Faculdade Boa Viagem | DeVry Brasil Mestrado Profissional em … · REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA...
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Faculdade Boa Viagem | DeVry Brasil
Mestrado Profissional em Gestão Empresarial - MPGE
CIRO ALENCAR DE AMORIM
O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL À LUZ DOS JULGADOS DO TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO: UM ESTUDO SOBRE O
RECONHECIMENTO DA VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL EM UMA EMPRESA
DE TELEMARKETING DA CAPITAL PERNAMBUCANA
RECIFE, 2017
FACULDADE BOA VIAGEM – DeVry Brasil
MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO EMPRESARIAL
- MPGE -
CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A DISSERTAÇÕES
Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o
acesso à dissertação do Mestrado Profissional em Gestão Empresarial - MPGE do Centro de
Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA – da Faculdade Boa Viagem é definido
em três graus:
Grau 1: livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e
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a consulta em ambientes de bibliotecas com saída controlada;
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A classificação desta dissertação se encontra, abaixo, definida por seu autor.
Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, afim de que se preservem as
condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área de administração.
Título da Dissertação: O Assédio Moral Organizacional à luz dos julgados do Tribunal
Regional do Trabalho da Sexta Região: Um estudo sobre o reconhecimento da violência
organizacional em uma empresa de telemarketing da capital pernambucana
Nome do(a) autor(a): Ciro Alencar de Amorim
Data da Aprovação: 18 de dezembro de 2017
Classificação conforme especificação acima:
Grau 1 ×
Grau 2 ×
Grau 3 ×
Recife, 26 de janeiro de 2018
__________________________
Assinatura do(a) Autor(a)
CIRO ALENCAR DE AMORIM
O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL À LUZ DOS JULGADOS DO TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO: UM ESTUDO SOBRE O
RECONHECIMENTO DA VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL EM UMA EMPRESA
DE TELEMARKETING DA CAPITAL PERNAMBUCANA
Dissertação apresentada como requisito
complementar para obtenção do grau de Mestre
em Gestão Empresarial da Faculdade Boa
Viagem | DeVry Brasil, sob a orientação do
Professor Doutor Álvaro Azevedo.
Recife, 2017
Catalogação na fonte -
Biblioteca da Faculdade Boa Viagem | DeVry, Recife/PE
A524a Amorim, Ciro Alencar.
O assédio moral organizacional à luz dos julgados do
Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região: um estudo sobre
o reconhecimento da violência organizacional em uma empresa
de telemarketing da Capital Pernambucana / Ciro de Alencar
Amorim. – Recife: DeVry | UniFBV, 2017.
155 f.
Orientador(a): Álvaro Azevedo.
Dissertação (Mestrado) Gestão Empresarial -- Faculdade
Boa Viagem - DeVry.
1. Assédio moral. 2. Assédio moral organizacional. 3.
Práticas organizacionais de gestão. I. Título. DISS
658[17.2]
Ficha catalográfica elaborada pelo setor de processamento técnico da Biblioteca.
Essa dissertação é dedicada a Deus, que sempre
esteve e sempre estará à frente de todas as minhas
batalhas. Apenas com a benção do Senhor as
vitórias fazem sentido.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus por me dar força, saúde e perseverança, iluminando meu
caminho para que eu chegasse ao fim de mais essa etapa. Sem Deus nada é possível.
Agradeço minha esposa, mãe e irmão e parentes pela compreensão, companheirismo e força
em todos os momentos da minha vida. Sem eles esse objetivo dificilmente seria alcançado,
pois são meu alicerce.
Agradeço aos meus amigos de trabalho, principalmente pelo apoio e por entender meus
afastamentos do escritório para cumprir esse objetivo.
À UNIFAVIP por me conceder uma das melhores experiências da minha vida, a docência, e,
consequentemente, a realização de um sonho, o grau de mestre. Agradeço à coordenação e
todos os professores do curso de direito pelo apoio e incentivo.
À minha estimada amiga Vera Lúcia, por ser uma parceira para todas as horas e por ter me
ajudado em toda trajetória da minha carreira profissional. Um verdadeiro anjo da guarda!
Ao meu orientador Álvaro Azevedo pelo acolhimento, paciência e direcionamento na
construção deste trabalho. Agradeço pelo profissionalismo, amizade e compreensão nos
momentos de dificuldade.
Aos meus professores Diogo Helal, Hajnalka Halâsz, James A. Falk e Maria Auxiliadora que
contribuíram de forma inestimável com seus ensinamentos, conselhos e puxões de orelha,
sempre que necessário. Obrigado por me ajudar nesse caminho árduo e prazeroso que é a
construção do conhecimento.
Aos colegas do mestrado, que Deus colocou no meu caminho ao longo dessa jornada.
Sorrimos, sofremos e vibramos uns com as conquistas dos outros, com a certeza que no final
tudo daria certo.
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo analisar se o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta
Região reconhece em seus julgados o assédio moral organizacional. Para atingir o objetivo
traçado foi realizado o levantamento teórico sobre os construtos assédio moral e assédio moral
organizacional, onde foram observados seus aspectos conceituais e elementos
caracterizadores, com a finalidade de delimitar as espécies e evitar equívocos na análise dos
dados. A pesquisa desenvolvida é de natureza qualitativa, tendo como locus da verificação os
acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região. A coleta de dados foi realizada
por meio de documentos secundários, que foram estudados através da técnica de análise de
conteúdo. Os dados analisados demonstram que, ainda que estejam presentes os elementos
caracterizadores do assédio moral organizacional, conforme estabelecido na literatura, os
acórdãos não diferenciam as espécies de assédio, o que poderá conduzir a invisibilização do
problema originado pelas práticas organizacionais das empresas.
Palavras-chave: Assédio moral. Assédio moral organizacional. Práticas organizacionais de
gestão
ABSTRACT
The present study aims to analyze whether the Regional Labor Court of the Sixth Region
recognizes in its judgments the organizational moral harassment. In order to reach the
objective outlined, a theoretical survey was carried out on the constructs of moral harassment
and organizational moral harassment, where the conceptual aspects and characterizing
elements were observed, with the purpose of delimiting the species and avoiding
misunderstandings in the data analysis. The research developed has a qualitative nature,
having as locus of verification the judgments of the Regional Labor Court of the Sixth
Region. Data collection was done through secondary documents that were analyzed through
the technique of content analysis. The data analyzed demonstrate that even though the
characterizing elements of organizational moral harassment are present, as established in the
literature, the judgments do not differentiate species from harassment, which may lead to the
invisibilization of the problem originated by the organizational practices of the companies.
Keywords: Harassment. Organizational harassment. Organizational management practices
LISTA DE ABREVIATURAS
Assédio moral................................................................................................. AM
Assédio moral organizacional...................................................................... AMO
Código Civil Brasileiro.................................................................................. CCB
Código de Processo Civil............................................................................. CPC
Consolidação das Leis do Trabalho............................................................... CLT
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988............................. CF/88
Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região........................................... TRT6
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Artigos acadêmicos publicados sobre o tema em estudo através dos
portais CAPES, SCIELO, SPELL e EBSCO........................................................ 17
Quadro 2 – Elementos caracterizadores do assédio moral.................................... 27
Quadro 3 – Modalidades do assédio moral........................................................... 35
Quadro 4 – Elementos caracterizadores do assédio moral
organizacional............................................................................................ 39
Quadro 5 – Distinções entre o assédio moral interpessoal e o assédio moral
organizacional......................................................................................................... 57
Quadro 6 – Dimensões da pesquisa...................................................................... 80
Quadro 7 – Análise preliminar dos acórdãos que envolvem a empresa Contax.. 85
Quadro 8 – Categorização para identificação, análise e discussão dos dados...... 85
Quadro 9 – Codificação dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio
moral organizacional conforme roteiro constante do apêndice 1.................... 86
Quadro 10 – Análise dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio
moral organizacional, conforme alegação posta à apreciação do órgão julgador.. 90
Quadro 11 – Análise dos dados coletados a partir dos elementos
caracterizadores do assédio moral organizacional........................................... 102
Quadro 12 – Análise dos acórdãos conforme práticas adotadas, condenação e
reconhecimento da espécie assédio moral organizacional................................... 106
Quadro 13 – Codificação dos acórdãos selecionados com a palavra-chave
assédio moral conforme roteiro constante do apêndice 1..................................... 107
Quadro 14 – Análise dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio
moral conforme alegação posta à apreciação do órgão julgador.......................... 111
Quadro 15 – Verificação da limitação do tempo do uso do banheiro como
conduta deletéria......................................................................................... 132
Quadro 16 – Demonstração dos resultados encontrados........................................ 144
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 10
1.1 Contextualização do problema............................................................ 10
1.2 Objetivos da pesquisa........................................................................... 15
1.2.1 Objetivo geral.............................................................................. 15
1.2.2 Objetivos específicos................................................................... 15
1.3 Justificativas da pesquisa..................................................................... 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................... 18
2.1 A violência no ambiente de trabalho................................................... 18
2.1.1 Breve contexto histórico.............................................................. 19
2.1.2 O assédio moral e seus elementos caracterizadores.................... 21
2.1.3 Fatores que diferenciam outras condutas do assédio moral........ 27
2.1.4 Modalidades de assédio moral.................................................... 34
2.2 O assédio moral organizacional: noções preliminares............................ 37
2.2.1 Elementos caracterizadores do assédio moral
organizacional..............................................................................
39
2.2.2 O assédio moral organizacional à luz da violação de direitos
fundamentais...............................................................................
44
2.3 Distinção entre assédio moral perverso e assédio moral
organizacional........................................................................................
55
2.3.1 A caracterização do assédio moral organizacional sob o
aspecto jurídico-trabalhista..........................................................
62
2.3.2 O assédio moral organizacional como estratégia de gestão........ 71
3 APROXIMAÇÕES METODOLÓGICAS.............................................. 77
4 ANÁLISE DOS DADOS..................................................................... 81
4.1 Análise preliminar dos acórdãos............................................................. 81
4.2
Identificação dos acórdãos selecionados como assédio moral
organizacional.......................................................................................
86
4.2.1 Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações posta à
análise do órgão julgador...........................................................
89
4.3 Identificação dos acórdãos selecionados como assédio
moral......................................................................................................
107
4.3.1 Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações posta à
análise do órgão julgador
111
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 143
REFERÊNCIAS............................................................................................... 149
APÊNCICE – Roteiro de observação dos dados secundários........................... 155
10
1. INTRODUÇÃO
Este capítulo aponta a contextualização da pesquisa, os objetivos geral e específicos, e a
justificativa teórica e prática para realização do estudo.
1.1 Contextualização do problema
No Brasil impera o sistema econômico capitalista, e, em razão disso, as relações de
mercado visam essencialmente à obtenção do lucro, em função do qual são regidas as
decisões organizacionais.
Em função da própria essência do sistema econômico capitalista, o mercado se regula
autonomamente quanto às decisões de oferta, demanda e preço de seus produtos ou
serviços. Isso faz com que as empresas busquem cada vez mais a eficiência dos meios
de produção, pois o acirramento da competitividade do mercado de consumo culmina
numa realidade organizacional na qual as empresas necessitam aperfeiçoar seus
resultados e garantir sua sobrevivência.
No entanto, conforme ensina Antunes (2009), essa busca por melhores resultados ou
pela rentabilidade máxima produz uma alteração significativa nos meios de produção, a
exemplo da terceirização que traz consigo elementos de precarização do trabalho
através de modos de controle exagerados a fim de se atingir os objetivos almejados
pelas organizações, ou seja, prestigiando-se a mais-valia onde o trabalho assalariado é o
meio para se atingir os objetivos empresarias.
O processo de coisificação da mão-de-obra e a exploração do trabalho como
condicionante para a consecução dos objetivos empresariais fazem com que o trabalho
assalariado seja equiparado, equivocadamente, como simples mercadoria. Sendo essas
distorções muitas vezes sequer percebidas pelos atores dessa relação entre o capital e o
trabalho.
Nesse contexto, é que trabalho assalariado é peça fundamental para o funcionamento do
mercado, pois as organizações se utilizam da mão de obra dos trabalhadores para atingir
suas respectivas finalidades sociais, sejam elas na produção de bens ou no fornecimento
11
de serviços. Portanto, tem-se que a relação existente, por sua essência, é conflituosa, já
que, de um lado, se posiciona a crescente e incessante busca pela obtenção do lucro por
parte do empregador, e, de outro lado, da relação laboral está o empregado, que busca,
via de regra, melhores condições de trabalho e melhor remuneração. Dito de outra
maneira, percebe-se que a relação entre empregado e empregador caminha em sentidos
opostos, em evidente antagonismo, pois, em grande medida, o capital irá se sobrepor
aos interesses do trabalho em busca de melhores resultados.
