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Faculdade Boa Viagem | DeVry Brasil Mestrado Profissional em Gestão Empresarial - MPGE CIRO ALENCAR DE AMORIM O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL À LUZ DOS JULGADOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO: UM ESTUDO SOBRE O RECONHECIMENTO DA VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL EM UMA EMPRESA DE TELEMARKETING DA CAPITAL PERNAMBUCANA RECIFE, 2017

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Faculdade Boa Viagem | DeVry Brasil

Mestrado Profissional em Gestão Empresarial - MPGE

CIRO ALENCAR DE AMORIM

O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL À LUZ DOS JULGADOS DO TRIBUNAL

REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO: UM ESTUDO SOBRE O

RECONHECIMENTO DA VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL EM UMA EMPRESA

DE TELEMARKETING DA CAPITAL PERNAMBUCANA

RECIFE, 2017

FACULDADE BOA VIAGEM – DeVry Brasil

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO EMPRESARIAL

- MPGE -

CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A DISSERTAÇÕES

Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o

acesso à dissertação do Mestrado Profissional em Gestão Empresarial - MPGE do Centro de

Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA – da Faculdade Boa Viagem é definido

em três graus:

Grau 1: livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e

indiretas);

Grau 2: com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em conseqüência, restrita

a consulta em ambientes de bibliotecas com saída controlada;

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texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou

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A classificação desta dissertação se encontra, abaixo, definida por seu autor.

Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, afim de que se preservem as

condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área de administração.

Título da Dissertação: O Assédio Moral Organizacional à luz dos julgados do Tribunal

Regional do Trabalho da Sexta Região: Um estudo sobre o reconhecimento da violência

organizacional em uma empresa de telemarketing da capital pernambucana

Nome do(a) autor(a): Ciro Alencar de Amorim

Data da Aprovação: 18 de dezembro de 2017

Classificação conforme especificação acima:

Grau 1 ×

Grau 2 ×

Grau 3 ×

Recife, 26 de janeiro de 2018

__________________________

Assinatura do(a) Autor(a)

CIRO ALENCAR DE AMORIM

O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL À LUZ DOS JULGADOS DO TRIBUNAL

REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO: UM ESTUDO SOBRE O

RECONHECIMENTO DA VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL EM UMA EMPRESA

DE TELEMARKETING DA CAPITAL PERNAMBUCANA

Dissertação apresentada como requisito

complementar para obtenção do grau de Mestre

em Gestão Empresarial da Faculdade Boa

Viagem | DeVry Brasil, sob a orientação do

Professor Doutor Álvaro Azevedo.

Recife, 2017

Catalogação na fonte -

Biblioteca da Faculdade Boa Viagem | DeVry, Recife/PE

A524a Amorim, Ciro Alencar.

O assédio moral organizacional à luz dos julgados do

Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região: um estudo sobre

o reconhecimento da violência organizacional em uma empresa

de telemarketing da Capital Pernambucana / Ciro de Alencar

Amorim. – Recife: DeVry | UniFBV, 2017.

155 f.

Orientador(a): Álvaro Azevedo.

Dissertação (Mestrado) Gestão Empresarial -- Faculdade

Boa Viagem - DeVry.

1. Assédio moral. 2. Assédio moral organizacional. 3.

Práticas organizacionais de gestão. I. Título. DISS

658[17.2]

Ficha catalográfica elaborada pelo setor de processamento técnico da Biblioteca.

Essa dissertação é dedicada a Deus, que sempre

esteve e sempre estará à frente de todas as minhas

batalhas. Apenas com a benção do Senhor as

vitórias fazem sentido.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus por me dar força, saúde e perseverança, iluminando meu

caminho para que eu chegasse ao fim de mais essa etapa. Sem Deus nada é possível.

Agradeço minha esposa, mãe e irmão e parentes pela compreensão, companheirismo e força

em todos os momentos da minha vida. Sem eles esse objetivo dificilmente seria alcançado,

pois são meu alicerce.

Agradeço aos meus amigos de trabalho, principalmente pelo apoio e por entender meus

afastamentos do escritório para cumprir esse objetivo.

À UNIFAVIP por me conceder uma das melhores experiências da minha vida, a docência, e,

consequentemente, a realização de um sonho, o grau de mestre. Agradeço à coordenação e

todos os professores do curso de direito pelo apoio e incentivo.

À minha estimada amiga Vera Lúcia, por ser uma parceira para todas as horas e por ter me

ajudado em toda trajetória da minha carreira profissional. Um verdadeiro anjo da guarda!

Ao meu orientador Álvaro Azevedo pelo acolhimento, paciência e direcionamento na

construção deste trabalho. Agradeço pelo profissionalismo, amizade e compreensão nos

momentos de dificuldade.

Aos meus professores Diogo Helal, Hajnalka Halâsz, James A. Falk e Maria Auxiliadora que

contribuíram de forma inestimável com seus ensinamentos, conselhos e puxões de orelha,

sempre que necessário. Obrigado por me ajudar nesse caminho árduo e prazeroso que é a

construção do conhecimento.

Aos colegas do mestrado, que Deus colocou no meu caminho ao longo dessa jornada.

Sorrimos, sofremos e vibramos uns com as conquistas dos outros, com a certeza que no final

tudo daria certo.

“Todas as vitórias ocultam uma abdicação”.

(Simone de Beauvoir)

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar se o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta

Região reconhece em seus julgados o assédio moral organizacional. Para atingir o objetivo

traçado foi realizado o levantamento teórico sobre os construtos assédio moral e assédio moral

organizacional, onde foram observados seus aspectos conceituais e elementos

caracterizadores, com a finalidade de delimitar as espécies e evitar equívocos na análise dos

dados. A pesquisa desenvolvida é de natureza qualitativa, tendo como locus da verificação os

acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região. A coleta de dados foi realizada

por meio de documentos secundários, que foram estudados através da técnica de análise de

conteúdo. Os dados analisados demonstram que, ainda que estejam presentes os elementos

caracterizadores do assédio moral organizacional, conforme estabelecido na literatura, os

acórdãos não diferenciam as espécies de assédio, o que poderá conduzir a invisibilização do

problema originado pelas práticas organizacionais das empresas.

Palavras-chave: Assédio moral. Assédio moral organizacional. Práticas organizacionais de

gestão

ABSTRACT

The present study aims to analyze whether the Regional Labor Court of the Sixth Region

recognizes in its judgments the organizational moral harassment. In order to reach the

objective outlined, a theoretical survey was carried out on the constructs of moral harassment

and organizational moral harassment, where the conceptual aspects and characterizing

elements were observed, with the purpose of delimiting the species and avoiding

misunderstandings in the data analysis. The research developed has a qualitative nature,

having as locus of verification the judgments of the Regional Labor Court of the Sixth

Region. Data collection was done through secondary documents that were analyzed through

the technique of content analysis. The data analyzed demonstrate that even though the

characterizing elements of organizational moral harassment are present, as established in the

literature, the judgments do not differentiate species from harassment, which may lead to the

invisibilization of the problem originated by the organizational practices of the companies.

Keywords: Harassment. Organizational harassment. Organizational management practices

LISTA DE ABREVIATURAS

Assédio moral................................................................................................. AM

Assédio moral organizacional...................................................................... AMO

Código Civil Brasileiro.................................................................................. CCB

Código de Processo Civil............................................................................. CPC

Consolidação das Leis do Trabalho............................................................... CLT

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988............................. CF/88

Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região........................................... TRT6

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Artigos acadêmicos publicados sobre o tema em estudo através dos

portais CAPES, SCIELO, SPELL e EBSCO........................................................ 17

Quadro 2 – Elementos caracterizadores do assédio moral.................................... 27

Quadro 3 – Modalidades do assédio moral........................................................... 35

Quadro 4 – Elementos caracterizadores do assédio moral

organizacional............................................................................................ 39

Quadro 5 – Distinções entre o assédio moral interpessoal e o assédio moral

organizacional......................................................................................................... 57

Quadro 6 – Dimensões da pesquisa...................................................................... 80

Quadro 7 – Análise preliminar dos acórdãos que envolvem a empresa Contax.. 85

Quadro 8 – Categorização para identificação, análise e discussão dos dados...... 85

Quadro 9 – Codificação dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio

moral organizacional conforme roteiro constante do apêndice 1.................... 86

Quadro 10 – Análise dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio

moral organizacional, conforme alegação posta à apreciação do órgão julgador.. 90

Quadro 11 – Análise dos dados coletados a partir dos elementos

caracterizadores do assédio moral organizacional........................................... 102

Quadro 12 – Análise dos acórdãos conforme práticas adotadas, condenação e

reconhecimento da espécie assédio moral organizacional................................... 106

Quadro 13 – Codificação dos acórdãos selecionados com a palavra-chave

assédio moral conforme roteiro constante do apêndice 1..................................... 107

Quadro 14 – Análise dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio

moral conforme alegação posta à apreciação do órgão julgador.......................... 111

Quadro 15 – Verificação da limitação do tempo do uso do banheiro como

conduta deletéria......................................................................................... 132

Quadro 16 – Demonstração dos resultados encontrados........................................ 144

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 10

1.1 Contextualização do problema............................................................ 10

1.2 Objetivos da pesquisa........................................................................... 15

1.2.1 Objetivo geral.............................................................................. 15

1.2.2 Objetivos específicos................................................................... 15

1.3 Justificativas da pesquisa..................................................................... 16

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................... 18

2.1 A violência no ambiente de trabalho................................................... 18

2.1.1 Breve contexto histórico.............................................................. 19

2.1.2 O assédio moral e seus elementos caracterizadores.................... 21

2.1.3 Fatores que diferenciam outras condutas do assédio moral........ 27

2.1.4 Modalidades de assédio moral.................................................... 34

2.2 O assédio moral organizacional: noções preliminares............................ 37

2.2.1 Elementos caracterizadores do assédio moral

organizacional..............................................................................

39

2.2.2 O assédio moral organizacional à luz da violação de direitos

fundamentais...............................................................................

44

2.3 Distinção entre assédio moral perverso e assédio moral

organizacional........................................................................................

55

2.3.1 A caracterização do assédio moral organizacional sob o

aspecto jurídico-trabalhista..........................................................

62

2.3.2 O assédio moral organizacional como estratégia de gestão........ 71

3 APROXIMAÇÕES METODOLÓGICAS.............................................. 77

4 ANÁLISE DOS DADOS..................................................................... 81

4.1 Análise preliminar dos acórdãos............................................................. 81

4.2

Identificação dos acórdãos selecionados como assédio moral

organizacional.......................................................................................

86

4.2.1 Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações posta à

análise do órgão julgador...........................................................

89

4.3 Identificação dos acórdãos selecionados como assédio

moral......................................................................................................

107

4.3.1 Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações posta à

análise do órgão julgador

111

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 143

REFERÊNCIAS............................................................................................... 149

APÊNCICE – Roteiro de observação dos dados secundários........................... 155

10

1. INTRODUÇÃO

Este capítulo aponta a contextualização da pesquisa, os objetivos geral e específicos, e a

justificativa teórica e prática para realização do estudo.

1.1 Contextualização do problema

No Brasil impera o sistema econômico capitalista, e, em razão disso, as relações de

mercado visam essencialmente à obtenção do lucro, em função do qual são regidas as

decisões organizacionais.

Em função da própria essência do sistema econômico capitalista, o mercado se regula

autonomamente quanto às decisões de oferta, demanda e preço de seus produtos ou

serviços. Isso faz com que as empresas busquem cada vez mais a eficiência dos meios

de produção, pois o acirramento da competitividade do mercado de consumo culmina

numa realidade organizacional na qual as empresas necessitam aperfeiçoar seus

resultados e garantir sua sobrevivência.

No entanto, conforme ensina Antunes (2009), essa busca por melhores resultados ou

pela rentabilidade máxima produz uma alteração significativa nos meios de produção, a

exemplo da terceirização que traz consigo elementos de precarização do trabalho

através de modos de controle exagerados a fim de se atingir os objetivos almejados

pelas organizações, ou seja, prestigiando-se a mais-valia onde o trabalho assalariado é o

meio para se atingir os objetivos empresarias.

O processo de coisificação da mão-de-obra e a exploração do trabalho como

condicionante para a consecução dos objetivos empresariais fazem com que o trabalho

assalariado seja equiparado, equivocadamente, como simples mercadoria. Sendo essas

distorções muitas vezes sequer percebidas pelos atores dessa relação entre o capital e o

trabalho.

Nesse contexto, é que trabalho assalariado é peça fundamental para o funcionamento do

mercado, pois as organizações se utilizam da mão de obra dos trabalhadores para atingir

suas respectivas finalidades sociais, sejam elas na produção de bens ou no fornecimento

11

de serviços. Portanto, tem-se que a relação existente, por sua essência, é conflituosa, já

que, de um lado, se posiciona a crescente e incessante busca pela obtenção do lucro por

parte do empregador, e, de outro lado, da relação laboral está o empregado, que busca,

via de regra, melhores condições de trabalho e melhor remuneração. Dito de outra

maneira, percebe-se que a relação entre empregado e empregador caminha em sentidos

opostos, em evidente antagonismo, pois, em grande medida, o capital irá se sobrepor

aos interesses do trabalho em busca de melhores resultados.

Essa relação umbilical, contraditória e mutante entre o trabalho e o capital, foi muito

bem observada por Antunes, conforme pode se observar no trecho abaixo:

Mas, se por um lado, podemos considerar o trabalho como um

momento fundante da vida humana, ponto de partida no processo de

humanização, por outro lado, a sociedade capitalista o transformou em

trabalho assalariado, alienado e fetichizado. O que era uma finalidade

central do ser social converte-se em meio de subsistência. A força de

trabalho torna-se uma mercadoria, ainda que especial, cuja finalidade

é criar novas mercadorias e valorizar o capital. Converte-se em meio e

não em primeira necessidade de realização humana (ANTUNES,

2009, p. 232).

Por isso a relação existente entre capital e trabalho pode ocasionar conflitos de diversas

ordens, dando azo muitas vezes à exacerbação do poder diretivo do empregador, ao

inserir nas práticas de gestão a lógica da realização do mais com menos, com isso,

mitigando direitos básicos legalmente garantidos e agredindo o patrimônio moral dos

trabalhadores. Nesse sentido, Hirigoyen (2001, p. 98) aponta que “os procedimentos

perversos de um indivíduo podem, então, ser utilizados deliberadamente por uma

empresa que espere deles tirar um melhor rendimento”.

É possível extrair das palavras da vitimóloga francesa que a finalidade das organizações

não é necessariamente ser perversa com o trabalhador, mas, sim, atingir seus objetivos.

É com esse objetivo que as organizações se utilizam das mais variadas práticas de

gestão visando aumentar a produtividade e a lucratividade, impactando diretamente no

elo mais fraco da relação de trabalho, o empregado.

Esse impacto decorre de um processo de internalização da ideologia estrutural aplicada

à organização, intersubjetivada ou não pelos trabalhadores (não individualizados),

através do qual um conjunto sistemático de práticas reiteradas é inserido nas estratégias

e métodos de gestão da organização, com a finalidade gerencial de alcançar os objetivos

12

empresariais de forma eficiente, sendo irrelevante para organização se tais práticas

possuem natureza deletéria à saúde do trabalhador ou da coletividade, ou mesmo se há

violação de direitos fundamentais dos empregados, o que é compreendido pela literatura

como assédio moral organizacional (GOSDAL et al., 2009; POHLMANN, 2014).

Nesse sentido, pode-se observar que as práticas maléficas à saúde do trabalhador

ultrapassam a individualização do agressor ou da vítima, sendo certo que a intenção da

empresa não é a degradação do ambiente de trabalho ou mesmo o ataque ao patrimônio

físico e psíquico do trabalhador, mas, sim, é consequência das práticas utilizadas para

atingir as finalidades organizacionais, fugindo dessa maneira ao conceito de assédio

moral perverso, cujos elementos são: a conduta negativa; a repetição; um alvo ou vítima

(que pode ser mais de uma); a intenção do agressor e a degradação da vítima e do

ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2010).

É em razão dessa proximidade conceitual e, segundo aponta Pohlmann (2014), da

utilização muitas vezes inadequada ou equivocada pelos operadores do direito e

magistrados, é que se faz necessário proceder à revisão da literatura no presente

trabalho, principalmente no que se refere à análise das espécies de assédio moral,

perverso e organizacional, traçando suas características e apontado suas diferenças, com

a finalidade de evitar qualquer equívoco quanto ao enquadramento das espécies, o que

poderia impactar no resultado da pesquisa.

Isso porque a literatura é majoritária no sentido de diferenciar assédio organizacional do

assédio moral interpessoal ou perverso, embora existam dissonâncias nos elementos

caracterizadores. Vasconcelos corrobora o entendimento no sentido de que o assédio

organizacional é tratado equivocadamente de forma genérica como assédio moral. “O

assédio organizacional é tratado como assédio moral, quando na verdade não o é em

essência, tendo em vista que grande parte das ocorrências atende às demandas dos

modelos de produção baseados no capital” (VASCONCELOS, 2015, p. 27).

Essa preocupação com a utilização, muitas vezes inadequada ou equivocada, das

espécies de assédio pode ser observada na obra de Gosdal e outros (2009), onde os

autores pontuam que na atualidade tudo é classificado como assédio moral,

13

independentemente das circunstâncias fáticas que se apresentem, referindo-se ao uso

indistinto do instituto para qualquer conduta reprovável em detrimento do trabalhador.

A mesma inquietação foi externada por Pohlmann, ao consignar que, embora o dano

moral seja recorrentemente punido pelos Tribunais Regionais do Trabalho, as

condenações se perfazem tardiamente, quando o dano já se aperfeiçoou, e ainda assim

focando a imputação da conduta deletéria apenas naquele que operacionaliza a

violência, acrescentado que:

Em regra, não se valora a participação do empregador para tanto, nem

se promove [sic] medidas que o desincentivem a continuar a sua

prática. Quando não, muitas vezes o assédio moral organizacional é

julgado como assédio moral perverso, pelo que é procurada a figura

do assediador e do assediado, o que acaba invisibilizando o problema

mais grave. (POHLMANN, 2014, p. 23).

Infere-se da passagem transcrita que o enquadramento equivocado por parte do

judiciário pode ser tão danoso às relações de trabalho quanto as próprias práticas

deletérias de gestão aplicadas pelo empregador, na medida em que, ao não se realizar o

correto enquadramento jurídico, se imputa uma determinada culpabilidade a quem na

verdade apenas está cumprindo ordens. Dito de outra maneira, a empresa agressora

receberá como retorno apenas a informação de que um de seus empregados estaria

agindo de forma arbitrária, o que tira a possibilidade de a organização observar o

equívoco na estratégia escolhida para o desenvolvimento de suas atividades e retira a

possibilidade de alterar suas práticas, fulminando ou enfraquecendo o caráter

pedagógico de eventual condenação em indenização monetária por danos morais.

Essa indenização monetária deve observar os princípios da razoabilidade e

proporcionalidade, para que não seja elevada ao ponto de enriquecer sem causa o

ofendido, mas por outro lado, não pode ser tão diminuta que não se constitua como uma

punição dotada de caráter pedagógico evitando a reincidência da prática pela empresa

ofensora (CASSAR, 2008). Tais parâmetros embora não sejam parte dos objetivos do

trabalho, estes serão observados através dos dados coletados.

Desse modo, faz-se necessário o correto enquadramento da pesquisa, através de revisão

de literatura, realizada com base nos estudos de Hirigoyen (2002, 2006, 2010), no que

se refere aos procedimentos que caracterizam o assédio moral interpessoal (perverso),

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que foi diferenciado, através da contribuição de Araújo (2006), do assédio moral

organizacional, posteriormente, aperfeiçoado por meio das importantes contribuições de

Gosdal e outros (2009) e Pohlmann (2014).

O assédio moral perverso ou organizacional, quando existente, pode ser encontrado em

qualquer ambiente laboral, mas em alguns setores essa prática pode ser encontrada de

forma mais clara. Em reportagem do jornalista Francisco Regueira, que foi ao ar em 05

de outubro de 2014, na revista eletrônica semanal Fantástico foi apresentada uma

matéria de quase dez minutos com o título “Funcionários do setor de telemarketing

relatam série de abusos”, onde foram denunciadas várias condutas de exploração,

humilhação e assédio moral, ganhando significativo relevo, pois segundo informação da

matéria o setor de telemarketing é o que mais cresce no ramo de serviços contando com

mais de 1,5 milhões de trabalhadores, dos quais 64% (sessenta e quatro por cento) são

de jovens adultos, com faixa etária entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos, sendo

considerada a primeira oportunidade de emprego para a maioria dos jovens que desejam

ingressar no mercado de trabalho (REGUEIRA, 2014).

Gosdal e outros (2009) apontam em seu estudo que alguns dos setores produtivos que

mais se destacam negativamente, quando o assunto é o cometimento de assédio moral,

são as empresas de telemarketing, pois, ao receber investigações do Ministério Público

do Trabalho, foram constatadas práticas que se amoldam àquelas que serão analisadas

no presente trabalho. Por essa razão, foi realizada a escolha da empresa analisada, já que

representa parcela significativa dos trabalhadores do seguimento na capital

pernambucana.

A empresa estudada, através de nota expedida em abril de 2015, informou que é a maior

empregadora da capital pernambucana, gerando mais de 18 (dezoito mil) empregos

formais, concentrados, em grande medida, como experiências de primeiro emprego, ou

seja, agregando importante relevância na função social de inserir o jovem no mercado

de trabalho. Diante da relevância econômica e social do seguimento e, principalmente,

da empresa Contax no cenário pernambucano, justifica-se a utilização dos julgados

decorrentes de suas relações laborais (TRT6, 2015).

15

Registre-se que não deve haver uma estigmatização das organizações desse seguimento,

pois há de ser ressaltado que o setor de telemarketing é um dos que mais empregam,

mesmo em tempos de crise econômica. Esse setor empregou mais de 1,5 milhões de

trabalhadores formais em 2016 em todo o Brasil (IBGE, 2016).

Nesse contexto, através da fundamentação contida nos acórdãos proferidos pelo

Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região – TRT6, será possível observar se as

práticas comprovadas nos autos processuais correspondem ao conceito encontrado na

literatura sobre o assédio moral organizacional, o que nos possibilitará fazer o seguinte

questionamento: o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região aplica em seus

julgados os critérios delineados pela literatura para a configuração do assédio moral

organizacional nas práticas de gestão de uma empresa de telemarketing na capital

pernambucana?

1.2 Objetivos da pesquisa

A partir do contexto descrito, parte-se agora para a definição dos objetivos (geral e

específicos) da pesquisa.

1.2.1 Objetivo geral

Verificar, por meio dos julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, o

reconhecimento da espécie de assédio moral organizacional através da aplicação dos

elementos caracterizadores delineados pela literatura para sua configuração.

1.2.2 Objetivos específicos

O primeiro será identificar o assédio moral interpessoal/perverso e seus elementos

caraterizadores.

O segundo será identificar o assédio moral organizacional e seus elementos

caracterizadores.

O terceiro e último será realizar a análise dos acórdãos do Tribunal Regional do

Trabalho da Sexta Região sobre as práticas de gestão da empresa Contax.

16

1.3 Justificativas da pesquisa

A justificativa da presente pesquisa funda-se em observar a relevância da delimitação

correta do assédio moral organizacional em sede de decisões judiciais. Mormente

quando se observa que, em grande medida, as empresas sequer percebem que podem

estar causando graves moléstias a seus colaboradores em função das práticas de gestão

que estão desenvolvendo para consecução de seus objetivos. Portanto, pode-se observar

a existência da justificativa prática sob o prisma da organização e, noutro norte, a

justificativa prática sob a ótica dos empregados.

Quando analisado sob o prisma da organização, observa-se que uma decisão judicial

acertada pode viabilizar o combate ao assédio organizacional, justificando-se, portanto,

que discussão sobre a aplicabilidade da espécie saia do campo conceitual e adentre ao

plano fático, ou seja, que tenha aplicabilidade prática nos processos judiciais, pois do

contrário estaríamos apenas na presença de mais um conceito que pode se esvaziar em si

mesmo.

Nessa esteira, para as organizações, a escorreita apreciação realizada por parte do Poder

Judiciário pode franquear algo valioso, pois permite às empresas que entendam quão

nocivas estão sendo suas práticas de gestão, facultando-lhes uma análise de seus

próprios comportamentos. Assim, o presente estudo poderá fornecer à organização

pesquisada a real percepção de que muitas condenações a indenização por danos morais

não são causadas por empregados déspotas, mas tão somente por escolhas gerenciais

deliberadas pela própria organização. Tais escolhas podem trazer altos custos através

dos processos oriundos da Justiça do Trabalho (perdas materiais), além do efeito

devastador que pode ser ocasionado à imagem da empresa, disseminada através da

publicidade negativa que apontará uma organização que desrespeita os direitos básicos

do trabalhador (perda imaterial), que, a depender da intensidade, pode, inclusive,

desencadear uma redução do valor da marca da organização.

Por seu turno, quando se observa a mesma premissa sob a ótica do trabalhador, o

presente trabalho justifica-se na possibilidade de conceder-lhe maior dignidade no

desenvolvimento do labor, consagrando, assim, o preceito de nossa carta política de

1988, onde se propõe uma sociedade livre, justa e solidária. Isso porque, quando as

17

organizações passam a ser instadas pelo Poder Judiciário a reparar os danos ocasionados

aos indivíduos lesados, através de decisões que reconhecem que as lesões ao empregado

emergem de condutas organizacionais, espera-se que as práticas de gestão possam ser

revistas e, com isso, sejam viabilizados postos de trabalho menos insalubres.

A justificativa acadêmica exsurge da possibilidade de discussão do tema assédio moral

organizacional sob o enfoque dos acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª

Região, relacionados às empresas de telemarketing, pois não se encontraram estudos

cujos temas envolvessem o objeto do presente estudo.

Quadro 1 – Artigos acadêmicos publicados sobre o tema

Palavras-chave CAPES SCIELO SPELL EBSCO

Assédio moral 128 74 43 20

Assédio moral organizacional 01 0 0 0

Telemarketing e assédio moral 02 38 3 0

Telemarketing e assédio moral organizacional 0 0 0 0

Fonte: elaborado pelo autor em 26.08.2017

O quadro 1 demonstra a viabilidade e inovação do presente estudo, por tratar de um

enfoque do assédio moral organizacional em uma empresa de telemarketing. Verifica-se

igualmente que não foram identificados outros estudos similares a este após pesquisas

realizadas nos portais referenciados.

18

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo será realizado o levantamento da literatura que trata sobre o assédio

moral e suas espécies, realizando-se um breve resgate histórico sobre o tema e a

apresentação dos elementos caracterizadores das espécies interpessoal e organizacional,

de modo a viabilizar a diferenciação entre os aspectos conceituais de cada uma.

Realizar-se-á ainda uma breve verificação dos aspectos jurídicos que norteiam o

reconhecimento do assédio moral nas decisões judiciais trabalhistas. Sendo, por fim,

realizada uma verificação do assédio moral organizacional como estratégia de gestão, à

luz do que prevê a literatura especializada.

2.1 A violência no ambiente de trabalho

As unidades empresariais, independentemente de seu tamanho, possuem objetivos bem

delineados para execução e atingimento dos anseios de seus proprietários, sócios ou

acionistas. Para tanto, existe uma infinidade de relações pessoais, profissionais,

jurídicas, que são levadas a efeito para a consecução das atividades empresariais, o que

pode gerar vários tipos de conflito, desde os mais simples até os mais gravosos entre os

diversos atores que figuram na composição do ambiente laboral.

Martiningo e Soares explicam que o surgimento do assédio moral no ambiente laboral

decorre de diversos fatores:

O aumento da competição por espaço no mercado nacional e

internacional e pela própria sobrevivência das organizações trouxe

consequências para todos: a precariedade do emprego, a flexibilização

das relações de trabalho, o ritmo acelerado da economia, o interesse

em reduzir os custos de trabalho, o crescimento do desemprego, a

terceirização, o crescimento do setor informal, a tendência a

contratação por tempo determinado, dentre outras. (MARTININGO;

SOARES SIQUEIRA, 2008, p. 3).

Por essa razão, é necessária uma melhor compreensão do objeto deste estudo, sendo

forçoso analisar as violências praticadas no ambiente de trabalho, para se distinguir os

meros aborrecimentos diários por conta de atos isolados do assédio moral

perverso/interpessoal e organizacional. Isso porque a expressão assédio moral vem

sendo utilizada de forma ampla e genérica, tanto para situações específicas e fatos

19

desagradáveis, quanto para os processos sistemáticos de violência no trabalho, findando

por trazer certa banalização para a terminologia adotada (GOSDAL et al., 2009). Assim,

pode-se inferir que não são todas as condutas ou situações constrangedoras ou

humilhantes no ambiente laboral que são capazes de caracterizar o assédio moral

interpessoal, embora seja violência operada no ambiente laboral.

Nesse contexto, será realizada uma breve digressão às premissas básicas do assédio

moral através do seu contexto histórico, conceito, aspectos caracterizadores e

definidores, e da análise das condutas que não o caracterizam. Por fim, serão abordadas

as suas modalidades.

2.1.1 Breve contexto histórico

O estudo do assédio moral surgiu como justificativa para analisar e tentar resolver os

problemas decorrentes das condições degradantes das relações de emprego a que eram

submetidos alguns empregados. As pesquisas ganharam maior relevância na medida em

que passaram a ter como objetivo o auxílio na resolução de problemas das denominadas

ciências do trabalho e, por conseguinte, decorrentes dos atos praticados no ambiente

laboral (LEYMANN, 1996).

Os primeiros estudos a tratarem sobre o tema do assédio moral, ainda definido como

mobbing, são creditados a Leymann, que, no início da década de setenta, na qualidade

de professor da Universidade de Estocolmo, na Suécia, passou a pesquisar os

comportamentos de todos os atores envolvidos no processo do trabalho, independente

do seguimento, nível social ou hierárquico organizacional, mas sempre focado naqueles

suscetíveis a condutas humilhantes e degradantes, o que denominou de mobbing e

psicoterror (GOSDAL et al., 2009).

Assim, Leymann define o mobbing, dando-lhe uma conotação voltada para o caráter

psicológico, como sendo:

Uma interação social, através da qual um indivíduo (raramente mais

de um) é atacado por um ou mais indivíduos (raramente mais de

quatro), diariamente e por muitos meses, levando a pessoa assediada a

sentir-se numa posição quase indefesa e de alto risco de demissão (a

pessoa é levada a pedir demissão ou acaba demitida). (LEYMANN,

1996, p. 168).

20

Observa-se que não houve um aprofundamento sobre a analogia realizada sobre o

conceito de mobbing original, que foi retirado das ciências da natureza, no qual

indivíduos (animais) se agrupavam instintivamente para, mediante ataque, afastar o

predador e com ele o mal que os circundava.

Após os mencionados estudos, iniciou-se uma efervescência na comunidade científica

de vários países, que passaram a pesquisar sobre o assédio moral com a finalidade de

conhecer mais profundamente o tema. Certamente a contribuição da França nessa fase

foi de elevada significância, através dos estudos de Chrisophe Dejours e Marie-France

Hirigoyen.

Dejours (2005), embora não conceitue ou mesmo traga uma abordagem direta sobre o

assédio moral, demonstrou com clareza que os modelos de gestão do trabalho findavam

por causar sofrimento e violência moral no cotidiano dos trabalhadores, tendo em vista,

já à época, que as organizações repassavam a responsabilidade do mercado competitivo

aos empregados.

A obra Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano, da autora francesa Hirigoyen,

foi considerada um marco no que diz respeito ao estudo do assédio moral, tendo forte

impacto, inclusive, em outros países. A Hirigoyen é creditada a criação da expressão

assédio moral, sendo ela igualmente responsável pela conceituação que até os dias

atuais é encontrada nos manuais das mais diversas áreas das ciências sociais e humanas

(CERQUEIRA, 2015). Por essa razão, torna-se importante ressaltar que, em que pese

ser Hirigoyen uma das precursoras do assédio moral, seus apontamentos no que se

referem ao tema são seminais para todo o estudo desenvolvido, obviamente devendo ser

complementados com avanços e contribuições que se agregam no decorrer dos anos.

Ao elaborar a conceituação de assédio moral, Hirigoyen se fundamenta na origem do

verbo assediar, mencionando que: “Ora, segundo o dicionário Robert, assediar é

„submeter sem trégua a pequenos ataques repetidos‟. É claramente um ato que só se

adquire pela insistência” (HIRIGOYEN, 2006, p. 15).

Ainda na mesma obra, Hirigoyen explica a utilização do termo moral, nos seguintes

termos:

21

A escolha do termo moral implicou uma tomada de posição. Trata-se

efetivamente de bem e de mal, do que se faz e do que não se faz, e do

que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade. Não é

possível estudar esse fenômeno sem levar em conta a perspectiva ética

ou moral, portanto, o que sobra para as vítimas do assédio moral é o

sentimento de terem sido maltratadas, desprezadas, humilhadas,

rejeitadas [...] (HIRIGOYEN, 2006, p. 16).

Vê-se, portanto, que o enfoque do assédio moral não é recente, sendo objeto de estudo

em vários países, razão pela qual recebe diversas terminologias, como, por exemplo:

assédio moral (Brasil e Portugal); mobbing ou psicoterror (Suíça, Alemanha e Itália);

harassment ou mobbing (Estados Unidos da América); ljime (Japão); acoso moral

(Espanha); bullying (Inglaterra) e harcèlemente moral (França).

Diante da breve contextualização histórica e posicionamento acerca do surgimento do

termo assédio moral e seus precursores, faz-se importante estabelecer que, no presente

trabalho, será utilizada a expressão assédio moral, pois já aceito pelos estudiosos pátrios

no assunto. Nesse sentido, Gosdal e outros (2009) explicam que as diferentes

terminologias dos termos bulling, mobbing e harassmenty moral reproduzem a mesma

ideia e apenas espelham os diferentes repertórios de cada autor, considerando a

nacionalidade e a cultura empregada em cada povo.

Importa salientar que as características e análise do conceito serão pontualmente

tratadas no decorrer desta seção, sendo o presente delineamento salutar apenas para

situar o leitor quanto à inteligência do termo estabelecido para o estudo e conceituação

do assédio moral, e posteriormente para permitir uma maior clareza ao analisar o

assédio moral organizacional.

2.1.2 O assédio moral e seus elementos caracterizadores

No livro Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano, embora navegue por

diversas áreas das relações sociais, Hirigoyen possibilitou uma grande profusão de

ideias para as relações de trabalho, ao conceituar assédio moral da seguinte maneira:

Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda conduta

abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras,

atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à

dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em

22

perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho

(HIRIGOYEN, 2006, p. 65).

Em seu estudo, Hirigoyen aponta que o assédio moral na maioria das vezes se inicia

através de condutas que não aparentam ter maiores relevâncias, mas que se protraem no

tempo, se propagam e passam a destruir o ambiente de trabalho, atacando muitas vezes

de forma sutil, mas não menos devastadora, suas vítimas.

Diante das primeiras considerações sobre o tema, Hirigoyen debruçou-se ainda mais nas

suas pesquisas e escreveu o livro subsequente, Mal-Estar no Trabalho, em 2002. O

conceito e a definição já creditados como sendo as principais contribuições sobre o tema

foram então aperfeiçoados, na medida em que delimitou o assédio moral com base no

significado das duas palavras.

Assédio foi então definido como os ataques que ocorrem de forma repetida, persistentes,

dia após dia, tornando o ambiente de trabalho hostil e degradante, diferente da conduta

única, que, embora possa gerar o dano efetivo, não se propaga no tempo minando as

forças das vítimas.

A palavra moral qualificaria o sentimento de injustiça percebido pelas vítimas

assediadas, trazendo discussões sobre o que é eticamente aceito ou não pela sociedade,

o que explicaria, de certa maneira, por que o sentimento das vítimas de rejeição e

desprezo sobre si.

Nesse sentido, o conceito aperfeiçoado por Hirigoyen passou a ser mais rico e a detalhar

melhor as características do assédio moral, o que permitiu não apenas uma melhor

explicação sobre o tema, mas também uma melhor compreensão.

O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta

abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua

repetição ou sistematização, contra dignidade ou integridade psíquica

ou física de uma pessoa, ameaçando o emprego ou degradando o

clima de trabalho. (HIRIGOYEN, 2006, p. 17).

Do conceito transcrito acima é possível se retirar os seguintes elementos: a conduta; a

repetição; um alvo ou vítima; a intenção do agressor e a degradação da vítima e do

ambiente de trabalho.

23

A conduta pode ser representada por ação, comissiva ou omissiva, apresentando-se de

diversas maneiras, desde tratamentos vexatórios, quanto com a utilização de gritos,

tratamento com palavras de baixo calão, isolamento da vítima dos demais colegas de

trabalho, ou ainda a aplicação do ócio humilhante, entre outras, mas todas voltadas às

relações ligadas ao trabalho.

Quanto à repetição, conforme já pontuado anteriormente, um ato isolado, embora não

deixe de ter potencial ofensivo, nunca poderá ser conceituado como assédio moral, na

medida em que o caráter sistemático, ou seja, repetido das agressões, deve estar presente

para ser entendido como assédio, sendo, portanto, característica essencial para o assédio

moral os atos reiterados.

Embora para o direito do trabalho não tenha relevância se a conduta do agressor foi

intencional ou não, este terá o dever de reparar o dano. Contudo, para a vitimologia, o

primeiro ato pode até certo ponto não ser intencional, mas, com sua reiteração e

persistência, é possível observar que a intencionalidade, ainda que questionável, é um

elemento para a caracterização do assédio moral.

Notadamente, a despeito de ser verificada ou não a intencionalidade mencionada acima,

deve-se ter em mente que o ambiente de trabalho onde são observadas as condutas que

denotam a existência de assédio moral é desfavorável para o desenvolvimento de

qualquer atividade profissional, eis que se caracteriza por ser degradante e violento por

essência.

Nesse sentido é que o ambiente degradado e violento tem influência direta sobre o

empregado que é o alvo do assédio moral, atacando sua dignidade e personalidade, o

que poderá ocasionar problemas tanto na esfera psicológica, quanto desencadear

problemas de ordem física, na medida que é bastante comum a vítima sofrer com

dificuldades para dormir, ter o organismo debilitado, inclusive com acentuada perda de

peso, além de muitas vezes ser acometida por doenças laborais.

