio, controvrsia sobre direito do administrado ou implique imposio de sanes(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. SoPaulo: Malheiros, p. 511).

    43GASPARINI, Digenes.Direito administrativo. 16 ed. So Paulo: Saraiva, 2011,p. 190.

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    apenado sem a sua observncia, na tentativa de evitar perseguies pessoais ou polticas com

    a imposio de sanes arbitrrias e ao exclusivo critrio do superior hierrquico.44

    A ttulo de exemplo, citamos o caso do agente pblico que exerce poderes de

    fiscalizao, do procurador que emite parecer jurdico e at mesmo do servidor que participa

    de comisso processante. certo que, em muitas situaes, a atividade desses indivduos

    interfere em interesses de terceiros, os quais, uma vez sentindo-se prejudicados, poderiam

    iniciar verdadeira perseguio contra o agente pblico. O processo administrativo disciplinar

    tem por escopo, justamente, evitar situaes como esta, garantindo que o servidor atue de

    forma independente e imparcial, sempre na busca do interesse pblico.

    importante mencionar que, se por um lado, o ordenamento evita a perseguio do

    servidor pelo superior hierrquico, garantindo a observncia do processo administrativodisciplinar, por outro preconiza a obrigatoriedade da sua abertura, caso se verifique a

    ocorrncia da infrao. O superior, portanto, tem o dever-poder de apurar as irregularidades

    praticadas pelos seus agentes, apurando as faltas, fixando a responsabilidade e, sendo o caso,

    aplicando e executando a sano.

    Nesse sentido, ensina Celso Antnio Bandeira de Mello: uma vez identificada a

    ocorrncia de infrao administrativa, a autoridade no pode deixar de aplicar a sano. Com efeito,

    h um dever de sancionar, e no uma possibilidade discricionria de praticar ou no tal ato.

    45

    -

    46

    Referida obrigatoriedade tambm est consignada na Lei 8112/90, que determina, no

    seu artigo 143:A autoridade que tiver cincia de irregularidade no servio pblico

    obrigada a promover a sua apurao imediata, mediante sindicncia ou processo

    administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

    Salientamos que no foi sem razo que adotamos o termo processo e no

    procedimento ao tratar do tema em estudo, pois os termos designam fenmenos distintos,47-48

    a par de j terem sido usados como sinnimos pela doutrina.

    45BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de direito administrativo. 27. ed. rev. ampl. e atual. SoPaulo: Malheiros, 2010, p. 526.

    46 Celso Antnio Bandeira de Mello, tratando do tema em outra ocasio, tambm observou que: Aresponsabilizao dos servidores pblicos dever genrico da Administrao e especfico de todo chefe, emrelao a seus subordinados [...] Assim, cabe concluir que uma vez reconhecida competente que servidor

    pblico incorreu em comportamento infracional obrigatria a aplicao da correspondente sano(Discricionariedade, vinculao e sano aplicvel a servidor pblico. Revista Trimestral de Direito Pblico,So Paulo, n. 40, p. 182 -185, 2002).

    47 Sobre a distino entre processo e procedimento, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro: No se confunde

    processo com procedimento. O primeiro existe como instrumento indispensvel para o exerccio da funoadministrativa; tudo o que a Administrao Pblica faz, operaes materiais ou atos jurdicos ficadocumentado em um processo.; cada vez que ela for tomar uma deciso, executar uma obra, celebrar umcontrato, editar um regulamento, o ato final sempre precedido de uma serie de atos materiais ou jurdicos,

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    Com efeito, o processo constitui a sequncia concatenada de atos administrativos

    interligados entre si e tendentes a um ato final a ser exarado pela Administrao. Trata-se,

    pois, de atividade contnua, no instantnea, em que os atos e operaes se colocam em

    ordenada sucesso, com a proposta de chegar-se a um fim predeterminado.49

    O procedimento, por sua vez, consiste na forma pela qual esses atos devem ser

    produzidos, no rito que deve ser observado dentro do processo. Sobre essa distino, leciona

    Fabio Medina Osrio:

    A preferncia pelo termo processo no intil nem gratuita. Ao contrrio, aprocessualidade das relaes punitivas, estejam elas no campoadministrativista, estejam no campo penal, uma das caractersticasmarcantes do Estado Democrtico de Direito. [...] Dentro das relaesprocessuais h procedimentos, ritos e formas ordenadas que conduzem

    pretenso punitiva do Estado. 50

    Segundo Hector Escola,51a melhor diferenciao dos conceitos aquela que leva em

    conta o contedo teleolgico do processo, na medida em que o processo tem como

    caracterstica essencial a busca por um ato final e conclusivo, enquanto o procedimento,

    despido dessa finalidade, cinge-se exteriorizao das formalidades do processo.