Essa relação umbilical, contraditória e mutante entre o trabalho e o capital, foi muito
bem observada por Antunes, conforme pode se observar no trecho abaixo:
Mas, se por um lado, podemos considerar o trabalho como um
momento fundante da vida humana, ponto de partida no processo de
humanização, por outro lado, a sociedade capitalista o transformou em
trabalho assalariado, alienado e fetichizado. O que era uma finalidade
central do ser social converte-se em meio de subsistência. A força de
trabalho torna-se uma mercadoria, ainda que especial, cuja finalidade
é criar novas mercadorias e valorizar o capital. Converte-se em meio e
não em primeira necessidade de realização humana (ANTUNES,
2009, p. 232).
Por isso a relação existente entre capital e trabalho pode ocasionar conflitos de diversas
ordens, dando azo muitas vezes à exacerbação do poder diretivo do empregador, ao
inserir nas práticas de gestão a lógica da realização do mais com menos, com isso,
mitigando direitos básicos legalmente garantidos e agredindo o patrimônio moral dos
trabalhadores. Nesse sentido, Hirigoyen (2001, p. 98) aponta que “os procedimentos
perversos de um indivíduo podem, então, ser utilizados deliberadamente por uma
empresa que espere deles tirar um melhor rendimento”.
É possível extrair das palavras da vitimóloga francesa que a finalidade das organizações
não é necessariamente ser perversa com o trabalhador, mas, sim, atingir seus objetivos.
É com esse objetivo que as organizações se utilizam das mais variadas práticas de
gestão visando aumentar a produtividade e a lucratividade, impactando diretamente no
elo mais fraco da relação de trabalho, o empregado.
Esse impacto decorre de um processo de internalização da ideologia estrutural aplicada
à organização, intersubjetivada ou não pelos trabalhadores (não individualizados),
através do qual um conjunto sistemático de práticas reiteradas é inserido nas estratégias
e métodos de gestão da organização, com a finalidade gerencial de alcançar os objetivos
12
empresariais de forma eficiente, sendo irrelevante para organização se tais práticas
possuem natureza deletéria à saúde do trabalhador ou da coletividade, ou mesmo se há
violação de direitos fundamentais dos empregados, o que é compreendido pela literatura
como assédio moral organizacional (GOSDAL et al., 2009; POHLMANN, 2014).
Nesse sentido, pode-se observar que as práticas maléficas à saúde do trabalhador
ultrapassam a individualização do agressor ou da vítima, sendo certo que a intenção da
empresa não é a degradação do ambiente de trabalho ou mesmo o ataque ao patrimônio
físico e psíquico do trabalhador, mas, sim, é consequência das práticas utilizadas para
atingir as finalidades organizacionais, fugindo dessa maneira ao conceito de assédio
moral perverso, cujos elementos são: a conduta negativa; a repetição; um alvo ou vítima
(que pode ser mais de uma); a intenção do agressor e a degradação da vítima e do
ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2010).
É em razão dessa proximidade conceitual e, segundo aponta Pohlmann (2014), da
utilização muitas vezes inadequada ou equivocada pelos operadores do direito e
magistrados, é que se faz necessário proceder à revisão da literatura no presente
trabalho, principalmente no que se refere à análise das espécies de assédio moral,
perverso e organizacional, traçando suas características e apontado suas diferenças, com
a finalidade de evitar qualquer equívoco quanto ao enquadramento das espécies, o que
poderia impactar no resultado da pesquisa.
Isso porque a literatura é majoritária no sentido de diferenciar assédio organizacional do
assédio moral interpessoal ou perverso, embora existam dissonâncias nos elementos
caracterizadores. Vasconcelos corrobora o entendimento no sentido de que o assédio
organizacional é tratado equivocadamente de forma genérica como assédio moral. “O
assédio organizacional é tratado como assédio moral, quando na verdade não o é em
essência, tendo em vista que grande parte das ocorrências atende às demandas dos
modelos de produção baseados no capital” (VASCONCELOS, 2015, p. 27).
Essa preocupação com a utilização, muitas vezes inadequada ou equivocada, das
espécies de assédio pode ser observada na obra de Gosdal e outros (2009), onde os
autores pontuam que na atualidade tudo é classificado como assédio moral,
13
independentemente das circunstâncias fáticas que se apresentem, referindo-se ao uso
indistinto do instituto para qualquer conduta reprovável em detrimento do trabalhador.
A mesma inquietação foi externada por Pohlmann, ao consignar que, embora o dano
moral seja recorrentemente punido pelos Tribunais Regionais do Trabalho, as
condenações se perfazem tardiamente, quando o dano já se aperfeiçoou, e ainda assim
focando a imputação da conduta deletéria apenas naquele que operacionaliza a
violência, acrescentado que:
Em regra, não se valora a participação do empregador para tanto, nem
se promove [sic] medidas que o desincentivem a continuar a sua
prática. Quando não, muitas vezes o assédio moral organizacional é
julgado como assédio moral perverso, pelo que é procurada a figura
do assediador e do assediado, o que acaba invisibilizando o problema
mais grave. (POHLMANN, 2014, p. 23).
Infere-se da passagem transcrita que o enquadramento equivocado por parte do
judiciário pode ser tão danoso às relações de trabalho quanto as próprias práticas
deletérias de gestão aplicadas pelo empregador, na medida em que, ao não se realizar o
correto enquadramento jurídico, se imputa uma determinada culpabilidade a quem na
verdade apenas está cumprindo ordens. Dito de outra maneira, a empresa agressora
receberá como retorno apenas a informação de que um de seus empregados estaria
agindo de forma arbitrária, o que tira a possibilidade de a organização observar o
equívoco na estratégia escolhida para o desenvolvimento de suas atividades e retira a
possibilidade de alterar suas práticas, fulminando ou enfraquecendo o caráter
pedagógico de eventual condenação em indenização monetária por danos morais.
Essa indenização monetária deve observar os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, para que não seja elevada ao ponto de enriquecer sem causa o
ofendido, mas por outro lado, não pode ser tão diminuta que não se constitua como uma
punição dotada de caráter pedagógico evitando a reincidência da prática pela empresa
ofensora (CASSAR, 2008). Tais parâmetros embora não sejam parte dos objetivos do
trabalho, estes serão observados através dos dados coletados.
Desse modo, faz-se necessário o correto enquadramento da pesquisa, através de revisão
de literatura, realizada com base nos estudos de Hirigoyen (2002, 2006, 2010), no que
se refere aos procedimentos que caracterizam o assédio moral interpessoal (perverso),
14
que foi diferenciado, através da contribuição de Araújo (2006), do assédio moral
organizacional, posteriormente, aperfeiçoado por meio das importantes contribuições de
Gosdal e outros (2009) e Pohlmann (2014).
O assédio moral perverso ou organizacional, quando existente, pode ser encontrado em
qualquer ambiente laboral, mas em alguns setores essa prática pode ser encontrada de
forma mais clara. Em reportagem do jornalista Francisco Regueira, que foi ao ar em 05
de outubro de 2014, na revista eletrônica semanal Fantástico foi apresentada uma
matéria de quase dez minutos com o título “Funcionários do setor de telemarketing
relatam série de abusos”, onde foram denunciadas várias condutas de exploração,
humilhação e assédio moral, ganhando significativo relevo, pois segundo informação da
matéria o setor de telemarketing é o que mais cresce no ramo de serviços contando com
mais de 1,5 milhões de trabalhadores, dos quais 64% (sessenta e quatro por cento) são
de jovens adultos, com faixa etária entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos, sendo
considerada a primeira oportunidade de emprego para a maioria dos jovens que desejam
ingressar no mercado de trabalho (REGUEIRA, 2014).
Gosdal e outros (2009) apontam em seu estudo que alguns dos setores produtivos que
mais se destacam negativamente, quando o assunto é o cometimento de assédio moral,
são as empresas de telemarketing, pois, ao receber investigações do Ministério Público
do Trabalho, foram constatadas práticas que se amoldam àquelas que serão analisadas
no presente trabalho. Por essa razão, foi realizada a escolha da empresa analisada, já que
representa parcela significativa dos trabalhadores do seguimento na capital
pernambucana.
A empresa estudada, através de nota expedida em abril de 2015, informou que é a maior
empregadora da capital pernambucana, gerando mais de 18 (dezoito mil) empregos
formais, concentrados, em grande medida, como experiências de primeiro emprego, ou
seja, agregando importante relevância na função social de inserir o jovem no mercado
de trabalho. Diante da relevância econômica e social do seguimento e, principalmente,
da empresa Contax no cenário pernambucano, justifica-se a utilização dos julgados
decorrentes de suas relações laborais (TRT6, 2015).
15
Registre-se que não deve haver uma estigmatização das organizações desse seguimento,
pois há de ser ressaltado que o setor de telemarketing é um dos que mais empregam,
mesmo em tempos de crise econômica. Esse setor empregou mais de 1,5 milhões de
trabalhadores formais em 2016 em todo o Brasil (IBGE, 2016).
Nesse contexto, através da fundamentação contida nos acórdãos proferidos pelo
Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região – TRT6, será possível observar se as
práticas comprovadas nos autos processuais correspondem ao conceito encontrado na
literatura sobre o assédio moral organizacional, o que nos possibilitará fazer o seguinte
questionamento: o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região aplica em seus
julgados os critérios delineados pela literatura para a configuração do assédio moral
organizacional nas práticas de gestão de uma empresa de telemarketing na capital
pernambucana?
1.2 Objetivos da pesquisa
A partir do contexto descrito, parte-se agora para a definição dos objetivos (geral e
específicos) da pesquisa.
1.2.1 Objetivo geral
Verificar, por meio dos julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, o
reconhecimento da espécie de assédio moral organizacional através da aplicação dos
elementos caracterizadores delineados pela literatura para sua configuração.
1.2.2 Objetivos específicos
O primeiro será identificar o assédio moral interpessoal/perverso e seus elementos
caraterizadores.
O segundo será identificar o assédio moral organizacional e seus elementos
caracterizadores.
O terceiro e último será realizar a análise dos acórdãos do Tribunal Regional do
Trabalho da Sexta Região sobre as práticas de gestão da empresa Contax.
16
1.3 Justificativas da pesquisa
A justificativa da presente pesquisa funda-se em observar a relevância da delimitação
correta do assédio moral organizacional em sede de decisões judiciais. Mormente
quando se observa que, em grande medida, as empresas sequer percebem que podem
estar causando graves moléstias a seus colaboradores em função das práticas de gestão
que estão desenvolvendo para consecução de seus objetivos. Portanto, pode-se observar
a existência da justificativa prática sob o prisma da organização e, noutro norte, a
justificativa prática sob a ótica dos empregados.
Quando analisado sob o prisma da organização, observa-se que uma decisão judicial
acertada pode viabilizar o combate ao assédio organizacional, justificando-se, portanto,
que discussão sobre a aplicabilidade da espécie saia do campo conceitual e adentre ao
plano fático, ou seja, que tenha aplicabilidade prática nos processos judiciais, pois do
contrário estaríamos apenas na presença de mais um conceito que pode se esvaziar em si
mesmo.
Nessa esteira, para as organizações, a escorreita apreciação realizada por parte do Poder
Judiciário pode franquear algo valioso, pois permite às empresas que entendam quão
nocivas estão sendo suas práticas de gestão, facultando-lhes uma análise de seus
próprios comportamentos. Assim, o presente estudo poderá fornecer à organização
pesquisada a real percepção de que muitas condenações a indenização por danos morais
não são causadas por empregados déspotas, mas tão somente por escolhas gerenciais
deliberadas pela própria organização. Tais escolhas podem trazer altos custos através
dos processos oriundos da Justiça do Trabalho (perdas materiais), além do efeito
devastador que pode ser ocasionado à imagem da empresa, disseminada através da
publicidade negativa que apontará uma organização que desrespeita os direitos básicos
do trabalhador (perda imaterial), que, a depender da intensidade, pode, inclusive,
desencadear uma redução do valor da marca da organização.
Por seu turno, quando se observa a mesma premissa sob a ótica do trabalhador, o
presente trabalho justifica-se na possibilidade de conceder-lhe maior dignidade no
desenvolvimento do labor, consagrando, assim, o preceito de nossa carta política de
1988, onde se propõe uma sociedade livre, justa e solidária. Isso porque, quando as
17
organizações passam a ser instadas pelo Poder Judiciário a reparar os danos ocasionados
aos indivíduos lesados, através de decisões que reconhecem que as lesões ao empregado
emergem de condutas organizacionais, espera-se que as práticas de gestão possam ser
revistas e, com isso, sejam viabilizados postos de trabalho menos insalubres.