Trujillo Flores, Valderrabano Almegua e Hernández Mendoza (2007) explicam que

existem várias técnicas utilizadas pelos empregadores para atacar e prejudicar a saúde

psicológica do trabalhador. Tais técnicas podem ser mais ou menos sutis, de modo que

24

o funcionário ofendido ou mesmo aqueles que presenciam os achaques sequer sejam

capazes de notar a violência praticada no âmbito organizacional. No entanto, tais

procedimentos guardam similitude no processo de degradação por tenderem a

sobrecarregar, caluniar e atacar o trabalho, as convicções e a vida privada da vítima,

através de ameaça, estigmatização e, por vezes, isolamento.

Não é incomum que as vítimas do assédio moral, inicialmente, entendam os ataques

como forma de brincadeira, o que por vezes as leva a ignorar, num primeiro momento,

as agressões sofridas (ARAÚJO, 2006). Assim, exemplificativamente, o indivíduo passa

a sofrer com agressões e humilhações que se tornam repetitivas e intermitentes, levando

então aos impactos mais comuns de ordem psicológica, que seriam a depressão, o choro

fácil, as crises nervosas e a perda do sono, entre outras.

Fazendo uma breve síntese do que seria o assédio moral, Cerqueira (2015) explica que

esse fenômeno é movido por uma cadeia de eventos que ofendem e humilham o

trabalhador, com a finalidade de subjugá-lo e menosprezá-lo, fazendo que o ambiente de

trabalho se torne hostil.

Mesmo registrando a inegável contribuição dos escritos de Hirigoyen, devem-se

apresentar algumas ressalvas, devido à existência de contribuições de estudos mais

recentes. Gosdal e outros (2009), ao analisarem os aspectos que definem o conceito

deste fenômeno, se utilizam dos parâmetros de referência para o reconhecimento dos

elementos que caracterizam o assédio moral, a partir dos estudos de Heinz Leymann,

Dieter Zapf e Suile Einarsen e da própria Marie-France Hirigoyen.

A conceituação proposta por Gosdal e outros é mais abrangente, podendo ser

compreendida da seguinte forma:

O conceito de assédio moral, que podemos compreender como

um processo sistemático de hostilização, direcionado a um

indivíduo ou a um grupo, que dificilmente consegue se defender

dessa situação. Esse processo pode ter por efeito, ou resultado,

algum tipo de prejuízo para o agredido, que pode ser

simplesmente a criação de um ambiente hostil que traga

desconforto físico e emocional, ou até o adoecimento e a

exclusão do grupo (GOSDAL et al., 2009, p. 17).

25

O conceito trazido à baila ainda aperfeiçoou e contribuiu o conceito de Hirigoyen, na

medida em que frisou a importância de se observar o “processo sistemático de

hostilização”, ou seja, uma conduta que se protrai no tempo e não apenas a única

conduta.

Nesse aspecto caracterizador denominado de “processo”, não importa se a conduta é

reiterada por três ou seis meses, mas o que importa é se há a característica da repetição,

a sistematicidade e o prolongamento do assédio (GOSDAL et al., 2009).

Ademais, pode-se observar um avanço significativo no conceito apresentado por Gosdal

e outros (2009), ao passarem a considerar a ampliação do conceito de assédio moral

para incluir a conduta degradante e reiterada em desfavor de mais de um indivíduo ou

até mesmo um grupo. Nesse contexto, se aceita que o assédio moral não tenha

necessariamente o dano específico a uma só vítima, admitindo-se a violência moral, de

caráter contínuo e duradouro, em detrimento da degradação do ambiente de trabalho de

todo um grupo, trazendo, nas palavras das autoras, “desconforto físico e emocional, ou

até o adoecimento e a exclusão do grupo” (GOSDAL et al., 2009, p. 17).

No que se refere à intencionalidade como aspecto caracterizador do assédio moral,

Gosdal e outros (2009) delimitam que o assédio moral é sempre intencional, ainda que a

finalidade em primeiro plano não seja deliberadamente prejudicar o assediado. Existem,

no entanto, posicionamentos divergentes na literatura, que indicam ser importante

verificar a presença da angústia e da humilhação, bem como do processo de

hostilização, sendo irrelevante a intencionalidade do agente.

Diante dessas considerações, infere-se ser mais significativa a posição adotada por

Gosdal e outros (2009), pois, ainda que a intenção seja simplesmente atingir os

objetivos da empresa, esta tem o dever de manter os parâmetros de dignidade e

salubridade na relação empregatícia. Nessa hipótese, embora o propósito do empregador

seja o aumento da produtividade, pode ocorrer de o trabalhador envolvido vir a pedir

demissão em razão do tratamento hostil a que fora submetido. Logo, a intencionalidade

floresce da relação apresentada, embora não esteja presente, como regra, no objetivo

primordial do agressor.

26

Hirigoyen (2006) ainda ressalta que todo assédio moral está motivado pela

discriminação, na medida em que repele a diferença encontrada no outro por algum

motivo. No entanto, tal definição é entendida com cautela por Gosdal e outros (2009),

pois, em que pese a discriminação seja um fator recorrente no cometimento do assédio

moral, sua existência não será necessariamente presente.

Analisando a motivação que leva um indivíduo ou um grupo a cometer o assédio moral

interpessoal, Gosdal e outros (2009, p. 21) definem discriminação nos seguintes termos:

“Podemos dizer que discriminação é o tratamento diferenciado e injusto atribuído a um

indivíduo ou grupo, em razão de algum elemento diferenciador que ele apresente como

característica, como o sexo, a idade, a cor, o estado civil”.

As autoras arrematam explicando que o assédio moral e a discriminação não possuem

identidade conceitual, tendo em vista que nem todo assédio moral decorre

exclusivamente do assédio. Exemplificativamente, o assédio por discriminação ocorre

quando é descoberto que determinado empregado é adepto de uma determinada religião

ou seita. Por outro lado, a título meramente ilustrativo, um processo de assédio moral

interpessoal pode ter início em decorrência da disputa ou medo de que o empregado que

mostra maior desenvoltura no trabalho possa galgar uma promoção antes de um colega

de mesmo nível hierárquico ou mesmo conseguir ser alçado ao posto de seu superior,

fazendo com que estes iniciem o processo de hostilização mencionado por Gosdal e

outros (2009).

A partir da revisão da literatura apurada nos termos acima abordados, tem-se que,

resumidamente, os elementos de caracterização do assédio moral podem ser descritos

conforme quadro 2:

Quadro 2 - Elementos caracterizadores do assédio moral

Elementos caracterizadores do assédio moral

Conduta negativa

Apresenta-se de diversas maneiras, como p. ex.:

tratamentos vexatórios, utilização de palavras de

baixo calão, isolamento da vítima, utilização do

ócio humilhante como punição ou forma de

obrigar a despedir-se.

Intencionalidade O assediador visa prejudicar o alvo do assédio de

27

algum modo, de forma intencional. Geralmente, o

alvo do assédio é atacado na sua dignidade e nas

questões afetas à personalidade.

O alvo

A conduta degradante e reiterada pode ser

perpetrada apenas contra um indivíduo ou

determinado grupo.

O processo sistemático de hostilização

Caracteriza-se pela repetição, sistematicidade e

prolongamento das condutas no tempo, visando à

degradação da vítima ou do ambiente de trabalho.

Fonte: Autor da pesquisa (2017) a partir dos estudos de Hirigoyen (2006), Gosdal, e outros (2009) e

Pohlmann (2014).

Assim, com espeque nas conceituações trazidas, é possível observar que, para

caracterização do assédio moral, necessariamente, deve haver uma conduta negativa,

que pode ser comissiva ou omissiva, intencional, em face de uma pessoa ou um grupo, e

deve ser repetida ao longo do tempo (processo sistemático de hostilização), visando à

degradação da vítima e/ou do ambiente de trabalho.

2.1.3 Fatores que diferenciam outras condutas do assédio moral

Os abusos pontuais, ainda que decorrentes de extrema violência psicológica, a violência

física, a violência externa realizada por terceiros, ou mesmo conflitos de ordem

profissional oriundos de discordâncias de procedimentos e o estresse não são

necessariamente entendidos como assédio moral, por estarem ausentes os requisitos

específicos traçados nos conceitos já delineados.

Será analisada a seguir a diferenciação do assédio moral em relação ao estresse, ao

conflito, às agressões pontuais, às más condições de trabalho e às imposições

profissionais.

Justifica-se a importância de tal delimitação, pois a compreensão correta do termo

possibilita a catalogação, a prevenção e o combate não apenas do assédio, mas de todas

as demais condutas que, embora não sejam assédio, são propaladas como tal. Nesse

sentido, Hirigoyen aponta a importância da correta concepção do termo, no seguinte

sentido:

Por isso é importante o uso rigoroso do termo “assédio moral”, para se

evitar a confusão de elementos diferentes. A expressão, ao passar à

28

linguagem corrente, terminou por englobar outros problemas que

talvez não decorram, no sentido clínico do termo, do assédio moral,

mas que expressam um mal-estar mais geral das empresas, que é

importante analisar. É preciso colocar essa problemática ao lado de

outras formas de sofrimento no trabalho e, em particular, dos

atentados à dignidade dos trabalhadores. (HIRIGOYEN, 2006, p. 10).

Portanto, entende-se necessário especificar o que diferencia tais práticas do assédio

moral, na medida em que a exata delimitação também facilitará a compressão e a

extensão do conceito do assédio moral organizacional, possibilitando uma melhor e

mais fundamentada análise dos dados desta pesquisa.

Tão relevante se afigura a referida especificação, que Hirigoyen (2006) apresentou

como uma das propostas de sua obra Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio

moral justamente demonstrar o que efetivamente é o assédio moral, apartando-o das

demais formas de sofrimento no trabalho, sendo a primeira delas o estresse.

Embora as confusões com os termos sejam ordinárias e efetivamente o estresse tenha

uma semelhança com o assédio moral, estes são bem distintos em suas essências,

conforme será visto a partir de agora.

O termo estresse se aderiu ao vocabulário da sociedade, principalmente quando aplicado

nas situações voltadas para o ambiente laboral. Contudo, não raro, o termo estresse é

confundido com assédio moral, mas, como mencionado, tal emprego deve ser evitado

do ponto de vista acadêmico.

A acepção do termo estresse como conhecemos na atualidade é oriunda do conceito

concebido por Hans Selye, a partir de 1950. O termo, até então, era utilizado na física

para designar uma força externa que remete a um estado de tensão sobre um sistema.

Selye, então, adaptando as proposições já usuais, empregou o termo com a finalidade de

explicar a resposta fisiológica do organismo para os estímulos externos, denominada

“Síndrome Geral da Adaptação” (SELYE, 1974 apud GOSDAL et al., 2009, p. 46).

Ainda citando o referido autor, Gosdal e outros (2009) explicam que o estresse é o

retorno que o organismo apresenta a qualquer tipo de exposição. Em outras palavras,

trata-se de reflexo do corpo em função de qualquer exposição, grau de intensidade ou

duração. Apontam três fases no processo de estresse. A primeira seria o alarme. Nesta

29

fase, o organismo sente a presença do estímulo e se prepara fisiologicamente e

psicologicamente para combater ou fugir do agente estressor. A segunda fase seria a

resistência. Aqui o organismo resiste aos estímulos estressores que se apresentam de

forma constante e intensa, possibilitando observar sinais de desgastes. A terceira e

última fase seria a exaustão. Superadas as fases do alarme e da resistência, a adaptação

do organismo já não corresponde aos estressores, havendo um descompensamento com

reflexos na saúde do agredido, sejam físicos ou psicológicos.

Entende-se, portanto, que a pressão e as exigências no ambiente de trabalho podem

advir de um processo sistemático de assédio moral e, por consequência, virem a causar

problemas de saúde físicos e/ou psíquicos nos trabalhadores, em função do desgaste

ocasionado pela necessidade de adaptação às demandas que se apresentam de forma

reiterada e intensa, ocasionando o estresse ocupacional. Nesse sentido, observa-se que,

enquanto o assédio moral está umbilicalmente ligado aos fatores estressantes do

trabalho, o estresse ocupacional está voltado para o efeito que o assédio moral imprime

sobre o corpo dos trabalhadores.

Sinteticamente, Pamplona Filho e Barros esclarecem:

O reflexo do estado de estresse normalmente extrapola o ambiente

profissional, interferindo em toda a vida social do indivíduo. Por essas

características, sinteticamente expostas, pode-se observar que o

estresse por si só não configura assédio moral, afinal não há qualquer

dos elementos caracterizadores evidenciados (PAMPLONA FILHO;

BARROS, 2013, p. 10).

Por sua vez, Hirigoyen (2006) alerta que o assédio moral tem um poder mais devastador

que o estresse, em que pese possa incluir uma fase de estresse. Explica a autora que o

estresse apenas tem natureza destrutiva quando exercido em demasia, e que, por sua

vez, o assédio moral é destrutivo independentemente de qualquer coisa.

Através das considerações da autora de que o estresse seria uma fase para se chegar ao

assédio moral, e que o estresse apenas se torna destrutivo quando evidenciada a

existência do excesso, no entanto, deve ser lembrado e observado que o assédio é

composto por um processo sistemático e repetitivo de condutas abusivas. Logo,

pressupõe-se a existência do processo sistemático nessas condutas para que seja

30

considerado como assédio, inferindo-se o excesso de condutas para que se torne

destrutivo.

Em síntese, considerando que o estresse e o assédio moral não se equivalem, Gosdal e

outros (2009, p. 45) afirmam que:

Portanto, sem qualificar o estresse como um fator, um efeito relativo

ao ambiente, ou um processo fisiológico, não teremos elementos

suficientes para relacioná-lo com o assédio moral. De qualquer forma,

nas instâncias aqui discutidas podemos afirmar que o estresse não é

coincidente com o assédio moral.

Observa-se, portanto, que o estresse é o resultado das condutas, pressões e do próprio

ambiente de trabalho, ou ainda decorrente de fatores biológicos que podem desencadear

o assédio moral, não sendo possível confundir os termos assédio moral e estresse,

embora possuam forte relação, como explicado acima, diante da ausência de seus

aspectos caracterizadores.

Igualmente, não se deve confundir o termo conflito com assédio moral, pois não

possuem conceitos coincidentes ou mesmo complementares. Analisando o termo

conflito, Pamplona Filho e Barros (2013) explicam que neste as partes possuem

posições antagônicas sobre determinado assunto ou ideias, fazendo com que elas tentem

convencer o outro de que seu posicionamento estaria mais escorreito.

O conflito está presente em todas as relações humanas e, por consequência, também no

ambiente de trabalho. Por esse motivo, não se pode apontar o conflito como fonte do

assédio moral, pois, pensando dessa maneira, teríamos que o assédio moral estaria

presente em todas as relações humanas, o que não seria crível.

Introduzindo o assunto, Gosdal e outros expõem que:

Conflitos não necessariamente envolvem manifestações de violência,

podendo representar simplesmente uma divergência entre os

envolvidos sem que haja necessariamente um confronto pessoal. Os

conflitos podem constituir fonte de novas ideias e de resolução de

problemas organizacionais. Porém, quando disfuncionais e crônicos,

podem ensejar violência física ou psicológica embora não

necessariamente desencadeiem processos de assédio moral.

(GOSDAL et al., 2009, p. 17).

31

Nota-se a relevância do conflito sadio, inclusive como forma de inquietação que se

torna propícia a novas ideias e expansão de novos horizontes. Portanto, se infere que o

conflito é inerente às relações sociais e, como tal, próprio às relações laborais. No

entanto, quando exercido de forma distorcida, pode culminar na violência psicológica

ou física, que, ainda assim, não necessariamente desaguaria para o processo sistemático

de hostilização, conforme acima conceituado como assédio moral.

O conflito pode ou não desencadear um processo de assédio moral, na medida em que

há casos em que a empresa se apresenta disponível para o diálogo e ao conflito de

posições ou ideias, respeitando a igualdade entres as partes, o que Hirigoyen denomina

de escala simétrica. Segundo a referida autora, haveria o assédio moral decorrente do

ambiente laboral quando se perde essa simetria:

No assédio moral, não se observa mais uma relação simétrica como no

conflito, mas uma relação dominante dominado, na qual aquele

comanda o jogo e procura submeter o outro até fazê-lo perder a

identidade. Quando isto se passa de uma relação de subordinação,

transforma-se em abuso de poder hierárquico, e a autoridade legítima

sobre um subordinado se torna a dominação da pessoa.

Mesmo quando o assédio ocorre entre colegas ou em nível ascendente

é sempre precedido da dominação psicológica do agressor e da

submissão forçada da vítima. (HIRIGOYEN, 2006, p. 27).

Percebe-se que a autora fundamenta a ocorrência do assédio moral na ausência da

relação simétrica. No entanto, deve-se ter cautela e observar, além da simetria apontada,

se os demais elementos que caracterizam o assédio moral se fazem presentes, na medida

em que, conforme já assinalado, não é um mero conflito esporádico, sem qualquer

conotação hostil, que poderia dar início ao processo sistemático do assédio moral.

As agressões pontuais não se amoldam ao conceito do termo assédio moral. Conforme

já mencionado, é utilizado como aspecto definidor do assédio moral o processo

sistemático e repetitivo de condutas hostis. Portanto, as agressões isoladas ou pontuais,

embora sejam reprováveis, não podem isoladamente ser consideradas como assédio

moral.

Refletindo sobre o tema, Hirigoyen analisa com clareza o que diferencia as agressões

pontuais do assédio moral, da seguinte maneira:

32

Uma agressão verbal pontual, a menos que tenha sido precedida de

múltiplas pequenas agressões, é um ato de violência, mas não é

assédio moral, enquanto que reprimendas constantes o são, sobretudo

se acompanhadas de outras injúrias para desqualificar a pessoa.

(HIRIGOYEN, 2006, p. 31).

Portanto, nota-se que a prática da conduta hostil não está revestida no processo

sistemático e repetitivo arraigado ao assédio moral, principalmente quando não

observada a intenção do agressor em assediar seu empregado.

Deve ser ressaltado que o fato de a agressão pontual não ser considerada como assédio

moral não afasta a possibilidade de reparação pelos danos causados à vítima da conduta

hostil isolada, pois a atitude, embora não tenha sido premeditada e possivelmente seja

fruto de um ato de impulsividade do agressor, causou dor e humilhação, ferindo um

bem inafastável do trabalhador, a moral, ensejando dessa maneira a possibilidade de

reparação judicial.

As más condições de trabalho também não se amoldam às características do assédio

moral por estarem ausentes os elementos mencionados anteriormente, pois, embora

caiba ao empregador proporcionar um ambiente de trabalho salubre e em boas

condições para execução das atividades contratadas, o mero descumprimento das regras

previstas na legislação e nas Normas Regulamentadoras expedidas pelo Ministério do

Trabalho e Emprego não é passível, em regra, de ocasionar o assédio moral, já que, a

rigor, não há a intenção deliberada de penalizar os empregados, de degradar o ambiente

de trabalho ou mesmo se utilizar dessa situação para aumentar a produtividade da

empresa. Muito pelo contrário, as más condições de trabalho militam a favor de um

nível produtivo menos satisfatório. Nesse sentido, Silva explica que:

Muitas vezes um ambiente de trabalho inóspito está relacionado ao

desinteresse ou falta de condições do próprio empregador. Locais mal

ventilados, mal iluminados, com calor acima do normal, cadeiras

quebradas e sem ergonomia, com mofo, causam danos consideráveis à

saúde do trabalhador. As leis trabalhistas encarregam-se de coibir tal

situação, mas na prática elas são constantes. No entanto, a menos que

determinado trabalhador esteja submetido propositalmente a tal

situação, com um dos pontos do assédio moral, havendo a intenção

pré-concebida de desestabilizá-lo com o ambiente de trabalho, longe

estaremos do dano moral. (SILVA, 2012, p. 22).

Corroborando esse posicionamento, Hirigoyen (2006, p. 33) ressalta que “trabalhar em

um espaço exíguo, mal iluminado e mal instalado não constitui ato de assédio em si,

33

salvo se um único funcionário for tratado especificamente assim ou se tais condições

destinarem-se a desmerecê-lo”. Portanto, infere-se que a rigor as más condições de

trabalho não podem se confundir com o assédio moral. No entanto, quando utilizado

com a finalidade de atingir a integridade física ou psíquica do empregado, de forma

sistemática e repetitiva, prolongando-se no tempo, poderemos estar diante do assédio

moral.

Esse é o entendimento observado na jurisprudência nacional, conforme se verifica

abaixo:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MÁS CONDIÇÕES DE

TRABALHO. Não sendo comprovados o ato ilícito ou o dano,

elementos necessários para que haja o dever de reparação civil, não

faz jus a reclamante à pleiteada indenização por danos morais. (TRT-4

- RO: 00009264520135040662 RS 0000926-45.2013.5.04.0662,

Relator: MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO, Data de

Julgamento: 14/05/2014, 2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo)

As imposições profissionais decorrem do poder de direção do empregador e, via de

regra, não se confundem com o assédio moral, muito embora, ao tratarmos do assédio

moral organizacional na seção seguinte, faremos observações mais específicas sobre o

assunto.

À primeira vista, as imposições profissionais do empregador são legitimadas

legalmente, bem como diante do senso de razoabilidade nas práticas de gerenciamento

da empresa entendidas como impositivas, uma vez que não são passíveis de

descumprimento por parte do empregado, consubstanciando-se numa das características

do contrato de trabalho.

Nascimento (2011) explica que o poder diretivo do empregador se relaciona à

possibilidade de este, dentro do que foi pactuado contratualmente, organizar as

atividades do empregado. Nesse sentido, infere-se que cabe ao empregador, enquanto

incólume a relação empregatícia e dentro da previsão contratual, decidir como e quando

o empregado deverá se portar, obviamente respeitando a dignidade do trabalhador.

Nesse mesmo sentido, Delgado explica que o poder diretivo é um ato complexo, pois

composto por um conjunto de direitos do empregador, conforme se observa:

34

Poder empregatício é o conjunto de prerrogativas asseguradas pela

ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do

empregador, para exercício no contexto da relação de emprego. Pode

ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito

a direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da

economia interna à empresa correspondente da prestação de serviços

(DELGADO, 2011, p. 616).

Portanto, resta evidenciado que as imposições profissionais decorrem do poder de

direção do empregador, não podendo ser confundidas com o assédio moral. No entanto,

a imposição profissional pode vir a desenvolver um processo sistemático de

hostilização, e, quando tal poder for utilizado para discriminar, subjugar e humilhar o

empregado, estaremos diante da figura do assédio moral.

Devidamente delineadas as condutas que, mesmo que reprováveis em alguns casos, não

coincidem com o assédio moral, passaremos a analisar as modalidades ou espécies em

que o assédio se apresenta, a partir da análise do agente agressor, sendo tal delimitação

importante para verificarmos e amparamos o estudo do assédio moral organizacional e

diferenciá-lo de outras práticas.

2.1.4 Modalidades de assédio moral

Sem interesse no esgotamento do tema, passaremos a seguir a apresentar as

modalidades de assédio moral, didaticamente dividindo-as a partir da ótica de seu

sujeito ativo. Tal tarefa é essencial para o estudo do assédio moral organizacional, na

medida que, conforme será visto na seção seguinte, esse tipo de assédio é perpetrado

pela própria organização em desfavor de todos os seus empregados.

Tratando o assunto de forma sucinta e, até certo ponto genérico, Cassar explica que:

O dano moral é aquele praticado pelo empregador diretamente aos

seus prepostos, enquanto o horizontal ocorre entre os próprios

empregados sem qualquer interferência do empregador, que apesar de

ter ciência do dano, não toma qualquer atitude para impedir o dano

moral horizontal (CASSAR, 2008, p. 940).

Hirigoyen (2006), ao analisar o tema, apresenta quatro categorias ou modalidades,

observando a posição hierárquica do agressor, dividindo-as em assédio moral vertical

descendente; assédio moral horizontal; assédio moral misto; e assédio moral

descendente. Corroborando esse entendimento Gosdal e outros (2009) utilizam essa

35

divisão para demonstrar a ocorrência do assédio moral na perspectiva do agressor e do

agredido, embora reconheçam que no cotidiano empresarial a desigualdade hierárquica

tem maior incidência nos casos de assédio moral no trabalho, ou seja, verifica-se que o

assédio moral descendente tem maior prevalência sobre as demais modalidades.

Nesse sentido, adotaremos a semelhante divisão realizada por Martins Filho (2016), ao

explicar que o assédio moral pode ser dividido, dependendo de seu sujeito ativo, nas

seguintes modalidades: a) assédio moral vertical descendente; b) assédio moral vertical

ascendente; c) assédio moral horizontal ou transversal: e, d) assédio moral externo,

conforme demonstrado no quadro 3.

Quadro 3 - Modalidades de assédio moral

Modalidades de assédio moral sob a ótica do sujeito ativo

Assédio moral vertical descendente Praticado por superiores hierárquicos imediatos ou

remotos em face de seu(s) subordinado(s).

Assédio moral vertical ascendente

Praticado por um subordinado ou pequeno grupo

de subordinados, visando prejudicar o superior

hierárquico.

Assédio moral horizontal ou transversal Praticado por um ou mais colegas de trabalho que

fazem parte do mesmo nível hierárquico.

Assédio moral externo

Praticado por clientes ou terceiros insatisfeitos

pela rotineira má prestação de serviços do

empregador.

Fonte: Autor da pesquisa (2017) a partir dos estudos de Martins Filho (2016)

Apontado como o mais recorrente por Gosdal e outros (2009), o assédio moral vertical

descendente é aquele que tem como sujeito ativo do processo sistemático, repetitivo e

duradouro de hostilização prepostos hierarquicamente superiores (imediatos ou

remotos) ao empregado assediado, conforme explica Martins Filho (2016).

Em sentido oposto de recorrência, o assédio moral vertical ascendente é incomum e

muitas vezes ignorado pelas partes envolvidas ou pela empresa. Contudo, pode ser tão

destrutivo para sua vítima, quanto a modalidade anterior. Esta modalidade de assédio

moral é de difícil observação, pois aqui a vítima é o superior hierárquico do(s)

agressor(es). Por sua característica inusitada e de difícil verificação no cotidiano,

Hirigoyen (2006) explica que o assédio moral ascendente pode ser experimentado pelo

36

gestor, por exemplo, numa falsa alegação de assédio sexual por uma subordinada ou

mesmo por uma reação coletiva de um grupo que repulsa determinado gestor,

boicotando as atividades para prejudicar seu rendimento visando à demissão ou

transferência da vítima.

Ainda, pode-se observar a existência do assédio moral horizontal ou transversal

(MARTINS FILHO, 2016), que é aquele ocasionado por um ou mais colegas de

trabalho que fazem parte do mesmo nível hierárquico. São condutas perpetradas pelo

empregado ou empregados em desfavor da vítima de mesma hierarquia, por exemplo, a

ridicularização pela vestimenta, pela orientação sexual ou religiosa, etc. Anote-se que o

assédio moral horizontal será passível de reparação pelo empregador, apenas se restar

evidenciado o potencial conhecimento do gestor das condutas legalmente reprováveis,

sem que o mesmo tenha envidado esforços para coibir as mencionadas práticas; que

tenha incentivado tal prática ou que não tenha envidado esforços para manter um

controle e ambiente sadio de trabalho.

A última modalidade indicada é o assédio moral externo, que pode ser observado

quando os clientes, insatisfeitos pela rotineira má prestação de serviços do empregador,

resolvem descarregar sua raiva e angústias sobre os empregados. Sendo a empresa

responsável pela deterioração do ambiente de trabalho, tem o dever de reparar eventuais

danos experimentados pelos empregados.

Diante da caracterização das modalidades do assédio moral na perspectiva do sujeito

ativo, ou seja, daquele que pratica a conduta ofensiva, torna-se indispensável a

delimitação do assédio moral interpessoal em análise paralela ao assédio moral

organizacional, o que certamente facilitará este estudo.

Nesse sentido é possível complementar a análise do assédio moral observando que há

uma clara subdivisão quanto a sua estrutura, ainda que tal divisão seja meramente

metodológica, para verificar que o assédio moral divide-se em assédio sexual, moral

interpessoal – ou como prefere Pohlmann (2014) – assédio moral perverso e o assédio

moral organizacional.

37

De logo, esclarece-se que o assédio sexual não tem maiores reflexos sobre o estudo

proposto neste trabalho, razão pela qual será deixado à margem, por não responder ou

contribuir aos objetivos gerais ou específicos. Noutra banda, estão o assédio moral

perverso e o assédio moral organizacional, que, embora estejam intrinsecamente ligados

um ao outro, em suas estruturas demandam elementos diferenciados para ocorrência.

Enquanto o assédio moral interpessoal está ligado umbilicalmente às questões pessoais

e individuais, por vezes marcadas por problemas de relacionamento entre o gestor,

preposto ou proprietário em face do empregado, seja em razão da busca de resultados ou

mesmo pela simples satisfação despótica de certos gestores, o assédio moral

organizacional é, como a própria denominação sugere, ligado ao caráter estrutural da

empresa, sendo sobre esta análise que nos debruçaremos com maior vagar, e, sempre

que necessário, será realizado um paralelo com o assédio moral interpessoal ou

perverso.

As questões relacionadas à gestão ultrapassam, de um lado, a individualização do

agressor como sendo necessariamente apenas o proprietário da empresa ou seus

prepostos, e, por outro, a ideia de que o agredido é apenas uma pessoa ou um pequeno

grupo. Assim, embora não se tenha realizado um estudo exaustivo sobre o conceito,

características, elementos e modalidades do assédio moral, estas considerações são

suficientes para que possamos evoluir nos estudos sobre o assédio moral organizacional

no ambiente de trabalho.

Portanto, deve-se observar que as relações de trabalho pautadas na gestão temerária e

calcadas nas más condições de trabalho merecem um estudo mais aprofundado, com a

finalidade de identificar e delinear o que a literatura denomina de assédio moral

organizacional.

2.2 O assédio moral organizacional: noções preliminares

As relações interpessoais são extremamente complexas por sua essência, pois envolvem

diversas questões inerentes à individualidade de cada ator na sociedade. Essa

complexidade ganha ainda maior dimensão quando analisada dentro do ambiente

laboral, uma vez que, além das regras de conduta exigidas direta e indiretamente pela

38

sociedade, o indivíduo/empregado está exposto a toda espécie de normas e obrigações

que são impostas por seus empregadores, muitas vezes de cunho predatório e nocivo à

saúde física e mental dos trabalhadores.

Por vezes, o empregado sequer consegue perceber as condutas que podem ocasionar o

start do processo de assédio moral organizacional, visto que estas se encontram tão

arraigadas aos valores, objetivos e procedimentos empresariais que dificultam ao

homem médio distinguir o que seria uma cobrança normal do ambiente empresarial,

daquilo que se pode caracterizar como nocivo a sua saúde. Mesmo quando o indivíduo

consegue observar tais condutas, por vezes, as compreende como essenciais ou

possíveis para manutenção da empresa, fato que pode interferir nas pesquisas realizadas

sobre o tema e ainda na quantidade de processos judiciais.

Explicam Kastrati e Baloku (2017) que, na maior parte das vezes, a pressão e as práticas

sádicas sequer são percebidas pelos trabalhadores e, quando são notadas, deixam de ser

notificadas em razão da desconfiança de que algo será feito para alterar a situação

vivenciada pelo empregado. Isso faz com que os empregados façam o possível para

tangenciar, na medida do possível, as atitudes hostis das organizações.

Por sua vez, Dias esclarece que, no assédio moral organizacional, há a desarticulação da

solidariedade. Noutros termos, seria a estimulação do conhecido adágio popular “cada

um por si”.

A violência no trabalho encontra no assédio moral organizacional uma

de suas expressões. Essa forma de assédio não individualizada,

inerente à política institucional, se direciona a todos os empregados ou

a um grupo específico, e tem a finalidade de, utilizando-se da gestão

da subjetividade e da desarticulação da solidariedade, manter a

competitividade e aumentar os lucros ainda que em detrimento da

integridade psíquica do indivíduo. (DIAS, 2015, p. 3).

Percebe-se, dessa maneira, que as condutas caracterizadoras do assédio moral

organizacional estão camufladas por um discurso empresarial no sentido de que

determinadas posições são essenciais para o crescimento, manutenção ou até

sobrevivência da empresa, conforme observam Gosdal e outros 2009. Nesse sentido,

destacam Nunes e Tolfo, os métodos utilizados pelas organizações para atingir maior

produtividade e lucratividade não possuem correlação com condições de trabalho e

saúde de seus empregados, conforme se observa do trecho a seguir:

39

Em muitas organizações o indivíduo é incitado a participar de uma

cultura organizacional, que objetiva o resultado acima de tudo, a

utilizar-se de métodos, manipulações e atos para cumprir suas metas,

não se importando com a execução de práticas violentas para tal fim.

(NUNES; TOLFO, 2013, p. 6).

Ramos Filho (2009) faz uma importante análise sobre o que denominou assédio moral

empresarial, discorrendo que, embora exista uma tendência empresarial em generalizar

e até em certa medida diminuir sua relevância, o assédio moral empresarial, ou assédio

moral organizacional, ante a existência da violência no ambiente de trabalho ao longo

da história, ganhou contornos diferenciados que superam a simples ansiedade, estresse e

desconforto. O autor também afirma:

Todavia, nos atuais métodos de gestão empresarial esta violência

psíquica se reveste de características muito diferentes, por se constituir

em estratégia empresarial fundada no medo para induzir a submissão

dos empregados aos objetivos da empresa, visando maximizar os

lucros (RAMOS FILHO, 2009, p. 22).

Nesse sentido é que nos debruçaremos a analisar o assédio moral organizacional como a

forma utilizada pelas empresas para gerir suas relações com seus empregados com

vistas a atingir seus objetivos, sendo necessário por esse motivo delimitar aspectos

conceituais e caracterizadores, observando ainda os direitos violados quando da prática

de tais condutas, além de se analisar como se caracteriza o assédio moral organizacional

no âmbito jurídico.

2.2.1. Elementos caracterizadores do assédio moral organizacional

Antes de partir para análise conceitual do assédio moral organizacional, entende-se

necessário observar as cinco características básicas citadas por Pohlmann (2014) como

delimitadores à compreensão contextual do objeto deste estudo, a saber: a

temporalidade; a repetição; a característica estrutural; a finalidade gerencial; e a

violação aos direitos fundamentais dos empregados, conforme se observa no quadro 4.

Quadro 4 - Elementos caracterizadores do assédio moral organizacional

Elementos caracterizadores do assédio moral organizacional

Temporalidade Duradouro ou permanente, ligado ao

funcionamento da empresa.

40

Repetição Manutenção das práticas de gestão como processo

sistemático.

Característica estrutural da violência

O sujeito ativo pode inexistir ou ser identificável,

sem trazer maior relevância para sua

caracterização.

Finalidade gerencial

Práticas de gestão ligadas aos fins organizacionais

sem observar o caráter deletério à saúde do

trabalhador.

Violação dos direitos dos empregados

A violação dos direitos dos empregados está

presente. Contudo, não é a finalidade do assédio

moral organizacional.

Fonte: Autor da pesquisa (2017) a partir dos estudos de Pohlmann (2014)

Em semelhança ao assédio moral perverso ou interpessoal, no assédio moral

organizacional se observa que as ofensas se protraem no tempo, não sendo possível

demarcar tempo mínimo para sua caracterização. No entanto, deve-se notar que a

temporalidade não está relacionada à quantificação do tempo durante o qual pode ser

observada nas relações organizacionais, mas diz respeito ao entendimento de estar

ligada diretamente à forma de gestão da empresa. E é nesse sentido que o assédio moral

organizacional tem característica duradoura ou permanente.

Note-se que, ao se apresentar a conceituação acima, frisou-se que, tanto no conceito de

Araújo (2006), quanto no de Gosdal e outros (2009), esta análise se faz a partir dos atos,

o que, como bem observado por Pohlmann (2014), deveria ser observado como

característica da própria empresa, ou seja, como algo que está ligado à forma de

condução das relações escolhidas pela empresa para atingir seus objetivos empresariais.

É nesse sentido que se pode identificar a segunda característica apontada, na medida em

que, embora possa ser igualmente observada no assédio perverso, a repetição das

condutas também está ligada à prática de gestão da empresa, ao escolher a violência

como força motriz para consecução de seus objetivos. Assim, ainda que a recorrência

seja uma característica do assédio moral organizacional, o que salta aos olhos é que a

repetição decorre da forma da gestão, e não das condutas que causam o assédio

organizacional.

41

Por sua vez, o caráter estrutural da violência é uma caraterística relevante para este

estudo, pois, no assédio moral organizacional, por vezes, as vítimas sequer percebem

que estão sendo violentadas. Nesse contexto, o conceito seminal do pesquisador

norueguês Galtung, esclarece que, na violência estrutural, não se tem relação direta com

quem prática a violência, ou seja, o sujeito ativo pode inexistir ou não ser identificável,

sem trazer maior relevância para sua caracterização, pois o que importa é a

consequência das práticas, ainda que o sujeito passivo possa não se compreender como

vítima (GALTUNG, 1969).

Marconatto e Xavier (2016) ponderam que é de suma importância que o trabalhador

identifique que está sendo alvo de um processo sistemático de hostilização, uma vez que

em parte significativa das vezes o empregado sequer se percebe vítima do assédio. Em

algumas ocasiões, os empregados se culpam pelo assédio sofrido e outras vezes

acreditam tratar-se de “coisas de suas cabeças”. Afirmam os autores, no entanto, que

para se enfrentar o assédio moral no trabalho se faz imprescindível o afastamento da

internalização da violência como algo comum e aceitável.

Pohlmann (2014) aprofunda-se na análise do caráter estrutural da violência, pois aduz

que, através de um processo de intersubjetivação dos empregados, a violência passa a

ser não reconhecida ou banalizada a tal ponto que eles mesmos reproduzem o mal,

multiplicando a dor e o sofrimento.

Nesse contexto, os próprios empregados passam a ser replicadores das condutas

apresentadas pela organização como necessárias à persecução de seus objetivos e a essa

altura os empregados já confundem os objetivos da empresa com seus próprios

objetivos, seus anseios com os anseios da empresa para a qual trabalham. Passam

muitas vezes de sujeitos passivos a ferramentas de operacionalização do assédio moral

organizacional.

