FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZAunigrande.edu.br/wp-content/uploads/2019/03/...O último...
Transcript of FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZAunigrande.edu.br/wp-content/uploads/2019/03/...O último...
FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA
REVISTA PERSPECTIVA JURÍDICA FGF
Revista Científica do Curso de Direito da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza
Revista Perspectiva Jurídica FGF /Faculdade Integrada da Grande Fortaleza. V. 1, N. 8, Jul.
/Dez. 2014.
Fortaleza – Ceará 2014
Publicação Semestral
ISSN 1809-9459
1. Periódico científico – Faculdade Integrada da Grande Fortaleza. 2. Artigos diversos. 3.
Faculdade Integrada da Grande Fortaleza
Endereço:
REVISTA PERSPECTIVA JURÍDICA FGF
FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA
CEUDESP - Centro de Educação Universitário e Desenvolvimento Profissional LTDA
Av. Porto Velho, 401 - João XXIII- Fortaleza/CE - CEP: 60.525-571.
Tel. +55 (85) 3299-9900 / Fax. +55 (85) 3496-4384 /
Email: [email protected]
Expediente
Mantenedora
Centro de Educação Universitária e Desenvolvimento Profissional – CEUDESP
Eng. José Liberato Barrozo Filho - Diretor Administrativo Financeiro
Eng. Julio Pinto Neto – Diretor de Infra-estrutura
Eng. Adolfo Marinho – Diretor de Expansão
Mantida
Faculdade Integrada da Grande Fortaleza - FGF
Eng. José Liberato Barrozo Filho - Diretor Geral
Prof. Ms. Paulo Roberto de C. Nogueira – Diretor Acadêmico
Marina Abifadel Barrozo - Diretora Administrativa
Paulo Roberto Melo de Castro Nogueira – Diretor Acadêmico
Editorial Milena Marcintha Alves Braz (FGF)
Conselho Editorial
Alexandre Carneiro de Souza (FGF / FARIAS BRITO)
Antonia Ieda de Souza Prado (FGF / UFC VIRTUAL)
Carlos César Rocha Mazza (FGF)
Casemiro de Medeiros Campos (FAP)
José Alexandre de Sousa Junior (FGF)
Milena Marcintha Alves Braz (FGF)
Francisco Alves (FGF / UNICE)
Carlos Eduardo Barbosa Paz (DPU/ UNIFOR)
Editora Maria Coeli Saraiva Rodrigues
José Rogério Viana de Oliveira
Revisão Técnica Damião Carlos Nobre Jucá
Projeto Gráfico
Capa
Márlon Silveira Oliveira
Diagramação
Maria Coeli Saraiva Rodrigues
Rogério Viana de Oliveira
� As ideias e opiniões emitidas nos artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo,
necessariamente, as opiniões do editor e, ou, da FGF – Faculdade Integrada da Grande Fortaleza.
Seções Editorial....................................................................................................................
01
Artigos Prejuízos da proteção processual do estado a si próprio – Vinícius Paiva Martins e Layer Leorne Mendes Júnior................................................................................
04
Atuação de ofício do magistrado no sistema acusatório – Antônio Ivo Pereira Lima e Celso Cosme Salgado...................................................................................
26
A legitimidade na lavratura do termo circunstanciado de ocorrência pela polícia militar no estado do Ceará – José Armando Pereira Ferreira e Maria Lucia Falcão
46
Do concurso material de delitos: porte ilegal de arma de fogo e receptação – Antônio Evandro de Oliveira e João Celso de Castro Moura...................................
66
A utilização da parceria público-privada (PPP) no sistema prisional brasileiro – José Augusto Abreu Sousa e Luís Otávio Franco Martins.......................................
84
A redução da maioridade penal – Henrique Freitas Damasceno e Pedro Valter Leal...........................................................................................................................
103
S
U
M
Á
R
I
O
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
1
EDITORIAL
Dando continuidade a árdua e necessária tarefa de produção e divulgação do
conhecimento científico publicamos mais uma edição da Revista Perspectiva Jurídica do
Curso de Direito da FGF.
Os artigos aqui apresentados versam sobre variadas temáticas das Ciências
Jurídicas sempre na busca por uma reflexão sobre assuntos atuais e relevantes para a
sociedade. Nesta edição, 2014.2, apresentamos os seguintes trabalhos: na seara do Direito
Constitucional “Prejuízos da proteção processual do Estado a si próprio” dos autores
Vinícius Paiva Martins e Layer Leorne Mendes Júnior. O trabalho aborda o tema da
superproteção do Estado a si mesmo em suas relações processuais buscando um
entendimento sobre as prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública quando
esta integra a lide, bem como suas razões e o possível ferimento ao princípio
constitucional da igualdade.
Na esfera do Direito Penal apresentamos o trabalho “Atuação de ofício do
magistrado no sistema acusatório” dos autores Antônio Ivo Pereira Lima e Celso Cosme
Salgado. O artigo versa sobre aspectos legais e constitucionais da atuação de ofício do
magistrado no sistema acusatório. Ainda nesta área de estudo temos “A legitimidade na
lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Polícia Militar no Estado do
Ceará” de autoria de José Armando Pereira Ferreira e Maria Lucia Falcão Nascimento. O
texto trata sobre a discussão em torno das atribuições das polícias militar e civil que são
órgãos do Estado incumbidos constitucionalmente de preservar a ordem pública, de
proteger as pessoas e o patrimônio da Nação, bem como de realizar a investigação e
repressão dos crimes com vistas a conter a violência. Os autores evocam o §5º do art. 144
da Constituição Federal, de 1988 que trata das competências da polícia militar para
problematizar sobre a possibilidade desta corporação exercer outras atividades como, por
exemplo, a lavratura dos Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO’s).
Ainda na esfera do Direito Penal temos “Do concurso material de delitos: porte
ilegal de arma de fogo e receptação” de Antônio Evandro de Oliveira e João Celso de
Castro Moura. O trabalho problematiza acerca da aplicação ou não do concurso material
de delitos entre o porte ilegal de arma de fogo (artigo 14 da lei 10.826/2003) e a
receptação. A escolha do tema deu-se pela grande quantidade de indiciados por porte
ilegal de arma de fogo que não respondem, no mesmo processo, também pela receptação
da arma, ou seja, quando a aquisição da arma de fogo é feita de forma ilícita.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
2
“A utilização da Parceria Público-Privada (PPP) no sistema prisional brasileiro”
dos autores José Augusto Abreu Sousa e Luís Otávio Franco Martins faz uma reflexão na
área do Direito Administrativo. O trabalho aborda a Parceria Público-Privada (PPP) no
sistema prisional brasileiro e tem como premissa a afirmação de que o investimento em
infraestrutura no país encontra obstáculo na inércia da capacidade do Estado em
disponibilizar à população obras e equipamentos necessários ao bem-estar social. Diante
do exposto, o objetivo geral desta pesquisa é investigar a eficácia da parceria público-
privada no sistema prisional brasileiro.
O último artigo desta edição trata de um tema polêmico e de bastante publicidade
na atualidade, “A redução da maioridade penal” dos autores Henrique Freitas Damasceno
e Pedro Valter Leal. O trabalho analisa a ilegalidade da redução da maioridade penal
brasileira, no aspecto puramente jurídico-constitucional. Os autores apontam os principais
argumentos doutrinários acerca da redução da maioridade penal defendendo que a
inimputabilidade penal seja considerada cláusula pétrea, impossibilitando tal alteração.
Por fim, desejamos que as produções apresentadas nesta Revista, contribuam para o
desenvolvimento do debate sobre os temas jurídicos.
Profa Dra Milena Marcintha Alves Braz
Editora Científica Revista Perspectiva Jurídica da FGF
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
3
ARTIGOS
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
4
PREJUÍZOS DA PROTEÇÃO PROCESSUAL DO ESTADO A SI PRÓPRIO
Vinícius Paiva Martins Aluno do curso de Direito na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Layer Leorne Mendes Júnior Professor Especialista do curso de Direito na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected]
RESUMO: O presente artigo aborda o tema da superproteção do Estado a si mesmo em suas relações processuais. Objetiva-se avaliar as prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública quando esta integra a lide, bem como suas razões e o possível ferimento ao princípio constitucional da igualdade. Obtendo-se como resultado, sérios prejuízos para os cidadãos que se aventuram na tentativa de receber a justa prestação jurisdicional em ações contra o Estado e os prejuízos financeiros gerados nos cofres públicos que afetam a coletividade. Assim, doutrinadores travam acirradas discussões sobre a constitucionalidade das diferenças de tratamento processual dispensado à Fazenda, principalmente pelo fato de a maioria das normas protetoras terem sido estabelecidas em governos ditatoriais. O novo CPC tenta trazer algumas soluções para esta problemática que se expressa de forma bastante complexa, visto que são várias as suas causas geradoras. Por isso, o tema precisa de um estudo crítico.
Palavras-chave: Superproteção, Processuais, Fazenda Pública, Igualdade, Prejuízos.
ABSTRACT: This research paper addresses the issue of overprotection of the State itself in its procedural relationships. Objective is to evaluate the procedural prerogatives granted to the Treasury when it integrates the deal, as well as their reasons and possible injury to the constitutional principle of equality. Obtaining as a result, serious damage to citizens who venture in an attempt to receive fair adjudication in actions against the state and the financial losses generated in the public coffers that affect the community. Thus, scholars waging heated arguments on the constitutionality of procedural differences in treatment accorded to the Treasury, mainly because most protective standards have been established in dictatorships. The new CPC tries to bring some solutions to this problem that is expressed in a very complex way, since they are generating their various causes. Therefore, the issue needs a critical study. Keywords: Overprotection, Procedural, Treasury, Equality, Damage.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
5
1 INTRODUÇÃO
Onde existir seres humanos se
relacionando, haverá conflitos, e é nesse
contexto que o direito ao longo dos
séculos vem tentando regra normas que
gerencie o comportamento das pessoas em
seu convívio em comunidade. O homem
abriu mão de sua “liberdade” dando ao
Estado o poder de tomar para si suas
dores, resolvendo da maneira mais justa.
O ordenamento jurídico brasileiro
garante que todos podem ter acesso à
tutela jurisdicional; que todos são iguais
perante a lei e que para o Estado agir em
defesa dos direitos e garantias individuais
deve ser provocado. Porem mesmo com
um normativo tão bem elaborado, a nossa
justiça é morosa e se agrava ainda mais
quando a parte reclamada é o próprio
Estado.
O Estado que era para defender os
direitos de seus cidadãos, muitas vezes
tem lesado tais direitos e na hora de
ressarci os danos, sempre se esquiva da
responsabilidade. Os prazos processuais
para o Estado são maiores em relação à de
uma pessoa comum; o Estado propaga a
conciliação de conflitos como solução
alternativa, mas ele mesmo não se
interessa em conciliar quando está como
réu; e sem falar da remessa necessária que
obriga automaticamente ações contra o
Estado o duplo grau de jurisdição mesmo
sem ser recorrido. Por isso, no senso
comum já se fala que “a pessoa morre e
não recebe o ressarcimento de seu direito
lesado”, o que leva a se pensar bastante
antes de entrar com uma ação contra o
Estado.
O objetivo geral deste trabalho é
investigar os danos causados ao povo
brasileiro pelo Estado devido sua proteção
exagerada a si mesmo em todas as formas
processuais, identificando seus
pressupostos e motivos.
Já os objetivos específicos são:
Analisar as causas dessa superproteção,
suas consequências materiais aos cidadãos
e ao próprio Estado, verificar se há
motivos em pleno século XXI dessas
barreiras jurídicas, estudar quem é o
verdadeiro hipossuficiente dessa relação e
o ferimento do princípio da igualdade.
A metodologia utilizada foi de
pesquisa bibliográfica e documental,
através da análise da literatura já publicada
em forma de livros, revistas, publicações
avulsas e imprensa escrita, bem como
pesquisa a leis, normas, pesquisas on-line,
dentre outros que tratam sobre o tema.
Finalmente, nas considerações
finais foram apresentadas as conclusões
correspondentes aos objetivos propostos
no inicio do trabalho.
21
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
6
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA
BRASILEIRA
Todos os anos, milhares de pessoas
procuram a tutela jurisdicional por terem
sido lesadas em seus direitos e a maioria
reclama da morosidade do sistema
processual. Ações que possuem todos os
requisitos para terminarem rapidamente,
por causa de tantos recursos acabam se
prolongando por anos, causando desgaste
emocional e material tanto para o
particular como para o Estado.
Para tentar amenizar essa demora,
foram criados os juizados especiais pela
lei Federal n.º 9.099, de 26 de
setembro de 1995 para demandas cujo
valor não ultrapasse a 20 salários mínimos.
Outra vantagem é a gratuidade do primeiro
grau de jurisdição, ou seja, não precisar
desembolsar nenhum centavo de custas
judiciais e ainda a assistência de um
advogado é facultativa. Mesmo assim, a
justiça brasileira ainda é muito lenta e o
problema se agrava ainda mais quando a
parte reclamada é o próprio estado,
criando-se inclusive um provérbio popular
de que “a pessoa morre e não vê a justiça
sendo feita”.
Na maioria das vezes, o estrago é
maior exatamente para os cidadãos que
cumprem a lei. A morosidade favorece
quem está na ilegalidade, por exemplo,
podemos citar a venda de produtos piratas
e a adulteração de combustíveis que são
algumas das áreas que usam a chamada
‘indústria de liminares’ com a entrada
incessante de recursos na Justiça para
continuar operando à margem da lei.
É preciso desobstruir o Judiciário,
fazer valer as decisões tomadas por
tribunais inferiores e simplificar as leis.
(ZANELLA, 2002, p. 40) "Uma Justiça
morosa é uma Justiça que privilegia quem
não tem razão. Uma Justiça justa,
conforme estabelecido na Constituição
Federal, é uma Justiça que seja célere,
rápida e eficaz", constata o ministro do
STJ, João Otávio de Noronha.
José Renato Nalini comenta o
assunto da seguinte forma (LIMA, 2005,
p. 35): “[...] que havia um decreto de
Carlos Magno autorizando o litigante, a
quem o juiz não provesse logo com a
sentença, transportar-se para a casa do
magistrado, passando a viver à custa deste
até que o feito tivesse seguimento”.
Ironizando o tema em seu artigo ainda
completa (LIMA, 2005, p. 35): “se esse
decreto existisse hoje, certamente não
haveria cômodos nas casas dos juízes para
tanta gente. Não é incomum encontrar
processos com mais de dez anos de
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
7
tramitação, às vezes sem qualquer decisão
de primeiro grau.”.
As frequentes alterações da
legislação infraconstitucional emperram a
máquina judiciária está centrada no
elevadíssimo número de recursos
disponíveis, sendo relevante ressaltar que
o Poder Público é quem mais se favorece
de tal fato. Grande parte dos recursos que
tramitam no Judiciário envolve interesses
da Administração Pública. Os supostos
benefícios decorrentes com a interposição
de recursos por parte da Administração
Pública são centrados notoriamente na
morosidade do Judiciário, uma vez que na
busca de adiar os pagamentos devidos aos
seus credores procura “empurrar o caso
com a barriga”.
Morosidade da justiça estimula a
autotutela para a solução dos conflitos
apresentados, promovendo a perda de
direitos e a desordem social. Seguindo a
mesma linha de raciocínio, não é demais
dizer que a demora na entrega da prestação
jurisdicional é fator responsável por
afastar as pessoas do Poder Judiciário,
indo, pois, em desencontro com o direito
do acesso à Justiça.
2.1.1 Ferimento de Princípios
No âmbito constitucional, o retardo
da prestação jurisdicional fere
abruptamente o princípio da igualdade, o
qual nos ensina que todos são iguais
perante a lei, e, em decorrência, o
princípio da isonomia, que consiste em
tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais (conforme
Aristóteles). Não raras vezes também
presenciamos “acordos” desvantajosos ou
indesejados pela parte mais desfavorecida.
Nos ensinamentos de Celso Antônio
Bandeira de Melo (1998, p. 9), o preceito
da igualdade é um mandamento voltado
para o aplicador da lei e também para o
próprio legislador, que registra seu
pensamento da seguinte forma (MELO
2005, p. 10):
A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.
Expressamente, não encontramos o
princípio da razoabilidade na Constituição,
entretanto este fato não nos permite inferir
esteja o mesmo ausente do nosso sistema
constitucional, ao contrário, podemos
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
8
verificar sua existência implícita em
diversos textos de nossa Carta.
Sobre os precatórios onde pode
receber em 10 anos A Emenda
Constitucional nº 30, de 13/09/2000 agride
a moralidade pública e consagra a
ineficiência da Administração na solução
de seus débitos, em tempo razoável, com
afronta a princípios do artigo 37, caput, da
Carta Magna, anulando, assim, a garantia
individual do pleno acesso à justiça efetiva
(CF, art. 5º, XXXV) e, por isso, esbarra na
norma proibitiva do parágrafo 4º, inciso
IV, do artigo 60, da Constituição da
República Federativa do Brasil.
O Estado, por meio de seus órgãos
específicos para a aplicação do Direito,
não tem apenas o dever de prestar a
atividade jurisdicional, devendo executá-la
com eficiência e celeridade. O que na
prática não ocorre quando nos deparamos
com a precária estrutura do Poder
Judiciário.
2.1.2 Ineficiência da Justiça
Fazendo uma cosmovisão da
justiça brasileira, o TJRS é o mais
eficiente entre tribunais estaduais do país,
aponta pesquisa feita em 2012. O Tribunal
gaúcho destaca-se na gestão de despesas e
receitas, pessoal, litigiosidade e
produtividade conforme apontado pelo
IDJus, Índice de Desempenho da Justiça,
pois obteve 69 pontos, em uma escala de 0
a 100, ficando em primeiro lugar no
ranking. Vale lembrar que o acesso à
justiça pressupõe não apenas o ingresso,
mas também a utilidade deste.
O Ceará está entre os estados com
maior morosidade processual possuindo
um Número de processos por juiz que
supera a média nacional. Para se ter uma
ideia do problema, De acordo com o
presidente da ACM, a média de processos
por juiz de primeiro grau ao ano no Ceará
é similar à nacional e com casos
alarmantes, como a 3ª Vara de Maracanaú,
com 21.390 processos (junho/2014), mais
de três vezes a média nacional, que é de
5,6 mil processos por juiz de primeiro grau
ao ano, dado do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).
O Estado precisa aparelhar o
Judiciário para em tempo hábil dirimir as
questões decorrentes de tais mudanças.
Essa atualização tecnológica deve ser
abrangente e não apenas se concentrar nas
capitais e nos grandes fóruns. Ha falta de
gerenciamento do Poder Judiciário,
refletindo, principalmente, na elaboração
dos atos judiciais, onde simples equívocos
no nome das partes e nos seus respectivos
endereços fazem com que o processo se
atrase meses e meses.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
9
Não foi a toa que Amaral (2003, p.
34) escreveu:
Quanto à outra causa da morosidade da Justiça brasileira (estadual e federal, em todos os graus de jurisdição), a gerencial, temos que a gestão da máquina
judicial ainda é pouco profissional e pontuada por clientelismo e nepotismo (até concursado para porteiro é requisitado para gabinetes).É preciso uma nova e moderna cultura gerencial. Hospitais e escolas já dispõem de administradores profissionais de nível superior. Ora, magistrados não devem perder tempo com a gestão de meios. [...] O problema não se resume à reforma de leis e não há de melhorar o suficiente somente com o aumento de verbas. Não. Trata-se, isso sim, de reforma sistêmica, superação de certas concepções.
O processo judicial por sua
natureza é burocrático, porém há sem
duvidas, problemas estruturais que causam
a morosidade do aparelho judiciário.
2.2 O ESTADO COMO LITIGANTE
O Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) realizou um estudo dos cem
maiores litigantes do Brasil, e chegou à
conclusão que o poder público é
responsável por mais de 20% dos
processos existentes no país. O campeão é
o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), com 22,3% das ações dos cem
maiores litigantes nacionais. A Caixa
Econômica Federal ficou em segundo
lugar, com 8,5% e a Fazenda Nacional
ocupou a terceira posição, com 7,7% das
demandas. Na sequência está o Banco do
Brasil e o Banco Bradesco.
No que se refere aos Tribunais
Superiores, o setor público é responsável
por nada menos que 90% dos processos
em tramitação. O primeiro colocado é o
Poder Executivo Federal, que representa
67% das ações, e dentre os doze maiores
litigantes, dez são estatais. São eles: a
Caixa Econômica Federal (CEF), a União,
o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), o Estado de São Paulo, o Banco
Central, o Estado do Rio Grande do Sul, o
município de São Paulo, a Telemar Norte
Leste S/A, o Banco do Brasil e o estado de
Minas Gerais. Há prejuízos ate no
crescimento econômico do país devido as
grandes perdas do erário publico e ainda
gera insegurança jurídica.
O Poder Público faz notadamente
uso indevido dos recursos do Poder
Executivo. Por exemplo, analisados os
recursos extraordinários e agravos de
instrumentos protocolados no STF entre 1º
de janeiro de 2002 e 30 de junho de 2004,
constatou-se que, de fato, o poder público
é o grande litigante. Os sete maiores
usuários do Supremo são órgãos do
Executivo. Quem deveria dar o exemplo é
o primeiro a emperrar a Justiça com
recursos e, como se não bastasse, a valer-
se, depois de transitada em julgado a
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
10
sentença, da interminável fila dos
precatórios.
Antônio de Pádua Ribeiro há época
ministro do Superior Tribunal de Justiça,
em entrevista à revista Consulex (1998, p.
07), enfatizou:
[...] O Estado aposta nas deficiências e nos problemas do Poder Judiciário para postergar direitos e para negar benefícios aos cidadãos, principalmente os mais carentes e mais desprotegidos. [...] Os sucessivos pacotes econômicos, com sua imensa carga de antijuridicidade e de violenta subversão dos contratos e dos direitos dos cidadãos, respondem, também, por um número expressivo dessa carga.
A Advocacia-Geral da União é a
instituição que, diretamente ou através de
órgão vinculado, representa a União,
judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe,
nos termos da lei complementar que
dispuser sobre sua organização e
funcionamento, as atividades de
consultoria e assessoramento jurídico do
Poder Executivo, por isso Não há que se
falar em máquina despreparada para agir
em defesa dos interesses do Estado.
A Conclusão a que chegam todos
os que se indignam contra as normas
processuais protetoras é que fica difícil
argumentar em defesa da necessidade de
existência dos privilégios concedidos à
Fazenda Pública sob o fundamento da
burocracia própria das instituições estatais.
Assim, percebe-se que Fazenda Pública é
parte muito mais forte que qualquer
particular no processo.
2.3 ALGUMAS PRERROGATIVAS DO
ESTADO
O exagerado formalismo
processual é uma grande causa da
morosidade da Justiça. Os entraves
causados no andamento do processo fazem
com que o direito material seja visto como
algo secundário quando na verdade
deveria ter prioridade na solução dos
litígios.
De um lado, há aqueles que
defendem tais discrimines como meras e
necessárias prerrogativas, principalmente
em razão do interesse em disputa ser não
de um indivíduo, mas da coletividade.
Infelizmente nossos Tribunais têm se
manifestado reiteradamente sobre a
questão dos privilégios da Fazenda Pública
em Juízo. Mas vale ressaltar que a maioria
das normas protetoras, foram estabelecidas
na época de governos ditatoriais.
Por sua vez, entendimentos há, e
não são poucos, que veem os tratamentos
diferenciados como absurdos privilégios,
intoleráveis, frente ao princípio da
igualdade, como exemplo podemos citar
os seguintes doutrinadores: Cândido
Rangel Dinamarco, José Carlos de Araújo
Almeida Filho, Hermann-Josef Banke
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
11
(Professor da Universität Erfurt da
Alemanha), Ricardo Perlingeiro Mendes
da Silva (Professor Titular da Faculdade
de Direito da UFF e Juiz Federal no Rio de
Janeiro), Roberto Rosas (Ex-Ministro do
Superior Tribunal Eleitoral e Professor da
UNIVERSIDADE de Brasília), Rogério
Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci,
Cassio Scarpinella Bueno, dentre outros.
2.3.1 A dilatação dos prazos
A União legislando em causa
própria sempre se beneficia quando é parte
em uma ação judicial, chegando a possuir
prazos ate quatro vezes maior de que uma
pessoa comum para praticar seus atos
processuais. “Computar-se-á em
quádruplo o prazo para contestar e em
dobro para recorrer quando a parte for a
Fazenda Pública ou o Ministério Público.”
(Art. 188 CPC) in verbis.
O que deveria na realidade ocorrer
é o que está previsto no artigo 125, inciso
I, que “o juiz dirigirá o processo conforme
as disposições deste Código, competindo-
lhe: I – assegurar às partes igualdade de
tratamento.
2.3.2 A prescrição e as pretensões
formuladas em face da Fazenda Pública
Sabemos que “o direito não socorre
aqueles que dormem”. Existem dois tipos
de prescrição: aquisitiva e extintiva. No
que se referem à Fazenda Pública, as
regras a serem aplicadas são as constantes
do Decreto nº 20.910 de 6 de janeiro de
1932 e Decreto-lei nº 4.597, de 19 de
agosto de 1942 onde: “as dívidas passivas
da União, dos Estados e dos Municípios,
bem assim todo e qualquer direito ou ação
contra a Fazenda Federal, Estadual ou
Municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da
data do ato ou fato do qual se originarem”
O fato é que, enquanto para as
demais pessoas há prazos bem mais
longos, conforme prescreve o Código
Civil de 2002, em seus Arts. 205 e 206,
chegando a 10 (dez) anos, quando se tratar
da Fazenda Pública, não importam do que
se trate, o prazo é de apenas 5 (cinco)
anos, o que constitui uma diferença
relevante.
2.3.3 Os Prazos do Estado-Juiz
No âmbito judicial tudo gira em
torno de prazos e ate o juiz como
funcionário do Estado também deve seguir
a risca os prazos. Porem não é o que
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
12
normalmente ocorre, podendo nesses casos
qualquer uma das partes ou ate mesmo o
Ministério Publico representar ao
presidente do tribunal de justiça contra o
juiz ate para que outro decida o litígio
conforme o artigo 198 do código
processual civil (CPC).
Art. 198 Qualquer das partes ou o órgão do Ministério Público poderá representar ao presidente do Tribunal de Justiça contra o juiz que excedeu os prazos previstos em lei. Distribuída a representação ao órgão competente, instaurar-se-á procedimento para apuração da responsabilidade. O relator, conforme as circunstâncias, poderá avocar os autos em que ocorreu excesso de prazo, designando outro juiz para decidir a causa
Percebe-se que não há nenhuma
punição efetiva pelo desrespeito ao prazo
pelos juízes que podem alegar, por
exemplo, simplesmente o grande número
de processos para decidir, pois a lei é bem
subjetiva quanto ao motivo justo de não
cumprimento dos que “Em qualquer grau
de jurisdição, havendo motivo justificado,
pode o juiz exceder, por igual tempo, os
prazos que este Código lhe assina” (CPC
Art. 187) in verbis.
O próprio juiz, enquanto
administrador da justiça, é o principal
descumpridor do Estado, vez que, via de
regra, não obedece ao período que lhe é
estipulado para o andamento dos feitos.
Diniz (2005, on-line) assevera que “[...]
um juiz que não tem tempo substantivo
para resolver a legalidade de uma detenção
imediatamente, por exemplo, é porque não
tem tempo para ser juiz. O ideal seria
obedecer aos prazos previstos pela própria
lei [...]”.
O Código de Processo Civil, em
seu art. 133, prevê a responsabilidade
pessoal do magistrado por condutas
tipificadas como passíveis de acarretar
danos aos jurisdicionados. Senão vejamos:
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providências que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias. (Grifo nosso)
Apesar de este dispositivo prever a
responsabilidade pessoal do juiz, a
jurisprudência não exclui a
responsabilidade do Estado em reparar os
danos decorrentes dos atos daquele, haja
vista que o magistrado está agindo na
qualidade de agente público. (AVELINO,
2005).
Delgado (1998, p. 35) cita
oportunamente o julgamento do então
Ministro Aliomar Baleeiro, que, embora
vencido, se pronunciou com destaque:
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
13
Dou provimento ao recurso, porque me parece subsistir, no caso, responsabilidade do Estado em não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça, ocasionando, por sua omissão de recursos materiais e pessoais adequados, os esforços ao pontual cumprimento dos deveres dos juízes. Nem poderia ignorar essas dificuldades, porque, como consta das duas decisões contrárias ao recorrente, estando uma das Comarcas acéfala, o que obrigou o juiz a atendê-la, sem prejuízo da sua própria – ambas constitucionais de serviço – a Comissão de Disciplina declarou- se em regime de exceção, ampliando os prazos.
É certo que, sendo lesiva ao
jurisdicionado, a demora da prestação
jurisdicional também é causa para
responsabilizar o Poder Público em
indenizar a vítima decorrente dos atos dos
seus agentes, conforme entendimento
consubstanciado no art. 37, § 6º da
Constituição Federal.
2.3.4 Remessa necessária
Retardando ainda mais o
ressarcimento pelo estado, existe a
remessa necessária que é o reexame das
decisões acima de 60 salários-mínimos
proferidas contra a União, o Estado, o
Distrito Federal, o Município e
suas respectivas autarquias e fundações.
Neste caso as decisões são submetidas a
novo julgamento, ainda que não tenha
havido recuso voluntário das partes, para
produzirem efeito. Nesse sentido,
transcreve o Código de Processo civil
(Brasil, 1973) da seguinte forma:
Art. 475 (CPC). Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). (...) § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 salários-mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
A remessa necessária foi
introduzida originalmente no direito
português no ano de 1355 pelo Rei D.
Afonso IV, no direito processual penal. No
Brasil, foi introduzida em 04.10.1831
sendo mantida ate hoje no CPC e segundo
a Súmula 423 do STF não se transita em
julgado a sentença por haver omitido o
recurso ex officio, que se considera
interposto ex lege, ou seja, tem que passar
pela remessa necessária.
Pela história do surgimento da
remessa necessária, quando as
Procuradorias Gerais dos Estados não
estavam bem organizadas, fazia mais
sentido a superproteção do Erário; porém
hoje o poder público é representado por
procuradores bem gabaritados fazendo
com que tal procedimento seja
desnecessário e protelatório.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
14
2.3.5 Dispêndios da demanda processual
Quando a ré ou autora for a
Fazenda Pública, esses dispêndios ou não
existem ou se dão de forma diferenciada,
vejamos algumas delas:
Dispõe o art. 19 do CPC que “[...]
cabe às partes prover as despesas dos atos
que realizam ou requerem no processo,
antecipando-lhes o pagamento desde o
início até sentença final [...]”, porém o
artigo 27 do CPC dispõe que “as despesas
dos atos processuais, efetuados a
requerimento do Ministério Público ou da
Fazenda Pública, serão pagas a final pelo
vencido”. Isto inclui aquelas destinadas a
remunerar terceiras pessoas estranhas ao
aparato judicial, a exemplo do perito, das
despesas com a comunicação dos atos
processuais etc.
O mesmo não acontecerá quando
se tratar de causa perante as Justiças
Estaduais, apesar da regra do CPC (art.
1.212), assim como o disposto na Lei nº
9.028, de 12 de abril de 1995, que dispõe
sobre o exercício das atribuições
institucionais da Advocacia-Geral da
União, cujo art. 24-A reza in verbis: “A
União, suas autarquias e fundações, são
isentas de custas e emolumentos e demais
taxas judiciárias, bem como de depósito
prévio e multa em ação rescisória, em
quaisquer foros e instâncias”.
É que, conforme estabelecido pela
Constituição (art. 151, inciso III), a União
não poderá conceder isenção de tributos
estaduais e, sendo as custas e
emolumentos espécies de tributo,
conforme já dito acima, a norma do CPC
não foi recepcionada pela Carta Magna.
Reforça esse entendimento o fato de a Lei
nº 9.289 de 4 de julho de 1996 estabelecer
em seu art. 1º e § 1º que “rege-se pela
legislação estadual respectiva a cobrança
de custas nas causas ajuizadas perante a
Justiça Estadual, no exercício da jurisdição
federal”.
Isso também se reflete no recursos,
pois são dispensados do preparo e também
esta isenta do pagamento da importância
de 5%, previsto no art. 488, inciso II do
CPC, referente à Ação Rescisória, tendo
em vista que o parágrafo único do mesmo
artigo faz a ressalva de que tal dispositivo
não se aplica à União, ao Estado, ao
Município e ao Ministério Público.
Por fim a Lei n. 9.494, de 1997,
que dispõe: ‘os juros de mora, nas
condenações impostas à Fazenda Pública
para pagamento de verbas remuneratórias
devidas a servidores e empregados
públicos, não poderão ultrapassar o
percentual de seis por cento ao ano’.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
15
2.4 A RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO ESTADO
A lei é bem clara ao prevê a
responsabilidade civil do Estado, ou
melhor, das pessoas jurídicas de direito
publico nos casos de atos ilícitos
(comissivos ou omissivos) gerados por
seus agentes públicos. Isto reflete o
princípio da legalidade e isonomia; pois o
Estado como pessoa jurídica de direito
publico não foge a regra da
responsabilidade civil, mesmo que regido
por princípios próprios, incluindo-se
ainda, as pessoas jurídicas de direito
publico auxiliares do Estado, as de direito
privado que desempenha cometimentos
estatais sob concessão ou delegação
explícitas ou implícitas. Temos, pois,
como pressupostos da responsabilidade
civil: a ação, o dano e o nexo de
causalidade.
Por conta do comportamento de
seus agentes, a responsabilidade e o risco
do Estado é objetivo, havendo direito de
regresso contra o agente faltoso
condicionado a conduta culposa ou dolosa
deste (art. 37.§6 CF e art. 43 CC).
Art. 43CC. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
art. 37§ 6º CF – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A lógica da responsabilidade do
Estado se baseia na questão de que o
Estado como criador das leis, também
deve se submeter a elas, e ate o
CDC(código de defesa do consumidor)
traz previsões sobre a responsabilidade do
Estado pelo funcionamento dos serviços
públicos, que não decorre da falta, mas do
fato do serviço publico, acolhendo assim o
legislador, a teoria do risco administrativo.
Art. 22 CDC. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código
A jurisprudência brasileira mais
recente já acolhe o dever do Estado
também responder por danos morais. A
objeção no atinente à impossibilidade de
quantificação não serve para liberar o
Estado. A reparação, ainda que possa
colocar como simbólica, será o desagravo
pelo dano sofrido. Demais disso, os danos
morais podem e devem ser cumulados
como os materiais.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
16
Tudo isto é fruto de uma conquista
lenta e decisiva do Estado de direito pois a
doutrina mais antiga defendia a
irresponsabilidade absoluta do Estado,
através de uma ideia absolutista que via o
Estado como um ente todo-poderoso que
sempre prevalecia sobre os direitos
individuais, valendo-se da célebre
expressão the king can do not wrong (o rei
não pode errar). Sendo assim, se um
funcionário no desempenho de sua função
lesasse direitos individuais, ele é que,
pessoalmente deveria reparar o dano e não
o Estado. Negar indenização pelo Estado
em qualquer de seus atos que causam
danos a terceiros é subtrair o poder publico
de sua função primordial de tutelar o
direito.
Já há decisões trazendo como
precedente, uma responsabilidade solidaria
entre o Estado e seu agente público, ou
seja, o lesado pode entrar contra o estado,
contra o funcionário ou contra ambos nos
casos de culpa e dolo, conforme o
Informativo n. 0532 Período: 19 de
dezembro de 2013:
Na hipótese de dano causado a particular por agente público no exercício de sua função, há de se conceder ao lesado a possibilidade de ajuizar ação diretamente contra o agente, contra o Estado ou contra ambos [...] A pessoa jurídica, que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público [...] Dessa forma, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o agente público ou contra o Estado
deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da Federação. Posto isso, o servidor público possui legitimidade passiva para responder, diretamente, pelo dano gerado por atos praticados no exercício de sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a própria existência de dano indenizável são questões meritórias.