A justificativa acadêmica exsurge da possibilidade de discussão do tema assédio moral
organizacional sob o enfoque dos acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª
Região, relacionados às empresas de telemarketing, pois não se encontraram estudos
cujos temas envolvessem o objeto do presente estudo.
Quadro 1 – Artigos acadêmicos publicados sobre o tema
Palavras-chave CAPES SCIELO SPELL EBSCO
Assédio moral 128 74 43 20
Assédio moral organizacional 01 0 0 0
Telemarketing e assédio moral 02 38 3 0
Telemarketing e assédio moral organizacional 0 0 0 0
Fonte: elaborado pelo autor em 26.08.2017
O quadro 1 demonstra a viabilidade e inovação do presente estudo, por tratar de um
enfoque do assédio moral organizacional em uma empresa de telemarketing. Verifica-se
igualmente que não foram identificados outros estudos similares a este após pesquisas
realizadas nos portais referenciados.
18
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo será realizado o levantamento da literatura que trata sobre o assédio
moral e suas espécies, realizando-se um breve resgate histórico sobre o tema e a
apresentação dos elementos caracterizadores das espécies interpessoal e organizacional,
de modo a viabilizar a diferenciação entre os aspectos conceituais de cada uma.
Realizar-se-á ainda uma breve verificação dos aspectos jurídicos que norteiam o
reconhecimento do assédio moral nas decisões judiciais trabalhistas. Sendo, por fim,
realizada uma verificação do assédio moral organizacional como estratégia de gestão, à
luz do que prevê a literatura especializada.
2.1 A violência no ambiente de trabalho
As unidades empresariais, independentemente de seu tamanho, possuem objetivos bem
delineados para execução e atingimento dos anseios de seus proprietários, sócios ou
acionistas. Para tanto, existe uma infinidade de relações pessoais, profissionais,
jurídicas, que são levadas a efeito para a consecução das atividades empresariais, o que
pode gerar vários tipos de conflito, desde os mais simples até os mais gravosos entre os
diversos atores que figuram na composição do ambiente laboral.
Martiningo e Soares explicam que o surgimento do assédio moral no ambiente laboral
decorre de diversos fatores:
O aumento da competição por espaço no mercado nacional e
internacional e pela própria sobrevivência das organizações trouxe
consequências para todos: a precariedade do emprego, a flexibilização
das relações de trabalho, o ritmo acelerado da economia, o interesse
em reduzir os custos de trabalho, o crescimento do desemprego, a
terceirização, o crescimento do setor informal, a tendência a
contratação por tempo determinado, dentre outras. (MARTININGO;
SOARES SIQUEIRA, 2008, p. 3).
Por essa razão, é necessária uma melhor compreensão do objeto deste estudo, sendo
forçoso analisar as violências praticadas no ambiente de trabalho, para se distinguir os
meros aborrecimentos diários por conta de atos isolados do assédio moral
perverso/interpessoal e organizacional. Isso porque a expressão assédio moral vem
sendo utilizada de forma ampla e genérica, tanto para situações específicas e fatos
19
desagradáveis, quanto para os processos sistemáticos de violência no trabalho, findando
por trazer certa banalização para a terminologia adotada (GOSDAL et al., 2009). Assim,
pode-se inferir que não são todas as condutas ou situações constrangedoras ou
humilhantes no ambiente laboral que são capazes de caracterizar o assédio moral
interpessoal, embora seja violência operada no ambiente laboral.
Nesse contexto, será realizada uma breve digressão às premissas básicas do assédio
moral através do seu contexto histórico, conceito, aspectos caracterizadores e
definidores, e da análise das condutas que não o caracterizam. Por fim, serão abordadas
as suas modalidades.
2.1.1 Breve contexto histórico
O estudo do assédio moral surgiu como justificativa para analisar e tentar resolver os
problemas decorrentes das condições degradantes das relações de emprego a que eram
submetidos alguns empregados. As pesquisas ganharam maior relevância na medida em
que passaram a ter como objetivo o auxílio na resolução de problemas das denominadas
ciências do trabalho e, por conseguinte, decorrentes dos atos praticados no ambiente
laboral (LEYMANN, 1996).
Os primeiros estudos a tratarem sobre o tema do assédio moral, ainda definido como
mobbing, são creditados a Leymann, que, no início da década de setenta, na qualidade
de professor da Universidade de Estocolmo, na Suécia, passou a pesquisar os
comportamentos de todos os atores envolvidos no processo do trabalho, independente
do seguimento, nível social ou hierárquico organizacional, mas sempre focado naqueles
suscetíveis a condutas humilhantes e degradantes, o que denominou de mobbing e
psicoterror (GOSDAL et al., 2009).
Assim, Leymann define o mobbing, dando-lhe uma conotação voltada para o caráter
psicológico, como sendo:
Uma interação social, através da qual um indivíduo (raramente mais
de um) é atacado por um ou mais indivíduos (raramente mais de
quatro), diariamente e por muitos meses, levando a pessoa assediada a
sentir-se numa posição quase indefesa e de alto risco de demissão (a
pessoa é levada a pedir demissão ou acaba demitida). (LEYMANN,
1996, p. 168).
20
Observa-se que não houve um aprofundamento sobre a analogia realizada sobre o
conceito de mobbing original, que foi retirado das ciências da natureza, no qual
indivíduos (animais) se agrupavam instintivamente para, mediante ataque, afastar o
predador e com ele o mal que os circundava.
Após os mencionados estudos, iniciou-se uma efervescência na comunidade científica
de vários países, que passaram a pesquisar sobre o assédio moral com a finalidade de
conhecer mais profundamente o tema. Certamente a contribuição da França nessa fase
foi de elevada significância, através dos estudos de Chrisophe Dejours e Marie-France
Hirigoyen.
Dejours (2005), embora não conceitue ou mesmo traga uma abordagem direta sobre o
assédio moral, demonstrou com clareza que os modelos de gestão do trabalho findavam
por causar sofrimento e violência moral no cotidiano dos trabalhadores, tendo em vista,
já à época, que as organizações repassavam a responsabilidade do mercado competitivo
aos empregados.
A obra Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano, da autora francesa Hirigoyen,
foi considerada um marco no que diz respeito ao estudo do assédio moral, tendo forte
impacto, inclusive, em outros países. A Hirigoyen é creditada a criação da expressão
assédio moral, sendo ela igualmente responsável pela conceituação que até os dias
atuais é encontrada nos manuais das mais diversas áreas das ciências sociais e humanas
(CERQUEIRA, 2015). Por essa razão, torna-se importante ressaltar que, em que pese
ser Hirigoyen uma das precursoras do assédio moral, seus apontamentos no que se
referem ao tema são seminais para todo o estudo desenvolvido, obviamente devendo ser
complementados com avanços e contribuições que se agregam no decorrer dos anos.
Ao elaborar a conceituação de assédio moral, Hirigoyen se fundamenta na origem do
verbo assediar, mencionando que: “Ora, segundo o dicionário Robert, assediar é
„submeter sem trégua a pequenos ataques repetidos‟. É claramente um ato que só se
adquire pela insistência” (HIRIGOYEN, 2006, p. 15).
Ainda na mesma obra, Hirigoyen explica a utilização do termo moral, nos seguintes
termos:
21
A escolha do termo moral implicou uma tomada de posição. Trata-se
efetivamente de bem e de mal, do que se faz e do que não se faz, e do
que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade. Não é
possível estudar esse fenômeno sem levar em conta a perspectiva ética
ou moral, portanto, o que sobra para as vítimas do assédio moral é o
sentimento de terem sido maltratadas, desprezadas, humilhadas,
rejeitadas [...] (HIRIGOYEN, 2006, p. 16).
Vê-se, portanto, que o enfoque do assédio moral não é recente, sendo objeto de estudo
em vários países, razão pela qual recebe diversas terminologias, como, por exemplo:
assédio moral (Brasil e Portugal); mobbing ou psicoterror (Suíça, Alemanha e Itália);
harassment ou mobbing (Estados Unidos da América); ljime (Japão); acoso moral
(Espanha); bullying (Inglaterra) e harcèlemente moral (França).
Diante da breve contextualização histórica e posicionamento acerca do surgimento do
termo assédio moral e seus precursores, faz-se importante estabelecer que, no presente
trabalho, será utilizada a expressão assédio moral, pois já aceito pelos estudiosos pátrios
no assunto. Nesse sentido, Gosdal e outros (2009) explicam que as diferentes
terminologias dos termos bulling, mobbing e harassmenty moral reproduzem a mesma
ideia e apenas espelham os diferentes repertórios de cada autor, considerando a
nacionalidade e a cultura empregada em cada povo.
Importa salientar que as características e análise do conceito serão pontualmente
tratadas no decorrer desta seção, sendo o presente delineamento salutar apenas para
situar o leitor quanto à inteligência do termo estabelecido para o estudo e conceituação
do assédio moral, e posteriormente para permitir uma maior clareza ao analisar o
assédio moral organizacional.
2.1.2 O assédio moral e seus elementos caracterizadores
No livro Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano, embora navegue por
diversas áreas das relações sociais, Hirigoyen possibilitou uma grande profusão de
ideias para as relações de trabalho, ao conceituar assédio moral da seguinte maneira:
Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda conduta
abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras,
atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à
dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em
22
perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho
(HIRIGOYEN, 2006, p. 65).
Em seu estudo, Hirigoyen aponta que o assédio moral na maioria das vezes se inicia
através de condutas que não aparentam ter maiores relevâncias, mas que se protraem no
tempo, se propagam e passam a destruir o ambiente de trabalho, atacando muitas vezes
de forma sutil, mas não menos devastadora, suas vítimas.
Diante das primeiras considerações sobre o tema, Hirigoyen debruçou-se ainda mais nas
suas pesquisas e escreveu o livro subsequente, Mal-Estar no Trabalho, em 2002. O
conceito e a definição já creditados como sendo as principais contribuições sobre o tema
foram então aperfeiçoados, na medida em que delimitou o assédio moral com base no
significado das duas palavras.
Assédio foi então definido como os ataques que ocorrem de forma repetida, persistentes,
dia após dia, tornando o ambiente de trabalho hostil e degradante, diferente da conduta
única, que, embora possa gerar o dano efetivo, não se propaga no tempo minando as
forças das vítimas.
A palavra moral qualificaria o sentimento de injustiça percebido pelas vítimas
assediadas, trazendo discussões sobre o que é eticamente aceito ou não pela sociedade,
o que explicaria, de certa maneira, por que o sentimento das vítimas de rejeição e
desprezo sobre si.
Nesse sentido, o conceito aperfeiçoado por Hirigoyen passou a ser mais rico e a detalhar
melhor as características do assédio moral, o que permitiu não apenas uma melhor
explicação sobre o tema, mas também uma melhor compreensão.
O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta
abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua
repetição ou sistematização, contra dignidade ou integridade psíquica
ou física de uma pessoa, ameaçando o emprego ou degradando o
clima de trabalho. (HIRIGOYEN, 2006, p. 17).
Do conceito transcrito acima é possível se retirar os seguintes elementos: a conduta; a
repetição; um alvo ou vítima; a intenção do agressor e a degradação da vítima e do
ambiente de trabalho.
23
A conduta pode ser representada por ação, comissiva ou omissiva, apresentando-se de
diversas maneiras, desde tratamentos vexatórios, quanto com a utilização de gritos,
tratamento com palavras de baixo calão, isolamento da vítima dos demais colegas de
trabalho, ou ainda a aplicação do ócio humilhante, entre outras, mas todas voltadas às
relações ligadas ao trabalho.
Quanto à repetição, conforme já pontuado anteriormente, um ato isolado, embora não
deixe de ter potencial ofensivo, nunca poderá ser conceituado como assédio moral, na
medida em que o caráter sistemático, ou seja, repetido das agressões, deve estar presente
para ser entendido como assédio, sendo, portanto, característica essencial para o assédio
moral os atos reiterados.
Embora para o direito do trabalho não tenha relevância se a conduta do agressor foi
intencional ou não, este terá o dever de reparar o dano. Contudo, para a vitimologia, o
primeiro ato pode até certo ponto não ser intencional, mas, com sua reiteração e
persistência, é possível observar que a intencionalidade, ainda que questionável, é um
elemento para a caracterização do assédio moral.