Deve se notar ainda que, em decorrência dessa internalização subjetiva das práticas de

gestão pelos empregados, estes passam a perceber a violência como algo necessário à

manutenção ou crescimento da organização, afastando a percepção da violência como

mal para si próprios ou, quando percebem a existência desse mal, justificam-no como

necessário aos fins da empresa.

42

Assim, conforme será analisado mais adiante, as práticas de gestão importam

diretamente na exclusão de suas vítimas, através da dispensa daqueles que não atingem

as expectativas de seus empregadores, ainda que em tempos pretéritos tenham sido

excelentes empregados, causando verdadeiro terror nas vítimas e na coletividade, que

passam a ter medo dos critérios utilizados para realização das dispensas.

Note-se que todas as características pontuadas até agora possuem forte interseção entre

o assédio perverso e o assédio organizacional. Contudo, observa-se igualmente que,

embora estejam intrinsecamente relacionadas, a necessidade de fazer a delineação

específica das espécies repousa essencialmente na necessidade de combater essa nova

figura que vem se agigantando com o passar dos anos.

A finalidade gerencial do assédio moral organizacional desponta como a característica

mais arraigada à espécie, sendo ela identificada já no conceito proposto por Araújo

(2006) e, posteriormente, ratificado no conceito de Gosdal e outros (2009).

Notadamente, a finalidade gerencial é um elemento indissociável do assédio moral

organizacional, pois está diretamente relacionada aos objetivos da empresa, em favor

dos quais as práticas de gestão são implementadas.

Pohlmann (2014) esclarece que, no assédio organizacional, a intencionalidade de

prejudicar o empregado não é o objetivo, mas, sim, o atingimento dos objetivos da

organização através do controle subjetivo do trabalhador e do aumento da produção,

mesmo que para isso venha a causar prejuízos de toda sorte aos empregados. Dito de

outra maneira, a empresa não se preocupa com o fato de que para atingir seus objetivos

terá que aplicar métodos de gestão que sejam prejudiciais aos trabalhadores, como bem

pontuado por Nunes e Tolfo (2013, p. 22): “O assédio moral organizacional representa,

então, um conjunto de práticas representativo da extrapolação da lógica da racionalidade

instrumental, funcionalista, na qual os fins justificam os meios”.

Assim, o aumento da produção está relacionado diretamente à métrica empresarial

levada a efeito através de seus instrumentos gerenciais e reproduzida através do controle

subjetivo do empregado, o que é bem esclarecido por Gosdal e outros (2009, p. 23) nos

seguintes termos:

43

[...] nos casos de assédio moral organizacional os abusos são,

geralmente, envoltos de um discurso organizacional capaz de justificar

tais práticas como necessárias e úteis, em nome dos valores relevantes

na empresa e da sobrevivência organizacional, com tendência à

naturalização da violência. Para aquele que é agredido tais situações

podem ser percebidas como processos organizacionais possíveis ou

necessários, o que interfere na dimensão subjetiva da prática.

Nesse viés, através do controle subjetivo do empregado, as organizações findam por

atingir seus objetivos, pois a vítima, por vezes, nem se dá conta do caráter estrutural

desse tipo de controle, que é capaz de ser justificado no inconsciente do empregado

como algo normal e aceitável, a ponto de ele não entender como violência a experiência

por que passou e, como consequência, deixar de registrar qualquer tipo de irresignação

contra seu empregador.

Vasconcelos (2015), admitindo fazer parte de uma corrente minoritária, elucubra que a

intencionalidade, ou, em suas palavras, o dolo, seria o fator de conexão entre a figura do

assediador e o assediado, excluindo-se a culpa. Contudo, como visto em linhas

anteriores, a corrente majoritária aponta que, para a caracterização do assédio moral

organizacional, basta a existência da culpa, já que o objetivo organizacional não é a

degradação das condições de trabalho, mas algo aceito como válido para o atingimento

de seus fins. Infere-se, portanto, que a prejudicialidade das condutas não é premeditada

para atingir o empregado, mas um efeito colateral das práticas de gestão em busca de

maior eficiência, denotando-se, assim, a presença da culpa e não do dolo.

Nesse sentido, é que se compreende que a finalidade gerencial visa maximizar as

práticas de controle que estão diretamente ligadas aos empregados através dos processos

e dos resultados. Quando, por exemplo, se observa na prática da gestão empresarial o

controle do tempo do empregado no banheiro, estaríamos diante do controle do

processo. Processo esse utilizado para extrair dos recursos humanos disponíveis o

máximo de sua força produtiva, atingindo, dessa forma, os objetivos da organização.

Por sua vez, exemplificativamente, o controle do resultado pode ser observado quando

da imposição de metas, a partir das quais os empregados estariam passíveis a uma

métrica-padrão e pelas quais seriam avaliados do ponto de vista apenas numérico.

Analisando sob qualquer aspecto, sendo indenizável ou não, perceptível ou

imperceptível, o fato é que tais padrões de controle dos empregados e da coletividade

44

podem causar nestes atores graves danos físicos, mentais e de ordem emocional,

embora, por vezes, sequer sejam reconhecidos judicialmente como fruto do assédio

moral organizacional. No entanto, note-se que, em razão da dificuldade de identificar e

categorizar o assédio moral organizacional, principalmente em função da

intersubjetivação do empregado, não se faz necessário o apontamento efetivo dos danos

experimentados, pois a potencialidade destrutiva dos ideais da gestão predatória é

intrínseca a esta, tanto considerando o indivíduo, quanto até mesmo um grupo, ou seja,

a violência tem caráter estrutural e não apenas pontual ou casual (POHLMANN, 2014).

Quando se pensa em caracterização do assédio moral organizacional, analisando-se no

contexto da violência estrutural, tem-se uma tendência natural de se pensar apenas na

violação direta aos direitos da personalidade. Tal raciocínio oriundo do senso comum

demonstra-se equivocado, pois a literatura aponta para a existência de violações a

alguns direitos fundamentais consagrados pelo ordenamento jurídico vigente e

principalmente pela Constituição Federal de 1988 – CF/88, que não estão ligados, ao

menos diretamente, aos direitos da personalidade. Portanto, dada a importância desse

tema para caracterização do assédio moral organizacional, é que tais violações serão

identificadas e analisadas separadamente.

2.2.2 O assédio moral organizacional à luz da violação de direitos fundamentais

O ambiente laboral, em razão de sua complexa teia de relações interpessoais e

empresariais, representada por uma intervenção forte do capital sobre a força produtiva,

decorrente, sobretudo, da subordinação e da alteridade, das quais decorre o poder

diretivo do empregador previsto na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, finda por

proporcionar o meio com condições ideais para a ocorrência do assédio moral

organizacional, através de violações a direitos fundamentais que estão garantidos aos

trabalhadores.

Na concepção de Trujillo Flores, Valderrabano Almegua e Hernández Mendoza (2007),

isso não deve ocorrer, pois, em organizações saudáveis, o respeito à dignidade da pessoa

humana e o bem-estar físico, psicológico e social dos trabalhadores deveriam estar

acima de qualquer interesse empresarial. Ainda nesse sentido, Dias (2015) pontua que o

poder diretivo do empregador e a subordinação, inerentes à relação de emprego, não

45

podem validar como estratégia de gerenciamento o uso de práticas deletérias e a

violação de direitos do trabalhador, causando-lhe, inclusive, o adoecimento.

Nesse sentido, justifica-se a análise dos direitos da classe trabalhadora que são

recorrentemente violados, pois, em razão da pré-falada intersubjetivação do trabalhador,

podemos inferir que o assédio moral, mesmo não causando danos detectáveis à primeira

vista, tem por sua característica estrutural a nocividade das práticas de gestão que são

potencialmente danosas em sua essência, ou seja, ainda que não observado pela vítima,

estará presente.

Os direitos da personalidade tutelam a natureza individual de cada pessoa juridicamente

reconhecida, emergindo diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana,

consagrada pela Carta Política de 1988, em seu artigo 1º, inciso III. Em sentido amplo,

nota-se que as relações de trabalho não podem se afastar dos direitos e garantias

reconhecidos constitucionalmente, cabendo ao Estado Juiz adequar, por exemplo,

práticas gerenciais que sejam tendentes a prejudicar ou macular a imagem do

empregado (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, Sarlet (1999) aponta que é imperioso conceder força aos princípios

fundamentais que dão suporte aos direitos sociais do empregado, pois apenas dessa

forma se pode atingir a finalidade teleológica das normas, consagrando a dignidade da

pessoa humana.

Barroso (2010, p. 11), discorrendo sobre a natureza jurídica da natureza humana,

sintetizou o princípio constitucionalmente previsto da seguinte maneira:

A dignidade humana, então, é um valor fundamental que se viu

convertido em princípio jurídico de estatura constitucional, seja por

sua positivação em norma expressa, seja por sua aceitação como um

mandamento jurídico extraído do sistema. Serve, assim, tanto como

justificação moral quanto como fundamento normativo para os

direitos fundamentais.

A conceituação realizada por Barroso não se afasta da Constituição Federal de 1988,

classificando a dignidade da pessoa humana como um direto fundamental, sendo por

esse motivo oponível a eventuais desmandos dos empregadores, seja qual for a sua

natureza. Infere-se do conceito apresentado a necessidade do respeito ao princípio da

46

dignidade da pessoa humana no decorrer do contrato de trabalho, especialmente quanto

às práticas gerenciais que visam atingir os objetivos empresarias, sem se preocupar com

os danos diretos e reflexos que podem causar aos trabalhadores.

Nossa Carta Constitucional consagra em seu artigo 5º vários direitos e garantias

individuais e coletivos, em seu núcleo rígido, como se observa no inciso III, que dispõe:

“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. E ainda,

no inciso X, ao prever que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).

As transcrições dessas previsões constitucionais denotam a mais nítida expressão de

respeito à dignidade da pessoa humana, como sendo uma garantia intransponível e em

favor da qual, via de regra, as organizações devem guardar o máximo de respeito. Por

essa razão, já sob a égide da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico

pátrio recebeu a reformulação do Código Civil Brasileiro de 2002 – CCB, que cuidou de

preservar os direitos da personalidade, sem, contudo, apresentar um rol taxativo de tais

direitos, deixando para as normas especiais, para a jurisprudência e para a doutrina a

tarefa de complementar ou interpretar as premissas constitucionalmente garantidas

(CERQUEIRA, 2015).

Nesse diapasão, resta observar que as práticas empresariais possuem limitador previsto

constitucionalmente, consubstanciado nos direitos da personalidade, que se deriva da

dignidade da pessoa humana. Assim, ainda que a empresa detenha direitos inerentes à

atividade empresarial, decorrentes da subordinação e alteridade, deverá se curvar aos

valores sociais do trabalho e à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III e IV, CF/88),

já que, via de regra, nenhum direito é absoluto e a premissa básica prevista no

preâmbulo de nossa carta política assegura “[...] Ao exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna” (BRASIL, 1988).

Conforme menciona Cerqueira (2015), os direitos da personalidade se subdividem em:

a) direito à integridade física; b) direito à propriedade intelectual; c) direito à

integridade moral; e d) direito à integridade social. Infere-se que tal subdivisão possui

47

maior relevância conceitual que propriamente prática, na medida em que qualquer

violação, seja física, intelectual, moral ou social, é reprovável e repreensível do ponto

de vista social e jurídico, servindo a delimitação apenas para um melhor enquadramento

dos direitos violados.

O direito ao trabalho é uma garantia consagrada por fontes internacionais, como a

Declaração Universal dos Direitos dos Humanos (1948), conforme se observa no artigo

XXIII, 1, que: “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a

condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

É possível perceber que a declaração prevê não apenas o direito de qualquer pessoa ter

acesso garantido ao trabalho, mas que este será objeto de sua livre escolha, e o mais e

importante, em condições justas e favoráveis. Portanto, a garantia declarada vai além do

simples acesso ao trabalho, ou seja, ao posto de trabalho, devendo ser possível que seja

prestado em condições justas e favoráveis, pelo que se infere da sua função social o que

trabalho deve representar na vida do trabalhador que subjetivamente se percebe

produtivo e útil, além, obviamente, de permitir sua subsistência e de sua família.

A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 6º que o trabalho é um direito

social, para em seguida descrever uma série de direitos consagrados no seu artigo 7º,

como reflexo das previsões contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos,

pois visa proteger o trabalhador no exercício regular do direito garantido (BRASIL,

1988).

Tais garantias se sucedem em várias fontes internacionais, bem como em passagens do

texto constitucional, sendo inegável que o trabalho é um direito, assim como a livre

inciativa prevista no artigo 170. Ambos os casos devem ser compatibilizados de modo

que o empregador não possa exorbitar do poder que é originado do capital e,

ultrapassando os limites do razoável, venha a prejudicar os trabalhadores em busca de

melhor eficiência e resultados, pois, conforme se observa do artigo 193 da CF/88: “A

ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a

justiça sociais”, ou seja, o bem-estar e a justiça social devem ser os objetivos do

trabalho, e não a obtenção do capital em detrimento da força produtiva hipossuficiente

(BRASIL, 1988).

48

Pohlmann (2014, p. 78) é assertivo, ao apontar a extensão dos danos causados pelo

assédio moral organizacional, no que se refere ao direito fundamental ao trabalho,

propondo que: “O assédio moral organizacional não viola o direito fundamental ao

trabalho apenas ao causar danos aos trabalhadores, mas também ao inibir as condições

para realização das necessidades que só podem ser satisfeitas pelo trabalho”.

O autor corrobora a posição já apresentada, ao considerar que, além da existência do

dano objetivo aos trabalhadores, podem ser observadas as práticas de danos de natureza

subjetiva, quando se impede a consecução da satisfação das necessidades básicas do

trabalhador através do próprio trabalho, pois, como visto, o bem-estar e a justiça social

se constituem como objetivos da ordem social (CF/88, art. 193).

Conforme mencionado anteriormente, em grande medida, o assédio moral

organizacional está camuflado atrás de um discurso empresarial no qual as violências

perpetradas contra os trabalhadores estão relacionadas com a própria estrutura e

políticas adotadas pela empresa, assim, as condutas supostamente estariam respaldadas

no patronal, justificadas como uma necessidade empresarial ou do próprio mercado

(SOBOLL; HORST, 2015).

Portanto, indo além do direito ao trabalho, em sua acepção ampla, é importante ressaltar

que ao trabalhador é garantido o direito ao ambiente saudável, como direito

fundamental, nos exatos termos do que prevê a CF/88 em seus artigos, 1º, III e 225, ao

dispor que todos possuem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,

como fundamento para o fomento da dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).

Nesse mesmo sentido, o legislador constituinte inseriu como competência do Sistema

Único de Saúde – SUS (art. 200, inc. VIII), além de outras atribuições, o dever de

colaborar com a proteção do meio ambiente, frisando textualmente a inclusão do

ambiente de trabalho (BRASIL, 1988).

Silva (2000) propõe um conceito amplo de meio ambiente, superando as conotações

inicialmente delineadas pela doutrina, que, por vezes, se limitava às questões ligadas

aos recursos naturais. Nesse sentido, Silva (2000, p. 20) propõe o seguinte conceito:

49

O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos

naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca

assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos

recursos naturais e culturais.

Portanto, indene de dúvidas que a garantia de um ambiente saudável inclui o ambiente

de trabalho e não apenas os requisitos ou pressupostos objetivos ligados a questões

ambientais stricto sensu. A citada garantia, portanto, alcança as condições do ambiente

laboral e as questões a ele interligadas, como, por exemplo, a vedação de labuta sob

baixa luminosidade, pouca circulação de ar, ou mesmo em condições altamente

estressantes, sendo certo que, em tais situações, os trabalhadores serão vitimados e, em

razão disso, se faz necessária a proteção constitucionalmente garantida.

Algumas definições possuem uma característica demasiadamente objetiva, como aduz

Nascimento (2011, p. 528) ao abordar o ambiente de trabalho:

[...] complexo máquina-trabalho: as edificações do estabelecimento,

equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico,

instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de

periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas

de proteção ao trabalhador, jornadas de trabalho e horas extras,

intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenagem e

manuseio de materiais que formam o conjunto de condições de

trabalho etc.

Nota-se através da definição trazida por Nascimento uma dimensão mais reducionista e

que nos parece insuficiente para ser aplicada ao tema proposto, pois está ligada apenas

às questões objetivas ou práticas do ambiente laboral. Como visto no conceito de

assédio moral organizacional lançado anteriormente, a característica estrutural das

organizações, através de suas práticas e políticas que visam atingir seus objetivos, finda

por fomentar um ambiente de trabalho inóspito ao trabalhador, no campo da

subjetividade.

Segundo Pohlmann (2014), os fatores objetivos e subjetivos são duas vertentes de uma

mesma realidade, pois existe a necessidade de se observar as questões objetivas, ou seja,

da organização do trabalho, mas se deve observar igualmente as questões

organizacionais, ou dito de outra maneira, as questões relacionadas às políticas e

50

práticas organizacionais direcionadas ao campo da subjetividade. Tratando o assunto

Coutinho (2013, p. 39), afirma que:

A análise das questões afetas ao meio ambiente do trabalho não pode

ser enfrentada por regras jurídicas correlacionadas a higiene,

segurança e medicina do trabalho – saúde no sentido estrito; isto

porquanto diz respeito ao direito constitucional ao trabalho, o direito a

vida saudável no meio ambiente do trabalho, de sorte a permitir o

pleno desenvolvimento das potencialidades profissionais, sociais e

psicológicas do indivíduo. Desta forma, a necessidade apontada para

aportar uma dimensão psicológica que envolve o trabalho é altamente

relevante, atual e adequada diante das formas usuais de gestão de

pessoas aplicadas no espaço empresarial.

Notadamente devemos evoluir através da definição apresentada acima para entender que

o meio ambiente do trabalho é mais abrangente e complexo do que o previsto

normativamente, pois está ligado à saúde do trabalhador, não apenas do ponto de vista

físico, mas também psicológico ou subjetivo.

Entende-se, portanto, que a própria empresa pode ocasionar o desequilíbrio e poluição

do meio ambiente laboral, através de práticas como, por exemplo, a cobrança excessiva

de metas, a regulação do tempo no banheiro ou com a pressão exercida para o aumento

da produtividade, agravada pela ameaça constante de demissão.

Um ambiente de trabalho nocivo propicia o adoecimento do trabalhador, indo de

encontro com o que dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º ao prever

que: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL,

1988).

No mesmo sentido, o artigo 7º da CF/88, prevê que, através de normas de saúde, higiene

e segurança, sejam reduzidos os riscos decorrentes da atividade laboral (BRASIL,

1988). No entanto, embora as legislações constitucional e infraconstitucional e as

normas regulamentadores – NRs sejam enfáticas e duras no combate e prevenção aos

riscos decorrentes do trabalho, a verdade é que as condições impostas pelas

organizações findam por anular todo o esforço despendido pela legislação em vigor, ao

ignorar preceitos básicos, aplicando formas de gestão temerárias que trazem impactos

devastadores à vida dos empregados, individualmente considerados, ou mesmo para a

51

sociedade, na medida em que, uma vez causado o adoecimento do empregado, tal

consequência findará por repercutir na família, que, por sua vez, refletirá na

desestabilização social (POHLMANN, 2014).

Não é demasiado lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho é repleta de normas

que visam assegurar a saúde do trabalhador, destacando-se a existência de um capítulo

que trata exclusivamente da Segurança e Medicina do Trabalho. Nesse sentido, não se

pode negar que tais normas visam prevenir o surgimento de moléstias no trabalhador,

seja em razão do desgaste do indivíduo como algo natural decorrente do trabalho, seja

quando o adoecimento decorre de condições insalubres ou perigosas de trabalho.

Contudo, havendo de um lado a existência de normas de combate e prevenção ao

adoecimento do trabalhador, mas permanecendo de outra banda as práticas

organizacionais estruturadas e nocivas para o atingimento dos fins da empresa, embora

não seja seu objetivo primordial, pode se ter como consequência a ocorrência do

adoecimento do trabalhador através do surgimento de moléstias como, por exemplo, a

síndrome de burnout ou distúrbios psicossomáticos de todo o gênero, tais como:

gastrites, úlceras, hipertensão, etc.

Conforme afirma Cerqueira (2015), deve-se entender o assédio moral organizacional à

luz dos avanços das moléstias que acometem os trabalhadores, na medida que tal

condição é agravada em empresas onde as práticas de gestão estão voltadas para os

resultados e eficiência. Portanto, infere-se que a legislação deve avançar para resguardar

o direito dos trabalhadores para essas novas condições a que estão sendo expostos, pois

a utilização analógica de normas já positivadas pode trazer resultados equivocados e

inócuos à defesa dos trabalhadores.

O assédio moral no ambiente de trabalho, como observado em linhas anteriores, tem

origem consideravelmente remota, sendo por essa razão um estudo muito debatido

academicamente, principalmente por sua repercussão negativa na vida do trabalhador,

bem como pela repercussão ocasionada pelo aumento significativo do passivo

trabalhista suportado pela empresa. Nesse sentido, apontamos para a evolução dos

estudos sobre o assédio moral no âmbito da empresa, quando o agente causador é a

52

própria empresa, que, como bem observado por Ramos Filho (2009), ganhou contornos

diferenciados da violência perpetrada em face do empregado ao longo da história.

No Brasil, a precursora dos estudos do assédio moral organizacional foi Araújo, que, em

2006, ainda em sede de dissertação, propôs o seguinte conceito:

[...] conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de

forma sistemática durante certo tempo, em decorrência da relação de

trabalho, que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de

uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento

subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por

meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em

danos morais, físicos e psíquicos. (ARAÚJO, 2006, p. 107).

Deve-se ressaltar a importância do conceito proposto por Araújo (2006), pois abriu uma

importante discussão sobre aspectos que até então estavam subentendidos ou

camuflados, atrás do poder diretivo do empregador. Contudo, talvez por ser o primeiro

conceito sobre o tema, ele demonstre uma generalidade exacerbada, tendendo inclusive

a tentar tipificar as condutas que ensejariam a ocorrência do assédio moral

organizacional.

Nota-se a ausência de um elemento essencial para identificação do assédio moral

organizacional, que seria o fato de as condutas estarem diretamente ligadas às práticas

de gestão utilizadas pelas empresas para atingir seus objetivos.

A crítica apresentada por Gosdall e outros (2009) é ainda mais incisiva ao

argumentarem que, de tão amplo que se apresenta o conceito proposto, pode se

compreender que tudo o que não for considerado assédio moral interpessoal seria

assédio moral organizacional.

Fazendo uma análise mais aprofundada sobre as ponderações das autoras, é possível

verificar que o conceito de Araújo (2006) admite como assédio organizacional,

inclusive, a atitude déspota e doentia de certos prepostos que, mesmo não tendo sido

orientados pela empresa, praticam certas condutas que ferem a dignidade do

trabalhador. Pelo simples fato de a empresa se beneficiar direta ou indiretamente por

essa conduta, para o autor, incorrerá na prática de assédio organizacional.

53

Entende-se, no entanto, que, se afastando o caráter estrutural da conduta da empresa

como elemento essencial para a caracterização do conceito, não estaríamos diante do

objeto deste estudo. Por essa razão, as autoras afirmam que o conceito proposto

confunde-se com o próprio conceito de assédio moral.

Diante da crítica realizada acima, Gosdal e outros (2009) propuseram um novo conceito

que a rigor seria mais delimitado e analítico, dispondo que:

[...] o assédio moral organizacional é um conjunto sistemático de

práticas reiteradas, inseridas nas estratégias e métodos de gestão, por

meio de pressões, humilhações e constrangimentos, para que sejam

alcançados determinados objetivos empresariais ou institucionais,

relativos ao controle do trabalhador (aqui incluído o corpo, o

comportamento e o tempo de trabalho), ou ao custo do trabalho, ou ao

aumento da produtividade e resultados, ou à exclusão ou prejuízo de

indivíduos ou grupos com fundamentos discriminatórios. (GOSDAL

et al., 2009, p. 37).

Percebe-se, através da definição apresentada, uma significativa evolução do conceito

originalmente exposto, uma vez que, além de compreender o controle subjetivo do

empregado, as autoras incluem o fato de as condutas estarem diretamente ligadas às

práticas de gestão utilizadas pelas empresas para atingirem seus objetivos.

É possível inferir, através das reflexões trazidas pelos conceitos apresentados, que

talvez a análise do assédio moral deveria partir da finalidade que estaria por trás das

condutas praticadas, e não partir das condutas para a finalidade, pois, tanto no conceito

de Araújo, quanto no conceito de Gosdal e outros (2009), sempre se parte da conduta

perpetrada para então se caracterizar o assédio organizacional, analisando a finalidade

do ato praticado. É nesse sentido que Pohlmann apresenta seu conceito, ao argumentar

que:

[...] propõe-se conceituá-lo como um processo de internalização de

ideologia aplicada à organização do trabalho que legitima o uso

recorrente da violência em face dos trabalhadores com finalidade

gerencial de aumento da produção, violando direitos fundamentais e

com potencialidade de resultar em danos perceptíveis ou

imperceptíveis ao trabalhador ou à coletividade. (POHLMANN, 2014,

p. 61).

Nesse sentido, Pohlmann apresenta uma conceituação buscando desenvolver a análise

do conceito de assédio moral organizacional através do controle da subjetividade do

54

empregado e da finalidade gerencial das medidas empresariais, e não propriamente das

práticas, como nos conceitos apresentados anteriormente.

Registra-se com cautela o fato de o autor delimitar o uso da violência com a finalidade

gerencial apenas para fins específicos de aumento de produção, pois, como visto, as

práticas gerenciais estão voltadas para a produção e para o processo, ou seja, o uso da

violência está relacionado ao aumento da eficiência.

Ademais, quanto ao processo de internalização da ideologia aplicada pela empresa para

legitimar o emprego de violência, registra-se mais uma ressalva, já que nem sempre

pode haver a intersubjetivação completa do empregado, e nem por isso deixaríamos de

estar diante de um processo violento com finalidade gerencial que visa ao aumento da

eficiência da organização.

Nesse sentido, compreende-se o conceito proposto por Gosdal e outros (2009) como

sendo ainda o mais abrangente. No entanto, não se pode deixar de observar a relevante e

atual contribuição de Pohlmann (2014), ambos agregando valor ao conceito nacional

desenvolvido por Araújo (2006).

A partir desses conceitos, propõe-se entender o assédio moral organizacional como um

processo de internalização de uma ideologia estrutural aplicada à organização,

intersubjetivada ou não pelos trabalhadores (não individualizado), através de um

conjunto sistemático de práticas reiteradas que são inseridas nas estratégias e métodos

de gestão da organização, com a finalidade gerencial de alcançar os objetivos

empresariais de forma eficiente, sendo irrelevante para organização se tais práticas

possuem natureza deletéria à saúde do trabalhador ou da coletividade ou mesmo se há

violação de direitos fundamentais dos empregados.

Assim, após a devida conceituação do tema central do estudo proposto, é possível

observar a proximidade entre os conceitos de assédio interpessoal definido por

Hirigoyen (2006) e o de assédio organizacional através do texto proposto por Araújo

(2006), ainda que analisadas as contribuições de Gosdal e outros (2009) e Pohlmann

(2014). Portanto, tendo-se em vista que posteriormente será realizada a análise da

jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região acerca do assédio

55

organizacional, entende-se necessário apresentar as distinções entre essas duas espécies,

visando evitar compreensões equivocadas na análise dos dados.

2.3 Distinção entre assédio moral perverso ou interpessoal e assédio moral

organizacional

A distinção dos conceitos de assédio moral interpessoal ou perverso e assédio moral

organizacional é medida que se impõe, pois, embora sejam termos próximos e guardem

características semelhantes, é possível inferir, conforme se observará a seguir, que o

assédio organizacional é uma espécie de assédio moral, com elementos claros de

distinção do assédio moral interpessoal ou perverso, por exemplo (GOSDAL et al.,

2009).

Assim, como o objeto central do presente estudo é verificar se as decisões do Tribunal

Regional do Trabalho da Sexta Região reconhecem o assédio moral organizacional nas

práticas de gestão de uma empresa de telemarketing na capital pernambucana, com

fundamento na literatura pesquisada, a correta conceituação é importante para o

prosseguimento das análises que estão por vir. Isso porque, embora o assédio moral

organizacional seja de amplo debate na literatura nacional, a partir do trabalho de

Araújo (2006), é, em certa medida, notada a ausência de delimitação da espécie no

campo jurisprudencial.

Nesse sentido, ao analisar as ações apresentadas na Justiça do Trabalho no Brasil sobre

assédio moral organizacional, Pohlmann (2014, p. 23) esclarece que:

Em regra, não se valora a participação do empregador para tanto, nem

se promovem medidas que desincentivam a continuar a sua prática.

Quando não, muitas vezes o assédio moral organizacional é julgado

como assédio moral perverso, pelo que é procurada a figura do

assediador e do assediado, o que acaba invizibilizando o problema

mais grave.

Observam-se no trecho transcrito três importantes constatações, sendo a primeira no

sentido de que não há a valoração da participação do empregador. Dessa passagem

pode-se inferir que o objeto analisado é basicamente a conduta que ocasiona o assédio,

ou seja, como justificado no conceito proposto acima, não se observa o processo de

internalização da ideologia estrutural aplicada pela organização. Essa abstenção pode

56

interferir no resultado da apreciação por parte do poder judiciário para a ausência da

correta caracterização da espécie analisada.

A segunda constatação relevante da observação transcrita acima se verifica quando o

autor salienta que muitas vezes o assédio moral organizacional é julgado como assédio

perverso, pois a decisão é focada na figura do assediador e do assediado. Essa questão

foi igualmente analisada no conceito proposto, denotando-se um equívoco de percepção,

já que o assédio moral organizacional não decorre da conduta de um gestor

isoladamente, mas, sim, de conjunto sistemático de práticas reiteradas inseridas nas

estratégias e métodos de gestão da organização, com a finalidade gerencial de alcançar

os objetivos empresariais de forma eficiente, havendo, portanto, um erro de avaliação,

decorrente da confusão entre as duas espécies de assédio analisadas.

A terceira constatação que destacamos do trecho transcrito acima denota-se como

consequência do equívoco no correto enquadramento do fato apresentado à espécie de

assédio correspondente. Ao mencionar que não se fomenta a existência de políticas que

sejam tendentes a abolir as práticas ocasionadoras do assédio organizacional, o autor

não faz maiores reflexões sobre essa afirmação. No entanto, é possível inferir que a

ausência ou equívoco de políticas preventivas ou repressivas decorre justamente da

impontualidade quando da análise dos fatos expostos à apreciação do judiciário.

Portanto, exemplificativamente, quando uma empresa recebe uma condenação por

danos morais decorrente de assédio moral interpessoal, a providência a ser adotada, via

de regra, é de natureza pontual, corrigindo a postura de uma determinada peça da

engrenagem, ou mesmo, em situações mais gravosas, realizando a substituição dessa

determinada peça. Ocorre que, se a espécie foi inadequadamente apontada pelo poder

judiciário, ou seja, no caso de a condenação ser decorrente de assédio moral

organizacional, as posturas de correção adotadas pela empresa, quando existirem, não

surtirão qualquer efeito, pois o problema não está numa peça específica, mas, sim, na

estrutura da própria engrenagem verificada na ideologia estrutural aplicada à

organização.

57

É nesse sentido que se justifica a apresentação da diferenciação entre assédio moral

interpessoal e assédio moral organizacional, para que se possa aferir com precisão nas

decisões coletadas diante de qual modalidade de assédio moral estaremos.

Alvarenga faz uma distinção simples das duas espécies de assédio moral de forma

objetiva, esclarecendo que:

Além do assédio moral individual, que tem como objetivo a exclusão

da vítima do mundo do trabalho, discriminando-a perante o grupo, há

também o assédio moral denominado organizacional. Este último tem

por objetivo a sujeição de um grupo de trabalhadores às agressivas

políticas mercantilistas da empresa por meio do estabelecimento

abusivo de metas (ALVARENGA, 2012, p. 1).

Por sua vez, Gosdal e outros (2009) chamam a atenção para a semelhança entre as

formas de assédio interpessoal e organizacional, demonstrando que na prática as

diferenças são diminutas, pois fazem parte de um mesmo processo. Detalhando essas

diferenças entre as espécies de assédios, apresentam em sua obra o quadro que será

utilizado na íntegra, conforme quadro 5:

Quadro 5 – Distinção entre o assédio moral interpessoal e organizacional

Situações e atitudes

características

Assédio moral no trabalho

Assédio moral interpessoal Assédio moral organizacional

- Processo sistemático de

hostilização;

- Ocorrência de condutas agressivas

e hostis que provocam intimidação

e humilhação.

- Processo sistemático de

hostilização;

- Ocorrência de condutas agressivas

e hostis que provocam intimidação e

humilhação;

- Tais práticas são inseridas nas

estratégias e métodos de gestão,

estão presentes (implicitamente) nas

políticas e práticas da empresa.

Critérios definidores

- Apresentar caráter processual:

considerar a repetição e duração de

tais atitudes e situações;

- Relação desigual de força ou

poder entre as partes envolvidas.

- Apresentar caráter processual:

considerar a repetição e duração de

tais atitudes e situações;

- Relação desigual de força ou poder

entre as partes envolvidas.

Objetivos, finalidade do

processo

- Pretende-se prejudicar, enquadrar,

humilhar e/ou excluir (do grupo ou

da empresa) a(s) pessoa(s)

- Pretende-se alcançar, ou manter,

determinados objetivos empresariais

ou institucionais relativos a índices

58

atingida(s). de produtividade e/ou atingimento

de resultados, ao controle dos

trabalhadores e aos custos do

trabalho.

Quem pratica o assédio - O assediador pode ser

hierarquicamente superior, igual

(colega de trabalho), ou inferior

(subordinado) à pessoa assediada.

- A empresa promove o assédio

moral organizacional por meio de

seus prepostos, gestores ou equipes

de trabalho.

Alvos do processo São alvos específicos: indivíduos

ou pequeno grupo de pessoas.

- Pode se tratar de assédio fundado

em discriminação, perseguição

pessoal de colegas ou gerente, para

trabalhadores com determinado

perfil (ex. negros, homossexuais)

- São alvos determináveis. As

práticas de assédio podem atingir

grande parte dos trabalhadores da

empresa, ou setores específicos;

- Pode se tratar de assédio fundado

em discriminação, inserido na

gestão da empresa, voltado para

trabalhadores com um determinado

perfil (ex. gestantes, empregados

acidentados ou lesionados)

Formas de participação

da empresa

- A empresa omite-se, permite a

ocorrência das práticas de assédio

moral interpessoal.

- A empresa promove e estimula a

ocorrência das práticas de assédio

moral organizacional.

Fonte: Gosdal e outros (2009, p. 39-40)

No modelo proposto por Gosdal e outros (2009), podemos extrair que as principais

diferenças entre as duas espécies de assédio residem em: situações e atitudes

características; quem pratica o assédio; objetivos, finalidade do processo; alvos do

processo; e formas de participação da empresa.

Quanto às situações e atitudes características, deve-se observar que, no assédio moral

organizacional, as estratégias e métodos de gestão são inseridas nas práticas que fazem

parte de uma ideologia estrutural aplicada à organização, visando à obtenção de

objetivos predefinidos, seja no processo ou nos resultados. Importante, contudo, seria

observar que nem sempre o processo sistemático de hostilização é aplicado de forma

implícita, pois pode ser verificado de forma explícita nas práticas adotadas pela

empresa. Dessa maneira, embora não conste nos objetivos da empresa que seu intento é

atingir o objetivo em detrimento das condições de trabalho de seus empregados, as

estratégias e métodos de gestão inseridas nas práticas estruturais aplicadas às

59

organizações denotam-se explícitas, não havendo necessidade de maiores digressões

para percebê-las.

Estando diretamente interligadas as situações, atitudes e características, observa-se que

os objetivos ou finalidades do processo nas organizações não visam atingir certo(s)

indivíduo(s), nem tampouco uma coletividade com a intenção de prejudicar, humilhar e

intimidar os empregados através de condutas hostis em um processo sistemático – por

exemplo, apenas para forçá-los a pedir demissão. Nota-se que, embora as organizações

cometam tais práticas deletérias, que podem ter inclusive o mesmo efeito prático do

assédio moral interpessoal, a intenção da empresa é o atingimento de um determinado

objetivo, que estará ligado ao processo ou aos resultados, nem que para isso seja

necessário atingir direitos fundamentais propalados anteriormente.

Quanto a quem pratica o assédio, deve-se ter maior cuidado nesta análise, pois, via de

regra, quem estará operacionalizando as práticas e políticas impostas estruturalmente

pela empresa serão os prepostos, gerentes ou funcionários de um nível hierárquico

superior da organização.

Dessa forma, não se pode perder de vista que o assédio organizacional está ligado a

políticas da empresa, tanto que, como já observado, os próprios empregados de níveis

mais elevados na organização passam de sujeitos passivos a ferramentas de

operacionalização do assédio moral organizacional, tendo em vista a existência do

processo de internalização das condutas exigidas implícita ou explicitamente pelas

empresas.

Por ser relevante para a questão tratada, deve ser rememorada a divisão realizada por

Martins Filho (2016), ao explicar que o assédio moral pode ser dividido nas

modalidades de assédio moral vertical descendente, assédio moral vertical ascendente,

assédio moral horizontal ou transversal, assédio moral externo.

Por esse motivo, infere-se que Pohlmann (2014) andou bem ao desenvolver seu

conceito de assédio moral organizacional através do controle da subjetividade do

empregado e da finalidade gerencial das medidas empresariais e não partindo da

premissa das práticas de gestão ou das condutas perpetradas, que podem se confundir

60

com o assédio moral interpessoal. Portanto, deve-se entender que, embora na maior

parte das vezes, as práticas sejam operacionalizadas por um empregado ou alguns

empregados, estes assim procedem a mando da organização que seria o ator principal

das práticas deletérias à saúde do trabalhador. Nesse sentido, pode-se observar que o

assédio moral organizacional ocorrerá na modalidade descendente.