    Lucia Valle Figueiredo conceitua o processo em sentido estrito como aquele em que a

    litigiosidade ou as acusaes se encontrarem presentes, obrigando-se observncia do

    consistentes em estudos, pareceres, informaes, laudos, audincias, enfim, tudo o que for necessrio parainstruir, preparar e fundamentar o ato final objetivado pela Administrao.O procedimento o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prtica de certos atosadministrativos; equivale a rito, a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processoadministrativo.(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Dieito Administrativo, 24 ed, So Paulo: Atlas Editora,2010, p. 628)

    48Ao tratar dos conceitos de procedimento e processo administrativo, Daniel Muller Martins identifica cincoposies doutrinarias e afirma que se tratam de conceitos distintos, sendo o procedimento uma sucessolegalmente condicionada de atos administrativos relativamente autnomos encadeados mediante relao decausalidade e instrumentalmente ordenados concretizao da funo administrativa. Quanto ao processo,

    afirma que a sua anlise no pode se limitar doutrina do Direito Administrativo, devendo se estender aoDireito Processual chegando concluso que o processo administrativo uma instituio jurdica de perfil

    prprio e deve ser compreendido como conduto jurdico da relao jurdica administrativa mediante asucesso legalmente condicionada de atos e fatos administrativos relativamente autnomos, encadeadosmediante rel.ao de causalidade e instrumentalidade ordenados concretizao participativa da funoadministrativa (Aspectos jurdico-temporais do processo administrativo: uma leitura luza da garantiaconstitucional durao razovel, So Paulo, 2007, p. 73-75)

    49CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. rev. ampl. e atual.Rio deJaneiro, Lumen Juris, 2010, p. 128.

    50OSRIO, Fbio Medina.Direito administrativo sancionador. 2. ed, rev atual e ampl. So Paulo: Revista dosTribunais, 2009, p. 384.

    51Nas palavras do autor: Proceso y procedimiento son, em efecto, conceptos juridicos diferentes y que, portanto, deben ser distinguidos. [...] indubitabelmente, el modo ms exacto de diferenciar los conceptos de

    proceso y procedimiento, es aqul que hace fincar la distincin en la circunstancia de que la idea de procesoesta caracterizada por consistir en una valorizacin de tipo teleolgico, mientras la de procedimiento esexclusivamente una idea de tipo forma(Escola, Hector. Tratado General de Procedimiento Administrativo.2 ed. Buens Aires, Depalma, 1981).

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    contraditrio e da ampla defesa. Para a autora o processo em sentido amplo abarca o

    procedimento, seja enquanto simples forma de atuao da Administrao ou como sequncia

    de atos ordenada emanao de um ato final, e tambm o processo em sentido estrito, j

    definido acima.52

    A despeito de, em sua obra, utilizar os termos como se fossem sinnimos, Celso

    Antonio Bandeira de Mello ressalva:

    se framos nos prender ao que acreditamos melhor se afine suaterminologia tcnica, atribuiramos o nome processo ao fenmeno subexamine, reservando o rtulo procedimento para designar a modalidaderitual especifica que cada qual possa particularizadamente apresentar.53

    No mbito federal, o processo administrativo disciplinar conduzido por comisso

    processante composta por trs servidores estveis designados pela autoridade competente,54-55

    a qual indicar, dentre eles, o presidente da comisso, que necessariamente devera ocupar

    cargo efetivo de mesmo nvel ou de nvel superior ao do servidor indiciado.

    O artigo 149, pargrafo 2, da Lei 8112/90 prev hiptese de impedimento para

    participar da comisso processante ao determinar que o cnjuge, companheiro ou parente do

    acusado, consanguneo ou afim, em linha reta ou colateral at o terceiro grau, no podero ser

    parte da comisso, que dever exercer suas atividades com independncia e imparcialidade. O

    tema ser abordado de forma minuciosa no captulo IV deste trabalho, quando trataremos do

    princpio do juiz natural.