Notadamente, a despeito de ser verificada ou não a intencionalidade mencionada acima,
deve-se ter em mente que o ambiente de trabalho onde são observadas as condutas que
denotam a existência de assédio moral é desfavorável para o desenvolvimento de
qualquer atividade profissional, eis que se caracteriza por ser degradante e violento por
essência.
Nesse sentido é que o ambiente degradado e violento tem influência direta sobre o
empregado que é o alvo do assédio moral, atacando sua dignidade e personalidade, o
que poderá ocasionar problemas tanto na esfera psicológica, quanto desencadear
problemas de ordem física, na medida que é bastante comum a vítima sofrer com
dificuldades para dormir, ter o organismo debilitado, inclusive com acentuada perda de
peso, além de muitas vezes ser acometida por doenças laborais.
Trujillo Flores, Valderrabano Almegua e Hernández Mendoza (2007) explicam que
existem várias técnicas utilizadas pelos empregadores para atacar e prejudicar a saúde
psicológica do trabalhador. Tais técnicas podem ser mais ou menos sutis, de modo que
24
o funcionário ofendido ou mesmo aqueles que presenciam os achaques sequer sejam
capazes de notar a violência praticada no âmbito organizacional. No entanto, tais
procedimentos guardam similitude no processo de degradação por tenderem a
sobrecarregar, caluniar e atacar o trabalho, as convicções e a vida privada da vítima,
através de ameaça, estigmatização e, por vezes, isolamento.
Não é incomum que as vítimas do assédio moral, inicialmente, entendam os ataques
como forma de brincadeira, o que por vezes as leva a ignorar, num primeiro momento,
as agressões sofridas (ARAÚJO, 2006). Assim, exemplificativamente, o indivíduo passa
a sofrer com agressões e humilhações que se tornam repetitivas e intermitentes, levando
então aos impactos mais comuns de ordem psicológica, que seriam a depressão, o choro
fácil, as crises nervosas e a perda do sono, entre outras.
Fazendo uma breve síntese do que seria o assédio moral, Cerqueira (2015) explica que
esse fenômeno é movido por uma cadeia de eventos que ofendem e humilham o
trabalhador, com a finalidade de subjugá-lo e menosprezá-lo, fazendo que o ambiente de
trabalho se torne hostil.
Mesmo registrando a inegável contribuição dos escritos de Hirigoyen, devem-se
apresentar algumas ressalvas, devido à existência de contribuições de estudos mais
recentes. Gosdal e outros (2009), ao analisarem os aspectos que definem o conceito
deste fenômeno, se utilizam dos parâmetros de referência para o reconhecimento dos
elementos que caracterizam o assédio moral, a partir dos estudos de Heinz Leymann,
Dieter Zapf e Suile Einarsen e da própria Marie-France Hirigoyen.
A conceituação proposta por Gosdal e outros é mais abrangente, podendo ser
compreendida da seguinte forma:
O conceito de assédio moral, que podemos compreender como
um processo sistemático de hostilização, direcionado a um
indivíduo ou a um grupo, que dificilmente consegue se defender
dessa situação. Esse processo pode ter por efeito, ou resultado,
algum tipo de prejuízo para o agredido, que pode ser
simplesmente a criação de um ambiente hostil que traga
desconforto físico e emocional, ou até o adoecimento e a
exclusão do grupo (GOSDAL et al., 2009, p. 17).
25
O conceito trazido à baila ainda aperfeiçoou e contribuiu o conceito de Hirigoyen, na
medida em que frisou a importância de se observar o “processo sistemático de
hostilização”, ou seja, uma conduta que se protrai no tempo e não apenas a única
conduta.
Nesse aspecto caracterizador denominado de “processo”, não importa se a conduta é
reiterada por três ou seis meses, mas o que importa é se há a característica da repetição,
a sistematicidade e o prolongamento do assédio (GOSDAL et al., 2009).
Ademais, pode-se observar um avanço significativo no conceito apresentado por Gosdal
e outros (2009), ao passarem a considerar a ampliação do conceito de assédio moral
para incluir a conduta degradante e reiterada em desfavor de mais de um indivíduo ou
até mesmo um grupo. Nesse contexto, se aceita que o assédio moral não tenha
necessariamente o dano específico a uma só vítima, admitindo-se a violência moral, de
caráter contínuo e duradouro, em detrimento da degradação do ambiente de trabalho de
todo um grupo, trazendo, nas palavras das autoras, “desconforto físico e emocional, ou
até o adoecimento e a exclusão do grupo” (GOSDAL et al., 2009, p. 17).
No que se refere à intencionalidade como aspecto caracterizador do assédio moral,
Gosdal e outros (2009) delimitam que o assédio moral é sempre intencional, ainda que a
finalidade em primeiro plano não seja deliberadamente prejudicar o assediado. Existem,
no entanto, posicionamentos divergentes na literatura, que indicam ser importante
verificar a presença da angústia e da humilhação, bem como do processo de
hostilização, sendo irrelevante a intencionalidade do agente.
Diante dessas considerações, infere-se ser mais significativa a posição adotada por
Gosdal e outros (2009), pois, ainda que a intenção seja simplesmente atingir os
objetivos da empresa, esta tem o dever de manter os parâmetros de dignidade e
salubridade na relação empregatícia. Nessa hipótese, embora o propósito do empregador
seja o aumento da produtividade, pode ocorrer de o trabalhador envolvido vir a pedir
demissão em razão do tratamento hostil a que fora submetido. Logo, a intencionalidade
floresce da relação apresentada, embora não esteja presente, como regra, no objetivo
primordial do agressor.
26
Hirigoyen (2006) ainda ressalta que todo assédio moral está motivado pela
discriminação, na medida em que repele a diferença encontrada no outro por algum
motivo. No entanto, tal definição é entendida com cautela por Gosdal e outros (2009),
pois, em que pese a discriminação seja um fator recorrente no cometimento do assédio
moral, sua existência não será necessariamente presente.
Analisando a motivação que leva um indivíduo ou um grupo a cometer o assédio moral
interpessoal, Gosdal e outros (2009, p. 21) definem discriminação nos seguintes termos:
“Podemos dizer que discriminação é o tratamento diferenciado e injusto atribuído a um
indivíduo ou grupo, em razão de algum elemento diferenciador que ele apresente como
característica, como o sexo, a idade, a cor, o estado civil”.
As autoras arrematam explicando que o assédio moral e a discriminação não possuem
identidade conceitual, tendo em vista que nem todo assédio moral decorre
exclusivamente do assédio. Exemplificativamente, o assédio por discriminação ocorre
quando é descoberto que determinado empregado é adepto de uma determinada religião
ou seita. Por outro lado, a título meramente ilustrativo, um processo de assédio moral
interpessoal pode ter início em decorrência da disputa ou medo de que o empregado que
mostra maior desenvoltura no trabalho possa galgar uma promoção antes de um colega
de mesmo nível hierárquico ou mesmo conseguir ser alçado ao posto de seu superior,
fazendo com que estes iniciem o processo de hostilização mencionado por Gosdal e
outros (2009).
A partir da revisão da literatura apurada nos termos acima abordados, tem-se que,
resumidamente, os elementos de caracterização do assédio moral podem ser descritos
conforme quadro 2:
Quadro 2 - Elementos caracterizadores do assédio moral
Elementos caracterizadores do assédio moral
Conduta negativa
Apresenta-se de diversas maneiras, como p. ex.:
tratamentos vexatórios, utilização de palavras de
baixo calão, isolamento da vítima, utilização do
ócio humilhante como punição ou forma de
obrigar a despedir-se.
Intencionalidade O assediador visa prejudicar o alvo do assédio de
27
algum modo, de forma intencional. Geralmente, o
alvo do assédio é atacado na sua dignidade e nas
questões afetas à personalidade.
O alvo
A conduta degradante e reiterada pode ser
perpetrada apenas contra um indivíduo ou
determinado grupo.
O processo sistemático de hostilização
Caracteriza-se pela repetição, sistematicidade e
prolongamento das condutas no tempo, visando à
degradação da vítima ou do ambiente de trabalho.
Fonte: Autor da pesquisa (2017) a partir dos estudos de Hirigoyen (2006), Gosdal, e outros (2009) e
Pohlmann (2014).
Assim, com espeque nas conceituações trazidas, é possível observar que, para
caracterização do assédio moral, necessariamente, deve haver uma conduta negativa,
que pode ser comissiva ou omissiva, intencional, em face de uma pessoa ou um grupo, e
deve ser repetida ao longo do tempo (processo sistemático de hostilização), visando à
degradação da vítima e/ou do ambiente de trabalho.
2.1.3 Fatores que diferenciam outras condutas do assédio moral
Os abusos pontuais, ainda que decorrentes de extrema violência psicológica, a violência
física, a violência externa realizada por terceiros, ou mesmo conflitos de ordem
profissional oriundos de discordâncias de procedimentos e o estresse não são
necessariamente entendidos como assédio moral, por estarem ausentes os requisitos
específicos traçados nos conceitos já delineados.
Será analisada a seguir a diferenciação do assédio moral em relação ao estresse, ao
conflito, às agressões pontuais, às más condições de trabalho e às imposições
profissionais.
Justifica-se a importância de tal delimitação, pois a compreensão correta do termo
possibilita a catalogação, a prevenção e o combate não apenas do assédio, mas de todas
as demais condutas que, embora não sejam assédio, são propaladas como tal. Nesse
sentido, Hirigoyen aponta a importância da correta concepção do termo, no seguinte
sentido:
Por isso é importante o uso rigoroso do termo “assédio moral”, para se
evitar a confusão de elementos diferentes. A expressão, ao passar à
28
linguagem corrente, terminou por englobar outros problemas que
talvez não decorram, no sentido clínico do termo, do assédio moral,
mas que expressam um mal-estar mais geral das empresas, que é
importante analisar. É preciso colocar essa problemática ao lado de
outras formas de sofrimento no trabalho e, em particular, dos
atentados à dignidade dos trabalhadores. (HIRIGOYEN, 2006, p. 10).
Portanto, entende-se necessário especificar o que diferencia tais práticas do assédio
moral, na medida em que a exata delimitação também facilitará a compressão e a
extensão do conceito do assédio moral organizacional, possibilitando uma melhor e
mais fundamentada análise dos dados desta pesquisa.
Tão relevante se afigura a referida especificação, que Hirigoyen (2006) apresentou
como uma das propostas de sua obra Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio
moral justamente demonstrar o que efetivamente é o assédio moral, apartando-o das
demais formas de sofrimento no trabalho, sendo a primeira delas o estresse.
Embora as confusões com os termos sejam ordinárias e efetivamente o estresse tenha
uma semelhança com o assédio moral, estes são bem distintos em suas essências,
conforme será visto a partir de agora.
O termo estresse se aderiu ao vocabulário da sociedade, principalmente quando aplicado
nas situações voltadas para o ambiente laboral. Contudo, não raro, o termo estresse é
confundido com assédio moral, mas, como mencionado, tal emprego deve ser evitado
do ponto de vista acadêmico.
A acepção do termo estresse como conhecemos na atualidade é oriunda do conceito
concebido por Hans Selye, a partir de 1950. O termo, até então, era utilizado na física
para designar uma força externa que remete a um estado de tensão sobre um sistema.
Selye, então, adaptando as proposições já usuais, empregou o termo com a finalidade de
explicar a resposta fisiológica do organismo para os estímulos externos, denominada
“Síndrome Geral da Adaptação” (SELYE, 1974 apud GOSDAL et al., 2009, p. 46).
Ainda citando o referido autor, Gosdal e outros (2009) explicam que o estresse é o
retorno que o organismo apresenta a qualquer tipo de exposição. Em outras palavras,
trata-se de reflexo do corpo em função de qualquer exposição, grau de intensidade ou
duração. Apontam três fases no processo de estresse. A primeira seria o alarme. Nesta
29
fase, o organismo sente a presença do estímulo e se prepara fisiologicamente e
psicologicamente para combater ou fugir do agente estressor. A segunda fase seria a
resistência. Aqui o organismo resiste aos estímulos estressores que se apresentam de
forma constante e intensa, possibilitando observar sinais de desgastes. A terceira e
última fase seria a exaustão. Superadas as fases do alarme e da resistência, a adaptação
do organismo já não corresponde aos estressores, havendo um descompensamento com
reflexos na saúde do agredido, sejam físicos ou psicológicos.
Entende-se, portanto, que a pressão e as exigências no ambiente de trabalho podem
advir de um processo sistemático de assédio moral e, por consequência, virem a causar
problemas de saúde físicos e/ou psíquicos nos trabalhadores, em função do desgaste
ocasionado pela necessidade de adaptação às demandas que se apresentam de forma
reiterada e intensa, ocasionando o estresse ocupacional. Nesse sentido, observa-se que,
enquanto o assédio moral está umbilicalmente ligado aos fatores estressantes do
trabalho, o estresse ocupacional está voltado para o efeito que o assédio moral imprime
sobre o corpo dos trabalhadores.
