CHBV COM RESULTADOS DE EXCELÊNCIA ESTUDO SOBRE O INTERNAMENTO NO CHBV.
FAMÍLIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO: UM ESTUDO COM … · UM ESTUDO COM FAMILIARES DE USUÁRIOS DE UM...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOCENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIAMESTRADO EM PSICOLOGIA
FAMLIA E SOFRIMENTO PSQUICO:
UM ESTUDO COM FAMILIARES DE USURIOS DE UM CAPS PRIVADO
Jlia Santos Silva
Recife PEJaneiro 2012
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Jlia Santos Silva
FAMLIA E SOFRIMENTO PSQUICO:
UM ESTUDO COM FAMILIARES DE USURIOS DE UM CAPS PRIVADO
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federalde Pernambuco como requisito parcial para obtenodo ttulo de Mestre em Psicologia.
Orientador: Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho
Recife PEJaneiro 2012
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Catalogao na fonteBibliotecria Maria do Carmo de Paiva CRB-4 1291
S586f Silva, Jlia Santos.
Famlia e sofrimento psquico : um estudo com familiares de usuriosde um CAPS particular / Jlia Santos Silva. Recife: O autor, 2012.
122 f. ; 30 cm.
Orientadora: Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho.
Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH.Ps-Graduao em Psicologia, 2011.
Inclui bibliografia, apndices e anexos.
1. Psicologia. 2. Psiquiatria Reforma. 3. Famlia Aspectossociais.4. Psicologia discursiva. I. Oliveira Filho, Pedro de. (Orientador).
150 CDD (22.ed.) UFPE (CFCH2012-56)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOCENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIAMESTRADO EM PSICOLOGIA
FAMLIA E SOFRIMENTO PSQUICO:
UM ESTUDO COM FAMILIARES DE USURIOS DE UM CAPS PRIVADO
Comisso Examinadora:
__________________________________________Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho
1 Examinador/Presidente
__________________________________________Prof. Dra. Thelma Maria GrisiVelso
2 Examinadora
__________________________________________Prof. Dra. Rosineide de Lourdes Meira Cordeiro
3 Examinadora
__________________________________________Prof. Dra. Ana Raquel Rosas Torres
4 Examinadora
Recife, 14 de fevereiro de 2012
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A todos que contriburam para odesenvolvimento desta pesquisa.
Trazendo mais conhecimento da lutado dia-a-dia.
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AGRADECIMENTOS
Em primeirssimo lugar minha famlia. Em especial a meus pais, Ftima e Ascendino,meus irmos Carolina e Eduardo, v Jovem, tia G, tio Nando, R, por terem sido toimportantes no meu caminho pessoal e profissional, que desde o comeo acreditavamem mim quando eu mesmo achava que no ia dar certo. Por todo amor e confianadepositados em mim.
A Finha e Renato por transformarem meus dias de tenso em dias to mais brilhantes eemocionantes.
A Enidja, pelo trabalho junto a mim, pela fora nos dias difceis e pela segurana nomeu caminhar.
A Pedro por ter aceitado embarcar nesse trabalho comigo, dando tanto apoio,orientao, cuidado e autonomia. Por aguentar meus desesperos e sempre me mostrarque iremos conseguir.
s professoras Thelma, Rose e Ana Raquel, por aceitarem participar dessa banca e porcontriburem com seus conhecimentos, que so to ricos para mim.
Aos professores do programa por todo ensinamento e competncia ao nos passar seusconhecimentos.
A Joo por toda ajuda e quebra-galhos durante esses dois anos
A professora Bel Pedrosa, por ter construdo um caminho seguro para seguirmos, portodo o cuidado e pelo trabalho junto a ns. Um agradecimento especial pela orientaono projeto REUNI, pela confiana do trabalho feito.
A Creuza e rika que seguraram a barra comigo no Pro-Nide, nesse tempo de bolsaREUNI, pelo trabalho duro e reconhecido que tivemos juntas.
Ao REUNI pelo financiamento desta pesquisa.
Aos amigos que fiz no mestrado: Halline, rika, Vivian, Flavinho, Bellinha e Amanda,sem vocs os dias de aula no seriam to divertidos, to enriquecedores e proveitosos.
Aos meus professores de graduao, em especial Walfrido Menezes, Fernando Lins,Ricardo Matias, Alda Batista e Vera Nogueira, por toda a fora e vibrao nessaconquista.
As minhas AMIGUAS: R, Mih, Gaby, Bel, Buka, Pri, Natynha e Juli, pelos cinco anosconvivendo dia-a-dia, durante a graduao. Pelo apoio, pela grande amizade e amorconstrudos cada vez mais.
As minhas 9, pela amizade de tantos e tantos anos. Por estarem juntas no dia em queaprendi a escrever e continuam pertinho em tantas outras conquistas.
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A professora e amiga ngela Almeida, pela sempre amizade, pela tia que sempre foi,pelo cuidado na reviso do meu resumo, pelos dias divertidssimos de frias. Na certezaque sempre terei com quem contar na psicologia e na vida.
A Abelardo, grande amigo e companheiro de vida, pela ajuda mais que especial nastradues, nos meus dias de alegria e nas nossas histria de viagens e festas.
Aos meus negos, por todos os momentos de relaxamento, diverso, companheirismo eamizades. Amigos que levo comigo sempre, em qualquer lugar.
A Berna pelos momentos de esquecer da dureza e viver dias mgicos. A ele eCatherine pelo acolhimento e diverso nas frias na Frana, desopilando esses dois anosde mestrado.
A Julia Raquel por, mesmo longe fisicamente, ser uma das mais prximas. Pela ajudanesses dois anos de mestrado, pelos cascudos, dias de praia, carnaval, samba, reggae ecerveja. Por uma amizade to rara.
A Bi, por todo amor, desde to pequenas. Com a certeza que no estarei nunca sozinha.
A turma da especializao em Arteterapia por ter dividido momentos to emocionantes,coloridos. Pelas histrias, amizade e pacincia comigo, sabendo que no era fcil levar omestrado e a especializao juntos.
A Moa que segurou comigo trs meses de estgio da especializao em Arteterapia, emum momento to difcil de finalizao do mestrado. Que dividiu sentimentos to fortes,histria de dor e de renascimento. E que se tornou no s companheiro de estgio, masum amigo importantssimo nesses ltimos tempos. Na certeza que construiremos outrosmomentos to emocionantes quanto esse nosso primeiro grande trabalho juntos.
Ao grupo de estgio do COTEL que trouxe um equilbrio enorme nesse momento definalizao da dissertao. Pelo carinho, pela arte e pela transformao que sustentaramtoda essa minha histria. A todo o crescimento que eles me trouxeram. E emoo. Porme mostrarem a fora e competncia que tenho. Por ter me transformado.
Ao CAPS Casa Forte e por todas as pessoas que ganhei l dentro, por ter aberto asportas e pela confiana no meu trabalho de pesquisa do mestrado e, sobretudo, pelaminha formao como psicloga e pessoa. Por me fazer acreditar num trabalho maishumanizado e justo nos servios de sade mental.
A Cris Lopes pela superviso, orientao, carinho, amizade e companheirismo. Por terme conquistado e ser uma das grandes referncias de psicloga que eu tenho, e demulher guerreira. O meu maior sorriso e carinho. Pela sua importncia desde a poca daminha graduao e, principalmente, pela minha formao no eterno momento de ps-graduao. Pela certeza de que com ela estaremos sempre em boas mos.
Aos meus companheiros de viagem das frias de finalizao de mestrado. Por estaremcomigo no momento to importante de trabalho, estresse, relaxamento e descanso.
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S se pode viver perto de outro, econhecer outra pessoa, sem perigo
de dio, se a gente tem amor.Qualquer amor j um pouquinhode sade, um descanso na loucura.
(Joo Guimares Rosa, excerto deGrande Serto: Veredas, 1956).
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RESUMO
Com a Reforma Psiquitrica, ocorreram muitas modificaes no mbito da sademental. Uma delas foi a criao de servios substitutivos, como o caso dos CAPS.Outra dessas mudanas a reinsero dessas pessoas com sofrimento psquico no meiofamiliar. Os CAPS tem como um de seus objetivos reconstruir e estreitar esses laos.No entanto, a Reforma Psiquitrica e suas implicaes nem sempre so bem quistaspelas famlias, e essa questo que este trabalho se props investigar: como a relaofamlia e sofrimento psquico em discursos de familiares de usurios de um CAPS dacidade do Recife. Para isso realizamos, durante o perodo de maro a setembro, umgrupo focal e entrevistas narrativas com quatro familiares, cada um deles representantede um usurio do CAPS Casa Forte. Os usurios estavam em tratamento na instituio etinham histrico de internamento em clnica/hospital fechado. importante ressaltarque o CAPS em questo particular e os sujeitos da pesquisa pertencem classe mdiabrasileira e possuem segundo grau completo. Para analisar os discursos construdospelos sujeitos e seus efeitos, utilizamos a anlise de discurso, da Psicologia SocialDiscursiva. Apesar dos entrevistados usarem termos e expresses prximos quelesusados na literatura da Reforma Psiquitrica, eles colocam a pessoa em sofrimentopsquico como incapaz, sem autonomia e sem responsabilidade pelos seus atos.Constatamos tambm, que os sujeitos entrevistados descrevem a dinmica familiarcomo muito penosa e responsabilizam, explicitamente ou implicitamente, o membro dafamlia com sofrimento psquico por esse clima familiar. Nas suas construesdiscursivas, os familiares colocam o CAPS como um lugar que alivia a sobrecarga dafamlia causada pelo sofrimento psquico. Um lugar de ocupao e lazer para osusurios. Colocando, do outro lado, as clnicas particulares como lugar desumano, quetransformam seus familiares em seres inanimados, sem vida. Observamos que, apesardos familiares entrevistados terem um conhecimento dos princpios e valores veiculadospela Reforma Psiquitrica, eles trazem no seu discurso dificuldades de aceitao dosofrimento psquico, ora por desconhecer profundamente o sofrimento, ora peladificuldade em lidar com o comportamento de seus familiares. Observamos, portanto, aimportncia dos servios substitutivos, nesse caso os CAPS, em estimular cada vez maisa famlia no tratamento psiquitrico, promovendo atividades na instituio que visamestreitar ainda mais os laos ainda existentes das famlias.