Quando analisados o(s) alvo(s) do processo sistemático de hostilização, devemos

perceber uma linha tênue e não muito segura, caso se pretenda analisar as espécies de

assédio com base apenas nesse critério. No assédio interpessoal, observamos que os

alvos são indivíduos ou pequenos grupos de pessoas, que, diga-se de passagem, podem

estar confinados em certos setores da empresa. Assim, não se afigura seguro ser um

critério diferenciador isoladamente, pois, em algumas organizações, as práticas de

gestão deletérias podem estar voltadas a setores específicos, enquadrando-se no

conceito de pequenos grupos e, assim, não saberíamos diante de qual espécie de assédio

estaríamos presentes.

Conforme visto acima, na visão de Gosdal e outros (2009), no assédio moral

organizacional, os alvos são determináveis, pois as práticas podem atingir grande fatia

da empresa ou mesmo apenas setores específicos. Contudo, infere-se que, quando

analisamos o critério diferenciador objetivo e finalidade do processo, percebemos que o

processo sistemático não está direcionado para os alvos do assédio. Dito de outra

maneira, pouco importa à organização se atingirá um empregado ou a totalidade da

empresa, pois a intencionalidade de praticar o dano ao empregado no assédio moral

organizacional está entrelaçada aos objetivos que a empresa pretende atingir, ou seja, a

intenção é atingir o objetivo de forma eficiente.

Assim, vale observar que as autoras apontam que os alvos do assédio moral

organizacional podem ser atingidos em função de discriminação, inserida na gestão da

empresa, voltada para trabalhadores com um determinado perfil (ex. gestantes,

empregados acidentados ou lesionados). Analisando as características do assédio moral,

conforme procedemos nos tópicos anteriores deste trabalho, observamos que o assédio

interpessoal que é praticado com fundamento em ato discriminatório, baseado em

condições pessoais do sujeito passivo, seja qual for o motivo (religioso, orientação

sexual, cor, raça, etc.), ou mesmo em decorrência de desentendimentos de ordem

61

profissional, como o medo de perder a posição para seu imediato, pode dar início a um

processo sistemático de perseguição, visando persuadir o empregado a se demitir do

emprego, transparecendo o objetivo de modo objetivo e diferenciador.

Nesse sentido, devem-se observar os alvos do processo como determináveis não do

ponto de vista discriminatório, como apontam as autoras, pois em regra estaríamos

tratando do assédio interpessoal. Passaria a ser organizacional apenas se determinado

grupos de empregados, por suas características pessoais, se prostrassem como ato

impeditivo aos objetivos da empresa, e, por sua vez, a política organizacional fosse-lhes

deletéria, pois deve ser lembrado que no assédio moral organizacional não há

intencionalidade de praticar o dano contra o empregado, mas está entrelaçada à política

estrutural da empresa, utilizada para atingir os objetivos que a empresa pretende de

forma eficiente.

Por derradeiro, e não menos importante, pode-se diferenciar o assédio moral

organizacional do assédio interpessoal do assédio moral organizacional com base nas

formas de participação da empresa. Na primeira espécie, a empresa se omite e permite a

ocorrência das práticas de assédio, pois há intenção de se beneficiar de alguma forma

das condutas agressora de certo(s) gestor(es).

Já quanto à segunda espécie Freitas, Heloani e Barreto (2009) explicam que o assédio

moral organizacional residiria basicamente na negligência das empresas em observar as

condutas que atentam contra a dignidade do trabalhador. Nesse sentido, observa-se:

Quando consideramos o assédio moral uma questão organizacional,

entendemos que algumas empresas negligenciam os aspectos

desencadeadores desse fenômeno, ou seja, consideramos que o assédio

moral ocorra não porque os dirigentes o desejem, mas porque se

omitem. (FREITAS; HELOANI; BARRETO, 2009, p. 38).

Contudo, conforme apresentado em linhas anteriores, entende-se mais adequado

analisar a matéria sob o aspecto trazido por Gosdal e outros (2009), onde se observa que

o assédio organizacional não se trata apenas de simples omissão ignorada por parte dos

gestores, mas, sim, parte-se de um processo de internalização de uma ideologia

estrutural aplicada à organização, intersubjetivada ou não pelos empregados, razão pela

qual a empresa promove e estimula a ocorrência das práticas de assédio moral

organizacional.

62

Notadamente, como afirmam Gomes e outros (2016), observa-se uma característica

interessante no método de gestão por assédio, pois a intersubjetivação das práticas

deletérias é equivocadamente justificada como necessária aos interesses da empresa,

causando um efeito dúplice no subconsciente dos trabalhadores, restando evidente que

aqueles que conseguem atingir um melhor desempenho terão maiores condições dentro

da empresa, por sua vez, aqueles que não atingirem as expectativas serão subjugados e

passarão a experimentar toda sorte de perseguições e achaques, mesmo que de forma

generalizada e indireta, tendo como consequência o adoecimento e o desestímulo para o

trabalho.

Portanto, devidamente delineados os principais pontos diferenciadores entre o assédio

moral organizacional e o assédio moral interpessoal, é possível seguir adiante no estudo,

sem que se incorra no erro de enquadrar uma espécie como outra, o que fatalmente

poderia incorrer em impontualidades no resultado da presente pesquisa.

Diante de tais considerações, para que seja possível uma melhor compreensão quando

da análise dos dados que serão coletados, afigura-se necessário observar, à luz da

literatura pesquisada, de que maneira o assédio moral organizacional é utilizado como

ferramenta de gestão.

2.3.1 A caracterização do assédio moral organizacional sob o aspecto jurídico-

trabalhista

Em face de suas características já devidamente delineadas, o combate ao assédio moral

transita entre os mais variados campos da ciência, pois se observa a complexidade de

relações ao se tratar da matéria. Cerqueira (2015, p. 46) aponta uma proposição

esquemática para tentar facilitar a compreensão da matéria, nos seguintes termos:

Com o assédio moral, não foi diferente – muito embora a psicologia

tenha sido fundamental para fazer o meio de campo entre o econômico

e o jurídico. Em sua formulação esquemática, pode-se dizer que a)

práticas sistemáticas de agressão moral ocorriam no seio econômico,

nas relações laborais; b) estudos de psicólogos constataram a

degradação moral resultante e tornaram públicas tais práticas e c) o

Direito captou o conflito e se propôs a resolvê-lo.

Por sua vez, relacionando assédio moral e ambiente de trabalho, Pamplona Filho, Lago

Júnior e Sarno Braga (2016) destacam que, embora o assédio moral possa ser observado

63

em qualquer esfera do convívio social, ele ganha contornos mais relevantes no interior

das organizações, tendo em vista a condição desigual do empregado perante seu

empregador. Essa condição de inferioridade jurídica decorre naturalmente do binômio

capital e trabalho, sendo necessária a observância do princípio da hipossuficiência nas

relações de trabalho, a fim de que se possa buscar a correta aplicação das normas, ainda

que à luz do princípio da isonomia.

Nesse sentido, observa-se que há uma conjugação de esforços para tratar o tema como

se deve, pois se observa a interdisciplinaridade para compreensão de uma complexa teia

de relações sociais, psicológicas e jurídicas, necessitando dessa maneira de vários

olhares para que se possa ter a verdadeira dimensão do problema.

No campo jurídico, há clara previsão constitucional para a salvaguarda dos direitos da

personalidade, no entanto, a tutela jurídica está relacionada ao dano moral propriamente

dito. Deve ser esclarecido que o dano moral é a consequência das práticas que podem

ser originadas das mais variadas espécies de achaques, como, por exemplo, pelo assédio

sexual, injúria, calúnia, difamação, ou qualquer outro ato por ação ou omissão,

negligência ou imprudência que venha a causar dano a outrem, portanto, não

necessariamente exclusivo das relações laborais.

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 5º, V, que “é assegurado o direito

de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à

imagem”, notadamente numa preocupação em afastar apenas a interpretação de

reparabilidade para os danos causados na esfera patrimonial ou material. Nesse sentido,

complementando o que restou consignado acima, consagrou expressamente a

salvaguarda aos direitos da personalidade e o direito a indenização quando de sua

violação, nos termos ainda da CF/88 em seu artigo 5º, X, ao dispor que “são invioláveis

a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).

No ordenamento infraconstitucional pátrio, existem dispositivos legais utilizados na

seara civilista e aplicados subsidiariamente ao direito do trabalho, como ocorre no caso

do artigo 186 do Código Civil Brasileiro – CCB ao prever que: “aquele que, por ação ou

64

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,

ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).

Conforme visto acima, o artigo 186 do CCB prevê que, ainda que por ato de ação ou

omissão, por negligência ou imprudência, aquele que (pessoa física ou jurídica no

entendimento jurisprudencial) viole direito ou cause dano a outrem, inclusive que seja

exclusivamente moral, cometerá ato ilícito, e, como tal, o ato ilícito deve ser reparado

nos exatos termos do artigo 927, cumulado com o artigo 929 do mesmo diploma legal,

ao prever que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a

outrem, fica obrigado a repará-lo.

[...]

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II

do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à

indenização do prejuízo que sofreram. (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, é possível observar que o direito à integridade moral do indivíduo está

devidamente resguardado, ainda que de forma genérica, pois, como se observa, não há

referência ao assédio moral, tampouco organizacional, em evidente ausência de

tipificação da conduta.

Deve-se registrar a existência de normas de natureza específica, como, por exemplo, a

Lei nº 9.029/95, que trata das práticas discriminatórias para contratação ou manutenção

do empregado no trabalho, seja por motivo de sexo, raça, estado civil, deficiência e

idade entre outros (BRASIL, 1995). De igual maneira ocorre com a previsão contida na

Lei nº 9.263/96, onde se prevê a punição de um ou dois anos de reclusão e multa àquele

que exigir atestado de esterilização para qualquer fim (BRASIL, 1996). Pode-se apontar

ainda a previsão contida no artigo 373-A celetista, que prevê uma série de direitos

tendentes a coibir abusos e discriminações em face dos trabalhadores, mas em todos os

casos a legislação não trata do assédio moral perverso ou da espécie que temos como

objeto de estudo, o assédio organizacional (BRASIL, 1943).

Araújo (2006) explica de maneira clara a existência da relação do assédio moral com o

direito do trabalho, ao delimitar que há uma relação de tensão entre quem vende sua

força produtiva, o empregado, e quem a adquire para fazer frente às necessidades, a

empresa. Contudo, com a venda da força produtiva, segue junto com o trabalhador que

65

em razão da própria estrutura das relações laborais passará a suportar as vicissitudes do

vínculo de trabalho.

Portanto, que não há como a força produtiva ser dissociada da pessoa do trabalhador,

razão pela qual as condutas operacionalizadas para extrair o máximo do produto

adquirido pela empresa, qual seja, a força de trabalho, tenderão a afetar diretamente o

empregado, já que se trata de condição intrínseca ao vínculo laboral, e, portanto, não

podem ser desconexas.

Araújo busca demonstrar essa propalada natureza indivisível da força de trabalho, da

própria pessoa do empregado, ao mencionar que:

É necessário particularmente admitir que o trabalhador se objetiva de

um bem negociável – sua força de trabalho – conceitualmente distinta

de sua pessoa, para que seja possível a montagem contratual da

relação de trabalho, i. e. a organização jurídica de uma troca em que o

bem se constitui o objeto (ARAÚJO, 2006, p. 136).

Infere-se que, diante da indivisibilidade do empregado e sua força produtiva, há

consequência direta dos efeitos das práticas perpetradas pelos empregadores, e que estas

podem ser deletérias à saúde do trabalhador. Dito de outra maneira, no contrato

sinalagmático de trabalho, o empregado entrega sua força produtiva em troca de

determinada paga. Por sua vez, o empregador passa a deter o poder diretivo, através do

qual passará a dirigir sob seus riscos a relação laboral, amparada em características

como o poder diretivo do trabalhador, chancelado pelo requisito da subordinação na

relação empregado versus empregador, sendo este responsável por assalariar e arcar

com todos os riscos do negócio, expressado através do princípio da alteridade,

encontrando previsão legal nos artigos 2º e 3º da CLT (BRASIL, 1943).

Vê-se que, em linhas gerais, a legislação aponta repressão do ato já consumado ou

questões pontuais, não existindo legislação no Direito do Trabalho com a devida

especificidade direcionada ao assédio moral ou mesmo assédio moral organizacional,

ficando a cargo da doutrina, jurisprudência e instrumentos coletivos do trabalho o

enquadramento das práticas perniciosas à saúde do trabalhador, utilizando-se, para

tanto, de normas subsidiárias de outro ramo do direito, como, por exemplo, as leis

civilistas já mencionadas.

66

Observando o estudo de Fernandez e Nava (2010), percebe-se que a ausência de

legislação específica a tratar do assédio moral no trabalho não é uma realidade apenas

brasileira apenas, pois na Venezuela não há previsão legal especial para regular o

problema. No mesmo sentido, Marconatto e Xavier (2016), analisado a prevenção do

assédio moral no ambiente laboral à luz da legislação espanhola, explicam que, embora

não haja na legislação texto específico para o enquadramento do assédio moral, existem

bases legais satisfatórias para que sejam reprimidos e prevenidos os atos tendentes a

causar risco ao trabalhador.

No entanto, em países como a Macedônia, por exemplo, onde existe legislação

específica para tratar sobre o assédio moral no ambiente de trabalho, foi possível se

observar uma redução nos casos reportados às autoridades fiscalizadoras e as ações

distribuídas perante os órgãos judiciais. Isso porque, segundo Majhosev e outros (2014,

p. 8):

A adoção da Lei sobre proteção contra assédio no local de trabalho

cria uma oportunidade processual para a proteção legal dos

funcionários de vítimas de assédio, além de familiarizar funcionários

com seus direitos de proteção contra o assédio no local de trabalho.

Além disso, a Lei também determina as obrigações dos empregadores,

além da imposição de multas para aqueles que não atuam de acordo

com disposições.

Enquanto se aguarda a produção legislativa nacional, o Brasil utiliza-se

subsidiariamente das leis civilistas e jurisprudências, e a doutrina trata o tema assédio

moral, no campo do direito do trabalho brasileiro, conforme explica Cassar (2008, p.

946):

O assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause

constrangimento psicológico ou físico a pessoa. Já o assédio moral é

caracterizado pelas condutas abusivas praticadas pelo empregador

direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, ao

empregado, que afetem seu estado psicológico. Normalmente refere-

se a um costume ou prática reiterada do empregador.

Como se observa, quando se aborda o tema nos manuais, isso é feito de forma genérica,

quando muito, se apresenta o assédio moral interpessoal, assédio moral coletivo e

assédio sexual, deixando o assédio moral organizacional à margem das discussões

acadêmicas ou publicações específicas sobre o tema.

67

Assim, ante a ausência de normas específicas para tratar o assédio moral e o assédio

moral organizacional, o julgador permanece utilizando-se das normas genéricas para

enquadrar os casos apreciados e julgados na Justiça do Trabalho, conforme se observa

da jurisprudência apresentada abaixo:

ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. TRATAMENTO

DESRESPEITOSO. HUMILHAÇÃO. INDENIZAÇÃO. No atual

estágio vivenciado pela sociedade brasileira, o respeito à honra e à

imagem das pessoas, muito além de dever moral, encerra típica

obrigação jurídica, que, uma vez violada, acarreta o dever de indenizar

por parte do ofensor (CF, art. 5º, X). Desse modo, cabalmente

provado o tratamento desrespeitoso e humilhante, resta configurado o

ato ilícito, a demandar reparação (art. 5º, X, da CF, arts. 187 e 927

do CCB c/c art. 8º da CLT). Recurso patronal conhecido e

desprovido. I -(TRT-10 - RO: 361201200410009 DF 00361-2012-

004-10-00-9 RO, Relator: Desembargador Douglas Alencar

Rodrigues, Data de Julgamento: 10/04/2013, 3ª Turma, Data de

Publicação: 19/04/2013 no DEJT)

Nota-se, portanto, que, embora o tema assédio moral venha sendo amplamente discutido

no cenário nacional e nas mais diversas áreas da ciência como práticas deletérias à

saúde do trabalhador, ainda não possui previsão expressa no arcabouço celetista,

conforme bem observou Dias (2015, p. 15), ao dispor em sua pesquisa que:

Os estudos sobre o assédio moral organizacional são recentes e não

existe no sistema normativo brasileiro tutela específica em relação à

matéria. Todavia, por fazer parte das dinâmicas inerentes às relações

de trabalho, o Judiciário Trabalhista tem se manifestado sobre ele,

pois os efeitos dessa modalidade de assédio atingem a integridade

psíquica e física dos trabalhadores assediados e o dano moral

decorrente deve ser reparado.

Por esse motivo, o judiciário vem fazendo uso das normas do direito comum, nos

termos do permissivo legal estatuído no parágrafo único, do artigo 8º da CLT, o mesmo

ocorrendo com o assédio moral organizacional, conforme se percebe na jurisprudência

abaixo:

EMENTA ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE

DO EMPREGADOR. Robustamente comprovada nos autos a prática

de assédio moral por parte da empresa contra a reclamante (assédio

moral vertical descendente), consubstanciada na utilização de diversas

condutas intencionais, abusivas e repetitivas, tratando a reclamante de

forma humilhante, restando caracterizado o assédio moral

organizacional, que enseja a condenação do reclamado em danos

morais, com fundamento na Constituição Federal, art. 1º, III, e art.

5º, V e X, bem como no Código Civil, que prevê nos seus arts. 186

e 927 a responsabilidade do agente causador do dano, no caso o

próprio empregador. [...] (TRT-22 - RO: 825728520145220001,

68

Relator: FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, Data de

Julgamento: 01/08/2016, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação:

04/08/2016).

A ausência de disciplinamento legal demonstra certa letargia do poder legislativo, pois

não se trata de temática exatamente nova, como afirma Cerqueira (2015), no campo do

direito do trabalho, pois os estudos ligados ao assédio moral surgiram em decorrência

da luta sindical e reiteradas denúncias de práticas deletérias operadas pelas organizações

contra os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Diante do que foi tratado acima, há uma notória evolução quanto ao reconhecimento do

assédio moral pela doutrina jurídica trabalhista, mas, como pode se perceber, essa

evolução esbarra na ausência de especificação das espécies de assédio nos julgamentos,

o que é efetivamente agravado ante a ausência de delimitação legal do tema.

Importante observar, no que diz respeito à reparação do dano, a promulgação da Lei

13.467, de 13 de julho de 2017, conhecida popularmente como reforma trabalhista, que

entrou em vigor a partir do dia 11 de novembro de 2017. Tal lei fez constar no artigo

223-A que a reparação dos danos extrapatrimoniais decorrentes da relação laboral deve

necessariamente ser apurada com base no novo dispositivo legal (BRASIL, 2017).

Deve-se notar, no entanto, que a referida lei não trouxe avanços quanto à previsão do

que seria o assédio moral, ou qualquer espécie deste. Pode-se dizer inclusive que a nova

legislação apenas replicou, com outras palavras, a dicção do artigo 223-B quanto à

garantia constitucionalmente prevista:

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou

omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou

jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.

Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a

autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os

bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física. (BRASIL,

2017).

A análise detalhada da nova legislação não faz parte dos objetivos do presente trabalho,

contudo deve-se observar que a Lei 13.467/17 pode contribuir para uma discriminação

ainda maior no que diz respeito à reparação do dano/assédio causado ao trabalhador,

pois a previsão do quantum indenizatório está vinculado diretamente ao salário do

69

trabalhador, e ao escalonamento das ofensas, que prevê quatro níveis, calculados da

seguinte forma: I – leve, até três vezes o salário contratual do trabalhador ; II – média,

até cinco vezes o salário contratual do trabalhador; III – grave, até vinte vezes o salário

contratual do trabalhador; e, IV – gravíssima, até cinquenta vezes o salário contratual do

trabalhador, conforme prevê o artigo 223-G, § 1º (BRASIL, 2017).

Da leitura dos dispositivos indicados acima, podemos extrair dois principais problemas

que darão azo a muitas discussões jurídicas. O primeiro diz respeito ao caráter subjetivo

para o escalonamento das ofensas sofridas pelo trabalhador, pois o que pode ser

compreendido como uma ofensa de natureza leve para um julgador pode muito bem ser

entendido como de natureza grave para outro julgador, e vice-versa. O segundo

problema, e talvez o mais grave, é a discriminação ocasionada por um valor de

indenização fundado no salário contratual do ofendido, como se fosse possível que a

honra e a moral do trabalhador viessem a ser quantificadas pelo valor que a empresa lhe

remunera, sendo a indenização maior paga ao empregado que recebe maior

remuneração, e, por consequência, uma remuneração menor para o seu subalterno.

Apenas a título ilustrativo, imaginem-se dois empregados de uma mesma empresa,

sendo que o empregado A é supervisor, com salário de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), já

o empregado B é vendedor, com salário de apenas R$ 1.000,00 (um mil reais). Admita-

se que o proprietário da referida empresa causou dano de ordem moral a ambos

empregados por uma mesma conduta, que foi considerada pelo julgador como sendo

uma ofensa de natureza gravíssima para ambos os casos. Nessa hipótese, o empregado

A receberia uma indenização de até R$ 250.000 (duzentos e cinquenta mil reais),

enquanto o empregado B, receberia no máximo uma indenização de R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais). Diante do exemplo apresentado, nota-se uma discriminação

ocasionada pelo patamar remuneratório dos empregados, já que foram submetidos à

mesma conduta negativa, a ofensa foi caracterizada como de natureza grave para ambos

os casos, mas a indenização será totalmente diferente para os dois trabalhadores, por ser

pautada nos salários contratuais dos empregados.

Embora se possam fazer considerações até certo ponto negativas à nova legislação,

tendo em vista sua tentativa de padronizar as indenizações com base no salário

contratual do empregado, é necessário pontuar que, uma vez comprovada nos autos a

70

conduta prevista pela doutrina, pela legislação e pela jurisprudência, o empregado

poderá ser devidamente indenizado nos moldes do artigo 223-G, da Lei 13.467/2017.

Por seu turno, a mencionada comprovação da conduta patronal é uma grande barreira

para os empregados terem seus direitos reconhecidos, isso porque a Consolidação das

Leis do Trabalho e o Código de Processo Civil, este utilizado subsidiariamente,

preveem que, via de regra, o ônus da prova caberá a quem alega, nos termos respectivos

dos artigos 818 e 373, I, como se observa:

Art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

(BRASIL, 1943).

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. (BRASIL,

2015).

Os mencionados artigos expressam a exata medida da distribuição do ônus da prova no

processo do trabalho, que no entender de Schiavi se trata de um ônus processual do qual

a parte deve se desincumbir, conforme pode ser inferido do trecho abaixo:

O ônus da prova, no nosso sentir, é um dever processual que incumbe

ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto aos

fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor, que,

uma vez não realizado, gera uma situação desfavorável à parte que

detinha o ônus e uma situação favorável à parte contrária, na obtenção

da pretensão posta em juízo. (SCHIAVI, 2016, p. 11).

Nesse viés, os elementos comprobatórios das alegações contidas na exordial devem ser

produzidos nos autos como ônus processual sob o encargo do empregado, quando

postulada a condenação por assédio moral ou mesmo do assédio moral organizacional,

por exemplo. Nesse caso, tendo o empregado o ônus processual de provar as condutas

do empregador, mas se deste encargo processual ele não se desincumbir a contento,

suportará a improcedência da ação.

O encargo probatório é um fardo do qual o empregado deve se desincumbir, conforme

explicam Kastrati e Baloku (2017) ao mencionarem que é muito difícil provar assédio.

Mesmo com a utilização das leis e convenções internacionais para caracterizar o

assédio, a materialização da prova nem sempre é possível. Portanto, sem que a prova

seja produzida, não há viabilidade no reconhecimento da prática nefasta ao trabalhador,

pelo órgão do poder judiciário.

71

Diante do que foi exposto, embora inexista disciplinamento legal no que se refere ao

assédio moral organizacional, pode-se inferir que isso não impede que o judiciário

trabalhista faça o correto enquadramento jurídico, pois existe literatura suficientemente

robusta tratando o assunto, conforme já visto, bem como há a possibilidade de utilização

de normas subsidiárias ao processo do trabalho, desde que a conduta seja devidamente

comprovada.

2.3.2 O assédio moral organizacional como estratégia de gestão

Inicialmente, deve restar registrado que o presente estudo não pretende analisar os

modelos de gestão empresarial, pois não corresponde aos objetivos propostos. No

entanto, pretende-se verificar como as práticas de gestão adotadas pelas organizações

podem ser utilizadas para atingir suas finalidades empresariais, mesmo que para tanto

tais procedimentos possam vir a configurar um processo de degradação do meio

ambiente do trabalho, com todas as características do assédio moral organizacional.

Isso porque as organizações passaram por notórias mudanças com o passar dos séculos,

que decorreram diretamente das relações da produção capitalista, e, conforme ensina

Ramos Filho (2009), tais alterações obtiveram maior penetração no ambiente laboral,

sendo patente a modificação das técnicas de gestão após a virada do século, com a

degradação do clima organizacional.

Trujillo Flores, Valderrabano Almegua e Hernández Mendoza (2007) explicam que a

degradação do clima organizacional advém das ações e interações existentes entre as

organizações e os indivíduos, pois a administração dos recursos visa obter efetividade

no atingimento dos objetivos empresariais, que podem ou não ser prejudiciais à saúde

dos trabalhadores.

Nesse sentido, conforme já foi dito anteriormente, o assédio moral organizacional

exsurge dessas práticas decorrentes da política empreendida pelas organizações visando

maior produtividade e lucratividade. Assim, para se estabelecer uma maior

produtividade e, consequentemente, lucratividade, a empresa traça um planejamento

estratégico que pode ser deletério à saúde do trabalhador.

72

Esse processo de planejamento estratégico, na visão de Ansoff (1990), corresponde à

análise de como conquistar vantagens competitivas a partir das oportunidades, aliadas à

verificação de pontos fortes e fracos das empresas diante do mercado.

As organizações, ainda pensando em planejamento estratégico, podem estabelecer seus

objetivos focados na produção de bens ou na realização e serviços. Para esta pesquisa, o

foco da estratégia está voltado para a realização de serviços, tendo em vista que a

natureza da atividade em estudo é o telemarketing.

Do ponto de vista subjetivo, pode-se analisar as técnicas de gestão que visam adaptar-se

ao setor de serviços, quais sejam: marketing interno e a qualidade total. Com relação ao

marketing interno, os empregados do setor de telemarketing são levados a crer que estão

no emprego certo para eles desenvolverem suas potencialidades, na forma como é

estabelecida pelas empresas (REGO, 2011).

As empresas de telemarketing incutem no subconsciente de seus empregados que

empresas com alta lucratividade são boas para se trabalhar e, por isso, o empregado

deve superar as metas e principalmente suas limitações pessoais. Num processo de

internalização e suposto pertencimento, ver o ganho da empresa, o aumento da

lucratividade e a alta competitividade mercadológica como se fossem conquistas

pessoais dos empregados imprime nestes a responsabilidade pelo êxito da organização.

Por sua vez, a qualidade total está amparada no Toyotismo, prática na qual se busca a

otimização com a utilização mínima de materiais, de empregados e de gestores, visando

sempre ao acerto e, por conseguinte, evitando os erros, o que eleva consideravelmente o

lucro das empresas, mas, também, a pressão sobre os empregados que não podem dar

azo a perdas (REGO, 2011).

Para Soboll e Horst (2015), as organizações passaram a estar imbuídas de relações

complexas que demandam diminuição dos custos de produção e melhoria nos

processos. Essa mudança visa atingir os objetivos de forma eficaz, mesmo que para isso

as técnicas de gestão utilizadas possam degradar o meio ambiente de trabalho. Nesse

sentido, é o entendimento de Pohlmann (2014. p. 43), ao afirmar que “[...] pode-se

73

afirmar que o assédio moral organizacional tem como característica básica o fato de ser

um instrumento de legitimação da violência estrutural no modo de aumentar a

produção”.

Segundo Soboll (2008), as organizações aplicam práticas perniciosas e abusivas,

exemplificando e categorizando as estratégias como: a) gestão por injúria; b) a gestão

por estresse; e c) a gestão por medo. Explicam Soboll e Horst (2015) que a gestão por

medo, por estresse e por injúria é expressão do assédio moral organizacional. Dito de

outra maneira, é a estratégia utilizada para as empresas atingirem seus objetivos.

Na gestão por injúria, a organização subjuga e humilha o trabalhador como forma de

conseguir a dedicação e resultado esperados. Para isso, ofende sua dignidade pessoal,

imagem e honra. Comumente é externada através da forma de tratamento que é

dispensada ao trabalhador, seja de forma reservada ou explícita, ou mesmo com

utilização de palavras e premiações negativas (SOBOLL, 2008).

Diante do enquadramento retratado por Soboll (2008), infere-se ser possível inserir na

gestão por injúria a prática do cheers. Tal técnica, muito observada na cultura norte-

americana, é considerada por empresas de diversos seguimentos como forma de

incentivar e motivar os trabalhadores, com a finalidade óbvia de atingir os interesses

empresariais. No entanto, por sua essência e cultura local, alguns empregados sentem-se

envergonhados, causando-lhes constrangimentos diários a obrigação de participação

nesses rituais, sendo esse o entendimento esposado na jurisprudência do E. TRT6, senão

vejamos:

SÚMULA Nº 30 - IMPOSIÇÃO DE PRÁTICA DE “CHEERS”.

DANO MORAL.

É devida a indenização por dano moral, na hipótese de ser o

empregado compelido a participar de “CHEERS” (grito de guerra).

(BRASIL, 2016).

Nas decisões mais recentes, que inclusive pacificaram o entendimento sobre o tema,

denota-se a previsão de que a indenização apenas será devida para os empregados que

forem forçados à prática do cheers. Veja-se:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. PRÁTICA DE

CHEERS. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. No caso sob análise,

em sua composição Plenária, resolveu por maioria absoluta, no

74

julgamento do incidente de uniformização de número 0000222-

53.2015.5.06.0000, pela prevalência da tese jurídica de que não há

direito à indenização por danos morais decorrentes da

participação, senão obrigatória, ao trabalhador na técnica de cantar

e dançar o grito de guerra de empresa (cheers). Apelo provido no

aspecto (Processo: RO - 0000594-66.2015.5.06.0011, Redator: Fabio

Andre de Farias, Data de julgamento: 22/02/2017, Segunda Turma,

Data da assinatura: 22/02/2017)

A prática do cheers constitui-se como uma conduta reconhecidamente abusiva e

sistemática que oprime o trabalhador, obrigando-o a participar e ofendendo sua

dignidade pessoal.

A segunda estratégia de gestão analisada é a gestão por medo, que, segundo Pohlmann

(2014, p. 69) pode ser observada tanto de forma implícita quanto explícita, explicando

que:

Promove-se a exclusão de alguns para garantir o engajamento dos

remanescentes. Importante destacar que os trabalhadores excluídos

nem sempre são punidos por faltas graves, mas por necessidade de se

incutir o medo, o que em curto prazo aumenta a produtividade.

O medo faz com que, inicialmente, o empregado tenha uma motivação, mesmo que

negativa, para atingir os objetivos da organização. Dito de outra maneira, o empregado

passa a temer que a exposição vexatória e o ato demissional levados a efeito como

forma de demonstrar o poder potestativo e diretivo do empregador volte-se contra si,

caso não atenda a contento aos anseios do empregador. Anote-se que tal motivação

negativa é efêmera, pois com o passar do tempo os empregados submetidos a tais

situações podem ser acometidos por moléstias físicas e psíquicas, que,

consequentemente, ocasionarão a redução dos níveis de produção do empregado

(POHLMANN, 2014).

Na estratégia de gestão por estresse, a organização busca o atingimento de seus

objetivos de maneira rápida, eficaz e lucrativa, utilizando-se para tanto de métodos que,

embora não contenham qualquer elemento volitivo no sentido de prejudicar o

empregado, podem ocasionar moléstias de ordem física ou psíquica. Soboll (2008)

aponta como táticas de gestão por estresse a supervisão exagerada, imposição de metas

acima da capacidade dos empregados, comparação de resultados encaminhados por e-

mails, prazos curtos para cumprimento de tarefas complexas e demoradas.

75

Em sua obra, Gosdal e outros (2009, p 37) não categorizam as estratégias de gestão,

mas relacionam as práticas mais corriqueiras que ocasionam o assédio moral

organizacional, de acordo com as denúncias já investigadas pelo Ministério Público do

Trabalho, nos seguintes termos:

Empresas que desenvolvem atividade de teleatendimento ou

telemarketing, ou outra, em que os trabalhadores: precisam atingir

metas exageradas; têm o tempo de banheiro controlado, geralmente

em cinco minutos; precisam seguir o manual quanto ao que deve ser

dito ao cliente, normalmente com oferecimento de produtos ou

serviços, sob pena de frequentes advertências e outras sanções

disciplinares; não podem apresentar atestados médicos para não

ficarem visados ou serem despedidos. Nestas empresas o assédio

moral organizacional é utilizado como estratégia para controle dos

empregados, coibição de formação de demandas individuais e

coletivas e, especialmente, o aumento da produtividade, com o

controle do tempo de trabalho e do conteúdo das conversas com o

cliente.

Infere-se, nas estratégias e práticas analisadas acima, que a organização não possui a

intencionalidade de prejudicar o empregado, mas, sim, buscar o resultado esperado, com

a eficiência desejada.

Em seu estudo, Centrais de atendimento: a fábrica do século XIX nos serviços do

século XXI, Venco (2006) aponta uma série de restrições impostas aos empregados do

setor de telemarketing, tendentes a regular o comportamento no ambiente de trabalho, o

que denominou estandardização do trabalho, dentre os quais estão a restrição de comer,

conversar, sair do posto de atendimento, e, em algumas organizações há a exigência de

pedido formal para dirigir-se ao banheiro. Analisando os dados de sua pesquisa, a autora

identificou expressões que demonstram o ambiente de trabalho nas organizações

pesquisadas por ela, como “corredor do choro ou o banheiro é lugar de choro no

telemarketing” (VENCO, 2006, p. 9).

Corroborando as percepções acima apresentadas, Alvarenga retrata a situação verificada

de forma corriqueira nas empresas de telemarketing, exemplificando ao dispor em seu

trabalho que:

A limitação ao uso do banheiro é muito adotada por empresas que

desenvolvem atividade de teleatendimento ou telemarketing. Nelas, os

trabalhadores precisam atingir metas exageradas, tendo, com isso, o

tempo de banheiro controlado, geralmente em 5 (cinco) minutos.

(ALVARENGA, 2012, p. 12).

76

Nesse compasso, o dano ocasionado ao trabalhador se traduz em mero efeito colateral

que é aceito como forma de legitimar a competitividade e manutenção das empresas no

mercado, ainda que ao custo da saúde de seus trabalhadores. Infere-se que se trata de

um discurso equivocado, criado pela empresa, e, muitas vezes internalizado pelos

empregados, que passam a entender as práticas adotadas como necessárias para

manutenção da atividade empresarial competitiva, utilizando o trabalhador como mera

ferramenta de obtenção do resultado, sem se preocupar com sua saúde (POHLMANN.

2014).

Assim, realizadas as principais considerações e delimitações sobre o tema, torna-se

possível verificar se o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, através de seus

julgados, reconhece o assédio moral organizacional nas estratégias de gestão de uma

empresa de telemarketing na capital pernambucana.

77

3 APROXIMAÇÕES METODOLÓGICAS

A pesquisa se propôs caminhar a partir de uma metodologia qualitativa, pois visa

interpretar as intenções dos atores (SINVESIND, 1999) e teve como ponto-chave,

compreender os fenômenos a partir da perspectiva dos participantes (MERRIAM,

1998). Nesse caso, o estudo buscou analisar a fundamentação dos julgados do TRT6,

observando os elementos delineados na literatura como caracterizadores do assédio

moral organizacional e as práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital

pernambucana.

Para encontrar os resultados dos objetivos propostos, pôde-se recorrer ao método

indutivo, pois o foco foi estudar através de observações o funcionamento complexo de

estruturas organizacionais (LAZARSFEL apud LIMA, 1999). O estudo em comento se

adequou a esse método, pois a proposta foi verificar os resultados das decisões do TRT6

sobre o assédio moral organizacional possivelmente presente nas práticas de gestão de

uma empresa de telemarketing da capital pernambucana, e a partir do que é

compreendido e fundamentado pelo tribunal como prática geradora desse assédio.

Hume (2002) afirma que hábito e crença são os fundamentos da indução humana. Então

atos corriqueiros significam o assédio moral organizacional e decisões em condenar

estas práticas são induções humanas, quando referendam o assédio moral organizacional

das empresas de telemarketing.

O tipo ou finalidade da pesquisa foi a descritiva, porque se buscou evidenciar um relato

detalhado do fenômeno, através da descrição característica do fato ou ação humana

(GIL, 2008). No caso específico, a proposta foi estudar o fenômeno social. No estudo

em comento, o que se buscou foi evidenciar os elementos identificadores do Tribunal

Regional do Trabalho da Sexta Região sobre o assédio moral organizacional das

práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital pernambucana.

Quanto aos meios de realização da pesquisa, foram utilizados documentos como dados,

o que corresponde a uma pesquisa realizada em fontes secundárias (GIL, 2008). O

estudo pôde valer-se deste método porque buscou respostas a alguns objetivos

específicos da pesquisa através da análise dos fundamentos das decisões judiciais do

TRT6 sobre o assédio moral organizacional das práticas de gestão de uma empresa de

78

telemarketing da capital pernambucana, além de focar o reflexo no passivo trabalhista

destas instituições.

E quanto à abordagem dos dados, foi utilizada na presente pesquisa a análise de

conteúdo proposta por Bardin (2011), que se estabelece através de um conjunto

extremamente diversificado de instrumentos metodológicos aplicados ao discurso

(conteúdos e continentes). A pesquisa se utilizou dessa análise categorial, pois, após ser

feita a pesquisa documental através da coleta de decisões do TRT6, sobre o assédio

moral organizacional nas práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital

pernambucana (Contax), foi realizado enquadramento, interpretação e análise dos

resultados encontrados através do desmembramento do texto em categorias, sendo

realizada a codificação dos acórdãos para possibilitar a melhor análise dos dados

(MORAES, 2003).