Sinteticamente, Pamplona Filho e Barros esclarecem:
O reflexo do estado de estresse normalmente extrapola o ambiente
profissional, interferindo em toda a vida social do indivíduo. Por essas
características, sinteticamente expostas, pode-se observar que o
estresse por si só não configura assédio moral, afinal não há qualquer
dos elementos caracterizadores evidenciados (PAMPLONA FILHO;
BARROS, 2013, p. 10).
Por sua vez, Hirigoyen (2006) alerta que o assédio moral tem um poder mais devastador
que o estresse, em que pese possa incluir uma fase de estresse. Explica a autora que o
estresse apenas tem natureza destrutiva quando exercido em demasia, e que, por sua
vez, o assédio moral é destrutivo independentemente de qualquer coisa.
Através das considerações da autora de que o estresse seria uma fase para se chegar ao
assédio moral, e que o estresse apenas se torna destrutivo quando evidenciada a
existência do excesso, no entanto, deve ser lembrado e observado que o assédio é
composto por um processo sistemático e repetitivo de condutas abusivas. Logo,
pressupõe-se a existência do processo sistemático nessas condutas para que seja
30
considerado como assédio, inferindo-se o excesso de condutas para que se torne
destrutivo.
Em síntese, considerando que o estresse e o assédio moral não se equivalem, Gosdal e
outros (2009, p. 45) afirmam que:
Portanto, sem qualificar o estresse como um fator, um efeito relativo
ao ambiente, ou um processo fisiológico, não teremos elementos
suficientes para relacioná-lo com o assédio moral. De qualquer forma,
nas instâncias aqui discutidas podemos afirmar que o estresse não é
coincidente com o assédio moral.
Observa-se, portanto, que o estresse é o resultado das condutas, pressões e do próprio
ambiente de trabalho, ou ainda decorrente de fatores biológicos que podem desencadear
o assédio moral, não sendo possível confundir os termos assédio moral e estresse,
embora possuam forte relação, como explicado acima, diante da ausência de seus
aspectos caracterizadores.
Igualmente, não se deve confundir o termo conflito com assédio moral, pois não
possuem conceitos coincidentes ou mesmo complementares. Analisando o termo
conflito, Pamplona Filho e Barros (2013) explicam que neste as partes possuem
posições antagônicas sobre determinado assunto ou ideias, fazendo com que elas tentem
convencer o outro de que seu posicionamento estaria mais escorreito.
O conflito está presente em todas as relações humanas e, por consequência, também no
ambiente de trabalho. Por esse motivo, não se pode apontar o conflito como fonte do
assédio moral, pois, pensando dessa maneira, teríamos que o assédio moral estaria
presente em todas as relações humanas, o que não seria crível.
Introduzindo o assunto, Gosdal e outros expõem que:
Conflitos não necessariamente envolvem manifestações de violência,
podendo representar simplesmente uma divergência entre os
envolvidos sem que haja necessariamente um confronto pessoal. Os
conflitos podem constituir fonte de novas ideias e de resolução de
problemas organizacionais. Porém, quando disfuncionais e crônicos,
podem ensejar violência física ou psicológica embora não
necessariamente desencadeiem processos de assédio moral.
(GOSDAL et al., 2009, p. 17).
31
Nota-se a relevância do conflito sadio, inclusive como forma de inquietação que se
torna propícia a novas ideias e expansão de novos horizontes. Portanto, se infere que o
conflito é inerente às relações sociais e, como tal, próprio às relações laborais. No
entanto, quando exercido de forma distorcida, pode culminar na violência psicológica
ou física, que, ainda assim, não necessariamente desaguaria para o processo sistemático
de hostilização, conforme acima conceituado como assédio moral.
O conflito pode ou não desencadear um processo de assédio moral, na medida em que
há casos em que a empresa se apresenta disponível para o diálogo e ao conflito de
posições ou ideias, respeitando a igualdade entres as partes, o que Hirigoyen denomina
de escala simétrica. Segundo a referida autora, haveria o assédio moral decorrente do
ambiente laboral quando se perde essa simetria:
No assédio moral, não se observa mais uma relação simétrica como no
conflito, mas uma relação dominante dominado, na qual aquele
comanda o jogo e procura submeter o outro até fazê-lo perder a
identidade. Quando isto se passa de uma relação de subordinação,
transforma-se em abuso de poder hierárquico, e a autoridade legítima
sobre um subordinado se torna a dominação da pessoa.
Mesmo quando o assédio ocorre entre colegas ou em nível ascendente
é sempre precedido da dominação psicológica do agressor e da
submissão forçada da vítima. (HIRIGOYEN, 2006, p. 27).
Percebe-se que a autora fundamenta a ocorrência do assédio moral na ausência da
relação simétrica. No entanto, deve-se ter cautela e observar, além da simetria apontada,
se os demais elementos que caracterizam o assédio moral se fazem presentes, na medida
em que, conforme já assinalado, não é um mero conflito esporádico, sem qualquer
conotação hostil, que poderia dar início ao processo sistemático do assédio moral.
As agressões pontuais não se amoldam ao conceito do termo assédio moral. Conforme
já mencionado, é utilizado como aspecto definidor do assédio moral o processo
sistemático e repetitivo de condutas hostis. Portanto, as agressões isoladas ou pontuais,
embora sejam reprováveis, não podem isoladamente ser consideradas como assédio
moral.
Refletindo sobre o tema, Hirigoyen analisa com clareza o que diferencia as agressões
pontuais do assédio moral, da seguinte maneira:
32
Uma agressão verbal pontual, a menos que tenha sido precedida de
múltiplas pequenas agressões, é um ato de violência, mas não é
assédio moral, enquanto que reprimendas constantes o são, sobretudo
se acompanhadas de outras injúrias para desqualificar a pessoa.
(HIRIGOYEN, 2006, p. 31).
Portanto, nota-se que a prática da conduta hostil não está revestida no processo
sistemático e repetitivo arraigado ao assédio moral, principalmente quando não
observada a intenção do agressor em assediar seu empregado.
Deve ser ressaltado que o fato de a agressão pontual não ser considerada como assédio
moral não afasta a possibilidade de reparação pelos danos causados à vítima da conduta
hostil isolada, pois a atitude, embora não tenha sido premeditada e possivelmente seja
fruto de um ato de impulsividade do agressor, causou dor e humilhação, ferindo um
bem inafastável do trabalhador, a moral, ensejando dessa maneira a possibilidade de
reparação judicial.
As más condições de trabalho também não se amoldam às características do assédio
moral por estarem ausentes os elementos mencionados anteriormente, pois, embora
caiba ao empregador proporcionar um ambiente de trabalho salubre e em boas
condições para execução das atividades contratadas, o mero descumprimento das regras
previstas na legislação e nas Normas Regulamentadoras expedidas pelo Ministério do
Trabalho e Emprego não é passível, em regra, de ocasionar o assédio moral, já que, a
rigor, não há a intenção deliberada de penalizar os empregados, de degradar o ambiente
de trabalho ou mesmo se utilizar dessa situação para aumentar a produtividade da
empresa. Muito pelo contrário, as más condições de trabalho militam a favor de um
nível produtivo menos satisfatório. Nesse sentido, Silva explica que:
Muitas vezes um ambiente de trabalho inóspito está relacionado ao
desinteresse ou falta de condições do próprio empregador. Locais mal
ventilados, mal iluminados, com calor acima do normal, cadeiras
quebradas e sem ergonomia, com mofo, causam danos consideráveis à
saúde do trabalhador. As leis trabalhistas encarregam-se de coibir tal
situação, mas na prática elas são constantes. No entanto, a menos que
determinado trabalhador esteja submetido propositalmente a tal
situação, com um dos pontos do assédio moral, havendo a intenção
pré-concebida de desestabilizá-lo com o ambiente de trabalho, longe
estaremos do dano moral. (SILVA, 2012, p. 22).
Corroborando esse posicionamento, Hirigoyen (2006, p. 33) ressalta que “trabalhar em
um espaço exíguo, mal iluminado e mal instalado não constitui ato de assédio em si,
33
salvo se um único funcionário for tratado especificamente assim ou se tais condições
destinarem-se a desmerecê-lo”. Portanto, infere-se que a rigor as más condições de
trabalho não podem se confundir com o assédio moral. No entanto, quando utilizado
com a finalidade de atingir a integridade física ou psíquica do empregado, de forma
sistemática e repetitiva, prolongando-se no tempo, poderemos estar diante do assédio
moral.
Esse é o entendimento observado na jurisprudência nacional, conforme se verifica
abaixo:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MÁS CONDIÇÕES DE
TRABALHO. Não sendo comprovados o ato ilícito ou o dano,
elementos necessários para que haja o dever de reparação civil, não
faz jus a reclamante à pleiteada indenização por danos morais. (TRT-4
- RO: 00009264520135040662 RS 0000926-45.2013.5.04.0662,
Relator: MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO, Data de
Julgamento: 14/05/2014, 2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo)
As imposições profissionais decorrem do poder de direção do empregador e, via de
regra, não se confundem com o assédio moral, muito embora, ao tratarmos do assédio
moral organizacional na seção seguinte, faremos observações mais específicas sobre o
assunto.
À primeira vista, as imposições profissionais do empregador são legitimadas
legalmente, bem como diante do senso de razoabilidade nas práticas de gerenciamento
da empresa entendidas como impositivas, uma vez que não são passíveis de
descumprimento por parte do empregado, consubstanciando-se numa das características
do contrato de trabalho.
Nascimento (2011) explica que o poder diretivo do empregador se relaciona à
possibilidade de este, dentro do que foi pactuado contratualmente, organizar as
atividades do empregado. Nesse sentido, infere-se que cabe ao empregador, enquanto
incólume a relação empregatícia e dentro da previsão contratual, decidir como e quando
o empregado deverá se portar, obviamente respeitando a dignidade do trabalhador.
Nesse mesmo sentido, Delgado explica que o poder diretivo é um ato complexo, pois
composto por um conjunto de direitos do empregador, conforme se observa:
34
Poder empregatício é o conjunto de prerrogativas asseguradas pela
ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do
empregador, para exercício no contexto da relação de emprego. Pode
ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito
a direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da
economia interna à empresa correspondente da prestação de serviços
(DELGADO, 2011, p. 616).
Portanto, resta evidenciado que as imposições profissionais decorrem do poder de
direção do empregador, não podendo ser confundidas com o assédio moral. No entanto,
a imposição profissional pode vir a desenvolver um processo sistemático de
hostilização, e, quando tal poder for utilizado para discriminar, subjugar e humilhar o
empregado, estaremos diante da figura do assédio moral.
Devidamente delineadas as condutas que, mesmo que reprováveis em alguns casos, não
coincidem com o assédio moral, passaremos a analisar as modalidades ou espécies em
que o assédio se apresenta, a partir da análise do agente agressor, sendo tal delimitação
importante para verificarmos e amparamos o estudo do assédio moral organizacional e
diferenciá-lo de outras práticas.
2.1.4 Modalidades de assédio moral
Sem interesse no esgotamento do tema, passaremos a seguir a apresentar as
modalidades de assédio moral, didaticamente dividindo-as a partir da ótica de seu
sujeito ativo. Tal tarefa é essencial para o estudo do assédio moral organizacional, na
medida que, conforme será visto na seção seguinte, esse tipo de assédio é perpetrado
pela própria organização em desfavor de todos os seus empregados.
Tratando o assunto de forma sucinta e, até certo ponto genérico, Cassar explica que:
O dano moral é aquele praticado pelo empregador diretamente aos
seus prepostos, enquanto o horizontal ocorre entre os próprios
empregados sem qualquer interferência do empregador, que apesar de
ter ciência do dano, não toma qualquer atitude para impedir o dano
moral horizontal (CASSAR, 2008, p. 940).
Hirigoyen (2006), ao analisar o tema, apresenta quatro categorias ou modalidades,
observando a posição hierárquica do agressor, dividindo-as em assédio moral vertical
descendente; assédio moral horizontal; assédio moral misto; e assédio moral
descendente. Corroborando esse entendimento Gosdal e outros (2009) utilizam essa
35
divisão para demonstrar a ocorrência do assédio moral na perspectiva do agressor e do
agredido, embora reconheçam que no cotidiano empresarial a desigualdade hierárquica
tem maior incidência nos casos de assédio moral no trabalho, ou seja, verifica-se que o
assédio moral descendente tem maior prevalência sobre as demais modalidades.