Palavras-chave: reforma psiquitrica; CAPS; famlia; psicologia discursiva
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ABSTRACT
With the Psychiatric Reform, there were many changes in mental health. One of themwas the creation of substitute services, such as Psychosocial Care Centers. Anotherchange was the reintegration of these people with psychological distress within theirfamily. One of the Psychosocial Care Centers goals is to rebuild and strengthen theseties. However, the Psychiatric Reform and its implications are not always well-liked byfamilies and that is the question this study proposes to investigate: how is the familiarrelationship and psychological distress in speeches of a family of Psychosocial CareCenters users in Recife. To achieve this, it was done, from March to September, focusgroup reunions and interviews with four family, each of them representative of one CasaForte CAPS user. The users who were in treatment at the institution had a history ofhospitalization and clinic/hospital closed. The Psychosocial Care Center in question is aprivate institution and the researched subjects belong to the Brazilian middle class andhave completed high school. To analyze the discourses constructed by the subjects andtheir effects, we used discourse analysis, Discursive Social Psychology. Despite the useof terms and expressions closed to those used in Psychiatric Reforms literature, theyplace a person in psychological distress as incapable, without discretion and withoutliability for their actions. We also note that the subjects described the family dynamicsand atmosphere as very painful and responsible, explicitly or implicitly, with a familymember with psychological distress. In its discursive constructions, the family put thePsychosocial Care Center as a place that relieves the burden of the family caused bypsychological distress, a place of occupation and recreation for users. On the other hand,they point private clinics as inhuman place that transform their relatives negatively. Wenote that, despite having interviewed families that are conscious of principles and valuesconveyed by the Psychiatric Reform, they show in their speech the difficulties to dealwith psychological distress. Therefore, the importance of substitute services, in whichcase the Psychosocial Care Center, encouraging a bigger participation of family inpsychiatric care, promoting activities in the institution aimed at strengthening furtherthe bonds of the remaining families.
Key-words: psychiatric reform; psychosocial care center; family; discursivepsychology
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SUMRIO
INTRODUO .............................................................................................................. 10
2 A LOUCURA NO MUNDO OCIDENTAL E A REFORMA PSIQUITRICA. 192.1 A Loucura no Mundo Ocidental................................................................................. 192.2 A Reforma Psiquitrica .............................................................................................. 232.3 Desinstitucionalizao e Desospitalizao ................................................................. 282.4 Os CAPS..................................................................................................................... 30
3. CONVERSANDO SOBRE FAMLIAS ................................................................... 363.1 Famlias e suas transformaes .................................................................................. 363.2 Famlia e sofrimento psquico .................................................................................... 42
4. PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA .................................................................. 494.1 As Bases Epistemolgicas da Anlise de Discurso.................................................... 494.2 Bases Epistemolgicas e Tericas da Psicologia Social Discursiva ........................ 534.3 A Linguagem e a Anlise do Discurso...................................................................... 56
5.1 MTODO.................................................................................................................. 645.1 Participantes ............................................................................................................... 655.2 Instrumentos ............................................................................................................... 655.3 Procedimentos ............................................................................................................ 675.4 Procedimentos de anlise dos dados........................................................................... 70
6. CONSTRUINDO O SOFRIMENTO PSQUICO................................................... 726.1 A mobilizao das categorias ..................................................................................... 726.2 Descries................................................................................................................... 786.3 Explicaes................................................................................................................. 80
7. O SOFRIMENTO PSQUICOE AS RELAES FAMILIARES............................................................................... 857.1 O Impacto do sofrimento psquico nas Relaes Familiares...................................... 857.2 O Papel da Famlia ..................................................................................................... 90
8. FAMLIA E INSTITUIES PSIQUITRICAS.................................................. 968.1 As instituies como lugar de ocupao .................................................................... 968.2 A instituio como lugar de ateno e cuidados aos usurios.................................... 998.3 O objetivo das instituies psiquitricas ....................................................................104
CONSIDERAES FINAIS.........................................................................................107
REFENCIAS
APNDICE A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDOAPNDICE B: ROTEIRO DO GRUPO FOCALAPNDICE C: ROTEIRO DA ENTREVISTA NARRATIVA
ANEXO 1: CARTA DE ANUNCIA
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INTRODUO
No penltimo ano do curso de Psicologia, entrei em um CAPS particular de
Recife, o CAPS Casa Forte, para um novo e grande desafio: trabalhar como estagiria
no mbito da sade mental. Apesar de termos aulas ao longo dos cinco anos de curso a
respeito de transtornos mentais, observei na prtica que apenas aulas tericas no do
conta de todo o universo que compe a vida de pessoas com sofrimentos psquicos, suas
dificuldades, sofrimentos, tratamentos, busca por sade, a atuao complexa e os
inmeros papis que o profissional de Psicologia precisa exercer.
Nesse perodo, pude me deparar com questes que as teorias no comportam
nem trazem numa listagem dizendo o que fazer e como fazer em cada caso. Os
supervisores do CAPS Casa Forte estimulam os estudantes a acompanharem de forma
profunda o tratamento e ter autonomia para intervir. Para tal, os estudantes so
submetidos a supervises e grupo de estudo, sendo possvel, assim, um trabalho mais
rico e mais prximo aos usurios e s famlias. Um trabalho prazeroso, de muitas
recompensas, mas de muitas dificuldades e sofrimentos, que no circulavam apenas
entre os usurios, mas em ns que fazamos parte da equipe, em mim como estudante de
Psicologia e como uma pessoa preocupada com a sade em geral.
Durante os 18 meses em que estagiei no CAPS Casa Forte, estgio que se iniciou
como extra-curricular e seguiu como curricular, pude desempenhar inmeras atividades,
tais como acompanhar oficinas teraputicas, coordenar oficinas teraputicas, realizar
atendimentos individuais, co-facilitar grupos teraputicos, acompanhar um projeto
especial. Alm de coordenar, juntamente com a assistente social, reunies de famlia e
encontros de famlia e usurio. As atividades oferecidas aos usurios so bastante
diversificadas. Pude acompanhar oficinas de teatro, capoeira, culinria, sonhos, pintura,
jornal, jardinagem.
Paralelamente a algumas atividades que eu podia facilitar, acompanhava, desde
o incio do estgio, juntamente com a assistente social, as reunies de famlia que
ocorriam numa sala fechada da prpria instituio. As reunies consistiam em conversas
de orientao, tirar dvidas e conversas breves com troca de informaes. Cada famlia
falava de maneira breve e ouvia um pouco o que a equipe estava observando no dia-a-
dia do usurio dentro da instituio. As falas eram anotadas mediante a autorizao e
explicao sobre o sigilo delas. No final das reunies, cada familiar assinava em baixo
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da fala, autorizando sua publicao para fins acadmicos.
Alm das reunies de famlia, o CAPS Casa Forte tem na sua grade de
atividades os Encontros de Famlia e Usurios. Nesses encontros, a equipe utilizava a
tarde da ltima quinta-feira do ms para receber os participantes e promover um
trabalho ldico, mas com temticas importantes para serem discutidas com todos
presentes. Utilizando tcnicas da arteterapia, como contao de histrias, produo a
partir de material plstico e rodas de conversas no inicio e no final de todas as
atividades, abordvamos as mais diferentes questes: relaes familiares, vida social,
medicamentos, unio, o prprio tratamento transtorno mental, etc.
Essas atividades tinham como objetivo trazer as famlias para uma participao
mais afetiva e efetiva no tratamento de seus familiares usurios do CAPS. Esta proposta
estava em consonncia com os princpios da Reforma Psiquitrica, para a qual os
servios substitutivos deveriam contar com as famlias no tratamento dos usurios.
A forma de tratamento no CAPS Casa Forte semelhante a de um CAPS da rede
pblica, embora seja vinculado a planos de sade e no ao SUS. Possui, assim como os
CAPS da rede pblica, a filosofia de:
rever as relaes internas de poder, a incluso social do usurio,utilizar recursos da comunidade, envolver familiares no tratamento,trabalhando para a autonomia do sujeito. Assim, no contexto de umCAPS, o papel dos profissionais e sua ao diria prevem mudanade postura e adaptao contnua s diferentes demandas e situaes(ABUHAB; SANTOS; MESSENBERG; FONSECA; ARANHA eSILVA, 2005, p. 370).
Foi a partir desse estgio e das atividades que exercia que comecei a me
interessar profundamente pelo papel da famlia nas novas formas de tratamento de
sofrimento psquico colocadas em prtica no contexto da reforma psiquitrica.
Participei nesse tempo de um Grupo de Estudo, fornecido pelo prprio CAPS
Casa Forte, dentro do referencial terico analtico junguiano, focando nas questes que
apareciam no dia-a-dia do servio e abordando, tambm, questes da Reforma
Psiquitrica e os trabalhos da Dra. Nise da Silveira.
O CAPS Casa Forte foi fundado em janeiro de 2002, e tinha por finalidade
receber para tratamento em formato de hospital-dia um pblico com diagnstico de
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neurose grave. Aps alguns anos de funcionamento, foi ampliado e passou a receber
usurios com diagnstico de psicose, passando, assim, a aumentar tambm sua estrutura
fsica. Atualmente, possui duas estruturas, uma que oferece tratamento para neurose
grave e para pessoas com problemas com lcool e drogas, e outra estrutura que recebe
pessoas com psicose. So duas casas muito prximas, que possuem a mesma equipe
tcnica. So interdependentes e trabalham na mesma perspectiva, por meio de oficinas
teraputicas, tratamento psicoterpico individual e grupal, atendimento corporal,
atendimento psiquitrico, acompanhamento e orientao familiar, assistncia domiciliar.
Conta, portanto, com uma equipe multidisciplinar composta por psiquiatras, psiclogos,
assistentes sociais, tcnicas de enfermagem, arteterapeutas e terapeutas corporais.
L so realizadas reunies de equipe semanais a fim de discutir o tratamento e
casos clnicos de seus usurios, avaliar os quadros clnicos e realizar possveis
encaminhamentos. Ainda, promove reunies quinzenais de orientao grupal s famlias
e, quando necessrio, so realizadas reunies individuais com essas famlias.
O CAPS Casa Forte trabalha numa perspectiva de promover a autonomia de seus
usurios, tendo em vista o usurio como sujeito e protagonista do tratamento e de sua
vida social. Outro importante objetivo o de aproximar a famlia do tratamento e t-la
como aliada, atravs das atividades j mencionadas acima.
A falta de informao, os preconceitos, as palavras rudes, a falta de cuidado
dessas famlias para com seus parentes usurios do CAPS Casa Forte me assustaram e,
para ser sincera, assustam at hoje, mas no me paralisaram. O susto diante de tantos
discursos pesados e negativos vindos de mes, pais, irmos, sobrinhos, tios, filhos,
pessoas prximas, despertou-me para a necessidade de trabalhar prximo aos familiares,
procurando entender um pouco do cotidiano em que vivem e estudar como eu poderia
atuar como profissional nesse aspecto to sensvel e importante.