    O processo disciplinar desenvolve-se em trs fases, a instaurao, o inqurito e o

    julgamento e a sua concluso dever dar-se no prazo de sessenta dias, admitida a prorrogao,

    desde que justificada. As peculiaridades de cada uma das fases do processo disciplinar sero

    estudadas mais a frente neste captulo, sendo que os pontos controvertidos provenientes da

    aplicao do devido processo legal sero estudados no Capitulo III, que abordar as fases do

    processo disciplinar levando em conta a aplicao dos princpios que consideramos

    concretizadores do devido processo legal.

    52FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. rev. ampl. e atual.. So Paulo: Malheiros,2008, p. 437

    53BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de direito administrativo. 28. ed. rev. e atual. So Paulo:Malheiros: 2010, p. 829.

    54Artigo 149 da Lei 8112/90.55 A Jurisprudncia vem reconhecendo a nulidade do processo administrativo disciplinar no qual um dos

    membros da comisso processante tenha atuado como testemunha na sindicncia, tendo em vista que a suaimparcialidade encontra-se viciada. Nesse sentido: TRF 2 Regio - Processo n 9602006226/RJ, T. 2, rel.Des. Federal Castro Aguiar, DJU 12/11/1996.

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    1.2 Princpios Fundamentais

    Como acentua a doutrina, os princpios fundamentais do processo administrativo

    disciplinar so, substancialmente, os mesmos dos processos administrativos em geral, em que

    pesem os campos distintos de atuao de cada um deles, ao que j nos referimos no incio

    deste trabalho.

    Assim, temos como princpios fundamentais do processo administrativo disciplinar

    os seguintes: a) princpio da legalidade objetiva; b) princpio da oficialidade; c) princpio do

    informalismo; d) princpio da publicidade; e) princpio da verdade material; e f) princpio do

    devido processo legal. A seguir, passamos a tratar de cada um deles de modo especfico,salientando que o devido processo legal ser objeto de estudo mais aprofundado, nos captulos

    que seguem.

    1.2.1 Legalidade objetiva

    Segundo o Ilustre Professor Hely Lopes Meirelles, o princpio da legalidadeobjetiva

    exige que o processo administrativo seja instaurado com base e parapreservao da lei. Da sustentar Giannini que o processo, como orecurso administrativo, ao mesmo tempo em que ampara o particular,serve tambm ao interesse pblico na defesa da norma jurdicaobjetiva, visando a manter imprio da legalidade e da justia nofuncionamento da Administrao.56

    Em outras palavras, o princpio em comento exige que o processo

    administrativo disciplinar seja fundado numa norma legal especfica, sob pena de invalidade.Verifica-se a previso desse princpio, por exemplo, no artigo 2, pargrafo nico, incisos I e

    II da Lei 9.784/99Lei Federal de Processos Administrativos ( previso de atuao conforme

    a lei e o Direito e de atendimento a fins de interesse geral, vedada a renncia total ou parcial

    de poderes ou competncias, salvo autorizao em lei).

    Importante lembrar que, embora a Unio possua competncia privativa para

    legislar sobre Direito Processual (artigo 22, inciso I, da CF), a competncia legislativa para

    tratar do processo administrativo concorrente da Unio, Estados e Municpios, podendo

    56Hely Lopes Meirelles,Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. So Paulo: Malheiros, 2010, p. 738.

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    todos os entes da federao editar norma especfica sobre a matria (artigo 24, inciso XI, da

    CF).

    1.2.2 Oficialidade

    De acordo com esse princpio (tambm chamado por alguns doutrinadores

    como princpio da impulso), a movimentao do processo administrativo disciplinar compete

    Administrao Pblica, seja nos casos em que aquele instaurado de ofcio (por evidente),

    seja naqueles em que o seu incio d-se por provocao da parte.Assim, se, por hiptese, houver algum retardamento indevido no transcurso do

    processo administrativo disciplinar, os agentes pblicos responsveis pelo seu

    impulsionamento devero ser responsabilizados pela ao ou omisso que o resultou,

    sobretudo diante do recente mandamento constitucional quanto razovel durao do

    processo enquanto direito fundamental (art. 5, inciso LXXVIII da Constituio Federal).