Teoricamente deveria ser melhor
entrar apenas contra o Estado, por sua
responsabilidade ser objetiva e possuir
melhores condições de arcar
financeiramente com o prejuízo, porém na
prática devido à demora não é o que
acontecesse, fazendo com que o STJ
decidisse dessa maneira, pois legitimidade
dos atos administrativos não é absoluta.
O poder público de regra não
responde por danos resultantes de atos
legislativos, mas há hipóteses em que se
admitem, tais como: o fato do próprio
legislador ter estabelecido a
responsabilidade do Estado fixando a
indenização na própria lei; ato que gerar
direta ou indiretamente lesão de ordem
patrimonial especial e anormal a um
cidadão ou grupo de cidadãos, pois a
norma constitucional no art. 37, § 6° não
distingue atos legislativos, administrativos
e jurisdicionais.
Ainda há responsabilidade no que
se refira aos atos do Judiciário, sendo
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
17
reconhecido no CPP art. 630 e art. 05,
LXXV da CF em caso do condenado ficar
preso além do tempo fixado em sentença,
pois o magistrado na relação processual é
agente do Estatal. O art. 485 do CPC
também prevê ação de revisão ou de
rescisão de sentença, em matéria civil, por
sentença de mérito, transitada em julgado,
rescindida por ter sito dada por
prevaricação, concussão ou corrupção do
juiz, proferida por juiz impedido ou
absolutamente incompetente, ofender
coisa julgada, violar literal disposição da
lei; fundar-se em prova, cuja falsidade
tenha sido apurada em processo criminal,
ou seja, provada na própria ação
rescisória, ter havido fundamento para
invalidar confissão, desistência ou
transação em que se baseou a sentença,
haver sido fundada em erro de fato,
resultante de atos ou de documentos da
causa (CPC art. 485, I, II, IV, V, VI, VIII,
IX)
Por último há responsabilidade do
Estado também na ordem internacional
pelas normas que promulgar ofensivas aos
direitos internacionalmente reconhecidos
pelas nações aos estrangeiros baseando-se
na denegação da justiça ou esgotamento
dos recursos jurídicos proporcionados do
queixoso.
2.4.1 Prescrição do direito de regresso
contra o agente público
A ação regressiva contra o
funcionário nas hipóteses previstas é dever
do estado e não facultativo, como decorre
do art. 37, § 5º, da Constituição do País.
Merece destaque, no que diz respeito à
prescrição, o artigo 1º – C da Lei Nº 9.494,
de 10 de setembro de 1997, que foi a
Conversão da MP v nº 1.570-5, de 1997,
estabelecendo assim:
Art. 1º – C – Prescreverá em cinco anos o direito de obter a
Indenização dos danos causados por agentes de pessoas
jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviços públicos.
Com efeito, haverá o direito de
regresso contra o agente ate cinco anos
após o transitado em julgado, mas maneira
como as ações contra o Estado são longas,
esse servidor talvez irá se aposentar ou ate
falecer antes de sofrer a ação regressiva.
2.4.2 Precatórios
Transitado em julgado e perdendo
o Estado a ação, o ressarcimento será pago
por meio de precatórios, que são as ordens
judiciais de débitos dos órgãos públicos
federais, estaduais, municipais ou distritais
segundo o art. 100 da constituição federal,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
18
pois não se processam pela penhora de
bens dos entes públicos ou expropriação,
mas pela expedição de uma ordem de
pagamento.
Realiza-se a requisição de
pagamento entre o poder judiciário e o
poder Executivo conforme dispõem os
artigos 730 e 731 do CPC. É chamada de
execução impropria, cujo procedimento na
teoria é longo e na prática mais ainda, que
tentando sintetizar, ficaria da seguinte
maneira: Seja judicial ou não o título
executivo, a citação da fazenda será feita
sem cominação de penhora, limitando-se à
convocação para opor embargos em 10
dias (Art.730, caput). Não havendo a
oposição de embargos, ou sendo estes
rejeitados, o juiz, através do Presidente do
Tribunal Superior, expedirá a requisição
de pagamento que tem por nome de
precatório. O juiz de primeiro grau não
requisita diretamente o pagamento, mas
dirige-se a requerimento do credor, ao
Tribunal que detém a competência recursal
ordinária, cabendo ao respectivo
presidente formular a requisição à Fazenda
Publica executada.
É obrigatória a inclusão no
orçamento da verba necessária ao
pagamento dos débitos constantes dos
precatórios, apresentados ate 1º de julho
do ano anterior (Art. 100, §1º CF). As
importâncias orçamentarias destinadas ao
cumprimento dos precatórios ficarão
consignados ao Poder Judiciário,
recolhidas nas repartições competentes
(Art. 100, §2º CF). O pagamento será feito
ao credor na ordem de apresentação do
precatório e a conta do respectivo credito
(art. 730, nº II CPC). Se o credor for
preterido no seu direito de preferência,
mediante pagamento direto pela Fazenda
ou outro exequente, poderá requerer ao
Presidente do Tribunal que expediu a
ordem de pagamento que, depois de
ouvido o chefe do Ministério Público,
ordene o sequestro da quantia necessária
para satisfazer o debito (art. 731CPC).
Dirige-se contra o credor que tenha
recebido pagamento fora da ordem legal,
atingindo as importâncias irregularmente
embolsadas. O supremo Tribunal Federal,
no entanto, em decisão de pleno, já
admitiu a possibilidade de que tal
sequestro pudesse recair diretamente sobre
as rendas da Fazenda Publica infratora, em
quantia suficiente para satisfazer o credito
exequendo.
E por último, quando houver
oposição de embargos pela Fazenda
Publica, o seu processamento será feito de
conformidade com o disposto no art. 740 e
seu paragrafo único. Se a sentença
desacolher a pretensão fazendária, enseja o
duplo grau necessário de jurisdição. (art.
475, III CPC).
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
19
O problema que aflige partes e
juízes é a demora do cumprimento dos
precatórios pela administração, surgindo
uma diferença de acessórios (juros e
correção monetária) em detrimento do
credor. Admitem-se sucessivos precatórios
complementares quando houver
defasagem de juros e correção monetária
entre o requisitório e o efetivo
adimplemento da obrigação pelo poder
Publico, pois se a expedição do precatório
não produz o efeito de pagamento, os juros
moratórios continuaram incidindo
enquanto não solvida a obrigação.
O exequente receberá seu direito
durante dez (10) anos, conforme dispõe a
nova regra trazida pela EC nº 30/2000,
constante do art. 78 do ADCT. Somando-
se esse longo prazo concedido aos Entes
Públicos com o do trâmite da ação,
chegaremos ao mega prazo de quase vinte
(20) anos.
Apesar de todo o caminho
percorrido, tendo já sido incluído no
orçamento, não há garantia de que o débito
seja quitado, pois os pagamentos são feitos
na ordem cronológica de inscrição dos
precatórios e pode ser que não haja verba
suficiente para saldar o valor total
constante de todos os precatórios.
Nas palavras de Marcus Vinícius
Lima Franco (2006, p. 8): “diante de uma
disciplina tão especial, pergunta-se se,
realmente, existe execução contra a
Fazenda Pública”.
2.5 PREJUÍZOS AOS COFRES
PÚBLICOS E A ECONOMIA
Além do desgaste emocional e
financeiro da parte autor, quando enfim o
Estado vai pagar pelo dano que causou,
grande será o rombo nos cofres públicos,
pois devido a um processo tão longo será
pago com juros, correão monetária, além
dos honorários advocatícios e ainda
indenização suplementar conforme o art.
389 e 404 do código civil.
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Art. 404. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.
O Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) Constatou um prejuízo
de cerca de US$ 20 bilhões por ano.
Justificando Essa percepção, a pesquisa
publicada pela revista “Análise Justiça”,
em 2006, analisou as 250 principais
decisões dos Tribunais Superiores, durante
o período compreendido entre o ano de
1998 a 2006. Para a escolha das decisões
do STF e do STJ foram consultados vários
especialistas na área entre advogados,
promotores, procuradores, juízes, juristas,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
20
empresários, acadêmicos e os próprios
ministros.
O estudo mostrou que apenas as 10
maiores causas em tramitação no STF e no
STJ somavam cerca de R$ 250 bilhões. A
pesquisa também descobriu que o maior
cliente do Poder Judiciário é o próprio
poder público, ou seja, verificou-se que é o
Estado-Administração é o que contribui
consideravelmente para o excesso de
processos nas Cortes Superiores e,
consequentemente, para a morosidade.
Sobre o assunto, Rodrigues (2004,
p. 47) se manifesta:
[...] a ineficiência do Poder Judiciário está atrapalhando pesadamente o desenvolvimento do País. Os defeitos da Justiça inibem investimentos que poderiam fazer o PIB crescer cerca e 13,7%. Em decorrência, haveria um volume maior de investimentos e a oferta de empregos poderia ter um aumento substancial. [...] o Poder Judiciário é um dos principais responsáveis pela explosão das taxas de juros, pois sua atuação deficitária produz insegurança na hora de reaver o dinheiro e faz com que os bancos emprestem com taxas elevadas.
Percebemos que um funcionamento de
qualidade por parte do Poder Judiciário é o
caminho para dirimir todos esses
problemas advindos da morosidade que
repercute em todos os âmbitos da
sociedade
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓ-
GICOS
O Presente tema exigiu
investigação bibliográfica a fim de
levantar dados importantes para discutir o
paradoxo que envolve a segurança e
eficiência jurídica com a morosidade que
tanto assola o sistema processual
brasileiro, principalmente quando o Estado
é parte do processo.
O desafio de reverter tal situação
pesa sobre o novo Código de Processo
Civil, sendo necessário para realização
deste trabalho, consultar a doutrina
principalmente em livros, artigos,
periódicos, materiais disponibilizados em
sites especializados em Direito Processual
civil na internet, bem como jurisprudência
e matérias jornalísticas, para respaldar e
evidenciar os prejuízos causados ao
próprio Estado e a pessoas que vivenciam
longos processos contra a União, o Estado,
o Distrito Federal, e Municípios, através
de uma investigação descritiva sobre o
assunto.
4 ANÁLISE DOS DADOS E
RESULTADOS
Passadas as discussões
preliminares sobre a problemática dos
“privilégios” processuais que a Fazenda
Publica possui, propõe-se agora uma
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
21
investigação sobre os reflexos dos
prejuízos causados dessa superproteção.
Não se pretende aqui esgotar todas
as formas de prejuízos causados pela
proteção processual ao Estado como
litigante, ate porque, só foram citadas as
principais prerrogativas, mas o assunto é
bastante vasto.
Mantendo-se a mesma
sistematização, serão abordados tópicos
onde serão avaliados pontos específicos
através da apreensão jurídica, que
exemplificará e confirmará os problemas
decorrentes deste tema. Posteriormente
será realizada uma análise geral e
conclusiva sobre a problemática.
4.1 CORRUPÇÃO NOS PRECATÓRIOS
A extrema morosidade e a extrema
burocratização no recebimento dos
precatórios tem alimentado a corrupção.
Segundo site do “museu da corrupção” em
matéria publicada este ano que faz uma
retrospectiva de vários casos de corrupção
envolvendo precatórios como o caso dos
Ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta
(PP-SP), envolvidos no escândalo, no qual
foram acusados de improbidade
administrativa e denunciados por
corrupção passiva, evasão de divisas,
lavagem de dinheiro, formação de
quadrilha e organização criminosa. Às
vésperas da realização do 1º turno das
eleições municipais de 1996, cujo rombo
pode ter chegado a R$ 10 milhões.
O esquema ilegal também é
apontado em Santa Catarina e Pernambuco
e consistia na emissão de títulos públicos
lastreados em letras do Tesouro para o
pagamento de precatórios. A venda dos
títulos era feita sem licitação e o sistema
de compra e recompra causou prejuízos
aos cofres públicos estimados em R$ 3
bilhões. Só em Pernambuco, dos R$ 480
milhões emitidos, apenas R$ 234 mil
destinavam-se a precatórios alimentares. A
reportagem aponta outros diversos casos
em todo o país e afirma que a grande
dificuldade era provar o desvio, pois o
dinheiro entrava no caixa único da
Prefeitura, e não se sabia qual dinheiro
pagou o quê, conforme também tentou
explicar a revista Veja, de 12/03/1997.
Em dezembro de 1996, o Senado
instalou a CPI dos Precatórios, na qual em
março de 1998, o então prefeito Celso
Pitta e o ex-prefeito Paulo Maluf foram
condenados à perda dos direitos políticos
por acusação de improbidade
administrativa. A pena de Pitta ainda
somou o bloqueio de seus bens. Ambos
recorreram da sentença, e em novembro de
2001, foi decreta a prescrição dos crimes
de Maluf, pois ele completara 70 anos de
idade.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
22
4.2 FALTA DE PARTICIPAÇÃO DO
ESTADO COMO LITIGANTE, NOS
MEIOS ALTERNATIVOS DE
SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Nem mesmo como o CNJ
incentivando a política de conciliação no
âmbito do Judiciário por meio da
Resolução CNJ n. 125, de 29/11/10, que
instituiu a Política Judiciária Nacional de
Tratamento Adequado dos Conflitos de
Interesses, para concretizar o princípio
constitucional do acesso à Justiça, segundo
o qual “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito” (art. 5º, inciso XXXV da
Constituição da República) foi suficiente
para resolver o problema.
A União incentiva particulares a
resolverem seus conflitos por métodos
alternativos como a conciliação, a
mediação e a arbitragem regulamentada
com a promulgação da Lei n.º 9.307, de
23.09.96, mas guando ela é parte no
processo não há interesse em conciliar,
visto que a previsão da remessa necessária
já inibe a tentativa de um acordo que
poderia evitar o constrangimento de ter
que aguardar anos para o particular
contemplar seu direito ser assistido e um
enorme rombo nos cofres públicos.
Os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais criados com o objetivo de tornar
mais célere o andamento dos processos
mais “simples” estão, na sua maioria,
abarrotados de causas e não estão
alcançando o fim almejado.
4.3 PROPOSTA DO NOVO CÓDIGO
PROCESSUAL CIVIL (CPC)
O anteprojeto do novo CPC que
deve estar próximo de ser aprovado tenta
reestabelecer a crença no judiciário, em
queda devido a morosidade, adotando ou
abolindo uma série de procedimentos,
visando emprestar maior agilidade ao
processo. Neste sentido, pode ser citada a
tentativa de extinguir o processo logo ao
seu início, por meio da obrigatória
audiência de conciliação (art. 333); o
efeito devolutivo em que, em regra, serão
recebidos todos os recursos (art.908);
unificará os prazos recursais, sendo 15
dias, com exceção para os embargos de
declaração. Também haverá a extinção dos
embargos infringentes e restrição do
agravo de instrumento a apenas certas
decisões interlocutórias; a substituição das
medidas cautelares e da antecipação da
tutela, pela
tutela de urgência e de evidência,(art.
929),fazendo assim, uma visível supressão
ou limitação de recursos.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
23
O projeto de Lei 8.046/10, como
também é chamada o novo CPC pretende
reverter a atual situação enxugando o
excesso de formalidade e casuísmo
conferido ao atual código para
impugnativos evitar casos meramente
impugnativos, que caso no atual CPC é
condenando a pagar uma multa de no
máximo 1% sobre o valor da causa, mas
que no novo, se pretende alterar para até
5%. As Demandas repetitivas tem a
possibilidade de reduzir os recursos, pois
possibilitará que o juiz, quando identifique
demanda idênticas, provoque os tribunais
superiores para a decisão, aplicando-se o
resultado a todas aquelas pendentes de
julgamento. Neste caso, a segurança
jurídica será maior, pois os processos de
massa terão seus resultados mais
previsíveis.
No art. 4° prevê que as partes terão
direito de obter em prazo razoável a
solução integral do mérito, incluída a
atividade satisfatória, pois o Juiz deverá
dirigir o processo velando por sua duração
razoável (art. 139 II). Com relação ao
comportamento do Estado Juiz, o novo
CPC também tenta amenizar a
morosidade, estipulando prazos para o
escrivão, chefe de secretaria e oficial de
justiça.
Art. 155. O escrivão, o chefe de secretaria e o oficial de justiça são responsáveis,
civil e regressivamente, quando: I – Sem justo motivo se recusarem a cumprir no prazo os atos impostos pela lei ou pelo Juiz a que estão subordinando […].
Até o Ministério Publico (art.179)
e o Juiz (art. 226) terão prazos para
cumprirem. Vejamos, “Art. 226. O juiz
proferirá: I – os despachos no prazo de 5
dias; II – as decisões interlocutórias no
prazo de 10 dias; III – as sentenças no
prazo de 30 dias.
Embora esses prazos possam ser
excedidos por iguais períodos em casos
justificáveis como previsto no art. 227,
qualquer parte, o Ministério publico ou a
defensoria, podem representar ao
corregedor do tribunal ou ao conselho
nacional de Justiça contra o Juiz ou relator
que injustificavelmente exceder os prazos
previstos em lei, regulamento ou
regimento interno, conforme art. 235.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme podemos observar no
decorrer desta pesquisa, não há que se
falar no fato de que o Estado é parte mais
fraca na relação e que, por isto, deve ser
tratado com regra desigual, muito pelo
contrário, Tanto economicamente como
funcionalmente, a Fazenda Pública tem
possibilidades de se mostrar mais forte no
conflito de interesses.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
24
A Constituição Federal dotou o
Estado de todo o aparato necessário para
que este aja com toda a desenvoltura nos
interesses maiores da sociedade, assim, ela
não apenas sugere, mas exige que o Estado
saia do comportamento de marasmo,
cabendo a responsabilidade de dar a
solução aos conflitos de interesses
surgidos na coletividade.
O processo sugere a ideia de
“seguir adiante” em direção a seu fim, isto
é, o Direito é dinâmico e não estático. É
necessário respeito ao tempo razoável de
duração dos processos, não podendo
permitir que cada ato seja realizado pela
parte ou pelo juiz quando bem
entenderem, sem que haja qualquer
consequência pela demora no
cumprimento de ônus processuais.
Os prejuízos são causados pela
morosidade e pelos privilégios do Estado
como litigante que a cada ano consagra a
ineficiência da prestação jurisdicional, a
incredulidade no Estado-juiz, a corrupção
nos precatórios, a autotutela, o desgaste
emocional e financeiro de ambas as partes
da ação, inclusive atingindo a coletividade,
pois os rombos nos cofres públicos
prejudicam a economia brasileira.
O novo CPC está na iminência de
entrar em nosso ordenamento jurídico,
com a missão de reverter a situação
processual precária com que temos que
conviver, desencorajando a impetração
leviana de processos, bem como
estipulando prazos para o comportamento
do Estado Juiz, para o escrivão, chefe de
secretaria, oficial de justiça e ate para o
Ministério Público. O que se espera é que
se coloque em pratica, pois o Estado
precisa assumir de maneira efetiva sua
responsabilidade objetiva nas demandas
contra a fazenda publica, conforme
estipula a legislação.
Cabe a nossos legisladores a
sensibilidade de percepção que essa
proteção exagerada ao Estado na verdade
traz resultados negativos com grandes
prejuízos a ele mesmo, a parte que propôs
a ação que muitas vezes é desmotivada a
não fazê-la e a sociedade em geral que
perde muito com as altas quantias pagas
nessas ações indenizatórias.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Luiz Otávio de O. Como Agilizar a Justiça? Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano VII, nº 167, 2003.
BRASIL. Código Civil de 10 de Janeiro de 2002. Arts. 389 e 404 .Dispõe sobre pagamento com juros, correão monetária, honorários advocatícios e indenização suplementar. Lex Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./mar.,1. trim. 1984. Legislação Federal e marginália.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
25
_______. Código de Processo Civil de 11 de janeiro de 1973. Art. 198 Dispõe sobre representação ao presidente do tribunal de justiça contra o juiz. Lex Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 60, p. 1260, maio/jun., 3. trim.1996. Legislação Federal e marginália.
_______. Código de Processo Civil de 11 de janeiro de 1973. Arts. 187 e 188.Dispõe sobre os prazos para juízes e Fazenda Pública ou o Ministério Público.. Lex: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).
_______. Código de Processo Civil de 11 de janeiro de 1973. Art. 475. Dispõe sobre a remessa necessária. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 65, p. 10-17, jan./mar.,1. trim. 1984. Legislação Federal e marginália.
_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.Art. 05.Dispõe sobre o princípio da igualdade. Organização do texto: Juarez de Oliveira.4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 100 p. (Série Legislação Brasileira).
_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.Art. 100 § 5.Dispõe os precatórios. Organização do texto: Juarez de Oliveira.4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 241 p. (Série Legislação Brasileira).
DELGADO. José Augusto. Responsabilidade do Estado: ato Jurisdicional. Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano II, nº 16, 1998.
DINIZ, Danielle Alheiros. Responsabilidade Civil do Estado pela Morosidade na Prestação Jurisdicional. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6205>. Acesso em: 07 nov. 2005.
LIMA, George Marmelstein. Técnicas de Aceleração de Processo. Fortaleza: Fórum Clóvis Beviláqua, 2005. Apostila. Centro de Treinamento Integrado e Comunicação.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
26
ATUAÇÃO DE OFÍCIO DO MAGISTRADO NO SISTEMA ACUSATÓR IO
Antônio Ivo Pereira Lima Aluno do curso de Direito da Faculdade integrada da Grande Fortaleza Celso Cosme Salgado Professor Mestre do curso de Direito na Falculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF [email protected]
RESUMO: Este trabalho aborda os aspectos legais e constitucionais da atuação de ofício do magistrado no sistema acusatório, conforme hipóteses trazidas pelo Código de Processo Penal de 1941 e alterações posteriores, a saber: primeira, no art. 156, I ao prevê a possibilidade de ordenar, de ofício, a produção antecipada de provas; segunda, art. 282, §2º, que concede o poder de determinar medidas cautelares de ofício; e por último, o art. 311, com a decretação da prisão preventiva de ofício na fase processual. Ademais, objetiva-se, também, apurar a efetiva conformação dessas hipóteses com o sistema adotado pela Constituição Federal de 1988, qual seja o sistema acusatório, porquanto, no sistema acusatório há a separação das funções de acusação e julgamento, a produção de provas na fase pré-processual deve ficar a cargo do órgão da acusação, que no Brasil é a regra, o Ministério Público, visando à preservação da imparcialidade do julgador e do direito do acusado. Palavras-chave:Acusatório, Magistrado, Imparcialidade, Constitucionalidade. ABSTRACT: This paper discusses the legal and constitutional aspects of the performance of office of magistrate in the adversarial system, as hypotheses brought by the Code of Criminal Procedure, 1941 and subsequent amendments, namely: first, in art. 156, I expected to be able to order, ex officio, the early production of evidence; second article. 282, §2, which grants the authority to order interim measures ex officio; and finally the art. 311, with the enactment of the probation office in the processing phase. Furthermore, the objective is also to ascertain the actual shaping of these hypotheses with the system adopted by the 1988 Federal Constitution, which is the adversarial system because, in the adversarial system there is a separation of prosecution and trial production of evidence in pre-processing phase should be left to the body of the indictment, which in Brazil is the rule, the prosecution, in order to preserve the impartiality of the judge and the right of the accused. Keyword: Libelous, Magistrate, Impartiality, Constitutionality.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
27
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho debruçou-se
acerca da análise da atuação de ofício do
magistrado no sistema acusatório,
conforme o art. 156, I, bem como, o art.
282, §2º, e ainda, o previsto no art. 311,
todos do Código de Processo Penal,
Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de
1941.
Apresenta-se como justificativa a
problemática doutrinária e jurisprudencial,
a respeito da violação, ou não, do sistema
acusatório, quando o magistrado atua de
ofício, sob o argumento que lhe foi
conferido tal poder, através do princípio da
verdade real, com a finalidade de subsidiar
a persecução penal e a solução do litígio.
Além disso, justifica-se, também, em
razão das inovações legislativas, sobre o
tema, pois o juiz além da atribuição de
julgar, também é um garantidor dos
direitos e garantias fundamentais,
previstos no ordenamento jurídico.
Primeiramente, fizemos uma
análise da evolução histórica, destacando
os principais pontos relacionados aos
sistemas de processo penal, desde a
antiguidade à idade moderna.
Após a exposição do panorama
mundial, apresentamos os principais
acontecimentos históricos no Brasil, que
se propuseram a solução das lides penais,
inicialmente, sob a influência do direito
canônico, as Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas, até os tempos
atuais, sob os preceitos da dignidade da
pessoa humana, fundamento da
Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988.
Por conseguinte, apresentamos os
sistemas de processo penal, a saber: o
inquisitivo, de origem romana, em que as
funções de acusar e de julgar são
concentradas nas mãos de um só órgão do
Estado; o sistema acusatório, com origem
na Grécia e na Roma Antiga, caracterizado
pela nítida divisão das funções de acusar e
julgar, observando-se as liberdades
públicas; ademais, o sistema misto ou
acusatório formal, como uma fusão dos
dois sistemas supracitados.
No que se refere à base
principiológica do processo penal
brasileiro, foram descritos, de modo
sucinto, alguns princípios que norteiam o
nosso sistema, quais sejam: princípio da
presunção da inocência dispõe que o
estado natural dos indivíduos é o da não
culpabilidade, e esta somente deixará de
prevalecer por sentença transitada em
julgado; princípio da igualdade ou
paridade de armas; princípio da ampla
defesa, disponibilidade de uma ampla
gama de provas aos acusados; princípio do
contraditório, garantia de manifestação
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
28
diante da alegação de direito que lhe seja
contrário; princípio do juiz natural e da
imparcialidade, direito de ser julgado por
autoridade previamente constituída, e que
desempenhe sua competência em
conformidade com a lei; princípio do
devido processo legal, garantia de
submissão do Estado a um procedimento
previamente estabelecido, e em respeito
aos direitos e garantias fundamentais;
princípio da publicidade, instrumento que
permite a realização do controle em
relação à legitimidade e eficiência durante
a prestação jurisdicional; e por último, o
princípio da verdade real que determina a
procura pela verdade mais próxima
possível do que, de fato, aconteceu.
Por fim, foi analisada a
possibilidade de o juiz atuar de ofício, a
luz da Constituição Federal e da legislação
infraconstitucional.
A metodologia utilizada foi a
análise bibliográfica sobre os sistemas de
processo penal, e a legalidade da atuação
de ofício do magistrado, demonstrando
sistematicamente o entendimento
doutrinário e jurisprudencial.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Para compreendermos melhor o
tema, é imprescindível conceituar o
sistema processual penal. A este propósito,
Guilherme de Sousa Nucci (2014, p.16)
descreve:
É o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, realizando-se por intermédio do Poder Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei ao caso concreto.
Na visão de Nucci (2014, p. 54) apud Rogério, correspondendo:
[...] à instrumentalização da jurisdição, ou seja, da ação judiciária, em que se insere ação das partes, presenta-se o processo penal como um conjunto de atos que se realizam sucessivamente, preordenados à solução de um conflito de interesses de alta relevância social. A regulamentação desses atos, integrantes do procedimento em que ele se materializa, encontra-se estabelecida nas leis processuais penais, aliás, com muita propriedade” (Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro).
Dando continuidade, após a
introdução ao sistema processual penal,
faremos uma incursão na evolução
histórica dos métodos utilizados pela
humanidade na solução dos conflitos,
considerando-se a realidade social, política
e econômica das civilizações.
2.1 BREVE HISTÓRICO DOS
SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
No início das civilizações, não
havia o direito positivado e nem um
desenvolvido nível social, o que prevalecia
na solução dos conflitos eram as tradições,
incorporadas através de influências
religiosas.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
29
Prevaleceu nessa época, após a
justiça divina, a supremacia da força,
exercida por quem detinha mais força em
face do mais fraco, denominada de justiça
privada ou autotutela.
Na Grécia havia uma diferenciação
no tratamento, tanto na natureza do crime
quanto na forma de punição. No que se
refere à natureza jurídica, existia o crime
privado e o crime público. Por outro lado,
em relação a punição, o crime privado,
dependia exclusivamente da iniciativa da
vítima, já nos crimes públicos, a parte
ofendida era a coletividade, dessa forma,
não se exigia representação da vítima
imediata.
Segundo Tourinho Filho (2006, p.
79): “Entre os atenienses, o Processo Penal
se caracterizava 'pela participação direta
dos cidadãos no exercício da acusação e da
jurisdição, e pela oralidade e publicidade
dos debates'.”
Fato importante, nesse período,
refere-se à imparcialidade da autoridade
judicial, pois não lhe cabia intervir no
processo de maneira direta, mas, tão
somente, quando acionado. Dessa forma, a
Antiga Grécia, aproximava-se,
notoriamente, do sistema processual penal
acusatório.
Ainda durante a Antiguidade e
Idade Média, Roma viveu também as fases
da vingança (privada e divina, até chegar
na vingança pública), separando-o, a
exemplo dos gregos, o Direito da Religião.
Existiam os crimes públicos e os privados,
e uma divisão, quanto à aplicação do
processo. Os crimes públicos o Estado
intervia com a finalidade de preservação
de sua própria existência e autoridade.
Diferentemente quanto os crimes privados,
onde desempenhava o papel de mero
mediador de conflitos.
Nesse período, existia um esboço
de apelação criminal, uma vez que o
acusado podia reclamar ao povo, a fim de
suspender a sentença condenatória,
iniciando um procedimento numa
instância superior, aonde o juiz prolator da
decisão condenatória tinha que
demonstrar, através de elementos
convincentes, que a sentença que proferira
estava embasada em provas e, com isso,
buscar uma nova condenação do acusado
perante o povo.
Ademais, podemos ressaltar que
nesse momento vigorava características
marcantes do sistema acusatório, pois
existia o dever da publicidade dos atos, e
predominava durante o processo o
contraditório e a oralidade.
Não obstante, decorrido algum
tempo os juízes foram ampliando as suas
funções e, além da função típica,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
30
adquiriram a função de acusação, podendo
investigar, acusar, recolher provas sem
qualquer restrição e depois disso tudo
presidir o processo e julgar, num
verdadeiro sistema inquisitivo, sendo tal
procedimento o início da Inquisição, que
perdurou durante toda a Idade Média até o
século XVIII.
O marco histórico do processo
penal, na idade moderna, foi, sem dúvida,
a Revolução Francesa, em 1789, embasada
nas ideias do iluminismo. Na inquisição,
modelo adotado na idade média, o delito
era reprimido com medidas sancionadoras,
que tinham na sua essência a crueldade, ou
seja, o total descompasso com os direitos
do homem. Entretanto, com o início da
idade moderna, esse modelo foi afastado,
mediante adoção de uma nova ordem
jurídica, com uma política criminal
pautado nas garantias e respeito aos
direitos humanos.
Em decorrência da política de
combate às arbitrariedades ocorridas, no
interim do sistema inquisitivo, fora
introduzido, na França em 1808, o Código
Napoleônico, o qual adiante seria
consolidado no Código de Processo Penal
de 1859. Fez surgir uma ideia de um
sistema misto, divididos em 3 (três) fases,
quais sejam: a primeira, afeta à polícia
judiciária; a segunda, inerente a instrução
processual; e por fim, a fase de
julgamento.
Além disso, não havia prevalência
de uma fase sobre a outra, mas sim, uma
divisão harmônica, onde todos agiam para
um objetivo comum e inato a sua função,
ou seja, uma melhor prestação
jurisdicional. Comungando com o
ensinamento, Nucci (2014, p. 94):
Surgido após a Revolução Francesa, uniu as virtudes dos dois anteriores, caracterizando-se pela divisão do processo em duas grandes fases: a instrução preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo, e a fase de julgamento, com a predominância do sistema acusatório. Num primeiro estágio, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto, no segundo, presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção de juízes populares e a livre apreciação das provas.
Também sob a égide das ideias
humanistas e iluministas, a Alemanha,
instituiu um modelo processual sob o
manto da publicidade e oralidade,
submetendo-o ao julgamento do povo.
Além disso, realizou uma repartição do
processo em fases, que seriam
desempenhados por indivíduos distintos, a
saber: acusação, defesa e julgamento.
A acusação competia ao
representante do Ministério Público, que
atuava num procedimento sigiloso e,
porém, respeitando os direitos do acusado.
Já na fase de instrução penal, prevalecia a
publicidade do processo. O juiz,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
31
responsável por seu andamento, detinha a
poder de impulsioná-lo, sob o manto do
princípio da verdade real, entretanto, não
podia dar início a persecução penal em
observância ao princípio da inércia.
Na Espanha, o desaparecimento do
sistema inquisitivo ocorreu em 1834, com
a alteração da competência da jurisdição
que até então pertencia ao Tribunal
denominado Santo Ofício. Num momento
posterior, em 1908, passara a ser chamado
de Sagrada Congregação do Santo Ofício,
que, ainda, a partir de 1965, fora atribuído
o nome de Doutrina da Fé.
A Lei de Processo Penal da
Espanha, de 1882, dividiu a investigação
em três fases, trazendo consigo fortes
características tanto do sistema inquisitivo
como do acusatório. Na primeira fase, do
sistema inquisitivo, denominado com
investigação sumário, aonde se
vislumbrava características como:
procedimento escrito, secreto e mínima
participação da defesa, ou seja, inexistia o
contraditório. Após a investigação
sumária, iniciava-se a fase intermediária,
que em suma, realizava o juízo de
admissibilidade da acusação. Por fim, a
investigação finalizava com a instrução,
efetivada com predominância do sistema
acusatório, porquanto, fazia-se presente a
oralidade, publicidade e o contraditório.
Por conseguinte, verifica-se que o
Processo Penal Espanhol, de fato,
atualmente, adota o sistema processual
penal misto, ou acusatório formal.
Na Itália, apesar das novidades
trazidas pelo Código Rocco, permaneceu
no ordenamento jurídico italiano, os
princípios do sistema inquisitivo, no
entanto, houve inovação no que diz a
atuação do juiz na fase preparatória, pois a
partir do supracitado dispositivo, passou a
incumbir, tão somente, o Ministério
Público com auxílio da polícia, atuar na
fase preliminar. O processo penal passou a
ser dividido em duas fases: a audiência
preliminar e audiência de julgamento.
Nesse cenário, o julgador assumia um
papel de mero observador, ocorrendo,
portanto, uma mitigação ao princípio da
verdade real. Tudo isso, haja vista a
adequação do sistema penal italiano ao
sistema acusatório.
No Brasil, antes da colonização,
em Portugal, no ano de 1446, foram
editadas as Ordenações Afonsinas,
influenciadas pelo direito romano, de
caráter eminentemente religioso.
Em 1514, durante o reinado de D.
Manuel, as supracitadas ordenações, foram
revogadas pelas Ordenações Manuelinas
que, entretanto, trazia consigo, também,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
32
uma base no direito canônico, onde
predominava o sistema inquisitorial.
A compilação dessas duas
ordenações, citadas acima, ocorreu no
ínterim do século XVII, e fez surgir as
Ordenações Filipinas, vigorando por mais
de dois séculos. Nessa época as penas,
eram cruéis e desumanas, buscava-se o
temor através do castigo.
Por conseguinte, enquanto a
vigência das Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas, o sistema
inquisitorial reinou, tendo em vista os
ideais predispostos no direito canônico.
Passado o tempo, com a
proclamação da independência e
promulgação da Constituição de 1824,
foram estabelecidos os fundamentos do
processo, em harmonia com as ideias, de
modo que, em 29 de novembro de 1932,
foi elaborado o Código de Processo
Criminal.
O processo, nessa época, era
iniciado mediante queixa ou denúncia, e
ainda, através da atuação de ofício do juiz.
Coexistiam a instituição do Júri Grande e
o Pequeno. O Primeiro, responsável pelo
juízo de admissibilidade, já o segundo,
também conhecido por Júri de Sentença,
incumbia-lhe, efetivamente, o julgamento.