A Reforma Psiquitrica, que vem ganhando cada vez mais fora na sociedade,
embora ainda seja um assunto to polmico, luta para romper com a imagem do louco
violento, sem direitos, incapaz, instaurado pela psiquiatria clssica. Dessa forma, d-se
lugar ao portador de sofrimento psquico, sujeito de direitos e protagonista da sua vida
(AMARANTE, 2004; 2007). O termo sofrimento psquico estar sendo utilizado na
presente pesquisa pelo motivo aqui justificado. Para Amarante (2007):
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O colocar entre parnteses a doena mental, no significa a suanegao no sentido de negao de que exista algo que produza dor,sofrimento, mal-estar, mas a recusa aceitao da completacapacidade do saber psiquitrico em explicar e compreender ofenmeno loucura /sofrimento psquico, assim reduzindo o conceitode loucura (p. 65).
Tambm intercalo com o termo Transtorno mental, inclusive presente no ttulo,
utilizando o termo presente no tipo de CAPS que estou pesquisando, que denominado
CAPS transtorno.
Na psiquiatria tradicional a famlia era vista como nociva ao tratamento das
pessoas com sofrimento psquico. J os defensores da Reforma Psiquitrica no Brasil
falam da necessidade de trazer de volta para o espao familiar os pacientes dos antigos
hospitais (SCHRANK & OLSCHOWSKY, 2008).
A partir da Reforma, a famlia passa a ser vista como parte fundamental no
processo do tratamento de pessoas com sofrimento psquico, razo pela qual os servios
substitutivos tm como um de seus principais objetivos promover espaos em sua grade
de atividades que sejam direcionados para a interao e a orientao da famlia em
relao ao tratamento (MELMAN, 2008). Essas instituies tentam, assim, resgatar e
fortalecer os laos familiares que elas acreditam ser importantes para um bom
prognstico de seus usurios.
importante destacar, porm, que muitas so as famlias que no aceitam esse
processo de desinstituicionalizao e, por consequncia, a volta das pessoas com
sofrimento psquico para o seio familiar (SCHRANK & OLSCHOWSKY, 2008).
Observa-se a existncia de lacunas entre a expectativa da equipe profissional com
relao s famlias e a forma como essas mesmas famlias so implicadas nesse
processo. Muitas famlias sentem um misto de constrangimento e culpa em relao ao
familiar com sofrimento psquico. Os sentimentos de constrangimento e culpa muitas
vezes no so considerados pelos profissionais de sade mental.
Gonalves e Sena (2001) observaram em suas pesquisas que as famlias
descrevem os cuidados com pessoas com sofrimento psquico como uma tarefa difcil,
seja por motivo econmico, seja pela organizao do tempo na rotina diria, seja por
dificuldades de ordem afetiva.
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Melman (2008) afirma tambm que a famlia constri um ideal de filho e de um
membro da famlia que exclui qualquer anormalidade fsica ou mental. Ao receberem a
notcia de alguma patologia, esse ideal rompido gerando sentimentos de frustrao e
culpa. No caso do sofrimento psquico, esses sentimentos so potencializados.
Na presente pesquisa, trabalhamos com familiares de classe mdia alta. Ainda
que tenhamos levantado diversos trabalhos sobre famlia e sofrimento psquico na
literatura especializada da rea, tivemos muita dificuldade em encontrar artigos,
dissertaes, teses e livros que abordassem o segmento social aqui estudado.
H algumas dcadas, a classe mdia tem crescido consideravelmente, sendo este
o mais importante fenmeno ocorrente de cunho social e econmico da histria atual.
Um dos motivos para ocorrer este fator foi a extraordinria prosperidade da economia
mundial nos 20 anos que antecederam a crise de 2008-2009 (SOUZA &
LAMOUNIER, 2010, p.1). Este acontecimento fez com que a desigualdade de renda
diminusse em pases como a China, ndia e Brasil. Com isso surgiu o que ficou
denominado de nova classe mdia.
Em pesquisas, Souza e Lamounier (2010) apontam que Nancy Byrdsal estima
que a classe mdia brasileira hoje seja de aproximadamente 30% da populao,
percentual considervel se comparado com pases com a renda per capita semelhante,
porm muito inferior aos pases desenvolvidos.
A sociologia usa dois conceitos antagnicos para definir classe social. Um
conceito marxista:
Um grupo estruturalmente bem delimitado, consciente de si e dotadode estilos de vida, padres de comportamento e projetos de sociedadediferenciados em relao a grupos similares, ou seja, s demais classes(SOUZA & LAMOUNIER, 2010, p. 14)
No entanto, esta definio, segundo a literatura internacional, dificilmente
corresponde ao fenmeno no mundo atual.
A outra definio de classe a de Weber que prope que traz como classe:
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Caractersticas objetivamente mensurveis, como a educao, a rendae a ocupao, entendidas como atributos individuais, deixando emsuspenso a questo da conscincia de classe (SOUZA &LAMOUNIER, 2010, p. 13)
Sobre classe mdia, Souza e Lamounier (2010) sugerem que para se traar
definies sobre ela seja a partir de uma pesquisa emprica, levando em considerao
que as definies a respeito de valores e crenas variam de acordo com os anos, j o que
tange a cultura e a moral, esses permanecem estveis.
Ser de classe mdia significa valorizar a competio e o mrito, orespeito liberdade individual e a igualdade perante a lei maisdemocrtica e aberta a processos graduais de mudana, a classe mdiatambm tende a ser mais avessa a riscos e a reagir conservadoramentesempre que se sente ameaada (SOUZA & LAMOUNIER, 2010, p.16)
Os autores se propuseram pesquisar sobre esses valores e crenas que compem
a classe mdia atualmente. A primeira fase da pesquisa foi questionar aos entrevistados
que classe social eles pertenciam. Na segunda etapa, os entrevistadores apresentavam
uma lista para respostas estimuladas.
Na pesquisa, 42% dos entrevistados se identificaram como classe mdia nas
respostas espontneas e 43% quando estimulados.
Quando usado o critrio de renda familiar, a classe mdia baixa se afunilou. J
no critrio da educao, h um equilbrio maior, aumentando o tamanho da classe mdia
e da classe trabalhadora, diminuindo a classe baixa.
Em outra fase da pesquisa, os entrevistados mencionaram os fatores mais
importantes que definiam a classe mdia.
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Na acepo mais comum entre eles, a classe mdia inclui todos os quej conquistaram um patamar confortvel de renda e que, embora notenham acesso ao padro de vida da classe alta, podem desfrutarpadres elevados de habitao, consumo e lazer (SOUZA &LAMOUNIER, 2010, p. 21)
Para 93% e 92% dos participantes da pesquisa, vida estvel e casa prpria so
essencial ou muito importante, respectivamente, para definir a classe mdia
brasileira.
Em seguida aparece educao universitria e profisso de prestigio com 87% e
85%, respectivamente.
Renda alta (80%), lazer e diverso (80%) e boas escolas (77%) entraram em
terceiro lugar. A renda alta foi apontada mais vezes pelos entrevistados das classes
econmicas mais baixas (83%).
O lazer e a diverso foram apontados por 82% da classe mdia e 76% das classes
trabalhadora e baixa.
No que diz respeito s boas escolas, as classes trabalhadora e baixa aparecem
como as classes que mais apontam como importante tal fator (81%) e 72% so de classe
mdia. No que se refere educao, a porcentagem semelhante entre 78% dos
entrevistados que possuem nvel fundamental e 71% que possuem diploma
universitrio.
Nos depoimentos obtidos pela pesquisa qualitativa, no entanto, aclasse mdia identificada no apenas pela posse de bens materiais epor empregos capazes de assegurar um estilo de vida estvel esustentvel tranqilidade e um bom ambiente familiar, mas tambmpor apresentar maior escolaridade e por esposar valores positivos,como esperana, esprito de luta e ambio de crescer e progredir(SOUZA & LAMOUNIER, 2010, p. 24)
Na presente pesquisa, ns triamos os sujeitos para, no que diz respeito classe
social, j que tnhamos como critrio famlias de classe mdia, a partir do documento de
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admisso do familiar usurio no CAPS, onde contm informaes bsicas e necessrias
para enquadrarmos nesta classe social, escolaridade e por obterem plano de sade que
cobre o tratamento dos seus familiares na instituio.
Pela dificuldade no achado de pesquisas com esse pblico, considerarmos a
relevncia dessa pesquisa que se prope a investigar os discursos de familiares de classe
mdia, que tm parentes em tratamento no nico CAPS particular do Brasil, sobre as
suas relaes, e da famlia como um todo, com esses parentes e com a instituio que os
recebe para tratamento. Os resultados podero auxiliar novas pesquisas que objetivem
comparar os discursos de familiares da rede particular e os discursos de familiares que
frequentam CAPS de rede pblica.
Na presente pesquisa adotamos o referencial terico de Souza e Lamounier
(2010) para definirmos a classe mdia brasileira. Para esses autores, o que define a
classe social so fundamentalmente os valores e as crenas. Para eles, as pessoas de
classe mdia valorizam a competitividade, o mrito, a liberdade individual, a igualdade,
e a democracia. Alm disso, reagem de modo mais conservador a quaisquer ameaas e
riscos.
Foi, portanto, a partir da minha experincia com famlias do CAPS Casa Forte e
do contato com a literatura sobre a Reforma Psiquitrica e como elas impactaram as
relaes familiares no que tange participao efetiva da famlia no tratamento de
sofrimento psquico que foi pensada essa pesquisa. Algumas questes nortearam a
presente pesquisa: como essas famlias participam do tratamento dos seus familiares
usurios do CAPS Casa Forte? Existe mesmo uma participao? Como elas veem o
papel delas nesse servio em prol de seu familiar? Qual o significado de sofrimento
psquico construdo por essas famlias? Como elas descrevem as suas relaes
familiares aps a descoberta de um membro da famlia com sofrimento psquico?
Dessa forma, esta pesquisa teve o seguinte objetivo geral: identificar e analisar
as produes discursivas de familiares de usurios de um CAPS particular de
sofrimento psquico, para pblico de classe mdia, sobre a presena da famlia no
tratamento de pessoas com sofrimento psquico. Os objetivos especficos so os
seguintes: analisar o significado dos sofrimento psquico para as famlias; compreender
a experincia das famlias com a pessoa com sofrimento psquico a partir dos seus
prprios relatos; compreender o significado atribudo aos servios substitutivos, no caso
o CAPS, e ao papel das famlias nesse espao de tratamento.