    1.2.3 Informalismo

    A seu turno, o princpio do informalismo consiste na dispensa de ritos rigorosos e

    formas solenes para o processo administrativo disciplinar, sendo suficientes as formalidades

    que assegurem a certeza jurdica, a garantia e a credibilidade do processo.

    importante lembrar que informalismo no significa total ausncia de forma. Oprocesso administrativo disciplinar formal, no sentido de que deve ser documentado,

    reduzido a escrito; no entanto informal no sentido de que no est adstrito a normas rgidas,

    como o caso do processo penal.

    Como lembra a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, s ser exigida alguma

    formalidade especfica se a lei a previr, caso em que o seu atendimento ser de rigor, sob pena

    de nulidade.57A autora salienta tambm que a maior necessidade de formalidade aparece nos

    casos em que o processo envolve interesses particulares, como nos processos de licitao,

    57Maria Sylvia Zanella Di Pietro,Direito Administrativo. 24 ed.,So Paulo: Atlas Editora, p. 629.

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    disciplinares e tributrios. por isso que grande parte dos entes federativos possui lei que

    rege os processos disciplinares, a fim de que sejam respeitadas as garantias de ampla defesa e

    contraditrio do servidor.

    Interessante notar o ensinamento da Ilustre Professora Lcia Valle Figueiredo, no

    sentido de que este preceito somente possui validade a favor do administrado (no caso do

    processo disciplinar, do acusado) e desde que no se esteja a tratar de processos que envolvam

    terceiros, como os concorrenciais.58

    Tal afirmao justifica-se pelo fato de que a informalidade contra o acusado poderia

    importar violao ao seu direito ampla defesa e contraditrio e, em ltima instncia, ao

    devido processo legal. Do mesmo modo, o princpio da informalidade no se aplica aos

    processos concorrenciais, posto que poderia ensejar o benefcio unilateral de uma das partesem detrimento da outra.59

    No se pode confundir informalidade com desleixo, de modo a no comprometer a

    mnima ordenao necessria e desejvel a todo e qualquer processo administrativo

    disciplinar.

    1.2.4 Publicidade

    Nos termos do artigo 5, incisos XXXIII e LX da Constituio, deve-se, via de regra,

    conferir ampla publicidade aos processos administrativos disciplinares, sendo o sigilo medida

    excepcional, somente admitida por razes de segurana da sociedade e do Estado, bem como

    na defesa da intimidade ou do interesse social.

    Segundo alguns doutrinadores, alis, a publicidade decorre do preceito do devidoprocesso legal (na sua acepo formal, como veremos adiante), uma vez que, sem a garantia

    de um processo pblico, no possvel conferir ao acusado uma ampla possibilidade de

    defesa dos fatos que lhe so imputados, de forma a no ser possvel tambm assegurar a

    justia da pena eventualmente imposta.

    58FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. rev. ampl. e atual. So Paulo: Malheiros,2008.p. 451.

    59Da a razo para Maral Justen Filho afirmar que Existe uma espcie de presuno jurdica. Presume-seque a observncia das formalidades inerentes licitao acarretar a mais adequada e satisfatriarealizao dos fins buscados pelo Direito (Comentrios lei de licitaes e contratos administrativos. 11.ed. So Paulo : Dialtica, 2005, p. 43 - 44.)

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    1.2.5 Verdade Material

    De acordo com o princpio da verdade material, deve a Administrao Pblica utilizar-

    se de todos os meios de prova lcitos e legtimos de que tenha conhecimento, a fim de apurar

    as faltas cometidas pelos agentes pblicos e embasar eventual aplicao de pena cabvel no

    caso concreto.

    No bastaria, assim, a mera verdade formal, com a qual o processo civil normalmente

    se contenta. Nesse sentido, percebe-se a estreita relao entre o processo disciplinar e o

    processo penal, posto que ambos importam na aplicao de sano ao cidado.60

    2. Direitos e deveres dos servidores

    O Ttulo III da Lei 8.112/90, que compreende os artigos 40 a 115, trata dos direitos de

    titularidade dos servidores pblicos federais, discorrendo sobre seus vencimentos, vantagens(indenizaes, gratificaes e adicionais), frias, licenas, afastamentos, concesses, tempo de

    servio e direito de petio.