Para realização da análise de conteúdo, foi utilizado um roteiro de observação dos dados

extraídos dos acórdãos. Esse roteiro permitiu a observação do posicionamento do TRT6

no que se refere ao enquadramento do assédio moral e do assédio moral organizacional,

tomando por base as práticas de gestão utilizadas na empresa Contax. O referido roteiro

está disponível no Apêndice.

O locus desta pesquisa foi o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, mediante

a análise de suas decisões, onde se verificou se estão presentes os elementos definidos

como designadores do assédio moral organizacional pela literatura, originários das

práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital pernambucana.

Apenas a título de esclarecimento ao leitor menos acostumado com os termos jurídicos,

esclarece-se que o acórdão é uma decisão turmária que, via de regra, ocorre em segundo

grau de jurisdição. Dito de outra maneira, significa que foi exercido o poder

jurisdicional, prolatando-se uma decisão de primeiro grau por um magistrado,

denominado de juízo a quo. Ocorrendo na referida decisão a sucumbência de uma ou de

ambas as partes, aquela parte que se sentir prejudicada poderá recorrer ao segundo grau

de jurisdição, que pode manter ou reformar o julgado original, através da decisão

turmária, denominada acórdão.

79

De imediato, os sujeitos são indeterminados, pois não foi realizada uma pesquisa com

grupos ou pessoas em específico. Mas o resultado da pesquisa reflete ações voltadas

para uma coletividade de pessoas, os atendentes telemarketing, localizados numa

empresa da capital pernambucana, cujo reflexo poderá se estender a toda a categoria.

Os julgados foram acessados através site oficial do Tribunal Regional do Trabalho da

Sexta Região (www.trt6.jus.br), através o link jurisprudência. Importante salientar que

os atos processuais são públicos por expressa previsão Constituição Federal de 1988,

que pode ser observada nos artigos 5º, LX, e principalmente 93, IX, ao dispor que:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão

públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,

podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias

partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a

preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não

prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1988).

Dessa maneira, deve ser registrado que as informações coletadas e transcritas neste

estudo foram oriundas dos julgamentos proferidos em sessões públicas, constaram do

Diário Oficial Eletrônico da Justiça do Trabalho, além de estarem disponíveis no site

oficial do TRT6 e outros buscadores de jurisprudências da internet. Assim, a mera

transcrição e análise dos dados retirados dos documentos secundários não violam o

direito dos atores envolvidos na pesquisa, que foi realizada de 16 a 27 de junho de 2017,

tendo sido encontrados os resultados abaixo, com as respectivas palavras-chave:

Quadro 6 – Dimensões da pesquisa

Palavras-Chave Quantidade

Assédio moral/Telemarketing 87

Assédio moral/Empresa Contax 64

Assédio moral Organizacional /Telemarketing 06

Assédio moral Organizacional /Empresa Contax 05

Fonte: autor da pesquisa em 27.06.2017

Inicialmente a busca foi realizada de forma abrangente, ou seja, sem delimitar a

empresa pesquisada. Nessa etapa foram utilizadas as palavras-chave assédio

moral/telemarketing e assédio moral organizacional/telemarketing, sendo encontrados

87 (oitenta e sete) e 6 (seis) resultados, respectivamente. O objetivo dessa busca foi

80

demonstrar a dimensão do presente estudo, frente à totalidade dos casos existentes no

âmbito do Tribunal Regional da Sexta Região.

Noutra banda, visando atender o objetivo do presente estudo, a pesquisa foi refinada

com a inclusão do nome da empresa Contax, passando-se a realizar a busca com as

palavras-chave assédio moral/Empresa Contax e assédio moral organizacional/Empresa

Contax, quando então foram encontrados 64 (sessenta e quatro) e 5 (cinco) resultados,

respectivamente. Dessa maneira, foram objeto de análise de conteúdo 69 (sessenta e

nove) acórdãos.

Diante da coleta desses dados preliminares, foi possível inferir a relevância do estudo

com foco na empresa Contax, tendo em vista que os números absolutos são muito

próximos dos números específicos, demonstrando a significativa representatividade dos

dados coletados para análise.

O limite desta pesquisa está circunscrito aos julgados do Tribunal Regional do Trabalho

da Sexta Região, que corresponde apenas ao Estado de Pernambuco. Contudo, como a

empresa de telemarketing que manteve as relações empregatícias que deram ensejo às

ações judiciais possui sede na cidade do Recife, e o artigo 651 da CLT prevê que a

competência das Varas do Trabalho, em regra, é delimitada pelo local de prestação dos

serviços ao reclamado, delimita-se que os acórdãos analisados neste estudo estarão

adstritos à Comarca do Recife.

Quanto ao lapso temporal, foram verificados os julgados dos últimos cinco anos, o que

corresponde ao período da prescrição quinquenal dos direitos que podem ser postulados

na Justiça do Trabalho.

81

4 ANÁLISE DOS DADOS

Nesta seção foi inicialmente realizada uma análise preliminar dos 69 (sessenta e nove)

acórdãos encontrados na pesquisa de jurisprudência observada no quadro 6, dimensões

da pesquisa, com a finalidade de se extrair apenas as decisões passíveis de serem

estudadas. Tal esforço foi realizado através da leitura detalhada de cada decisão,

conforme se observa no subitem 4.1.

Ultrapassada a primeira etapa, foram identificados, analisados e interpretados acórdãos

do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, com a finalidade de verificar se o

aludido órgão jurisdicional reconhece o assédio moral, nas suas espécies interpessoal e

organizacional, como apresentado na literatura revistada no referencial teórico.

A análise das mencionadas decisões demonstrou especificamente as práticas de gestão

da empresa Contax, que foram levadas ao conhecimento do judiciário através das

respectivas reclamações trabalhistas. Nestas os (ex-)empregados apresentam suas

alegações e buscam se desconstituírem de seus ônus processuais através das provas a

serem produzidas nos autos, o que nem sempre ocorre, a fim de demonstrar a efetiva

ocorrência das condutas deletérias de seu empregador.

Justifica-se que o foco da pesquisa jurisprudencial tenha como objeto as práticas de

gestão da empresa Contax por dois motivos. O primeiro por ser uma empresa com

grande destaque na prestação de serviço de telemarketing da capital pernambucana,

sendo uma das principais empregadoras do setor (TRT6, 2015). O segundo motivo

fundamenta-se no fato de que a Contax foi a empresa de telemarketing que mais se

destacou no quantitativo de ações, em números absolutos, onde se discute o pedido de

assédio moral interpessoal ou organizacional, segundo pesquisa realizada para este

estudo, sintetizada através o quadro 6, dimensões da pesquisa.

4.1 Análise preliminar dos acórdãos

Conforme mencionado anteriormente, os dados secundários foram extraídos do site do

Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, com a utilização das palavras-chave

assédio moral/Empresa Contax, tendo como resultados 64 (sessenta e quatro processos)

82

e assédio moral organizacional/Empresa Contax, sendo que neste último caso foram

contabilizados apenas 5 (cinco) processos. Assim, inicialmente o objeto de análise de

conteúdo se iniciou com 69 (sessenta e nove) acórdãos encontrados na pesquisa de

jurisprudência.

A pesquisa inicialmente realizada foi refinada através da leitura individualizada de cada

acórdão, com a finalidade de se evitar distorções no resultado do presente estudo. Para

essa finalidade foi utilizado o roteiro de observação de dados secundários (ver apêndice

1).

A primeira análise foi realizada quanto ao polo passivo da reclamação, ou seja, contra

quem foi distribuída a ação, pois, para se amoldar ao objeto do presente estudo, a

decisão deve necessariamente analisar as práticas de gestão da empresa Contax. Por

esse critério, dos 69 (sessenta e nove) processos inicialmente pesquisados apenas 60

(sessenta) estariam aptos a serem considerados no presente estudo, tendo em vista que,

embora a empresa Contax não fizesse parte da ação, ela foi citada em alguma

jurisprudência, e, por essa razão, foi selecionada pelo filtro do site do tribunal.

Seguindo com a observação individualizada dos acórdãos, foi possível verificar que dos

60 (sessenta) processos delimitados com a empresa Contax no polo passivo da demanda

5 (cinco) tiveram sua contabilização duplicada, restando a serem analisados apenas 55

(cinquenta e cinco) decisões. Isso ocorreu porque o site de pesquisa se utiliza da

palavra-chave para realização da busca de jurisprudência, de modo que os 5 (cinco)

processos foram publicados duas vezes como decisões decorrentes de recursos diversos

para o mesmo Tribunal Regional, e, por essa razão, fez-se presente em duplicidade no

primeiro levantamento realizado.

Dando continuidade à análise das 55 (cinquenta e cinco) decisões remanescentes, foi

observado que em 12 (doze) delas os empregados, polo ativo da reclamação, não se

desincumbiram de seus ônus processuais de provar o assédio moral ou organizacional

alegado, levando à improcedência da ação por falta de provas.

Conforme apontado no item 2.3.1 deste estudo, Schiavi (2016) discorre que para que o

órgão jurisdicional possa exercer o seu poder/dever de dizer o direito, ele deverá estar

83

lastreado em provas suficientes para a formação da convicção do julgador da demanda.

Dito de outra maneira, a ação deverá ser instruída com qualquer prova admitida em

direito, para que o julgador possa valorá-la e proferir a respectiva sentença. Tais provas,

a teor do que dispõe o artigo 818 da CLT e 373, I do CPC/2015, devem ser produzidas

pela parte que as alegar, no caso da presente pesquisa, pelo empregado/reclamante.

Anote-se, no entanto, que o fato de a ação ter sido julgada improcedente não se torna

impedimento para análise do julgado para os fins deste estudo, mas, sim, a ausência de

provas induz à inexistência de elementos a serem analisados, tornando as decisões

inservíveis para fins de apuração nesta pesquisa. Dessa maneira, após extraídos os 12

(doze) acórdãos, restaram 43 (quarenta e três) para análise.

Por derradeiro, analisando-se as 43 (quarenta e três) decisões remanescentes, foi

verificado que 11 (onze) delas não tiveram analisado o assédio (interpessoal ou

organizacional) ou mesmo quanto à integralidade do recurso analisado pelo Tribunal

Regional do Trabalho, por basicamente três motivos, a saber: por defeito de ordem

processual, como, por exemplo, o que ocorreu nos autos do processo nº 0000164-

78.2014.5.06.0002, no qual não foi apreciado o mérito do recurso (recurso não

conhecido) por ausência do princípio da dialeticidade recursal, conforme se extrai do

trecho do mencionado acórdão a seguir:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE

PERTINÊNCIA TEMÁTICA QUANTO AOS FUNDAMENTOS DA

DECISÃO - INOBSERVÂNCIA À DIALETICIDADE RECURSAL -

NÃO CONHECIMENTO. 1. A não impugnação específica, pela parte

recorrente, dos fundamentos da decisão que almeja ver reformada,

resulta na manifesta dissociação entre o decidido e o que foi alvo de

ataque, e, em consequência, na ausência da pertinência temática, apta

a impedir o conhecimento do recurso, de que resulta desobediência ao

princípio da dialeticidade recursal. 2. Recurso ordinário não

conhecido.

Embora não seja objeto do presente estudo, mas visando que o leitor tenha a correta

compreensão dos termos utilizados, esclarece-se que o princípio da dialeticidade

recursal é requisito essencial para a que o julgador possa reapreciar a questão já

discutida em sede de primeiro grau de jurisdição, nos termos do que prevê o artigo

1.010 do Código de Processo Civil, utilizado subsidiariamente através do permissivo

legal constante do artigo 769 da CLT.

84

Nesse sentido, discorrendo sobre imperiosidade na observância do princípio da

dialeticidade recursal, Trombim (2015, p. 11) explica que:

Com isso, se a fundamentação apresentada no recurso não questiona

os motivos expostos pelo julgador, a manutenção do julgado proferido

será simples consequência lógica, sobretudo porque não cabe ao juízo

de revisão, necessariamente imparcial, substituir a parte sucumbente

na pesquisa das razões que possam infirmar as premissas consideradas

no silogismo que conduziu à rejeição da pretensão da parte recorrente.

Outro motivo que conduziu à ausência de análise em sede de segundo grau de jurisdição

das questões relativas ao assédio moral foi o fato de que o recurso manejado visava

apenas destrancar o recurso principal, o que ocorreu, por exemplo, no agravo de

instrumento nº 0000134-04.2014.5.06.0015, cuja ementa se reproduz a seguir:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE

RECURSAL. ILEGITIMIDADE DA PARTE PARA RECORRER.

Inexistindo qualquer responsabilização da agravante na condenação

imposta pelo Juízo a quo, ausente o interesse recursal, já que sequer

houve prejuízo a justificar a interposição do apelo. Agravo de

instrumento não provido.

Apenas a título de esclarecimento para o leitor menos acostumado com o sistema

recursal trabalhista, explica-se que o agravo de instrumento, nos termos do artigo 897,

“b” da CLT, tem como função específica impugnar decisão que denegou, por algum

motivo, o seguimento do recurso ao órgão ad quem. Dito de outro modo, esse recurso

não discute o mérito do processo, mas tão somente visa fazer com que um recurso

inicialmente não aceito seja reapreciado por instância superior.

Igualmente, não terão utilização para fins deste estudo os acórdãos que, embora

contenham menção das palavras-chaves utilizadas inicialmente para filtrar os

documentos secundários, não possuam pedido expresso de reconhecimento de

condenação em assédios interpessoal ou organizacional, em face da empresa Contax,

por exemplo, como no caso do processo nº 0000258-49.2016.5.06.0004.

Por essas razões, restaram 32 (trinta e dois) acórdãos passíveis de análise de dados para

fins deste estudo, distribuídos conforme quadro 7.

85

Quadro 7 – Análise preliminar dos acórdãos envolvendo a empresa Contax

Palavras-Chave Quantidade de

acórdãos antes da

análise preliminar

Quantidade de

acórdãos após a

análise preliminar

Assédio moral/Empresa Contax 64 27

Assédio moral Organizacional /Empresa Contax 05 05

Fonte: autor da pesquisa em 23.09.2017

Verifica-se no quadro 7 que, após a retirada de todos os acórdãos que não estavam

passíveis de análise de dados para os fins deste estudo, pelas razões já mencionadas

acima, restaram apenas 32 (trinta e duas) decisões. Destas, 27 (vinte e sete) fazem parte

das 64 (sessenta e quatro) filtradas com as palavras-chave assédio moral e empresa

Contax. Contudo, as decisões que foram identificadas com as palavras-chave assédio

moral organizacional e Contax permaneceram as mesmas 5 (cinco).

Realizada essa apuração preliminar dos dados e definidos os acórdãos que estão

passíveis de exame para os fins desta pesquisa, passa-se à identificação, análise e

discussão das respectivas decisões através das condutas comprovadamente levadas a

efeito pela empresa Contax, para que seja possível se perquirir se o TRT6 reconhece a

espécie de assédio moral organizacional, através da aplicação dos elementos

caracterizadores delineados pela literatura para sua configuração. Visando ao

cumprimento desse objetivo, os dados serão estudados com a utilização dos critérios

apresentados no quadro 8.

Quadro 8 – Categorização para identificação, análise e discussão dos dados

Práticas de gestão da

empresa Contax Assédio moral organizacional Elementos caracterizadores

Práticas de gestão da

empresa Contax Assédio moral interpessoal/perverso Elementos caracterizadores

Fonte: autor da pesquisa (2017) com base nas decisões do TRT6 no período de 2012 a 2017

No subitem seguinte, serão realizadas a identificação, análise e discussão dos acórdãos

filtrados através das palavras-chave assédio moral/empresa Contax, observando os

elementos caracterizadores traçados pela literatura para espécie interpessoal em

contraste com as condutas comprovadamente levadas a efeito pela empresa Contax.

86

4.2 Identificação dos acórdãos selecionados como assédio moral organizacional

A identificação, análise e discussão terão início pelos acórdãos que foram identificados

com as palavras-chave assédio moral organizacional/empresa Contax, por ser o objeto

central deste trabalho. Para essa finalidade, os 5 (cinco) acórdãos foram codificados da

seguinte maneira (MORAES, 2003):

Quadro 9 – Codificação dos acórdãos conforme roteiro constante do apêndice 1

Codificação

do acórdão Ré Número do processo

Enquadramento

como assédio

moral

organizacional

Condenação

Valor

AMO-1 Contax 0096-25.2014.5.06.0004 Não Não -

AMO-2 Contax 1287-72.2014.5.06.0015 Não Não -

AMO-3 Contax 0655-51.2015.5.06.0002 Não Não -

AMO-4 Contax 0023-62.2015.5.06.0022 Não Não -

AMO-5 Contax 0867-57.2015.5.06.0007 Não Sim R$

10.000,00

Fonte: Autor da pesquisa (2017)

Registra-se de início que nenhum dos acórdãos relacionados no quadro 9 enquadrou as

condutas do empregador como assédio moral organizacional. Embora a pesquisa tenha

utilizado as palavras-chave assédio moral organizacional, a expressão foi encontrada

apenas em uma decisão de primeiro grau transcrita no acórdão analisado, nas

jurisprudências utilizadas ou mesmo utilizada para caracterizar que determinada

conduta teve origem nos métodos de gestão da empresa. No entanto, a presente pesquisa

não se aterá apenas à nomenclatura utilizada pelos julgadores, uma vez que observará as

características e elementos descritos na conduta da empresa objeto do estudo.

No acórdão AMO-1, utilizou-se a expressão organizacional para se referir ao poder do

empregador, nos seguintes termos: “Ademais, não se pode desconsiderar o fato de que a

atividade exercida pela reclamante exige que metas de qualidade sejam alcançadas, de

maneira que o exercício de poder organizacional, pela empresa ré [...]”.

87

Fato idêntico ocorreu na pesquisa do acórdão AMO-3, já que teve seu filtro decorrente

da expressão organizacional como poder inerente à relação empregatícia, como pode ser

observado no trecho a seguir: “Com relação ao controle de ingestão de líquidos e a

cobrança de metas, as provas produzidas não evidenciaram qualquer atitude patronal

que tenha extrapolado os limites do poder diretivo e organizacional do empregador”.

Como pode ser observado no referencial teórico, o poder diretivo e organizacional do

empregador decorre naturalmente da relação de emprego existente entre as partes,

previsto nos artigos 2º e 3º da CLT, sendo certo que o simples exercício dessa

prerrogativa do empregador não é passível de ser entendido como assédio moral

(DELGADO, 2011), seja em qualquer de suas espécies. Portanto, embora as turmas

julgadoras não tenham entendido por enfrentar os acórdãos AMO-1 e AMO-3 como

hipóteses de assédio moral organizacional, os elementos encontrados nestes serão

analisados conforme elementos caracterizadores apresentados no referencial teórico.

Por sua vez, o acórdão AMO-2 foi selecionado pelo filtro da pesquisa, porque o relator

do TRT6 se utilizou de uma jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª

Região-MA, na qual foi reconhecida a conduta de uma determinada empresa como

sendo assédio moral organizacional, conforme se observa a seguir:

ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. GESTÃO POR

ESTRESSE. STRAINING. PRÁTICA CONSISTENTE NO

INCENTIVO AOS EMPREGADOS DE ELEVAREM SUA

PRODUTIVIDADE, POR MEIO DE MÉTODOS CONDENÁVEIS,

COMO AMEAÇAS DE HUMILHAÇÕES E RIDICULARIZAÇÕES.

DEVIDA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS.

REDUÇÃO DO QUANTUM FICADA PELA INSTÂNCIA A QUO.

A gestão por estresse, também conhecida por assédio moral

organizacional ou straining consiste em uma "técnica gerencial" por

meio da qual os empregados são levados ao limite de sua

produtividade em razão de ameaças que vão desde a humilhação e

ridicularização em público até a demissão, sendo muito mais grave

que o assédio moral interpessoal (tradicional) por se tratar de uma

prática institucionalizada pela empresa, no sentido de incrementar os

seus lucros às custas da dignidade humana dos trabalhadores.

Caracterizada tal situação, é devida indenização pelo dano moral

coletivo causado, que deve ser suficiente, sobretudo, para punir a

conduta (função punitiva) e para desincentivar os infratores (função

pedagógica específica) e a sociedade (função pedagógica genérica) a

incorrerem em tal prática, mas, também para proporcionar, na medida

do possível, a reparação dos bens lesados, como preceitua o art. 13 da

Lei 7.347/85." (Processo 00772-2008-016-16-00-5, Desembargador

Relator Dr. José Evandro de Souza).

88

Muito embora a decisão do TRT6 tenha se utilizado de uma jurisprudência referente ao

assédio moral organizacional, não houve o enquadramento com esta espécie, pois a

prova testemunhal em nada contribuiu para a procedência da ação, ao analisar as

alegações de “pressão psicológica” e a chamada “escala pedagógica com o fim único de

aumentar a pressão e as punições aos seus empregados para se criar motivo para a

dispensa por justa causa ou fazer com que os mesmos solicitem sua demissão”.

O relator do acórdão AMO-2 cuidou de consignar o depoimento da testemunha ouvida

a convite do autor da ação. Contudo, nenhuma das alegações foi devidamente

corroborada pela prova oral produzida. Igualmente ocorreu que a prova documental

encartada aos autos não teve qualquer serventia para essa finalidade, conforme se extrai

do trecho: “[...] observo que não há elementos nos autos que demonstrem que a empresa

ultrapassou seu poder diretivo, não tendo sido comprovada ofensa aos direitos de

personalidade do obreiro, razão pela qual, nego provimento ao apelo [...]”.

Diante da decisão proferida, remete-se o leitor ao que foi apontado no item 2.3.1,

quando se indicou a necessidade de comprovação inequívoca, no processo judicial, das

práticas organizacionais como uma barreira que deve ser superada para que seja

possível ao julgador analisar, enquadrar e reprimir a abusividade através de uma

sentença condenatória, nos termos dos artigos 818 e 373, I, da CLT e do Código de

Processo Civil, respectivamente. Nesse acórdão, a decisão foi desfavorável ao

reconhecimento do assédio moral, em função de elementos de provas que o

respaldassem, ficando desde então prejudicada a análise do acórdão AMO-2.

O acórdão AMO-4 foi selecionado porque a sentença monocrática reconheceu o assédio

moral na espécie organizacional, conforme se observa no trecho abaixo:

Tal controle constitui, portanto, medida abusiva, que expõe o

trabalhador a desarrazoado constrangimento, além de tolher sua

liberdade de disposição do próprio corpo, não podendo se dar sem a

violação da intimidade do trabalhador (art. 3º, III, e 5º, II e X, da CF).

Verifico, portanto, a presença de um assédio moral do tipo

organizacional.

Contudo, em sede de segundo grau de jurisdição, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª

Região deu provimento ao recurso empresarial para afastar o condeno da parcela

89

referente ao assédio moral organizacional. No entanto, conforme já pontuado, a análise

do julgado será realizada a partir dos elementos caracterizadores do assédio moral,

desde que existam informações suficientes descritas na decisão, o que se afigura no

presente acórdão.

Por derradeiro, o acórdão AMO-5 foi selecionado na pesquisa de jurisprudência por

observar condutas organizacionais deletérias da empresa em face de seus empregados,

como pode se inferir da constatação de que [...] houve depoimento das testemunhas em

que é delatada a limitação de uso do banheiro a 5 (cinco) minutos e a prática

organizacional de estigmatizar os que não alcançavam as metas.

Registre-se que, embora exista no acórdão AMO-5 a menção de práticas

organizacionais com a finalidade de estigmatizar o trabalhador, bem como a referida

decisão tenha entendido por condenar a empresa reclamada por tais condutas, não houve

o enquadramento como assédio moral organizacional. Por essa razão, analisaremos os

elementos encontrados na decisão para que possa ser possível verificar ou não os

elementos definidos pela literatura.

4.2.1 Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações postas à análise do

órgão julgador

Partindo-se para análise dos elementos caracterizadores e diferenciadores do assédio

moral interpessoal e organizacional à luz das decisões pesquisadas, percebe-se que há

identidade na alegação dos fatos ensejadores para o ajuizamento das reclamações

trabalhistas que deram ensejo aos respectivos acórdãos.

No acórdão AMO-1, constaram expressamente as razões da inicial, aduzindo-se que:

“[...] O pedido de indenização por danos morais foi formulado pela reclamante na atrial,

sob o fundamento de que havia controle de idas ao banheiro e ainda imposição de

pausas pré-determinadas, o que teria lhe causado pressão psicológica e situação

constrangedora [...]”.

Por seu turno, consta do acórdão AMO-3 que: “A recorrente postula o pagamento de

indenização por danos morais, em razão de assédio moral que teria sofrido no ambiente

90

de trabalho, aduzindo, em síntese, que a empresa restringia o uso do banheiro e

estabelecia metas inadequadas”.

O acórdão AMO-4 inicia a análise do recurso da empresa reclamada abrindo tópico

específico “da indenização por danos morais em decorrência do controle de ida ao

banheiro”. Já no acórdão AMO-5 se analisaram as alegações de: “Anúncio da punição

em público. Assédio moral por restrição ao uso do banheiro e por estigma „ofensora‟”.

Em síntese, pode-se observar que os acórdãos analisados demonstram uma recorrência

nas condutas postas ao crivo do judiciário, conforme se demonstra no quadro abaixo:

Quadro 10 – Análise dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio moral

organizacional, conforme alegação posta a apreciação do órgão julgador

Codificação do acórdão Alegação posta à análise do órgão julgador

AMO-1 Limitação do uso do banheiro

AMO-3 Limitação do uso do banheiro e imposição de metas inexequíveis

AMO-4 Limitação do uso do banheiro

AMO-5 Anúncio de punição em público, limitação do uso do banheiro e estigma

ofensor

Fonte: Autor da pesquisa (2017)

Nesse sentido, a identificação, análise e discussão dos dados terão como ponto de

partida a recorrência das condutas praticadas pela empresa reclamada, segundo

informações apuradas nos acórdãos pesquisados, nos termos do quadro 5. Portanto,

serão estudados o assédio moral interpessoal e organizacional à luz dos julgados do

TRT6, observando-se: a) limitação do uso do banheiro; b) a imposição de metas

inexequíveis; c) o anúncio em público de punição; e d) utilização do estigma ofensor.

a) Limitação do uso do banheiro

Como se observada no quadro 10, a limitação do uso do banheiro foi recorrente em

todos os acórdãos desta pesquisa quando utilizada a expressão assédio moral

organizacional como chave. Tal constatação guarda relação direta com o que a literatura

prevê ao analisar práticas deletérias recorrentes no setor de telemarketing, conforme

91

pontua Venco (2006), ao mencionar que, em algumas organizações, há a exigência de

pedido formal para dirigir-se ao banheiro.

Conforme no item 2.3.2, Alvarenga (2012) pontua a restrição ou controle de uso do

banheiro como prática comumente adotada por empresas do setor de telemarketing, cuja

finalidade não é prejudicar diretamente o empregado, mas, sim, reduzir o tempo no qual

o empregado não está produzindo, fazendo, com isso, que trabalhe por mais tempo e

atinja cada vez mais as metas impostas pela empresa agressora, enquadrando essas

práticas como assédio moral da espécie organizacional.

No mesmo viés, Gosdal e outros (2009, p. 37) explicam que: “Nestas empresas o

assédio moral organizacional é utilizado como estratégia para controle dos empregados,

coibição de formação de demandas individuais e coletivas e, especialmente, aumento da

produtividade, com o controle do tempo de trabalho e do conteúdo das conversas com o

cliente”. Isso porque, embora as organizações busquem basicamente o controle dos

empregados e a otimização dos resultados, para as referidas autoras essas práticas

findam por prejudicar os empregados submetidos a tais circunstâncias,

independentemente da intencionalidade.

Assim, embora a literatura revisitada no referencial teórico faça expressa alusão ao

controle ou restrição do tempo de uso do banheiro como prática que apresenta as

características do assédio moral organizacional, o quadro 10 demonstra que em apenas 1

(um) caso ocorreu a condenação da empresa, mas, ainda assim, não houve o

enquadramento como assédio do tipo organizacional. Por essa razão, faz-se necessário

analisar os elementos caracterizadores, diferenciando o assédio interpessoal do

organizacional.

No acórdão AMO-1, é possível se verificar, a partir dos estudos de Araújo (2006),

Gosdal e outros (2009) e Pohlmann (2014), que os elementos do assédio moral estão

devidamente caracterizados, conforme se observa no trecho transcrito a seguir:

Vale destacar que o controle de ida ao banheiro se trata de

procedimento que se insere no poder de organização das atividades da

demandada, mormente porque, na espécie, não restou demonstrada

qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à

autora, de molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e

dignidade (AMO-1).

92

Do trecho em análise pode-se inferir que o julgador, ao observar a conduta da empresa

ré, reconhece que a prática de controlar a ida do empregado ao banheiro faz parte do

poder diretivo da organização. Dessa maneira, entende-se que estão presentes a

temporalidade (prática duradoura ou permanente) e a repetição (prática utilizada como

processo sistemático), estando presentes os dois primeiros elementos caracterizadores

do assédio moral organizacional.

No que se refere à violência estrutural, observa-se que, no acórdão AMO-1, o órgão

julgador não delimitou o agressor, como se extrai da seguinte passagem: “[...] não

restou demonstrada qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à

autora, de molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e dignidade [...]”. O

que se afina com o conceito seminal de Galtung (1969), ao mencionar que, na violência

estrutural, não se tem relação direta com quem pratica a violência, pois o que importa é

a consequência das práticas. Segundo Pohlmann (2014), a violência estrutural pode ou

não ser intersubjetivada pelo empregado. No caso do acórdão AMO-1, pela simples

distribuição da ação, pode-se inferir que o empregado não internalizou a violência como

algo banal, aceitável ou como necessário à consecução dos fins organizacionais, estando

presente mais um elemento para caracterização do assédio moral organizacional.

A finalidade gerencial foi reconhecida de forma expressa no acórdão AMO-1. Contudo,

o julgador entendeu que a conduta da empresa de controlar/restringir o tempo de

banheiro dos empregados, em detrimento dos objetivos empresariais, é algo que se

insere dentro de um contexto de normalidade. Isso é o que se pode concluir da

afirmação exposta no acórdão, ao registrar que:

[...] Ademais, não se pode desconsiderar o fato de que a atividade

exercida pela reclamante exige que metas de qualidade sejam

alcançadas, de maneira que o exercício de poder organizacional, pela

empresa ré, não ultrapassou o limite do razoável[...] (AMO-1).

Notadamente a intersubjetivação descrita por Pohlmann (2014) não foi assumida pelo

trabalhador. No entanto, infere-se do trecho extraído do AMO-1 que o órgão julgador,

não apenas reconheceu as práticas camufladas pelo discurso empresarial, como

concedeu validade formal de gerir os empregados por entender como algo essencial para

o atingimento das metas e qualidades almejadas.

93

A conclusão adotada no acórdão AMO-1 encaixa-se com exatidão no item objetivos e

finalidades do processo, estampado no quadro 5, ao dispor que a finalidade da

implementação das práticas deletérias ao trabalhador: “Pretende alcançar, ou manter,

determinados objetivos empresariais ou institucionais relativos a índices de

produtividade e/ou atingimento de resultados, ao controle dos trabalhadores e aos custos

do trabalho” (GOSDAL et al, 2009, p. 39-40).

Quanto à violação dos direitos do empregado, como último elemento caracterizador do

assédio moral organizacional, o acórdão AMO-1 consignou que “[...] não restou

demonstrada qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à autora, de

molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e dignidade [...]”. A decisão

trilhou este caminho porque, como visto, elemento caracterizador anteriormente

analisado, a prática de restringir o uso do banheiro foi intersubjetivada pelo órgão

julgador como algo regular e justificado pela necessidade de a organização atingir as

metas e a qualidade esperada no serviço.

Dito de outra maneira, para o órgão julgador, proibir ou limitar o acesso do empregado

ao banheiro é a expressão do que prevê a legislação consolidada como sendo o poder

diretivo do trabalhador. Contudo, é necessário ser observado o senso de razoabilidade

nas práticas de gerenciamento das organizações, pois, embora o poder diretivo do

empregador seja legalmente previsto no artigo 2ª da CLT, este não pode ser entendido

como direito absoluto, pois deve ser pautado em respeito aos princípios da dignidade da

pessoa humana e à privacidade.

Conforme apontam Nascimento (2011) e Delgado (2011), é prerrogativa do empregador

definir, dirigir, regulamentar e fiscalizar a prestação dos serviços, dentro do limite

daquilo que foi contratualmente pactuado, sempre observando os princípios gerais e

específicos do direito, principalmente no que se refere à dignidade da pessoa humana e

à privacidade.

A dignidade da pessoa humana, como observado no referencial teórico, faz parte dos

direitos fundamentais consagrados pele Constituição Federal de 1988. Nesse sentido,

Barroso (2010) afirma que a afronta ao referido princípio deve ser oponível a eventuais

desmandos dos empregadores, seja qual for a sua natureza. Estendendo-se, por dedução,

94

às práticas gerenciais que visam atingir os objetivos empresarias, sem se preocupar com

os danos diretos e reflexos que podem causar aos trabalhadores, de modo que, embora o

acórdão AMO-1 tenha concedido validade à prática perpetrada pela organização,

entende-se que tal conduta viola o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sarlet (1999), analisando as premissas do meio ambiente do trabalho, aponta que é

imperioso conceder força aos princípios fundamentais que dão suporte aos direitos

sociais do empregado, pois, apenas dessa forma se pode atingir a finalidade teleológica

das normas para consagração da dignidade da pessoa humana. Conforme expõe

Coutinho (2013), o meio ambiente equilibrado também é um direito assegurado ao

trabalhador e está relacionado ao direito constitucional do trabalho, permitindo ao

empregado desenvolver suas potencialidades, mediante concessão por parte do

empregador de práticas de gestão responsáveis que propiciem um ambiente de trabalho

harmônico.

Percebe-se que a proibição ou restrição do trabalhador de utilizar o banheiro fere uma

das principais características que diferenciam os homens das máquinas, pois pressupõe

que as necessidades fisiológicas dos trabalhadores dependem de tempo ou número de

vezes suficientes para toda uma empresa. Dito de outra maneira, a medida se constitui

como constrangedora, pois deve o empregado pedir para ir ao banheiro, sendo

autorizado ou não por seu superior hierárquico. Quando autorizado, o empregado pode

ir ao banheiro, mas de modo que não demore muito, pois, conforme restou registrado no

acórdão AMO-1, a empresa possui metas e objetivos de qualidade a serem supridos.

No acórdão AMO-3, o órgão julgador foi mais objetivo. Nessa decisão, não houve

análise dos elementos caracterizadores do assédio moral (de qualquer espécie), apenas

fez-se menção a uma jurisprudência e doutrina exclusivamente no que se refere ao dano

moral, que, conforme observado no referencial teórico, seria o resultado do assédio

moral em qualquer de suas espécies. Esse tipo de decisão é prejudicial à análise do

direito do trabalhador, mormente porque vem corroborar a inquietação externada por

Gosdal e outros (2009) e Pohlmann (2014), ao consignarem que, embora o dano moral

seja recorrentemente analisado pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando ocorrem

nessas condições, as condenações (ou absolvições) sequer analisam as condutas levadas

a efeito pelas organizações, mas apenas por seus prepostos.

95

O acórdão AMO-3, sucintamente, registrou, em outras palavras, que é razoável

restringir o tempo de utilização e idas ao banheiro, pois são concedidas, durante a

jornada de trabalho do atendente de telemarketing, 2 (duas) pausas de 10 (dez) minutos

e uma de 20 minutos, para descanso e alimentação, conforme se observa a seguir:

Com efeito, a testemunha da autora, no processo nº 0001088-

75.2013.5.06.0018, prova emprestada, confirmou existir uma pausa de

20 minutos durante a jornada de trabalho e outras duas pausas de 10

minutos, para fazer o que quiser, inclusive ir ao banheiro, o que

denota razoabilidade na concessão dos intervalos, in verbis: "que o

empregado possuía durante as seis horas, duas pausas de 10 minutos

cada e uma de 20 minutos; que poderiam registrar no sistema uma

pausa pessoal por exemplo para ir ao banheiro" (id 2d9eb99) (AMO-

3).

Nem mesmo quando é utilizada a força animal para execução de serviços, analogia sem

qualquer especismo, lhe é tolhido ou regulado o direito destes a suas necessidades

básicas. Portanto, infere-se que tolher o empregado desse direito básico ocasiona um

desequilíbrio e desrespeito do meio ambiente laboral equilibrado, exercido para o

aumento da produtividade, fazendo com que muitos empregados deixem de consumir a

quantidade de líquido necessária para o funcionamento sadio do corpo, para reduzirem a

quantidades de pausas, podendo ser notadamente configurada violação à dignidade e

intimidade do trabalhador, nos termos dos artigos 3º, III, e 5º, I e X, da Constituição

Federal de 1988. Essa foi a conclusão da sentença proferida pelo Juiz monocrático na

decisão do acórdão AMO-4, da qual transcreve-se o trecho a seguir:

Tal controle constitui, portanto, medida abusiva, que expõe o

trabalhador a desarrazoado constrangimento, além de tolher sua

liberdade de disposição do próprio corpo, não podendo se dar sem a

violação da intimidade do trabalhador (art. 3º, III, e 5º, II e X, da CF).

Verifico, portanto, a presença de um assédio moral do tipo

organizacional.

Sendo assim, defiro o pagamento de R$ 5.000,00 a título de

compensação pelos danos morais sofridos pelo demandante (AMO-4).

Diante do trecho da sentença acima, extraída do acórdão AMO-4, pode ser observado

que o juiz monocrático não apenas enquadrou a conduta como exorbitante ao poder

diretivo do trabalhador, como consignou a violação aos princípios da dignidade da

pessoa humana e da privacidade, em função do desrespeito aos direitos básicos do

trabalhador. Tal decisão, se mantida integralmente, não apenas teria deferido o pedido

96

indenizatório formulado pelo trabalhador, mas teria realizado o enquadramento de

acordo com o que literatura pesquisada denomina de assédio moral organizacional.

Contudo, conforme já mencionado, a decisão proferida em sede de primeiro grau de

jurisdição foi reformada pelo acórdão AMO-4, sendo o pedido do empregado julgado

improcedente. Dito de outra maneira, o pedido indenizatório não foi reconhecido com

base em qualquer das espécies de assédio.