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O relato da pesquisa supracitada est organizado da seguinte forma nos captulos
que descrevemos a seguir. No primeiro captulo apresentamos uma explanao breve
sobre os significados dos sofrimento psquico em diferentes pocas chegando at a
Reforma Psiquiatra e os servios substitutivos. Em seguida, no segundo captulo,
discorremos sobre a famlia, a famlia de classe mdia e a famlia de pessoas com
sofrimento psquico. No terceiro captulo, apresentamos a Psicologia Social Discursiva,
teoria adotada para fundamentar a anlise e interpretao dos dados apresentada nos
captulos cinco, seis e sete. No quarto captulo delineamos o mtodo utilizado para a
gerao e anlise dos dados da pesquisa. Nos trs captulos finais, apresentamos e
discutimos os dados obtidos a partir de grupo focal e entrevistas individuais com quatro
familiares de usurios do CAPS Casa Forte.
No primeiro captulo de anlise, discutimos definies, descries e explicaes
produzidas pelos familiares participantes desta pesquisa quando falam dos sofrimento
psquico e das pessoas classificadas como pessoas com sofrimento psquico.
No segundo captulo analtico, so apresentados e discutidos os discursos desses
familiares sobre o impacto que os sofrimento psquico tm nas relaes familiares e o
papel do familiar no tratamento.
No terceiro e ltimo captulo analtico, so apresentados e discutidos os relatos
dos participantes da pesquisa sobre as clnicas psiquitricas, CAPS e tratamentos pelos
quais seus familiares passaram. Nas consideraes finais, fazemos algumas reflexes
sobre o conjunto dos resultados.
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2 A LOUCURA NO MUNDO OCIDENTAL E A REFORMA PSIQUITRICA
O presente captulo tem como objetivo trazer uma explanao sobre a histria do
sofrimento psquico, antes tratado como loucura, os significados, as causas e os tipos de
tratamento que esto relacionados a ela desde os tempos mais remotos e,
consequentemente, compreender as mudanas ocorridas, o porqu da luta por uma
sociedade sem manicmios e onde entra a famlia nesse processo.
2.1 A Loucura no Mundo Ocidental
A loucura um fenmeno presente na histria desde o surgimento do homem
(PACHECO, 2009) e, ao longo dos sculos, em diferentes contextos histricos, tem se
apresentado com diferentes significados, recebido diferentes olhares e formas de cura
diferenciadas.
Na Antiguidade, a loucura era considerada como superior ao autocontrole e
como expresso divina (PACHECO, 2009, p. 44). Essa forma de conceituar a loucura
vista tambm em Scrates (469399 a.C.), considerado o pai da Filosofia e apontado
por Plato (427-347 a.C.) como o mdico da alma, provavelmente, por ter usado a
Filosofia para transformar a cidade a partir do desenvolvimento da razo do homem. As
ideias de Scrates comearam a instaurar na sociedade a relao da responsabilidade
pessoal com a racionalidade. No entanto, Scrates ainda defendia a loucura como
expresso dos deuses (PACHECO, 2009). Por estar associada s interferncias divinas,
a loucura no estava sujeita a nenhum estigma e a cura era atribuda a prticas que
atingissem os deuses, tal como as oferendas, e no os homens, os loucos (DE TILIO,
2007).
Anos mais tarde, surge a concepo organicista de Hipcrates (460 370 a.C.)
que considera as causas da loucura, como de outras doenas, como naturais. Hipcrates
propunha uma ruptura entre a natureza e o organismo, na medida em que defendia a
ideia de que a sade era o resultado da relao do homem com o ambiente natural do
qual faz parte. Para ele, o equilbrio do organismo se dava a partir do funcionamento de
quatro humores presentes no corpo humano que so: o sangue, a blis negra, a blis
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amarela e a fleuma. E a partir do desequilbrio destes que as doenas surgem,
inclusive a loucura. Nesse momento, segundo De Tilio (2007), as prticas de cura
estavam relacionadas ao equilbrio destes humores com o meio externo
Sculos mais tarde, no Cristianismo, a viso da loucura como uma expresso
divina desaparece. No sculo I d.C em Roma, o Cristianismo foi ganhando fora e se
espalhando pelo mundo como a verdade absoluta. Nesse perodo a loucura passa a ser
vista como uma expresso demonaca e a sua cura dissociada dos saberes mdicos,
sendo, portanto, da alada da f e da crena, e assim, a cura se dava atravs de rituais,
preces, exorcismo. Esta ideologia referente loucura que colocava o homem em um
lugar de passividade se perpetuou at o Sculo XVII (DE TILIO 2007).
Nesta mesma poca, na Idade Mdia, a lepra era o grande mal da sociedade,
associada ao pecado, prostituio, era tida como castigo divino. As ideias sobre essa
doena fez com que as pessoas que a portavam fossem excludas da sociedade (CIRILO
& OLIVEIRA FILHO, 2008), e essas excluses eram vistas como uma forma de
salvao. No entanto, com o fim das Cruzadas se deu tambm o fim dos focos de
infeco, fazendo com que os casos de lepra fossem diminuindo. E a loucura apresenta-
se nesse contexto como sendo o novo mal da sociedade.
A ideia da loucura como expresso demonaca, como era caracterizada nessa
fase da Idade Mdia, s foi quebrada no Renascimento, em meados do Sculo XV,
quando h a passagem do pensamento teocntrico para o antropocntrico, um
pensamento que tem o prprio homem como elemento central, que cultuava o
racionalismo cientfico, e que definia a loucura como:
perda da razo, da vontade, do livre-arbtrio e como desajuste damoral (leso do intelecto e da vontade) (DE TILIO, 2007, p. 3).
O final do Renascimento , portanto, marcado pela valorizao do homem
provido de razo, assim, as pessoas que no se encaixava nesse perfil eram excludas da
sociedade.
a loucura vista atravs da perspectiva que situa a razo comonormativa. a partir da que a loucura ganha seus contornos e seuexlio (SANDER, 2010, p. 383).
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Os loucos comeam a ser ento uma questo de cunho social e, juntamente com
mendigos, ladres, prostitutas, e todos os que ameaavam a ordem social da poca,
foram marginalizados da sociedade e enclausurados em hospitais gerais que comeam a
ser construdos para abrigar as pessoas que se distanciam do ideal de homem posto na
Idade Clssica. Estes hospitais no visavam, porm, cura, mas apenas ao
enclausuramento dessas pessoas. o perodo da Grande Internao, tal como
denominado por Foucault (2009).
A Revoluo Francesa, que deu incio Idade Contempornea, no final do
sculo XVIII, e que foi influenciada pelo movimento Iluminista, proclamava a
fraternidade, igualdade e a liberdade dos homens. Com isso, o modelo hospitalar de
enclausuramento comea a ser questionado, pois a sade passa a ser vista como
fundamental para o homem; a sade pblica passa a ser condio fundamental e comea
a ser questionado o modelo de internao e excluso (CIRILO & OLIVEIRA FILHO,
2008). Esses autores destacam os questionamentos de cunho social que comearam a ser
feitos s vsperas da Revoluo Francesa, tais como os questionamentos sobre as casas
de internamento, a partir da constatao de que elas no tinham efeitos no combate ao
desemprego e que enclausuravam mo-de-obra til no processo de industrializao.
Neste momento, a populao pobre era vista como fora de trabalho, necessria para o
desenvolvimento do Estado.
Em meio ao sculo XVIII, que Foucault (2009) apresenta em A Histria da
Loucura a partir de trechos retirados do Relatrio feito Sociedade dos Amigos (TUKE,
1973), a cura da loucura era por meio da insero do homem ao ar livre, em meio
natureza, ao descanso e ao trabalho, pois o que se achava era que a loucura:
uma doena no da natureza, nem do prprio homem, mas dasociedade; emoes, incertezas, agitao, alimentao artificial, todasestas so causas de loucura admitidas por Tuke e deuscontemporneos (FOUCAULT, 2009, p. 468)
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Em meio a esse contexto, criada a figura do mdico clnico, por Philippe Pinel
(1745 1826), considerado o pai da Psiquiatria. Pinel, mdico francs, foi de encontro
s prticas dos hospitais gerais que internavam e excluam os ditos loucos da sociedade.
Nesse perodo foi estabelecida uma autoridade poltica quase absoluta, diretamente
ligada ao poder real que visava ordem da sociedade burguesa e monrquica. Foucault
(2009) apresenta esse momento como a terceira ordem da represso, o Hospital Geral
um estranho poder que o rei estabelece entre a polcia e a justia (p. 50).
Foucault (2009) apresenta uma critica sobre o poder mdico nesse momento
histrico da instaurao dos hospitais fechados e manicmios bastante importante at
mesmo para alguns desdobramentos da Reforma Psiquitrica, fazendo uma relao entre
o mdico, aquele que detm o poder e o conhecimento, e o louco, com nfase na
loucura, o objeto a ser investigado. Desta forma, na medida em que o mdico precisa do
seu objeto de estudo, ele passa a enclausur-lo para poder observ-lo, como era feito por
Pinel. Deriva da que a doena mental seja propriedade do hospital, e que tenha como
seu guardio o mdico (SANDER, 2010, p 383).
Pinel prope, ento, vrias mudanas no que tange ao tratamento dos loucos. Ele
acreditava que soltar os loucos das correntes e celas que os prendiam, trazendo-os para
reas em que pudessem caminhar e receber banho de sol, ajudaria no processo de
melhora da confuso em que eles se encontravam, e, alm disso, se poderia observar
melhor a doena a fim de estud-la. Ele defendia a ideia de que a recuperao dos
doentes se daria a partir de uma pedagogia da cidadania, pois entendia que:
entre as causas da loucura estavam a imoralidade (excesso daspaixes), a demncia ou idiotia (fruto de leses orgnicas, disposieshereditrias e confuses dos afetos morais mais profundos),desregramentos no modo de viver e a educao corrompida(PACHECO, 2009, p. 93).
Nesse novo modelo os pacientes passavam a ser objetos de um olhar atento e
meticuloso de um novo poder. O objetivo no era o de localizar a origem da doena
mental no organismo, mas identificar sinais e sintomas percebidos nos doentes e
agrup-los. Foucault (2009) afirma que nascia com Pinel uma nova forma de
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internamento. Este internamento visava um aspecto mdico-hospitalar, de observao,
estabelecendo, assim, um dilogo entre o mdico e o louco.
entre os muros do internamento que Pinel e a psiquiatria do sculoXIX encontraro os loucos; l no nos esqueamos que eles osdeixaro, no sem antes se vangloriarem por terem-nos libertado(FOULCAULT, 2009, p. 48).
nesse momento que, paralelamente ao nascimento da psiquiatria e da presena
de Pinel, que a loucura passa a ser do mbito do direito, sendo necessria uma ordem
judiciria para o internamento do sujeito, deste modo o louco reconhecido como
sujeito de direito, o que significa que pela primeira vez o homem alienado
reconhecido como incapaz e como louco (FOUCAULT, 2009, p. 132).