Nesse sentido, adotaremos a semelhante divisão realizada por Martins Filho (2016), ao
explicar que o assédio moral pode ser dividido, dependendo de seu sujeito ativo, nas
seguintes modalidades: a) assédio moral vertical descendente; b) assédio moral vertical
ascendente; c) assédio moral horizontal ou transversal: e, d) assédio moral externo,
conforme demonstrado no quadro 3.
Quadro 3 - Modalidades de assédio moral
Modalidades de assédio moral sob a ótica do sujeito ativo
Assédio moral vertical descendente Praticado por superiores hierárquicos imediatos ou
remotos em face de seu(s) subordinado(s).
Assédio moral vertical ascendente
Praticado por um subordinado ou pequeno grupo
de subordinados, visando prejudicar o superior
hierárquico.
Assédio moral horizontal ou transversal Praticado por um ou mais colegas de trabalho que
fazem parte do mesmo nível hierárquico.
Assédio moral externo
Praticado por clientes ou terceiros insatisfeitos
pela rotineira má prestação de serviços do
empregador.
Fonte: Autor da pesquisa (2017) a partir dos estudos de Martins Filho (2016)
Apontado como o mais recorrente por Gosdal e outros (2009), o assédio moral vertical
descendente é aquele que tem como sujeito ativo do processo sistemático, repetitivo e
duradouro de hostilização prepostos hierarquicamente superiores (imediatos ou
remotos) ao empregado assediado, conforme explica Martins Filho (2016).
Em sentido oposto de recorrência, o assédio moral vertical ascendente é incomum e
muitas vezes ignorado pelas partes envolvidas ou pela empresa. Contudo, pode ser tão
destrutivo para sua vítima, quanto a modalidade anterior. Esta modalidade de assédio
moral é de difícil observação, pois aqui a vítima é o superior hierárquico do(s)
agressor(es). Por sua característica inusitada e de difícil verificação no cotidiano,
Hirigoyen (2006) explica que o assédio moral ascendente pode ser experimentado pelo
36
gestor, por exemplo, numa falsa alegação de assédio sexual por uma subordinada ou
mesmo por uma reação coletiva de um grupo que repulsa determinado gestor,
boicotando as atividades para prejudicar seu rendimento visando à demissão ou
transferência da vítima.
Ainda, pode-se observar a existência do assédio moral horizontal ou transversal
(MARTINS FILHO, 2016), que é aquele ocasionado por um ou mais colegas de
trabalho que fazem parte do mesmo nível hierárquico. São condutas perpetradas pelo
empregado ou empregados em desfavor da vítima de mesma hierarquia, por exemplo, a
ridicularização pela vestimenta, pela orientação sexual ou religiosa, etc. Anote-se que o
assédio moral horizontal será passível de reparação pelo empregador, apenas se restar
evidenciado o potencial conhecimento do gestor das condutas legalmente reprováveis,
sem que o mesmo tenha envidado esforços para coibir as mencionadas práticas; que
tenha incentivado tal prática ou que não tenha envidado esforços para manter um
controle e ambiente sadio de trabalho.
A última modalidade indicada é o assédio moral externo, que pode ser observado
quando os clientes, insatisfeitos pela rotineira má prestação de serviços do empregador,
resolvem descarregar sua raiva e angústias sobre os empregados. Sendo a empresa
responsável pela deterioração do ambiente de trabalho, tem o dever de reparar eventuais
danos experimentados pelos empregados.
Diante da caracterização das modalidades do assédio moral na perspectiva do sujeito
ativo, ou seja, daquele que pratica a conduta ofensiva, torna-se indispensável a
delimitação do assédio moral interpessoal em análise paralela ao assédio moral
organizacional, o que certamente facilitará este estudo.
Nesse sentido é possível complementar a análise do assédio moral observando que há
uma clara subdivisão quanto a sua estrutura, ainda que tal divisão seja meramente
metodológica, para verificar que o assédio moral divide-se em assédio sexual, moral
interpessoal – ou como prefere Pohlmann (2014) – assédio moral perverso e o assédio
moral organizacional.
37
De logo, esclarece-se que o assédio sexual não tem maiores reflexos sobre o estudo
proposto neste trabalho, razão pela qual será deixado à margem, por não responder ou
contribuir aos objetivos gerais ou específicos. Noutra banda, estão o assédio moral
perverso e o assédio moral organizacional, que, embora estejam intrinsecamente ligados
um ao outro, em suas estruturas demandam elementos diferenciados para ocorrência.
Enquanto o assédio moral interpessoal está ligado umbilicalmente às questões pessoais
e individuais, por vezes marcadas por problemas de relacionamento entre o gestor,
preposto ou proprietário em face do empregado, seja em razão da busca de resultados ou
mesmo pela simples satisfação despótica de certos gestores, o assédio moral
organizacional é, como a própria denominação sugere, ligado ao caráter estrutural da
empresa, sendo sobre esta análise que nos debruçaremos com maior vagar, e, sempre
que necessário, será realizado um paralelo com o assédio moral interpessoal ou
perverso.
As questões relacionadas à gestão ultrapassam, de um lado, a individualização do
agressor como sendo necessariamente apenas o proprietário da empresa ou seus
prepostos, e, por outro, a ideia de que o agredido é apenas uma pessoa ou um pequeno
grupo. Assim, embora não se tenha realizado um estudo exaustivo sobre o conceito,
características, elementos e modalidades do assédio moral, estas considerações são
suficientes para que possamos evoluir nos estudos sobre o assédio moral organizacional
no ambiente de trabalho.
Portanto, deve-se observar que as relações de trabalho pautadas na gestão temerária e
calcadas nas más condições de trabalho merecem um estudo mais aprofundado, com a
finalidade de identificar e delinear o que a literatura denomina de assédio moral
organizacional.
2.2 O assédio moral organizacional: noções preliminares
As relações interpessoais são extremamente complexas por sua essência, pois envolvem
diversas questões inerentes à individualidade de cada ator na sociedade. Essa
complexidade ganha ainda maior dimensão quando analisada dentro do ambiente
laboral, uma vez que, além das regras de conduta exigidas direta e indiretamente pela
38
sociedade, o indivíduo/empregado está exposto a toda espécie de normas e obrigações
que são impostas por seus empregadores, muitas vezes de cunho predatório e nocivo à
saúde física e mental dos trabalhadores.
Por vezes, o empregado sequer consegue perceber as condutas que podem ocasionar o
start do processo de assédio moral organizacional, visto que estas se encontram tão
arraigadas aos valores, objetivos e procedimentos empresariais que dificultam ao
homem médio distinguir o que seria uma cobrança normal do ambiente empresarial,
daquilo que se pode caracterizar como nocivo a sua saúde. Mesmo quando o indivíduo
consegue observar tais condutas, por vezes, as compreende como essenciais ou
possíveis para manutenção da empresa, fato que pode interferir nas pesquisas realizadas
sobre o tema e ainda na quantidade de processos judiciais.
Explicam Kastrati e Baloku (2017) que, na maior parte das vezes, a pressão e as práticas
sádicas sequer são percebidas pelos trabalhadores e, quando são notadas, deixam de ser
notificadas em razão da desconfiança de que algo será feito para alterar a situação
vivenciada pelo empregado. Isso faz com que os empregados façam o possível para
tangenciar, na medida do possível, as atitudes hostis das organizações.
Por sua vez, Dias esclarece que, no assédio moral organizacional, há a desarticulação da
solidariedade. Noutros termos, seria a estimulação do conhecido adágio popular “cada
um por si”.
A violência no trabalho encontra no assédio moral organizacional uma
de suas expressões. Essa forma de assédio não individualizada,
inerente à política institucional, se direciona a todos os empregados ou
a um grupo específico, e tem a finalidade de, utilizando-se da gestão
da subjetividade e da desarticulação da solidariedade, manter a
competitividade e aumentar os lucros ainda que em detrimento da
integridade psíquica do indivíduo. (DIAS, 2015, p. 3).
Percebe-se, dessa maneira, que as condutas caracterizadoras do assédio moral
organizacional estão camufladas por um discurso empresarial no sentido de que
determinadas posições são essenciais para o crescimento, manutenção ou até
sobrevivência da empresa, conforme observam Gosdal e outros 2009. Nesse sentido,
destacam Nunes e Tolfo, os métodos utilizados pelas organizações para atingir maior
produtividade e lucratividade não possuem correlação com condições de trabalho e
saúde de seus empregados, conforme se observa do trecho a seguir:
39
Em muitas organizações o indivíduo é incitado a participar de uma
cultura organizacional, que objetiva o resultado acima de tudo, a
utilizar-se de métodos, manipulações e atos para cumprir suas metas,
não se importando com a execução de práticas violentas para tal fim.
(NUNES; TOLFO, 2013, p. 6).
Ramos Filho (2009) faz uma importante análise sobre o que denominou assédio moral
empresarial, discorrendo que, embora exista uma tendência empresarial em generalizar
e até em certa medida diminuir sua relevância, o assédio moral empresarial, ou assédio
moral organizacional, ante a existência da violência no ambiente de trabalho ao longo
da história, ganhou contornos diferenciados que superam a simples ansiedade, estresse e
desconforto. O autor também afirma:
Todavia, nos atuais métodos de gestão empresarial esta violência
psíquica se reveste de características muito diferentes, por se constituir
em estratégia empresarial fundada no medo para induzir a submissão
dos empregados aos objetivos da empresa, visando maximizar os
lucros (RAMOS FILHO, 2009, p. 22).
Nesse sentido é que nos debruçaremos a analisar o assédio moral organizacional como a
forma utilizada pelas empresas para gerir suas relações com seus empregados com
vistas a atingir seus objetivos, sendo necessário por esse motivo delimitar aspectos
conceituais e caracterizadores, observando ainda os direitos violados quando da prática
de tais condutas, além de se analisar como se caracteriza o assédio moral organizacional
no âmbito jurídico.
2.2.1. Elementos caracterizadores do assédio moral organizacional
Antes de partir para análise conceitual do assédio moral organizacional, entende-se
necessário observar as cinco características básicas citadas por Pohlmann (2014) como
delimitadores à compreensão contextual do objeto deste estudo, a saber: a
temporalidade; a repetição; a característica estrutural; a finalidade gerencial; e a
violação aos direitos fundamentais dos empregados, conforme se observa no quadro 4.
Quadro 4 - Elementos caracterizadores do assédio moral organizacional
Elementos caracterizadores do assédio moral organizacional
Temporalidade Duradouro ou permanente, ligado ao
funcionamento da empresa.
40
Repetição Manutenção das práticas de gestão como processo
sistemático.
Característica estrutural da violência
O sujeito ativo pode inexistir ou ser identificável,
sem trazer maior relevância para sua
caracterização.
Finalidade gerencial
Práticas de gestão ligadas aos fins organizacionais
sem observar o caráter deletério à saúde do
trabalhador.
Violação dos direitos dos empregados
A violação dos direitos dos empregados está
presente. Contudo, não é a finalidade do assédio
moral organizacional.
Fonte: Autor da pesquisa (2017) a partir dos estudos de Pohlmann (2014)
Em semelhança ao assédio moral perverso ou interpessoal, no assédio moral
organizacional se observa que as ofensas se protraem no tempo, não sendo possível
demarcar tempo mínimo para sua caracterização. No entanto, deve-se notar que a
temporalidade não está relacionada à quantificação do tempo durante o qual pode ser
observada nas relações organizacionais, mas diz respeito ao entendimento de estar
ligada diretamente à forma de gestão da empresa. E é nesse sentido que o assédio moral
organizacional tem característica duradoura ou permanente.
Note-se que, ao se apresentar a conceituação acima, frisou-se que, tanto no conceito de
Araújo (2006), quanto no de Gosdal e outros (2009), esta análise se faz a partir dos atos,
o que, como bem observado por Pohlmann (2014), deveria ser observado como
característica da própria empresa, ou seja, como algo que está ligado à forma de
condução das relações escolhidas pela empresa para atingir seus objetivos empresariais.
É nesse sentido que se pode identificar a segunda característica apontada, na medida em
que, embora possa ser igualmente observada no assédio perverso, a repetição das
condutas também está ligada à prática de gestão da empresa, ao escolher a violência
como força motriz para consecução de seus objetivos. Assim, ainda que a recorrência
seja uma característica do assédio moral organizacional, o que salta aos olhos é que a
repetição decorre da forma da gestão, e não das condutas que causam o assédio
organizacional.