O acórdão AMO-4, ao reformar a decisão originária, fundamentou-se nas disposições

dos artigos 186, 187 e 927 do CCB. Acrescentou o órgão julgador de segunda instância

que cabia ao empregado comprovar suas alegações, nos termos dos artigos 818 da CLT

e artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil (atual dicção do artigo 373, I do

CPC/2015).

Ante a ausência de legislação específica que trate sobre assédio moral, conforme

observado no item 2.3.1 deste estudo, aplicam-se subsidiariamente as normas do direito

comum, cabendo ressaltar que é prerrogativa do julgador, através do princípio do livre

convencimento motivado, a análise das provas produzidas nos autos com a finalidade de

se proferir a decisão condenatória ou não. No entanto, conforme mencionado nas

aproximações metodológicas, a análise de conteúdo das decisões deste estudo tem como

parâmetro o que diz a literatura pesquisada, com a finalidade de se verificar a adequação

desta com as decisões proferidas na prática.

Verifica-se que o fundamento do acórdão AMO-4 pauta-se inicialmente no fato de que

o empregado não teria se desconstituído de seu ônus probatório de provar que houve

restrição ou impedimento do uso do banheiro, transcrevendo o órgão julgador trecho de

provas colacionadas aos autos, nos seguintes termos:

A testemunha de iniciativa da parte reclamante no processo nº

0000292-75.2013.5.06-0021,TAYANNA NATALIA MAGALHAES

COSTA, cuja ata foi juntada a estes autos como prova emprestada,

disse (Id - 047091a): "que prestou serviços para o Itaú e era

empregada da 3ª demandada; (...); que trabalhou como atendente no

receptivo cumprindo jornada das 7 às 14h, com intervalo de 20

minutos para refeição e duas pausas de 10 minutos para ir ao banheiro

e para tomar água; que no caso de urgência tirava outras pausas,

entretanto, devia ter autorização do supervisor; (...)".Destaquei.

97

E a testemunha da parte autora no processo no. 0001088-

75.2013.5.06-0018, RAFAEL DANTAS DE SANTANA (Id -

8cd78b4), embora tenha declarado a possibilidade de o empregado

sofrer advertência verbal pela utilização da pausa pessoal, deixou

claro que a punição somente seria imposta "se tivesse mais de três

pausas pessoais por dia ou se demorassem muito no banheiro" (AMO-

4).

Do cotejo das provas apresentadas no acórdão AMO-4, pode-se inferir que o

entendimento do órgão julgador foi contrário ao da literatura analisada (GOSDAL et al.,

2009), pois restou demonstrado textualmente o registro de que a empresa não apenas

controlava o número de vezes em que o empregado se ausentava para ir ao banheiro,

mas também o tempo que ele demorava para ir e voltar, sendo passível inclusive de

sofrer punição em caso de demora excessiva.

Em sentido contrário ao que dispõe a literatura revisitada, consta do acórdão AMO-4

que o controle do tempo de ida ao banheiro é procedimento que se insere no poder de

organização da empresa, conforme pode ser verificado no trecho destacado a seguir:

Vale destacar que o controle de ida ao banheiro se trata de

procedimento que se insere no poder de organização das atividades da

demandada, mormente porque, na espécie, não restou demonstrada

qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à

autora, de molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e

dignidade.

Aliás, como visto em outras demandas envolvendo as empresas rés, o

empregador apenas organizava o fluxo, dada a necessidade de manter

o atendimento às ligações, o que não exorbita, ao que me parece, o seu

poder diretivo.

Além disso, o reclamante não denunciou nenhuma ocorrência no

sentido de que, de fato, tenha necessitado se ausentar do posto de

serviço para satisfação de necessidade fisiológica e a reclamada tenha

lhe impedido (AMO-4).

Pode ser observado um nítido contraponto entre o que prevê a literatura e as

considerações lançadas no acórdão pelo órgão julgador, sendo importante ressaltar as

palavras de Dias (2015), ao pontuar que as estratégias de gestão não podem prestigiar a

violação dos diretos dos empregados, pois, como apontam Trujillo Flores, Valderrabano

Almegua e Hernández Mendoza (2007), o poder diretivo em organizações saudáveis é

limitado ao respeito à dignidade da pessoa humana, e o bem-estar físico, psicológico e

social dos trabalhadores deve estar acima de qualquer interesse empresarial.

98

É possível observar que há uma nítida contradição no acórdão AMO-4, à luz do que

dispõe a literatura especializada, pois restou incontroversamente registrado que o

controle de idas e o tempo de utilização do banheiro faz parte da característica estrutural

da organização, procedimento este inclusive referenciado em outras demandas já

julgadas perante o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. Por outro lado, resta

consignado na mesma decisão que o empregado não teria comprovado que efetivamente

tenha ocorrido consigo tal restrição. Dito de outra maneira, se a restrição faz parte da

característica estrutural da empresa, visando atender seus objetivos, não seria crível que

apenas com esse empregado a conduta da empresa seria diferente.

O acórdão AMO-5 reconheceu a lesividade das práticas operacionalizadas pela empresa

Contax. Contudo, tal reconhecimento foi genérico, ou seja, não especificou qual espécie

de assédio moral foi reconhecido. Conforme sintetizado no quadro 10, foram postos à

análise do judiciário no respectivo processo: o anúncio de punição em público, a

restrição do uso do banheiro e a imposição de estigma “ofensora”. No entanto, neste

item, será analisada a parte do acordão que trata sobre a restrição do tempo de utilização

do banheiro, conforme já realizado nos acórdãos anteriores.

No acórdão AMO-5, se evidenciam a temporalidade e a repetição, estando presentes os

dois primeiros elementos caracterizadores do assédio moral organizacional, conforme se

depreende dos trechos a seguir destacados:

Conforme pontuou a Magistrada sentenciante, houve depoimento das

testemunhas em que é delatada a limitação de uso do banheiro a 5

(cinco) minutos e a prática organizacional de estigmatizar os que não

alcançavam as metas.

[...]

Também é possível extrair, do depoimento da terceira testemunha,

Sra. Leyla Gabriela Viana da Silva Carvalho, que "atualmente o

supervisor não vai mais pegar o empregado no banheiro", pelo que se

infere que essa era prática corrente na organização empresarial

(AMO-5).

Vê-se que a prática de limitar o uso do banheiro é recorrente, utilizada como forma de

organizar e atingir os objetivos organizacionais, ou seja, está igualmente presente a

característica estrutural. Diante de tais elementos, já delimitados e do reconhecimento

do caráter estrutural, se torna inafastável inferir que tais práticas visavam

exclusivamente à maximização dos resultados da empresa.

99

Também é possível extrair, do depoimento da terceira testemunha,

Sra. Leyla Gabriela Viana da Silva Carvalho, que "atualmente o

supervisor não vai mais pegar o empregado no banheiro", pelo que se

infere que essa era prática corrente na organização empresarial.

A prática deletéria de reunir na "coreografia" os componentes da

equipe e impingir o tratamento de "ofensores" àqueles que não

atingiam as metas é degradante. E também não pode ser harmonizado

com o princípio da dignidade humana a limitação de pausa pessoal

que, ao fim e ao cabo, não era contabilizada no tempo de jornada

efetiva (AMO-5).

Ainda analisando o acórdão AMO-5, o órgão julgador consignou expressamente a

violação dos direitos dos empregados, conforme pode ser verificado no trecho que

segue:

O ato de limitação do uso do banheiro constitui afronta à dignidade da

pessoa humana – fundamento da República, conforme art. 1º, inciso

III, da Carta Cidadã – e também à intimidade, garantia insculpida no

art. 5º, inciso X, também da Constituição da República. Trata-se de

atitude que causa constrangimento ilegal (AMO-5).

Portanto, assim como nos demais casos analisados, o acórdão AMO-5 reconheceu a

existência de todos os elementos caracterizadores para o enquadramento do assédio

moral organizacional. A diferença desta decisão e das demais analisadas repousa no fato

de que apenas o acórdão AMO-5 se reconheceram as práticas como deletérias à saúde

do trabalhador e, por esse fundamento, se condenou a empresa ao pagamento de

indenização por danos morais, mas sem enquadrar tais práticas como assédio moral

organizacional.

Uma passagem específica do acórdão AMO-5 ressalta que a atuação dos prepostos

poderia inclusive incorrer no enquadramento da falta grave tendente a propiciar o

deslinde do contrato de trabalho por culpa do empregador, conforme se extrai do trecho

a seguir:

Destaco que a atuação de prepostos da Empregadora, seja por

violação da intimidade (restrição ou limitação do uso do banheiro),

seja por lesão a sua honra (estigma de "ofensora") poderia resultar na

falta grave capitulada na alínea e do art. 483 da CLT (AMO-5).

Esclarece-se que o artigo 483, alínea “e” da CLT, prevê as hipóteses de rescisão indireta

do contrato de trabalho, ao preceituar que:

100

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e

pleitear a devida indenização quando:

[...]

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de

sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

Em uma leitura mais apurada, extrai-se uma contradição entre os fundamentos do

acórdão AMO-5, já que o caráter estrutural e a finalidade gerencial foram evidenciadas

em passagens anteriores, como a que segue transcrita, ao se referir à prática

organizacional nos seguintes termos:

Ela é reprovável, considerados os limites de urbanidade e respeito que

devem nortear as relações interpessoais no ambiente de trabalho.

Tanto pior se se revelar, como no caso dos autos, como política

institucional em busca dos resultados, mediante o constrangimento

em forma de pecha lançada à trabalhadora (AMO-5).

Diante de tal constatação, revela-se que o órgão julgador mais uma vez analisou as

condutas postas a sua apreciação como dano moral ou assédio moral genérico,

destacando desta vez a atuação deletéria dos prepostos da empresa.

Analisando sob a ótica prática, o empregado assediado irá receber a indenização

correspondente ao agravo a ele causado. Contudo, deve-se ressaltar que a atuação dos

prepostos decorreu das práticas institucionalizadas pela empresa, conforme destacado

no próprio acórdão AMO-5, de modo que se observa a resposta da justificada prática

apresentada no início deste estudo. Uma das contribuições deste trabalho é apresentar à

empresa um panorama das causas que levam os empregados a ajuizarem ações

pleiteando o reconhecimento do assédio moral, e, consequentemente, a condenação por

danos morais.

Conforme menciona Pohlmann (2014), as decisões oriundas da Justiça do Trabalho

muitas vezes não são específicas ao ponto de demonstrar origem do problema, ou seja,

neste caso quem de fato está ocasionando o assédio, findando por tornar culpado o

preposto da empresa, que agiu como mero executor de ordens, enquanto o assédio moral

organizacional fica invisibilizado, como ocorreu no caso do AMO-5.

Extrai-se do acórdão AMO-5 2 (duas) decisões da instância superior no âmbito da

Justiça do Trabalho no Brasil. Registra-se que, embora o intuito deste estudo seja

analisar apenas as decisões proferidas em sede de segundo grau de jurisdição no

101

domínio do TRT6, permite-se a utilização destas por constar do corpo do acórdão como

fundamento de decidir, expondo que:

[...] DANO MORAL. RESTRIÇÃO À UTILIZAÇÃO DO

BANHEIRO. ÔNUS DA PROVA. O e. TRT valorou a prova

produzida (prova testemunhal) para asseverar que foram preenchidos

os requisitos ensejadores da indenização por dano moral, decorrentes

da restrição ao uso do banheiro: o dano moral (a testemunha

presenciou o constrangimento a que era submetida à autora, pelas idas

ao banheiro), a culpa do empregador e o nexo causal (qualquer ida ao

banheiro era registrada no sistema e sofria desconto nos salários fixo e

variável, além do constrangimento de ser questionada pelo supervisor

se estava com dor de barriga ou incontinência urinária na presença de

outras pessoas). Incólumes os artigos da Constituição Federal e de lei

invocados. Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR -

100-62.2009.5.01.0041 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra

Belmonte, Data de Julgamento: 25/03/2015, 3ª Turma, Data de

Publicação: DEJT 31/03/2015).

[...] 5. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LIMITAÇÃO

PARA UTILIZAÇÃO DO BANHEIRO. AVALIAÇÕES. O Regional

concluiu que: - os depoimentos colhidos nos autos deixam claro que

as idas ao banheiro necessitavam ser requeridas e autorizadas,

podendo, inclusive, ser postergadas. Por outro lado, quanto às

avaliações, o Regional ressaltou que: - no que concerne ao

constrangimento vivenciado pela Acionante em razão de ser

pressionada e avaliada negativamente na frente dos demais

empregados, também a prova oral não socorre a Demandada, na

medida em que a testemunha ouvida a fls.167 afirmou que as

avaliações ficavam expostas nas 'ilhas' de trabalho com o símbolo de

uma mão com o polegar para cima ou para baixo ao lado do nome do

empregado, conforme sua avaliação. Diante de tais premissas fáticas,

cujo teor é insuscetível de reexame nesta Corte Superior, nos termos

da Súmula 126/TST, descabe cogitar de violação do art. 927 do

Código Civil. Recurso de revista não conhecido" (RR - 87300-

57.2007.5.01.0242 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de

Julgamento: 03/12/2014, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT

05/12/2014)

Através da leitura das ementas acima, oriundas do Tribunal Superior do Trabalho, é

possível observar que a limitação ou restrição ao uso do banheiro é reconhecida, ao

menos por parte dos ministros, como ilícito de ordem trabalhista, cabendo a devida

reparação por danos morais, assim como apontado pelo acórdão AMO-5. No entanto,

verifica-se que, embora a restrição do uso do banheiro não tenha sido reconhecida como

elemento do poder diretivo do empregador nos acórdãos do Tribunal Superior do

Trabalho e no acórdão AMO-5, analisado amiúde neste estudo, se enquadra a referida

prática como apontado pela literatura, ou seja, como assédio moral organizacional.

102

Quadro 11. Análise dos dados coletados a partir dos elementos caracterizadores do Assédio

Moral Organizacional.

Limitação do uso do banheiro

Acórdão Tempora

lidade Repetição

Característica

estrutural

Finalidade

gerencial

Violação

de

direitos

Condenação AMO

AMO-1 Sim Sim Sim Sim Sim Não Não

AMO-3 Sim Sim Sim Sim Sim Não Não

AMO-4 Sim Sim Sim Sim Sim Não Não

AMO-5 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não

Fonte: Autor da pesquisa (2017)

Nos casos de limitação ou restrição do uso do banheiro, restaram devidamente

identificados os elementos caracterizadores do assédio moral organizacional (ARAÚJO,

2006; GOSDAL et al., 2009; POHLMANN 2014). Conforme se observa nos trechos

dos acórdãos transcritos, a prática analisada faz parte da política institucional da

empresa (AMO-5), sem individualizar o alvo/empregado assediado, pois o que se

objetiva com a implementação dessas condutas é eficiência do resultado final da

organização, independentemente se poderá trazer resultados negativos aos empregados.

Portanto, ao contrário do que foi mencionado no acórdão AMO-5, a prática do assédio

moral organizacional não parte dos prepostos da empresa, estes apenas são utilizados

como instrumentos para implementação das políticas institucionais, tendo a organização

participação ativa no cometimento dessa conduta negativa, pois dela decorrem as ordens

para que seus prepostos executem.

b) Imposição de metas inexequíveis

A alegação de imposição de metas inexequíveis foi identificada na análise do acórdão

AMO-3, ao dispor a apreciação do poder judiciário que:

A recorrente postula o pagamento de indenização por danos morais,

em razão de assédio moral que teria sofrido no ambiente de trabalho,

aduzindo, em síntese, que a empresa restringia o uso do banheiro e

estabelecia metas inadequadas.

Nunes e Tolfo (2013) reconhecem a possibilidade de algumas organizações se

utilizarem de práticas deletérias à saúde do trabalhador para atingir os objetivos

traçados, citando o cumprimento de metas como uma delas. Nesse mesmo sentido,

103

Alvarenga (2012), ao distinguir o assédio moral individual (interpessoal) do assédio

moral organizacional, esclarece que na espécie organizacional as empresas submetem

seus empregos a políticas agressivas de metas.

Sob a ótica de Araújo (2006), a imposição de metas inadequadas aos empregados pode

ser compreendida como prática caracterizadora do assédio moral organizacional. Soboll

(2008) aponta a imposição de metas acima da capacidade dos empregados como táticas

de gestão para extrair o máximo do empregado.

Contudo, infere-se dos referidos textos que deverá ser observado, além dos elementos

caracterizadores do assédio moral organizacional, se as metas submetidas foram

superiores aos limites daquilo que é razoavelmente aceito, ou seja, se tais metas são

exequíveis sem causar distúrbios de ordem psíquica ou física nos trabalhadores.

Ao analisar o acórdão AMO-3, o julgador deixou claro que o trabalhador atingiu os

objetivos apresentados pela empresa durante o tempo que trabalhou, fato que levou a

raciocínio dedutivo de que as metas estabelecidas eram passíveis de cumprimento, ao

contrário do que foi alegado pelo empregado. É o que se extrai do trecho a seguir: “[...]

No que tange ao estabelecimento de metas inadequadas, a mesma testemunha declarou

que „durante um ano e seis meses, ele depoente batia as suas metas‟, não confirmando

as alegações da autora [...]” (AMO-3). Em outras palavras, infere-se que o julgador

entendeu que, não havendo exacerbação na imposição das metas, não haveria a violação

de direitos dos trabalhadores.

A decisão poderia ser analisada mais detalhadamente para se verificar se a prática

denunciada tem enquadramento na caracterização do assédio moral organizacional.

Contudo, o acórdão AMO-3 é extremamente resumido, não sendo possível inferir se

tratava de conduta exclusivamente com o empregado queixoso, ou se esta prática estaria

inserida na finalidade gerencial da empresa, justificando-se a violência estrutural.

Portanto, à míngua de elementos concretos de análise de dados, entende-se que restou

prejudicada a análise desta suposta prática, uma vez que não foi devidamente

comprovada e reconhecida processualmente.

c) Anúncio de punição em público

104

O anúncio da punição em público, identificado no acórdão AMO-5, foi reconhecido

tanto pelo magistrado de primeiro grau quanto pelo órgão de segundo grau como tendo

ocasionado dano de natureza extrapatrimonial ao trabalhador.

No caso em exame, a empresa Contax realizou a demissão do trabalhador por justa

causa, sendo esta revertida em razão da ausência de provas cabais que comprovassem os

motivos justificadores para a adoção de medida extrema capitulada no artigo 482 da

CLT.

De início, se observa que não há temporalidade ou repetição na conduta da empresa, ao

menos no que se refere a essa conduta, pois a aplicação da penalidade decorreu

equivocadamente do descumprimento de normas internas ocorridas uma única vez,

como se denota da decisão proferida nos seguintes termos: “[...]A Reclamante não

parece ter sido admoestada durante o curso do vínculo de emprego[...]” (AMO-5).

Nesse sentido, pode-se inferir que a ausência de enquadramento do acórdão AMO-5 à

espécie organizacional encontra respaldo na inexistência de ao menos 2 (dois) dos

elementos caracterizadores definidos no quadro 4.

Registre-se que, embora não se tenha caracterizado o assédio moral organizacional em

face do empregado dispensado por justa causa, a punição aplicada a ele foi utilizada

pela empresa com a finalidade de amedrontar e ameaçar os demais que permaneceram

trabalhando, conforme pode se observar da seguinte passagem:

O documento de ID nº c03b845 revela, indubitavelmente, que foi

alardeada, por prepostos da Demandada, a dispensa motivada da

"colaboradora Alexsandra", findando com uma advertência: "muito

cuidado pois ainda terá mais (AMO-5)".

Segundo Soboll (2008) e Soboll e Horst (2015), a gestão por medo é uma expressão do

assédio moral organizacional, ou seja, é a estratégia utilizada por algumas empresas

para atingirem seus objetivos. Pohlmann (2014) explica que muitos são os casos em que

os empregados são punidos sem sequer cometerem faltas que se reputem

verdadeiramente graves o suficiente para ensejar a aplicação da justa causa, sendo a

penalidade aplicada com a finalidade de imprimir o medo nos trabalhadores que

permanecerão na empresa.

105

Assim, deve-se registrar que foram identificados indícios de gestão por medo no

acórdão analisado. No entanto, não é possível se aferir através de dados disponíveis no

acórdão AMO-5 se haveria o enquadramento do assédio moral organizacional no caso

dos empregados remanescentes, pois seriam demandados mais elementos de análise,

que não foram estampados no acórdão.

d) Imputação de estigma

A imputação de estigma “ofensora” a empregada foi a última conduta identificada nos

acórdãos selecionados através das palavras-chave assédio moral organizacional e

empresa Contax. No acórdão AMO-5, restou consignado através dos depoimentos das

testemunhas que o estigma ofensor decorre do suposto desempenho insatisfatório das

vendas, quando é imposto ao trabalhador tratamento vexatório, conforme se pode inferir

do trecho a seguir: “que a maioria dos atendentes eram chamados de ofensores, pois não

batia metas" (trecho de depoimento da Sra. Geane Maria Batista da Silva, testemunha,

v. Ata de ID nº b9632ae - Pág. 2).

É possível deduzir dos depoimentos que a prática de nominar o empregado como

ofensor se protrai no tempo, pois é inserida como estigma pejorativo a fim de atingir

aquele que não entregasse as metas estabelecidas, estando presente o elemento da

temporalidade. De igual maneira, a repetição é característica no acórdão estudado, na

medida em que restou consignado no acórdão que “[...] recebiam pecha de „ofensores‟

os que não atingiam a meta estipulada, assevera que assim se fazia no tempo em que a

Obreira trabalhava para a Acionada” (AMO-5).

A característica estrutural da violência não guarda relação direta com quem a pratica, ou

seja, o agressor, pois a prática está inserida no método de gestão da empresa, conforme

pode se verificar no acórdão AMO-5. Tanto pior se se revelar, como no caso dos autos,

como política institucional em busca dos resultados, mediante o constrangimento em

forma de pecha lançada à trabalhadora. Nota-se que não se individualiza o agressor,

pois essa prática está estruturada na raiz da organização.

De igual modo, observou-se a presença do elemento caracterizador finalidade gerencial.

Indicando que a prática da conduta não tem por intenção prejudicar o empregado, mas

106

visa estigmatizá-lo para forçar que ele atinja a meta estipulada. Nota-se que não há a

individualização do(s) alvo(s) ou intenção de degradação da(s) vítima(s) (HIRIGOYEN,

2010), elementos característicos do assédio moral interpessoal, conforme se extrai do

trecho: “Não se pode contemplar a prática organizacional que estigmatiza de „ofensora‟

aquela que não atingir as metas” (AMO-5).

O fato de não haver a intenção direta em degradar o ambiente organizacional, não

importa na ausência de violação de direitos dos empregados, que pode ocorrer pelo

simples fato do empregador assumir esse risco em detrimento de atingir seus objetivos

empresariais. Portanto, havendo a degradação do ambiente de trabalho, ocorrerá a

violação dos direitos do empregado, conforme reconhecido no acórdão AMO-5, nos

seguintes termos:

A prática deletéria de reunir na "coreografia" os componentes da

equipe e impingir o tratamento de "ofensores" àqueles que não

atingiam as metas é degradante. E também não pode ser harmonizado

com o princípio da dignidade humana a limitação de pausa pessoal

que, ao fim e ao cabo, não era contabilizada no tempo de jornada

efetiva.

Dessa maneira, no acórdão analisado sob o prisma do estigma ofensor, o órgão julgador

entendeu por deferir o pedido de indenização por danos extrapatrimoniais, mas não

especificou em seus fundamentos, se tratou o tema como assédio moral interpessoal ou

na espécie organizacional. No entanto, diante dos elementos caracterizadores

identificados no acórdão analisado, pode-se inferir que estão presentes as características

do assédio moral organizacional, conforme previsão da literatura.

Quadro 12 – análise dos acórdãos conforme práticas adotadas, condenação e reconhecimento da

espécie assédio moral organizacional.

Acórdão

Limitação

do uso do

banheiro

Imposição

de metas

inexequíveis

Anúncio de

punição em

público

Estigma

“ofensor” Condenação

Reconhece o

AMO

AMO-1 Sim Não Não Não Não Não

AMO-3 Sim Sim Não Não Não Não

AMO-4 Sim Não Não Não Não Não

AMO-5 Sim Não Sim Sim Sim Não

Fonte: Autor da pesquisa (2017)

107

Diante dos elementos caracterizadores encontrados nos acórdãos AMO-1, AMO-3

AMO-4 e AMO-5, pode-se afirmar que a prática da limitação quanto ao uso do banheiro

e a imposição do estigma ofensor, conforme analisado, afina-se com o que a literatura

aponta como assédio moral organizacional. No entanto, o TRT6 reconheceu a

abusividade das condutas apenas no acórdão AMO-5, no que se refere à prática do

estigma “ofensor”, e mesmo assim sem fazer referência à espécie de assédio em que se

enquadram as condutas.

4.3 Identificação dos acórdãos selecionados como assédio moral

Realizada a análise dos acórdãos que foram identificados com as palavras-chave assédio

moral organizacional e empresa Contax, passa-se a analisar os acórdãos que foram

selecionados com a utilização das palavras-chave assédio moral e empresa Contax.

A seleção dos acórdãos com a utilização das palavras-chave assédio moral e empresa

Contax é intencionalmente genérica, na medida em que se pretende verificar se as

condutas consignadas nas decisões como assédio moral (genericamente considerado)

amoldam-se, segundo a literatura analisada, como assédio moral organizacional.

Utilizando o argumento de pesquisa assédio moral e empresa Contax, 27 (vinte e sete)

acórdãos foram selecionados e receberam codificação (MORAES, 2003). Estão

relacionados abaixo:

Quadro 13 – Codificação dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio moral,

conforme roteiro constante do apêndice 1

Codificação

do acórdão Ré Número do processo

Enquadramento

como assédio

moral

Condenação Valor

AM-1 Contax 00494-23.2015.5.6.0008 Não Não R$ 5.000,00

AM-2 Contax 00754-39.2016.5.6.0017 Não Não -

AM-3 Contax 01437-50.2014.5.6.0016 Não Não -

AM-4 Contax 01128-11.2016.5.6.0020 Não Não -

AM-5 Contax 10233-82.2013.5.6.0010 Não Não -

AM-6 Contax 01470-60.2016.5.6.0019 Não Não -

AM-7 Contax 00160-23.2014.5.6.0008 Não Não -

AM-8 Contax 00627-65.2015.5.6.0008 Não Não -

AM-9 Contax 00685-96.2014.5.6.0010 Não Não -

108

AM-10 Contax 00242-12.2014.5.6.0022 Não Não -

AM-11 Contax 00244-05.2015.5.6.0003 Não Não -

AM-12 Contax 00779-56.2014.5.6.0006 Não Não -

AM-13 Contax 00847-66.2015.5.6.0007 Não Não -

AM-14 Contax 10313-49.2013.5.6.0009 Sim Sim R$ 5.000,00

AM-15 Contax 01605-42.2015.5.6.0008 Não Não -

AM-16 Contax 01094-71.2016.5.6.0020 Não Sim R$ 5.000,00

AM-17 Contax 01124-68.2014.5.6.0023 Não Não -

AM-18 Contax 01111-38.2014.5.6.0001 Sim Sim R$ 5.000,00

AM-19 Contax 00351-68.2014.5.6.0008 Sim Sim R$ 3.000,00

AM-20 Contax 00732-46.2014.5.6.0018 Sim Sim R$ 3.000,00

AM-21 Contax 00918-65.2015.5.6.0008 Não Não -

AM-22 Contax 00753-64.2014.5.6.0004 Não Sim R$ 3.000,00

AM-23 Contax 1542-15.2014.5.06.0020 Não Não -

AM-24 Contax 0050-03.2014.5.06.0015 Sim Sim R$ 5.000,00

AM-25 Contax 0337-08.2015.5.06.0022 Não Não -

AM-26 Contax 0239.68.2015.5.06.0007 Não Não -

AM-27 Contax 0718-13.2014.5.06.0002 Não Não -

Fonte: Autor da pesquisa (2017)

Observa-se do quadro 13 que em 8 (oito) dos 27 (vinte e sete) acórdãos analisados o

TRT6 reconheceu os direitos dos empregados em receber indenizações que variaram

entre R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Dentre os acórdãos selecionados neste item, foi possível observar em análise prévia que

nenhum enquadrou a conduta da empresa como assédio moral organizacional. Portanto,

a análise dos dados não se aterá apenas à nomenclatura utilizada pelos julgadores, mas

observará as características e elementos descritos na conduta supostamente praticada

pela empresa Contax, assim como procedido na análise dos acórdãos analisados no item

4.2.

A análise será realizada a partir da verificação das práticas de gestão recorrentes nos 27

(vinte e sete) acórdãos, devendo restar registrado que em 2 (dois) deles foram colocadas

à apreciação do judiciário 2 (duas) práticas numa mesma ação.

No acórdão AM-1, a prática analisada pelo órgão julgador foi a humilhação que uma

supervisora sofria em razão de condutas levadas a efeito por sua gerente, sendo

109

constatado que “[...]a reclamante era humilhada pela superiora hierárquica”. As provas

produzidas neste acórdão convenceram o órgão julgador da procedência dos pleitos

formulados pelo empregado, gerando a condenação no importe de R$ 5.000,00 (cinco

mil reais). Sob igual fundamento, qual seja, humilhação no local de trabalho, o acórdão

AM-7 foi levado ao órgão julgador para apreciação em decorrência do seguinte fato:

“[...] afirmação contida na vestibular de que a supervisora, „ao ver a reclamante

conversando com alguém, dizia que iria jogar milho, pois estava uma 'galinhagem', na

frente de todos‟”.

O acórdão AM-2 apreciou o pedido de dano moral decorrente de perseguição posta em

prática por um supervisor em desfavor de um operador de telemarketing. As palavras do

superior foram tão insuportáveis que fizeram o empregado optar por seu desligamento

da empresa, como se extrai do trecho a seguir: “[...] indenização por danos morais, ante

a coação sofrida que o levou a apresentar o pedido de demissão”. Por sua vez, no

acórdão AM-25, o órgão julgador analisou as alegações do empregado que se queixou

por ser perseguido, notadamente em função das repetidas suspensões disciplinares que

sofreu no curso do contrato de trabalho.

Nos acórdãos AM-8, AM-11, AM-13, AM-23 e AM-27, a prática levada à análise do

órgão julgador foi a pressão supostamente exagerada exercida sobre os empregados da

empresa Contax. As alegações postas a apreciação possuem como fundamento principal

a indisposição pessoal e a cobrança por atingimento de metas, conforme se pode

exemplificar através do acórdão AM-8, ao dispor que: “[...] A reclamante, em seu

recurso, além de transcrever trecho do depoimento da testemunha sobre a cobrança pelo

atendimento das metas, que envolve o tempo médio de atendimento [...]”.

Em 2 (dois) acórdãos AM-14, AM-16, foram suscitadas irregularidades ligadas às

demissões de empregadas grávidas, o que teria ocasionado dano de natureza

extrapatrimonial às trabalhadoras. Nesse sentido, exemplificativamente, o órgão

julgador, analisando as provas produzidas, fez constar no acórdão AM-16 trecho do

depoimento da testemunha que confirma a ciência do estado psicológico decorrente do

estado gravídico, conforme segue: “[...] De fato, a testemunha ouvida foi o superior

hierárquico da autora e demonstrou ter plena ciência, não apenas de sua gravidez no

110

momento da dispensa, como também do estado de fragilidade psicológica no qual se

encontrava por ter perdido um bebê recentemente”.

Foram detectados outros dois acórdãos, AM-9 e AM-22, nos quais vê-se que foi levada

à apreciação do judiciário a conduta supostamente irregular da empresa Contax,

concernente à disponibilização do transporte para o retorno à residência após a jornada

de trabalho, alegando-se, em apertada síntese, que havia risco à integridade física dos

empregados, pelo que se infere, exemplificativamente do trecho seguinte extraído do

AM-9: “[...] A reclamante persegue, em suma, o pagamento de indenização, pela

empresa demandada, em virtude da ofensa moral que alega ter sofrido pelo fato de ter

sido exposta a risco com o uso do transporte da ré que passou a ser realizado em micro-

ônibus”.

No acórdão AM-24, o empregado postulou do poder judiciário o reconhecimento

específico do ócio humilhante, como se extrai da passagem do acórdão analisado para

que se conste o: “[...] reconhecimento da existência, no âmbito da reclamada, de

imposição de ócio humilhante à empregada[...]”. Neste caso, foi analisada a inatividade

do empregado a fim de lhe causar prejuízo de ordem extrapatrimonial, já que o

empregado se apresentava para o trabalho, mas não era demandada qualquer atividade

para que desenvolvesse.

Por derradeiro, a conduta identificada com maior recorrência foi a limitação do uso do

banheiro, estando presente em 15 (quinze) dos 27 (vinte e sete) acórdãos analisados com

a palavra-chave assédio moral e empresa Contax. Na análise realizada no item 4.2, essa

prática encontrada no método de gestão da empresa já foi analisada, o que não impede a

análise dos acórdãos identificados com a palavra-chave assédio moral e empresa

Contax, já que o presente estudo visa verificar se existe o amoldamento da

jurisprudência e da literatura, sobre o enquadramento do assédio moral organizacional.

Nesse sentido, após a análise preliminar dos acórdãos selecionados com a palavra-chave

assédio moral e empresa Contax, foram identificadas 7 (sete) práticas que geraram as

demandas na justiça do trabalho, conforme quadro 14.

111

Quadro 14 – análise dos acórdãos conforme roteiro apêndice 1, item 4.

Humilhação

Limitação do

tempo de

banheiro

Pressão Alteração do

Transporte

Ócio

humilhante Perseguição

Demissão

de gestante

AM-1

AM-7

AM-3; AM-4

AM-5; AM-6

AM-8; AM-10

AM-11; AM-12

AM-17; AM-18

AM-19; AM-20

AM-21; AM-23

AM-26

AM-8

AM-11

AM-13

AM-15

AM-27

AM -9

AM-22

AM-24 AM-2

AM-25

AM-14

AM-16

Fonte: Autor da pesquisa (2017)

Após realizada codificação e categorização dos acórdãos, será feita a análise dos dados,

conforme os elementos caracterizadores do assédio moral, nas respectivas espécies, a

partir da prática apurada no quadro 14.

4.3.1 Assédio moral. Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações postas

à análise do órgão julgador

Foram identificadas 7 (sete) práticas alegadamente executadas pela empresa Contax, as

quais foram responsáveis por 27 (vinte e sete) ações que pedem o reconhecimento da

conduta reprovável, com a consequente indenização aos autores das demandas. As

práticas analisadas a seguir serão: a) humilhação; b) pressão; c) alteração do transporte;

d) ócio humilhante; e) perseguição; f) demissão de gestante; g) limitação do tempo no

banheiro.

Explica-se que as práticas serão analisadas à luz dos elementos caracterizadores e

diferenciadores do assédio moral interpessoal e organizacional, conforme literatura

revisitada no referencial teórico e nas decisões pesquisadas. Tal esforço possui a

finalidade de verificar se o enquadramento levado a efeito pelo Tribunal Regional do

Trabalho da 6ª Região em seus acórdãos está em consonância com a literatura

pesquisada.

112

a) Humilhação

Nos acórdãos AM-1 e AM-7, foi identificado que os empregados ajuizaram as ações

trabalhistas buscando uma reparação por danos morais sofridos no curso do contrato de

trabalho. Observa-se que não ocorreu nos mencionados acórdãos o enquadramento dos

fatos apontados pelos trabalhadores como assédio moral organizacional, mas, sim, como

assédio moral, genericamente fundamentado no acórdão AM-1, enquanto que, no

acórdão AM-7, não foi reconhecida a prática de humilhação declarada pelo trabalhador.

Nos fatos consignados no acórdão AM-1, a empregada declarou que era submetida a

condições humilhantes de forma reiterada e prolongada, o que teria levado a mesma a

buscar tratamento psicológico, porque eram repetidas as ameaças de demissão efetuadas

por sua superior hierárquica.

No acórdão AM-1, ao fundamentar sua decisão, o órgão jurisdicional relatou que houve

violação aos direitos da personalidade do empregado, aplicando o artigo 5º, V e X, da

CF/88 e o artigo 186 do CCB. Explicou ainda que a empregada se desconstituiu de seu

ônus probatório ao apresentar testemunha que narrou com convicção os abusos

praticados por sua coordenadora, conforme se observa do trecho a seguir:

[...] que a reclamante tinha como chefe uma Sra. de nome Claudeci,

que tinha as funções de gerente, que o depoente não lidava muito com

essa pessoa; que entre outubro e novembro presenciou a Sra. Claudeci

chamar a reclamante e alguns atendentes em uma reunião e nesta

cobrou resultados e nesta usou palavras para com a reclamante, a

chamando de incompetente, indicando também que a reclamante era

uma atendente melhorada e que não estava apta ao cargo; que sempre

quando presenciava a Sra. Claudeci esta estava gritando com alguém;

que ele depoente nunca teve problema com a referida; que depois

presenciou a reclamante abalada, contudo a reclamante não denunciou

o fato a autoridades e continuou normalmente desempenhando suas

atividades; que a Sra. Claudeci costumava gritar mais com os

supervisores pois não lidava diretamente com os atendentes, sendo

esta ponte feita pelos supervisores; [...] que os fatos narrados em

relação à Sra. Claudeci foram presenciados pelo depoente; que a

reunião se deu no ambiente onde trabalhavam, depoente, supervisora e

também a gerente Claudeci e que deu para todos ouvirem, porque foi

uma reunião informal [...].

O órgão julgador, ao apurar as provas produzidas nos autos, considerou que restaram

identificados os elementos caracterizadores do assédio moral, pois a empregada foi

113

submetida a reiterados e prologados tratamentos humilhantes e vexatórios praticados

por uma preposta da empresa Contax.

Embora não tenha sido especificado no acórdão, através dos elementos revisitados no

referencial teórico, é possível delimitar que a conduta reconhecida enquadra-se no

assédio moral vertical descendente, já que foram praticados por superior hierárquico

imediato em desfavor de seu subordinado (MARTINS FILHO, 2016).

Através do trecho analisado acima, é possível se perceber que há a intencionalidade na

conduta do agente agressor, bem como a individualização da vítima, sendo a

humilhação a ela imposta uma prática déspota do superior hierárquico, com a finalidade

de diminuir a vítima como pessoa e como profissional, elementos característicos do

assédio moral interpessoal, pois “tem como objetivo a exclusão da vítima do mundo do

trabalho, discriminando-a perante o grupo” (ALVARENGA, 2012, p. 1).