Sob a vigência da ordem
constitucional de 1937, foi editado um
novo Código de Processo Penal brasileiro
através do Decreto-lei nº 3.689 de 03 de
outubro de 1941. Na vigência do novo
código, constatamos a presença, ainda, do
sistema inquisitivo, resquício do período
imperial, durante o inquérito policial.
Entretanto, houve uma efetiva separação
das funções acusatória e julgadora,
permanecendo a atuação de ofício,
somente nos casos excepcionais, tudo isso
em respeito ao sistema acusatório.
Ocorre que, o novo diploma de
processo penal, permaneceu vigente, mas
não na sua integralidade, e sim de modo
mitigado, sempre se adequando aos
direitos e garantias individuais.
São dignas de atenção as inovações
da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, dispondo, dentre os
dispositivos, o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
33
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos tos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
Portanto, a Constituição “Cidadã”,
traz consigo direitos inerentes ao processo,
quais sejam: direito ao contraditório,
ampla defesa, devido processo legal,
publicidade dos atos, reconhecimento da
soberania do júri, ênfase a oralidade.
Então, podemos afirmar a luz da
Constituição, que adotou o sistema de
processo penal acusatório.
2.2 SISTEMAS PROCESSUAIS
PENAIS
2.2.1 SISTEMA INQUISITIVO
Tem origem, conforme a história
esplanada acima, em Roma e na Europa.
Foi adotado no período monárquico, sob
os fundamentos do direito canônico. É
amplamente utilizado, principalmente, nos
Estados totalitários, em razão da ausência
da liberdade e das garantias individuais, ou
seja, um Estado de Direito, e não um
Estado Democrático de Direito.
Além disso, podemos citar como
características do sistema inquisitivo: a
condenação como meio satisfatório do
processo criminal; o acúmulo num único
sujeito as funções de acusar, defender e de
julgar; a colheita de provas é realizada
pelo próprio juiz de ofício, sendo que, o
sistema de provas é o tarifado ou legal; o
acusado é tratado como objeto das
investigações, e não como sujeito de
direitos; há uma presunção de
culpabilidade; o procedimento é sigiloso; e
principalmente, não há o que se falar em
contraditório.
Nesse sentido, Capez (2014, p.61):
É sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como mero objeto da persecução, motivo pelo qual prática como tortura eram frequentemente admitidas como meio para se obter a prova mãe: a confissão.
Portanto, esse sistema se apresenta
em total desacordo como os princípios
constitucionais, presentes no Estado
Democrático de Direito.
2.2.2 SISTEMA ACUSATÓRIO
Conforme já exposto, evolução
teórica, o sistema acusatório tem origem
na Grécia e Roma, com base no postulado
que, ninguém poderá ser submetido a juízo
sem a devida acusação. É característica,
desse sistema, a separação das funções de
acusar, defender e julgar. Desta forma, há
o respeito a imparcialidade do juízo,
imprescindível a realização da justiça.
Ademais, garante-se o respeito ao
contraditório e a ampla defesa, a igualdade
das partes, a oralidade dos atos processuais
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
34
e a publicidade do processo, admitindo-se,
neste último caso, a mitigação nos casos
previstos em lei. Nesse sentido leciona
Nucci (2014, p.94):
Possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa, e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.
No mesmo viés, mas de maneira
sucinta, CAPEZ (2014, p.61): É
contraditório, público, imparcial, assegura
ampla defesa; há distribuição de funções
de acusar, defender e julgar a órgãos
distintos.
2.2.3 SISTEMA MISTO OU
GARANTISTA
O seu nascedouro fora na França,
nele há duas fases processuais, a saber: a
inquisitiva, durante a investigação
preliminar; e a de julgamento, onde se
aplica todos os conceitos e princípios do
sistema acusatório. No primeiro momento,
há procedimento sigiloso, sem
contraditório e escrito, mas, logo em
seguida, vislumbramos, na fase seguinte, a
presença da oralidade, da publicidade, o
contraditório, a concentração dos atos
processuais e presunção de inocência, que
reza que ninguém será considerado
culpado até o transito em julgado da
sentença condenatória.
Conforme atesta Capez (2014, p.
62): “Há uma fase inicial inquisitiva, na
qual se procede a uma investigação
preliminar e a uma instrução probatória, e
uma fase final, em que se procede ao
julgamento com todas as garantias do
processo acusatório.”
Logo, nesse sistema, há uma
divisão do processo, na primeira fase com
traços inquisitivos e, o segundo com
predominância das peculiaridades
acusatória.
2.3 SISTEMA ADOTADO NO BRASIL
Por todo o exposto no referencial
teórico, podemos concluir, a partir das
premissas extraídas dos conceitos,
características, e ensinamentos e opiniões
doutrinárias sobre os três sistemas de
processo penal, que, primeiramente, a
codificação do processo penal atualmente
vigente, em razão do momento histórico
de sua elaboração, seguiu o sentido oposto
em relação aos preceitos constitucionais
no decorrer do tempo e consagrados pela
Constituição Federal de 1988, mas que
posteriormente vem sendo mitigado como
forma de adaptação ao ordenamento
pátrio. A legislação codificada preocupa-
se, eminentemente, com a segurança
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
35
pública, quase sempre de modo autoritário,
com a presunção de culpabilidade e
periculosidade do infrator. Entretanto, o
modelo previsto na Constituição Federal,
vem caminhando num sentido diverso,
pois traz consigo um sistema com amplas
garantias, existência do contraditório e da
ampla defesa, o princípio da presunção da
inocência, a publicidade dos julgados e o
sistema de provas do livre convencimento
motivado. No mesmo sentido, a doutrina
majoritária, Tourinho Filho (2006, p. 94):
“No Direito pátrio, o sistema adotado é
o acusatório. A acusação, nos crimes de
ação pública está a cargo do Ministério
Público. Excepcionalmente, nos delitos de
ação privada, comete-se à própria vítima o
jus persequendi in judicio. (grifo nosso)”
Ademais, o art. 129, I da
Constituição Federal, confirma a adoção
do sistema acusatório haja vista as funções
de julgar, defender e acusar, serem
exercidas por indivíduos distintos. Nesse
sentido nos ensina Távora e Alencar
(2009, p. 38):
Separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos. Os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade regem todo o processo; o órgão julgador é dotado de imparcialidade; o sistema de apreciação das provas é o livre convencimento motivado.
Portando, o sistema processual
adotado, no Brasil, é o acusatório,
conforme características já apresentadas,
desenvolvido em conformidade com o
respeito aos direitos e garantias
fundamentais, e os dispositivos previsto no
Código de Processo Penal de 1941,
concretizando, assim, um Estado
Democrático de Direito, numa sociedade
livre, sem opressão, sendo a liberdade à
regra.
2.4 PRINCIPIOS DO PROCESSO
PENAL BRASILEIRO
Os princípios constituem o
mandamento nuclear de um sistema,
possuem as funções: normativa, ou seja,
norma jurídica que tem força coercitiva
para solucionar, no plano concreto,
conflitos; a segunda função é a
interpretativa, em que, numa eventual
dúvida a respeito da aplicação de uma
norma, deverá ser solucionada através da
interpretação em conformidade com os
princípios basilares do sistema. A seguir
serão mencionados alguns princípios que
merecem destaque, haja vista, serem
considerados como caracterizadores do
sistema acusatório.
Princípio da presunção da
inocência esta explícito na Constituição
Federal de 1988 no art. 5º, inciso LVII¹,
reza que ninguém será considerado
culpado antes do transito em julgado da
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
36
sentença penal condenatória. Ou seja,
partimos do estado natural de inocência, e
só mudaremos de estado, caso sejamos
comprovadamente, durante o processo, a
culpado, de modo que, não caiba mais
recurso. Ademais, por via de consequência
podemos citar: o ônus da prova, em regra,
cabe à acusação; excepcionalidade das
prisões cautelares; e que toda medida
constritiva de direitos individuais, somente
deverá ocorrer excepcionalmente.
No mesmo sentido, Nucci (2014, p.
60):
Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz, a culpa do réu.
Princípio da paridade das armas ou
da igualdade, expresso no art. 5º, caput, da
Constituição Federal de 1988, traz consigo
o requisito imprescindível ao sistema
acusatório, qual seja, o mandamento de
que vigorará a igualdade material, ou seja,
os iguais serão tratados igualmente, e os
desiguais, serão tratados desigualmente, de
acordo com suas desigualdades.
Também tem previsão na CF/88, o
princípio da ampla defesa, em suma,
dispõe que ao acusado será disponibilizada
a mais ampla gama de meios, e recursos
lícitos para tanto, que possibilite, desta
forma, provar o que lhe é de direito e o seu
estado de inocência quando exigido. Desta
maneira, opera-se a compensação no que
se referi a posição de hipossuficiência em
relação ao Estado, que desempenha as
funções de investigação, de acusação, e de
julgamento. Além disso, são
consequências desse princípio: a revisão
criminal, sempre a favor do réu; e o dever
do juiz de fiscalizar o desempenho da
defesa do réu.
Extraímos do art. 5º, LV da Carta
Política de 1988, o princípio do
contraditório, dispondo que as partes,
acusação e defesa, no processo, tem o
direito de se manifestar em relação às
alegações de direitos, ou a respeito de
apresentação de elementos probatórios.
Portanto, podemos resumir que somente
haverá respeito a este mandamento
constitucional, caso seja respeito, nessa
ordem, primeiro, intimação sobre fatos e
provas, segundo, quando houver
manifestação sobre fatos e provas, e por
fim, quando no exercício do contraditório,
houver possibilidade de ingerir-se com
efeito real na decisão do órgão julgador.
Em complemento ao raciocínio,
Nucci (2014, p. ):
Quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar, havendo um perfeito equilíbrio na relação estabelecida
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
37
entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade e à manutenção do estado de inocência do acusado (art. 5.°, LV, CF).
Os princípios do juiz natural e da
imparcialidade emanam do texto
constitucional, mas precisamente do art.
5º, LIII, representam uma garantia de não
ser processado e julgado, por um juiz
designado e parcial. Ou seja, o juiz natural
é aquele previamente constituído por meio
de lei, e o imparcial, o juiz que faz cumprir
os ditames legais, de modo equidistante
em relação às pastes parciais, cabendo
interferir somente quando houver
necessidade de proteção das liberdades
públicas.
O princípio do devido processo
legal é uma garantia constitucional, com
previsão no art. 5º, LIV, no Título dos
Direitos e Garantias Fundamentais,
concretizando nossa realidade, qual seja de
um Estado Democrático de Direito, e
assim, a lei define um devido processo,
possibilitando, desse modo, a aplicação
legal e moral da pena. Visa,
primordialmente, evita a adoção de
procedimentos, por parte do Estado,
diversos dos ritos procedimentais previstos
no ordenamento jurídico brasileiro.
Princípio da publicidade tem
previsão constitucional nos arts. 5º,
XXXIII e LX, e 93, IX, da Constituição
Federal de 1988. Há uma determinação no
sentido de que os julgamentos e outros
atos, em regra, sejam realizados e
produzidos, publicamente, atingindo sua
finalidade essencial de resguardar a
legitimidade e a eficiência, na prestação
jurisdicional.
Princípio da verdade material ou
real, mandamento próprio do processo
penal, pois nas outras searas o assunto tem
tratamento diferenciado, como por
exemplo, na civil, onde impera tão
somente a verdade trazida pelas partes.
Através desse princípio vislumbramos a
procura pela verdade (noção ideológica da
realidade) mais próxima possível do que,
de fato, aconteceu, gerando o dever das
partes e do juiz de buscar a prova, sem
posição inerte ou impassível. Além disso,
conforme o art. 156, I e II, do código de
processo penal brasileiro, é conferido ao
juiz o poder de iniciativa probatória, que
permite ao magistrado ordenar, mesmo
antes de iniciada a ação penal, a produção
antecipada de provas, urgentes e
relevantes, observando a necessidade, haja
vista, tratar-se de direito indisponível e de
sobremaneira, relacionado às liberdades
públicas.
Ocorre que, porém, há uma
discussão a respeito da sua conformidade
com os ditames do sistema processual
acusatório, previsto na Carta Política de
1988, pois segundo Capez (2014, p.54):
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
38
“A colheita de prova pelo juiz
compromete-o psicologicamente em sua
imparcialidade, transformando-o quase em
integrante do polo ativo da lide penal,
colidindo frontalmente com diversas
normas constitucionais.”
Dessa forma, o juiz não atuar como
parte, sob o pretexto do princípio da
verdade real, pois este mandamento deve
ser usado, somente, na busca da
reprodução processual da verdade.
3 ATUAÇÃO DE OFÍCIO DO
MAGISTRADO, NA FASE PRÉ-
PROCESSUAL, E O SISTEMA
ACUSATÓRIO
No que diz respeita aos aspectos
legais, podemos extrair do Código de
Processo Penal, editado em 1941, outrora
exclamado, características eminentemente
inquisitoriais, em razão do momento de
sua edição, onde ocorriam constantes
violações aos direitos humanos, sob o
fundamento da manutenção da lei e da
ordem pública.
Esta codificação, em seu texto
original, previa, em seu art. 156, a
possibilidade do magistrado determinar de
ofício a produção de provas consideradas
necessárias ao julgamento. Ressalta-se que
essa determinação, ainda tem vigência,
porém, em outro dispositivo, qual seja no
art. 156, II do CPP/41, redação dada por
meio da lei 11.690/08.
É salutar que a grande inovação
girou em torno da novidade trazida pela
Lei 11.690/08, introduzindo no sistema,
através da redação do art. 156, I, a
possibilidade do magistrado, sem a
necessidade de provocação das partes,
determinar a produção probatória caso
considere-as urgentes e imprescindíveis
para, posteriormente, subsidiar a ação
penal. Noutras palavras, durante o
inquérito, havendo necessidade, adequação
e proporcionalidade, poderá o magistrado
agir de ofício.
Ressaltamos que a iniciativa
probatória do juiz deve limitar-se, então,
ao esclarecimento de questões ou pontos
duvidosos sobre o material já trazido pelas
partes, nos termos da nova redação do art.
156, II, do CPP, inserida, também, por
meio da Lei nº 11.690/08.
Além disso, foi introduzido através
da Lei 12.403, de 5 de maio de 2011, no
Código de Processo Penal, o art. 282, §2º,
trazendo uma importante e questionável
mudança ao possibilitar o magistrado, de
ofício, na fase processual, aplicar medidas
cautelares diversas da prisão, ou substituí-
la por outra, evidenciando seu objetivo,
qual seja, evitar o encarceramento
provisório, em respeito ao princípio da
presunção da inocência e, ainda,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
39
prestigiando o sistema acusatório. Logo, a
prisão provisória assumiu caráter
excepcional e, mesmo numa situação de
urgência, o juiz deverá valer-se da análise
das medidas diversas da prisão, desta
forma, busca-se dá maior efetividade a
prestação jurisdicional.
Ademais, com relação a prisão
preventiva de ofício pelo juiz, é previsto
no Código de Processo Penal, nos arts. 311
e 312, redações dadas pela Lei 12.411, de
2011, a possibilidade de sua decretação,
tão somente na fase processual, para
garantir a ordem pública, a ordem
econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da
lei penal, quando houver prova da
existência do crime e indício suficiente de
autoria, pois o julgador de hoje deve ser
visto como um garantidor de direitos
fundamentais.
O que diz respeita a possibilidade
de conversão da prisão em flagrante em
prisão preventiva, de ofício, os tribunais
superiores vêm se posicionando no sentido
da sua admissão, como podemos observar
em decisão do Superior Tribunal de
Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO MAJORADO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. CONVERSÃO DE OFÍCIO DO
FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA [...] III - Não existe nenhuma nulidade em converter de ofício o flagrante em prisão preventiva quando presentes os requisitos autorizadores da segregação cautelar, nos termos dos arts. 310, inciso II, e 311 do Código de Processo Penal. Precedentes. IV - Recurso em habeas corpus improvido. (STJ - RHC: 45203 MG 2014/0026134-4, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento: 13/05/2014, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/05/2014).
No que se refere aos aspectos
constitucionais, ante o exposto, podemos
afirmar que o sistema constitucional é o
acusatório, e traz consigo alguns
mandamentos a seguir exposto:
primeiramente, foi consagrada no art. 129,
I da Constituição Federal, a titularidade da
ação penal pública ao Ministério Público,
ressaltando as hipóteses de mitigação
previstas na própria Carta Política;
segundo, há uma nítida separação das
funções no processo, e, portanto, uma
exaltação a imparcialidade dos órgãos
jurisdicionais; ademais, o ordenamento
elevou a qualidade de direitos
fundamentais, os princípios do
contraditório, da imparcialidade, da ampla
defesa, da oralidade e da publicidade.
Podemos concluir que, o sistema
adotado pela Constituição Federal de 1988
é, portanto, constituído por amplas
garantias, vedando a rotulação de culpado
antes do transito em julgado da sentença
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
40
condenatória, e, por conseguinte, uma
garantia do indivíduo em face do poder
punitivo do Estado.
Segundo a doutrina majoritária,
entende ser inconstitucional, a atuação do
magistrado, de ofício, em razão, deste
órgão, ter o dever de manter a
imparcialidade, porquanto não há como o
julgador escapar de um sentimento
inerente ao homem.
Ademais, ao participar exercer o
poder de iniciativa probatória, sob o
pretexte de buscar a verdade real, há um
comprometimento psicológico,
transformando-o em juiz inquisidor. Em
razão disso, deve-se incidir o impedimento
para proferir decisão nesse caso.
Nesse sentido, percebemos que o
conhecimento do juiz a respeito do
material probatório deve ser reservado a
fase em que é proferida a sentença, e de
modo geral, a atuação do magistrado deve
ser exclusivamente, o que estiver
relacionado com as liberdades públicas.
Segundo Rangel (2008, p. 461):
Ora, como imaginar um juiz isento que colhe a prova no inquérito, mas não a leva em consideração na hora de dar a sentença? A reforma pensa que o juiz é um ser não humano. Um extraterrestre que desce de seu planeta colhe a prova, preside o processo, julga e volta à sua galáxia, totalmente imparcial. A reforma, nesse caso, adota o princípio inquisitivo, colocando o juiz no centro da colheita da prova em total afronta à Constituição Federal, que adota o sistema acusatório. (grifo do autor).
Além do mais, quando o juiz atua
de ofício na fase de investigação
preliminar, há ofensa, inquestionável, a
imparcialidade, não somente referente às
hipóteses de incompatibilidade,
impedimento e suspeição, inseridas no
Código de Processo Penal, mais
principalmente ao sistema acusatório. No
mesmo sentido, Oliveira (2014, p.49):
[...] O juiz, a rigor, nem sequer deveria ter contato com a investigação, realizada que é em fase anterior à ação penal, quando não provocada, até então, a jurisdição. Somente quando em disputa, ou em risco, a lesão ou ameaça de lesão a direitos subjetivos ou à efetividade da jurisdição penal é que o Judiciário deveria – e deve – manifestar-se na fase investigatória, como juiz das garantias individuais, no exercício do controle judicial da legalidade dos atos administrativos. Por isso, inadmissível e inconstitucional, por violação ao sistema acusatório, a ‘novidade’ trazida com a Lei 11.690/08, que, dando nova redação ao art. 156 do CPP, prevê a possibilidade de o juiz determinar, de ofício, diligências probatórias no curso da investigação criminal.
Logo, o papel do magistrado é o de
órgão de controle da legalidade e garantidor
do respeito aos direitos fundamentais do
investigado, contrariando a figura do juiz
inquisidor ou instrutor. Dessa forma, atua em
conformidade com o sistema acusatório e a
própria forma inerente ao processo penal.
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓ-
GICOS
Em relação aos procedimentos
metodológicos, as hipóteses foram
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
41
investigadas mediante pesquisa
bibliográfica, decompondo a problemática
da atuação de ofício do magistrado, na
fase pré-processual, e o sistema acusatório,
mediante a análise da literatura já
publicada em forma de livros, imprensa
oficial escrita e publicada na internet, e
documental, por meio de leis, pesquisas,
enfim, materiais relacionados ao tema.
Ao longo dos anos estudei
demasiadamente Leis, Artigo, Livros,
concernentes ao tema, Direito Penal e
Direito Processual Penal e dentre outros.
Desta feita, percebi que os meus
conhecimentos adquiridos não servirão
apenas para me principiar a entender sobre
o ordenamento jurídico brasileiro, mais
também despertou em mim um cidadão
com mais sede por conhecimento para
driblar as adversidades e é claro poder
repassar para outrem o que aprendi,
ajudando, em consequência, aquele que
queria ser auxiliado.
De toda sorte que, para a execução
deste trabalho busquei orientar-me pelo
procedimento de investigação, o método
bibliográfico que se configura na
elucidação de conhecimentos de obras
científicas, artigos e notícias de estudiosos
referenciais ao tema que explorei na
confecção deste artigo. Proporcionando-
me uma base teórica para que eu possa
expressar minuciosamente, de uma
maneira concisa, minhas ideologias sem
sair da realidade acadêmica e repassando
para a universidade informações verídicas
sobre o tema, e a parir Julho de 2014 fui ás
bibliotecas de Direito das Universidades
Públicas da Cidade de Fortaleza com o fito
de coletar bibliografias referentes ao tema.
Já com os resultados de minhas
análises à bibliografia lida, em Agosto,
consegui filtrá-las para uma direção mais
específica ao meu tema, chegando, assim,
ao meu objeto em estudo. Então, trabalhei
com arquivos que me possibilitassem
extrair informações precisas e específicas
a respeito do sistema adotado no Brasil e
suas características.
Nos meses subsequentes (Setembro
e Outubro) expressei para a realização
deste trabalho minhas interpretações sobre
a temática com o objetivo de analisar a
compatibilidade dos dispositivos
infraconstitucionais penais, entendimento
doutrinário e os posicionamentos da
jurisprudência a respeito do sistema
acusatório e sua violação, que é previsto e
consagrado na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988,
principalmente, no aspecto da
constitucionalidade.
Somando-se a isso, o meu objetivo
específico foi buscar um novo paradigma
de atuação dos autores do processo penal,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
42
analisar os desdobramentos do sistema
acusatório e do inquisitivo e delimitar os
papéis dos autores do processo de acordo
com a legalidade. Em fim, no mês de
Novembro realizei junto a meu orientador
as últimas correções para lograr êxito na
apresentação deste trabalho.
5 ANÁLISE DOS DADOS E
RESULTADOS
Com o fomento da humanidade e
da tecnologia houve a necessidade da
gênese de diretrizes que orientassem as
condutas dos homens para o bem-estar
social (Karl Gunnar Myrdal, 1974) para
que todos vivam em harmonia respeitando,
assim, os limites e/ou espaços dos
indivíduos que vivem em sociedade.
A partir disto, O Brasil preocupou-
se em editar uma constituição cidadã em
1988 na qual expressa à competência da
União em legislar sobre matéria de direito
penal e direito processual penal. De toda
sorte que ao longo deste espaço temporal
até os dias atuais sucedeu no país a
explosão demográfica e junto a esta veio à
necessidade das legislações e
jurisprudência atenderem as necessidades
das novas realidades das quais convive a
população brasileira.
Por isso, com o crescimento
populacional e a falta de políticas públicas
que possam abastecer as carências das
famílias brasileiras como, por exemplo: o
investimento na educação, na
disponibilização de mais vagas para
emprego e ao pequeno agricultor, para que
este não fuja para a cidade alavancando,
assim, as desigualdades sociais e
aumentando a comunidade periférica.
Então o legislador cuidou-se de adequar o
ordenamento ao novo perfil da sociedade
brasileira, ou seja, prevendo novos
procedimentos e tipificando novas
condutas que não estavam descrita no
direito positivo.
Através dos estudos mais
elaborados no que tange as inovações e as
evoluções do processo penal brasileiro
pude confeccionar este trabalho. E ao
longo de sua construção pude chegar
alguns resultados de que o sistema
constitucional é o acusatório, e traz
consigo alguns mandamentos a seguir
exposto: primeiramente, foi consagrada no
art. 129, I da Constituição Federal, a
titularidade da ação penal pública ao
Ministério Público, ressaltando as
hipóteses de mitigação previstas na própria
Carta Política; segundo, há uma nítida
separação das funções no processo, e,
portanto, uma exaltação a imparcialidade
dos órgãos jurisdicionais; ademais, foi
levada a qualidade de direitos
fundamentais, os princípios do
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
43
contraditório, da ampla defesa, da
oralidade e da publicidade.
Somando- se a isto, outro resultado
é o entendimento e esclarecimento para a
sociedade brasileira de que em algumas
situações em que se encontram como
vítimas seus direitos serão aparados pelo
ordenamento jurídico, conforme Lei
11.690/08, que permite ao magistrado,
designar a produção probatória em casos
julgados como urgentes e essenciais pelo
togado, para posteriormente, subsidiar a
ação penal. Isto podendo suceder sem que
as partes assumam uma posição favorável
ou desfavorável às execuções de seus
direitos.
Além disso, podemos observar
também como resultado desta pesquisa,
que estas inovações nos transcursos penais
foram permitidas pela edição da Lei
11.690/08, que deslocou a antiga redação
do art. 156 para o art. 156, II, além disso,
inovou no inciso I, ainda do art. 156,
possibilitando o início da produção
probatório de ofício.
Como último resultado podemos
apontar a evolução do processo penal no
que desrespeita as medidas cautelares e a
possibilidade da decretação da prisão
preventiva de ofício na fase da persecução
penal, inseridas pela Lei 12.403 de 05 de
maio de 2011, que com a preocupação de
preservar a integridade moral e física
(neste caso, resguardando o acusado dos
perigos que pode encontrar dentro das
penitenciarias) possibilitou na fase
processual aplicar medidas cautelares
diversas da prisão ou substituí-la ou outra,
resultando assim, no objetivo de se evitar
o encarceramento provisório. Porquanto,
emana do princípio da presunção da
inocência, que ninguém será considerado
culpado antes do transitado e julgado.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois da incursão na evolução
histórica dos sistemas de processo penal e,
sinteticamente, caracterizar os sistemas de
processo penal Inquisitivo, Acusatório e o
Misto, surgidos no decorrer do período
compreendido entre a Antiguidade e a
Idade Moderna, com a posterior
verificação do sistema adotado no Brasil,
em sintonia com o Código de Processo
Penal de 1941 e alterações, e a
Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, podemos chegar às
seguintes conclusões:
Com a vigência da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988,
conhecida por constituição “cidadã”, com
o fundamento, dentre outros, na dignidade
da pessoa humana, e da leitura de outros
dispositivos, como do art. 129, I,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
44
chegamos a conclusão que o sistema
adotado é o acusatório, com as seguintes
características: separação das funções de
acusar, defender e julgar; há contraditório
e ampla defesa; o acusado é tratado com
sujeito de direitos; os atos processuais
obedecem o princípio da publicidade; e
etc.
No que se refere ao princípio da
verdade real, o entendimento correto a ser
adotado é no sentido de que, ao juiz é
conferida a possibilidade, dentro dos
limites legais, promover ações que mais se
aproximem da realidade, respeitando,
sempre, o sistema acusatório;
Em relação à iniciativa probatória, nos
posicionamos no mesmo sentido da
doutrina majoritária, devemos obedecer a
vontade emanado pelo constituinte, ou
seja, o juiz não pode se comportar como
parte, e se assim o fizer, estará violando o
sistema acusatório e usurpando funções
que não lhes pertencem. Entretanto,
ressaltamos a possibilidade de diante de
situações que estejam em perigo às
liberdades públicas, o magistrado deve
agir sim, pois é também um garantidor dos
direitos fundamentais;
Quando o magistrado determina a
produção de provas de ofício na fase do
inquérito policial, está maculando o
sistema acusatório e substituindo a atuação
do órgão encarregado constitucionalmente
da acusação. Quando, por outro lado,
determina de ofício a produção de provas
no curso da ação penal já instaurada, em
nada modifica a usurpação da função do
Ministério Público, estando do mesmo
modo ferindo o sistema acusatório, sua
imparcialidade e o devido processo legal.
Quando o juiz atua de ofício, na fase
pré-processual, infringe dispositivos
constitucionais, pois o conhecimento do
material probatório deve ser reservado a
fase de julgamento, pois, antes, a coleta
probatória deve interessar, tão somente, o
sujeito responsável e titular da ação penal,
e não ao julgador, caso contrário ocorrerá
violação latente ao sistema acusatório, e
consequentemente a sua imparcialidade;
E em suma, a atuação judicial na fase
do inquérito, há de ser para fins,
exclusivamente, de proteção das
liberdades públicas. Por fim, ressaltamos
que, diante de todas as análises realizadas
durante o desenvolvimento desse trabalho,
à luz das considerações acima enunciadas,
podemos afirmar que, certamente que o
ordenamento processual penal brasileiro
vive hoje a realidade de possuir um
sistema acusatório com iniciativa da ação
penal preponderantemente pública, com
repartição de funções e imparcialidade do
julgador apenas de natureza formalmente
acusatória, mas mitigada pelos princípios
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
45
da ampla defesa e do contraditório, diante
de uma publicidade potencialmente restrita
e oralidade manifestamente imperfeita.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Processo Penal,
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de
1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec
reto-lei/del3689compilado.htm> Acesso
em: 14 de Abril de 2014.
______. Constituição Federal Brasileira
de 5 de outubro de 1998. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con
stituicao/ConstituicaoCompilado.htm>
Acesso em 13 de Abril de 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de
Processo Penal e Execução Penal. 11º
ed. Editora Forense, 2014.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de
processo penal I Eugênio Pacelli de
Oliveira. - 18. ed. rev. e ampl. atual. de
acordo com as leis n"' 12.830, 12.850 e
12.878, todas de 2013. - São Paulo: Atlas,
2014.
RANGEL, Paulo. Direito Processual
Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2008
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar
A.R.C. de. Curso de Direito Processual
Penal. 2.ed. Salvador: Jus Podivm, 2009.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 28. Ed. São Paulo: Saraiva 2006.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
46
A LEGITIMIDADE NA LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIA DO DE OCORRÊNCIA PELA POLÍCIA MILITAR NO ESTADO DO CEARÁ
José Armando Pereira Ferreira Aluno do curso de Direito da Faculdade integrada da Grande Fortaleza [email protected] Maria Lucia Falcão Professora Especialista do curso de Direito na Falculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF [email protected]
RESUMO: Atualmente a Segurança Pública tem sido um dos temas mais discutidos na sociedade, já que diariamente temos que conviver com os mais diversos casos de violência. Mas se por um lado a violência cresce e a sociedade, consequentemente, sofre, por outro lado as polícias civis e militares vivem em constante discussão acerca de suas atribuições. Discussão essa que acaba por dificultar o trabalho dos policiais e, por conseguinte, favorecer a criminalidade. As polícias militar e civil, são órgãos do Estado incumbidos constitucionalmente de preservar a ordem pública, de proteger as pessoas e o patrimônio da Nação, bem como de realizar a investigação e repressão dos crimes com vistas a conter a violência. O §5º do art. 144 da Constituição Federal, de 1988, disciplina que às polícias militares caberá a função de polícia ostensiva e de preservação e manutenção da ordem pública, contudo, essa função deve ser interpretada de forma abrangente, até mesmo porque não se tem uma definição clara do que seja essa função de ‘manter a ordem pública’ do Estado. A competência da Polícia Militar deve ser entendida além do combate ostensivo e direto à criminalidade. Na amplitude do entendimento de suas funções outras atividades podem ser incluídas, a exemplo da lavratura dos Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO’s), e esse será o foco principal da pesquisa, voltado especificamente para o Estado do Ceará. Para o desenvolvimento do presente trabalho optamos pela pesquisa bibliográfica e documental por entender suficiente ao esclarecimento do tema.
Palavras-chave: Segurança Pública. Polícia Militar e Civil do Ceará. Termo Circunstanciado de Ocorrência. ABSTRACT: Currently public safety has been one of the most discussed issues in society, because every day we have to live with the various cases of violence. But if on one hand the violence grows and the company consequently suffers, on the other hand the civil and military police live in constant discussion about their assignments. Discussion which eventually hinder the work of the police and therefore foster crime. Police in Brazil are state organs charged constitutionally to maintain public order, to protect people and the heritage of the nation, as well as carry out the investigation and prosecution of crimes in order to contain the violence. The paragraph 5 of art. 144 of the Federal Constitution of 1988 discipline that the military police will be up to police and ostensible function of preserving and maintaining public order, however, this function should be interpreted broadly, even because they do not have a clear definition of what this function 'maintain public order' state. The jurisdiction of the Military Police should be understood beyond the overt and direct combat crime. Amplitude in understanding their functions other activities can be included, such as the drafting of the detailed Terms of Occurrence (TCO's), and this will be the main focus of research, aimed specifically at the state of Ceará. For the development of this work we chose bibliographic and documentary research to understand enough to clarify the issue.
Keywords: Public Security Police of Ceará, Robust Term Occurrence.
.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
47
1 INTRODUÇÃO
Atualmente a Segurança Pública
tem sido um dos temas mais discutidos na
sociedade, já que diariamente temos que
conviver com os mais diversos casos de
violência. Mas se por um lado a violência
cresce e a sociedade, consequentemente,
sofre, por outro lado as Polícias Civis e
Militares vivem em constante discussão
acerca de suas atribuições. Discussão essa
que acaba por dificultar o trabalho dos
policias e, por conseguinte, favorecer a
criminalidade.
A Polícia Militar e Civil são órgãos
do Estado incumbidos constitucionalmente
de preservar a ordem pública, de proteger
as pessoas e o patrimônio da Nação, bem
como de realizar a investigação e
repressão dos crimes com vistas a conter a
violência.
Nossa atual Carta Constitucional
estabelece em seu art. 144 que a
Segurança Pública, dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, será
exercida através dos seguintes órgãos:
Polícia Federal; Polícia Rodoviária
Federal; Polícia Ferroviária Federal;
Polícia Civil; Polícia Militar e Corpos de
Bombeiro Militar.
Mais precisamente no §5º do art.
144, a Constituição Federal de 1988,
disciplina que às Polícias Militares caberá
a função de polícia ostensiva e de
preservação e manutenção da ordem
pública, contudo, essa função deve ser
interpretada de forma abrangente, até
mesmo porque não se tem uma definição
clara do que seja essa função de ‘manter a
ordem pública’ do Estado e qual seria o
limite dessa atividade.
Este artigo científico terá como
foco principal a análise da legitimidade na
elaboração de Termos Circunstanciados de
Ocorrência (TCO’s) pelo Policial Militar,
bem como verificar as implicações dessa
lavratura, em consonância ao preceito
constitucional que outorga à Polícia
Militar o dever de preservar e manter a
ordem pública e nos moldes da Lei nº
9.099/95, delimitando a pesquisa para
alguns aspectos próprios do estado do
Ceará.
2 REFERENCIAL TEÓRICO: PAPEL
CONSTITUCIONAL DAS POLÍCIAS
CIVIL E MILITAR DO CEARÁ
Segundo disposto na Constituição
Federal de 1988, as Polícias Civis e
Militares enquanto órgãos do sistema de
segurança pública são incumbidos da
preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio,
como também na apuração, investigação e
elucidação de infrações penais. Vejamos
21
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
48
os termos constitucionais de suas
atribuições:
Art. 144. [...] § 4º – Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º – Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; [...]