Paulo Amarante (2009) apoia a crtica de Foucault (2009) ao modelo de Pinel,
destacando que esse modelo no possibilitou a:
inscrio destes em um espao de liberdade, mas, ao contrrio, funda acincia que os classifica e acorrenta como objeto desaberes/discuros/prticas atualizados na instituio da doena mental(p.26).
2.2 A Reforma Psiquitrica
Para entendermos a Reforma Psiquitrica brasileira, precisamos fazer um
percurso na histria e resgatar alguns acontecimentos bastante importantes que
ocorreram no mundo e que agiram diretamente na histria da sade mental no Brasil.
Para isso, iremos abordar dois conceitos: desinstitucionalizao e desospitalizao.
Os processos de desinstituicionalizao e desospitalizao tm origem, segundo
Barros (2008), aps a I e II Guerra Mundial, em solos europeus e americanos. Neste
momento, h uma transformao nestes locais no que se refere s responsabilidades do
Estado, pois a partir desses acontecimentos que o Estado toma-se para si a
responsabilidade dos problemas sociais.
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A assistncia que efetivou na Amrica e nos pases da EuropaOcidental possua algumas bases comuns, sendo, no entanto,diferenciadas quanto s propostas prticas que produziram (BARROS,2008, p. 171).
Na Europa, em meio reestruturao poltica, econmica, tica e institucional,
ocasionadas pelo resultado das duas Guerras Mundiais, a sociedade se voltou aos
hospitais psiquitricos com repugnncia, comparando-os aos campos de concentraes
existentes durante as guerras (BARROS, 2009).
Nos Estados Unidos, o processo encontra-se na redefinio do papel do Estado
na regulao capital-trabalho (BARROS, 2009, p.172). Essa discusso entra em cena a
partir da crise de 1929 e fortificada pelas mudanas em termos de assistncia
populao, que ocorreu na dcada de 1960, no governo de Kennedy. Essas mudanas
provocaram a reinsero dos pacientes psiquitricos na sociedade, sendo este
movimento que d origem, nos EUA, o conceito de desinstitucionalizao.
As propostas de cunho poltico e terico para o processo de
desinstitucionalizao foram vivenciadas de forma diferente. Os EUA, a Frana e a
Inglaterra optaram por uma determinada diretriz, enquanto a Itlia optou por outra, um
processo mais lento, porm com resultados mais eficazes no momento em que se
pensava na transio de hospitais psiquitricos para servios substitutivos. Os Estados
Unidos, a Frana e a Inglaterra privilegiaram:
A criao de servios de assistncias na comunidade, deslocando anfase anteriormente posta no hospital psiquitrico, cujoenfraquecimento viria como conseqncia obrigatria. Os italianosdefiniram-se por um segundo caminho, enfatizaram a necessidade dese partir do interior do manicmio, criando condies para a suadesmontagem, subvertendo sua lgica e funcionamento (BARROS,2008, p. 173).
Privilegiaremos aqui a estratgia italiana, pois foi ela que influenciou a Reforma
Psiquitrica brasileira, tendo como principal autor italiano o psiquiatra Franco Basglia,
que deu incio nos hospitais psiquitricos de Trieste e de Gorizia transformao destes
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em comunidades teraputicas. Esse processo foi a partir de um trabalho de humanizao
nestes hospitais, iniciando em Gorizia, pela denuncia e extino das violncias presentes
at ento nos hospitais psiquitricos, tais como a presena de eletrochoques, alta dose de
psicofrmacos, entre outras medidas tomadas para a conteno dos pacientes. A
desinstitucionalizao deveria, assim, concretizar-se na desconstruo do manicmio.
(BARROS, 2008, p. 175).
O processo de desinstitucionalizao no Brasil culminou, entre 2003 e 2005, na
reduo de 6227 leitos nos hospitais psiquitricos. Houve uma significante diminuio
dos leitos e uma crescente expanso no que se refere aos servios substitutivos, dentre
eles os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) (BRASIL, 2005).
A Reforma Psiquitrica parte de grandes movimentos na rea da sade brasileira
durante a dcada de 1970, com a mobilizao e denuncia das excluses que os loucos
sofriam, juntamente com os tipos de violncias e represses existentes nos hospitais
fechados. Um movimento fundamental que visava sade como direito dos seres
humanos foi a Reforma Sanitria:
A Reforma Sanitria um processo poltico institucional detransformao da conscincia sanitria e das instituies de sade nosentido de resgatar a cidadania e garantir o direito universal de sade(TEIXEIRA, 1992 apud PRANDONI & PADILHA, 2004, p. 638).
A Reforma psiquitrica foi resultado da Constituio de 1988, momento de
grande importncia na histria brasileira no que diz respeito garantia da sade como
direito do homem. A Constituio de 1988 surgiu aps longo perodo de centralizao
do poder pelo Estado, no perodo militar. Segundo Prandoni e Padilha (2004), este
perodo, curiosamente, foi tambm um marco para a psiquiatria brasileira. Na poca da
ditadura militar, houve uma expanso dos manicmios privados brasileiros e o doente
mental era visto como fonte de lucro.
Nos anos de 1980, foi criado o movimento Diretas J, a partir da luta da
populao contra a poltica instalada, a favor das eleies abertas, movimento este que
tinha como objetivo grandes transformaes na vida poltica brasileira.
Dentre as mudanas que se firmaram com a Constituio de 1988, destacam-se
as reivindicaes a favor da sade pblica a sade como um direito de todos, e que seja
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um dever do Estado essa implantao, assistncia e a articulao para que seja acessvel
a todos. Na Constituio de 1988 consta-se que:
a sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediantepolticas sociais e econmicas que visem reduo do risco dedoenas e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio saes e servios para a sua promoo, proteo e recuperao(BRASIL, 1988, p. 98)
E , portanto, nesse momento, que surge o Sistema nico de Sade, o SUS. No
ano seguinte:
d entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado PauloDelgado (PT/MG), que prope a regulamentao dos direitos dapessoa com transtornos mentais e a extino progressiva dosmanicmios no pas. o incio das lutas do movimento da ReformaPsiquitrica nos campos legislativo e normativo (BRASIL, 2005, p.7).
A Reforma Psiquitrica brasileira foi influenciada pela Lei 180, aprovada em
1978, na Itlia, por Franco Basglia, mdico psiquiatra que combateu o modelo clssico
de psiquiatria, lei esta que impede a internao involuntria de doentes mentais, que
prev os direitos e socializao desses doentes, abolindo, portanto, os manicmios.
No Brasil, integrantes do movimento sanitrio, associaes de familiares,
sindicalistas e pessoas que foram internadas por muitos anos nos hospitais psiquitricos,
passam a denunciar as violncias presentes nos manicmios. Estas pessoas formaram
um movimento chamado de Movimento dos Trabalhadores em Sade Mental (MTSM),
no ano de 1978.
, sobretudo, este Movimento, atravs de variados campos de luta,que passa a protagonizar e a construir a partir deste perodo adenncia da violncia dos manicmios, da mercantilizao daloucura, da hegemonia de uma rede privada de assistncia e aconstruir coletivamente uma critica ao chamado saber psiquitrico eao modelo hospitalocntrico na assistncia s pessoas comtranstornos mentais (BRASIL, 2005, p.7)
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A formao desse Movimento dos Trabalhadores em Sade Mental resultou na
realizao de Congressos Nacionais com o objetivo de ampliar grandes discusses em
torno da Sade Mental, como, por exemplo, o I Congresso Nacional de Trabalhadores
de Sade Mental (1978) que, segundo Jardel Sander (2010), foi um momento de
discusso e crticas em relao ao poder que o Estado exercia no mbito da sade
mental. Outro momento importante no mbito da sade foi o II Congresso Nacional de
Trabalhadores de Sade Mental, em 1986, em So Paulo, na cidade de Baur, nele
surgiu o grande movimento da luta antimanicomial, a favor da socializao das pessoas
com sofrimento psquico e culminou no Movimento Nacional da Luta Antimanicomial:
um movimento plural, independente e autnomo que mantmparcerias com outros movimentos sociais. Em sua trajetria, esteMovimento, avanou de uma posio de caractersticas detrabalhadores de sade mental, para um movimento social mais amploque visa uma interveno poltica na sociedade (PRANDONI &PADILHA, 2004, p. 634).
A lei Paulo Delgado, lei que determina a progressiva extino dos manicmios
no pas, entrou no Congresso Nacional em 1989, mas foi sancionada apenas em 2001.
A aprovao, no entanto, de um substitutivo do Projeto de Leioriginal, que traz modificaes importantes no texto normativo.Assim, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistncia em sademental, privilegiando o oferecimento de tratamento em servios embase comunitria, dispe sobre a proteo e os direitos das pessoascom transtornos mentais, mas no institui mecanismos claros para aprogressiva extino dos manicmios (BRASIL, 2005, p.8).
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Segundo o relatrio do Ministrio da Sade sobre a Reforma Psiquitrica e
Poltica de Sade Mental do Brasil do ano de 2005, foi a partir da aprovao da lei
10.216 e da III Conferncia Nacional de Sade Mental que as polticas relacionadas
sade mental e as lutas pela Reforma Psiquitrica ganham sustentao e comea a
ganhar fora. A partir de ento, o Ministrio da Sade passa a criar programas para
financiar o processo de substituio dos hospitais psiquitricos por outros servios
pblicos. Nesse momento, criado o Programa De Volta para a Casa que assegura a
desinstitucionalizao das pessoas internadas nesses hospitais.
2.3 Desinstitucionalizao e Desospitalizao
Antes de debruarmos na discusso das estratgias tomadas pelo Estado e dos
servios substitutivos, consequncias da Reforma Psiquitrica, importante
entendermos os conceitos de desinstitucionalizao e desospitalizao e o que estes tm
a ver com o histrico da sade mental, no s brasileira, mas mundial.
Segundo Luz (1987) citada por Amarante (2009), o conceito de
desinstitucionalizao no Brasil nasce em um momento em que o pas comemora o fim
da ditadura militar que esteve em cena por vinte e um anos (1964-1985). Era o
nascimento tambm de um Estado democrtico. Nesse momento, a questo do direito
sade passa a ser uma questo central.