Desta maneira, à luz da diferenciação realizada no quadro 5, é possível se inferir que o

reconhecimento da prática de humilhação, conforme realizado no AM-1, afina-se com o

direcionamento da literatura na direção do assédio moral interpessoal/perverso, pois não

se reveste a violência de caráter estrutural, e, por sua vez, não se relacionado

diretamente com a finalidade gerencial (GOSDAL et al., 2009; POHLMANN, 2014).

Além de reconhecer o padrão de conduta da referida preposta, o acórdão AM-1 deixou

transparecer que o tratamento dispensado à empregada era de conhecimento da empresa,

pois tais práticas deletérias eram levadas a efeito na presença dos demais empregados.

Diante dessas constatações, nota-se que a empresa adotou uma posição passiva quanto

às irregularidades perpetradas por sua preposta, pois, mesmo tendo conhecimento do

ocorrido, a empresa não tomou qualquer atitude para conter a atitude déspota de sua

preposta, pelo que se percebe nos dados do acórdão.

Conforme se observa no quadro 5, um dos principais elementos diferenciadores do

assédio moral interpessoal para o assédio moral organizacional é a forma de

participação da empresa (GOSDAL et al., 2009). Como visto, a empresa não tinha

participação ativa, mas se omitiu em coibir os abusos realizados pela preposta. A

omissão pode ser justificada por eventuais resultados imediatos decorrentes da prática

114

adotada pelo funcionário, que, embora não seja uma violência estrutural (GALTUNG,

1969), traz retornos positivos em curto prazo para empresa.

O acórdão AM-7 fez consignar duas práticas levada à análise do órgão julgador pela

empregada em grau de recurso, conforme se extrai do trecho a seguir:

[...] afirmação contida na vestibular de que a supervisora, "ao ver a

reclamante conversando com alguém, dizia que iria jogar milho, pois

estava uma 'galinhagem', na frente de todos" não se confirmou pela

declaração da testemunha de que "em relação à autora, a supervisora

fazia reclamação sem fundamento e chamava a atenção da mesma na

frente das demais, alterando o tom de voz [...]

Quanto à primeira prática, o acórdão AM-7 registrou que a trabalhadora não se

desconstituiu de seu ônus probatório, ou seja, a testemunha ouvida não confirmou que a

supervisora "ao ver a reclamante conversando com alguém, dizia que iria jogar milho,

pois estava uma 'galinhagem', na frente de todos". Portanto, não restou configurado o

tratamento humilhante, estando consequentemente ausente o fundamento para

condenação da empresa pela conduta alegadamente realizada.

Deve ser registrado, no entanto, que o fato de o empregado não conseguir comprovar

suas alegações não induz à conclusão de que a prática não existiu, mas tão somente que

a empresa não pode ser condenada quando não apresentadas provas inequívocas de sua

conduta ou de seus prepostos, sendo que, neste caso, o ônus da prova incumbe à parte

que alegar os fatos reprováveis (SCHIAVI, 2016), a teor do que dispõe o artigo 818 da

CLT e artigo 373, I, do Código de Processo Civil.

A segunda prática analisada no acórdão foi que: "[...]em relação à autora, a supervisora

fazia reclamação sem fundamento e chamava a atenção da mesma na frente das demais,

alterando o tom de voz [...]”. O órgão julgador entendeu estar dentro do poder

diretivo/disciplinar previsto no artigo 2º da CLT a faculdade de o empregador

repreender o empregado em decorrência de conversas paralelas, afirmando que apenas

por isso não se pode configurar o assédio moral propalado pela empregada.

Não foram identificadas no acórdão outras provas que possam ser analisadas visando à

verificação do assédio moral interpessoal, tendo-se em vista a individualização do alvo

e a personalização do agressor. Do cotejo realizado nas provas estampadas no acórdão

115

não foi possível aferir o grau de animosidade ou modus operandi com que a empregada

foi repreendida pelas conversas paralelas, de modo que a análise resta prejudicada,

assumindo-se a posição do órgão julgador.

O Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, conforme já adiantado, entendeu por

enquadrar a posição adotada pela preposta da empresa Contax como ato decorrente do

poder diretivo, mais especificamente disciplinar da empresa (DELGADO, 2011).

A decisão contida no acórdão AM-7 enquadrou a situação fática no que a literatura

aponta como imposição profissional (item 2.1.4) que, quando exercida dentro dos

limites do poder diretivo, não configura o assédio moral. Diferenciando as imposições

profissionais do assédio moral, Hirigoyen explica que:

O assédio moral é um abuso e não pode ser confundido com decisões

legítimas, que dizem respeito à organização do trabalho, como

transferências e mudanças de função, no caso de estarem de acordo

com o contrato de trabalho. Da mesma maneira, críticas construtivas e

avaliações sobre o trabalho executado, contanto que sejam

explicitadas, e não utilizadas com um propósito de represália, não

constituem assédio. É natural que todo trabalho apresente um grau de

imposição e dependência (HIRIGOYEN, 2006, p. 34).

Assim, sendo analisada de forma a agregar os ensinamentos de Delgado (2011) e

Hirigoyen (2006), através dos elementos existentes para análise no acórdão AM-7, é

possível se aferir que a empresa Contax não exorbitou do seu poder diretivo, bem como

a decisão se perfilhou com a literatura que trata sobre a matéria.

Por sua vez, à luz do que expõe a literatura revisitada no referencial teórico e do teor do

artigo 2º da CLT, é possível observar que no acórdão AM-1 o órgão julgador poderia ter

avançado para identificar a espécie de assédio moral interpessoal, possibilitando maior

clareza à empresa Contax na identificação do ponto a ser corrigido, o que viabilizaria a

existência de recorrência, e, consequentemente, isso evitaria a existência de novas

condenações, além de proporcionar um ambiente de trabalho mais saudável e harmônico

para os empregados, não apenas do ponto de vista físico, mas também psicológico ou

subjetivo (COUTINHO, 2013).

116

b) Pressão

A segunda prática identificada nos acórdãos do quadro 14 foi a alegada pressão exercida

em desfavor dos empregados da empresa Contax. Essa prática foi apreciada pelo TRT6

em 5 (cinco) dos 27 (vinte e sete) acórdãos selecionados através da palavra-chave

assédio moral e empresa Contax.

Na análise dos acórdãos AM-8, AM-11, AM-13, AM-15 e AM-27, observa-se que não

houve o reconhecimento da alegada pressão como sendo causadora de assédio moral ou

mesmo assédio moral organizacional.

Como já observado em casos anteriores, o ônus de provar o assédio moral alegado é do

trabalhador (artigo 818 da CLT e artigo 373, I, do CPC), que, por vezes, produz a prova

de forma insuficiente, inespecífica ao que havia descrito em seu pedido inicial. No

acórdão AM-13, é possível observar a contradição entre as alegações constantes que

fundamentam o pedido e as declarações realizadas no depoimento pessoal da autora,

como pode se observar dos trechos abaixo:

Ao depor em Juízo a reclamante disse: "que tinha uma relação cordial

com seu superior hierárquico, apenas estranhava a pressão, pois o

mesmo entrava na ligação quando ela não estava conseguindo concluir

a venda; que a meta era efetivamente vender. (AM-13).

Nota-se que a alegação inicial e o depoimento pessoal da empregada estão desconexos,

não havendo possibilidade de o órgão julgador adentrar no mérito das questões levadas

ao seu conhecimento, sem que exista uma correlação entre as alegações e seu próprio

depoimento. O que se extrai da declaração da empregada é que esta possuía “uma

relação cordial com seu superior hierárquico (AM-13)”.

Por sua vez, o acórdão AM-15 analisou pedido de um trabalhador fundamentado na

pressão supostamente exercida pela empresa para o atingimento de metas praticamente

inatingíveis, alegando que em razão disso sofria ameaça de demissão por justa causa a

todo o momento. No entanto, a decisão do TRT6 foi no sentido de manter a

improcedência da ação, pois, embora tenha produzido as provas, estas não eram

passíveis de fundamentar o reconhecimento do assédio moral, ou seja, "[...] em não

tendo a obreira conseguido se desincumbir de tal ônus processual, não há indenização

alguma a deferir (AM-15) [...]”. Por tal razão, a análise dos elementos caracterizadores

117

do assédio moral resta prejudicada, tanto no caso do acórdão AM-13, quanto no acórdão

AM-15.

Os resultados dos acórdãos AM-8, AM-11 e AM-27, em semelhança aos demais,

também não reconheceram o assédio moral. Contudo, entende-se que tais decisões

devem ser analisadas com base nos dados nelas constantes. O acórdão AM-8 analisa a

postulação de um empregado que pretende que seja reconhecida a cobrança excessiva

para o atingimento de metas, inclusive com a aferição do tempo médio de atendimento.

No mencionado acórdão, o órgão julgador cuidou de transcrever a prova oral que

utilizou como meio de convencimento para proferir sua decisão, que se reproduz a

seguir:

Quanto à cobrança excessiva, a própria testemunha obreira declarou

"que possuía cobranças de metas;" (...) "que as metas eram

estabelecidas pelo tempo de atendimento, medidas diariamente; que

no início e no final do mês, o movimento era maior, de forma que

conseguia bater a meta em 2 dias da semana e no meio do mês, 4

vezes na semana; que na segunda feira ninguém consegue bater as

metas; que a cobrança era insistente e intensa mas não era

desrespeitosa; (AM-8).

O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região ponderou que a cobrança por metas no

caso transcrito acima faz parte do poder diretivo do empregador, já que os objetivos não

se mostraram inatingíveis, humilhantes ou discriminatórios.

O acórdão AM-11 apresenta situação fática semelhante ao caso anterior, pois neste a

empregada assinala a existência de pressão para o cumprimento de metas, chegando a

fazer uso de medicamentos controlados em função de crises de ansiedade e síndrome do

pânico agravadas pelo ambiente organizacional. Dentre outros trechos de depoimento

constante na fundamentação do acórdão, transcreve-se o seguinte:

que não tem conhecimento da reclamante ter tido algum problema

com algum supervisor específico, como discussão; que os atendentes

tinham metas; que havia cobrança dessas metas; que a reclamante

sofria as mesmas cobranças que os outros operadores em situação

idêntica a dela; que os operadores que não atingiam as metas e que

excediam nas pausas pessoais eram mais cobrados; que não

presenciou nenhuma situação em que a reclamante tenha sido

constrangida ou humilhada por algum supervisor; (Testemunha Lucas

Capistrano dos Santos) (AM-11).

118

Neste acórdão o órgão julgador consignou em seus termos que não houve cobranças

excessivas em relação exclusivamente à reclamante, mas que a prova testemunhal

produzida demonstrou que havia a cobrança de metas em igual patamar para todos os

trabalhadores.

A pressão para atingimento de metas afigura-se como algo recorrente nas empresas de

telemarketing, como se verifica nas transcrições dos depoimentos acima. No caso do

acórdão AM-27, percebe-se que o assédio moral foi imputado como conduta de uma

determinada preposta. Para fundamentar sua decisão, o órgão jurisdicional transcreveu

parte do depoimento de uma testemunha, omitindo apenas as palavras de baixo calão,

conforme segue:

[...] que ela era "estúpida"; que falava palavrões e coagia as

atendentes; que ela ficava dizendo coisas do tipo: "tem que vender, se

não vender é rua", "tô muito estressada, ora (...)", que esta última

menção vinha quando as operadoras não estavam conseguindo

cumprir as metas estabelecidas; porque eram cinco seguros que cada

pessoa tinha que vender por dia; que a meta mudava; que Marta ficava

desferindo as palavras antes mencionadas às pessoas que lá estivessem

de modo geral, todos da equipe, mas não se dirigia a uma pessoa

especificamente; que a reclamante também fazia vendas, igual à

depoente; que como a reclamante não conseguia vender muito a

transferiram de função e ela passou para agente de cobrança (AM-27)

Fundamentando o acórdão AM-27, o TRT6 discorreu que a pressão para o atingimento

das metas é generalizada, em níveis razoáveis e aferida mensalmente. Afirmou que

meros aborrecimentos e dissabores, referindo-se aos fatos transcritos acima, não se

configuram como dano indenizável, e que, por tal motivo, negou o enquadramento das

práticas como assédio moral.

A pressão para o cumprimento de metas foi reconhecida nos acórdãos AM-8, AM-11 e

AM-27, embora não tenha sido enquadrada como assédio em qualquer de suas espécies.

Em apertada síntese, o acórdão AM-8 entendeu que a prática expressa o poder diretivo

do empregador, enquanto o acórdão AM-11 ressaltou que não houve cobranças

excessivas em relação exclusivamente à reclamante (individualização do alvo), e, por

derradeiro, o acórdão AM-27 ressaltou a ausência de individualização do alvo e a

inexistência de metas desarrazoadas.

Na literatura não há especificação do quanto de metas seria razoável ou não para

imposição aos empregados, obviamente em razão da infinidade de empresas, atividades

119

e situações que esses fatos podem desencadear. A razoabilidade é utilizada como fiel de

uma balança que tem como maior característica a convicção do julgador. Notadamente,

nos acórdãos analisados, a prática foi observada à luz do poder diretivo do empregador

e da ausência de individualização do alvo.

Nesse sentido, infere-se que as decisões analisadas não estão afinadas com o que expõe

a literatura especializada, pois, segundo Soboll e Horst (2015), as organizações visam

atingir seus resultados de forma eficaz e podem utilizar práticas de gestão que findem

por degradar o ambiente laboral, conforme se pode extrair dos trechos já transcritos.

Nota-se que a estratégia de cobrar a execução dos trabalhos por meio da imposição de

metas, via de regra, acima das possibilidades dos empregados faz parte da estrutura da

própria organização. Portanto, a prática analisada se traduz com uma violência

estrutural, que pode ou não ser intersubjetivada pelo trabalhador. Essa prática tem nítida

finalidade gerencial, pois visa incontroversamente ao aumento da produção,

enquadrando-se nos elementos elencados por Pohlmann (2014).

Soboll (2008) pontuou que as organizações aplicam práticas perniciosas e abusivas com

a finalidade de atingir os objetivos organizacionais, quando passam a aplicar a gestão

por injúria, a gestão por estresse e a gestão por medo. Pode-se extrair da explicação da

autora que uma prática não afasta a incidência da outra, ou seja, podem estar presentes

duas ou mais condutas que ocasionem a degradação do meio ambiente do trabalho.

Explicam Soboll e Horst (2015) que gestões por medo, por estresse e por injúria são

expressões do assédio moral organizacional. Dito de outra maneira, estas são estratégias

utilizadas para que as empresas atinjam seus objetivos.

Nos dados analisados é possível observar que estão presentes os elementos apontados

por Soboll (2008) no que se referem às práticas relacionadas à gestão por estresse, pois

estão relacionadas à imposição de metas acima das capacidades dos empregados. O

acórdão AM-8 demonstra que em parte do mês a meta era batida em apenas dois dias

por semana, que na segunda-feira ninguém conseguia batê-la, mas que só no meio do

mês a meta era atingida.

120

Diante da informação analisada, vê-se que na maior parte do mês os empregados

estavam submetidos a metas superiores às suas forças, mediante cobranças intensas e

insistentes. Observe-se ainda que o fato de tais cobranças não serem desrespeitosas não

importa necessariamente em dizer que os empregados não sofreram o assédio moral

organizacional, isto porque as sensações de impotência e de derrota diárias, somadas às

cobranças persistentes, rotineiras e intensas, possuem o poder de degradar o ambiente de

trabalho e destruir a saúde dos trabalhadores.

Essa situação fática é semelhantemente verificada no acórdão AM-11, que acrescenta

apenas que a empregada não sofreu investida exclusiva e humilhante contra sua pessoa,

na medida que todas as metas foram cobradas igualmente aos empregados submetidos à

mesma situação. Percebe-se de plano que o requisito diferenciador do assédio moral

interpessoal e do organizacional exsurgem da narrativa, pois não há a individualização

do alvo (ver quadro 5), sendo todos submetidos às mesmas práticas de gestão

(GOSDAL et al., 2009).

Por sua vez, o acórdão AM-27 apresenta mais dados a serem analisados de forma

conjunta, a fim de se entender a prática de cobrança de metas na empresa Contax. Neste

acórdão, foi destacada a conduta de uma preposta que agia de forma ostensiva na

cobrança de todos os empregados, subjugando-os e humilhando-os, com a utilização de

palavras de baixo calão, o que se amolda ao conceito de gestão por injúria (SOBOLL,

2008), na medida que houve a violação da dignidade e honra dos empregados.

Embora não se possa negar a conduta reprovável da preposta a que foram atribuídos os

abusos sofridos pela empregada, não se pode afastar o fato de que a empresa possui um

rigoroso sistema de metas com cobranças intensas e insistentes (sic AMO-8), sendo

possível identificar que a atitude déspota da autora a condiciona a uma mera peça da

complexa engrenagem organizacional que subjuga e humilha os empregados. Pohlmann

(2014) ressalta o fato de que os gestores por vezes sofrem com as mesmas condutas e

acabam por submeter seus subordinados, alertando para o indício da ocorrência do

assédio moral organizacional, nos seguintes termos:

O aparecimento de múltiplas demandas semelhantes com causa de

pedir, assédio moral, perante o poder judiciário não pode ser

considerado coincidência, ao que se conclui que quando assim ocorre

121

acaba por camuflar a existência do assédio moral organizacional

(POHLMANN, 2014, p. 69).

Ainda analisando o acórdão AM-27, pode-se inferir que era implantado o método de

gestão por medo (SOBOLL, 2008), como se extrai da expressão "tem que vender, se

não vender é rua (AM-27)", explicitamente declarada pela preposta da empresa Contax,

fazendo alusão à consequência para aqueles trabalhadores que não atingissem a meta

estipulada pela empresa.

A empregada chegou a ser punida por não conseguir atingir as metas estipuladas,

conforme se extrai do trecho do acórdão AM-27: “que como a reclamante não

conseguia vender muito a transferiram de função e ela passou para agente de cobrança”.

Essa estratégia de gestão é também referenciada por Pohlmann (2014, p. 69), nos

seguintes termos:

Promove-se a exclusão de alguns para garantir o engajamento dos

remanescentes. Importante destacar que os trabalhadores excluídos

nem sempre são punidos por faltas graves, mas por necessidade de se

incutir o medo, o que em curto prazo aumenta a produtividade.

Infere-se das estratégias e práticas analisadas acima, que a organização não possui

necessariamente a intencionalidade de prejudicar o empregado. Contudo, assume

claramente a possibilidade de ocasionar a degradação do ambiente laboral, bem como

causar o adoecimento dos empregados pela implementação da prática de pressão para o

atingimento das metas, ou seja, buscar o resultado esperado com a eficiência desejada.

Por tais razões, caso os órgãos julgadores tivessem analisado os fatos apresentados à luz

da literatura revisitada no referencial teórico deste estudo, os resultados das decisões

poderiam ter reconhecido a existência do assédio moral organizacional e facultado à

empresa a percepção de que a prática adotada pode estar ocasionando a degradação do

ambiente de trabalho e o adoecimento de seus empregados.

c) Alteração do transporte

Os acórdãos AM-9 e AM-22 versam sobre a alteração no transporte concedido pela

empresa Contax aos seus empregados que terminam a jornada no horário da madrugada.

122

Em ambos os acórdãos, as trabalhadoras mencionam que inicialmente a empresa se

comprometeu a deixá-las na porta de suas residências, quando eram disponibilizadas

vans para o deslocamento trabalho-casa. Por volta de três meses após o início do pacto

laboral, a empresa Contax contratou novo prestador de serviços de transporte, que

passou a realizar as rotas fazendo uso de ônibus, e, por essa razão, passaram a deixar as

empregadas nas avenidas principais, já que nas ruas em que residem é inviabilizado o

acesso de ônibus, por serem demasiadamente estreitas. Em razão disso, as empregadas

tinham que terminar o trajeto caminhando, fato que ocasionava medo e insegurança em

função dos riscos a que estavam sujeitas.

Embora as situações narradas sejam idênticas, o resultado dos processos foi

diametralmente oposto, pois no AM-9 o pedido do empregado foi improvido, enquanto

que no AM-22 o órgão julgador manteve a sentença monocrática de procedência do

pedido indenizatório.

No acórdão AM-9, o órgão julgador cuidou de transcrever o trecho do depoimento da

empregada e analisou o contexto em que a empresa passou a deixá-la não mais na porta

de sua residência, mas na avenida principal, conforme se verifica no depoimento

destacado a seguir:

que o horário de trabalho da Depoente era das 19h às 2h da manhã;

que o correto, em relação ao transporte fornecido pela empresa para

conduzir o empregado de volta para casa, é que ele estivesse

disponível às 2h10 da manhã, porém, em virtude de atrasos, e porque

o veículo percorria muitos bairros, a Depoente chegava em casa às

3h30/4h normalmente; que praticamente, chegava em casa neste

horário todos os dias da semana, porque, quando não era atraso, era a

superlotação do veículo; que a princípio, o veículo que fazia o

transporte era uma van, que deixava a Depoente na porta de sua casa;

que 3 meses após, a empresa alegou que houve mudança na

terceirizada que fazia o transporte, de forma que as vans foram

substituídas por ônibus; que como a rua em que fica a casa da

Depoente é muito estreita, não havia como o ônibus entrar; que por

conta disso, a Depoente descia do ônibus na avenida que dava acesso

à rua da sua casa; que a Depoente era a única que descia neste local;

que descia do ônibus às 3h30 da manhã e tinha que andar a pé até sua

casa; que em média, andava cerca de 3 a 5 min para chegar até a sua

casa; que neste horário, a rua estava deserta e, como havia muitas

firmas, o local era cheio de muro (AM-9);

A decisão constante no acórdão AMO-9 funda-se na inexistência de conduta dolosa ou

culposa da empresa na situação fática analisada, pois, em que pese a violência ser uma

123

realidade no cenário nacional, a empregadora não pode ser responsabilizada pelo

sentimento de insegurança que assola o país.

Em sentido oposto, o acórdão AM-22 deferiu o pleito indenizatório da trabalhadora,

pois considerou que a empresa submeteu a empregada a condição de pavor, medo e

desconforto, entre outros, o que faz caracterizar a existência da dor moral alegada no

pedido inicial, sendo por esse motivo indenizável, conforme se observa no trecho a

seguir transcrito:

a condição de pavor, medo, desconforto, o receio de violência a que

foi submetida a reclamante, em especial, por ser mulher, diariamente,

quando era deixada, pela empresa, sozinha, em local ermo e deserto,

altas horas da madrugada, com risco perene de assalto, sequestro e/ou

estupro, fato público e notório, divulgado, diuturnamente nos mais

variados meios de comunicação. Esse agir da empresa caracteriza,

sem sombra de dúvida, o dano moral denunciado pela recorrida (AM-

22).

Nota-se que a alteração do contrato ocorreu em ato único, que se protraiu no tempo, mas

sem a característica de intencionalmente prejudicar o empregado. Vê-se também que os

conteúdos decisórios de ambos os acórdãos estão eivados de convicções particulares de

cada órgão julgador, na medida em que foram postos à apreciação fatos semelhantes e

na mesma empresa, mas com resultados diametralmente opostos. Registre-se que tais

divergências não fazem parte do objetivo deste estudo, pois busca-se verificar a

existência dos elementos caracterizadores do assédio moral e suas espécies e seu

enquadramento à luz da literatura especializada no assunto.

Nos acórdãos AM-9 e AM-22, não se observou igualmente a presença da conduta

negativa, pois em regra a empresa não tem o dever legal de fornecer o transporte

particular para seus funcionários, e quando realizado não tem obrigação de deixar o

empregado na porta de sua residência. Observa-se que a alteração da empresa

terceirizada foi uma decisão institucional para todos os empregados, e que, em função

do equipamento (ônibus) utilizado, não era possível chegar à porta da empregada, que

reside em rua estreita, e apenas por esse motivo não se permaneceu inalterado o

procedimento adotado por mera liberalidade da empresa.

Nota-se que nos acórdãos analisados não se identifica a intencionalidade de prejudicar o

empregado, tampouco existe caráter estrutural de violência ou finalidade gerencial nesta

alteração do transporte disponibilizado à empregada. Igualmente, não pode ser

124

identificado um processo sistemático de hostilização, embora não se possa negar que a

alteração do contrato com a empresa terceirizada de transporte ocasionou uma sensação

de estresse que foi experimentado diariamente.

A situação fática analisada remete o leitor ao item 2.1.3 deste estudo, para observar

diferenciação do assédio moral da situação de estresse, apontada por Pamplona Filho e

Barros (2013, p. 10) ao ensinarem que o “estresse por si só não configura o assédio

moral, afinal não há qualquer dos elementos caracterizadores evidenciados”. Hirigoyen

(2006, p. 20) sintetiza ao explicar que “o assédio é muito mais do que o estresse, mesmo

que ele passe por uma fase de estresse. [...] O estresse só se torna destruidor pelo

excesso, mas o assédio é destruidor por si só”.

Importa ressaltar que o fato analisado não se configura como gestão por estresse

(SOBOLL, 2008), em razão da ausência dos elementos caracterizadores do assédio

moral organizacional, conforme destacado no quadro 4, mas se evidencia como estresse

decorrente do medo da violência que assola a nação, caracterizado pelo órgão julgador

do acórdão AM-22, como capaz de atingir o patrimônio extrapatrimonial da empregada,

e, em decorrência disso, determinou a indenização por dano moral, sem caracterizar

acertadamente como assédio moral de qualquer espécie.

Nesse sentido, entende-se que as decisões dos órgãos julgadores nos acórdãos AM-9 e

AM-22 estão em consonância com a literatura, pois não enquadram a conduta levada à

apreciação do judiciário como assédio moral em qualquer de suas espécies.

d) Ócio humilhante

O acórdão AM-24 reconheceu a existência da conduta negativa da empresa Contax em

determinar a inatividade da empregada durante sua jornada laboral, de modo que esta

batia o ponto regulamente e ficava sentada sem que o empregador lhe demandasse

qualquer atividade, enquadrando a prática com assédio moral sem especificação da

espécie.

O contrato de trabalho é sinalagmático na sua essência, pois o empregado entrega sua

força produtiva em troca de determinada paga (NASCIMENTO, 2011). Por essa razão,

o empregador não pode fazer com que seu empregado, por castigo, fique sem demanda

125

de trabalho, enquanto os demais trabalhadores desenvolvem regularmente suas

atividades. Essa foi exatamente a alegação da empregada, devidamente comprovada

conforme se evidência do trecho do acórdão AM-24 a seguir:

[...] que mantinha contato com a Reclamante diariamente; que

depoente e Reclamante se reportavam aos supervisores; que a

depoente presenciou certa vez que a supervisora Sheila chamou a

atenção da Reclamante em razão de um tratamento descortês com um

cliente; que após isso a Reclamante foi excluída do trabalho de

auditoria; que após esse ocorrido a Reclamante ficava sentada na

cadeira sem desempenhar qualquer tarefa, por ordem da supervisora

Sheila; que em razão do volume de serviço alguns operadores

chegavam a solicitar que a Reclamante auditasse, mas a supervisora

não permitia e a Reclamante ficava sem nada a fazer; que acredita a

depoente que a Reclamante permaneceu cerca de 08/09 dias sem nada

a fazer, sentada na cadeira; que posteriormente a Reclamante retornou

ao serviço de auditagem; que não se recorda quando isso ocorreu; que

todos na empresa sabiam que a Reclamante ficou sem desempenhar

suas funções nesses dias em razão da advertência por parte da

supervisora Sheila, como já informado; que a supervisora Sheila era

funcionária da CONTAX; que os demais supervisores, inclusive o Sr.

Luiz, eram funcionários da CONTAX". (ID b2f03ba)

Nota-se que a prática do ócio é negativa, humilhante e degradante ao ambiente de

trabalho, pois se equivale a uma espécie de represália ao empregado. Essa prática é

recorrentemente apreciada pela justiça do trabalho e pela doutrina, sendo inclusive

caracterizada como falta grave cometida pelo empregador que pode levar ao desenlace

contratual em decorrência da quebra da característica essencial ao contrato de trabalho,

estando presente a conduta negativa. Nesse sentido, Martins (2014, p. 20) esclarece que:

Tem o empregador obrigação de proporcionar trabalho ao empregado

na vigência do contrato de trabalho. O empregado não pode ficar num

local ou sala sem nada fazer durante o dia inteiro. Se o empregador

não proporciona trabalho ao empregado, este tem o direito de pedir a

rescisão do contrato de trabalho, pois o primeiro não está cumprindo

as obrigações do pacto. O empregado tem obrigação de prestar

serviços.

Através do depoimento transcrito, é possível se identificar que há a existência do

assédio moral interpessoal ou perverso, de acordo com os elementos traçados por

Hirigoyen (2010). Nesse sentido, o assédio moral perverso está presente na conduta

negativa, que no caso analisado está identificado na prática do ócio humilhante.

Ressalte-se também que houve repetição ou processo sistemático de hostilização, já que

as práticas ocorreram diariamente e de forma sistemática, impedindo a atividade da

126

empregada com a intenção de prejudica-la exclusivamente, estando presentes os

elementos da individualização da vítima e da violação dos direitos do empregado,

tornando o ambiente de trabalho degradado.

O assédio moral organizacional não se amolda ao caso em análise, pois é possível

observar a ausência da finalidade gerencial e da violência estrutural, além do que o

processo de assédio moral perverso evidenciado no acórdão AM-24 decorreu de uma

relação interpessoal entre a supervisora e sua subordinada, restando ausentes os

elementos para caraterização da espécie organizacional. No entanto, percebe-se que o

órgão julgador poderia ter avançado no enquadramento da espécie interpessoal ao invés

de concluir sua decisão reconhecendo apenas o assédio moral.

e) Perseguição

A prática da perseguição, conforme quadro 5, é um dos elementos que se aponta como

diferenciador entre as espécies do assédio moral interpessoal e assédio moral

organizacional, pois para que se inicie o processo de hostilização por perseguição o

assediador terá necessariamente que individualizar a(s) vítima(s). No entanto, deve-se

anotar que nada impede que o empregado que esteja sendo alvo de um assédio moral

interpessoal não possa sofrer igualmente com o assédio moral da espécie

organizacional, já que ambas as espécies possuem elementos de diferenciação

estabelecidos e podem ocorrer concomitantemente. Por essa razão, se faz relevante

analisar os elementos de convicção do órgão julgador, a fim de possibilitar o

enquadramento ou não da prática nas espécies de assédio moral.

Nos acórdãos AM-2 e AM-25, as empregadas alegam ter sofrido com perseguições de

prepostos da empresa Contax. No acórdão AM-2, a situação fática levada à apreciação

do órgão julgador remete à perseguição operada para que a empregada fosse forçada a

pedir demissão, o que findou por ocorrer. Já no acórdão AM-25, a empregada aduz que

sofria com perseguição de seu superior hierárquico, que lhe aplicava punições sem justo

motivo, como se extrai das narrativas dos acórdãos a seguir destacados:

o autor informou, em síntese, que apresentou pedido de demissão do

emprego contra a sua vontade, em virtude do assédio moral

promovido contra ele por seu superior hierárquico (coordenador). Em

vista disso, pediu a reversão da rescisão contratual "a pedido" para

127

"demissão imotivada" e o consequente pagamento das verbas

rescisórias devidas, além de indenização por danos morais. (AM-2)

[...] a atitude discriminatória indicada na exordial, no sentido de que

sofria perseguição por parte da supervisora, que lhe aplicava punições

sem justo motivo. (AM-25).

No caso em exame, caberia às empregadas apresentarem provas da perseguição que

findou por motivá-las a pedir dispensa do emprego, no caso do acórdão AM-2, ou

mesmo que havia discriminação por parte do preposto da empresa, no sentido de lhe

aplicar punições injustificadas, no caso do acórdão AM-25, a teor do que dispõe o artigo

373, I, do Código de Processo Civil e artigo 818 da CLT, já que se trata de fatos

constitutivos de seus respectivos direitos. Contudo, as empregadas produziram apenas

provas frágeis, que não foram hábeis a desonerá-las de seus encargos probatórios, na

medida que, conforme se denota do trecho do acórdão AM-2, em depoimento, a

testemunha ouvida a convite da empregada não soube precisar com clareza as

perseguições alardeadas na sua peça inicial, como é possível inferir do trecho a seguir

transcrito:

Com efeito, a única testemunha ouvida em audiência (ata de ID

1772487), trazida pelo autor, apesar de haver trabalhado com ele, não

estava subordinada ao mesmo coordenador e apenas tinha

conhecimento dos supostos atos de perseguição pela narrativa do

próprio reclamante [...] (AM-2)

Em igual sentido, as alegações suscitadas pela empregada e analisadas no acórdão AM-

25, não foram suficientes para caracterizar a perseguição denunciada, conforme

fundamentado no trecho extraído do acordão a seguir: “Na espécie, as declarações da

testemunha por ela trazida não se revelaram suficientes a caracterizar a atitude

discriminatória indicada na exordial [...] (AM-25)”. Importa ressaltar que as declarações

da testemunha não foram transcritas para o acórdão, o que inviabiliza a análise da

conclusão a que se chegou.

A insuficiência de provas exsurge novamente como empecilho ao direito postulado

pelos trabalhadores, pois: “A finalidade da prova é formar a convicção do juiz sobre os

fatos relevantes e pertinentes da causa (SCHIAVI, 2016, p. 3).” Nesse sentido, à mingua

de elementos das práticas operacionalizadas pelos prepostos da empresa Contax, as

análises aprofundadas dos acórdãos ficam prejudicadas.

128

Ressalte-se, por fim, que a individualização do alvo e a inexistência da característica

estrutural, conforme diferenciação exposta no quadro 5 elaborado por Gosdal e outros

(2009), e superficialmente apurada através dos elementos extraídos dos trechos acima

destacados, afastam o enquadramento da espécie do assédio moral organizacional. Por

essa razão, ainda que os depoimentos tenham se demonstrado inservíveis do ponto de

vista processual, pode-se inferir que a conduta analisada não poderia ser enquadrada

como assédio moral organizacional, mas, se fossem realmente comprovados,

poderíamos estar perante casos de assédio moral interpessoal.

f) Demissão de gestantes

Os acórdãos AM-14 e AM-16 analisaram uma mesma situação fática, qual seja, a

demissão de empregadas gestantes. Em ambos os casos, a empresa Contax foi

condenada a indenizar pelo dano de natureza extrapatrimonial devidamente comprovado

nos processos, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Contudo, deve-se registrar que os fundamentos dos acórdãos foram diferentes, pois no

acórdão AM-14 a indenização foi deferida pela ocorrência do assédio moral. Nestes

autos, a empregada comprovou que foi levada a despedir-se, ou seja, a trabalhadora

demonstrou que elaborou a carta de demissão, abrindo mão de seus direitos trabalhistas,

e principalmente de sua estabilidade provisória assegurada pelo artigo 10, II, b do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias, tudo em razão do assédio moral praticado

contra ela por uma superior hierárquica.

Os fatos restaram registrados no acórdão AM-14, pois o órgão julgador cuidou de

transcrever o depoimento da testemunha que corroborou as alegações suscitadas na

reclamação trabalhista, conforme pode ser observado no trecho a seguir:

que vários funcionários, inclusive a depoente, já ouviram quando a

supervisora Maili dizia que a reclamante tinha que pedir demissão,

senão seria desligada por justa causa; que a supervisora "batia de

frente" com a reclamante porque a mesma apresentava atestados em

razão de estar grávida; que a depoente escutou as ameaças da Sra.

Maili diversas vezes; que a reclamante acabou por ter que pedir

demissão em razão dessa situação (AM-14).

129

Diante das provas existentes nos autos, o órgão julgador entendeu por reconhecer o

assédio moral e, consequentemente, determinou a reversão da espécie demissionária

para demissão sem justa causa, com indenização pelo período da estabilidade provisória

e indenização pelo dano extrapatrimonial já mencionado.

A prática analisada foi observada no trabalho de Fernandez e Nava (2010) ao

concluírem que o assédio moral no trabalho está vinculado ao processo depreciativo,

agressivo, sistematicamente realizado, através de humilhações e desrespeito à dignidade

do trabalhador, de modo a minar a integridade psicológica deste, com a propósito de

fazer com que o empregado se despeça por ato de aparente vontade, o que se enquadra

perfeitamente na prática analisada no acórdão AM-14.

No caso analisado no acórdão AM-16, a empregada gestante foi demitida por justa

causa, afastando por via de consequência a garantia provisória de emprego prevista no

artigo 10, II, b do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A sentença de

primeiro grau reconheceu a existência de assédio moral, pois entendeu que a justa causa

não foi devidamente aplicada, o que levou à aplicação de uma penalidade injusta à

reclamante, que se encontrava gestante, com o agravante dos problemas de saúde

comprovados nos autos, sendo ambos de conhecimento do empregador, que, mesmo a

despeito da condição da empregada, decidiu por dispensá-la por justa causa.

O órgão julgador entendeu por registrar no acórdão AM-16 o trecho do depoimento da

prova testemunhal produzida pela empresa, consignando que:

trabalha na Ré há cerca de três (3) anos e que foi supervisor da

Reclamante a qual faltava com constância e dizia que estava com crise

de ansiedade, tendo em alguns momentos apresentado atestados a esse

respeito, mas em outros não; e já viu a Reclamante sair antes do

horário chorando e muito afetada, e que teria faltado no dia seguinte,

apresentando mesmo aparência de doença psicológica; e que soube

que a Reclamante perdeu um bebê e que quando a Reclamante foi

demitida agora há pouco já se sabia que ela estava grávida

novamente.(Id df67934 - Pág. 1) (AM-16)

Diante das provas produzidas nos autos, o TRT6 entendeu por rever a decisão

monocrática, tendo em vista que o fato não se revestiu dos elementos do assédio moral,

conforme decidido em primeiro grau de jurisdição, mas apenas deferiu o pagamento da

indenização por danos morais, exclusivamente, “em face da dispensa arbitrária da

130

reclamante no momento de extrema fragilidade em que se encontrava (AM-16)”.

Reitere-se que a indenização deferida tem como causa um ato isolado ocasionado por

conduta deliberada da empresa Contax, qual seja, demissão arbitrária da trabalhadora

enquanto incontroversamente quedava-se enferma e grávida.