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (grifou-se)
A Constituição Estadual do Ceará,
ao tratar desse tema, deixa claro que todos
os órgãos que integram o sistema de
segurança pública têm o comum objetivo
de proteger a pessoa humana [...] adotando
as medidas legais adequadas [...]:
Art. 178. A segurança pública e a defesa civil são cumpridas pelo Estado do Ceará para proveito geral, com responsabilidade cívica de todos na preservação da ordem coletiva, e com direito que a cada pessoa assiste de receber legítima proteção para sua incolumidade e socorro, em casos de infortúnio ou de calamidade, e garantia ao patrimônio público ou privado e à tranqüilidade geral da sociedade, mediante sistema assim constituído: I - Polícia Civil; II - Organizações Militares: Polícia Militar; [...] Parágrafo único. Todos os órgãos que integram o sistema de segurança pública e defesa civil estão identificados pelo comum objetivo de proteger a pessoa humana e combater os atos atentatórios aos seus direitos, adotando as medidas legais adequadas à contenção de danos físicos e patrimoniais, velando pela paz social,
prestando recíproca colaboração à salvaguarda dos postulados do Estado Democrático de Direito.(grifou-se)
Em consonância aos preceitos
da Magna Carta, as funções outorgadas às
Polícias Civil e Militar são repetidas pela
Constituição do Ceará, como se vê a
seguir:
Art. 183. A Polícia Civil, instituição permanente orientada com base na hierarquia e disciplina, subordinada ao Governador do Estado, é organizada em carreira, sendo os órgãos de sua atividade fim dirigidos por delegados. [...] Art. 184.Compete à Polícia Civil exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto militares, realizando as investigações por sua própria iniciativa, ou mediante requisições emanadas das autoridades judiciárias ou do Ministério Público. [...] Art. 187. A Polícia Militar do Ceará é instituição permanente, orientada com base nos princípios da legalidade, hierarquia e disciplina, constituindo-se força auxiliar e reserva do Exército, subordinada ao Governador do Estado, tendo por missão fundamental exercer a polícia ostensiva, preservar a ordem pública e garantir os poderes constituídos no regular desempenho de suas competências, cumprindo as requisições emanadas de qualquer destes.(grifou-se)
No tocante à atividade policial
militar a Constituição Estadual ainda
complementa: “Art. 188. Incumbe à
Polícia Militar a atividade da
preservação da ordem pública em todas
as suas modalidades e proteção
individual, com desempenhos ostensivos
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
49
para inibir os atos atentatórios a
pessoas e bens”. (grifou-se)
Nas palavras de Lazzarini (1996, p.
16) a Polícia Militar não se limita ao
exercício da polícia preventiva e ostensiva,
previsto nas Constituições, cabendo-lhe,
ainda, o exercício da atividade policial que
não for atribuída aos outros órgãos que
compõem o sistema de segurança pública,
bem como em se tratando de inoperância
desses órgãos.
A competência da Polícia Militar
deve ser entendida além do combate
ostensivo e direto à criminalidade. Na
amplitude do entendimento de suas
funções outras atividades podem ser
incluídas, desde que realizadas
harmoniosamente com os segmentos
comunitários e respeitada a legislação
vigente.
De acordo com Lazzarini (2003)
podem ser extraídos três elementos da
expressão ‘ordem pública’, a saber:
segurança, tranquilidade e salubridade
pública. Conceituando esses elementos o
autor assevera que:
Segurança Pública [...] é o estado antidelitual que resulta da inobservância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções penais, com ações de polícia repressiva ou preventiva típicas, afastando, assim, por meio de organizações próprias, de todo o perigo, ou de todo mal que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade das pessoas, limitando as liberdades
individuais, estabelecendo que a liberdade de cada pessoa, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a. Tranquilidade pública vem do latim tranquilitas (calma, bonança, serenidade), exprime o estado de ânimo tranquilo, sossegado, sem preocupações nem incômodos, que traz às pessoas uma serenidade, ou uma paz de espírito. Salubridade pública refere-se ao que é saudável, conforme as condições favoráveis à vida, certo que se referindo às condições sanitárias de ordem pública, ou coletiva, a expressão salubridade pública designa também o estado de sanidade e de higiene de um lugar, em razão do qual se mostram propícias às condições de vida de seus habitantes. (LAZZARINI, 2003, p. 284-285, grifo nosso).
O Poder Executivo, dentre os
Poderes Orgânicos do Estado que utilizam
o poder de polícia, através das Secretarias
da Segurança Pública dos Estados-
membros ou do Ministério da Justiça, é
incumbido da defesa da coletividade e de
zelar pela ordem pública.
Quando esse poder de polícia é
utilizado pelos órgãos de segurança
pública é possível sua análise tanto no
aspecto preventivo (polícia ostensiva)
como no repressivo (polícia judiciária). O
referido poder condiz com uma faculdade
da Administração Pública, e assim é
conceituado segundo Lazzarini (1973)
como:
Um conjunto de atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
50
elas, como também em seus bens e atividades. (LAZZARINI, 1973, p. 45-52)
Com efeito, todos os conceitos que
pudessem ser trazidos à presente pesquisa
repousariam no sentido de que o papel
principal das polícias, tanto militar como
civil, ao exercer suas funções
conjuntamente, é levar tranquilidade e
sensação de segurança às pessoas como
também proteger seus patrimônios.
2.1 COMPETÊNCIA LEGAL PARA
SE LAVRAR O TERMO
CIRCUNSTANCIADO DE
OCORRÊNCIA (TCO)
Desde a promulgação da Lei nº
9.099/95, a qual dispõe sobre os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais, a Polícia
Civil do Estado do Ceará vem
materializando o registro das infrações
penais de menor potencial ofensivo nos
denominados TCO’s. Isso vem
acontecendo independentemente da
ocorrência policial ter sido atendida pela
Polícia Militar do Ceará, uma vez que
aquela instituição realiza função
mediadora entre a autoridade policial que
tomou ciência do fato e o Juizado
respectivo para onde o caso será levado.
Hodiernamente, quando
vivenciamos a era da globalização e
notório avanço tecnológico, os órgãos
estatais devem ter consciência de que o
retardamento ou a negativa em atender de
forma eficiente os direitos individuais e
coletivos gera insatisfação social e,
consequentemente, acaba por resultar no
aumento da violência. Embora milenares,
ainda soam oportunas as palavras do
profeta bíblico Isaías quando faz a
seguinte afirmação: “A paz é fruto da
justiça” (ISAÍAS 32:17).
Embora a Lei nº 9.099/95 já esteja
em vigor há quase duas décadas no
ordenamento jurídico pátrio, ainda persiste
a discussão acerca da competência da
Polícia Militar para a lavratura dos TCO’s
em decorrência das infrações de menor
potencial ofensivo. Tal discussão se dá em
razão da interpretação literal do artigo 144,
em seus parágrafos 4º e 5º, da Constituição
Federa/1988, bem como do artigo 69 da
Lei dos Juizados Especiais,
desconsiderando-se a interpretação
sistêmica e teleológica da Carta Maior e,
com isso, ilidindo os prováveis benefícios
daí oriundos.
Em sentido oposto à mencionada
discussão é importante destacar que em
data de 23 de outubro de 2009, na
Secretaria Executiva dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais da capital do
Ceará, ligada à Procuradoria-Geral de
Justiça, o plenário dos Órgãos colegiados,
em unanimidade de votos consignados na
Ata de Reunião daquele dia, e em
consonância com a Lei nº 9.099/95,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
51
decidiu aceitar, como projeto-piloto, os
procedimentos lavrados por infrações
penais de menor potencial ofensivo pela
Companhia de Polícia Militar Ambiental
(CPMA). Assim, dispensou-se a
necessidade do registro do Termo
Circunstanciado de Ocorrência (TCO) ser
feito na Delegacia de Polícia, conforme
solicitado fundamentadamente pelo
Comandante da referida Companhia.
A Polícia Militar, enquanto órgão
integrante do Sistema de Política Criminal
do nosso país, não deve ser acionada
somente para intervir na repressão do
crime. O TCO não deve ser encarado
como ato exclusivo da Polícia Civil, uma
vez que não é necessária a investigação
criminal porquanto presentes os elementos
flagrâncias para tal lavratura. Nesse
sentido:
Há necessidade de mudança de mentalidade de todos os aplicadores do direito, em relação à Lei nº 9.099/95. No que concerne o campo penal e processual penal deve prevalecer os princípios consagrados no artigo 62 da citada lei. Em especial, devem-se aplicar, em primeiro lugar, os princípios que regem o novo sistema dos Juizados Especiais. (Titular da 17ª Promotoria dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Fortaleza, grifo nosso).
É certo que a Lei nº 9.099/95,
mais precisamente em seu artigo 62,
enumera os critérios orientadores de seus
procedimentos: “Art. 62. O processo
perante o Juizado Especial orientar-se-á
pelos critérios da oralidade,
informalidade, economia processual e
celeridade, objetivando, sempre que
possível, a reparação dos danos sofridos
pela vítima e a aplicação de pena não
privativa de liberdade”. (grifou-se)
Ora, em verdade, o TCO
consiste em simples relatório
administrativo de comunicação ao Poder
Judiciário, que deverá ter por vetores os
critérios acima indicados. Desse modo,
diante dos parâmetros estabelecidos pela
Lei dos Juizados, não pode prosperar a
exclusividade da Polícia Civil na lavratura
dos TCO’s, até porque, dentre outros
problemas, falta, inclusive, efetivo para
isso. O próprio ex-Secretário da Segurança
Pública e Defesa Social do Estado do
Ceará, Roberto das Chagas Monteiro,
reconheceu os problemas que a PC/CE
enfrenta e, tratando dos crimes de
execuções nesta capital, afirmou que a
Instituição está falida:
Eu fico constrangido em falar sobre isso. Na realidade, nós não temos efetivo. Um delegado tem o tempo dele todo ocupado resolvendo problemas imediatos. Ou seja, ele precisa ter uma equipe para investigar o homicídio. Se ele não tem efetivo para isso, fica difícil. Às vezes há 20 presos numa delegacia e apenas um inspetor. Cadê aquele homem que fica o dia todo nas ruas, investigando, conversando com as pessoas? Uma investigação é complexa. Às vezes um pequeno detalhe acaba sendo a solução. Enquanto tivermos uma estrutura de Polícia Civil falida como é hoje, não vamos ter uma maneira de investigar de forma eficiente essas execuções. A Polícia Civil está falida.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
52
(NÃO tem como investigar, a Polícia está falida. Jornal O POVO. 4 set. 2008. Caderno Fortaleza, p. 2, grifo nosso).
O governador do Ceará, Cid
Ferreira Gomes (2006-2014) também
reconheceu a crítica situação em que se
encontra a Polícia Civil do Estado, apenas
preferindo substituir a palavra‘falida’,
utilizada nas declarações do Secretário
Roberto das Chagas Monteiro, por
‘desatualizada’:
A Polícia Civil não está falida. Esse não é o melhor termo. Ela está desatualizada, desequipada, desprovida de recursos humanos, faltam delegacias, delegados, policiais civis e faltam equipamentos. [...] Os delegados não dão conta de cuidar de todos os delitos (CID: “Polícia Civil não está falida, mas desatualizada”. Jornal O POVO. 5 set. 2008. Caderno Fortaleza, p. 1, grifo nosso).
Reforçando a defesa de que a
lavratura dos TCO’s não pode ser
exclusiva da Polícia Civil, o Promotor de
Justiça titular da 17ª Promotoria dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais de
Fortaleza sustenta:
É preciso mudar a exclusividade dos registros de ocorrência pela Polícia Civil do Estado do Ceará. Vários Estados da Federação já adotaram o registro pela Polícia Militar. Se faz necessário uma capacitação dos policiais militares para que possam realizar os registros de ocorrência.Não vejo nenhum impedimento para tal medida. Não obstante, a grande resistência dos policiais civis do Estado do Ceará. A lei não faz restrição sobre o registro de TCO. É preciso que se tenha um mínimo de provas para tipificar a infração penal e a suposta autoria. A
autoridade policial declarada no artigo 69, não significa exclusividade da policia civil. A interpretação que se tem do sistema dos juizados especiais é atender à demanda reprimida dos pequenos delitos. (Titular da 17ª Promotoria dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Fortaleza, grifo nosso).
Ao tecer considerações sobre a
lavratura do TCO pela Polícia Militar/Ce,
Jorge (2002, p.2) cita Camargo, ex-
Comandante-Geral da Polícia Militar de
São Paulo (PMSP):
Apenas para se ter uma ideia do que essa medida representa em termos de economia de tempo das viaturas em atividades de registro e consequente disponibilização para trabalho preventivo, basta lembrar que o tempo médio de permanência num distrito policial para registro desses casos gira em torno de duas horas e meia e, a cada mês, a Polícia Militar atende em todo Estado algo próximo de 150 mil ocorrências. Vale dizer, a cada mês se deixam de realizar, aproximadamente, 350 mil horas de patrulhamento preventivo por conta da desnecessária atividade cartorial nas infrações menores.(CAMARGO apud JORGE, 2002, p.2, grifo nosso).
Não há dúvidas de que na
discussão que permeia a lavratura dos
TCO’s o maior prejudicado é o cidadão,
que poderia ser mais bem protegido se, no
lugar da burocracia administrativa, fosse
usado o bom senso na solução desse
impasse de atribuições das Polícias do
Ceará, tendo em vista, esta corporação está
presente em todos os municípios cearenses
e diuturnamente esta em contato com a
sociedade, procurando de qualquer forma,
encontrar uma solução para o conflito, e
muitas vezes, fazendo deslocamento de até
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
53
100 quilômetros para lavrar um TCO, e
enquanto isso a sua cidade em que atua,
fica desprotegida a mercê da violência e da
bandidagem..
Em trabalho que averigua a
produtividade da polícia do Brasil, Secco
(1999) apud Silva Júnior (2007, p. 2)
chegou à conclusão de que a nossa é uma
das piores a nível mundial no que tange a
taxa de resolução dos delitos ocorridos. A
tabela abaixo indica o que isso significa
em números em relação a outros países.
TABELA 1 – Relação entre países e solução dos
crimes.
Fonte: Silva Júnior, 2007.
2.2 REFERÊNCIA LEGAL DO
TERMO CIRCUNSTANCIADO DE
OCORRÊNCIA (TCO)
O termo de natureza jurídica
‘TCO’ surgiu em nosso ordenamento pela
primeira vez após a publicação da Lei nº
9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais –,
consistindo numa alternativa formal à
lavratura do ‘auto de prisão em flagrante
delito’. Trata-se, pois, do registro de um
fato tipificado como sendo infração penal
de menor potencial ofensivo. Segundo
disposto na referida Lei:
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciadoe o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002, grifo nosso).
Por sua vez, o artigo 61 da Lei dos
Juizados Especiais define a infração penal
de menor potencial ofensivo como sendo o
crime ou a contravenção em que a lei
comina pena não superior a 02 (dois) anos,
cumulada ou não com pena de multa.
PAÍS SOLUÇÃO DOS
CRIMES (%)
Estados
Unidos da
América
22
(vinte e dois por cento)
Inglaterra 35
(trinta e cinco por cento)
Canadá 45
(quarenta e cinco por
cento)
Japão 58
(cinquenta e oito por
cento)
Brasil 2,5
(dois vírgula cinco por
cento)
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
54
Dados obtidos pela Coordenadoria
de Tecnologia da Informação e
Comunicação (CTIC) da SSPDS apontam
que no ano de 2008 podem ser citadas
como exemplos de algumas das principais
infrações de menor potencial ofensivo
levadas a registro em TCO’s nas
delegacias de Fortaleza: lesão corporal,
ameaça, desobediência, desacato,
resistência, difamação, injúria, calúnia,
violação de domicílio, dano, alguns crimes
ambientais, alguns crimes previstos no
Estatuto da Criança e do Adolescente,
receptação e constrangimento ilegal.
Serão elementos do TCO, além da
qualificação dos envolvidos: a) um
relatório feito pela autoridade policial
descrevendo toda a ocorrência do fato
delituoso em questão, contendo a versão
do condutor do flagranteado (policial que
conduziu o autor do crime à delegacia),
bem como o relato das vítimas e
testemunhas, se houver, sendo dispensada
a formalidade do ‘termo de declaração ou
de depoimento’; e b) a eventual juntada
aos autos de possível exame pericial e,
quando existir, do objeto do crime.
2.3 DIFERENÇAS ENTRE TCO E
INQUÉRITO POLICIAL
Como já assinalado, o TCO surge
com a finalidade de substituir o inquérito
policial nas infrações de menor potencial
ofensivo. O TCO nada mais é do que um
procedimento similar ao Boletim de
Ocorrência (BO), que há muito tempo é
feito pela Polícia Militar, quando elabora
relatório de local de ocorrência. A pequena
diferença é que o TCO contém algumas
informações adicionais e servirá de peça
informativa ao Juizado Especial Criminal
competente.
Nos ensinos do saudoso ex-
ministro Luiz Vicente Cernicchiaro do
STJ, já falecido no ano de 2010, o mesmo
afirmava que a Lei nº 9.099/95 havia
introduzido um novo sistema processual-
penal no país, apontando diferenças entre
TCO e inquérito policial:
RHC - Processual Penal - Lei nº 9.099/95 - Termo Circunstanciado- Diligência Policial - A Lei nº 9.099/95 introduziu novo sistema processual-penal. Não se restringe a mais um procedimento especial. O inquérito policial foi substituído pelo termo circunstanciado. Aqui, o fato é narrado resumidamente, identificando-o e as pessoas envolvidas. O juiz pode solicitar a autoridade policial esclarecimentos quanto ao TCO. Inadmissível, contudo, determinar elaboração de inquérito policial. A distinção entre ambos é normativa, definida pela finalidade de cada um. Tomadas de depoimentos é próprio do inquérito, que visa a caracterizar infração penal. O TCO, ao contrario, é bastante para ensejar tentativa de conciliação. (Proc. RHC 6249/SP – Recurso Ordinário em Hábeas Corpus – 19997/0007939-2 – Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; Órgão Julgador: 6ª. Turma; Data Julgamento: 24/11/1997, grifo nosso).
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
55
Segundo Mirabete (1998, p. 60), o
inquérito policial é ‘pesado’ e exige
formalidades que são dispensadas no
TCO, a exemplo do indiciamento, das
qualificações, das audições em registro
escrito de testemunhas e do indiciado, da
coleta de provas técnicas, dentre outras. O
inquérito policial, nas esferas comum e
militar, necessita, para desenvolvê-lo,de
um delegado de polícia ou de um oficial,
respectivamente.
2.4 PONTOS POSITIVOS E
NEGATIVOS NA ELABORAÇÃO
DO TCO PELA POLÍCIA MILITAR
Nogueira (2012) destaca pontos
positivos na elaboração do TCO pelo
Policial Militar: a) redução das ocorrências
de infrações de menor potencial ofensivo
levada aos excessivamente lotados
distritos policias; b) melhor
aproveitamento do tempo, uma vez que a
elaboração do TCO pelo policial militar se
daria no mesmo lugar da ocorrência,
evitando-se o tempo que é desperdiçado ao
conduzir o flagranteado à delegacia e,
assim, mais rápido o policial militar
retornaria ao policiamento ostensivo e
preventivo nas ruas; c) mais agilidade na
solução dos conflitos e diminuição dos
gastos de responsabilidade estatal, já que
não haveria necessidade do deslocamento
das viaturas aos distritos policias; d) maior
semelhança com o BO, que já é realizado
há muito tempo pela Polícia Militar; e)
efetivação dos princípios que orientam a
Lei dos Juizados, vez que a elaboração do
TCO pelo policial militar se harmoniza
com os princípios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, os quais são
vetores expressos desse diploma jurídico.
Nogueira (2012), por outro lado,
também elenca alguns argumentos que são
levantados contrariamente à elaboração do
TCO pela Polícia Militar. São eles: a) o
termo ‘autoridade policial’, previsto no
artigo 69 da Lei nº 9.099/95, designa
exclusivamente o cargo de delegado de
polícia. A doutrina de Fernanda da Costa
Tourinho Filho (2003), na redação de seu
Código de Processo Penal comentado
dispõe que cabe à Polícia Civil, que é
mantida pelos Estados e dirigida pelos
Delegados de Polícia, a função principal
de apuração das infrações penais e
respectivas autorias, ressalvando-se as de
competência da Polícia Federal e as
infrações de natureza militar. O autor
ainda sustenta incumbir à Polícia Civil não
só as funções de polícia judiciária
encontradas no artigo 13 do Código de
Processo Penal mas também as previstas
no artigo 69 da Lei dos Juizados Especiais;
b) não é possível a elaboração de TCO por
parte da Polícia Militar em virtude de, com
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
56
isso, haver lesão ao Código de Processo
Penal Militar (CPPM), já que a mesma só
deve realizar atividade de Polícia
Judiciária quando se tratar de infrações
penais militares; c) o artigo 4º do CPP
deixa claro que a polícia judiciária será
exercida pelas autoridades policiais, tendo
por escopo apurar os crimes e sua autoria;
d) considerando-se o termo ‘autoridade
policial’ como sendo os delegados de
polícia há que se lembrar que se exige
destes um conhecimento técnico-jurídico
para o exercício da carreira, que, por sua
vez, são Bacharéis em Direito, o que não é
exigido dos policiais; e) a competência do
policial militar na lavratura do TCO
deveria ser definida por lei, o que não é; f)
segundo a Resolução em matéria criminal
do IX Encontro dos extintos Tribunais de
Alçada do Brasil, que ocorreu em agosto
de 1997, em São Paulo/SP, mais
precisamente no item 7 da mencionada
Resolução, resolveu-se que o termo
‘autoridade policial’ a que se refere a Lei
dos Juizados diz respeito aos delegados de
polícia; g) o BO confeccionado pelo
policial militar não é parâmetro para que
também seja possível a lavratura do TCO,
já que o primeiro é bem mais simples do
que o segundo, sendo necessário, para se
lavrar um TCO, no mínimo, de um
bacharel em Direito.
Logo, temos bons argumentos que
defendem a possibilidade de lavratura dos
TCO’s pelo Policial Militar como também
bons argumentos contrários a isso. O
ponto negativo principal dessa lavratura se
trata da eventual incapacitação dos
policiais para realizarem tal procedimento.
Dos pontos positivos o que mais se destaca
é a otimização do tempo, fazendo com que
o policial militar retornasse de forma bem
mais rápida ao policiamento nas ruas. Com
isso, seria afastada a necessidade de
deslocamento até a delegacia para registro
do TCO já que o atendimento aos
envolvidos se daria no local da infração e
em muitas cidades o expediente termina as
17h00min horas, sendo necessário o
deslocamento para outra cidade para a
elaboração deste termo; a sensação de
impunidade seria reduzida, bem como a
redução da impunidade objetiva; haveria
mais credibilidade das pessoas no trabalho
policial ao enfrentamento do crime; o
efetivo da Polícia Civil seria utilizados
para desempenhar outras atribuições,
investigação dos crimes e os gastos com
recursos públicos seriam reduzidos, e só
quem ganharia com tudo isso era a
sociedade cearense..
2.5 OBJETIVOS DA LEI DOS
JUIZADOS ESPECIAIS– Lei nº
9.099/95
Uma lei penal, seja ela qual for,
objetiva primordialmente fazer com que as
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
57
condutas dos indivíduos estejam em
harmonia com o ordenamento jurídico,
respeitando-se os limites impostos. A fim
de que as condutas desejadas sejam
alcançadas são cominadas sanções a cada
tipo penal, já que a impunidade incentiva a
reincidência das práticas criminosas. Para
que o Estado combatesse a morosidade e
conseguisse alcançar punitivamente o
infrator foi criado um mecanismo especial,
no caso, a Lei nº 9.099/95.
Atualmente, o sistema
penitenciário pátrio não consegue
comportar a quantidade de presos, de
forma que a recuperação do infrator fica
totalmente prejudicada, num verdadeiro
atentado à dignidade humana. Esse fato
impossibilita a ressocialização que é o
principal objetivo da sentença penal e
muito necessária ao sadio convívio social,
nos moldes da Lei de Execução Penal (Lei
nº 7.210/84).A Lei dos Juizados Especiais
surge possibilitando inúmeros benefícios
aos envolvidos na infração penal, dos
quais podemos citar: a) a garantia de
ressarcimento à vítima pelo dano sofrido;
b) o Poder Judiciário atuando de forma
mais célere em suas decisões; e c)o fato da
sociedade poder entrar em consenso com o
Estado quanto à imposição de pena ao
infrator, sem que se exclua a autoridade
estatal.
Consigne-se que nos dias de hoje,
diante do aumento expressivo da
criminalidade, não se pode admitir a clara
‘guerra dos egos’ entre as Polícias Civis e
Militares, pois o que deve realmente
nortear as discussões é a segurança das
pessoas e o meio mais eficaz de se chegar
a isso. Os órgãos incumbidos pela
preservação da ordem pública devem lutar
por resultados mais eficientes e enérgicos
no combate ao crime e nisso todos
concordam.
No que pertine às finalidades que
busca a Lei dos Juizados. Vejamos
novamente o teor do seu artigo 62:
Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
O legislador, no texto da aludida
Lei, teve a nítida intenção de ‘desafogar’ o
Judiciário através de um mecanismo que
tratasse de forma diferenciada os crimes
de menor potencial ofensivo.
2.5.1 Definição do termo
‘autoridade policial’
Segundo Maia Júnior (1997, p.
177), ‘autoridade’ é o “poder de comando
conferido ao Estado pela Lei Maior.
Representante do poder público. Profundo
conhecedor de uma determinada matéria.
Poder exercido por uma pessoa sobre a
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
58
outra, pela superioridade de sua posição”.
Quanto à palavra ‘policial’, esclarece “que
diz respeito ou que pertence àpolícia;
característico ou próprio da polícia.
Indivíduo que integra uma ordem
policial.” (Id. ibid., 1997, p. 710).
A palavra ’autoridade’ também
pode denotar o ‘poder moral’ que provém
da pessoa que exerce um poder público em
decorrência de suas condições pessoas de
sabedoria, experiência, integridade,
honestidade, discernimento, superioridade
qualitativa, capacidade e qualidades de
caráter. ‘Poder’ e ‘autoridade’ não são
palavras equivalentes. Poder, diferente de
autoridade, é o direito de se exigir
obediência de outrem, o qual decorre de
forma mecânica através do exercício de
um cargo, podendo não apresentar as
condições de responsabilidade moral e de
imparcialidade que deve ter um ofício
público. O governo ideal deve possuir
poder e autoridade (SOIBELMAN &
SOIBELMAN, 2005).
Ao tratar do abuso de autoridade, a
Lei nº 4.898/65 dispõe em seu artigo 5º
que “considera-se autoridade, para os
efeitos desta lei, quem exerce cargo,
emprego ou função pública, de natureza
civil, ou militar, ainda que
transitoriamente e sem remuneração”.
Porém, a Lei nº 9.099/95 não
deixou claro quem é a autoridade policial
competente para a lavratura do TCO, de
modo que surgiram posicionamentos
distintos com relação à expressão
‘autoridade policial’ prevista no artigo 69
da referida Lei, que dispõe: “Art. 69. A
autoridade policial que tomar
conhecimento da ocorrência lavrará termo
circunstanciado e o encaminhará
imediatamente ao Juizado, com o autor do
fato e a vítima, providenciando-se as
requisições dos exames periciais
necessários”.
Sem a definição de quais
autoridades estaria apta a lavrar os TCO’s,
a abrangência do artigo 69 da Lei dos
Juizados acabou criando uma disputa entre
as Polícias Civil e Militar em todo o País.
Todavia, a maior parte dos juristas entende
ser possível a confecção e o
encaminhamento do TCO pelas Polícias
Militares, objetivando atender aos
preceitos norteadores da Lei n.º 9.099/95.
Doutra parte a Constituição Federal
de 1988 assevera em seu artigo 144, §4º
que “às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da
União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as
militares”.
A combinação precipitada desses
dois dispositivos poderia levar à conclusão
de que as funções de polícia judiciária são
exclusivas da Polícia Civil. Entretanto o
Código de Processo Penal, em seu artigo
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
59
4º, afirma que “a polícia judiciária será
exercida pelas autoridades policiais no
território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração
das infrações penais e da sua autoria”.
O parágrafo único desse dispositivo deixa
claro: “A competência definida neste
artigo não excluirá a de autoridades
administrativas, a quem por lei seja
cometida a mesma função”. (grifou-se)
Em verdade o que existe é uma
grande resistência por parte da Polícia
Civil em admitir que a Polícia Militar
também é competente para lavrar TCO’s
diante das infrações de menor potencial
ofensivo. Quando o artigo 69 da Lei dos
Juizados faz menção ao termo ‘autoridade
policial’ não está se referindo de forma
exclusiva à Polícia Civil. Muitos
doutrinadores reconhecem a expressão
‘autoridade policial’ como sendo
equivalente tanto ao policial civil como ao
militar. Cite-se como exemplo uma das
precursoras da Lei nº 9.099/99, a
reconhecida Drª. Ada Pellegrini Grinover,
que já se pronunciou de forma favorável à
confecção do TCO por parte da Polícia
Militar, já que dentre os objetivos da
aludida Lei se encontra o de esvaziar os
fóruns e delegacias, oferecendo-se a
oportunidade da mediação e da célere
solução das lides.
A Polícia Civil resiste a tais
posicionamentos alegando que a Policia
Militar não estaria capacitada para tal
finalidade. Contudo, Polícias Militares de
alguns estados como a de São Paulo e do
Rio Grande do Sul já demonstraram o
contrário quando conseguiram implantar
tal confecção, com a devida aquiescência
da Justiça. No caso do Estado do Ceará,
estudos já foram encaminhados, inclusive
pelo Comandante da Polícia Rodoviária
Estadual da PMCE, todavia, até hoje sem a
devida resposta.
Outrossim, a Lei n.º 9.099/95
introduziu novo sistema processual-penal
e a lavratura do TCO não é atividade de
polícia judiciária, haja vista a já
mencionada desnecessidade de
investigação, logo, não existe razão para o
policial militar não lavrar esse simples
procedimento administrativo.
Segundo a Comissão Nacional da
Escola Superior da Magistratura,
encarregada por formular as primeiras
conclusões sobre a interpretação da Lei
9.099/95, apresentou a seguinte redação de
sua nona conclusão: "A
expressão ‘autoridade policial’, referida no
art. 69, compreende quem se encontra
investido em função policial, podendo a
Secretaria de o Juizado proceder à
lavratura do termo de ocorrência e tomar
as providências previstas no referido
artigo". (Jornal da Associação dos
Magistrados das Justiças Militares
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
60
Estaduais n.º 29, ano V, set/out, 2000,
p.13). (grifo do autor).
Finalmente, a Lei nº 12.553/95,
que dispõe sobre o Sistema de Juizados
Especiais Cíveis e Criminais do Estado do
Ceará, traz a seguinte redação em seu
artigo 37, §2º, in verbis:
Art. 37 – A Secretaria de unidade do Juizado Especial poderá proceder à lavratura de termo de ocorrência mencionado no Art. 69, da Lei Federal nº 9.099/95, e tomar as providências previstas no referido Artigo. [...] § 2º - Para os efeitos desta Lei, a autoridade policial é quem se encontra investido na função policial.
Na falta de uma definição do que
seja a expressão ‘autoridade policial’ pela
Lei dos Juizados, parece-nos coerente
acatar, numa interpretação sistemática, a
abrangência da citada expressão, de modo
que também se incluam nela os policiais
militares.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓ-
GICOS
O trabalho científico ora
apresentado teve como base uma pesquisa
bibliográfica e documental, onde
procuramos extrair das leis, doutrina e
jurisprudência as fontes das quais
precisávamos para uma correta
fundamentação teórica sobre o tema
abordado.
Em relação ao método,
utilizou-se o qualitativo, por meio de
consultas em doutrinas, jurisprudência,
livros, artigos acadêmicos, matérias
disponibilizadas na internet,
principalmente voltados para a análise da
competência da Polícia Militar em lavrar
TCO’S, delimitando-se a abordagem do
tema para o estado do Ceará.
4 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
Não obstante existir uma Secretaria
de Estado. que integra as polícias
estaduais, que é a Secretaria de Segurança
Publica e Defesa Social, a lavratura por
parte dos integrantes das Polícias Militares
do Termo Circunstanciado ainda não é
unanimidade. O assunto tem sido objeto de
grandes discussões doutrinárias e tem
provocado controvérsias entre os
integrantes de ambas as instituições –
Polícia Civil e Polícia Militar –, máxime
por parte dos Delegados de Polícia Civil,
por sustentarem o entendimento de que tal
atribuição é privativa da categoria.
O Termo Circunstanciado,
conhecido por TCO, tem previsão
normativa no art. 69 da Lei 9.099/95,
substituindo o Inquérito Policial nas
infrações de menor potencial ofensivo,
que, segundo disposto no art. 61 da
referida Lei, são as contravenções penais e
os crimes a que a lei comine pena máxima
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
61
não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou
não com multa.
É bem verdade que no dia-a-dia da
atividade da polícia militar a maioria das
ocorrências atendidas refere-se às
infrações de menor potencial ofensivo, tais
como: acidentes com lesões leves; vias de
fato; agressões (sejam verbais ou
fisicamente leves); perturbação do sossego
e outros, também de menor gravidade.
Também é inconteste o fato de que
em pelo menos metade do país – ou seja,
em cerca de 2.800 municípios brasileiros –
não existem delegacias de policia civil.
Desse modo, as ocorrências policiais são
atendidas e acompanhadas até o desfecho
de praxe por policiais militares. O
comparecimento in loco quando da prática
do delito favorece o policial militar, que
certamente contará com melhores
condições de descrever os fatos mais
precisamente, podendo, inclusive, ouvir as
testemunhas e fornecer informações
valiosas ao deslinde dos fatos.
As anotações levantadas na
pesquisa demonstram com clareza que a
lavratura do Termo Circunstanciado por
policial militar não perfaz qualquer
usurpação de função por parte deste e de
maneira alguma essa lavratura poderá ser
considerada invasão na esfera de
atribuições da Polícia Civil.
Não existe qualquer
inconstitucionalidade na lavratura dos
TCO’s pela Polícia Militar, uma vez que a
Magna Carta não assegura exclusividade
quando do registro da ocorrência de
delitos. Quando policiais militares lavram
os Termos (TCO’s) não estão investigando
crimes, mas apenas registrando fatos, e
isso no exercício da atividade
administrativa que lhes é própria.
Registrar não significa investigar e, por
isso mesmo, é dispensável formação
jurídica para a lavratura desses TCO’s.
Além de não existir qualquer óbice
legal à lavratura dos TCO’s pelas polícias
militares, há dois motivos bastante
vantajosos para que isso ocorra: o primeiro
deles repousa no sentido de que a lavratura
do Termo de forma imediata pelo policial
militar reduz significativamente o tempo
de retenção do autor da infração, da
possível vítima e das eventuais
testemunhas e, consequentemente, mais
rápido o militar voltará ao policiamento
naquela área. E o segundo diz respeito à
economia dos recursos que seriam gastos
na condução desnecessária do infrator ao
distrito policial para a lavratura do TCO.
Essa rotina tanto atenderia ao
interesse público como cumpriria o dever
de eficiência que deve ter a Administração
Pública, consagrado no artigo 37 da Carta
Constitucional/88.
Quanto à interpretação da norma
contida no artigo 69 da Lei n° 9.099/95 o
Supremo Tribunal Federal já se
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
62
manifestou no sentido da impossibilidade
de se conhecer sobre o tema, em virtude de
se tratar de ato normativo secundário:
inconstitucionalidade indireta. Vejamos
um de seus julgados:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS QUE ATRIBUEM À POLÍCIA MILITAR A POSSIBILIDADE DE ELABORAR TERMOS CIRCUNSTANCIADOS. PROVIMENTO 758/2001, CONSOLIDADO PELO PROVIMENTO N. 806/2003, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, E RESOLUÇÃO SSP N. 403/2001, PRORROGADA PELAS RESOLUÇÕES SSP NS. 517/2002, 177/2003, 196/2003, 264/2003 E 292/2003, DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATOS NORMATIVOS SECUNDÁRIOS. AÇÃO NÃO CONHECIDA. 1. Os atos normativos impugnados são secundários e prestam-se a interpretar a norma contida no art. 69 da Lei n. 9.099/1995: inconstitucionalidade indireta. 2. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacífica quanto à impossibilidade de se conhecer de ação direta de inconstitucionalidade contra ato normativo secundário. Precedentes. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida. (STF - ADI: 2862 SP , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 26/03/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-083 DIVULG 08-05-2008 PUBLIC 09-05-2008 EMENT VOL-02318-01 PP-00020 RTJ VOL-00205-03 PP-01125 LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 68-85, grifo nosso).