Amarante (2009) destaca as importantes mobilizaes, tendo a sade como foco,
que culminaram nessa discusso da desinstitucionalizao. O final da dcada de 1980
foi palco para a:
8 Conferncia Nacional de Sade e da I Conferncia Nacional deSaude Mental, o II Congresso Nacional de Trabalhadores de SadeMental, tambm conhecido como o Congresso de Bauru, a criaodo primeiro Centro de Ateno Psicossocial (So Paulo), e doprimeiro Ncleo de Ateno Psicossocial (Santos), a AssociaoLoucos pela Vida (Juqueri), a apresentao do Projeto de Lei3.657/89, de autoria do deputado Paulo Delgado, ou Projeto PauloDelgado, como ficou conhecido, e a realizao da 2 ConfernciaNacional de Sade Mental (AMARANTE, 2009, p. 75).
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Amarante (2009) destaca a importncia da 8 Conferncia Nacional da Sade
como marco na discusso sobre a sade como direito a todos, como um direito
democrtico e descentralizado que deve ser promovido pelo Estado, sendo assim o
Estado deve promover polticas pblicas para atender a populao promovendo bem-
estar e qualidade de vida. Alm disso, pela primeira vez, uma discusso aberta ao
pblico, contando com a presena da populao nas tomadas de deciso.
Amarante (2009) cita Luz (1987) para afirmar tal importncia:
(...) a noo de sade tende a ser percebida como efeito real de umconjunto de condies coletivas de existncia, como expresso ativa e participativa do exerccio de direitos de cidadania, entre os quais odireito ao trabalho, ao salrio juntos, participao nas decises egesto de polticas institucionais etc. assim, a sociedade teve apossibilidade de superar politicamente a compreenso, at entovigente ou socialmente dominante, da sade como um estadobiolgico abstrato de normalidade (ou ausncia de patologias) (p. 136)
O Estado passa ento a intervir nos hospitais psiquitricos e inicia, em1990, um
trabalho de reduo de leitos e de desinstitucionalizao de pessoas internadas. Porm
s no ano de 2002 que esse processo toma fora.
No Relatrio do Ministrio da Sade do Brasil (2005) destaca-se a importncia
de olhar a cultura e ao histrico de instaurao dos hospitais psiquitricos de cada regio
do pas, pois o processo de desintitucionalizao requer:
Transformaes culturais e subjetivas na sociedade e depende sempreda pactuao das trs esferas de governo (federal, estadual emunicipal) (p. 10)
O processo de desinstitucionalizao no Brasil tem como grandes pivores os
familiares dos internos de hospitais psiquitricos, os prprios internos e trabalhadores
desses hospitais, a partir de denuncias de violncias que l eram praticadas pelos que
tinham poder e sofridas pelos pacientes.
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O processo de desinstitucionalizao no Brasil culminou, entre 2003 e 2005, na
reduo de 6227 leitos nos hospitais psiquitricos. Houve uma significante diminuio
dos leitos e uma crescente expanso no que se refere aos servios substitutivos, dentre
eles os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) (BRASIL, 2005).
2.4 Os CAPS
Os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS), que surgiram como estratgias de
desinstitucionalizao dos pacientes com doena mental, tiveram origem no Brasil no
ano de 1987, na Cidade de So Paulo. Em abril de 2001, com a Lei n 10.216, do dia 6
de Abril de 2001, a Lei da Reforma Psiquitrica, houve uma acelerao ainda maior na
troca dos antigos manicmios por lares abrigados, hospitais-dia e oficinas teraputicas.
Fernando Tenrio (2002) afirma que o projeto inicial do deputado Paulo
Delgado visava a desconstruo dos manicmios e a criao de servios substitutivos
eficazes, no entanto, a Lei da Reforma Psiquitrica que entrou em vigor no possua tal
desconstruo, mas tem:
como finalidade permanente, a reinsero social do paciente em seumeio" (art. 4, 1). Obriga ainda que o tratamento em regime deinternao contemple atendimento integral, inclusive no-mdico ecom atividades de lazer e ocupacionais (art. 4, 2), e probe ainternao em "instituies com caractersticas asilares", que definecomo aquelas "desprovidas dos recursos" mencionados anteriormente(art. 4, 3) (p. 53)
Segundo Amarante (2007), antes mesmo da Lei n 10.216 entrar em vigor, leis
municipais e estaduais foram discutidas e foram aprovadas, que agilizaram o processo
da Reforma Psiquitrica. As estaduais foram:
Lei 9.716 de 7 de agosto de 1992 (Rio Grande do Sul)
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Lei 12.151 de 29 de julho de 1993 (Cear)
Lei 11.065 de 16 de maio de 1994 (Pernambuco)
Lei 6.758 de 4 de janeiro de 1994 (Rio Grande do Norte)
Lei 11.802 de 18 de janeiro de 1995 (Minas Gerais)
Lei 11.189 de 9 de novembro de 1995 (Paran)
Lei 975 de 12 de dezembro de 1995 (Distrito Federal)
Lei 5.267 de 10 de setembro de 1996 (Esprito Santo)
importante destacarmos o trabalho da psiquitrica Nise da Silveira que, antes
mesmo de se implantar os CAPS e os Ncleos de Ateno Psicossocial NAPS, ela
fazia um trabalho semelhante s propostas atuais com pessoas recm-sadas dos
hospitais psiquitricos, no Centro Psiquitrico Nacional Pedro II, no Engenho de
Dentro, Rio de Janeiro.
O servio, no entanto, s veio a receber financiamento do Ministrio da Sade
muito tempo depois, no ano de 2002. Por CAPS entende-se as:
unidades de atendimento em sade mental que oferecem a seususurios um programa de cuidados intensivos, elaborado por umaequipe multidisciplinar (CARDOSO & SEMINOTTI, 2006, p.776)
O Relatrio do Ministrio da Sade do Brasil (2005) complementa ainda a
funo do CAPS como organizador da assistncia s pessoas com sofrimento psquico
dos municpios, pois ele tem como uma das funes:
regular a porta de entrada da rede de assistncia em sade mental nasua rea de atuao e dar suporte ateno sade mental na redebsica (p. 27).
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Alm desta, o Relatrio tambm destacar como funo desse servio o
atendimento em regime de hospital-dia, evitando assim novas internaes em hospitais
psiquitricos, promover aes que possibilitem a reinsero das pessoas com sofrimento
psquico na sociedade. Um trabalho, portanto, que venha substituir os internamentos
feitos nos hospitais psiquitricos, possibilitando que o usurio mantenha e fortalea seus
vnculos sociais e afetivos.
De fato, o CAPS o ncleo de uma nova clnica, produtora deautonomia, que convida o usurio responsabilizao e aoprotagonismo em toda a trajetria do seu tratamento (BRASIL, 2005,p. 27)
Amarante (2008) destaca os tipos de CAPS municipais existentes que se
diferenciam quanto ao seu pblico, quantidade de pessoas na regio que est localizado
ou tipo de tratamento.
O CAPS I localizado em municpios que contem entre 20.000 e 70.000
habitantes. Tem o horrio de funcionamento de segunda a sexta-feira das 8h s 18h.
O CAPS II tem o mesmo horrio de funcionamento, podendo, portanto, oferecer
em algum dia na semana um terceiro turno, se estendendo at as 21h. Eles esto
localizados em municpios que comportam entre 70.000 e 200.000 habitantes.
O CAPS III est locado em municpios com mais de 200.000 habitantes e
funcionam em regime de 24h, incluindo fins de semana e feriados. Esse tipo de CAPS
tem capacidade para atender pessoas em crise, oferecendo leitos. No entanto, se
diferencia dos hospitais psiquitricos por estarem locados em salas abertas, dando
possibilidade ao usurio de interao e comunicao com as demais pessoas ali
presentes.
O CAPSi tem o horrio de funcionamento semelhante ao do CAPS II, o pblico
que atende composto por crianas e adolescentes e atende municpios que comportam
mais de 200.000 pessoas.
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O CAPSad atende um pblico de dependncia qumica (lcool e outras drogas),
tem o horrio de funcionamento semelhante ao do CAPS II e CAPSi, e est localizado
em municpios com mais de 100.000 pessoas.
Segundo Amarante (2008), o CAPS faz parte do conjunto de servios de ateno
psicossocial criados para substituir os hospitais psiquitricos. Esses servios de ateno
psicossocial tm como alguns de seus objetivos o acolhimento de pessoas em crise e o
estabelecimento do vnculo afetivo e profissional no s com o usurio1 do servio, mas
de todas as pessoas envolvidas nesse processo, como, por exemplo, os familiares. Este
vnculo importante para que as pessoas se sintam acolhidas e cuidadas como pessoas e
no como uma doena e seus sintomas, como no modelo da psiquiatria clssica.
No contexto da ateno psicossocial, a crise psiquitrica questionada a partir
de fatores sociais, ou seja, pode ser desenvolvida por questes familiares, de amigos,
relacionamentos afetivos, de trabalho, ao contrrio do que defende a psiquiatria clssica,
que entende a crise como puramente orgnica.
No modelo clssico da psiquiatria, entende-se a crise como umasituao de grave disfuno que ocorre exclusivamente emdecorrncia da doena. Como conseqncia desta concepo, aresposta pode ser agarrar a pessoa em crise a qualquer custo; amarr-la, injetar-lhe fortes medicamentos intravenosos de ao no sistemanervoso central a fim de dop-la, aplicar-lhe eletroconvulsoterapia(ECT) ou eletrochoque, como mais conhecida pelo domnio popular(AMARANTE, 2008, p.81)
No entanto, a tarefa de desinstitucionalizar nem sempre fcil. Algumas
pessoas, por terem passando a maior parte da sua vida enclausuradas em hospitais
psiquitricos, dependentes de outras para fazer qualquer tarefa, desde as mais simples
do cotidiano, como, por exemplo, tomar banho, se alimentar, pentear o cabelo, rejeitam
a substituio para os novos servios ou no se adaptam. preciso, portanto, que esse
processo de desinstitucionalizao seja feito por uma equipe multidisciplinar que tenha
1 Termo utilizado para se referir aos clientes dos servios substitutivos em sade mental implantadoaps a legislao do SUS (leis n. 8.080/90 e 8.142/90). Ainda bastante polmico no mbito da sademental (AMARANTE, 2008).
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como foco um trabalho para desenvolver a autonomia e independncia desses usurios
(PALMEIRA, GERALDES & BEZERRA, 2009).
Para esses autores, alm do trabalho da equipe tcnica que conta com
profissionais da sade, como os mdicos, psiclogos, terapeutas ocupacionais,
enfermeiros etc., os CAPS tm como objetivo trazer para dentro do servio outros atores
sociais que aparentemente no estejam ligados ao mbito da sade, mas que interferem
e ajudam no tratamento de forma bastante positiva no que tange, por exemplo, ao
desenvolvimento de habilidades dos usurios. Desta forma, profissionais da rea de
msica, dana, pintura, teatro, esto cada vez mais fazendo parte do quadro de
funcionrios dos CAPS.