41
Por sua vez, o caráter estrutural da violência é uma caraterística relevante para este
estudo, pois, no assédio moral organizacional, por vezes, as vítimas sequer percebem
que estão sendo violentadas. Nesse contexto, o conceito seminal do pesquisador
norueguês Galtung, esclarece que, na violência estrutural, não se tem relação direta com
quem prática a violência, ou seja, o sujeito ativo pode inexistir ou não ser identificável,
sem trazer maior relevância para sua caracterização, pois o que importa é a
consequência das práticas, ainda que o sujeito passivo possa não se compreender como
vítima (GALTUNG, 1969).
Marconatto e Xavier (2016) ponderam que é de suma importância que o trabalhador
identifique que está sendo alvo de um processo sistemático de hostilização, uma vez que
em parte significativa das vezes o empregado sequer se percebe vítima do assédio. Em
algumas ocasiões, os empregados se culpam pelo assédio sofrido e outras vezes
acreditam tratar-se de “coisas de suas cabeças”. Afirmam os autores, no entanto, que
para se enfrentar o assédio moral no trabalho se faz imprescindível o afastamento da
internalização da violência como algo comum e aceitável.
Pohlmann (2014) aprofunda-se na análise do caráter estrutural da violência, pois aduz
que, através de um processo de intersubjetivação dos empregados, a violência passa a
ser não reconhecida ou banalizada a tal ponto que eles mesmos reproduzem o mal,
multiplicando a dor e o sofrimento.
Nesse contexto, os próprios empregados passam a ser replicadores das condutas
apresentadas pela organização como necessárias à persecução de seus objetivos e a essa
altura os empregados já confundem os objetivos da empresa com seus próprios
objetivos, seus anseios com os anseios da empresa para a qual trabalham. Passam
muitas vezes de sujeitos passivos a ferramentas de operacionalização do assédio moral
organizacional.
Deve se notar ainda que, em decorrência dessa internalização subjetiva das práticas de
gestão pelos empregados, estes passam a perceber a violência como algo necessário à
manutenção ou crescimento da organização, afastando a percepção da violência como
mal para si próprios ou, quando percebem a existência desse mal, justificam-no como
necessário aos fins da empresa.
42
Assim, conforme será analisado mais adiante, as práticas de gestão importam
diretamente na exclusão de suas vítimas, através da dispensa daqueles que não atingem
as expectativas de seus empregadores, ainda que em tempos pretéritos tenham sido
excelentes empregados, causando verdadeiro terror nas vítimas e na coletividade, que
passam a ter medo dos critérios utilizados para realização das dispensas.
Note-se que todas as características pontuadas até agora possuem forte interseção entre
o assédio perverso e o assédio organizacional. Contudo, observa-se igualmente que,
embora estejam intrinsecamente relacionadas, a necessidade de fazer a delineação
específica das espécies repousa essencialmente na necessidade de combater essa nova
figura que vem se agigantando com o passar dos anos.
A finalidade gerencial do assédio moral organizacional desponta como a característica
mais arraigada à espécie, sendo ela identificada já no conceito proposto por Araújo
(2006) e, posteriormente, ratificado no conceito de Gosdal e outros (2009).
Notadamente, a finalidade gerencial é um elemento indissociável do assédio moral
organizacional, pois está diretamente relacionada aos objetivos da empresa, em favor
dos quais as práticas de gestão são implementadas.
Pohlmann (2014) esclarece que, no assédio organizacional, a intencionalidade de
prejudicar o empregado não é o objetivo, mas, sim, o atingimento dos objetivos da
organização através do controle subjetivo do trabalhador e do aumento da produção,
mesmo que para isso venha a causar prejuízos de toda sorte aos empregados. Dito de
outra maneira, a empresa não se preocupa com o fato de que para atingir seus objetivos
terá que aplicar métodos de gestão que sejam prejudiciais aos trabalhadores, como bem
pontuado por Nunes e Tolfo (2013, p. 22): “O assédio moral organizacional representa,
então, um conjunto de práticas representativo da extrapolação da lógica da racionalidade
instrumental, funcionalista, na qual os fins justificam os meios”.
Assim, o aumento da produção está relacionado diretamente à métrica empresarial
levada a efeito através de seus instrumentos gerenciais e reproduzida através do controle
subjetivo do empregado, o que é bem esclarecido por Gosdal e outros (2009, p. 23) nos
seguintes termos:
43
[...] nos casos de assédio moral organizacional os abusos são,
geralmente, envoltos de um discurso organizacional capaz de justificar
tais práticas como necessárias e úteis, em nome dos valores relevantes
na empresa e da sobrevivência organizacional, com tendência à
naturalização da violência. Para aquele que é agredido tais situações
podem ser percebidas como processos organizacionais possíveis ou
necessários, o que interfere na dimensão subjetiva da prática.
Nesse viés, através do controle subjetivo do empregado, as organizações findam por
atingir seus objetivos, pois a vítima, por vezes, nem se dá conta do caráter estrutural
desse tipo de controle, que é capaz de ser justificado no inconsciente do empregado
como algo normal e aceitável, a ponto de ele não entender como violência a experiência
por que passou e, como consequência, deixar de registrar qualquer tipo de irresignação
contra seu empregador.
Vasconcelos (2015), admitindo fazer parte de uma corrente minoritária, elucubra que a
intencionalidade, ou, em suas palavras, o dolo, seria o fator de conexão entre a figura do
assediador e o assediado, excluindo-se a culpa. Contudo, como visto em linhas
anteriores, a corrente majoritária aponta que, para a caracterização do assédio moral
organizacional, basta a existência da culpa, já que o objetivo organizacional não é a
degradação das condições de trabalho, mas algo aceito como válido para o atingimento
de seus fins. Infere-se, portanto, que a prejudicialidade das condutas não é premeditada
para atingir o empregado, mas um efeito colateral das práticas de gestão em busca de
maior eficiência, denotando-se, assim, a presença da culpa e não do dolo.
Nesse sentido, é que se compreende que a finalidade gerencial visa maximizar as
práticas de controle que estão diretamente ligadas aos empregados através dos processos
e dos resultados. Quando, por exemplo, se observa na prática da gestão empresarial o
controle do tempo do empregado no banheiro, estaríamos diante do controle do
processo. Processo esse utilizado para extrair dos recursos humanos disponíveis o
máximo de sua força produtiva, atingindo, dessa forma, os objetivos da organização.
Por sua vez, exemplificativamente, o controle do resultado pode ser observado quando
da imposição de metas, a partir das quais os empregados estariam passíveis a uma
métrica-padrão e pelas quais seriam avaliados do ponto de vista apenas numérico.
Analisando sob qualquer aspecto, sendo indenizável ou não, perceptível ou
imperceptível, o fato é que tais padrões de controle dos empregados e da coletividade
44
podem causar nestes atores graves danos físicos, mentais e de ordem emocional,
embora, por vezes, sequer sejam reconhecidos judicialmente como fruto do assédio
moral organizacional. No entanto, note-se que, em razão da dificuldade de identificar e
categorizar o assédio moral organizacional, principalmente em função da
intersubjetivação do empregado, não se faz necessário o apontamento efetivo dos danos
experimentados, pois a potencialidade destrutiva dos ideais da gestão predatória é
intrínseca a esta, tanto considerando o indivíduo, quanto até mesmo um grupo, ou seja,
a violência tem caráter estrutural e não apenas pontual ou casual (POHLMANN, 2014).
Quando se pensa em caracterização do assédio moral organizacional, analisando-se no
contexto da violência estrutural, tem-se uma tendência natural de se pensar apenas na
violação direta aos direitos da personalidade. Tal raciocínio oriundo do senso comum
demonstra-se equivocado, pois a literatura aponta para a existência de violações a
alguns direitos fundamentais consagrados pelo ordenamento jurídico vigente e
principalmente pela Constituição Federal de 1988 – CF/88, que não estão ligados, ao
menos diretamente, aos direitos da personalidade. Portanto, dada a importância desse
tema para caracterização do assédio moral organizacional, é que tais violações serão
identificadas e analisadas separadamente.
2.2.2 O assédio moral organizacional à luz da violação de direitos fundamentais
O ambiente laboral, em razão de sua complexa teia de relações interpessoais e
empresariais, representada por uma intervenção forte do capital sobre a força produtiva,
decorrente, sobretudo, da subordinação e da alteridade, das quais decorre o poder
diretivo do empregador previsto na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, finda por
proporcionar o meio com condições ideais para a ocorrência do assédio moral
organizacional, através de violações a direitos fundamentais que estão garantidos aos
trabalhadores.
Na concepção de Trujillo Flores, Valderrabano Almegua e Hernández Mendoza (2007),
isso não deve ocorrer, pois, em organizações saudáveis, o respeito à dignidade da pessoa
humana e o bem-estar físico, psicológico e social dos trabalhadores deveriam estar
acima de qualquer interesse empresarial. Ainda nesse sentido, Dias (2015) pontua que o
poder diretivo do empregador e a subordinação, inerentes à relação de emprego, não
45
podem validar como estratégia de gerenciamento o uso de práticas deletérias e a
violação de direitos do trabalhador, causando-lhe, inclusive, o adoecimento.
Nesse sentido, justifica-se a análise dos direitos da classe trabalhadora que são
recorrentemente violados, pois, em razão da pré-falada intersubjetivação do trabalhador,
podemos inferir que o assédio moral, mesmo não causando danos detectáveis à primeira
vista, tem por sua característica estrutural a nocividade das práticas de gestão que são
potencialmente danosas em sua essência, ou seja, ainda que não observado pela vítima,
estará presente.
Os direitos da personalidade tutelam a natureza individual de cada pessoa juridicamente
reconhecida, emergindo diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana,
consagrada pela Carta Política de 1988, em seu artigo 1º, inciso III. Em sentido amplo,
nota-se que as relações de trabalho não podem se afastar dos direitos e garantias
reconhecidos constitucionalmente, cabendo ao Estado Juiz adequar, por exemplo,
práticas gerenciais que sejam tendentes a prejudicar ou macular a imagem do
empregado (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, Sarlet (1999) aponta que é imperioso conceder força aos princípios
fundamentais que dão suporte aos direitos sociais do empregado, pois apenas dessa
forma se pode atingir a finalidade teleológica das normas, consagrando a dignidade da
pessoa humana.
Barroso (2010, p. 11), discorrendo sobre a natureza jurídica da natureza humana,
sintetizou o princípio constitucionalmente previsto da seguinte maneira:
A dignidade humana, então, é um valor fundamental que se viu
convertido em princípio jurídico de estatura constitucional, seja por
sua positivação em norma expressa, seja por sua aceitação como um
mandamento jurídico extraído do sistema. Serve, assim, tanto como
justificação moral quanto como fundamento normativo para os
direitos fundamentais.
A conceituação realizada por Barroso não se afasta da Constituição Federal de 1988,
classificando a dignidade da pessoa humana como um direto fundamental, sendo por
esse motivo oponível a eventuais desmandos dos empregadores, seja qual for a sua
natureza. Infere-se do conceito apresentado a necessidade do respeito ao princípio da
46
dignidade da pessoa humana no decorrer do contrato de trabalho, especialmente quanto
às práticas gerenciais que visam atingir os objetivos empresarias, sem se preocupar com
os danos diretos e reflexos que podem causar aos trabalhadores.
Nossa Carta Constitucional consagra em seu artigo 5º vários direitos e garantias
individuais e coletivos, em seu núcleo rígido, como se observa no inciso III, que dispõe:
“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. E ainda,
no inciso X, ao prever que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).
As transcrições dessas previsões constitucionais denotam a mais nítida expressão de
respeito à dignidade da pessoa humana, como sendo uma garantia intransponível e em
favor da qual, via de regra, as organizações devem guardar o máximo de respeito. Por
essa razão, já sob a égide da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico
pátrio recebeu a reformulação do Código Civil Brasileiro de 2002 – CCB, que cuidou de
preservar os direitos da personalidade, sem, contudo, apresentar um rol taxativo de tais
direitos, deixando para as normas especiais, para a jurisprudência e para a doutrina a
tarefa de complementar ou interpretar as premissas constitucionalmente garantidas
(CERQUEIRA, 2015).
Nesse diapasão, resta observar que as práticas empresariais possuem limitador previsto
constitucionalmente, consubstanciado nos direitos da personalidade, que se deriva da
dignidade da pessoa humana. Assim, ainda que a empresa detenha direitos inerentes à
atividade empresarial, decorrentes da subordinação e alteridade, deverá se curvar aos
valores sociais do trabalho e à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III e IV, CF/88),
já que, via de regra, nenhum direito é absoluto e a premissa básica prevista no
preâmbulo de nossa carta política assegura “[...] Ao exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna” (BRASIL, 1988).