Portanto o STF não se
manifestou sobre a abrangência da
expressão ‘autoridade policial’ prevista no
artigo 69 da Lei dos Juizados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve início
destacando o que a Constituição Federal
de 1988 prevê acerca de Segurança
Pública. De forma expressa a Carta Maior
incumbe às Polícias Civis e Militares,
enquanto órgãos do sistema nacional de
segurança pública, a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e
do patrimônio. Mais precisamente, em seu
artigo 144, parágrafos 4º e 5º, se
encontram as funções cabíveis à Polícia
Civil e à Militar, dispondo que às polícias
civis caberão as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais,
e às polícias militares as funções de polícia
ostensiva e de preservação da ordem
pública.
Verificou-se que, no tocante à
atividade policial militar, a Constituição
Estadual do Ceará ainda complementa:
“Art. 188. Incumbe à Polícia Militar a
atividade da preservação da ordem
pública em todas as suas modalidades e
proteção individual, com desempenhos
ostensivos para inibir os atos
atentatórios a pessoas e bens”. (grifou-
se)
Vimos que a competência da
Polícia Militar deve ser entendida além do
combate ostensivo e direto à
criminalidade. Na amplitude do
entendimento de suas funções outras
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
63
atividades podem ser incluídas, desde que
realizadas harmoniosamente com os
segmentos comunitários e respeitada a
legislação vigente.
Mais a frente quando tratamos da
Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados
Especiais) destacamos os critérios
orientadores de seus procedimentos,
conforme se vê do seu artigo 62: “Art. 62.
O processo perante o Juizado Especial
orientar-se-á pelos critérios da oralidade,
informalidade, economia processual e
celeridade, objetivando, sempre que
possível, a reparação dos danos sofridos
pela vítima e a aplicação de pena não
privativa de liberdade”. (grifou-se).
Embora a Lei nº 9.099/95 já esteja
em vigor há quase duas décadas no
ordenamento jurídico pátrio, ainda persiste
a discussão acerca da competência da
Polícia Militar para a lavratura dos TCO’s
em decorrência das infrações de menor
potencial ofensivo. Tal discussão se dá em
razão da interpretação literal do artigo 144,
em seus parágrafos 4º e 5º, da Constituição
Federal/88, bem como do artigo 69 da Lei
dos Juizados Especiais, desconsiderando-
se a interpretação sistêmica e teleológica
da Carta Maior.
Na tentativa de dirimir a referida
discussão a Comissão Nacional da Escola
Superior da Magistratura, encarregada
por formular as primeiras conclusões
sobre a interpretação da Lei 9.099/95,
apresentou a seguinte redação de sua nona
conclusão: "A expressão ‘autoridade
policial’, referida no art. 69, compreende
quem se encontra investido em função
policial, podendo a Secretaria de o Juizado
proceder à lavratura do termo de
ocorrência e tomar as providências
previstas no referido artigo". (Jornal da
Associação dos Magistrados das Justiças
Militares Estaduais n.º 29, ano V, set/out,
2000, p.13). (grifo do autor).
Finalmente, a Lei nº 12.553/95,
que dispõe sobre o Sistema de Juizados
Especiais Cíveis e Criminais do Estado do
Ceará, traz a seguinte redação em seu
artigo 37, §2º, in verbis:
Art. 37 – A Secretaria de unidade do Juizado Especial poderá proceder à lavratura de termo de ocorrência mencionado no Art. 69, da Lei Federal nº 9.099/95, e tomar as providências previstas no referido Artigo. [...]
§ 2º - Para os efeitos desta Lei, a autoridade policial é quem se encontra investido na função policial.
Na falta de uma definição do que
seja a expressão ‘autoridade policial’ pela
Lei dos Juizados, parece-nos coerente
acatar, numa interpretação sistemática, a
abrangência da citada expressão, de modo
que também se incluam nela os policiais
militares. Levando-se em consideração
que nos dias atuais uma das maiores
preocupações da sociedade brasileira é a
Segurança Pública, e que a lavratura do
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
64
TCO pelo Policial Militar é sinônima de
economia de gastos, tempo e celeridade
nos procedimentos, com esse
entendimento quem ganha é o cidadão e
não uma ou outra classe de policiais.
Então, entendo que os responsáveis pela
Segurança Pública, deveriam se
conscientizar de que a função precípua da
Polícia Militar, inserida em nossa Carta
Magna, é a função de prestar, antes de
tudo um serviço de boa qualidade e
eficiência e dentro da legalidade, realizar
procedimentos tendentes a garantir com
maior efetividade e segurança a
preservação e manutenção da ordem
pública, sempre como objetivo de levar da
forma mais célere mais tranquilidade e
segurança aos cidadãos cearenses.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
______, Constituição do Estado do Ceará, 1989. ______, Decreto-Lei nº 3.689. Código de Processo Penal, 1941. ______, Lei nº 4.898. Regula o direito de representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade, 1965. ______, Lei nº 9.099. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, 1995.
______, Lei nº 12.553, Dispõe sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Ceará, 1995.
LAZZARINI, Álvaro. Do poder de polícia. Justitia. São Paulo, 1973.
LIMA, Roberto Kant de. Políticas de segurança pública e seu impacto na formação policial: considerações teóricas e propostas práticas, In: ZAVERUCHA, Jorge, MARCÍLIO, Maria Luiza e PUSSOLI, Lafaiete (coordenadores), Cultura dos DireitosHumanos, São Paulo: LTR, 2002. MAIA JÚNIOR, Raul. Dicionário brasileiro da língua portuguesa. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 1997.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais. 3 ed., São Paulo, Atlas, 1998.
SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. A face oculta da segurança pública . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1486, 27 jul. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10203>. Acesso em: 21 ago. de 2014.
SOIBELMAN, Léa Hasson; SOIBELMAN, Félix. In. Enciclopédia do Advogado. Rio de Janeiro, 2005.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2008.
Outras fontes:
ADI – 2862/SP. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/busca?q=ADI+2862. Acesso em: 12 de out. de 2014.
CID: “Polícia Civil não está falida, mas desatualizada”. Jornal O POVO, Fortaleza, Ceará, 5 set. de 2008. Caderno Fortaleza. Disponível em: http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
65
817321.html. Acesso em: 07 de set. de 2014. Conclusão nº 09 da Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95.
HC n.º 7199/PR. Julgado pelo STJ. Disponível em <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/484493/habeas-corpus-hc-7199-pr-1998-0019625-0> acesso em: 15 de ago. de 2014.
HC n.º 0.002902-2. Julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
NÃO tem como investigar, a Polícia está falida. Jornal O POVO, Fortaleza, Ceará, 4 set. 2008. Caderno Fortaleza. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/816935.html >. Acesso em: 5 de set. de 2014. Provimento nº 758/2001-09-14. Conselho de Procuradores do Estado de São Paulo.
RHC – 6249/SP. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/518020/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-6249-sp-1997-0007939-2. Acesso em: 10 de out. de 2014.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
66
DO CONCURSO MATERIAL DE DELITOS: PORTE ILEGAL DE A RMA DE FOGO E RECEPTAÇÁO
Antônio Evandro de Oliveira Aluno do curso de Direito na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] João Celso de Castro Moura Professor Especialista do curso de Direito na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected]
RESUMO: O presente artigo trata da problematização acerca da aplicação ou não do concurso material de delitos entre o porte ilegal de arma de fogo (artigo 14 da lei 10.826/2003) e a receptação. A escolha do tema deu-se pela grande quantidade de indiciados por porte ilegal de arma de fogo que não respondem, no mesmo processo, também pela receptação da arma, ou seja, quando a aquisição da arma de fogo é feita de forma ilícita. O trabalho terá a natureza de análise qualitativa de processos criminais que tratam do porte ilegal de arma de fogo em que o orientando é testemunha. O tipo de pesquisa é documental e o método de análise é o indutivo, pois parte de uma premissa individual com o intuito de mudar a realidade genérica. O resultado é que de quatro processos analisados apenas em um o réu foi indiciado nos dois crimes em comento, o que evidencia a negligência do aparelho estatal de segurança pública frente ao cometimento de crimes dessa natureza, ou seja, a impunidade gerada pela má prestação jurisdicional da persecução criminal. Palavras-chave: Porte Ilegal de Arma; Receptação; Concurso Material. ABSTRACT: This scientific paper deals with the questioning about whether or not the offenses material competition between the illegal possession of a firearm (Article 14 of Law 10,826 / 2003) and the fencing. The choice of theme was due to the large amount of charged with illegal possession of a firearm which do not respond in the same case, also for receiving the gun, that is, when the acquisition of the firearm is made illegally. Work will analyze the qualitative nature of criminal cases concerning the illegal firearm possession in which the guiding is witness. The document type of search is the method of analysis and is inductive because of the premise of an individual with the intention of changing the generic reality. The result is that four cases examined only one defendant was indicted on two counts under discussion, which shows the negligence of the state apparatus of public safety front the commission of such crimes, i.e., impunity generated by poor adjudication criminal prosecution. Keywords: Illegal Gun Porte; Receiving; Contest Material.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
67
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como
escopo central apresentar uma importante
discussão doutrinária e jurisprudencial
acerca da caracterização ou não do
concurso material entre os delitos de porte
ilegal de arma de fogo e receptação, que
vem dividindo opiniões quanto à aplicação
ou não do acúmulo de penas entre esses
dois delitos autônomos.
A primeira corrente de
doutrinadores e jurisconsultos defende que
não há de se falar em concurso material de
delitos entre o crime de porte ilegal de
armas de fogo e receptação,
principalmente pelos motivos seguintes
elencados: ambos os delitos têm como
verbo do tipo a conduta de adquirir,
levando a crê que a aplicação do concurso
caracterizaria o bis in idem, ou seja,
puniria o infrator duas vezes pelo mesmo
ato; a receptação é meio necessário para a
consumação do delito de porte ilegal de
arma de fogo, caracterizando, assim, a
aplicação do princípio da consunção em
que o crime meio é imediatamente
absorvido pelo crime fim.
Já a segunda corrente de
pensadores é incisiva em afirmar que resta
totalmente caracterizada a aplicação do
concurso material de delitos entre os
crimes de porte ilegal de arma de fogo e
receptação, situação jurídica em que as
penas são somadas e imputadas ao seu
autor, pois as condutas descritas nos tipos
penais são absolutamente autônomas, seus
verbos são independentes, a suas
consumações se dão em momentos
totalmente distintos, afastando
completamente a aplicação do princípio da
consunção, porque na construção do iter
criminis o delito de receptação não é meio
necessário para consumação do delito de
porte ilegal de arma de fogo. Dessa forma,
a maneira correta de se portar diante de tal
situação seria justamente a imputação de
ambas as penas ao autor do fato.
Ex positis, infere-se que o tema
supracitado é de extrema relevância para a
correta aplicação e exata punição ao
infrator que for surpreendido portando
uma arma de fogo, pois, além desse crime
ele também infringirá o art. 180 do Código
Penal que trata da receptação. No que se
refere à importância do tema para o
desenvolvimento das ciências criminais é
perceptível o grau de contribuição do
projeto, pois, de certa forma, tanto os
discentes da seara jurídica quanto os
operadores e curiosos do Direito irão se
identificar e se aprofundar nesse tema tão
excitante e atual, uma vez que divide
doutrinadores e juristas. No campo social
o projeto tem valia a partir do momento
em que duas situações de reprovabilidades
distintas se equiparam e sofre uma única
21
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
68
reprimenda, resultando numa prestação
jurisdicional falha e passível de severas
críticas por parte da sociedade. O tema
proposto tem como propósito informar e
explicar uma situação jurídica controversa
a sociedade para que ela possa
posteriormente cobrar das autoridades
públicas a correta aplicação da pena
correspondente ao ato praticado pelo
infrator, a fim de que a nossa sociedade
siga na busca de um ideal tão distante que
é a paz social.
O objetivo geral desse trabalho é
analisar se o concurso material de delitos
entre o porte ilegal de arma de fogo e a
receptação está sendo aplicado nos
processos judiciais oriundos das varas
criminais da comarca de Fortaleza.
Já os objetivos específicos são:
estabelecer os limites do tipo penal
especial porte ilegal de arma de fogo;
lecionar sobre os limites do crime de
receptação e suas variantes; explicar o
instituto do concurso material de delitos e
trazer os argumentos pro e contra a
aplicação desse instituto aos crimes de
porte ilegal e receptação.
A metodologia utilizada para a
feitura do presente trabalho consiste na
análise critica de processos judicias
criminais em que o graduando é
testemunha, além de doutrina específica
do tema, leis, jurisprudências e artigos
publicados virtualmente. Para isso se
adotou o método qualitativo, que parte de
um caso especifico com a pretensão de
mudar a interpretação geral sobre o tema.
A natureza da pesquisa é
qualitativa, pois analisa os processos
específicos do tema ora proposto em que o
orientando é parte como testemunha de
acusação.
O corpus de pesquisa, como já foi
dito anteriormente, serão processos
criminais oriundos de variadas varas
criminais da comarca de Fortaleza, em que
o orientando é testemunha. Além disso,
como não poderia deixar de ser, será
analisada a doutrina que fala sobre o tema,
leis, jurisprudência e artigos virtuais.
Conforme o autor Antônio Carlos
Gil, as ideias apontadas estão relacionadas
à pesquisa documental:
A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes: Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. (GIL, 2002, p.45).
Com a pretensão de melhor
alcançar o objetivo proposto, foi analisado
via internet os processos judiciais
eletrônicos de algumas varas criminais da
comarca de Fortaleza com o objetivo de
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
69
saber se neles estão sendo aplicados o
concurso material e o acúmulo de penas
imposto pela lei. Além disso, para
corroborar e endossar ainda mais o
trabalho buscou ainda base doutrinária em
renomados criminalistas como: Felício
Soares, Fernando Capez, Rogério Greco,
Roberto Bitencourt, o Promotor de Justiça
Gustavo Senna, o sociólogo Antônio
Carlos Gil, assim como leis,
jurisprudências e diversos artigos da
internet sobre o tema.
As partes que compõe o trabalho
são: referencial teórico, procedimentos
metodológicos, análise de dados e
resultados e considerações finais.
No referencial teórico focou-se no
tema ora proposto e seus objetivos geral e
específico, com a análise crítica de
processos criminais da comarca de
Fortaleza, além de pesquisa baseada em
autores renomados, leis, jurisprudências e
artigos virtuais.
Nos procedimentos metodológicos
procurou-se explicitar de forma detalhada
como se deu o caminho da pesquisa para
que se chegasse ao resultado desejado.
Explicando pare passo como se deu a
análise dos processos criminais que estão
tramitando ou que já transitaram em
julgado nas varas criminais da comarca de
Fortaleza, onde foi observado se nos
crimes de porte ilegal de arma de fogo o
acusado também era indiciado pelo crime
de receptação.
Na análise de dados e resultados,
por sua vez, foi feito a contextualização
entre o problema de pesquisa, o marco
teórico e os processos criminais
analisados, explicando, inclusive o
desdobramento de cada um deles.
Por fim, nas considerações finais
foram apresentadas as conclusões
correspondentes aos objetivos propostos
no inicio da pesquisa, respondendo as
perguntas relacionadas ao tema em
destaque e alertando toda a coletividade
sobre os impactos negativos de uma má
prestação jurisdicional no nosso Poder
Judiciário, que ao se deparar com um caso
de porte ilegal de arma de fogo não indicia
o acusado também pelo crime de
receptação.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 BREVE HISTÓRICO DO CRIME DE
PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO
NO BRASIL
A primeira referência na legislação
sobre o crime de posse e porte de arma de
fogo na verdade não era definido como
crime propriamente, mas sim como
contravenção, com redação na Lei das
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
70
Contravenções Penais, no artigo 19, que
assim definia o crime:
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
Note-se que a pena imposta ao
cidadão que era flagrado portando uma
arma de fogo podia ser aplicada na
modalidade de multa, ou mesmo na prisão
simples, o qual era menor que o crime de
calúnia, descrito no Código Penal, no
artigo 138, que descreve pena de detenção
de seis meses a dois anos, e multa. A
proporção da pena era muito desigual
perante a gravidade da situação, pois
certamente a calúnia dificilmente
ameaçaria a vida de outras pessoas.
No ano de 1997, foi sancionada a
lei 9.437, o qual instituiu o atual sistema
de cadastro de armas, chamado Sistema
Nacional de Armas (SINARM), e elevou a
contravenção de porte ilegal de armas a
crime de porte ilegal de uso permitido,
descrevendo dezoito condutas que se
equiparam ao porte, e aumentando a pena
se a arma for de uso restrito.
Sancionada a lei 10.826/03, os
crimes relacionados a armas de fogo foram
separados em posse e porte, mantendo a
classificação em uso permitido e restrito,
porém aumentou a pena nos casos de
porte. Referida lei também visualizou a
proibição do comércio de armas e
munições, porém em referendo posterior a
população brasileira optou pela
continuação do comércio.
Após o referendo, restou ao
Estatuto do Desarmamento regularizar os
assuntos relativos a armas e munições,
pois o comércio não foi proibido. Diante
disto, o SINARM ficou responsável por
toda e qualquer transação envolvendo
armas de fogo, desde uma simples doação
a qualquer tipo de venda, seja com origem
de fábrica, lojas de armas e particulares.
2.2 DO PORTE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO
Ab initio, é importante fazer
uma breve arguição sobre o crime de porte
ilegal de arma de fogo, uma das figuras
típicas da lei nº 10.826 de 22 de dezembro
de 2003, que diz in verbis:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
O crime de “porte ilegal de arma
de fogo”, equivocadamente nominado pelo
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
71
legislador, traz a previsão de treze
condutas, por conta disto é denominado
crime plurisubjetivo, não se restringindo
somente ao porte do artefato. São elas:
portar, deter, emprestar, fornecer, receber,
ter em depósito, transportar, ceder, ainda
que gratuitamente, emprestar, remeter,
manter sob sua guarda ou ocultar.
O tipo penal do art. 14 da Lei em
comento trata-se de tipo misto alternativo,
no qual a realização de mais de uma
conduta pelo mesmo agente implicará
somente a realização de um único delito
por conta do princípio da alternatividade
que obriga a observância de uma conduta
perante as demais do tipo, esta deve ser
prevalente, e deverá ser conexa com as
demais.
O primeiro verbo do tipo previsto
no art. 14, portar, acabou sendo a razão do
nomen iuris escolhido pelo legislador, que
significa segundo a doutrina, levar consigo
o objeto material em condições de pronta
utilização, não necessariamente deve haver
o contato físico para ser abrangido por
esse núcleo, devendo pelo menos haver a
possibilidade de acesso rápido a este
objeto.
O tipo penal em epígrafe possui
vários verbos, sendo que o mais
importante e também o mais comentado
pelos operadores do direito é o verbo
portar que para Felício Soares (2011,
p.93) “significa trazer consigo, junto ao
corpo, em trânsito”. Esse delito é cometido
de forma rotineira pelos mais variados
sujeitos, dos mais variáveis perfis sociais,
pois as armas de pequeno porte como os
revólveres e pistolas são de fácil
dissimulação, ou seja, pode ser escondido
facilmente entre as vestes, sem que se
perceba o porte da arma de fogo.
2.3 DA RECEPTAÇÃO E SUAS
MODALIDADES
Além disso, é de extrema
importância trilhar os limites legais do
crime de Receptação que encontra morada
no art. 180, parágrafos primeiro e terceiro,
do Código Penal Brasileiro, que diz de
forma literal:
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996). Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996). Receptação qualificada (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996). § 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996). Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996). § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
72
meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996). Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996).
O autor Rogério Greco, explica
com perfeição o tipo penal em comento,
dizendo:
O crime de receptação encontra-se no rol dos delitos mais praticados pela nossa sociedade, variando desde a aquisição de pequenos produtos vendidos por camelôs e ambulantes até as mais impressionantes, cometidas por grandes empresas, que adquirem carregamentos inteiros de mercadorias, roubadas, quase sempre, durante o seu transporte rodoviário. (GRECO, 2012, p.330).
O crime em comento possui
variações em seus tipos, ou seja, o caput se
distingue dos parágrafos primeiro e
terceiro, de forma que ele comporta várias
modalidades de receptação.
É assim que nos ensina Rogério
Greco, verbis:
A modalidade fundamental de receptação, como não poderia deixar de ser, encontra-se no caput do art.180 do Código Penal. Em seu § 1º foi prevista a receptação qualificada. Houve, também, previsão da chamada receptação culposa, conforme se deduz do § 3º do mencionado art. 180. (GRECO, 2012, p.330).
A primeira modalidade é chamada
dolosa, quando o agente tem a intensão
clara de receptar um objeto que ele sabe
ser produto de crime (furto, roubo).
Sobre o caput do art. 180 do
Código Penal é preciso colacionar as
precisas lições do Promotor Rogério
Greco, que nos mostra as peculiaridades
do crime comentado. O autor nos
contempla dizendo:
Podemos visualizar no caput do art. 180 do Código Penal duas espécies de receptação, a saber: a) própria; e b) imprópria.
Diz-se própria a receptação quando a conduta do agente se amoldar a um dos comportamentos previstos na primeira parte do caput do art. 180 do Código Penal, vale dizer, quando o agente: adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime. Merece destacar que as condutas de transportar e conduzir foram inseridas no caput do art. 180 Código Penal pela Lei nº 9.426, de 24 de dezembro de 1996.
Denomina-se imprópria a receptação quando o agente leva a efeito o comportamento previsto na segunda parte do caput do art. 180 do Código Penal, ou seja, quando influi para que terceiro, de boa fé, a adquira, receba ou oculte. (GRECO, 2012, p.330).
A segunda modalidade de
receptação, que está disposta no parágrafo
primeiro, é a chamada receptação
cometida com dolo eventual, ou seja, o
comprador deve saber, pelas
características do produto ou de quem
ofereceu, que a coisa comprada é produto
de crime.
Já a terceira modalidade desse
crime é chamada receptação culposa, que
se encontra no parágrafo terceiro do art.
180 do Código Penal Brasileiro onde o
infrator pelas características da coisa deve
presumir-se obtido por meio criminoso.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
73
Sobre a receptação culposa,
Rogério Greco nos ensina com maestria,
dizendo:
Analisando o mencionado tipo penal, podemos destacar os núcleos adquirir e receber. Além disso, para que se possa concluir pela receptação culposa, a coisa adquirida ou recebida pelo agente deve presumir-se obtida por meio criminoso dadas: a) a sua natureza; b) a desproporção entre o valor e o preço; c) a condição de quem a oferece. (GRECO, 2012, p.343).
2.4 DO CONCURSO MATERIAL DE DELITOS
Já no que diz respeito ao concurso
material de delitos, instituto penal que
aplica a soma das penas, caso haja o
cometimento de dois crimes distintos e
autônomos, é preciso trazer a baila o art.
69, do Código Penal, que diz:
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Segundo a inteligência do artigo
supracitado e em consonância com o tema
ora proposto há concurso material de
delitos quando o agente for flagrado
portando arma de fogo, pois mediante uma
ação (portar arma de fogo em desacordo
com determinação legal ou regulamentar)
pratica também o crime de receptação, ou
seja, que não é idêntico ao crime anterior
e, sendo assim, aplicam-se
cumulativamente as penas privavas de
liberdade.
Nessa esteira Cezar Roberto
Bitencourt, ensina que:
Ocorre o concurso material quando o agente, mediante mais de uma conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais delitos, idênticos ou não. No concurso material há pluralidade de condutas e pluralidade de crimes.
Quando os crimes praticados forem idênticos ocorre o concurso material homogêneo (dois homicídios) e quando os crimes praticados forem diferentes caracterizar-se-á o concurso material heterogêneo (estupro e homicídio). (BITENCOURT, 2006, p.718)
Assim sendo, diante das precisas
lições de Bitencourt, conclui-se que ocorre
o concurso material heterogêneo entre os
crimes de porte ilegal de arma de fogo e
receptação, visto que os delitos praticados
são diferentes.
2.5 APLICAÇÃO DO CONCURSO MATERIAL DE DELITOS NOS CRIMES DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E RECEPAÇÃO
Destarte e de acordo com a
inteligência do artigo 69 do Código Penal
Brasileiro, quando o agente for flagrado,
portanto uma arma de fogo sem
autorização para portá-la infringirá o
art.14 do estatuto do desarmamento em
concurso material com o delito insculpido
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
74
no art. 180 do Código Penal, no mínimo
na forma culposa, variando de acordo com
o caso concreto.
Assim decidiu o STJ (Superior
Tribunal de Justiça):
RECURSO ESPECIAL. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO DOLOSA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃO APLICAÇÃO. CONCURSO MATERIAL. 1. Quem adquire arma de fogo, cuja origem sabe ser criminosa, responde por delito contra o patrimônio, no momento em que se apodera da res. 2. Posteriormente, se vier a ser flagrado portando a arma, incorrerá na infração penal tipificada no art. 14 do Estatuto do Desarmamento (no qual se protege a incolumidade pública). 3. Portanto, tendo em vista que os crimes em questão possuem objetividade jurídica diversa e momentos consumativos diferentes, não há que se falar em consunção. 4. Recurso conhecido e provido para condenar o réu quanto ao delito previsto no art. 180, caput, do Código Penal, em concurso material com o tipificado no art. 14 da Lei n.º 10.826/2003, determinando-se o retorno dos autos à origem para a prolação de nova sentença.
Desta forma, as hipóteses
envolvendo concurso de crimes do
Estatuto do Desarmamento e do Código
Penal, exigem cuidado técnico do
Ministério Público no oferecimento da
denúncia, em especial da descrição do fato
in concretu, observando se outros verbos
do tipo penal se consumaram
anteriormente, tais como: adquirir, possuir,
receber, ilegalmente ou em desacordo com
regulamentação legal, a arma do crime,
fato esse que será de extrema importância
na análise da relação de crime-meio.
2.5.1 Argumentos contra a aplicação do
concurso material
A primeira corrente de
doutrinadores e jurisconsultos defende que
não há de se falar em concurso material de
delitos entre o crime de porte ilegal de
armas de fogo e receptação,
principalmente pelos motivos seguintes
elencados: ambos os delitos têm como
verbo do tipo a conduta de adquirir,
levando a crê que a aplicação do concurso
caracterizaria o bis in idem, ou seja,
puniria o infrator duas vezes pelo mesmo
ato; a receptação é meio necessário para a
consumação do delito de porte ilegal de
arma de fogo, caracterizando, assim, a
aplicação do princípio da consunção em
que o crime meio é imediatamente
absorvido pelo crime fim.
É nesse sentido que se posiciona o
renomado autor Fernando Capez, que em
sua obra Curso de Direito Penal traz suas
precisas lições lecionando que:
Na hipótese em que o agente adquire, recebe, transporta ou oculta arma de fogo (acessório ou munição), de uso permitido, de procedência ilícita, comete o delito mais grave previsto no art. 14 da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, cuja pena varia de dois a quatro anos de reclusão, sem prejuízo da multa. Não incide, nesse caso, a norma do art. 180 do CP, que trata da receptação, tendo em
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
75
vista especialidade do tipo penal do art.14 da Lei, bem como sua maior severidade (sua pena mínima é o dobro da pena da receptação), podendo-se falar também no princípio da subsidiariedade (a norma primária do art.14 da Lei prevalece sobre a subsidiária do art. 180 do CP)... (CAPEZ, 2014, p. 634).
Desta feita, o renomado autor
entende que trato de um processo em que
um suspeito for flagrado portando uma
arma de fogo em desacordo com
determinação legal ou regulamentar,
mesmo que este objeto material do delito
tenha procedência ilícita, não se pode
oferecer fazer a queixa-crime como
incurso nos tipos penais do art. 14, da Lei
10.826/03 e do art. 180 do CP, pois
defende que nesse caso específico às
normas não se conflitam, ou melhor,
dizendo, há um conflito aparente de
normas.
Nessa situação, com essa tese
sobredita, a maneira correta de proceder
com a ação penal seria aplicar o princípio
da especialidade ou o princípio da
subsidiariedade, para afastar a incidência
do crime de receptação, entendendo que
este guarda uma relação de gênero e
espécie com o crime de porte ilegal ou que
ambas as normas jurídicas protegem o
mesmo bem juridicamente tutelado.
Com a devida vênia, esse
entendimento não é o mais razoável do
ponto de vista da justiça material e em
relação à maioria da doutrina, além de ser
o contrário do que interpreta o Superior
Tribunal de Justiça e alguns Tribunais
Estaduais de Justiça.
2.5.2 Argumentos favoráveis a aplicação
do concurso material
Já a segunda corrente de
pensadores é incisiva em afirmar que resta
totalmente caracterizada a aplicação do
concurso material de delitos entre os
crimes de porte ilegal de arma de fogo e
receptação, situação jurídica em que as
penas são somadas e imputadas ao seu
autor, pois as condutas descritas nos tipos
penais são absolutamente autônomas, seus
verbos são independentes, a suas
consumações se dão em momentos
totalmente distintos, afastando
completamente a aplicação do princípio da
consunção, porque na construção do iter
criminis o delito de receptação não é meio
necessário para consumação do delito de
porte ilegal de arma de fogo. Dessa forma,
a maneira correta de se portar diante de tal
situação seria justamente a imputação de
ambas as penas ao autor do fato.
É assim que se posiciona Felício
Soares, que eu seu Manual Sobre Armas
De Fogo Para Operadores Do Direito
argumenta sua tese dizendo:
Numa análise afoita, o interprete poderia se ver tentado a sustentar a incidência do princípio da consunção entre os crimes, acreditando que a receptação seria
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
76
consumida pelo porte ilegal por considerá-la entefactum impunível, além de que ambos os crimes preveem o núcleo ‘adquirir’. Ademais, nota-se que há diversidade entre as objetividades jurídicas dos crimes (contra o patrimônio e contra a incolumidade pública). (SOARES, 2011, p.107).
E continua o renomado autor
Felício Soares, defendendo a tese de é
perfeitamente possível a aplicação do
concurso material de delitos entre os
crimes de porte ilegal de arma de fogo e
receptação, quando leciona:
Analisando os preceitos primários dos tipos penais descritos no art. 180 (caput e seu § 3º) do Código Penal, percebe-se admissível o concurso entre receptação e porte ilegal de arma, dada a autonomia entre ambos. (SOARES, 2011, p.108).
Desta feita, são precisas as lições
no penalista Cezar Roberto Bitencourt,
que adiante leciona:
Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de inteiro e fração. (BITENCOURT, 2006, p. 250).
Dessa precisa explicação
depreende-se que não se pode falar em
conflito aparente de normas quando um
infrator for surpreendido portando uma
arma de fogo de procedência ilícita, pois o
crime de receptação não é espécie nem
tampouco meio para consumar o crime de
porte ilegal.
Ainda na esteira dos princípios que
regem o conflito aparente de normas, é
preciso continuar com Bitencourt, quando
faz referencia de forma precisa quanto ao
princípio da subsidiariedade, nestes
termos:
Há relação de primariedade e subsidiariedade entre duas normas quando descrevem graus de violação de um mesmo bem jurídico, de forma que a norma subsidiária é afastada pala aplicabilidade da norma principal. Frequentemente, se estabelece a punibilidade de determinado comportamento para ampliar ou reforçar a proteção jurídico-penal de certo bem jurídico, sancionando-se com graduações menos intensas diferentes níveis de desenvolvimentos de uma mesma ação delitiva. A rigor, a figura típica subsidiária está contida na principal. (BITENCOURT, 2006, p. 249).
De acordo com essa ilação exposta,
é razoável compreender de forma sapiente
que não há que se falar em
subsidiariedade, porque os bens jurídicos
tutelados são totalmente diferentes.
Enquanto o estatuto do desarmamento
tutela a incolumidade publica, o Código
Penal em seu art.180 protege o patrimônio.
É por tudo isso que não se pode afastar a
incidência do crime de receptação.
Nessa mesma linha de raciocínio
está o Promotor de Justiça do Estado do
Espirito Santo e membro do Centro de
Apoio Operacional Criminal, Gustavo
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
77
Senna de Miranda, que em sua publicação
explicita e orienta os outros membros do
Ministério Público a ter cautela quando do
oferecimento da denúncia. E nos ensina,
dizendo:
Destarte, as hipóteses envolvendo concurso de crimes (do Estatuto e do CP) exigem cuidado do Ministério Público na elaboração da denúncia, em especial na descrição dos fatos, observando outras condutas típicas anteriormente consumadas, tais como: adquirir, possuir, receber, ilegalmente a arma utilizada no crime, que, em geral, são obstáculos à alegação de relação de crime-meio.
Não por outro sentido, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ), também se
valendo da autonomia dos crimes, vem se
inclinando pela possibilidade de concurso
de crimes, conforme se observa pelo
julgado abaixo colacionado:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. ARGUIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA. CONCURSO APARENTE DE NORMAS. INEXISTÊNCIA. CRIMES AUTÔNOMOS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95. INAPLICABILIDADE. 1. A aquisição de uma arma de fogo na conhecida ‘feira do rolo’ com número de identificação do armamento totalmente raspado sugere, em princípio, a ocorrência do crime descrito no art. 180, caput, do Código Penal. Arguição de inépcia da denúncia afastada. 2. Não há falar em concurso aparente de normas, uma vez que se trata de crimes completamente autônomos, conforme precedentes desta Egrégia Corte. 3. (omissis). 4. Recurso desprovido.” (RHC 14814/SP; RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 2003/0134186-3; Fonte DJ de 01/12/2003, p. 00370; Relator Min. Laurita Vaz; data da decisão
04/11/2003; Órgão Julgador T5 – Quinta Turma).
Por todo o exposto, conclui-se,
pois, que no momento em que houver um
flagrante delito de porte ilegal de arma de
fogo, desde já a Autoridade Policial, ou
seja, o Delegado de Polícia Civil deve ter
cautela e observar qual é a procedência do
objeto material do crime, a fim de saber se
aquela arma de fogo foi roubada ou
furtada e, a partir dessas informações, não
indiciar o suspeito apenas pela prática do
crime insculpido no art. 14 da Lei 10.826
de 23 de dezembro de 2003, e sim aplicar
o concurso material de delitos e também
indiciá-lo pelo crime de receptação.
Da mesma forma o Promotor de
Justiça ao receber a inicial acusatório não
pode se abster de observar se a Lei está
sendo cumprida na exata medida de sua
aplicabilidade e oferecer a denúncia
conforme o seu entendimento.
Se assim for, a quantidade de
pessoas que se atrevem a portar arma de
fogo ficariam temerosas, porque saberão
que se forem presas em flagrante delito
responderão por dois crimes, e não apenas
um.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓ-
GICOS
A metodologia utilizada para a
abordagem dessa temática consta da
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
78
análise qualitativa de processos, que estão
em trâmite ou conclusos, provenientes das
varas criminais da comarca de Fortaleza
em que o orientando é testemunha/parte do
processo, na análise de livros, das
doutrinas, das leis, da jurisprudência e de
artigos virtuais. Evidenciou-se uma
discussão teórica sobre o crime de porte
ilegal de arma de fogo em concurso
material com o delito de receptação,
levando os doutrinadores, jurisconsultos e
demais operadores do direito a trilharem
uma visão idêntica sobre o tema, tentando
explicar embasado em autores e em
jurisprudência para que o Estado cumpra o
seu papel social de punir o infrator na justa
medida de sua culpabilidade.
São assim as precisas lições do
promotor Felício Soares, que em sua obra
Manual Sobre Armas De Fogo Para
Operadores Do Direito entende
perfeitamente possível a aplicação do
concurso material de delitos entre os
crimes de porte ilegal de arma de fogo e
receptação.