O trabalho do CAPS tem como abordagem a Reabilitao Psicossocial e, a partir
desta perspectiva, trabalha na tentativa de incluir os familiares no tratamento, pois
defende que a doena no existe por si s e no o nico foco a ser trabalhado, mas a
interao entre os membros familiares tambm um ponto a ser levado em questo e ser
cuidado por meio de psicoterapias familiares, grupos de orientao e psicoteraputicos
para estas famlias (MELMAN, 2008), tentando, assim, resgatar os laos familiares que
se acredita serem importantes no tratamento de pessoas com sofrimento psquico. A
famlia considerada como parte da equipe, por ser, como Schrank e Olschowsky
definem:
de fundamental importncia para a formao do individuo, porqueconstitui a base, o alicerce principal para o desenvolvimento humano.Embora essa seja quase sempre representada por um conjunto depessoas, ela tambm se constitui de relaes afetivas estabelecidasentre os membros sanguneos ou no (2008, p.129)
Diferentemente do que ocorria nos hospitais psiquitricos, nos servios
substitutivos a famlia vem ganhando espao no tratamento das pessoas sofrimento
psquico, e vista como de fundamental importncia para um prognstico positivo do
usurio. No entanto, estudos mostram que estas famlias possuem desconhecimentos
sobre a doena mental, e ao descreverem destacam os sintomas em situao de crise, a
periculosidade, e a incapacidade dessas pessoas (CIRILO & OLIVEIRA FILHO, 2008;
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SCHRANK & OLSCHOWSKY, 2008), discurso este que estigmatiza e exclui e
encontrado mesmo em servios substitutivos como foi constatado na pesquisa de Lvia
Sales Cirilo e Pedro de Oliveira Filho (2008) que entrevistou usurios e seus familiares
de um CAPS.
A assistncia prestada aos portadores nos mostra que os familiares queprocuram a ajuda e suporte dos servios de sade mental e de seusprofissionais, apresentam demandas das mais variadas ordens, dentreelas, a dificuldade para lidarem com as situaes de crise vividas, comos conflitos familiares emergentes, com a culpa, com o pessimismopor no conseguir ver uma sada aos problemas enfrentados, peloisolamento social a que ficam sujeitos, pelas dificuldades materiais davida cotidiana, pelas complexidades do relacionamento com o doentemental, sua expectativa frustrada de cura, bem como pelodesconhecimento da doena propriamente dita, para assinalarmos,algumas dentre tantas outras insatisfaes (COLVERO; IDE; ROLIM,2004, p. 198)
Schrank e Olschowsky (2008) reconhecem que, para ser possvel uma
participao positiva da famlia no tratamento de pessoas com sofrimento psquico,
necessria uma nova organizao familiar e aquisio de habilidades que podem, num
primeiro momento, desestruturar as atividades dirias dos familiares (p. 128).
Gonalves e Sena (2001), no entanto, apontam que a desinstitucionalizao no
bem aceita por muitas famlias, pois uma tarefa muito pesada para a mesma manter a
custdia de um doente mental, seja por dificuldades econmicas, de disponibilidade de
tempo, seja por dificuldades de ordem afetiva.
Alm disso, a famlia se constitui a partir de um ideal socialmente estabelecido
no qual a existncia dos filhos pensada, em geral, tendo como referncia um modelo
de sade fsica e mental que exclui as possibilidades de sofrimento psquico, e quando
qualquer anormalidade se apresenta rompendo tal expectativa, as famlias se sentem
responsveis, trazendo desconforto e insegurana. Estes sentimentos se agravam quando
se trata de um caso de doena mental (MELMAN, 2008).
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3. CONVERSANDO SOBRE FAMLIAS
Antes de discutirmos a insero da famlia em servios substitutivos e, mais
ainda, antes de entendermos essa dificuldade que a famlia sente em lidar com o
sofrimento psquico e em aceitar a Reforma Psiquitrica, como bem mostra Melman
(2008), importante compreendermos o conceito de famlia, quais as caractersticas
dessa famlia que estamos pesquisando e quem so as famlias inseridas no contexto de
servios substitutivos, particularmente no CAPS.
3.1 Famlias e suas transformaes
Falar em famlia no to simples. Estudar a famlia estudar a cultura, a
histria, a poca, os aspectos econmicos e sociais nos quais cada famlia se encontra.
falar em famlias, no plural, visto que o sentido de famlia socialmente construdo, no
predominando apenas um sentido (SANTOS & OLIVEIRA, 2005). O que se chama de
famlia pode variar em diferentes sociedades e em momento histricos diversos
No livro Histria Social da Criana e da Famlia (ARIS, 1981), o autor
destaca caractersticas de vrias pocas da histria, que repercutiam, inclusive, na forma
como as pessoas se organizavam e educavam seus filhos, e como foi sendo
paulatinamente construdo o sentimento de famlia que est relacionado ao
aparecimento do sentimento de infncia.
O autor tambm apresenta alguns fatores que contriburam para o aparecimento
do sentimento de famlia, intimidade e privacidade, e destaca o surgimento da escola
como um evento fundamental neste processo. O modo como as famlias educavam suas
crianas tambm mudou. A famlia passa a fazer parte desta educao, se aproximando
das crianas e tem seus costumes mudados e voltados para a criana. Explicar melhor.
Detalhar.
Na Inglaterra, as famlias medievais tinham o costume de manter seus filhos em
casa at por volta dos sete anos de idade, aps essa idade, as famlias enviavam seus
filhos, tanto meninas quanto meninos, s casas de outras pessoas. L elas faziam as
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tarefas domsticas, com o objetivo de que seus filhos aprendessem boas maneiras
(ARS, 1981, p.226).
Nesse perodo da histria no havia a instituio escola; a educao era realizada
em casa ou na casa de outras pessoas. As crianas, as aprendizes, como eram
conhecidas, passavam um perodo de sete a nove anos na casa dessas outras pessoas.
A famlia no podia portanto, nessa poca, alimentar um sentimentoexistencial profundo entre pais e filhos. Isso no significava que ospais no amassem seus filhos: eles se ocupavam de suas crianasmenos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham, do que pelacontribuio que essas crianas podiam trazer obra comum, aoestabelecimento da famlia. A famlia era uma realidade moral esocial, mais do que sentimental (ARIS, 1981, p.231)
Uma mudana sutil e lenta foi ocorrendo aps a Idade Mdia, a presena da
escola na educao das crianas. No incio, nem todos tiverem acesso escola; as
meninas continuaram sendo educadas pelos antigos costumes e apenas os meninos da
camada mdia saram das casas de pessoas e foram educados nas escolas.
essa evoluo correspondeu a uma necessidade nova de rigor moral daparte dos educadores, a uma preocupao de isolar a juventude domundo sujo dos adultos para mant-la na inocncia primitiva, a umdesejo de trein-la para melhor resistir s tentaes dos adultos. Masela correspondeu tambm a uma preocupao dos pais de vigiar seusfilhos mais de perto, de ficar mais perto deles e de no abandon-losmais, mesmo temporariamente, aos cuidados de outra famlia (ARIS,1981, p. 232)
Segundo Melman (2006), a presena do mdico higienista tambm causou certas
mudanas na vida das famlias a partir do sculo XVIII. Antes disso, a sexualidade no
era uma questo tratada pela medicina. Inicialmente, essas intervenes mdicas eram
limitadas s questes da amamentao, trabalhando com mulheres que se recusavam a
amamentar os filhos, e s questes de masturbao. Com isso, os mdicos tomam
espao no convvio familiar a partir de orientaes, aconselhamentos e intervenes. No
sculo seguinte, os mdicos passam a lanar livros de baixo custo e com uma linguagem
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fcil de ser entendida pela populao a respeito de prevenes de doenas sociais, dando
uma ateno em questes sexuais, focando, ento, em questes sanitaristas.
Os higienistas, dessa maneira, conseguiram tornar a sexualidadequesto de interesse social do Estado, passando por cima do arbtrioda famlia, da moral e da Igreja. Aps ter comeado a disciplinar oscorpos, a medicina passou a almejar, tambm, regulamentar as uniesentre homens e mulheres, e os vnculos entre pais e filhos (MELMAN,2006, p.47)
Ao se referir s famlias no Brasil, Jurandir Costa (1979) demonstra a
interveno mdico-estatal no processo de mudana de dois elementos importantes na
vida da populao brasileira: a casa e a intimidade:
A casa teve seu perfil arquitetnico modificado, sobretudo paraaumentar o intercambio entre o ambiente domstico e o meiosocial. A intimidade transformou-se para permitir um fluxoafetivo mais livre entre os prprios membros da famlia (p.79)
O autor, em seu livro Ordem Mdica e Norma Familiar, apresenta a estrutura
das casas de meados do sculo XIX para explicar sua influencia na vida das famlias da
poca, ou como a estrutura familiar influenciava nas estruturas imobilirias, e as
mudanas que ocorreram no que tange a intimidade familiar.
A varanda ou a sala de viver, como eram conhecidos os aposentos de estar em
casa, eram construdos nos fundos da casa, de forma que mantivessem um isolamento
do meio social (COSTA, 1979).
O autor tambm ressalta a diferena da ocupao do estar em casa dos homens e
mulheres. Aos homens cabia ocupar seu tempo nas ruas; s mulheres, cabia ficar nos
interiores da casa, ociosas ou ocupadas em alguma atividade domstica.
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O estar da famlia colonial, portanto, regulava-se pela distinosocial do papel do homem e da mulher e pela natureza das atividadesdomsticas (COSTA, 1979, p.82)
Outra caracterstica descrita por Jurandir Costa (1979) das casas do perodo
colonial diz respeito sua ornamentao e aos utenslios. Em sua maioria, os utenslios
necessrios para as famlias eram fabricados por elas mesmas em sua residncia, alm
disso, a decorao e os mveis quase no existiam nas casas da poca. Para isso havia
algumas explicaes. Os homens no valorizam os lazeres domsticos, os objetos de
ornamentao eram importados e, dessa forma, caros, devido ao atraso tcnico e
econmico do momento. Alm desses fatores:
a negligncia do conforto domstico revelava o desprestigio,quando no a completa ausncia, do sentimento de intimidadeou privacidade familiar (COSTA, 1979, p.86)
Segundo Costa (1979), o avano na indstria de material de construo e
hidrulico contribuiu no processo de mudana da estrutura familiar. Esses avanos
modificaram a estrutura do interior das residncias e trouxeram as ornamentaes, os
mveis e a diminuio no nmero dos serviais e liberou espaos para os moveis, antes
reservados circulao de pessoas (p.86).