    O artigo 116 da Lei 8.112/90, por sua vez, disciplina em seus incisos todos os

    deveres a serem cumpridos pelos servidores, sob pena de incorrer nas penalidades previstas

    no artigo 127 da mesma lei.

    A respeito do dever consagrado no artigo 116, inciso VI da Lei 8.112/90 (Art. 116.

    So deveres do servidor: [...] VI levar ao conhecimento da autoridade superior asirregularidades de que tiver cincia em razo do cargo), o Superior Tribunal de Justia j

    decidiu que este no confere ao servidor a possibilidade de instaurar sindicncia ou processo

    administrativo disciplinar contra terceiros. Eis o acrdo:

    RECURSO ORDINRIO. MANDADO DE SEGURANA. SERVIDORPBLICO. DIREITO INSTAURAO DE SINDICNCIA OUPROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA TERCEIROS.INEXISTNCIA.

    60Sobre a matria, valemo-nos dos ensinamentos da Professora Lcia Valle Figueiredo, quando afirma que: Averdade material princpio especfico do processo administrativo, como tambm o do processo penal(princpio inquisitivo)(Curso de direito administrativo. 9. ed. rev. ampl. e atual. So Paulo: Malheiros, 2008.

    p. 450).

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    I - No h direito lquido e certo do impetrante instaurao de processoadministrativo contra terceiros, porquanto este um direito exclusivo daadministrao, o qual decorre do seu poder disciplinar.II - O direito que assiste ao servidor - na verdade um dever-poder - to-somente o de levar ao conhecimento da autoridade superior asirregularidades de que tiver cincia (art. 116, VI, Lei n 8.112/90), cabendo aesta verificar, de acordo com as informaes que lhe chegaram, se caso ouno de apurao para fins de aplicao de eventual penalidadeadministrativa. Recurso ordinrio desprovido.61

    Ainda sobre os deveres do servidor, houve outro caso interessante julgado pelo

    Superior Tribunal de Justia a respeito de um advogado da Unio que se passou por terceiro

    para prestar determinado concurso pblico. Nessa hiptese, aquela Corte entendeu que houve

    violao ao artigo 116, inciso IX da Lei 8.112/90 (Art. 116. So deveres do servidor: [...] IX

    manter conduta compatvel com a moralidade administrativa), alm de configurar

    improbidade administrativa, nos seguintes termos:

    MANDADO DE SEGURANA. PROCESSO ADMINISTRATIVODISCIPLINAR. PRISO EM FLAGRANTE DE ADVOGADO DAUNIO QUE PRETENSAMENTE SE FEZ PASSAR POR OUTRAPESSOA EM CONCURSO PBLICO. PLEITO DE TRANCAMENTO.TESE DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAO DOPROCESSO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. NO-CARACTERIZAO. PREVISIBILIDADE DA CONDUTA EM TESENA LEGISLAO DISCIPLINAR APLICVEL. NULIDADE DAPORTARIA. NO-OCORRNCIA. FUNDAMENTAO SUFICIENTE.DIREITO LQUIDO E CERTO NO EVIDENCIADO.1. No se vislumbra a atipicidade da conduta que, em tese, podeperfeitamente assumir adequao tpica, amoldando-se ao disposto nosarts. 116, inciso IX e 132, inciso IV, ambos da Lei n. 8.112/90, esteltimo c.c. o art. 11, inciso V, da Lei n. 8.429/92.2. Embora o pretenso ato ilcito no tenha sido praticado no efetivoexerccio das atribuies do cargo, mostra-se perfeitamente legal ainstaurao do procedimento administrativo disciplinar, mormenteporque a acusao impinge ao Impetrante conduta que contrariafrontalmente princpios basilares da Administrao Pblica, tais como a

    moralidade e a impessoalidade, valores que tem, no cargo de advogadoda Unio, o dever institucional de defender.3. Malgrado no tenham sido reproduzidos na Portaria Instauradora osfundamentos para dar suporte acusao, houve expressa ratificao oumesmo adeso das razes declinadas no relatrio do ProcedimentoCorreicional Extraordinrio, que passaram, desse modo, a integrar o ato,motivo pelo qual no se verifica a alegada ausncia de fundamentao. Tantoest claramente indicada qual a conduta a ser investigada que o acusado estexercendo neste mandamus, com toda amplitude possvel e sem nenhumarestrio, seu direito de insurgir-se contra os fundamentos que deram origem instaurao do procedimento.