O desenvolvimento do estudo
procedeu-se da seguinte forma:
Primeiramente, foram definidos, com base
na lei, quais os limites do crime de porte
ilegal de arma de fogo. Depois, foi
estudado o tipo penal receptação, com suas
modalidades variadas. Finalmente, foi
analisado o instituto do concurso material
de delitos entre os dois crimes ora
expostos, com a opinião de doutrinadores
e jurisprudência dos tribunais. Aqui, de
maneira dedicada trabalhou-se o tema
escolhido, averiguando o assunto frente
aos fatos vigentes.
Para tanto o método de análise
utilizado foi o indutivo, ou seja, aquele
que parte de constatações particulares e
caminha para planos mais gerais, com o
intuito de mudar teorias e/ou leis, em
conexão ascendente.
A natureza da pesquisa foi
qualitativa, pois foram feitas análises de
processos específicos do tema ora
proposto em que o orientando é parte
como testemunha de acusação.
O corpus de pesquisa, como já foi
dito anteriormente, foram processos
criminais oriundos de variadas varas
criminais da comarca de Fortaleza, em que
o orientando é testemunha. Além disso,
como não poderia deixar de ser, foram
analisadas doutrinas que falam sobre o
tema, leis, jurisprudências e artigos
virtuais.
4 ANÁLISE DOS DADOS E
RESULTADOS
Diante dessa pesquisa e em relação
à problematização que foi exposta, qual
seja analisar se o concurso material de
delitos entre os crimes de porte ilegal de
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
79
arma de fogo e receptação está sendo
aplicado nas varas criminais da comarca
de Fortaleza, verificou-se que dos quatro
processos eletrônicos que foram
observados, apenas em um deles
constatou-se que o promotor de justiça,
discordando do que fora proposto na
inicial acusatória, ofereceu a denúncia
também pelo crime de receptação, ou seja,
pede que o réu seja condenado com o
acúmulo de pena de ambos os crimes.
Além disso, existem diversos
julgados do STJ (Superior Tribunal de
Justiça) e de Tribunais de Justiça dos
Estados com decisões no sentido de
aplicar o instituto do concurso material
quando o acusado for flagrado portando
arma de fogo de procedência inidônea,
pois conforme entendimento dos
Promotores ou Magistrados o acusado
cometeu também o crime de receptação da
arma de fogo no mínimo na forma
culposa, devido à natureza peculiar do
objeto material do processo criminal.
Ainda convém lembrar que a
doutrina majoritária também segue o
mesmo entendimento desses Tribunais,
pois em várias citações no decorrer do
trabalho, vários autores comprovam a tese
de que os delitos em comento são
autônomos, suas consumações se dão em
momentos distintos e que, no
fracionamento do iter criminis a
receptação não é meio necessário para a
consumação do delito de porte ilegal de
arma de fogo, afastando completamente a
tese do princípio da consunção, em que o
crime-fim absorve o crime-meio fazendo
com que o réu responda apenas pelo crime
principal.
Assim, constatou-se a negligência
do aparelho estatal de segurança pública
quando da prestação jurisdicional da
persecução criminal, porque o réu é
flagrado portando uma arma de fogo de
procedência criminosa e acaba sendo
acusado apenas por porte ilegal de arma de
fogo, ficando impune em relação ao crime
de receptação.
4.1 ANÁLISE DOS PROCESSOS
CRIMINAIS DE PORTE ILEGAL DE
ARMA DE FOGO
É sabido que, como a pesquisa ora
produzida tem a natureza qualitativa e o
tipo de pesquisa é documental, é de
extrema relevância que se traga o corpus
de pesquisa, ou seja, a fonte de onde partiu
a tese que se defende neste trabalho.
Destarte, foram analisados quatro
processos, sendo um findo e três em
andamento, de diferentes varas criminais
da comarca de Fortaleza com o intuito
primordial de saber se os atores principais
da ação penal verificaram ou não a
possibilidade de aplicar o instituto do
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
80
concurso material de delitos entre o porte
ilegal de arma de fogo e receptação,
porque desde o flagrante delito até o
recebimento da denúncia o Delegado, o
Promotor e o Juiz teriam a possibilidade
de verificar o caso concreto e ver que o
mais prudente seria aplicar o cúmulo de
penas entre os dois delitos sobreditos.
Ademais serão trazidos de forma
sucinta todos os processos, um a um, para
que se possa provar a existência concreta
da forma mais adequada de se portar
diante da análise de um flagrante delito no
crime de porte ilegal de arma de fogo.
4.1.1 Processo nº: 0732397-
41.2014.8.06.0001
O processo acima é do ano de 2014
e, dos dois acusados, foi imputado a um
deles o crime de porte ilegal de arma de
fogo, art. 14 da Lei nº 10.826/03, como
pode ser verificado abaixo, quando se
transcreve de forma literal, o recebimento
da denúncia pelo magistrado:
Recebida a denúncia: Vistos etc. 1 – O Ministério Público, por seu Promotor de Justiça, no uso de suas atribuições, ofereceu DENÚNCIA contra os indiciados, atribuindo a eles a prática dos crimes de tráfico de entorpecente e associação para o tráfico, incorrendo ainda o réu nº1 (identidade preservada) nas tenazes do art. 14 da Lei nº 10.826/2003. (Grifou-se)
Nesse caso, o processo está em
andamento, mas, mesmo assim, a denúncia
já foi recebida e nenhuma das autoridades
competentes atentou para verificar se essa
arma de fogo foi produto de furto ou roubo
ou como o acusado adquiriu a arma.
Assim é muito provável que esse réu,
como muitos em Fortaleza, não sofrerá
uma sanção quanto ao crime de
receptação.
4.1.2 Processo nº 0050522-
35.2013.8.06.0001
Esse processo é o único que já
transitou em julgado e, como veremos, o
réu foi preso em flagrante portando uma
arma de fogo de calibre permitido, sem
registro e sem autorização para portá-la,
ficou impune no que diz respeito ao
cometimento do crime de receptação.
Vejamos:
Julgado procedente o pedido
Diante do exposto, pelos fundamentos acima alinhados, julgo procedente a denúncia de fls. 02/04, para condenar o acusado nº2 (identidade preservada), já qualificado nos autos, nas sanções do art. 14, da Lei 10.826/03. (Grifo nosso)
Dessa maneira, o crime foi
processado e julgado, ocorreu o transito
em julgado da sentença penal condenatória
e o réu não foi responsabilizado pelo
cometimento do crime de receptação.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
81
4.1.3 Processo nº 0209924-
89.2012.8.06.0001
Da mesma forma que os dois
processos anteriores, nesse caso concreto o
réu conseguiu se esquivar das penalidades
impostas pelo art. 180 do Código Penal,
pois, como deixa bem claro a
homologação da prisão em flagrante, ele
foi autuado apenas no art. 14 da Lei nº
10.826/2003. Senão, vejamos:
Homologada a Prisão em Flagrante Trata-se de auto de prisão em flagrante lavrado pela autoridade policial em desfavor do réu nº 3 (identidade preservada), referente ao fato ocorrido no dia 18 de novembro de 2012, por volta das 00h:45min, nesta cidade. Depreende-se do auto em questão que o(s) indiciado(s) foi(ram) preso(s) em estado de flagrância por ter(em) infringido o disposto no art. 14 do Estatuto do Desarmamento. (grifou-se)
Desta maneira, percebeu-se nesse
processo, uma má prestação jurisdicional
por parte do aparelho estatal da segurança
pública, pois quando uma pessoa é
flagrada portando uma arma de fogo, ela
cometeu também, no mínimo, um crime de
receptação culposa.
4.1.4 Processo nº 0136501-
96.2012.8.06.0001
O único processo encontrado que
coaduna com a tese defendida foi esse,
porque o membro do Ministério Público
inconformado com o simples
enquadramento do ato apenas ao crime de
porte ilegal de arma de fogo ofereceu a
denúncia também como incurso no crime
insculpido no art. 180 do Código Penal e
nos moldes do art. 69 da parte geral do
Código Penal, ou seja, aplicou o concurso
material de delitos entre o porte e a
receptação. Assim se pronunciou o
magistrado quando do recebimento da
denúncia:
Proferido despacho de mero expediente
Também, verifico que os fatos narrados na peça vestibular se amoldam ao tipo legal apontado (art. 180 do CPB e art. 14 do Estatuto do Desarmamento nos moldes do artigo 69 do CPB). O réu foi preso em flagrante, quando portava um revólver marca Taurus, calibre 32, municiado, sem possui registro nem autorização para porte de arma, revelando, assim, indícios sérios de autoria, suficientes para a deflagração da ação penal.
Destarte, cada vez mais se mostra
necessário e prudente, analisar de forma
dedicada cada processo de porte ilegal de
arma de fogo, pois na sua grande maioria o
acusado que cometeu o delito não tem o
registro nem tampouco a autorização para
portar o armamento, mostrando, assim,
que com uma só ação ele cometeu dois
crimes distintos e terá que ser
responsabilizado por ambos nos moldes do
art. 69, concurso material de delitos, do
Código Penal Brasileiro.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
82
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que foi exposto nessa
pesquisa, conclui-se que para se buscar
uma sociedade mais justa e pacífica é
necessária uma boa e eficiente prestação
jurisdicional por parte dos órgãos
responsáveis pela máquina estatal.
Os objetivos elencados nesse
trabalho, que foi analisar os processos
criminais oriundos das varas criminais da
comarca de Fortaleza, foram alcançados e
constataram de forma inequívoca que o
Poder Executivo, representado pelos
Delegados de Polícia Civil, e o Poder
Judiciário, na pessoa dos Promotores e
Magistrados responsáveis pelos processos
analisados, estão, no mínimo, sendo
negligentes na aplicação da reprimenda
penal aos acusados por crime de porte
ilegal de arma de fogo, pois estes
deveriam responder também pelo crime de
receptação, porque obtiveram o objeto
material de forma ilícita, em desacordo
com determinação legal ou regulamentar.
A sociedade em geral deve ter
consciência dessa má prestação
jurisdicional para que todos possam cobrar
do Poder Publico uma maior eficiência na
sua atuação, pois não se pode admitir a
concreta impunidade de quem cometeu
dois crimes autônomos e que ao final do
processo vai ser responsabilizado apenas
por um.
Como resultado geral dessa
pesquisa, notou-se que vários réus que são
processados pelo crime de porte ilegal de
arma de fogo desdenham do Poder Estatal,
pois além de não responder pelo crime de
receptação cometido, são agraciados com
o arbitramento de fiança ainda na
Delegacia de Polícia Civil, liberados antes
de seus condutores e preparados para
adquirir novamente de forma ilícita mais
uma arma de fogo para que tenham o
poder de ameaçar a segurança de toda uma
coletividade de pessoas honestas e
indefesas, que a cada dia que passa está
cada vez mais reféns de infratores que
estão dominando a 7ª capital mais violenta
do mundo, 2ª mais violenta do Brasil.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, volume 1. 10. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10615757/artigo-180-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940>. Acesso em: 06/10/2014.
______. Estatuto do Desarmamento. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm>. Acesso em: 06/10/2014.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 2, parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). – 14. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
83
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. – São Paulo:
Atlas, 2002.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 9. Ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012.
MIRANDA, Gustavo Senna. Artigos: Breves notas sobre o Estatuto do Desarmamento. Disponível em: <www.conamp.org.br/Lists/artigos/Dispform.aspx?ID=160>. Acesso em 06/10/2014.
SOARES, Felício. Manual sobre armas de fogo para operadores de direito. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.
Outras Fontes:
STJ – REsp: 1133986 RS 2009/0133788-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 04/05/2010, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/05/2010.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
84
A UTILIZAÇÃO DA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA (PPP)
NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
José Augusto Abreu Sousa Aluno do curso de Direito da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Luís Otávio Franco Martins Professor Mestre do curso de Direito na Falculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF [email protected]
RESUMO: Este trabalho aborda o tema da Parceria Público-Privada (PPP) no sistema prisional brasileiro e tem como premissa a afirmação de que o investimento em infraestrutura no país encontra obstáculo na inércia da capacidade do Estado em disponibilizar à população obras e equipamentos necessários ao bem-estar social. Diante do exposto, o objetivo geral desta pesquisa é investigar a eficácia da parceria público-privada no sistema prisional brasileiro. Com relação aos objetivos específicos, este trabalho tem o fito de: comparar a utilização da parceria público-privada com o modelo atual dos presídios brasileiros; demonstrar a aplicação viável da PPP, objetivando que o Estado e a iniciativa privada busquem apagar essa mancha de incompetência e descaso com o preso; analisar a questão cientificamente, sem emoções, e deixando de lado o senso comum, entendamos que cada indivíduo que comete um crime voltará um dia para o seio da sociedade, por isso, precisamos recuperá-lo. A metodologia utilizada neste estudo foi a da pesquisa documental (pesquisa bibliográfica). O desenvolvimento da investigação ocorreu a partir da leitura do tema em livros, leis, doutrinas, pesquisas, monografias, teses, artigos em revistas e artigos virtuais, os quais detalham o caos atualmente existente em nossos presídios. A implantação do modelo de parceria público-privada no sistema prisional brasileiro é perfeitamente viável. Não há nenhum impedimento ético ou legal. Com o surgimento da parceria público-privada no âmbito das prisões no país, a sociedade brasileira terá uma chance de bem-estar social. Palavras-chaves: Parceria público-privada. Detento. Ressocialização. Presídio. ABSTRACT: This article addresses the issue of Public-Private Partnership (PPP) in the Brazilian prison system and is premised on the assertion that the investment in the country's infrastructure is an obstacle in the inertia of the state's ability to make available to the works and equipment public necessary for social welfare. Given the above, the objective of this research is to investigate the effectiveness of public-private partnership in the Brazilian prison system. With regard to the specific objectives, this paper aims to: compare the use of public-private partnership with the current model of Brazilian prisons; demonstrate viable application of PPP in order that the state and the private sector seek to erase that stain of incompetence and negligence of the prisoner; examine the issue scientifically, without emotions, and leaving aside common sense, we understand that every individual who commits a crime, one day, return to the bosom of society, so we need to get it back. The methodology used in this study was to document research (literature). The development of the research was based on the theme of reading books, laws, doctrines, research, monographs, articles in journals and virtual items, detailing the existing chaos currently in our prisons. The implementation of public-private partnership model in the Brazilian prison system is perfectly viable. There is no ethical or legal impediment. With the emergence of public-private partnership in the country's prisons, Brazilian society will have the chance to welfare. Key-words: Public-private partnership. Detainee. Rehabilitation. Prison. .
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
85
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho aborda o tema da
Parceria Público-Privada (PPP) no sistema
prisional brasileiro e tem como premissa a
afirmação de que o investimento em
infraestrutura no país encontra obstáculo
na inércia da capacidade do Estado em
disponibilizar à população obras e
equipamentos necessários ao bem-estar
social.
Parceria Público-Privada é um
contrato administrativo de concessão, no
qual uma empresa privada tem a
responsabilidade de execução de obra ou
prestação de serviço público, remunerada
ou não, através de exploração da
infraestrutura, com uma garantia
específica do Estado, podendo, ainda,
obter recursos no mercado financeiro. As
PPP’s são uma nova forma de contratos de
concessão, a longo prazo, em que o Poder
Público indica o que quer, em termos de
serviços públicos, e o ente privado informa
como fazer e a que preço pode fornecer ao
Estado. Neste instante, surge uma parceria
entre o Poder Público e o ator privado,
com o intuito de proporcionar à população
obras ou serviços de qualidade, durante
muitos anos. As parcerias público-privadas
são muito importantes para a garantia de
investimentos em rodovias, ferrovias,
portos e outras áreas de infraestrutura.
As parcerias público-privadas
estão reguladas na Lei Federal n.º
11.079/2004, de 30 de dezembro de 2004.
Este tipo de parceria é um contrato
administrativo de concessão. As formas de
concessão podem ser patrocinada ou
administrativa. Na modalidade
patrocinada, a concessão de serviços
públicos ou de obras públicas envolve,
adicionalmente à tarifa cobrada dos
usuários, a contraprestação pecuniária do
parceiro público ao parceiro privado. Na
forma de concessão administrativa, a
Administração Pública é a usuária direta
ou indireta da prestação de serviços,
mesmo envolvendo execução de obra ou
fornecimento e instalação de bens.
Melhor conceituando, na
concessão patrocinada o ente privado
realiza o planejamento, a execução e a
operação de uma atividade de caráter
público. Estas atividades podem ser
precedidas ou não de obra pública, sendo
que o parceiro público paga parte da
remuneração do serviço entregue a
população, através de uma contraprestação
adicional. Os custos restantes do
investimento são pagos pelo usuário, por
meio de uma tarifa decorrente do uso do
equipamento público. Neste caso, a
Administração Pública poderá
complementar o custo da tarifa, buscando
um valor mais acessível à população.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
86
Exemplificando: concessão de uma linha
de metrô e estacionamento subterrâneo.
Na concessão administrativa, a
Administração Pública é a usuária direta
ou indireta do serviço público concedido,
mesmo envolvendo projeto, execução,
instalação e operação da obra ou do
serviço. A remuneração da empresa
privada será unicamente pelos recursos
públicos orçamentários, após a entrega
daquilo que foi contratado. Como
exemplos: construção de um centro
administrativo ou de um presídio, e
concessão para remoção de lixo.
Assim, a promulgação da Lei
Federal n.º 11.079/2004 veio no intuito de
diminuir a escassez do financiamento de
obras necessárias, desobrigando o Poder
Público de investir sozinho em
infraestrutura. Nessa estrutura estão
inclusos os presídios. Esta é uma forma
inovadora de contratação pelo Estado.
A partir da Lei n.º 11.079/2004,
que delineou regras gerais para a licitação
e contratação da parceria público-privada
no âmbito da administração pública,
vislumbrou-se uma perspectiva nessa
direção: a parceria para construção,
manutenção e administração de presídios
no país. Visando dar mais consistência à
legislação que ampara essa questão,
tramita nas várias comissões do Senado
Federal o Projeto de Lei n.º 513/2011, de
autoria do senador Vicente Alves de
Oliveira (PSD-TO), que tem o objetivo de
estabelecer normas gerais para a realização
da parceria público-privada no âmbito dos
estabelecimentos penais. Tal proposta
pretende regulamentar o uso das PPP’s
para estabelecimentos penais no âmbito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios.
Dois países se destacam no
mundo quanto à gestão e
operacionalização de presídios: Estados
Unidos e França. No modelo americano o
ente privado pode se envolver com o
serviço de carceragem, construção, ou até
mesmo, com o gerenciamento da unidade
prisional, com a cobrança de uma taxa
diária por vaga ocupada. Assim sendo, o
desempenho financeiro é proporcional à
quantidade de presos, podendo gerar
incentivos para que as prisões mantenham
a sua capacidade máxima. Isso dificulta o
acesso aos direitos legais dos detentos. No
modelo francês, no qual o Brasil se
inspirou, o Estado é o responsável pela
unidade prisional, por meio dos seus
agentes públicos, os quais são os
responsáveis por todas as atividades no
estabelecimento penal.
Na França, a partir de 1990, as
vagas existentes nos presídios foram todas
ocupadas através da gestão compartilhada.
Vale ressaltar que a administração da
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
87
unidade prisional não se transfere para o
parceiro privado, continuando os detentos
sob a responsabilidade do Estado.
Nessa perspectiva, o Estado
necessita da parceria da comunidade,
visando recuperar o detento, para que este
volte ressocializado ao seio da sociedade.
Este ideal está previsto no art. 4º, da Lei
n.º 7.210/1984 – Lei de Execução Penal
(BRASIL, 1984), que expressa
textualmente: “O Estado deverá recorrer à
cooperação da comunidade nas atividades
de execução da pena e da medida de
segurança.”
É uma vitória para a sociedade
quando um detento consegue a sua
ressocialização. Contudo, a maioria da
população carcerária não se recupera, pois
não teve nem a oportunidade de se
socializar. O problema é complexo.
Vivemos sob o domínio do caos nos
presídios brasileiros. Penitenciárias lotadas
muito além de sua capacidade, presídios
sem infraestrutura adequada e digna,
assassinatos de detentos, constante tráfico
de drogas, facções atuando nos presídios,
além de abusos e subornos praticados
pelas autoridades responsáveis pela
administração. Enfim, sem perspectiva de
reinserção do detento, após o cumprimento
da pena, ao convívio social. O sistema
carcerário brasileiro convive com um
modelo falido.
Diante do exposto, o objetivo
geral desta pesquisa é investigar a eficácia
da parceria público-privada no sistema
prisional brasileiro.
Com relação aos objetivos
específicos, este trabalho tem o fito de:
comparar a utilização da parceria público-
privada com o modelo atual dos presídios
brasileiros; demonstrar a aplicação viável
da PPP, objetivando que o Estado e a
iniciativa privada busquem apagar essa
mancha de incompetência e descaso com o
preso; analisar a questão cientificamente,
sem emoções, e deixando de lado o senso
comum, entendamos que cada indivíduo
que comete um crime voltará um dia para
o seio da sociedade, por isso, precisamos
recuperá-lo.
Diante desse panorama caótico,
esta pesquisa propõe o seguinte problema:
os presídios brasileiros recuperam os seus
detentos?
Com base na questão tratada
neste estudo, a parceria com a iniciativa
privada é uma saída séria e corajosa no
fito de ressocialização do preso. Exemplos
em todo o país se multiplicam. No estado
de Santa Catarina, a Penitenciária
Industrial de Joinville é um bom exemplo,
pois há limpeza nos pavilhões e não existe
superlotação. Os presos cumprem
rigorosamente regras de comportamento,
inclusive, não podendo fumar. Do ganho
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
88
obtido no trabalho deles, uma fração é
utilizada para melhorar as instalações da
penitenciária. Em Salvador, estado da
Bahia, uma das regras do Conjunto Penal
de Lauro de Freitas, por exemplo, é a
proibição de entrada de comida na unidade
prisional pelos familiares e amigos dos
presos.
Buscando saídas para o problema
exposto neste trabalho, no início do ano de
2013, na cidade mineira de Ribeirão da
Neves, foi inaugurada a primeira
experiência brasileira sob o modelo da
parceria público-privada, isto é, um
complexo penitenciário. Neste caso, o
consórcio GPA que ganhou a licitação
ficou encarregado da construção e
administração do presídio, enquanto o
governo mineiro com a obrigação
inafastável da administração da execução
da pena. O contrato prevê as atribuições
bem divididas. Todo o trabalho que
envolve a execução da pena, quais sejam,
monitoramento, sanções disciplinares,
movimentações dos detentos, escoltas,
intervenções especiais e vigilância serão
desempenhados pelos agentes prisionais,
estes servidores públicos de Minas Gerais.
Os serviços restantes serão gerenciados
pelos empregados da GPA, que
trabalharão armados e receberão salários a
partir de R$ 1.300,00 por mês.
Como uma nova experiência
nesse sentido, no estado do Pernambuco,
está sendo construído o Centro Integrado
de Ressocialização de Itaquitinga. Trata-se
de um complexo penal com capacidade
para 3.126 presos. Tal iniciativa tem o
mesmo formato do proposto em Minas
Gerais, isto é, a gestão compartilhada.
Em busca de uma solução
arrojada quanto à problematização citada
neste estudo, alguns estados estão
confiantes numa solução inovadora. Minas
Gerais, Pernambuco e Ceará, dentro de
suas possibilidades financeiras e atentando
para as limitações que a lei de
responsabilidade fiscal prevê, buscam
novas formas de transformar a triste
realidade nos presídios brasileiros. Nessa
mesma perspectiva, qual seja a parceria
com a iniciativa privada, os estados de
Santa Catarina, Espírito Santo e Bahia
mantêm convênios com entes privados.
Tais convênios apontam na direção do
sucesso, pois buscam soluções dentro de
cada estado, sem se descuidar da
participação da população local e da
supremacia do interesse público. Todos
esses estados apostam na parceria com a
iniciativa privada visando à dignidade no
cumprimento da pena e a plena
recuperação do detento. Dessa forma, o
apenado poderá retornar ao seio da
sociedade reeducado.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
89
Acreditando também no bom uso
da parceria público-privada a Secretaria da
Justiça e Cidadania do Ceará – SEJUS, do
estado do Ceará, publicou em dezembro de
2011 o Aviso de Solicitação de
Manifestação de Interesse n.º 2/2011,
objetivando estudos de viabilidade técnica,
econômica e financeira para projeto de
construção, operação e manutenção do
Complexo de Alta Segurança do Estado do
Ceará, em regime de Parceria Público-
Privada – PPP. O projeto envolve dois
presídios: um com 100 (cem) vagas e o
outro com 650 (seiscentos e cinquenta)
vagas.
Existe argumento contrário à
utilização da parceria público-privada no
âmbito dos presídios, afirmando ser
inconstitucional reservar à iniciativa
privada a aplicação da pena a um
condenado. Seria indevido contratar
agentes particulares para tal atribuição.
Todavia, não existe inconstitucionalidade,
desde que os agentes prisionais estejam
sob a égide do poder estatal, isto é, sejam
servidores públicos.
A justificativa desta pesquisa tem
como embasamento a atual situação dos
presídios brasileiros. Infelizmente, é tema
cotidiano em nossa mídia, pois, nos mostra
o estado degradante das nossas prisões.
O sistema prisional brasileiro é
ineficiente e descumpridor dos direitos e
garantias fundamentais dos presos.
Encontra-se inepto e sem perspectivas de
melhorias. Urge uma inovação nesse
sistema. Em 04 de junho de 2014, o
Conselho Nacional de Justiça – CNJ
divulgou que a população carcerária
brasileira é de 711.463, incluindo-se as
prisões domiciliares. Segundo o Centro
Internacional de Estudos Prisionais –
ICPS, do King’s College de Londres, o
Brasil tem hoje a terceira maior população
carcerária do mundo. Quando se computa
as prisões domiciliares, o Brasil ultrapassa
a Rússia, que tem 676.400 presos. Com os
novos dados do CNJ o deficit atual de
vagas no sistema é de 206 mil. Quando se
leva em conta as prisões domiciliares, o
deficit passa para 354 mil vagas.
Contando-se o número de mandados de
prisão em aberto, de acordo com o Banco
Nacional de Mandados de Prisão –
373.991, a nossa população carcerária
saltaria para mais de um milhão de
pessoas.
Diante desse quadro, uma nova
perspectiva surge. É hora de mudança. A
gestão compartilhada em estabelecimentos
penais é viável e tem retorno social. Neste
modelo é desnecessário fazer um grande
investimento inicial em infraestrutura. O
parceiro privado fica responsável pela
construção do equipamento prisional,
utilizando recursos financiados ou
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
90
próprios. Os gastos da obra são ressarcidos
gradativamente à empresa, diluído nas
parcelas que o Estado desembolsa pela
gestão do presídio.
Nessa perspectiva, a estudante
Viviane Braga de Moura em sua
monografia de conclusão do Curso de Pós-
Graduação em Direito Penal e Processo
Penal, do Instituto Brasiliense de Direito
Público – IDP argumentou o seguinte:
Os resultados das experiências de co-gestão dos presídios em alguns estados brasileiros se mostraram positivos, pois aumentaram o número de vagas oferecidas, sem descuidar também das garantias constitucionais dos presos. Esse modelo de co-gestão, terceirizando alguns serviços nos presídios, nos mostra que é perfeitamente possível oferecer ao preso condições dignas para cumprir a pena, e assim alcançar a ressocialização. (MOURA, 2011, p. 05)
Como se vê nesse relato, os
resultados da gestão compartilhada são
promissores, não ferindo nenhum
dispositivo constitucional. Muito pelo
contrário, surge de uma alternativa
alvissareira.
Quanto à metodologia utilizada
nesta abordagem temática, esta pesquisa
optou pelo método comparativo. Este
método permitiu a comparação do modelo
atual de gestão prisional, isto é, o modelo
convencional estatal, com o modelo em
parceria público-privada.
A metodologia utilizada neste
estudo foi a da pesquisa documental
(pesquisa bibliográfica). O
desenvolvimento da investigação ocorreu
a partir da leitura do tema em livros, leis,
doutrinas, pesquisas, monografias, teses,
artigos em revistas e artigos virtuais, os
quais detalham o caos atualmente existente
em nossos presídios.
Esta pesquisa, além desta
introdução, compõe-se do referencial
teórico, dos procedimentos metodológicos,
da análise dos dados e resultados e das
considerações finais.
No referencial teórico,
discorreremos sobre a fundamentação
legal que dá suporte normativo a este
tema. Apresentaremos várias leituras de
renomados juristas a favor do assunto aqui
discutido. Teremos ainda divulgações de
órgãos oficiais informando a implantação
da parceria público-privada no âmbito do
ente federativo. Além disso, citaremos
matérias de alguns periódicos,
demonstrando a eficácia do novo modelo
de gestão prisional aqui proposto.
Quanto ao procedimento
metodológico definiremos os caminhos
percorridos para a realização deste
trabalho. Anunciaremos também a
natureza desta pesquisa, a utilização dos
resultados, os fins e os instrumentos
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
91
utilizados no desenvolvimento desta
investigação.
Quanto à análise dos dados e
resultados faremos um aprofundamento da
viabilidade da implantação da parceria
público-privada. Debruçar-nos-emos sobre
a evolução histórica da gestão público-
privada. Por fim, discutiremos os
argumentos contrários sobre o tema.
Nas considerações finais serão
evidenciadas as conclusões sobre os
objetivos propostos neste estudo
investigativo.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Neste título discorreremos sobre a
base normativa que dá suporte legal a este
assunto, apresentando leituras de vários
juristas sobre o tema e divulgando
publicações de órgãos oficiais sobre a
implantação da parceria público-privada.
2.1 FUNDAMENTOS LEGAIS
Cabe ressaltar que a
Constituição Federal não proíbe que a
iniciativa privada participe da
administração de estabelecimentos penais.
A Constituição (BRASIL, 1988) prevê, no
título da Ordem Econômica e Financeira, o
modelo de economia descentralizada.
Neste sentido, a Carta Magna estabeleceu,
em seu artigo 174, que o Estado é quem
normatiza e regula a atividade econômica.
E, na forma da lei, tem as funções de
fiscalizar, incentivar e planejar a atividade
econômica, sendo este determinante para o
setor público e indicativo para o setor
privado.
A Constituição Federal (BRASIL,
1988) prevê, em seu art. 24, I, que a
União, os Estados e o Distrito Federal
possuem competência concorrente para
legislar sobre direito penitenciário. Isto é,
a atividade penitenciária é uma atividade
típica de estado, não permitindo a Carta
Maior que os serviços penitenciários sejam
privatizados.
Em seu artigo 5º, inciso III, a
Constituição (BRASIL, 1988) expressa
que: “ninguém será submetido à tortura
nem a tratamento desumano ou
degradante”, já o inciso XLVIII assegura
aos presos que: “a pena será cumprida em
estabelecimentos distintos, de acordo com
a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado”, e o inciso XLIX dispõe o
seguinte: “é assegurado aos presos o
respeito à integridade física e moral.”
Contudo, todos esses direitos assegurados
em nossa constituição são totalmente
desrespeitados no sistema carcerário
brasileiro. As condições em que os presos
brasileiros vivem são completamente
desumanas e degradantes.
Cabe ao Estado a gestão do
sistema carcerário no país. Apesar disso, a
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
92
Lei de Execução Penal – LEP, Lei Federal
n.º 7.210/1984 (BRASIL, 1984), no seu
artigo 4º, dispõe o seguinte: “O Estado
deverá recorrer à cooperação da
comunidade nas atividades de execução da
pena e da medida de segurança”. Assim, a
sociedade como um todo pode colaborar
para que a execução penal seja justa.
Independente do sistema ser misto ou
público haverá sempre a supervisão do
Departamento Penitenciário Nacional.
Este departamento tem como uma de suas
atribuições a inspeção e fiscalização
periódicas dos estabelecimentos e serviços
penais.
Enfim, não há na Lei de
Execução Penal dispositivo que proíba o
gerenciamento e operacionalização dos
estabelecimentos penais por empresa
privada. Porém, o juiz da execução penal é
o responsável pelo controle e fiscalização
do cumprimento e das condições da pena.
Os demais órgãos da execução penal ficam
responsáveis pela atividade
administrativo-judiciária.
Com relação aos contratos
firmados com os entes privados, cabe
lembrar que existe previsão legal para
contratação com a Administração Pública.
Trata-se do art. 37, inciso XXI da
Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Este dispositivo constitucional é
regulamentado pela Lei n.º 8.666/1993
(BRASIL, 1983), que instituiu
normatização para licitações e contratos da
Administração Pública, incluindo serviços,
compras, alienações e locações no âmbito
da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios. É claro identificar que a
gestão compartilhada obedece a esse
formato, pois o Estado realiza um único
contrato para produtos e serviços.
A garantia da gestão
compartilhada está inserta no artigo 4º da
Lei n.º 11.079/2004, que contempla
perfeitamente os princípios constitucionais
da eficiência, interesse público,
indelegabilidade, responsabilidade fiscal,
publicidade e obediência aos ditames
orçamentários, senão vejamos:
Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; V – transparência dos procedimentos e das decisões; VI – repartição objetiva de riscos entre as partes; VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria. (BRASIL, 2004)
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
93
2.2 VISÃO DOS TEÓRICOS E
DOUTRINADORES
O professor e advogado
criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso é
favorável à privatização, no modelo
Parceria Público-Privada, pois em sua
opinião é um sucesso, não registrando uma
rebelião ou uma fuga, expressando assim
sua opinião:
Incontáveis resistências se levantam, pois são oriundas do desconhecimento, da ignorância do tema e da falta de experiência, ou até da má-fé, mas todas, absolutamente todas são “espancadas”, quando se discute o tema sem paixões, no plano técnico e racional. É lamentável que diante do desastre do sistema prisional no mundo e das mazelas gigantescas do sistema brasileiro, ainda existam pessoas que rejeitam até a observação de uma experiência brasileira, que é real e precisa ser estudada. Essas resistências partem de setores que pretendem manter a situação como está, vale dizer, investem na piora do sistema prisional, por interesses menores e até inconfessáveis, ressalvados aqueles que resistem por puro desconhecimento da matéria. Chegará o dia em que a realidade será inegável. Espero que não seja tarde demais. Não estou dando mero palpite, estudei e continuo a estudar essa modalidade de gerenciamento prisional observando seus resultados no mundo todo e obtive meu grau de Mestre em Direito Penal pela USP, com a tese da privatização de presídios. De minha parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue, gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos, para piorar o homem preso que retornará para nos dar o troco! (D’URSO, 2010, p. 137)
Segundo Sandro Cabral (2010, p.
408), professor e autor de uma tese de
doutorado sobre os aspectos econômicos
da terceirização prisional na Universidade
Federal da Bahia – UFBA, a eficiência da
gestão privada decorre do fato dos
empresários prestarem um serviço de
qualidade e, ao mesmo tempo, a
manutenção da disciplina no presídio,
protegendo o capital investido. Na
avaliação do professor: “Os prejuízos
causados por uma rebelião, por exemplo,
são pagos pela empresa – e comida boa e
assistência jurídica eficiente são alguns
dos elementos capazes de manter os
condenados tranquilos.”
Os atores que estudam esta
questão se debruçam sobre todos os
pormenores do problema e, por vezes,
fazem com que a sociedade desperte de
modo consciente sobre o assunto. Vejamos
o que diz Wilder Brito Sobreira, Delegado
da Polícia Civil:
Não é de hoje que o Sistema Carcerário Brasileiro está falido. Aliás, na história das prisões, do regime de cumprimento de penas, esta é uma realidade facilmente constatada. O problema é secular e é de origem estrutural. Criadas para punir e ressocializar condenados, não atende ao fim a que se propõe por incompetência ou por falta de decisão política, levando o Estado a não cumprir nem um dos objetivos, pois quando pune exagera na pena, desrespeita a condição humana e os direitos constitucionalmente assegurados aos detentos. (SOBREIRA, 2012, p. 120)
Na apreciação de alguns juristas,
a administração privada é constitucional,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
94
bastando que os agentes prisionais
trabalhem sob a égide do poder estatal.