À luz da literatura apresentada no referencial teórico, é possível inferir que a gestante

pode estar incluída como alvo tanto do assédio moral interpessoal, quanto na espécie

organizacional, quando apoiado na discriminação, conforme se extrai do quadro 5,

elaborado por Gosdal e outros (2009). No entanto, diferencia-se o assédio moral

interpessoal do organizacional quando a discriminação da gestante ocorre através da

perseguição pessoal de colegas ou prepostos (interpessoal) e na discriminação arraigada

na política de gestão da empresa relacionada aos empregados que fazem parte de um

determinado grupo (organizacional).

Dessa maneira, no acórdão AM-14, é possível perceber que se trata de discriminação de

ordem interpessoal, desferida pela preposta em desfavor de sua subordinada gestante,

pois restou registrada no acórdão a prova de “que a supervisora „batia de frente‟ com a

reclamante, porque a mesma apresentava atestados em razão de estar grávida (AM-14)”.

Registre-se, contudo, que não há prova nos autos de que a posição adotada pela preposta

fosse igualmente aplicada às demais empregadas na mesma situação, e por essa razão

sugere-se o enquadramento do elemento caracterizador do assédio moral interpessoal, o

alvo (ver quadro 5).

A conduta é notadamente negativa e ostensiva, pois o tratamento dispensado pela

preposta denota prática degradante através das ameaças desferidas em desfavor da

empregada, o que é potencializado principalmente pelo fato de estar grávida. A conduta

da preposta se perfilha com o que literatura (GOSDAL et al., 2009) descreve como

processo sistemático de hostilização, pois se protrai no tempo de forma repetida e

sistematizada, com a finalidade de forçar a empregada a despedir-se, restando

evidenciada a intencionalidade sádica de prejudicar o trabalhador em razão de sua

gestação.

No entanto, deve-se observar que não houve o perfeito perfilhamento do acórdão AM-

14 com a literatura utilizada, pois deixou de se especificar a espécie do assédio moral

131

interpessoal, o que forneceria à empresa a real extensão e profundidade das práticas

adotadas por uma de suas prepostas, e com isso poderia adotar métodos de controle e

correção para que fatos iguais aos analisados não voltassem a ocorrer.

Por sua vez, no acórdão AM-16, o órgão julgador entendeu que não houve a

caracterização do assédio moral, pois o sofrimento, a dor e a sensação de tristeza que

assolaram a empregada decorreram do ato demissional, ou seja, a agressão foi pontual e

única. Dito de outra maneira, percebe-se que não há um processo sistemático de

hostilização. Por outro lado, não se pode deixar de observar que a conduta negativa da

empresa Contax foi levada a efeito quando a empregada estava gestante, e, portanto,

albergada pela garantia provisória de emprego, que foi relativizada em função da

aplicação da demissão por justo motivo (artigo 482 da CLT).

Hirigoyen (2006, p. 30) distingue o assédio moral das agressões pontuais e ressalta: “O

termo assédio moral não é o ideal para qualificar uma atitude agressiva pontual do

empregador, mesmo que a agressão tenha provocado consequências especialmente

graves para a vítima”. Deve ser ressaltado que o fato de a agressão pontual não ser

considerada como assédio moral não afasta a possibilidade de reparação pelos danos

causados à vítima da conduta hostil, pois, embora não tenha sido premeditada e seja

possivelmente fruto de um ato de impulsividade do agressor, causou dor e humilhação,

ferindo um bem inafastável do trabalhador, a moral, sendo dessa maneira reparável

juridicamente. Portanto a decisão constante do acórdão AM-16 está afinada com a

literatura estudada.

g) Limitação do uso do banheiro

Essa prática foi igualmente identificada quando da análise dos acórdãos que foram

selecionados com as palavras-chave assédio moral organizacional e empresa Contax,

conforme se observa do tópico 4.2.1, item “a”. Na primeira análise, foi verificado (ver

quadro 12) que o assédio moral organizacional não foi reconhecido em qualquer dos

acórdãos selecionados, sendo apenas verificada a menção à referida espécie na decisão

monocrática que foi reformada pelo acórdão AMO-4.

Diante da análise dos dados, foi possível observar ainda que a limitação do uso do

banheiro, embora tenha sido reconhecida como elemento do poder diretivo do

132

empregador, nos acórdãos AMO-1, AMO-3 e AMO-4, e como assédio moral

“genérico”, no acórdão AMO-5, apresenta, em tais casos, elementos da prática apontada

pela literatura como deletéria ao trabalhador, denominada de assédio moral

organizacional.

Por sua vez, fazendo o uso das palavras-chave assédio moral e empresa Contax, foi

possível se identificar a limitação do uso do banheiro como a prática que mais motiva os

trabalhadores a ajuizarem ações trabalhistas em face de seu (ex-)empregador. Essa

constatação se tornou possível através dos dados constantes do quadro 10, em paralelo

com os dados sintetizados no quadro 14, tendo-se como resultado a constatação de que

todos os acórdãos analisaram a prática da limitação do uso do banheiro. Nesse sentido,

será realizada a análise da referida prática, dividindo-se as decisões que reconheceram

as práticas deletérias, daquelas que não reconheceram, conforme se observa do quadro a

seguir:

Quadro 15 – verificação da limitação do tempo do uso do banheiro como conduta deletéria.

Codificação do acórdão Enquadramento assédio moral Condenação Valor

AM-3 Não Não -

AM-4 Não Não -

AM-5 Não Não -

AM-6 Não Não -

AM-8 Não Não -

AM-10 Não Não -

AM-11 Não Não -

AM-12 Não Não -

AM-17 Não Não -

AM-18 Sim Sim R$ 5.000,00

AM-19 Sim Sim R$ 3.000,00

AM-20 Sim Sim R$ 3.000,00

AM-21 Não Não -

AM-23 Não Não -

AM-26 Não Não -

Nota-se no quadro 15 que apenas 3 (três) acórdãos reconheceram a limitação do tempo

de utilização do banheiro como prática danosa ao empregado, impingindo à empresa

Contax a condenação ao pagamento de indenizações pelos danos extrapatrimoniais

causados. Os 12 (doze) acórdãos remanescentes não reconheceram a limitação do tempo

133

de uso do banheiro como prática que viesse a ocasionar o assédio, qualquer que seja a

espécie, através dos fundamentos que serão analisados adiante.

Inicialmente, da leitura do acórdão AM-18, verificou-se que o órgão julgador foi instado

apenas a apreciar o valor da indenização, não havendo discussão sobre a existência do

assédio moral. Isso porque o empregado obteve o deferimento do seu pedido na

sentença de primeiro grau, recorrendo apenas quanto ao valor, por entender que a

indenização não correspondia ao agravo sofrido. Por sua vez, a empresa Contax não

recorreu da decisão do juízo monocrático. Diante de tal cenário, a discussão perante o

TRT6 ficou adstrita ao quantum indenizatório, prejudicando a análise dos dados para

fins deste estudo.

Dentre os 12 (doze) acórdãos que não reconheceram o assédio moral na prática de

limitação do uso do banheiro, 9 (nove) registraram que, embora tenham sido produzidas

provas nos autos, estas não foram suficientes para comprovar a existência da limitação

alardeada pelos trabalhadores, de modo que não seria possível reconhecer o ilícito de

ordem trabalhista por ausência de elementos necessários à formação do convencimento

do órgão julgador, sendo certo que este ônus caberia aos empregados, que dele não se

desincumbiram.

Nota-se que o dever do empregado de provar os fatos constitutivos do direito postulado

é inarredável. A posição adotada pelo órgão julgador no acórdão AM-21 deixa evidente

a necessidade de se produzirem provas hábeis a fundamentar a decisão, do contrário a

improcedência do pedido será medida que se impõe. Nesse sentido, transcreve-se o

trecho do acórdão AM-21:

Apesar de acompanhar o entendimento do TST no sentido de que a

simples existência de controle do tempo de acesso aos banheiros por

parte do empregador, por si só, já configuraria situação que atinge a

dignidade da pessoa humana e viola o direito à intimidade, verifico

que na hipótese dos autos essa situação não ficou configurada.

É que a prova oral produzida, consistente no depoimento da única

testemunha ouvida no processo e apresentada pela autora, não

confirmou as alegações contidas na exordial no ponto [...]

No trecho transcrito acima, é possível perceber que o relator possui entendimento no

sentido de que a simples existência do controle no uso do banheiro já configuraria a

violação dos princípios da intimidade e dignidade da pessoa humana, posição essa, nas

134

palavras do julgador, que é adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Contudo, à

mingua de provas que pudessem comprovar as alegações lançadas na petição inicial, o

pedido formulado foi indeferido.

A mesma linha de fundamentação foi consignada nos acórdãos AM-3, AM-4, AM-5,

AM-6, AM-10, AM-11, AM-17, AM-23 e AM-26, ou seja, no sentido de que não foram

apresentadas provas suficientes para comprovar a existência da limitação do uso do

banheiro, ou ainda foram produzidas provas no sentido de que não havia limitação do

uso do banheiro, como, por exemplo, o que ficou consignado no trecho do acórdão AM-

5 a seguir:

Restou incontroverso que a reclamante gozava de uma pausa de 20

minutos para refeição durante a jornada de trabalho e outras duas

pausas de 10 minutos.

Nestes intervalos o empregado é livre para fazer o que quiser,

inclusive ir ao banheiro, além das pausas impostas pelas necessidades

que segundo a testemunha nunca lhes foram negadas.

Nesse sentido, não havendo provas, ou caso existam não demonstrem a restrição do uso

do banheiro, não se pode falar em prática irregular levada a efeito pela empresa Contax,

e, por essa razão, os acórdãos que não trouxeram em seu bojo as provas necessárias à

análise dos elementos da existência do assédio moral organizacional deixaram de ser

analisados por serem inviáveis.

Nos acórdãos AM-8 e AM-12, os órgãos julgadores entenderam que não houve conduta

irregular da empresa Contax ao limitar uso do banheiro, asseverando que tais práticas

fazem parte do poder diretivo do empregador, e, por esse motivo, não podem ser

enquadradas como assédio moral, tampouco podem ser indenizáveis no aspecto

extrapatrimonial.

Nesse contexto, o acórdão AM-8 considerou que a prática da empresa seria tão somente

uma supervisão criteriosa, o que não se confunde com assédio moral, consignando ainda

a seguinte fundamentação:

Registro que, ao meu sentir, o fato da empresa ré ser comunicada

sobre as idas ao banheiro não configura assédio moral, visto ser

admitido certo controle quanto a isso, pois é compreensível que os

empregados não possam parar o atendimento e irem ao banheiro num

135

mesmo momento, a não ser que estejam realmente necessitados e não

possam esperar (AM-8).

Em igual sentido, no acórdão AM-12, a decisão considerou que a limitação do uso do

banheiro não excederia o limite do poder de organização do empregador, pois as pausas

legalmente estabelecidas (duas pausas de 10 minutos e uma de 20 minutos) numa

jornada de seis horas seriam suficientes para o empregado fazer suas necessidades

fisiológicas. Registra ainda que, caso fosse necessário, o empregado poderia ir ao

banheiro fora de tais intervalos, mas teria que avisar o supervisor e respeitar o limite de

cinco minutos, como se observa do trecho a seguir transcrito:

Saliente-se que a jornada da autora era de 6 horas e que contava ela

com duas pausas de dez minutos cada, além do intervalo intrajornada

de vinte minutos, e que não lhe era vedado, fora destes intervalos, idas

ao banheiro, impondo-lhe a reclamada apenas a solicitação de

afastamento ao supervisor e o limite de cinco minutos.

O controle encontra fundamento na tentativa de obstar a sobrecarga da

linha telefônica e do trabalho dos demais atendentes (AM-12).

Analisando o trecho transcrito, percebe-se que há certa coisificação do trabalhador, que

tem que se utilizar das pausas predeterminadas para realização de suas necessidades

fisiológicas. Percebe-se que não se leva em consideração a dignidade da pessoa humana,

tampouco o direito à intimidade, na medida que o empregado é obrigado a pedir a um

supervisor autorização para fazer suas necessidades fisiológicas em cinco minutos.

As decisões analisadas demonstram um elevado grau de subjetividade, pois para os

órgãos julgadores dos acórdãos AMO-8 e AM-12 a prática de controlar o uso do

banheiro se trata de mera supervisão criteriosa, já para o julgador do acórdão AM-21, a

“simples existência de controle do tempo de acesso aos banheiros por parte do

empregador, por si só, já configuraria situação que atinge a dignidade da pessoa humana

e viola o direito à intimidade”. Esta decisão afina-se com a explicação de Pohlmann

(2014) no sentido de que há certa dificuldade de se identificar o assédio moral

organizacional na prática, principalmente em função da intersubjetivação do empregado

e, por essa razão, não se faria necessário o apontamento efetivo dos danos

experimentados, pois a potencialidade destrutiva dos ideais da gestão predatória é

intrínseca, ou seja, a violência tem caráter estrutural e não apenas pontual ou casual.

136

Portanto, nota-se que as fundamentações dos acórdãos AMO-8 e AM-12 pairam sob

ambiente obscuro da subjetividade, sendo importante para o presente estudo ressaltar a

posição da mais alta corte na matéria de direito do trabalho no Brasil para definir tal

prática como degradante e violadora dos direitos fundamentais do empregado, conforme

se extrai do acórdão AM-21.

Igualmente, a literatura tem posição bem definida sobre a prática de controle do tempo

no banheiro. Conforme verificado no referencial teórico, Gosdal e outros (2009)

apontaram textualmente o controle do uso do banheiro como uma prática que

corresponde ao assédio moral organizacional. Por sua vez, Soboll (2008) apontou como

uma das táticas de gestão por estresse a supervisão exagerada, ou seja, como expressão

do assédio moral organizacional.

Nota-se da decisão AM-12 que, caso o empregado excedesse os cinco minutos,

prejudicaria a equipe, fato que desagradava o supervisor e a equipe, conforme pode-se

extrair do trecho que segue:

que, quando iam ao banheiro, deixavam o aparelho ligado e havia um

controle pelo supervisor que aquele intervalo, superando 5 minutos, a

tela passava a ficar vermelha; que assim acontecendo ia ao banheiro e

avisava a extrapolação; que a extrapolação de horário trazia prejuízo

para toda a equipe, porque prejudicava a aderência da equipe, na

verdade, os próprios colegas não gostavam de outros que

ultrapassavam os 5 minutos, e com mais razão o supervisor. (AM-12)

Na narrativa destacada acima, pode-se perceber que a empresa coloca um funcionário

de mesma hierarquia para fiscalizar as pausas do outro, de modo que não apenas o

supervisor por ordem da empresa exerce a pressão sob o empregado, mas os demais

colegas de trabalho não gostavam dos empregados que ultrapassavam os cinco minutos

autorizados.

Nesse sentido, faz-se presente a violência estrutural citada por Pohlmann (2014), pois o

controle do uso do banheiro está introduzido no método de gestão da empresa. No

acórdão AM-12, percebe-se que os empregados não gostavam que os demais

ultrapassassem os cinco minutos para pausa pessoal, o que demonstra que a prática

adotada pela empresa foi intersubjetivada pelos demais empregados, ou seja, a violência

passou a ser não reconhecida a tal ponto que os próprios trabalhadores reproduziram o

137

mal, multiplicando a dor e o sofrimento, internalizando os atos hostis como necessários

à persecução de seus objetivos. As metas impostas pela empresa, que nada mais são do

que os objetivos da organização, são confundidos com os objetivos dos próprios

empregados, passando de sujeitos passivos (o alvo) a ferramentas de operacionalização

do assédio moral organizacional.

Ainda analisando acórdão AM-12, observa-se que o órgão julgador justificou a

limitação do uso do banheiro no fato de que as ausências reiteradas dos trabalhadores

poderiam ocasionar uma sobrecarga na linha telefônica e no trabalho dos demais

empregados. No entanto, não houve qualquer análise acerca da (in)suficiência dos

recursos humanos para o desenvolvimento das atividades assumidas pela empresa,

tornando-se tênue a linha que distingue a mera organização do posto de trabalho como

poder diretivo do empregador (NASCIMENTO, 2011) e não como violação dos direitos

dos empregados (ARAÚJO, 2006).

A pausa para tomar água e ir ao banheiro, embora não veementemente proibida, foi

posta pelo empregador como prejuízo à equipe, pois, além de prejudicar a aderência às

normas da empresa, ocasiona o acúmulo de ligações para os demais. Tais fatos

ocasionavam o descumprimento das metas estabelecidas, desaguando mais uma vez no

elemento caracterizador do assédio moral organizacional, finalidade gerencial.

Em sentido oposto, os acórdãos AM-19 e AM-20 reconheceram o assédio moral

(genérico) na prática de limitar o uso do banheiro. Nestes acórdãos, as provas

produzidas não se afastam daquelas que foram consignadas nos acórdãos que

entenderam por indeferir o pedido de reconhecimento do assédio moral. Nesse sentido,

se transcreve a prova testemunhal existente no acórdão AM-19:

[...] que a depoente alega que as situações relativas ao assédio moral

se davam quando a mesma precisava ir ao sanitário, indicando que

ficavam no sistema registradas pausas pessoais no código 031, e que

este intervalo seria para utilização no tempo e que precisasse, contudo,

havia reclamações pelo supervisor de que a mesma não deveria fazer

uso frequente destas pausas para não prejudicar as metas da equipe e a

meta individual também; que se a pausa passasse de 10 minutos,

acontecia de a supervisora do sexo feminino ir ao sanitário, e se fosse

do sexo masculino, ficar do lado de fora; que acredita que na sua

célula, tinha 3 ou 4 supervisores, isto durante o horário de trabalho, e

que estas situações também aconteciam com o recte; que afirma que

presenciou o recte. sofrendo tais intervenções, mas não se lembra

138

quem era o supervisor que abordou o recte; [...] (ID 7acde4f - sem os

grifos).

A segunda testemunha também confirmou: [...] que o depoente, caso

precisasse ir ao sanitário, eram concedidas pausas pessoais, que

também ficavam registradas no sistema; que a empresa dizia que estas

pausas não tinham limites, mas se tirassem mais de uma pausa, era

chamado a atenção pela pessoa que fosse o supervisor do dia; que

estas pausas interferiam nas suas metas; [...] (ID 7acde4f - sem os

grifos).

Analisando as declarações reproduzidas no acórdão, foi identificado que a prática de

fiscalizar os empregados no tempo de utilização do banheiro não está ligada à intenção

de determinados prepostos de constranger ou humilhar os seus subordinados. Pelo

contrário, o que se pode inferir é que a limitação ou restrição do uso do banheiro estão

ligadas diretamente às metas da empresa, ou seja, possuem finalidade nitidamente

gerencial (POHLMANN, 2014).

Percebe-se ainda que o próprio sistema utilizado pela empresa Contax registra as pausas

realizadas, através do código 031, o que indica que esse controle está arraigado como

característica estrutural da empresa, na medida em que controla, limita e até restringe a

utilização do banheiro para satisfazer sua finalidade gerencial. Dessa maneira, observa-

se que os supervisores estão sendo utilizados como mera ferramenta para a execução de

uma prática que está inserida na estrutura da empresa. Verifica-se nas narrativas

analisadas que a limitação do uso do banheiro não era individualizada como conduta de

um ou outro preposto déspota, mas que os supervisores eram utilizados para exercer

pressão em seus subordinados.

Ademais, é possível inferir dos acórdãos analisados que a prática levada a efeito pela

empresa é uma constante, mesmo que em vários casos os empregados não consigam se

desincumbir de seus ônus probatórios, ou mesmo que o órgão julgador entenda que se

trata de prática lícita decorrente do poder diretivo basilar na relação de trabalho.

Fundamentando o acórdão AM-19, o órgão julgador fez interessante reflexão quanto aos

casos postos à apreciação do judiciário, ao mencionar: “Como se pode ver por estes

depoimentos e também pelos tantos outros colhidos nos diversos processos que

tramitam nesta Regional, cujo mote é o mesmo - assédio moral (AM-19).”, referindo-se

à prática da limitação do uso do banheiro. Portanto, entende-se que a característica

estrutural foi suficientemente identificada nos casos analisados.

139

A temporalidade, conforme analisado no referencial teórico, diz respeito ao

prolongamento das práticas executadas pela organização, de forma duradoura ou

permanente. Contudo, não possui conceituação objetiva quanto ao mínimo de tempo

exigido para enquadrá-la como elemento do assédio moral organizacional. Porém,

percebe-se que há uma relação arraigada com a caraterística estrutural e com a

finalidade gerencial, pois a prática deletéria se protrai no tempo em decorrência da

própria conjuntura organizacional.

Embora o órgão julgador não tenha enquadrado a prática da empresa como assédio

moral organizacional, a análise para fundamentação se utilizou dos elementos

encontrados na literatura ao tratar do assédio moral organizacional.

[...] evidente está que o autor sofria, diariamente, controle no tempo

despendido no uso dos banheiros, apesar das necessidades fisiológicas

do ser humano, durante a jornada laboral, com intuito de otimizar a

produtividade, o que afronta a dignidade do trabalhador (AM-19).

A repetição foi igualmente identificada na análise do acórdão AM-19, segundo se

observa do trecho transcrito acima. Conforme observado na construção teórica, a

repetição é um elemento caracterizador do assédio moral organizacional, embora não

seja diferenciador, já que pode ser encontrado tanto no assédio moral interpessoal

quanto no assédio moral organizacional. No caso examinado, a prática da empresa tem

recorrência diária e está relacionada intrinsecamente à sua estrutura, com a finalidade de

atingir os objetivos organizacionais, ou como consignado no acórdão “com intuito de

otimizar a produtividade (AM-19)”.

Percebe-se que a busca desenfreada por melhores resultados está intrinsecamente ligada

ao sistema capitalista, sendo capaz de fomentar práticas que, embora não se destinem a

prejudicar o(s) trabalhador(es), possam ocasionar danos diretos e indiretos à saúde dos

empregados através da violação aos direitos destes, sob o pálio de buscar um

aperfeiçoamento na produtividade e nos resultados da organização, conforme se

depreende do trecho destacado do acórdão AM-19:

Deste modo, tenho que restou comprovado que a ré, na busca pelos

melhores resultados e maior produtividade, estabeleceu na relação de

140

trabalho um ambiente de pressão psicológica, ferindo a dignidade dos

seus empregados.

Conforme analisado no referencial teórico, item 2.3.1, o meio ambiente de trabalho

sadio e equilibrado e a dignidade dos trabalhadores fazem parte dos direitos dos

trabalhadores, que foram reconhecidamente violados, segundo a fundamentação do

órgão julgador no acórdão AM-19 a seguir destacado:

Assim, imprescindível a punição do ofensor, com a reparação dos

danos, que atentam contra a dignidade da pessoa, direito fundamental

resguardado pelo artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, mediante

indenização pertinente, com lastro nos artigos 5º, incisos V e X, da

C.F., 186 e 927, do Código Civil Brasileiro.

Nessa mesma linha, o acórdão AM-20 analisou as provas dos autos e consignou que a

limitação do uso do banheiro seria uma prática deletéria e por essa razão deve ser

reconhecido o direito à indenização extrapatrimonial postulada. Os depoimentos

transcritos guardam semelhança com aquele consignado no acórdão AM-19, que

igualmente reconheceu o assédio moral na prática de controle do uso do banheiro.

No acórdão AM-20, o órgão julgador extraiu dos depoimentos transcritos que a empresa

controlava excessivamente os empregados que necessitavam ir ao banheiro, sem que

estivessem nos momentos de intervalos legalmente definidos. Pontuou como

desarrazoada a necessidade de o empregado se explicar ao supervisor quando houvesse

a necessidade de se ultrapassar o tempo estimado pela empresa. Objurgando a prática

reconhecida, o órgão julgador esclareceu que:

[...] o empregador não pode, a pretexto de exercer seu poder diretivo,

estabelecer regras de uso de banheiro, impondo limites e implantando

uma fiscalização que interfere diretamente na intimidade dos

empregados, causando-lhes constrangimentos (AM-20).

A prática da limitação do uso do banheiro é uma violação ao direito à intimidade e à

dignidade do empregado, tendo potencial, assim como outras, de ultrapassar a esfera da

dor psicológica em razão dos constrangimentos sofridos, trazendo problemas de

natureza física ao trabalhador (SOBOLL, 2008).

Na atividade preponderante da empresa, existe a necessidade do uso constante da voz, e,

em razão disso, a ingestão de líquidos é primordial para garantir a saúde do trabalhador.

Observa-se, portanto, que a ingestão de líquidos e a limitação do uso do banheiro são

141

incongruentes, na medida em que, se o empregado sabe que há uma limitação

institucional para o uso do banheiro, internalizada por seus pares, irá reduzir o consumo

de água, ainda que inconscientemente, prejudicando sua saúde. Nesse sentido,

Pohlmann (2014, p. 66) explica que:

Resultado disso, ainda que o assédio moral organizacional tenha como

objetivos o controle do grupo e a realização dos objetivos

organizacionais, seus efeitos para vida e para a saúde dos

trabalhadores são altamente prejudiciais. O assédio organizacional

pode ter repercussões graves na saúde e na vida de quem é submetido

a estas circunstâncias.

Portanto, a limitação do tempo do banheiro pode ocasionar danos perceptíveis ou

imperceptíveis ao trabalhador. Para órgão julgador do acórdão AM-19, no entanto, não

há necessidade de se demonstrar a efetivação do dano para se configurar o assédio

moral organizacional, ao asseverar que “não tem relevância que o autor nunca tenha

sofrido punição por exceder tais intervalos. A limitação por si só já configura o assédio

(AM-19)”.

Os acórdãos AM-19 e AM-20 corroboraram a existência da prática negativa e

prejudicial ao trabalhador, contudo divergiram no enquadramento. De um lado, o

acórdão AM-19 entendeu por enquadrar a conduta da empresa como assédio moral (de

forma genérica), conforme se pode perceber no trecho que se transcreve a seguir:

Assim, imprescindível a punição do ofensor, com a reparação dos

danos, que atentam contra a dignidade da pessoa, direito fundamental

resguardado pelo artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, mediante

indenização pertinente, com lastro nos artigos 5º, incisos V e X, da

C.F., 186 e 927, do Código Civil Brasileiro. Uma vez constatado o

assédio moral, correta a sentença que condenou a ofensora na

indenização por danos morais. (AM-19).

Já o acórdão AM-20 procedeu à análise dos fatos levados a seu conhecimento com base

simplesmente como dano moral.

Trata-se, pois, de indubitável extrapolação dos contornos da

prerrogativa patronal de dirigir a prestação do serviço obreiro,

consistindo em nítido abuso de direito. Inteligência do art. 187 do

Código Civil Pátrio.

[...]

142

Evidentes, assim, os elementos caracterizadores do dano moral: a

conduta antijurídica (controle excessivo do direito de o empregado

fazer suas necessidades fisiológicas), o dano (o constrangimento, a dor

psicológica) e o nexo de causalidade (AM-20).

Em apertada síntese, pode-se afirmar que nenhum dos acórdãos analisados reconheceu a

espécie assédio moral organizacional, pois o AM-20 analisou os requisitos para

deferimento do dano moral, enquanto que o AM-19 enquadrou a prática como assédio

moral, mas não teceu qualquer delimitação quanto à espécie.

143

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo a verificação dos julgados do Tribunal Regional

do Trabalho da 6ª Região, com a finalidade de se analisar a existência do

reconhecimento da espécie assédio moral organizacional à luz dos elementos

caracterizadores delineados pela literatura.

Para atingir o objetivo proposto, o foram traçados três objetivos específicos. O primeiro

e o segundo objetivos específicos se restringiram a identificar os elementos

caracterizadores do assédio moral interpessoal e do assédio moral organizacional, sendo

ainda realizado um comparativo entre as duas espécies de assédio moral. Tais objetivos

foram devidamente cumpridos através dos teóricos referenciados. A identificação desses

elementos foi essencial para evitar a confusão conceitual ao ser aplicado o roteiro de

análise de conteúdo constante do apêndice 1.

No terceiro objetivo específico, foram analisados acórdãos extraídos do site do TRT6,

com a finalidade de identificar as práticas de gestão da empresa Contax, segundo as

reclamações dos (ex-)empregados levados ao conhecimento do poder judiciário à luz

dos elementos que foram identificados no primeiro e segundo objetivos, com o objetivo

de observar se há o reconhecimento do assédio moral organizacional nas condutas da

empresa Contax, sendo o terceiro objetivo atingido parcialmente.

O resultado do terceiro objetivo foi obtido com a análise dos dados extraídos de 32

(trinta e dois) acórdãos retirados do site do TRT6. Destes dados analisados se observa

que 9 (nove) acórdãos reconheceram os direitos dos trabalhadores à indenização por

danos extrapatrimoniais, tendo os valores sido fixados entre R$ 3.000,00 (três mil reais)

e R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Dentre as práticas mais recorrentes, a limitação do uso do banheiro foi a que teve maior

expressividade, com 19 (dezenove) ocorrências, embora tenha sido reconhecido o

direito à indenização extrapatrimonial em apenas 3 (três) acórdãos. Os demais achados

foram distribuídos conforme quadro 16 a seguir:

144

Quadro 16 – Demonstração dos resultados encontrados

Práticas apreciadas pelo judiciário Recorrência Número de

condenações

Total das

condenações em

R$

Limitação do uso do banheiro 19 3 11.000,00

Imposição de metas inexequíveis 1 0 -

Imposição de estigma 1 1 10.000,00

Humilhação 2 1 5.000,00

Pressão 5 0 -

Alteração do transporte 2 1 3.000,00

Ócio humilhante 1 1 5.000,00

Perseguição 2 0 -

Demissão de gestantes 2 2 10.000,00

Fonte: Autor da pesquisa (2017)

Com base nos dados fornecidos pelos acórdãos analisados, foi possível observar que

nenhum deles reconheceu o assédio moral na espécie organizacional. Contudo, caso

essas decisões fossem analisadas à luz dos elementos caracterizadores apontados pela

literatura, seria possível que o órgão julgador reconhecesse o assédio moral

organizacional nos casos de limitação do uso do banheiro, imposição de estigma e da

pressão para atingimento das metas.

Pode-se igualmente perceber que, nos casos em que os acórdãos reconheceram as

condutas como assédio moral, não foram realizadas as distinções das espécies

analisadas, ou seja, a decisão Tribunal Regional do Trabalho não permite identificar de

imediato se o dano decorre da atitude de um empregado déspota, como ocorreu nas

análises das humilhações, do ócio humilhante e da demissão da empregada gestante, nos

termos do acórdão AM-16.

Dito de outra maneira, mesmo estando presentes todos os elementos caracterizadores do

assédio moral interpessoal ou perverso, o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta

Região não especifica a espécie do assédio que se está julgando, sendo as decisões

genéricas nesse sentido, o que torna invisibilizado o problema do assédio moral

organizacional e, por conseguinte, afasta o caráter pedagógico da medida, a fim de que a

empresa não permaneça praticando os atos danosos aos empregados. Portanto, em razão

145

desses fundamentos, é possível observar que o terceiro objetivo foi cumprido

parcialmente.

Regatando os fundamentos do referencial teórico, observa-se a inexistência de

legislação específica no Brasil para enquadramento do assédio moral (interpessoal ou

organizacional), o que pode ser considerado como um elemento dificultador para que as

decisões sejam mais específicas. A existência de legislação específica induziria o

operador do direito a elaborar pedidos mais específicos, com apresentação dos

elementos exatos e correspondentes ao agravo alegadamente sofrido pelo trabalhador,

fatos estes que forçariam o poder judiciário a analisar o pedido sob a ótica levada ao seu

conhecimento.

Contudo, conforme também identificado no referencial teórico, pode-se verificar a

existência de legislação (utilizada subsidiariamente), da jurisprudência e da literatura

especializada, todas suficientes para a realização do correto e fiel enquadramento das

decisões judiciais. Assim, embora exista a presença desse elemento dificultador, este

não pode ser considerado empecilho para enquadramento da prática na espécie correta,

pois, ao contrário do direito comum, no direito do trabalho, amparado nos princípios

basilares da simplicidade e do jus postulandi, basta que o empregado apresente em sua

ação com um breve relato dos fatos e os pedidos (art. 840, CLT, BRASIL, 1943) para

que o órgão julgador cumpra seu papel jurisdicional de dizer o direto.

Nesse sentido, é possível apontar que uma legislação específica para tratar sobre o

assédio moral no ambiente de trabalho (e suas espécies) seria um importante avanço

para a legislação brasileira, apontando-se como sugestão às autoridades a necessária

implementação legislativa nesse sentido. Isso porque foi possível perceber, através do

estudo de Majhosev e outros (2014), que a Macedônia experimentou uma redução nos

casos reportados às autoridades fiscalizadoras e nas ações distribuídas perante os órgãos

judiciais após ser elaborada legislação específica para os casos de assédio moral no

ambiente de trabalho. Infere-se, assim, que a aludida redução decorre da possibilidade

de que a empresa que faz uso de tais práticas, ao receber uma condenação com esse

enquadramento, saiba que é exclusivamente culpada pelo passivo que criou e passe a

dar melhores condições de trabalho a seus empregados.

146

Dada a evidente letargia de que é tomado o legislativo, sugere-se ainda que o TRT6,

após ter regulamente avaliado as decisões já existentes e as vindouras à luz da literatura

revisitada neste estudo, possa editar nova súmula semelhante à de número 30, que trata

sobre a prática do cheers.

Entende-se que o presente estudo contribuiu positivamente para empresa, embora

desmascare uma face organizacional que se encontrava obscurecida por decisões

inespecíficas oriundas da justiça do trabalho. Isso porque possibilitou distinguir as

práticas deletérias à saúde do trabalhador, que estão inseridas na finalidade gerencial da

empresa, daqueles atos déspotas praticados por seus prepostos, mas que não estão

ligados aos objetivos organizacionais.

No presente estudo, foi possível se observar ainda que dos 32 (trinta e dois) casos

analisados, 9 (nove) reconheceram o direito dos empregados a uma indenização

decorrente do dano extrapatrimonial sofrido, o que demonstrou um passivo inicial de R$

44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), sendo R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais)

decorrentes das práticas de assédio moral organizacional – através da verificação dos

elementos da literatura - e o restante decorrente das práticas de assédio moral

interpessoal e dano moral. Diz-se inicial, pois estes valores serão acrescidos de correção

monetária e juros de mora, além de custas processuais e despesas com os honorários de

seus procuradores.

Os números apresentados pelo presente estudo contribuem para demonstrar que, no

âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, os valores deferidos a título

de indenização pecuniária pelo reconhecimento do assédio sofrido são praticamente

irrisórios, constituindo-se como grande atrativo para a manutenção das práticas

deletérias a saúde do trabalhador. Isto porque deixa transparecer ao empregador que é

melhor economicamente extorquir os trabalhadores para extrair cada vez mais de sua

mão-de-obra, já apenas alguns trabalhadores movem as reclamações na justiça, sendo

que destes poucos uma parte não apresentam provas, noutra parte as provas são

insuficientes. Nos poucos casos remanescentes, que conseguem efetivamente comprovar

o assédio, o Judiciário trabalhista condena à empresa em quantitativos que estimulam a

permanência dessas práticas, passando uma mensagem de permissividade à mais-valia

147

e, por consequência, não cumprindo seu papel pedagógico de repressão a essas condutas

reprováveis.

Além do prejuízo financeiro decorrente das condenações delimitadas acima, embora

irrisórios do ponto de vista pedagógico, a empresa sofre um abalo considerável em sua

marca, pois estará inevitavelmente atrelada a condutas nefastas à saúde e bem-estar dos

seus empregados, fatos estes repudiados pela sociedade, que, a depender da intensidade

da divulgação, pode inclusive desencadear uma redução do valor da marca da

organização. Dessa maneira, sugere-se à empresa Contax que reveja as práticas de

controle de seus trabalhadores, visando reduzir os custos materiais e imateriais, bem

como ocasionar um melhor ambiente de trabalho aos seus empregados.

O presente estudo facultou um importante instrumento para que o trabalhador possa

exigir que a empresa conceda melhores condições de trabalho, e que as práticas de

gestão possam ser revistas viabilizando postos de trabalho menos insalubres. Tais

reivindicações podem ser levadas a efeito inclusive por intermédio dos órgãos estatais

de fiscalização e controle ou mesmo pelo respectivo sindicato de classe, já que restaram

reconhecidas as práticas de assédio moral organizacional e assédio moral interpessoal

no âmbito da empresa Contax.

Para futuros estudos sugere-se que se possa realizar um estudo similar com outros

Tribunais Regionais do Trabalho, bem como verificar se o mesmo ocorre no âmbito do

Tribunal Superior do Trabalho, podendo-se inclusive utilizar-se os dados secundários

utilizados neste estudo para fins comparativos.

Sugere-se ainda que o estudo possa ser realizado através de pesquisas no próprio

ambiente de trabalho, ouvindo-se os empregados, os prepostos e a diretoria da empresa,

com vistas a analisar o discurso de cada ator individualmente considerado sobre as

práticas de gestão utilizadas pela empresa.

Por fim, sugere-se que seja realizada uma pesquisa ainda mais ampla sobre o tema,

utilizando-se genericamente apenas as palavras-chave dano moral e empresa Contax, na

medida em que foi observado no presente estudo que as decisões não especificam as

espécies de assédio, utilizando-se por vezes apenas do termo dano moral para

148

determinar a condenação à indenização por dano extrapatrimonial, o que pode ter

deixado de lado um grande número de decisões passíveis de análise.

149

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APÊNDICE

Roteiro de observação dos dados secundários

1. Número do processo:

2. Réu:

3. Turma Julgadora:

4. Qual a prática de gestão apreciada no acórdão?

5. Descrever a prática de gestão:

6. Apresenta caráter processual?

7. Pretende alcançar os objetivos da organização e controlar os empregados?

8. Possui intencionalidade de perseguição para prejudicar ou excluir o empregado?

9. Quem são os alvos?

10. Quem pratica o assédio?

11. Qual a forma de participação da empresa no assédio? Ativa ou passiva?

12. Houve condenação?

13. Qual o valor da condenação?

14. Quais as espécies de assédio reconhecidas nos acórdãos?

15. A decisão reconhece o assédio conforme conceituado na literatura?