    61STJ, RMS 21.418/DF, T.5, Rel. Ministro FELIX FISCHER, j. 08/05/2007, DJ 11/06/2007, p. 336.

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    4. Uma vez que a Portaria Instauradora integrada pelos fundamentos doRelatrio , demonstra, de forma clara e objetiva, os fatos supostamenteconfiguradores de infrao disciplinar com todas as suas circunstncias, bemcomo o possvel envolvimento do Impetrante nos delitos em tese, de formasuficiente para ensejar sua apurao, no h razo para trancar oprocedimento.5. Ordem denegada.62(grifos nossos)

    Em suma, que os servidores esto sujeitos a uma gama de dispositivos legais

    disciplinados pelo Estatuto em comento que, se de um lado lhes fornecem uma srie de

    direitos e vantagens, tambm lhes impingem condutas necessrias ao bom exerccio do cargo,

    de forma a contribuir, em ltima anlise, para a consecuo dos interesses da sociedade a

    serem cumpridos pelo Estado.

    Contudo, caso o servidor no exera, de forma adequada, o seu mister, poder ser

    responsabilizado civil, penal ou administrativamente, conforme veremos a seguir.

    3. As esferas de responsabilidade

    A redao do artigo 121 da Lei 8112/90 clara ao dispor que o servidor responde

    civil, penal e administrativamente pelo exerccio irregular de suas atribuies.

    Parte expressiva da doutrina, ao tratar do tema, preconiza que a atuao irregular do

    servidor pode ensejar a sua responsabilidade em trs esferas63distintas: administrativa, penal

    e civil.64- Nesse sentido, ensina Luciana Sardinha Pinto:

    62STJ, MS 11.035/DF, 3 Seo, rel. Min. Laurita Vaz, j. 14/06/2006, DJ 26/06/2006, p. 116.

    63Jos Roberto Pimenta Oliveira, ao tratar dos sistemas de responsabilidade, ensina: Denomina -se sistema de

    responsabilidade, o conjunto de normas jurdicas que delineiam, com coerncia lgica, a existncia de umsistema impositivo de determinadas consequncias jurdicas contra o sujeito infrator e/ou terceiros, levando-seem conta a prvia tipificao do ato infracional e das sanes imputveis, o processo estatal de produo, e os

    bens jurdicos ou valores constitucionalmente protegidos com sua institucionalizao normativa. Comosistema, o plexo deve ser dotado de unidade e coerncia, em vista da finalidade normativa que categoriza.Como subconjunto normativo, sujeita-se prvia conformao de suas estruturas s injunes principiolgicassuperiores materiais e formais contidas na Constituio. A ttulo de elemento comum, tais sistemas seaproximam pela forma como se revelam na dinmica da ordem jurdica, partindo de uma conduta funcionalvioladora da norma jurdica. Um sistema de responsabilizao erigido pelo Direito a partir de quatroelementos nomativos centrais: configurao do ilcito, delimitao das consequncias jurdicas, bens jurdicos

    protegidos e processo estatal impositivo. (OLIVEIRA, Jos Roberto Pimenta. Autonomia Constitucional daImprobidade Administrativa,Tese ( Doutorado em Direito), Pontificia Universidade Catolica de So Paulo,2009, p.. 77)

    64De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro O servidor pblico sujeita -se responsabilidade civil, penal eadministrativa decorrente do exerccio do cargo, emprego ou funo. Por outras palavras, ele pode praticaratos ilcitos no mbito civil, penal e administrativo (Curso de Direito Administrativo. 23. ed. So Paulo:Atlas, 2010, p. 611).

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    O servidor se sujeita responsabilidade civil (quando causa dano patrimonial Administrao Pblica ou a terceiro por ao ou omisso, dolosa ouculposa, devendo repar-lo, sendo responsabilizado civilmente),; penal(conduta inadequada que afeta a sociedade crime funcional); eadministrativa (conduta inadequada que afeta a ordem interna dos servios infrao ou ilcito administrativo decorrente do exerccio do cargo, empregoou funo.65

    Entendemos, contudo, que aps a edio da Lei 8429/92 foi criada nova esfera de

    responsabilidade, por ato de improbidade administrativa, perfazendo quatro esferas s quais o

    servidor66 se sujeita. H autores que defendem a existncia de outras esferas de

    responsabilidade dos agentes pblicos, como o caso de Jos Roberto Pimenta Oliveira, que

    elenca nove esferas de responsabilidade do agente pblico.67

    No mbito administrativo, a responsabilidade do servidor resulta de ato omissivo ou

    comissivo por ele praticado no desempenho de seu cargo ou funo (artigo 124 da Lei

    8.112/90). A apurao de tal ato decorre da sindicncia ou do processo administrativo

    disciplinar, os quais, por serem tratados de forma especfica no presente estudo, dispensam

    maiores comentrios nesse ponto.