Esta idéia é sustentada pela promotora de
Justiça de São Paulo, Déborah Kelly
Affonso (Veja, 2009, p. 85), em sua
dissertação de mestrado sobre o assunto:
“O agente privado pode até ter a chave do
cadeado, mas todas as decisões em relação
ao preso são tomadas por um juiz ou, em
menor escala, pelo diretor do presídio.”
O professor Vidal Senna,
Bacharel em Direito e Ciências
Econômicas, em seu artigo “Participação
da iniciativa privada”, publicado no sítio
eletrônico Netsaber, em 14/02/2008,
comunga com a ideia apresentada neste
estudo, expressando o seguinte:
Nenhuma função deixará de ser atribuição ou competência do Estado pelos seus respectivos poderes, ou por ambos, como no caso da execução penal. Julgar continuará sob a competência do Poder Judiciário, com a contribuição dos órgãos auxiliares, impondo ao cidadão a pena, não havendo nenhuma interferência do setor privado, como também no que diz respeito às atribuições da administração no que concernem às decisões referentes à execução da pena e a custódia. Esta visão rebate a crítica de que compete ao Estado o monopólio para custodiar e executar a pena, sendo a gestão compartilhada uma forma de transferir à titularidade deste dever a terceiro. (SENNA, 2008, p. 59)
Diante do relato do professor,
entendemos que a atuação do parceiro
privado não comprometerá a
responsabilidade do Poder Estatal na
execução da pena do detento.
O grande jurista e professor Júlio
Mirabete formula argumento favorável ao
modelo da gestão compartilhada, onde se
insere os contratos firmados em parceria
público-privada, senão vejamos:
Nada impede que a lei federal ou estadual, por instrumento hábil (delegação, concessão, permissão ou privatização), encarregue uma pessoa jurídica de direito privado de exercê-la para promover a execução material das penas (...). Mas em caráter geral, por força de norma complementar estadual, nada impede que os estabelecimentos penais sejam geridos e operados por empresa privada, ressalvadas as atividades jurisdicionais e administrativas judiciárias (...). Não há dispositivo que vede a possibilidade da gerência e operação material dos estabelecimentos penais serem exercidas por entidade privada. Em nenhum momento a lei federal dispõe que o diretor e os servidores devam ser obrigatoriamente servidores públicos. Embora se refira a ‘pessoal administrativo’, deve-se entender que essas funções podem ser exercidas por particulares, de entidade privada, quando se trata de atividades de mera execução material da pena (vigilância, instrução técnica, trabalho, assistência etc.). (MIRABETE, 1993, p. 101)
O jurista Mirabete tem a clareza
da perfeita atuação da iniciativa privada,
em parceria com o Estado, em fazer com
que o sistema prisional cumpra de forma
justa e legal o seu papel.
2.3 DIVULGAÇÕES DE ÓRGÃOS
OFICIAIS
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
95
As estatísticas divulgadas pelo
Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com
atualização até junho de 2014, confirmam
a problemática apresentada nesta pesquisa.
Contamos no sistema carcerário do país
com mais de 711 mil presos. Todavia,
existem atualmente somente 357 mil
vagas. Desse modo, um deficit na ordem
de 354 mil vagas.
Corroborando com o assunto
apresentado neste trabalho, foi publicado
em dezembro de 2011 no Diário Oficial do
Estado do Ceará, o edital de manifestação
de interesse para Parceria Público-Privada
– PPP nos seguintes termos:
O ESTADO DO CEARÁ, por meio da SECRETARIA DA JUSTIÇA E CIDADANIA – SEJUS, com fundamento na Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, Lei Estadual 14.391, de 07 de julho de 2009 e no Decreto nº 30.328, de 27 de setembro de 2010, alterado pelo Decreto nº 30.646, de 14 de setembro de 2011, torna público que, de 2 a 11 de janeiro de 2012, serão recebidas manifestações de interesse para elaboração dos estudos de viabilidade técnica, econômica e financeira de projeto para a construção, operação e manutenção do Complexo de Alta Segurança do Estado do Ceará, em regime de Parceria Público Privado – PPP. (CEARÁ, 2011)
São ações pontuais acontecendo
por todo o país, encabeçadas por entes
federativos, com o fito de mudar o
cotidiano dos presídios brasileiros.
Também em consonância com o
teor deste estudo a Secretaria de Estado do
Planejamento e do Desenvolvimento
Econômico do Estado de Alagoas publicou
em 23 de janeiro de 2012, no Diário
Oficial do Estado de Alagoas, o Edital de
Chamamento público nº 01/2012 para o
Programa de Parceria Público�Privada do
Estado de Alagoas – PPP/AL nos
seguintes termos:
O ESTADO DE ALAGOAS, por intermédio da SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO E DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – SEPLANDE/AL, nos termos do Decreto nº 16.879/2011, torna público que receberá dos interessados em participar ou prospectar oportunidades de Parcerias Público�Privadas solicitação de autorização para desenvolver, por sua conta e risco, Projeto Básico e Estudos de Viabilidade de empreendimento na área de SEGURANÇA PÚBLICA, visando à construção, manutenção, conservação, operação e gestão de um Centro Integrado de Ressocialização – CIR, compreendendo 03 (três) unidades penais, sendo duas em Regime Fechado e uma no Regime Semiaberto, contendo 600 (seiscentas) vagas cada, nos termos do Termo de Referência elaborado pela SUPERINTENDÊNCIA GERAL DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA – SGAP da SECRETARIA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL – SEDS/AL. (ALAGOAS, 2012)
Há uma perfeita compreensão por
parte dos estados brasileiros, neste caso
específico, do estado de Alagoas, da
necessidade de construção e manutenção
de unidades prisionais dentro dos
parâmetros dessa nova forma de gestão
prisional.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
96
2.4 MATÉRIAS EM PERIÓDICOS
O repórter Diogo Shelp em seu
artigo na Revista Veja, edição n.º 2101,
datada de 25/02/2009, com o título “Nem
parece presídio”, publicou o seguinte:
Os presídios brasileiros, [...], têm cheiro de creolina. O produto químico é usado para disfarçar outro odor, o de esgoto, que sai das celas imundas e impregna corredores e pátios. O exemplo mais repugnante é o Presídio Central de Porto Alegre, considerado o pior do país – o que convenhamos, é um feito e tanto. Num de seus pavilhões, as celas não têm sequer portas: elas caíram de podres. No extremo oposto, figura a Penitenciária Industrial de Joinville, em Santa Catarina. Ela não cheira à prisão brasileira. Os pavilhões são limpos, não há superlotação e o ar é salubre, pois os presos são proibidos até de fumar. Muitos deles trabalham, e um quarto de seu salário é usado para melhorar as instalações do estabelecimento. Nada que lembre o espetáculo de horrores que se vê nas outras carceragens, onde a maioria dos presos vive espremida em condições subumanas, boa parte faz o que quer e os chefões continuam a comandar o crime nas ruas a partir de seus celulares. (SHELP, 2009, p. 84)
Apesar de a publicação da
Revista ser de 2009, muito não mudou. Ao
contrário, em algumas situações piorou.
Lembremos do exemplo recente e
estarrecedor na Penitenciária de Pedrinhas,
em São Luís, no Maranhão. Ocorreram até
decapitações de detentos.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓ-
GICOS
A pesquisa desenvolvida nesta
investigação pode ser classificada como
bibliográfica. Isto porque a investigação se
dá a partir da leitura do tema em livros,
leis, doutrinas, pesquisas, monografias,
teses, artigos em revistas e artigos virtuais,
os quais detalham o caos atualmente
existente no sistema prisional brasileiro. E,
a partir daí, evidencia uma alternativa
concreta para o modelo atual: a parceria
público-privada.
Quanto à metodologia utilizada
neste assunto, esta pesquisa optou pelo
método comparativo. A opção justifica o
método escolhido, pois permite comparar
o modelo atual, isto é, o modelo
convencional estatal, com o modelo em
parceria público-privada.
As etapas da pesquisa serão:
inicialmente será relatada a caótica
situação do modelo prisional brasileiro,
fato sabido e de domínio público. Após,
serão relatados os vários exemplos que
proliferam pelo país da gestão
compartilhada Estado e iniciativa privada
na administração de unidades prisionais.
E, por fim, a aplicabilidade dessa gestão
nos presídios brasileiros com resultados
satisfatórios e eficientes.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
97
4 ANÁLISE DOS DADOS E
RESULTADOS
4.1 A VIABILIDADE DA PARCERIA
PÚBLICO-PRIVADA
O Estado brasileiro é ineficiente
para prover a infraestrutura que o país
necessita. Os investimentos para alavancar
o processo de desenvolvimento econômico
são ínfimos. Assim a Lei Federal n.º
11.079/04 (BRASIL, 2004) tem a
finalidade de reduzir as deficiências no
financiamento das obras necessárias, já
que desobriga o Poder Público de investir
sozinho em infraestrutura. Nesse
arcabouço estrutural estão incluídas as
unidades prisionais. A parceria público-
privada se trata da mais recente forma de
contratação pelo Estado no setor prisional.
Em última análise, esse modelo é
uma gestão compartilhada. Significa que o
ente privado compartilhará de forma
simultânea das atividades prisionais, sob o
comando estatal, através de seus agentes
públicos. A nossa constituição não permite
a privatização dos serviços penitenciários.
Parte do sistema americano é privatizada.
O poder público concede e delega toda a
atividade carcerária a um ente privado,
este explora a atividade como uma
empresa comum. Tal modelo no Brasil é
inconcebível do ponto de vista
constitucional, pois a atividade
penitenciária é uma atividade típica de
estado. A segurança e a disciplina ficam
sempre a cargo do poder estatal. A
Constituição Federal indica que isso é
indelegável.
A parceria público-privada não se
trata de privatização, nem tampouco de
terceirização. A privatização tem uma
abrangência mais ampla, transferindo a
titularidade ao ente privado. A
terceirização transfere o poder de decisão
como modalidade de reorganização sobre
o objeto do trabalho. Na gestão
compartilhada, no modelo público-
privado, os meios e serviços são
disponibilizados pelo ente privado, isto é,
há uma colaboração em tempo real, sob o
comando do agente público, representante
estatal, sem subordinação nenhuma ao
parceiro privado, pelo contrário, este sim,
está subordinado ao controle do Estado.
4.2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA
GESTÃO PÚBLICO-PRIVADA
A colaboração da iniciativa
privada com o Poder Público remonta o
período do império. Inúmeras parcerias,
nos moldes da gestão compartilhada,
foram realizadas desde a metade do século
XIX.
Durante o período do império
obras como portos e ferrovias foram
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
98
construídos com a ajuda do parceiro
privado. A atuação nessas atividades
assegurava retorno do capital privado
investido, nacional ou estrangeiro. Tal
sistema ficou conhecido como “garantia de
juros”.
Na década de 1980, a ideia era
diminuir o tamanho do Estado no âmbito
da economia. Dessa forma, começaram as
privatizações. Tal política tinha o objetivo
de buscar uma maior competitividade e
eficiência para o estado brasileiro. Assim,
o Poder Público concentraria seus esforços
e investimentos em atividades fins.
A Administração Pública não
obteve o êxito necessário nas
privatizações. Na década de 1990, ainda
objetivando investir somente em
atividades fins, o estado brasileiro
permitiu que a iniciativa privada gerisse
setores mal explorados pela Administração
Pública. Então, entra em cena a política da
desestatização.
Neste século XXI, como
complemento da política iniciada nos anos
de 1980, surge a Lei Federal n.º
11.079/2004 (BRASIL, 2004). Esta
iniciativa, mesmo não se tratando de
inovação no campo da parceria entre os
setores públicos e privados, duas novas
formas de concessão foram criadas: a
patrocinada e a administrativa. Além
disso, novas garantias surgiram visando
uma maior atração de investimentos.
4.3 CONTROVÉRSIAS EXISTENTES
Encontramos durante a pesquisa
aqui apresentada várias leituras
divergentes ao modelo da parceria
público-privada. Passaremos a relatar
algumas dessas posições equivocadas.
Vale ressaltar que o argumento
desfavorável no que concerne ao lucro
obtido pelo ente privado contratado,
decorrente do cumprimento da pena, não
tem sustentação plausível. Inúmeros são os
segmentos que lucram, direta ou
indiretamente, com essa atividade de
custódia estatal. Senão vejamos: advocacia
criminal, empresas que prestam serviços
de alimentação e fardamento, empresas
concessionárias de serviços públicos de
medicamentos e material hospitalar, dentre
outras. Cabe lembrar que o nosso sistema
econômico é capitalista, ou seja, o lucro é
o objetivo da empresa privada, dentro das
limitações legais.
Entendimentos contrários dizem
que compete ao Estado o monopólio para
custódia e execução da pena, sendo a
gestão compartilhada uma forma de
transferir à titularidade deste dever a
terceiro. Ledo engano. A atividade
penitenciária é uma atividade típica de
estado. Nenhuma função deixará de ser
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
99
atribuição ou competência do Estado pelos
seus respectivos poderes, ou por ambos,
como no caso da execução penal. Julgar
continuará sendo competência do Poder
Judiciário, com a contribuição dos órgãos
auxiliares, impondo ao cidadão a pena,
não havendo nenhuma interferência do
setor privado, como também, no que diz
respeito às atribuições da administração na
atividade da execução da pena e da
custódia.
Também se questiona a inserção
dos atores privados no que tange ao custo
elevado do modelo compartilhado. Essa
leitura é equivocada, estudos elaborados
nessa direção revelam dados em sentido
diverso, pois a administração estatal é
mais onerosa que com a parceria privada.
Com uma visão mais objetiva do assunto,
talvez o custo fosse o de menor
importância. Pois, para a sociedade
interessa que o detento cumpra a sua pena
da melhor forma possível, e, desse modo,
volte recuperado.
Outro argumento, é que com esse
modelo o ente privado teria sempre como
objetivo a manutenção da capacidade
máxima da população carcerária, haja
vista, a vinculação de a receita ser
proporcional ao número de internos sob
sua custódia. Todavia, no modelo utilizado
no Brasil o pagamento do parceiro privado
independe da quantidade de presos, sendo
o faturamento por preço global e não per
capita, modelo este adotado nos Estados
Unidos.
Alguns críticos da parceria
público-privada indagam que o ator
privado receberia o mesmo valor sem
levar em conta a população carcerária
existente. Entretanto, a nossa realidade
carcerária é penitenciária sempre
superlotada. Isto é, existindo sempre
demanda para essa possível oferta de vaga,
a consequência é de não haver perspectiva
de ganho sem a respectiva despesa/interno.
Outro entendimento contrário fala
da continuidade dos contratos nesse
modelo de gestão, haja vista, a
possibilidade de alternância no poder, pois
realizamos eleições para governadores de
estado a cada quatro anos. Isto poderia
ocasionar alterações na política
penitenciária, a depender do modelo
proposto pelo governador eleito. Nessa
direção, cabe a cada eleitor verificar as
propostas de cada candidato, votando
naquele com projetos concretos e
verdadeiros. Ressalte-se que os contratos
previstos na Lei Federal n.º 11.079/2004
(BRASIL, 2004) têm prazo não inferior a
cinco anos, nem superior a trinta e cinco
anos, incluindo eventual prorrogação.
Outros críticos alertam que a
empresa privada na gestão penitenciária
utilizaria os presos em trabalho escravo. O
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
100
trabalho interno ou externo do detento está
previsto na Lei de Execução Penal – LEP,
que não permite a quebra das cláusulas
contratuais, independente do modelo
empregado, inclusive, podendo constar no
contrato cláusula penal para punição da
empresa em caso de infração. Além disso,
existem os órgãos fiscalizadores para que
cumpram o seu papel.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, é de domínio público
que o modelo de gestão atual aplicado no
nosso sistema prisional não recupera o
detento. A sociedade brasileira assiste
perplexa ao caos instalado nos presídios
do nosso país. São penitenciárias lotadas,
com a quantidade de presos muito além da
capacidade, prédios sem infraestrutura
adequada e digna, assassinatos de
detentos, tráfico de drogas, várias facções,
além, dos abusos e corrupção praticados
por agentes públicos.
Enfim, a realidade carcerária
brasileira é preocupante, pois, em vez de
ressocializar o homem, torna-o revoltado,
desesperado e desesperançado. A volta
dessas pessoas ao nosso convívio é um
desafio de sobrevivência, porque se
deparam com o desemprego e descrédito
da sociedade, restando poucas perspectivas
que não seja o retorno ao crime.
Nessa perspectiva, a reformulação
do atual sistema urge. Assim, a aplicação
da parceria público-privada é uma saída
séria e corajosa no intuito da
ressocialização plena do preso. Essa nova
gestão é uma forma de ajudar o Estado na
falta de capital para investimentos nesse
setor. A adoção da parceria com o ente
privado nos presídios brasileiros é uma
realidade viável e concreta no Brasil. O
ator privado fica responsável pelo
investimento, construção, operação e
manutenção do sistema, enquanto o Estado
se responsabiliza pela segurança e
disciplina da unidade prisional.
Os benefícios do modelo em
parceria público-privada são o aumento do
número de vagas e a desoneração do
Estado em investimentos em curto prazo.
Também, proporciona um cumprimento de
pena mais digna ao presidiário. Outro
benefício é de estabelecer convênios com
segmentos da sociedade, facilitando ao
apenado o trabalho e a sua ressocialização.
Sem dúvidas, havendo o
compromisso concreto de ambos os lados
da parceria, esse novo modelo de gestão
prisional trará muitos benefícios à
sociedade brasileira.
Por fim, enquanto cidadãos, não
podemos mais deixar perdurar essa
situação, fazendo com que o crime se
transforme num ciclo vicioso, corroendo
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
101
os recursos de nós contribuintes,
animalizando o homem preso, que
retornará um dia para o seio da sociedade.
REFERÊNCIAS
ALAGOAS. Edital de Chamamento Público nº 01/2012 para o Programa de Parceria Público�Privada do Estado de Alagoas – PPP/AL. Do objeto: Elaboração de projeto básico e estudos de viabilidade de empreendimento na área de Segurança Pública, visando à construção, manutenção, conservação, operação e gestão de um Centro Integrado de Ressocialização – CIR, compreendendo 03 (três) unidades penais, sendo duas em Regime Fechado e uma no Regime Semiaberto, contendo 600 (seiscentas) vagas cada. Disponível em: <http://www.seplande.al.gov.br/> Acesso em: 03 jan. 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 06 fev.2014. ______. Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 14 fev.2014. ______. Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 14 fev.2014. ______. Lei n.º 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de Parceria
Público-Privada no âmbito da Administração Pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 06 fev.2014. ______. Projeto de Lei do Senado n.º 513, de 2011. Estabelece normas gerais para a contratação de parceria público-privada para a construção e administração de estabelecimentos penais. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/> Acesso em: 23 ago.2014. CABRAL, Sandro. Impactos da participação privada no sistema prisional: evidências a partir da terceirização de prisões no Paraná. Salvador, UFBA, 2010, 19p. Artigo. Universidade Federal da Bahia – UFBA, 2010. CEARÁ. Edital de Solicitação de Manifestação de Interesse n.º 002/2011 – SEJUS Procedimento de Manifestação de Interesse. Do objeto: Elaboração dos estudos de viabilidade e modelagem para a construção, operação e manutenção do Complexo de Alta Segurança do Estado do Ceará, em regime de Parceria Público-Privada – PPP. Disponível em: <http://www.sejus.ce.gov.br/> Acesso em: 03 jan. 2014. D’URSO, Luiz Flávio Borges. Privatização das prisões mais uma vez a polêmica. Disponível em: <http://www.oabms.org.br/notícias/> Acesso em: 16 mar.2014. MIRABETE, Júlio Fabbrini. A privatização dos estabelecimentos penais diante da lei de execução penal. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, n.º 1, jan./jul. 1993. MOURA, Viviane Braga de. As parcerias Público-Privadas no Sistema Penitenciário Brasileiro. Brasília, IDP, 2011, 43p. Monografia (Curso de Pós-
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
102
Graduação Lato Sensu). Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, 2011. PORTAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/> Acesso em 17 ago. 2014 SENNA, Vidal. Participação da iniciativa privada. Netsaber-Artigos, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <http://netsaber.artigos.com.br/> Acesso em: 16 mar. 2014. SHELP, Diogo. Nem parece presídio. Revista Veja, São Paulo, 25 fev. 2009. Seção Segurança. Disponível em: <http://www.veja.abril.com.br/> Acesso em: 16 jan. 2014. SOBREIRA, Wilder Brito. O Sistema Carcerário Nacional. Guia Policial em Revista, Fortaleza, Ano VI, nº 07, p 120-122, 2012.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
103
A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Henrique Freitas Damasceno Aluno do curso de Direito da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Pedro Valter Leal Professor Mestre do curso de Direito na Falculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF [email protected]
RESUMO: O presente artigo científico tem a finalidade de analisar e defender a ilegalidade da redução da maioridade penal brasileira, no aspecto puramente jurídico-constitucional, tendo em conta o alto índice de criminalidade realizado por menores de 18 anos no Brasil. A atual legislação brasileira fixa a inimputabilidade penal abaixo dos 18 anos de idade, assim descrita no artigo 228 da Constituição Federal de 1988, Código penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O respectivo artigo procura inicialmente explanar a evolução histórica da maioridade penal brasileira, conceituando a imputabilidade penal conforme a doutrina e a legislação vigente. Posteriormente, aponta os principais argumentos doutrinários acerca da redução da maioridade penal defendendo que a inimputabilidade penal seja considerada cláusula pétrea, impossibilitando tal alteração. A realização deste trabalho científico foi através de pesquisa bibliográfica em livros, códigos, artigos e dentre outros recursos encontrados na internet. Conforme o estudo analisado, o presente artigo científico almeja comprovar que a redução da maioridade penal é inconstitucional, por se tratar um direito individual dos menores de 18 anos, definido como cláusula pétrea.
Palavras-chave: Imputabilidade penal. Maioridade penal. Cláusula pétrea.
ABSTRACT: The present research paper aims to analyze and defend the illegality of the reduction in the domestic criminal majority, the constitutional purely legal aspect, taking into account the high rate of crime carried out by children under 18 years in Brazil. Current Brazilian legislation sets criminal unimputability over 18 years of age, thus described in Article 228 of the Federal Constitution of 1988, Criminal Code and the Statute of Children and Adolescents. Its first article attempts to explain the historical evolution of the Brazilian legal age, conceptualizing the criminal responsibility according to the doctrine and current legislation. Subsequently, the report identifies key doctrinal arguments about reducing the age of criminal defending the criminal unimputability be considered entrenchment clause, precluding such change. The realization of this scientific work was through literature in books, codes, among other articles and resources found on the internet. As the study analyzed, this research paper aims to demonstrate that the reduction of criminal responsibility is unconstitutional because it is an individual right of persons under 18, defined as entrenchment clause.
Keywords: Criminal responsibility. Legal age. Entrenchment clause.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
104
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por tema a
redução da maioridade penal, sendo
delimitado nas correntes favoráveis a este
tema tão delicado que ganha importância
cada vez maior, pois o agente ativo do
delito é um indivíduo menor de 18 anos.
Apresenta-se como problema
para o estudo a impossibilidade da redução
da maioridade penal, tendo por evidência
as diversas correntes doutrinárias acerca
do assunto, determinando a que se
prevalece dentro do ordenamento jurídico
atual, de acordo com o Supremo Tribunal
Federal – STF.
A pretensão que almejo com
este trabalho de pesquisa é explorar o tema
já citado possibilitando fazer uma
aproximação do tema explanado com a
realidade vivida e o ordenamento jurídico
posto como CF/88, ECA, Código Penal,
entre outros.
A sociedade brasileira
encontra-se titubeante quanto a punir mais
rigorosamente o menor infrator no
cometimento de infrações penais graves.
Dessa forma, estudar a
viabilidade da redução da maioridade
penal para combater a criminalidade se
mostra importante, tendo em vista que os
atos infracionais cometidos por pessoas
menores de 18 anos só aumentam.
Atualmente, vivemos numa
crise na segurança pública em que muitos
crimes ocorrem a qualquer hora do dia,
cada vez mais há a participação de
menores e muitas das vezes em crimes
brutais, hediondos, causando revolta e
clamor público por parte da sociedade. Por
conta disto, a sociedade com medo da
insegurança procura solução rápida para
poder resolver o problema da violência e
logo vem em mente querer diminuir a
maioridade penal, como se fosse
solucionar este problema de segurança,
que sempre fez parte da história brasileira,
do dia para o outro.
Sendo assim, o presente artigo
científico, inicialmente procura abordar a
evolução histórica, acerca da maioridade
penal, que vem desde o Brasil império até
o Brasil Republicano, dando ênfase na
forma como o Estado daquela época
analisava o critério para se conseguir a
maioridade penal.
No segundo tópico, encontra-
se o referencial teórico dividido em três
subtópicos. No primeiro subtópico, faz-se
uma análise sobre a inimputabilidade
penal, conceituando-a conforme os
conceitos doutrinários, nas leis postas do
ordenamento jurídico brasileiro e a forma
como o Brasil adotou o critério para
aferição da imputabilidade penal.
No segundo subtópico do
referencial teórico, aborda-se a
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
105
Constituição Federal de 1988 que é a lei
maior, suprema e que todos os
ordenamentos jurídicos devem segui-la e
respeitá-la com o propósito de proteger a
segurança jurídica do Estado Democrático
de Direito. Foi explorado os principais
artigos da CF/88 de interesse deste projeto
como o art.228 que tratada
inimputabilidade penal do menor de 18
anos, o art. 60, inciso 4º responsável pelos
temas que não poderá sofrer objetos de
Emendas à Constituição.
O último subtópico fala sobre
a legislação específica descrita no artigo
228 da CF/88, que é o Estatuto da Criança
e do Adolescente em vigor desde 1990,
responsável pela aplicação das medidas
socioeducativas ao menor de 18 anos que
realizar algum ato infracional, com a
finalidade de reintegrar o infrator a
sociedade.
O terceiro tópico tem a função
de explicar o termo cláusula pétrea, que é
um dispositivo constitucional imutável
descrito no artigo 60, inciso 4° da CF/88,
principal capítulo do artigo científico. E
por fim, o último tópico que trata da
ilegalidade da redução da maioridade
penal, abordando argumentos de expressão
meramente jurídicos, principalmente os
constitucionais.
Com esta análise, almeja-se
com o respectivo artigo científico, com
aspecto jurídico-constitucional, defender a
impossibilidade da redução da maioridade
penal acreditando que tal direito seja uma
Cláusula Pétrea, insuscetível de alteração
constitucional.
Paralelamente, este artigo
destacará os métodos e os procedimentos
técnicos, em sua utilização com pesquisas
doutrinárias, artigos científicos,
jurisprudências, e a utilização de Leis, que
tratem da maioridade penal.
E por fim, foi analisado que o
presente tema tem indiscutível relevo
jurídico, pois adentra na seara das
garantias constitucionais tendo em vista o
disposto no art. 228, da CF/88, que prevê a
inimputabilidade penal do menor infrator,
submetendo-o à legislação especial,
instrumentalizada no atual Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº.
8069/90
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA
MAIORIDADE PENAL
O Brasil, desde época da sua
colonização, vem modificando as suas leis
com o objetivo de empregar uma
condenação mais correta e conciliável com
a idade do indivíduo que praticarem
delitos. Isto vem limitando na aplicação de
condenação mais rigorosas para alguns
infratores. Prova desse processo de
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
106
modificação é a edição de várias
constituições federais. Tal moderação tem
por objetivo diminuir a aplicação de uma
condenação mais severa a pessoa imatura
e com a incapacidade de compreender a
ilicitude da conduta por ele realizada.
Dessa forma, a punição precisa ter a
proporcionalidade na capacidade que o
indivíduo infrator tem de compreender na
conduta por ele realizada e também na sua
aptidão de praticar conduta conforme este
entendimento.
As leis portuguesas, no início
do século XIX, tinham eficácia nas suas
colônias inclusive no Brasil e a sua
eficácia estendeu-se até meados de 1830:
Em outras palavras, as colônias deveriam se constituir no principal meio de desenvolvimento econômico da metrópole. Isto em teoria. Na prática, ocorrem inúmeras exceções. A colonização europeia na Idade Moderna ofereceu uma gama de situações que possibilitavam a aproximação ou o afastamento deste esquema básico. Mesmo assim, é inegável que a colonização teve por base e se processou segundo a ideia principal de que a colônia deveria complementar sua metrópole. (LAPA, 2009, p. 2)
Entende-se que a colônia era
submissa à metrópole em tudo. Naquele
século, a igreja oficial do Brasil colônia,
era a mesma de seu país colonizador, a
Igreja católica. Não existia naquele século
a divisão absoluta entre o Estado e a Igreja
Católica, ocasionando a manipulação do
Estado pela Igreja. Conforme a concepção
da Igreja Católica naquela época, um
indivíduo conseguia seu entendimento
ainda criança aos 7 anos de idade. O
Estado, dominado por esta mentalidade,
definiu que o indivíduo teria a
imputabilidade penal aos 7 anos de idade.
Aos indivíduos, que tivessem
idade menor que 7 anos, não estariam
sujeitos a condenação da pena de morte e,
ainda, teria o favorecimento da diminuição
da punição. Os indivíduos que atingissem
idade entre 17 e 21 anos, na medida da
gravidade do crime que cometessem
poderiam ser aplicadas punição mais
severa, tal como à pena de morte, ou
conforme a condição que o crime ocorreu
ser amparado com a diminuição da pena. E
o indivíduo teria a imputabilidade penal
absoluta quando completasse 21 anos de
idade, situação em que o indivíduo não
teria qualquer benefício da lei.
Logo depois da Proclamação
da Independência, em meados de 1830,
emana o Código Penal do Império, que
definiu a maioridade penal aos quatorze
anos completos. O citado Código penal
ainda definiu o critério biopsicológico aos
indivíduos que alcançassem a idade de
sete a quatorze anos. Caso o infrator
estivesse nesta faixa etária de idade
cometesse qualquer crime e se ficasse
provado que o indivíduo no momento da
conduta por ele realizada tivesse
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
107
discernimento, da mesma forma seria
imputável.
Carvalho (1977, p. 312)
esclarece que nosso Código Criminal de
1830 distinguia os menores em quatro
classes, quanto à responsabilidade
criminal:
a) os menores de 14 anos seriam presumidamente irresponsáveis, salvo se provasse terem agido com discernimento; b) os menores de 14 anos que tivessem agido com discernimento seriam recolhidos a casas de correção pelo tempo que o juiz parecesse, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de 17 anos; c) os maiores de 14 e menores de 17 anos estariam sujeitos às penas de cumplicidade (isto é, caberia dois terços da que caberia ao adulto) e se ao juiz parecesse justo; d) o maior de 17 e menor de 21 anos gozaria da atenuante da menoridade.
Observa-se que houve uma
espécie de redução da maioridade no
período imperial, ou seja, os menores que
agissem com consciência seriam punidos a
critério do juiz, sendo que os que
possuíssem idade maior de 14 anos e
menor de 17 anos seriam penalmente
imputados.
Já no Brasil Republicano, tem
a eficácia do Código Penal dos Estados
Unidos do Brasil que entra em vigor no
Decreto nº 847/1890. Neste período, o
Direito Penal da Republica brasileira
define como critério para aferição da
imputabilidade penal, o biopsicológico
para o indivíduo que estiver na faixa etária
de idade de 09 a 14 anos. No caso do
indivíduo menor de nove anos de idade
seria o único caso de irresponsabilidade
penal.
Art.27. Não são criminosos: § 1º Os menores de 9 anos completos; Art.30. Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 anos (Decreto nº. 847, de 11 de outubro de 1890)
Em relação ao código imperial,
o código penal da república realizou
algumas alterações cito: definir o
indivíduo menor de 09 anos
completamente inimputável; reunir em
instalações industriais o indivíduo menor
que agir com discernimento e estivessem
na idade entre 09 a 14 anos; no prazo
definido pelo Juiz, não permitindo que este
prazo extrapole a idade de dezessete; e
também na continuidade da atenuante da
menoridade.
Na década de 1920, mais
precisamente no ano de 1921 e 1927,
emanou várias leis na ordem jurídica
brasileira, no qual tinha por objetivo
enfraquecer as medidas de repressão aos
menores, utilizando-se unicamente o seu
discernimento. Com o surgimento da lei
4.242/1921 foi abolido o critério
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
108
biopsicológico no inciso 16 do art. 3 desta
mesma lei impede que qualquer indivíduo
menor de 14 anos seja processado
penalmente. Com isto, ampara o método
objetivo para imputar ao indivíduo
responsabilidade penalmente não seriam
aos 14 anos de idade. A eficácia desta lei
concedeu ao Estado brasileiro republicano
criar atividades de apoio e acolhimento à
criança desamparada, edificando guaritas e
abrigos, criação de moradia de
conservação, designação autônoma de
magistrados de direito próprio de menores
e vários cuidados para defender a criança e
o adolescente, isto porque os menores não
seriam mais passiveis de serem processado
penalmente, segundo descrito no art. 3
parágrafos 16 e 20 da citada lei.
Art. 3.º [...]§ 16.º O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, não será submetido a processo penal de nenhuma espécie; a autoridade competente tomará somente as informações precisas, registrando-as, sobre o facto punível e sua autoria, o estado psicológico, mental e moral do menor, e a sua situação social, moral e econômica dos pães, ou tutor, ou pessoa sob cuja guarda viva. [...] [...]§ 20.º O menor indigitado autor de crime ou contravenção, que contar mais de 14 anos e menos de18, será submetido a processo especial, tomando ao mesmo tempo, a autoridade competente, as precisas informações, a respeito do estado psico, mental e moral dele, e da situação social, moral e econômica dos pães, tutor ou pessoa encarregada de sua guarda [...]. (Lei nº 4242, 5 de janeiro de 1921).
O Código de Menores
instituído em 1927 pelo decreto 17.943-A
/27 (Código Melo de Martos), conforme
descrito, se por ventura o indivíduo
alcançasse a faixa etária de idade entre 14
e 18 anos, este indivíduo responderia
perante o Código de Menores.
No Código de menores artigo 1º cuidava-se de estabelecer que menores infratores se enquadravam em duas vertentes, os abandonados e os delinquentes. Wilson Liberati (2003, p.50), descreve “Duas eram as categorias de menores: os abandonados (vadios, mendigos e libertinos) e os delinquentes, independente da idade que tinham desde que fosse inferior a 18 anos. (OLIVEIRA, 2003, p. 02)
No ano de 1940 surgiu o
Código Penal brasileiro mais precisamente
em 7 de dezembro de 1940 com lei nº
3914/40, em que o critério admitido foi
exclusivamente o biológico, com a
finalidade de retirar imputabilidade penal
do individuo menor de 18 anos. Refere-se
a uma exceção as leis já estudadas em que
aplicava o critério biopsicológico para
conferir a imputabilidade criminal do
indivíduo. Desta forma, mesmo que um
indivíduo, menor de 18 anos, cometesse
um ato definido como crime ou
contravenção penal, a atual Legislação
Penal admitiu a pretensão integral da
ausência de discernimento do infrator
menor de 18 anos.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
109
Conforme escreve Oliveira
(2003, p. 03), a partir do Código Penal de
1940 qualquer que seja a idade do menor,
este não será submetido a processo
criminal, mas a procedimento previsto em
legislação especial.
No ano de 1969, surge um
novo Código Penal, trazendo em seu artigo
33, novamente, o critério do discernimento
ao determinar o retorno do sistema
biopsicológico, tornando possível aplicar
pena ao maior de 16 e menor de 18 anos,
com a redução de 1/3 até metade,
contando que o mesmo pudesse entender a
ilicitude de seu ato ou fosse capaz de se
conduzir conforme este entendimento.