Dessa forma, com menos serviais em casa, o sentimento de privacidade passa a
fazer parte das famlias coloniais, os pais e filhos passam a valorizar mais suas relaes
e intimidades, porm ainda resumida aos pais, mes e filhos (COSTA, 1979).
Jurandir Costa (1979) tambm destaca o amor entre pais e filhos como
responsvel pela unio familiar.
No entanto, o que no se sabe se sempre existiu o sentimento de intimidade no
que se refere s famlias brasileiras, porm tendo ou no existido anteriormente, suas
manifestaes at comeos do sculo XIX foram extremamente rarefeitas (COSTA,
1979, p.87) e este sentimento foi valorizado e estimulado pelos mdicos e pela
medicina.
So essas mudanas ocorridas nas famlias brasileiras o surgimento da escola, do
sentimento de infncia e intimidade, que Szymansky (1995 apud SANTOS &
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OLIVEIRA, 2005) acredita serem responsveis pelo surgimento da famlia nuclear
burguesa:
O modelo de famlia nuclear burguesa passa, ento, a ser o modelo dereferncia no qual se ancora a representao social que se tem hoje defamlia. A famlia nuclear burguesa naturalizada como se fosse onico modelo existente (p.52)
A famlia nuclear, composta por pai, me e muitos filhos, foi o modelo de
famlia que predominou entre as dcadas de 1920 e 1940. A famlia moderna, como
ficou conhecida, era estruturada a partir da hierarquizao e as tarefas eram divididas a
partir da noo de gnero (VAITSMAN, 1994; VIEIRA, 1998; ALMEIDA, 1987, apud
DESSEN, 2010). No entanto, tal formao familiar foi se modificando, e na dcada de
1950, j havia uma predominncia de uma famlia com menos filhos, alm de uma
subordinao econmica e afetiva dos filhos e da esposa em relao ao pai (GALANO,
200; MONTEIRO, 1998 apud DESSEN, 2010).
Dessen (2010) apresenta um questionrio elaborado por Pasquali (1980) sobre o
que se entendia por Pai Ideal, com jovens universitrios da dcada anterior, 1970. Em
sua maioria esses jovens tinham os pais casados e a me exercia tarefas domsticas. A
partir da aplicao do questionrio, o autor concluiu que:
o pai ideal apresenta uma figura bastante complexa, integrandosimultaneamente, e em alto grau, valores pessoais deconhecimento e domnio sobre a natureza bem como de valoresde relacionamento humano que fazem dele o amigo respeitadore protetor da pessoa humana. Nesse contexto no entra odomnio sobre os outros seres humano (autoridade) como umvalor desejvel num pai ideal. (PASQUALI, 1980, p. 184 apudDESSEN, 2010, p. 205 )
J por me ideal entendiam:
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um ser humano dotado de habilidade intelectual, de ao,realismo e autoconfiana. Uma me, enfim, representando umapessoa que se define em seus prprios termos de ser racional ede ao (homem racional e homo faber), e no em termos de suafuno procriadora. (Pasquali, 1980, p. 188 apud DESSEN,2010, p. 205)
Dessen (2010) aponta em seus estudos, que o que mudou nesses 30 anos que se
passaram foi em relao ao papel da me, deste modo toda a dinmica familiar foi
afetada, havendo um estreitamento e flexibilidade da hierarquia familiar e uma maior
igualdade entre os papeis de pai e de me.
A autora ainda aponta que fatores encontrados como fundamentais para uma
relao familiar, na pesquisa de Pasquali (1980), ainda apresentada por Dessen (2010),
ainda predominam em nossos dias. So eles: intimidade, proteo, autoridade, realismo,
sabedoria, dinamismo e ao, poder e feminilidade. E a palavra intimidade foi posta
como de fundamental importncia para a caracterizao de um pai ideal, assim como
esteve presente ao definirem famlia (DESSEN, 2010).
Martins e Szymanki (2004) elaboraram uma pesquisa com crianas
institucionalizadas, especificamente na Febem, na cidade de So Paulo. A pesquisa se
tratava do significado de famlia para estas crianas. Para a coleta dos dados, elas
fizeram uma observao em uma situao de brincadeira das crianas na instituio.
Elas observaram que a famlia que foi representada na brincadeira de faz-de-conta pelas
crianas foi bem parecida com o modelo de famlia nuclear, na qual havia o pai, a me e
os filhos.
Na brincadeira havia o pai e a me que casaram para constituir uma famlia e
estes personagens tinham alguns privilgios em relao aos outros que faziam o papel
de filhos. O pai era o provedor, trabalhava fora de casa para sustentar a famlia, e a me,
assim como as outras mulheres representadas na brincadeira, tinha o dever de cuidar dos
filhos e da casa. Esse esteretipo de me bastante encontrado nas famlias brasileiras.
A famlia representada pelas crianas:
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verdadeiramente um grupo de convivncia especial, que respeitauma hierarquia, organiza rotinas, ajuda-se mutuamente, comunica-se de forma clara e diverte-se com os companheiros, demonstrandoprazer em viver este faz-de-conta to real, o que, para essas crianas,significa possibilidades de experimentar uma vida familiarharmoniosa (MARTINS & SZYMANKI, 2004, p. 182)
Na brincadeira do faz-de-conta, as crianas trouxeram em suas representaes o
cuidado e a proteo dos pais para com as crianas. Alm de a criana que estava
representando a me trazer tal comportamento, as outras crianas que estavam
participando da brincadeira se relacionavam e cuidavam de suas bonecas da mesma
forma que a criana que estava representando a me, foi um comportamento que se
repetiu entre as meninas.
As autoras lembram que, em contexto de brincadeira, as crianas representam
papeis do cotidiano que fazem parte da sua vivncia, e tambm trazem na brincadeira
questes que acham importantes no contexto interacional. A famlia representada pelas
crianas foi a do modelo que atualmente , no mundo ocidental, socialmente aceito e
esperado, da famlia harmoniosa, que se ajuda, que juntos resolvem seus conflitos, que
compartilham vrias situaes. So as famlias que costumamos ver em novelas,
revistas e propagandas como o modelo de famlia ideal. Uma famlia carregada de afeto.
3.2 Famlia e sofrimento psquico
Procurar conhecer o significado de famlia nas sociedades ocidentais, conhecer a
histria e o lugar social desta instituio, os processos e as mudanas que culminaram
para o que hoje entendemos como famlia nuclear burguesa pode nos ajudar a analisar a
dinmica familiar e compreender discursos dos familiares frente doena mental.
A famlia atualmente idealizada, discutida acima, a que representada por pai
e me trabalhadores e poucos filhos, saudveis, excluindo qualquer possibilidade de
doena fsica e mental. Alm disso, a famlia bastante valorizada na nossa sociedade e
bastante cobrada, sendo responsvel por qualquer ocorrncia que a envolva. Neste
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sentido, Melman (2008), apresenta uma discusso a respeito do sentimento de culpa
gerado pelo sofrimento psquico na maioria das famlias por ele estudadas. Esse
sentimento de culpa, o autor traz como mais presente da parte dos pais em relao ao
filho que apresenta o sofrimento psquico.
No seu livro Famlia e Doena mental: repensando a relao entre profissionais
de sade e familiares, Melman apresenta alguns discursos de alguns de seus clientes
que passaram pela experincia do sofrimento psquico na famlia.
Um de seus clientes nomeado de Cristovo, preservando a sua identidade, e
traz a experincia de ter um filho com o diagnostico de sofrimento psquico. Seu filho
passou por algumas internaes e Cristovo afirma no discurso que, ao descobrir a
doena do filho, sua vida passou por uma grande mudana, precisando passar por uma
srie de readaptaes, mas tambm de muito aprendizado. Conversou com algumas
famlias e percebeu que muito de seus sentimentos eram compartilhados por elas.
Para ilustrar, trago um trecho da fala de Cristovo apresentada por Melman
(2008):
No comeo, s confuso, a gente fica totalmente perdido, no sabe oque fazer, onde procurar ajuda. Eu no tinha maturidade para encararum problema desse tamanho (...) Alm disso, tem essa histria deculpa. No primeiro momento, a gente se sente to culpado. A gentecomea at a inventar coisa para se culpar. Parece que a famlia nopode sair impune (p. 34)
Melman (2008) afirma que muitos pais tem dificuldade em lidar com o
sofrimento psquico, sentindo-se incapazes de ajudar. Dessa forma, muitos procuram
ajuda mdica tentando buscar sentidos e respostas para o seu sofrimento (p. 19), e se
dizem inseguros quanto aos sentimentos em relao ao filho em questo.
Esses sentimentos de insegurana e incapacidade permeiam as famlias, mesmo
as que no possuem um familiar com o sofrimento psquico, pois h uma expectativa de
filhos saudveis, capazes de entrar para o mercado de trabalho e conseguir lidar com a
sociedade, mas esses sentimentos se potencializam frente ao diagnostico do sofrimento
psquico, diz o autor.
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Um discurso bastante presente dos familiares que passam por esse tipo de
experincia, o da mudana um tanto radical na dinmica familiar e so trazidos por
Melman (2008) atravs de alguns clientes, como, por exemplo, o discurso de Joo
depois que sua esposa apresentou sintomas de sofrimento psquico mental:
(...) tive de aprender a cozinhar, a lavar e passar, a arrumar a casa, eisso mexeu com a minha cabea. Eu tinha de administrar as minhasidias seno ficava doido (...) se eu no fizesse alguma coisa, iriaperecer e iriam perecer comigo os meus filhos...Foi um horror: o queeu fazia era comprar po e leite para das s crianas. Eu ia fazer umarroz e saa tudo errado. At que aos poucos a gente vai aprendendo(p. 29)
Melman (2008) enfatiza em seu texto a vergonha e a rejeio que circulam na
experincia do modelo de homem que se idealiza atualmente, o homem que tem suas
faculdades mentais preservadas, afastando qualquer possibilidade de irracionalidade.
Em decorrncia desta valorizao do racional, possvel encontrar famlias que se
sentem envergonhadas e at mesmo negam a presena de algum membro da famlia
com o diagnostico de sofrimento psquico.
As relaes da famlia com familiares portadores de sofrimento psquico j
foram bem mais difceis. Se antes as instituies psiquitricas acreditavam que a
presena da famlia era prejudicial no tratamento do sofrimento psquico, com a
Reforma Psiquitrica, esse pensamento mudou radicalmente. Nos servios que vieram
substituir as internaes em hospitais psiquitricos, como, por exemplo, no CAPS, as
famlias fazem parte do tratamento e so trabalhadas nestes servios para que se unam
equipe tcnica da instituio, fazendo parte dela,