    Na seara penal, o servidor que cometer qualquer crime ou contraveno penal que lhe

    for imputado nessa qualidade (artigo 123 da Lei 8.112/90) estar sujeito ao processo penal,

    destinado a apurar a autoria e materialidade da infrao penal em questo, nos termos

    preconizados pelo Cdigo de Processo Penal.

    Nesse campo, os casos mais frequentes envolvem os crimes praticados por funcionrio

    pblico contra a Administrao Pblica, tipificados nos artigos 312 a 326 do Cdigo Penal.

    interessante notar que, para efeitos penais, considera-se funcionrio pblico todo

    aquele que, embora transitoriamente ou sem remunerao, exerce cargo, emprego ou funo

    pblica (artigo 327 do Cdigo Penal), a ele se equiparando tambm aquela pessoa que exerce

    cargo, emprego ou funo em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora

    65A responsabilidade civil do servidor por danos causados ao errio luz do direito pblico contemporneo:Consideraes, In FORTINI,Cristiana (Org.). Servidor Pblico: estudos em homenagem ao Professor PedroPaulo de Almeida Dutra. Belo Horizonte: Frum, 2009, 225-250, p. 230.

    66Vale mencionar que o artigo 1 da Lei 8429/90 dispe expressamente que o ato de improbidade administrativapode ser praticado por qualquer agente pblico, servidor ou no.

    67 O Autor indica cinco esferas gerais autnomas de responsabilidade dos agentes pblicos, quais sejam: aresponsabilidade por ilcito civil, a responsabilidade por ilcito penal comum, a responsabilidade por ilcitoeleitoral, a responsabilidade por irregularidade de contas e a responsabilidade por ato de improbidadeadministrativa. Na sequncia, arrola outras quatro esferas especiais autnomas de responsabilidade dos agentes

    pblicos: a responsabilidade poltico-constitucional, a responsabilidade poltico-legislativa, a responsabilidadeadministrativa e, por fim, a responsabilidade pela prtica de discriminao aleatria dos direitos e liberdadesfundamentais. (OLIVEIRA, Jos Roberto Pimenta. Autonomia Constitucional da Improbidade Administrativa,Tese ( Doutorado em Direito), Pontificia Universidade Catolica de So PauloPUC/SP, 2009.)

  • 7/25/2019 Fernanda Vasconcelos Fontes Piccina

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    de servio contratada ou conveniada para a execuo de atividade tpica da Administrao

    Pblica (artigo 327, 1 do Cdigo Penal). Na hiptese de o sujeito ativo do delito for

    ocupante de cargos em comisso ou de funo de direo ou assessoramento de rgo da

    administrao direta, sociedade de economia mista, empresa pblica ou fundao instituda

    pelo poder pblico, o artigo 327, 2 do Cdigo Penal prev que a pena ser aumentada da

    tera parte.

    A responsabilidade civil do servidor pblico, por sua vez, tem fundamento no artigo

    37, pargrafo 6, da Constituio da Repblica que, ao tratar da responsabilidade civil do

    Estado, preconiza o dever indenizatrio do agente pblico que, nessa condio, atuou com

    dolo ou culpa gerando dano a terceiros e assegura ao Estado o direito de ajuizar ao

    regressiva visando tal reparao. certo que a responsabilizao civil do agente pblico tem por escopo principal a

    restituio68 integral dos danos causados aos terceiros e arcados pelo ente pblico e abarca a

    indenizao por danos materiais e morais, conforme se verifica da expressa disposio do

    artigo 5, incisos V e X, da Constituio Federal.

    Ainda sobre a responsabilidade civil do servidor pblico estabelece o artigo 122 da Lei

    8.112/90 que esta decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resu