Haveria, portanto, uma
presunção relativa de inimputabilidade. A
redação era a seguinte:
Na década de 70 durante o
regime militar, no ano de 1969 aparece
uma nova Legislação Penal, definindo no
artigo 33, mais uma vez, o método do
discernimento ao indicar a volta do
processo biopsicológico, sendo admissível
impor sanções a indivíduos de faixa etária
entre dezesseis e dezessete anos, na
diminuição de um terço até a metade,
quando o infrator conseguir compreender a
ilegalidade da sua conduta ou ter a
capacidade para reger de acordo com este
entendimento.
A redação era a seguinte:
Art. 33. O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com este entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um terço até a metade. (Decreto-lei nº 1004, de 21 de outubro de 1964)
Esta legislação esteve suspensa
várias vezes que findou sendo abolida bem
antes de entrar em vigência.
Em 1984 foi criada uma nova
lei de nº 7209/84 modificando a parte
geral da Legislação Penal e preservando a
imputabilidade penal aos dezoito anos,
constatando desta maneira um método
direto e não criterioso.
Diz a exposição de motivos da
parte geral do Código Penal:
Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente antissocial na medida em que não socializado e instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de 18 (dezoito anos), do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária [...]". (Código Penal, 2000, p. 10)
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
110
O ano de 1988 foi promulgada
a atual Constituição Federal, ratificando a
inimputabilidade penal aos 18 anos,
descrito no seu artigo 228 e no Código de
Menores, que ainda vigorava, nos seus
dois artigos; 1º, inciso II e 41, parágrafo
3º.
2.2 IMPUTABILIDADE PENAL
O respectivo trabalho
científico, na análise da imputabilidade
penal, encontra inicialmente base legal na
constituição federal de 1988 No art. 228
que traz o seguinte texto: “são penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos,
sujeito às normas da legislação especial.”.
O Código Penal de 1940
conservou a imputabilidade penal acima
dos 18 anos, descrito no seu artigo 27: “Os
menores de dezoito anos são penalmente
inimputáveis, ficando sujeitos às normas
estabelecidas na legislação especial.”.
Obedecendo a determinação
constitucional, sobre a realização de uma
legislação especial, foi sancionada a lei
Federal nº 8069/90 definindo no caput do
seu artigo 104 com o seguinte texto: “são
penalmente inimputáveis os menores de 18
(dezoito) anos, sujeitos às medidas
previstas nesta lei.”.
Dessa forma, confirma-se que
o preceito da imputabilidade penal tem
previsão constitucional, sendo em regra,
acontecer alteração somente por meio de
Emenda Constitucional, na forma da
Constituição Federal.
No conceito claro, a
imputabilidade é quando se atribui
responsabilidade a uma pessoa sobre
determinada conduta realizada por ele,
dessa forma, imputabilidade penal será
aptidão que a pessoa tem de a ela ser
concedida a execução de um crime.
A nossa legislação penal não
se importou em explicar a imputabilidade
penal, entretanto, ao analisarmos o Código
Penal no seu artigo 26, nos é admissível
conseguir na maneira mediata a definição
de imputabilidade, pois são apresentadas
condições para que possamos identificá-
las. No citado artigo, o legislador
interpreta inimputabilidade quanto a
incapacidade que a pessoa que realiza uma
conduta ilícita tem de perceber a
característica ilícita do fato ou de atuar de
acordo com este entendimento.
Segundo os ensinamentos de
Mirabete:
Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e também de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade. (MIRABETE, 2003, p. 210).
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
111
Contudo, a sua análise deriva
de habilidade para perceber a ilegalidade
do ato e decide-se conforme Nucci (2011,
p. 287) neste entendimento: “[...] é o
conjunto das condições pessoais,
envolvendo inteligência e vontade, que
permite ao agente ter entendimento do
caráter ilícito do fato, comportando-se de
acordo com esse conhecimento.”.
O objetivo da imputabilidade é
desejado pelo homem de forma clara e
conhecedora. Sendo assim, o individuo
tendo discernimento é responsável pela
conduta que realiza. A imputabilidade
deverá existir no instante da realização do
ato ilícito.
2.2.1 Critérios para aferição da
imputabilidade penal
A doutrina costuma definir a
causa da inimputabilidade em três
critérios, a saber: o primeiro critério é o
biológico, que controla a imputabilidade
na força mental do ser humano, isto é, leva
em consideração o motivo, a razão ou a
causa e não as consequências ou os fatos
realizados. Existindo a doença mental, ou
o desenvolvimento psicológico não
eficiente ou o transtorno provisório da
mente, será o individuo, sem qualquer
outro problema psicológico, definido
como inimputável.
O segundo critério é o
psicológico, que é oposto ao critério
biológico, sendo o que interessa é o fato
realizado e não o motivo ou causa. Isto é,
acredita-se que o individuo no instante da
realização da conduta criminosa tinha
capacidade de entender o seu caráter
criminoso.
O terceiro critério é o
biopsicológico, que é a união do biológico
com o psicológico, isto é, dá-se
importância no motivo e o fato. Com isto,
o inimputável é o individuo que, em razão
de doença ou incapacidade mental, não
possuía, no momento da conduta,
entendimento e determinação do ato que
praticara.
O Código Penal brasileiro
adotou no caput do artigo 26, e 28, inciso
1º, o critério biopsicológico e no artigo 27
o critério biológico.
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Art. 28 – (...)§ 1º – É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
112
Contudo, estabelece, o art. 26
do CP, art.228 de CF e no art.104 do ECA,
a inimputabilidade à pessoa com
desenvolvimento incompleto, declaração
que envolve os adolescentes. Adotando
neste caso o critério biológico, “idade do
fato e não o desenvolvimento mental,” em
respeito a menoridade penal.
Determinando com isto, que o individuo
menor de 18 anos não possui capacidade
de entender ou se determinar de acordo
com esse entendimento, não realizando,
portanto crime ou contravenção penal.
Celso Delmanto (2006, p. 50) se manifesta:
O CP estabelece neste art. 27, a presunção absoluta de inimputabilidade para os menores e 18 anos. Tal presunção obedece a critério puramente biológico, nele não interferindo o maior ou menor grau de discernimento. Ela se justifica, pois o menor de 18 anos não tem personalidade já formada, ainda não alcançou a maturidade de caráter. Por isso, o CP presume sua incapacidade para compreender a ilicitude do comportamento e para receber sanção penal.
A legislação Penal brasileira
ao adotar o critério biológico definia neste
caso, que não é necessário que o
adolescente seja inteiramente incapaz de
compreender o caráter ilegal do fato ou de
se determinar conforme esse
entendimento, por conta que a menoridade
é suficiente para indicar a imputabilidade,
considerando de maneira integral, não
permitindo prova em oposição, ou seja,
mesmo que o adolescente tenha
capacidade intelectual ou vontade pura e
simples de praticar o ato, não responderá
por crime, pois é deficiente de idade
definindo-o em inimputável.
2.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
BRASILEIRA DE 1988
A Constituição Federal é a lei
suprema, sendo que todos devem respeitá-
la e qualquer norma deve segui-la, afim de
não comprometer a segurança jurídica do
Estado. Com ela, foi criado o Poder
Constituinte que é a forma soberana de se
manifestar a vontade política de uma
sociedade, social e juridicamente
organizada. O poder constituinte divide-se
em poder constituinte originário e poder
derivado. No qual o primeiro poder,
determina a Constituição de um novo
Estado organizado e criando os poderes
dedicados a administrar os interesses da
sociedade. Em que o seu fundamento
básico é Assembleia Nacional Constituinte
e Movimento Revolucionário,
caracterizando-se por ser incondicional,
inicial, ilimitado e autônomo. Já o Poder
Derivado, está fixado na própria
constituição, sendo que ela deriva de
regulamento jurídico-constitucional, tendo
propagadas limitações constitucionais,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
113
acarretando com isto possível controle de
constitucionalidade.
A atual Constituição iniciou-se
com as decisões conquistadas por Políticos
constituintes ao modificarem a legislação
constitucional endereçada a conveniência
Estadual, adequada ao diploma, no qual
quesitos pertinentes a amparar a Dignidade
da pessoa Humana, possibilitaram uma
ampla discussão e aprovação,
principalmente na matéria de se preservar
imputabilidade penal a partir dos dezoito
anos. O poder constituinte originário,
tendo o cuidado em amparar a criança e o
adolescente, definiu na Constituição
Federal de 1988 conforme o artigo 228:
“São penalmente inimputáveis os menores
de 18 anos, sujeitos às normas da
legislação especial.”.
O citado artigo define o direito
individual como fundamental, pois se
relaciona com a liberdade exclusiva dos
menores de 18 anos defronte ao poder
estatal, é imutável a mudança da
constituição por meio de emenda
constitucional, a fim de limitar tal direito,
sendo que este engloba o procedimento
privativo dos direitos fundamentais,
recaindo na restrição do artigo 60, inc. 4º,
IV da constituição Federal de 1988.
Procura definir que a pessoa menor de 18
anos não estará sujeito a processo penal,
caso esta pessoa pratique qualquer ato
infracional, que é definido como crime ou
contravenção, será responsabilizado por
uma legislação própria.
No entanto, o que precisamos
entender é que esta proteção cedida ao
menor, não é um estímulo para que ele
pratique mais infração na sociedade, que o
artigo 228 defende na realidade, é a
garantia da liberdade das pessoas menores
de 18 anos, impedindo com isto que a
liberdade do menor não seja impedida da
mesma forma como as dos adultos.
A Constituição Federal de
1988 disponibilizou amplos direitos
referentes ao menor inimputável, no seu
artigo 227, fundou-se nos objetivos da
Declaração Universal dos Direitos da
Criança, imposta por conta das Nações
Unidas, originando na criação de uma
moderna legislação, no caso o ECA no
qual abordava direitos da dignidade do ser
humano. Conforme o Estatuto da Criança
e do Adolescente, no artigo 227 traz:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A mencionada seleção ocorreu
por conta de o poder constituinte
originário desejasse, no mínimo na ordem
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
114
normativa, confirmar para as crianças e
adolescentes o crescimento de forma
absoluta, agradável e satisfatória,
ordenando ao Estado e a Sociedade
privilegiar e amparar as crianças e os
adolescentes direitos essenciais ao
crescimento, conforme verifica no artigo
acima citado.
Dessa forma, o Estatuto da
Criança e Adolescente, exclusivamente só
foi realizável por causa da Constituição
Federal de 1988, definindo o amparo total
ao menor de 18 anos de idade,
confirmando relações diplomáticas
internacionais, obedecendo-se o parágrafo
segundo do artigo quinto da Constituição
Federal.
2.3.1 Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA)
O Estatuto da Criança e do
Adolescente foi criado pela Lei 8.069 no
dia 13 de julho de 1990, no qual tem a
função de controlar os atos das crianças e
adolescentes infratores no Brasil. É
comum escutarmos no cotidiano da
sociedade que os menores infratores
quando realizam alguma violência, ficará
por isso mesmo, ficam sem sofrer
punições. No entanto, esta mentalidade
não é verídica, pois quando os menores ao
praticarem condutas ilícitas serão sim
penalizados, mas não como os adultos que
ao comerem qualquer crime terão que
prestar contas com código penal, porém,
responderam como menor de 18 anos
perante o ECA.
Dessa forma, o ECA não
legaliza a impunidade como a maioria das
pessoas afirma, esta legislação apresenta
uma estrutura exclusiva para
responsabilizar o adolescente conforme
circunstância de cada infrator. O menor
que realizar um ato infracional, não ficará
sem punição por conta de não ser
imputável, será processado perante o ECA,
sendo responsabilizado por meio de
avaliação socioeducativa e dependendo da
situação ter impedida sua liberdade
conforme descrita no artigo 122 do ECA.
As medidas socioeducativas
definida no ECA tem por finalidade
reintegrar o jovem, caso seja, estabelecidas
de forma correta analisando a
característica de cada infrator. Os autores
Oliveira e Sá trazem em sua monografia o
relato de um desembargador:
Várias autoridades, como o Desembargador Siro Darlan e o ex-juiz da Vara da Infância, Alyrio Cavallieri, este atuou por mais de 20 anos na Vara da Infância, condenam o rebaixamento da maioridade penal para 16 anos, para eles o ECA não está sendo aplicado na sua integridade, principalmente com referência as medidas socioeducativas, como diz Dalan: “a falta de aplicação da lei, no caso o ECA., aumenta o favorecimento a criminalidade”. (OLIVEIRA; SÁ, 2008, p. 21)
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
115
Algumas colocações a favor
do Estatuto da Criança e do Adolescente,
afirmam que o ECA é avaliada como
modelo a ser seguido, e o seu erro,
constitui-se na falta da aplicabilidade de
suas leis de forma absoluta, dentre as
colocações temos a de José Heitor dos
Santos (2003, p. 2), quando diz no Boletim
do IBCCRIM que:
O ECA, ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente (menores) como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, necessitando, em consequência, de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens, autores de infrações penais, tanto que criou diversas medidas socioeducativas que, na realidade, são verdadeiras penas, iguais àquelas aplicadas aos adultos.
Para o Estatuto da Criança e
do Adolescente, criança é todo individuo
com idade menor de 12 anos e o
adolescente o individuo de idade entre 12
a 18 anos. Sendo que, quando o
adolescente realizar qualquer ato
infracional será responsabilizado por meio
de medidas socioeducativas e as crianças
por meio de medidas de proteção.
Comentário de Ivanéa Maria Pastorelli
(2001, p. 125), medida socioeducativa “é
uma medida jurídica aplicada aos
adolescentes autores de ato infracional.
Tendo o objetivo não só de punir o
infrator, mas também de reintegrá-lo a
sociedade”.
Tais medidas estão descritas
no artigo 112 do ECA (1988) a saber:
ART. 112 – Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – pressão de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º – A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º – Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º – Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Vale salientar, que o inciso IV
a “internação em estabelecimento
comercial” o menor não poderá ficar mais
que três anos internado, devendo ser
liberado aos vinte e um anos de idade.
2.3.2 Cláusulas Pétreas
Trata-se de uma determinação
imutável contida na constituição federal,
não permitindo qualquer alteração nem se
quer por emenda constitucional, ou seja,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
116
só os apontados de matéria constitucional
de direito fundamental, não estariam
sujeitos a mudanças e se caso quiserem
modificá-lo seria através de uma nova
Assembleia Constituinte, elaborando uma
nova constituição. Em respeito aos outros
direitos, ainda que, defendido pela
burocracia de mudança da constituição,
poderá acontecer a diminuição ou extinção
de tais direitos com alteração da
constituição, através do poder
constitucional derivado.
A intenção do poder
constituinte originário seria em dificultar
as mudanças de matérias importantes de
cidadania e direitos individuais e outros de
interesse especial do Estado como os
descritos no artigo 60, inciso 4º da
Constituição Federal.
No mesmo sentido, Alexandre
de Morais (2005, p. 40):
O atual texto constitucional determina que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Tais matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado tradicionalmente por “cláusula pétrea”.
Celso Bastos (1982, p. 45)
destacou que “a natureza jurídica das
Cláusulas Pétreas como ‘intocáveis’,
‘irreformáveis’ ou ‘eternas’.” Em relação
ao citado conceito, manifesta-se com
devido processo legislativo e cláusulas
pétreas:
STF: O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformado (cf, art. 60, par. 1.), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune a ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no par. 4. do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao poder legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade (RTJ 136/25) (ALVES, 2006, p.30)
Sendo assim, cláusulas pétreas
são chamadas pela doutrina profissional
como estrutura descrita no parágrafo 4º do
artigo 60 da Constituição Federal de 1988:
Art.60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.
Com isto, faz-se necessário
explicar que o artigo no qual as cláusulas
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
117
pétreas estão inseridas trata da forma
como são elaboradas as propostas de
modificação à Constituição, sendo que as
quatro hipóteses elencadas não podem ser
modificadas, nem ao menos serem
discutidas em qualquer proposta de
modificação constitucional. Isso se deve
ao fato dos conceitos neles contidos serem
fundamentais na tradução das bases em
que se estabelece a República Federativa
do Brasil. Para modificá-las, só anulando a
atual Constituição.
Sendo assim, é fundamental
esclarecer que o artigo cujas cláusulas
pétreas estão impostas refere-se na
maneira como são criadas as sugestões de
mudança da Constituição, assim as quatro
suposições impostas não poderão ser
alteradas, nem mesmo debatida em
pretexto de mudar a constituição. Isso
acontece por conta das ideias nelas
inclusas serem de ordem fundamental na
explicação dos princípios determinados na
Constituição Federal. Sendo assim, caso
surja interesse em alterá-las, só
extinguindo a nossa constituição.
Dessa forma, o poder
constituinte estabeleceu que os incisos que
serão amparados incondicionalmente, são
os acima já citados, mas o inciso que
interessa ao presente trabalho científico.
Os direitos e garantias
individuais – interessante perceber que tal
inciso não pode se confundir com a
denominação concedida ao Título II da
constituição federal, em que começa o
artigo quinto. Naquele tem as garantias
fundamentais, este, as individuais. Sendo
assim, existirão garantias individuais
externas ao do artigo quinto, como na
maioria da matéria do artigo sétimo.
2.3.3 A inconstitucionalidade da
redução da maioridade penal
Inicialmente, vale destacar que
a Constituição Federal de 1988 prevalece
o procedimento rígido, com isto, qualquer
manifestação dos políticos federais com a
finalidade de modificá-la deverá ser de
forma complicada e burocrática. A
Constituição Federal determina um
processo especial no Congresso Nacional,
com a votação em 2 turnos, em cada casa,
no Senado e na Câmara dos Deputados
Federais, com 1 quórum de aprovação de
no mínimo três quintos da respectiva casa,
conforme estabelece o artigo 60, inciso 2º
da Constituição Federal de 1988.
Porém, permanecem temas que
não poderão ser objetos de Emendas à
Constituição, com o fim de manter a
segurança jurídica do Estado Democrático
de Direito, como define o supracitado
artigo 60, inciso 4º da atual Constituição
Brasileira.
Assim, como determina o
inciso 4º, matéria de apreciação do
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
118
presente trabalho científico, não poderá ser
matéria de debate a proposta de emenda à
constituição com a finalidade de eliminar
ou diminuir os direitos e garantias
fundamentais. A dúvida em questão é
saber se os direitos e garantias
fundamentais seriam somente aqueles que
se encontram impresso no artigo quinto da
Constituição Federal de 1988?
A maior dificuldade é apontar
com precisão quais são realmente os
direitos e garantias individuais
estabelecidos no artigo 60, inciso 4º, IV
como cláusula pétrea, pois ao analisar
cuidadosamente o artigo 227 da
constituição verificaremos que há alguns
direitos semelhantes ou iguais descritos no
artigo 5º da CF/88:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade... Art.227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao laser, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Supremo Tribunal Federal já
definiu decisão, relatando que os direitos e
garantias individuais não se encontram
somente impressos no artigo quinto, que se
encontram expandidos por toda a CF/88.
Existência de direitos e garantias individuais fora do rol do artigo 5": STF - "O Supremo Tribunal Federal considerou cláusula pétrea, e consequentemente imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional n 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4y, TV, da Constituição Federal (STF – Pleno – Adin na 939-7/DF – Rei. Min. Sydney Sanches – Medida cautelar – RTJ 150/68-69). Conforme ressaltou o Min. Celso de Mello: Admitir que a União, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados. (Trecho do voto do Min. Celso de Mello, Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ementário STJ, ne1730-1 O/STF). (ALVES, 2006, p. 31)
E ainda,
Importante também ressaltar que, na citada Adin n 939-07/DF, o Min. Carlos Velloso referiu-se aos direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos como pertencentes a categoria de direitos e garantias individuais, logo,
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
119
imodificáveis, enquanto o Min. Marco Aurélio afirmou a relação de continência dos direitos sociais entre os direitos individuais previstos no art. 60, § 4, da Constituição Federal, ressaltando que: "Tivemos, Senhor Presidente, o estabelecimento de direitos e garantias de uma forma geral. Refiro-me àqueles previstos no rol, que não é exaustivo, do art. 5° da Carta, os que estão contidos, sob a nomenclatura direita sociais, no art. 7°e, também, em outros dispositivos da Lei Básica Federal, isto sem considerar a regra do § 2-, do art. 5, segundo o qual os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados" (trecho dos votos, no já citado Ementário STJ, n1730-10). (ALVES, 2006, p. 31-32).
Na Carta Magna de 1988, os
direitos e as garantias fundamentais estão
impressos no Título II que engloba o
artigo quinto, no qual define os direitos e
deveres individuais e coletivos. A doutrina
dominante diz que os direitos e as
garantias individuais estão expandidos por
todo o texto constitucional, já outros
defendem que os direitos e garantias
individuais são somente aqueles impressos
no artigo quinto e protegidos pelo artigo
60, inciso 4º, IV da Constituição.
Logo, o parágrafo 2º do artigo
5º descreve que os direitos e garantias
individuais, são normas expandidas por
toda constituição federal, não somente
aquelas impressas no citado artigo.
Vejamos a seguir o art. 5º, § 2º, CF: "Os
direitos e garantias expressos nesta
Constituição. Não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.".
Leda Pereira Mota e Celso
Spitzcovsky estabelecem no seu trabalho
de Direito Constitucional, a respeito do
tema em análise:
Com feito, no que se referem às chamadas cláusulas pétreas entendem alguns que abrangeriam somente as matérias elencadas no art. 5º do Texto Constitucional, eis que a nomenclatura adotada pelo constituinte no art. 60, § 4º, IV, aponta para Direitos e Garantias Individuais e não fundamentais. Assim sendo, os demais capítulos pertencentes ao Título II, não estariam relacionados como clausulo pétrea podendo, pois, ser objeto de emenda constitucional que tende a aboli-los. Sem controvérsias, entendem outros que incorre o constituinte em uma impropriedade, não fazendo o menor sentindo excluir desta conceituação as matérias previstas nos demais capítulos. Mesmo porque é regra comum de interpretação das normas constitucionais, em particular, no que se refere ao tema ora desenvolvido, ou procurar oferecer o sentido o mais amplo possível por tratar-se, como visto, de direitos a serem utilizados contra a ingerência do Estado com os quais nos parece estar a razão. (MOTA; SPITZCOVSKY, 2007, p. 40)
Com este raciocínio, o
Respeitável doutrinador Dalmo Dallari
defende a tese de não alterar o artigo 228
da Carta Magna de 1988, acreditando que
a norma seja Cláusula Pétrea, assim,
solicitando mandado de segurança ao
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
120
Supremo Tribunal Federal, segundo
noticiado no jornal, O Estado de São
Paulo:
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) entrará com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar bloquear a tramitação no Congresso da Proposta de Emenda Constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, aprovada nesta quinta-feira pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. O instrumento será utilizado com base no entendimento de que a medida é inconstitucional, sob o argumento de que a maioridade penal é uma cláusula pétrea da Constituição. A ação tem o apoio da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude e será redigida pelo jurista Dalmo Dallari. De acordo com o jurista, Segundo a Constituição, não pode ser objeto de deliberação emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. E não responder criminalmente é direito individual do menor." Para o jurista, a solução para a criminalidade é conhecida: Acesso dos jovens à educação e trabalho. (OLIVEIRA; SÁ, 2007, p. 50 apud DALLARI, 2005, p. 70)
Paralelamente a esta
concepção, também é defendida por outros
juristas como Olympio de Sá Sotto Maior
Neto, Luiz Flávio Gomes e o conceituado
Constitucionalista Alexandre de Moraes,
que no seu trabalho de Direito
Constitucional aborda:
Assim, o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a
hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art.5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7 DF) e consequentemente, autentica cláusula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV. (...) Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo. (MORAES, 2005, p. 2176)
Reforçando tal concepção,
o jurista Luiz Flávio Gomes estabelece
que a inimputabilidade penal brasileira faz
parte do elenco dos direitos e garantias
fundamentais, por ser considerada cláusula
pétrea, por meio da Convenção dos
Direitos da Criança pela ONU, onde cita:
(b) do ponto de vista jurídico é muito questionável que se possa alterar a Constituição brasileira para o fim de reduzir a maioridade penal. A inimputabilidade do menor de dezoito anos foi constitucionalizada (CF, art. 228). Há discussão sobre tratar-se (ou não) de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º). Pensamos positivamente, tendo em vista o disposto no art. 5.º, § 2.º, da CF, c/c arts. 60, § 4.º e 228. O art. 60, § 4º, antes citado, veda a deliberação de qualquer emenda constitucional tendente a abolir direito ou garantia individual. Com o advento da Convenção da ONU sobre os direitos da criança (Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução I 44 (XLIV), da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989. (GOMES, 2008, p. 3)
E continua,
Aprovada pelo Decreto Legislativo 28, de 14.09.1990, e promulgada
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
121
pelo Decreto 99.710, de 21.11.1990. Ratificada pelo Brasil em 24.09.1990, que foi ratificada pelo Brasil em 1990, não há dúvida que a idade de 18 anos passou a ser referência mundial para a imputabilidade penal, salvo disposição em contrário adotada por algum país. Na data em que o Brasil ratificou essa Convenção a idade então fixada era de dezoito anos (isso consta tanto do Código Penal como da Constituição Federal – art. 228). Por força do § 2º do art. 5º da CF esse direito está incorporado na Constituição. Também por esse motivo é uma cláusula pétrea. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus atos infracionais. (GOMES, 2008, p. 3)
Esta é também a defesa do
jurista Olympio de Sá Sotto Maior Neto
em trecho extraído do artigo “Redução da
idade penal” escrito pelas promotoras de
justiça do Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, Cleonice Maria
Resende Varalda e Helena Rodrigues
Duarte, este discurso foi apresentado no
quarto Congresso da Associação dos
Magistrados e Promotores da Infância e
Juventude, em que foi recepcionada de
forma generalizada a concordância da
inconstitucionalidade de redução da
menoridade penal, assim cita:
O primeiro ponto que deve ser ressaltado – e que importa, na prática, fulminar com qualquer proposta de emenda constitucional direcionada à diminuição da imputabilidade penal – contempla a conclusão de que a imputabilidade penal somente a partir dos dezoito anos, trazida à condição de cânone
constitucional pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988, corresponde a cláusula pétrea e, por isso mesmo, insuscetível de modificação por via de emenda, conforme comando do art. 60, § 4º, da Constituição Federal (assim: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir... IV – os direitos e garantias individuais”).
E continua,
Embora topograficamente distanciada do art. 5º, da Constituição Federal (pois, afinal, pela primeira vez em nossa história constitucional destinou-se um capítulo exclusivo para tratar da família, da criança, do adolescente e do idoso), não há dúvida de que a regra do art. 228, da Constituição Federal, apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (como anota Gomes Canotilho, “os direitos de natureza análoga são direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico-constitucional idêntico aos destes” ou, na observação de Alexandre de Moraes, “a grande novidade do referido art. 60 está na inclusão, entre as limitações ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna”).
E por fim, conclui,
Vale dizer, os menores de dezoito anos a quem se atribua a prática de um comportamento previsto na legislação como crime ou contravenção têm o direito fundamental (que se traduz também em garantia decorrente do princípio constitucional da proteção especial) de estar sujeito às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (recebendo, se for o caso e como resposta à sua conduta ilícita, as medidas socioeducativas) e
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
122
afastados, portanto, das sanções do Direito Penal. É este, inclusive, o pensamento do Fórum DCA (Fórum Nacional de Defesa da Criança e do Adolescente). [viii] (VARALDA; DUARTE, s/d, p. 1-2 apud MAIOR NETO, s/d)
Então não será possível alterar
a legislação, pois nem a própria
Constituição Federal pode ser emendada.
O menor de dezoito anos de idade tem o
direito fundamental de está submetido ao
ECA.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓ-
GICOS
Para a elaboração desse artigo
foi empregada a pesquisa bibliográfica e
documental. Ou seja, consultas e análises
em doutrinas, artigos científicos,
jurisprudências, e a legislação que trata da
maioridade penal.
A respeito do tipo de pesquisa,
consistiu em descritiva com a realização
de apontamentos bibliográficos para
coleta de referencial teórico sobre a
temática. Em seguida o referencial
estudado foi analisado, registrado,
organizado, classificado, avaliado e
interpretado com a intenção de refletir
sobre o tema. Para finalizar, para o
levantamento das abordagens das
informações, o trabalho se realiza
4 ANÁLISE DOS DADOS E
RESULTADOS
Foi analisado que o presente
tema tem indiscutível relevo jurídico, pois
adentra na seara das garantias
constitucionais tendo em vista o disposto
no art. 228, da CF/88, que prevê a
inimputabilidade penal do menor infrator,
submetendo-o à legislação especial,
instrumentalizada no atual Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº.
8069/90. No qual são descritos as
garantias fundamentais, garantias que
estão e são tidas como princípio
fundamental contida como cláusula pétrea
em nossa Constituição Federal de 1988.
Observou-se ainda, que o tema
se deu em razão da grande polêmica que
surge perante acontecimentos recentes e de
grande violência envolvendo crianças e
adolescentes. A sociedade brasileira já não
aguenta mais tanta violência,
principalmente quando se trata de menores
infratores, que a sociedade influenciada
pela mídia acaba levantado a “bandeira”
dos que são a favor da redução da
maioridade penal sem se importar se tal
redução é possível no nosso ordenamento
jurídico e se suas consequências
diminuiriam realmente a criminalidade.
Conforme o resultado dos
dados foi constatado que atualmente, as
discussões acerca da redução da idade
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
123
penal estão crescendo cada vez mais, com
um número elevado de participações de
juristas e, ainda, dos formadores de
opiniões através da mídia, bem como, de
políticos. Muitos juristas são defensores
da impossibilidade de reforma
constitucional, pois é uma cláusula pétrea
neste aspecto, não podendo ser
modificada, já que se trata de direito
individual que é imune à mudança por
Emenda Constitucional, nos termos do art.
60, §4º, inciso IV mudança do art. 228.
Foi observado ainda que o
sistema jurídico-penal não está preparado
para efetivar a diminuição da maioridade
penal, objetivando o combate à violência
realizada por menores de idade, pois todos
os presídios se encontram superlotados
aumentando ainda mais a criminalidade,
que em vez de recuperar o individuo para
o retorno à sociedade acaba inserindo-o
cada vez mais em atividades perigosas e
este é capaz ainda de cometer outros
crimes.
Com isto se conclui que o
anseio de punição almejado pela sociedade
na busca de penalizar os menores
infratores, a maioridade penal está mais
ligada a um meio de punir, os que o
Estado não consegue, portanto não sendo
este o meio mais eficaz para impor a estes
menores uma forma de coação ou de
prevenção deste contra a marginalidade e a
criminalidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história do Brasil sempre
esteve submetida a problemas sociais, em
que a maioria da população,
principalmente as crianças e os
adolescentes, jamais tiveram uma vida
digna, ou seja, sem o mínimo básico para
sobreviver como saúde, moradia e suporte
educacional capaz de enfrentar com
maturidade os desafios que a sociedade
oferece. E como solução rápida de se
resolver o problema da violência
infantojuvenil, aparecem pessoas que
defendem a redução da maioridade penal
como forma de conter a violência
praticada por menores infratores, toda via,
a solução para a problemática da
população amedrontada em relação aos
mesmos não está em diminuir a
maioridade penal dos adolescentes, mas
sim em fazer cumprir o que a Constituição
Federal de 1988 determina como no seu
artigo 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
124
Todavia, o estudo do presente
artigo demonstra que a fundamental
particularidade são os direitos e as
garantias individuais que se apresentam
como direitos individuais em face do
poder estatal, que almeja assegurar, dentre
outros direitos, a liberdade individual,
atribuindo ao estado um comportamento
omissivo.
Além do mais, podemos
afirmar que os direitos acima citados estão
espalhados por toda a CF/88, não sendo
somente aqueles impressos no artigo
quinto, por isso, sendo inteiramente
aceitável que outras normas se encontrem
fora do artigo 5º da CF/88, como no que se
observa no artigo que trata da
inimputabilidade penal, 228 da C/88.
Conforme registro, o poder
constituinte originário instituiu o artigo
228 da CF/88 como uma garantia
individual fundamental de liberdade à
pessoa menor de 18 anos, insuscetível de
mudança, sendo com isto cláusula pétrea.
È fundamental observar os
limites de cada poder, o constituinte
originário e o reformador, em que os
limites devem, indiscutivelmente, ser
respeitados e ser conservados, a fim de
manter a segurança jurídica do Estado.
Encontrando-se entre estes limites a
impossibilidade da modificação, nem por
emenda à constituição, das cláusulas
pétreas, isto porque o poder originário quis
defendê-la de maneira a torná-la
insuscetível de mudança.
Deste modo, sendo o artigo
228 da CF/88 um dispositivo
constitucional definido como cláusula
pétrea, por ser um direito individual da
pessoa, será, portanto, impossível a
mudança de tal artigo na presente
legislação brasileira, isto porque, não se
permite na norma jurídica pátria qualquer
alteração que diminua ou que extingue
garantia ou direito individual.
Sendo assim, comprova-se que
para poder reduzir a maioridade penal no
país, será necessário, que fosse permitido
no Brasil, a realização de um novo texto
constitucional impondo um novo critério
de imputação de responsabilidade penal,
que é de 18 anos ou tirasse o respectivo
tema da natureza de cláusula pétrea.
Finalmente, a pesquisa aqui
estudada necessitará, de ser discutida pelo
órgão guardião da Constituição Federal,
no caso o Supremo Tribunal Federal que
definirá mais precisamente a natureza
jurídica de cláusula pétrea do artigo 228 da
CF/88, isto porque existem e haverá vários
projetos de emenda constitucional com o
objetivo de reduzir a maioridade penal.
REFERÊNCIAS
ALVES, M. C. R. Diminuição da idade
penal. Disponível em:
http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/mcra.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
125
pdf. Acesso em: 10 ago. 2014.
BASTOS, C. MARTINS, W. da S. Comentário a constituição do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1982. 2 ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 2000. BRASIL. Código Penal. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. ________. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. _________. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso 02 ago. 2014. _________. Lei 4242, de 5 de janeiro de 1921. Brasília, DF: Congresso Nacional, 1921. CARVALHO, F. C. Manual de código penal. São Paulo: Ed. Impetus, 1977. DALLARI, D. de A. A razão para manter a maioridade penal aos 18. São Paulo: Ed. Gazeta Mercantil, 2001. DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 11ª Ed. São Paulo: Renovar, 2006. GOMES, Luiz Flávio. Preservar o ECA, mas com razoabilidade. Folha de São Paulo, 15.05.2014. _____________. Menoridade penal: cláusula pétrea? Disponível em: http://www.ifg.blog.br/article. php?story=20070213065503211. Acesso em 21 de maio 2014. LAPA, J. R. do A. O antigo sistema colonial. Disponível em: http://historia.fflch.usp.br/sites/historia.fflch.usp.br/files/illana_brasil%20colonial.pdf
. Acesso em: 02 ago. 2014. MIRABETE, J. F. Manual de direito penal. Volume I. 20 ed., São Paulo: Atlas, 2003. MORAES, A. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005 NUCCI, G.S. Manual de direito penal. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. MOTA, L. P. e SPITZCOVSKY, C. Direito Constitucional. 3° ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
OLIVEIRA, M. C. de. E SÁ, M. M. de. Redução da Maioridade Penal: Uma abordagem jurídica. Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/cidadania/infancia-e-parlamento/conanda-vaiao- stf-para-barrar-reducao-da-idade-penal. Acesso em: 02 ago 2014.
PASTORELLI, I. M. Manual de imprensa e de mídia do estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Ed. Orange Star, 2001.
SANTOS, J. H. dos. Redução da maioridade penal. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigos/145-125 – Abril – 2003. Acesso 10 ago 2014. VARALDA, C. M. R. e DUARTE, H. R. Redução da idade penal. Disponível em: http://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Artigos/Idade%20penal.pdf. Acesso em: 10 out 2014.
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
126
Revista Perspectiva Jurídica FGF – 2014.2 | ISSN 1809-9459
127