Conforme menciona Cerqueira (2015), os direitos da personalidade se subdividem em:
a) direito à integridade física; b) direito à propriedade intelectual; c) direito à
integridade moral; e d) direito à integridade social. Infere-se que tal subdivisão possui
47
maior relevância conceitual que propriamente prática, na medida em que qualquer
violação, seja física, intelectual, moral ou social, é reprovável e repreensível do ponto
de vista social e jurídico, servindo a delimitação apenas para um melhor enquadramento
dos direitos violados.
O direito ao trabalho é uma garantia consagrada por fontes internacionais, como a
Declaração Universal dos Direitos dos Humanos (1948), conforme se observa no artigo
XXIII, 1, que: “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
É possível perceber que a declaração prevê não apenas o direito de qualquer pessoa ter
acesso garantido ao trabalho, mas que este será objeto de sua livre escolha, e o mais e
importante, em condições justas e favoráveis. Portanto, a garantia declarada vai além do
simples acesso ao trabalho, ou seja, ao posto de trabalho, devendo ser possível que seja
prestado em condições justas e favoráveis, pelo que se infere da sua função social o que
trabalho deve representar na vida do trabalhador que subjetivamente se percebe
produtivo e útil, além, obviamente, de permitir sua subsistência e de sua família.
A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 6º que o trabalho é um direito
social, para em seguida descrever uma série de direitos consagrados no seu artigo 7º,
como reflexo das previsões contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
pois visa proteger o trabalhador no exercício regular do direito garantido (BRASIL,
1988).
Tais garantias se sucedem em várias fontes internacionais, bem como em passagens do
texto constitucional, sendo inegável que o trabalho é um direito, assim como a livre
inciativa prevista no artigo 170. Ambos os casos devem ser compatibilizados de modo
que o empregador não possa exorbitar do poder que é originado do capital e,
ultrapassando os limites do razoável, venha a prejudicar os trabalhadores em busca de
melhor eficiência e resultados, pois, conforme se observa do artigo 193 da CF/88: “A
ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a
justiça sociais”, ou seja, o bem-estar e a justiça social devem ser os objetivos do
trabalho, e não a obtenção do capital em detrimento da força produtiva hipossuficiente
(BRASIL, 1988).
48
Pohlmann (2014, p. 78) é assertivo, ao apontar a extensão dos danos causados pelo
assédio moral organizacional, no que se refere ao direito fundamental ao trabalho,
propondo que: “O assédio moral organizacional não viola o direito fundamental ao
trabalho apenas ao causar danos aos trabalhadores, mas também ao inibir as condições
para realização das necessidades que só podem ser satisfeitas pelo trabalho”.
O autor corrobora a posição já apresentada, ao considerar que, além da existência do
dano objetivo aos trabalhadores, podem ser observadas as práticas de danos de natureza
subjetiva, quando se impede a consecução da satisfação das necessidades básicas do
trabalhador através do próprio trabalho, pois, como visto, o bem-estar e a justiça social
se constituem como objetivos da ordem social (CF/88, art. 193).
Conforme mencionado anteriormente, em grande medida, o assédio moral
organizacional está camuflado atrás de um discurso empresarial no qual as violências
perpetradas contra os trabalhadores estão relacionadas com a própria estrutura e
políticas adotadas pela empresa, assim, as condutas supostamente estariam respaldadas
no patronal, justificadas como uma necessidade empresarial ou do próprio mercado
(SOBOLL; HORST, 2015).
Portanto, indo além do direito ao trabalho, em sua acepção ampla, é importante ressaltar
que ao trabalhador é garantido o direito ao ambiente saudável, como direito
fundamental, nos exatos termos do que prevê a CF/88 em seus artigos, 1º, III e 225, ao
dispor que todos possuem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
como fundamento para o fomento da dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
Nesse mesmo sentido, o legislador constituinte inseriu como competência do Sistema
Único de Saúde – SUS (art. 200, inc. VIII), além de outras atribuições, o dever de
colaborar com a proteção do meio ambiente, frisando textualmente a inclusão do
ambiente de trabalho (BRASIL, 1988).
Silva (2000) propõe um conceito amplo de meio ambiente, superando as conotações
inicialmente delineadas pela doutrina, que, por vezes, se limitava às questões ligadas
aos recursos naturais. Nesse sentido, Silva (2000, p. 20) propõe o seguinte conceito:
49
O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca
assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos
recursos naturais e culturais.
Portanto, indene de dúvidas que a garantia de um ambiente saudável inclui o ambiente
de trabalho e não apenas os requisitos ou pressupostos objetivos ligados a questões
ambientais stricto sensu. A citada garantia, portanto, alcança as condições do ambiente
laboral e as questões a ele interligadas, como, por exemplo, a vedação de labuta sob
baixa luminosidade, pouca circulação de ar, ou mesmo em condições altamente
estressantes, sendo certo que, em tais situações, os trabalhadores serão vitimados e, em
razão disso, se faz necessária a proteção constitucionalmente garantida.
Algumas definições possuem uma característica demasiadamente objetiva, como aduz
Nascimento (2011, p. 528) ao abordar o ambiente de trabalho:
[...] complexo máquina-trabalho: as edificações do estabelecimento,
equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico,
instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de
periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas
de proteção ao trabalhador, jornadas de trabalho e horas extras,
intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenagem e
manuseio de materiais que formam o conjunto de condições de
trabalho etc.
Nota-se através da definição trazida por Nascimento uma dimensão mais reducionista e
que nos parece insuficiente para ser aplicada ao tema proposto, pois está ligada apenas
às questões objetivas ou práticas do ambiente laboral. Como visto no conceito de
assédio moral organizacional lançado anteriormente, a característica estrutural das
organizações, através de suas práticas e políticas que visam atingir seus objetivos, finda
por fomentar um ambiente de trabalho inóspito ao trabalhador, no campo da
subjetividade.
Segundo Pohlmann (2014), os fatores objetivos e subjetivos são duas vertentes de uma
mesma realidade, pois existe a necessidade de se observar as questões objetivas, ou seja,
da organização do trabalho, mas se deve observar igualmente as questões
organizacionais, ou dito de outra maneira, as questões relacionadas às políticas e
50
práticas organizacionais direcionadas ao campo da subjetividade. Tratando o assunto
Coutinho (2013, p. 39), afirma que:
A análise das questões afetas ao meio ambiente do trabalho não pode
ser enfrentada por regras jurídicas correlacionadas a higiene,
segurança e medicina do trabalho – saúde no sentido estrito; isto
porquanto diz respeito ao direito constitucional ao trabalho, o direito a
vida saudável no meio ambiente do trabalho, de sorte a permitir o
pleno desenvolvimento das potencialidades profissionais, sociais e
psicológicas do indivíduo. Desta forma, a necessidade apontada para
aportar uma dimensão psicológica que envolve o trabalho é altamente
relevante, atual e adequada diante das formas usuais de gestão de
pessoas aplicadas no espaço empresarial.
Notadamente devemos evoluir através da definição apresentada acima para entender que
o meio ambiente do trabalho é mais abrangente e complexo do que o previsto
normativamente, pois está ligado à saúde do trabalhador, não apenas do ponto de vista
físico, mas também psicológico ou subjetivo.
Entende-se, portanto, que a própria empresa pode ocasionar o desequilíbrio e poluição
do meio ambiente laboral, através de práticas como, por exemplo, a cobrança excessiva
de metas, a regulação do tempo no banheiro ou com a pressão exercida para o aumento
da produtividade, agravada pela ameaça constante de demissão.
Um ambiente de trabalho nocivo propicia o adoecimento do trabalhador, indo de
encontro com o que dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º ao prever
que: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL,
1988).
No mesmo sentido, o artigo 7º da CF/88, prevê que, através de normas de saúde, higiene
e segurança, sejam reduzidos os riscos decorrentes da atividade laboral (BRASIL,
1988). No entanto, embora as legislações constitucional e infraconstitucional e as
normas regulamentadores – NRs sejam enfáticas e duras no combate e prevenção aos
riscos decorrentes do trabalho, a verdade é que as condições impostas pelas
organizações findam por anular todo o esforço despendido pela legislação em vigor, ao
ignorar preceitos básicos, aplicando formas de gestão temerárias que trazem impactos
devastadores à vida dos empregados, individualmente considerados, ou mesmo para a
51
sociedade, na medida em que, uma vez causado o adoecimento do empregado, tal
consequência findará por repercutir na família, que, por sua vez, refletirá na
desestabilização social (POHLMANN, 2014).
Não é demasiado lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho é repleta de normas
que visam assegurar a saúde do trabalhador, destacando-se a existência de um capítulo
que trata exclusivamente da Segurança e Medicina do Trabalho. Nesse sentido, não se
pode negar que tais normas visam prevenir o surgimento de moléstias no trabalhador,
seja em razão do desgaste do indivíduo como algo natural decorrente do trabalho, seja
quando o adoecimento decorre de condições insalubres ou perigosas de trabalho.
Contudo, havendo de um lado a existência de normas de combate e prevenção ao
adoecimento do trabalhador, mas permanecendo de outra banda as práticas
organizacionais estruturadas e nocivas para o atingimento dos fins da empresa, embora
não seja seu objetivo primordial, pode se ter como consequência a ocorrência do
adoecimento do trabalhador através do surgimento de moléstias como, por exemplo, a
síndrome de burnout ou distúrbios psicossomáticos de todo o gênero, tais como:
gastrites, úlceras, hipertensão, etc.
Conforme afirma Cerqueira (2015), deve-se entender o assédio moral organizacional à
luz dos avanços das moléstias que acometem os trabalhadores, na medida que tal
condição é agravada em empresas onde as práticas de gestão estão voltadas para os
resultados e eficiência. Portanto, infere-se que a legislação deve avançar para resguardar
o direito dos trabalhadores para essas novas condições a que estão sendo expostos, pois
a utilização analógica de normas já positivadas pode trazer resultados equivocados e
inócuos à defesa dos trabalhadores.
O assédio moral no ambiente de trabalho, como observado em linhas anteriores, tem
origem consideravelmente remota, sendo por essa razão um estudo muito debatido
academicamente, principalmente por sua repercussão negativa na vida do trabalhador,
bem como pela repercussão ocasionada pelo aumento significativo do passivo
trabalhista suportado pela empresa. Nesse sentido, apontamos para a evolução dos
estudos sobre o assédio moral no âmbito da empresa, quando o agente causador é a
52
própria empresa, que, como bem observado por Ramos Filho (2009), ganhou contornos
diferenciados da violência perpetrada em face do empregado ao longo da história.
No Brasil, a precursora dos estudos do assédio moral organizacional foi Araújo, que, em
2006, ainda em sede de dissertação, propôs o seguinte conceito:
[...] conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de
forma sistemática durante certo tempo, em decorrência da relação de
trabalho, que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de
uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento
subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por
meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em
danos morais, físicos e psíquicos. (ARAÚJO, 2006, p. 107).
Deve-se ressaltar a importância do conceito proposto por Araújo (2006), pois abriu uma
importante discussão sobre aspectos que até então estavam subentendidos ou
camuflados, atrás do poder diretivo do empregador. Contudo, talvez por ser o primeiro
conceito sobre o tema, ele demonstre uma generalidade exacerbada, tendendo inclusive
a tentar tipificar as condutas que ensejariam a ocorrência do assédio moral
organizacional.
Nota-se a ausência de um elemento essencial para identificação do assédio moral
organizacional, que seria o fato de as condutas estarem diretamente ligadas às práticas
de gestão utilizadas pelas empresas para atingir seus objetivos.
A crítica apresentada por Gosdall e outros (2009) é ainda mais incisiva ao
argumentarem que, de tão amplo que se apresenta o conceito proposto, pode se
compreender que tudo o que não for considerado assédio moral interpessoal seria
assédio moral organizacional.
Fazendo uma análise mais aprofundada sobre as ponderações das autoras, é possível
verificar que o conceito de Araújo (2006) admite como assédio organizacional,
inclusive, a atitude déspota e doentia de certos prepostos que, mesmo não tendo sido
orientados pela empresa, praticam certas condutas que ferem a dignidade do
trabalhador. Pelo simples fato de a empresa se beneficiar direta ou indiretamente por
essa conduta, para o autor, incorrerá na prática de assédio organizacional.
53
Entende-se, no entanto, que, se afastando o caráter estrutural da conduta da empresa
como elemento essencial para a caracterização do conceito, não estaríamos diante do
objeto deste estudo. Por essa razão, as autoras afirmam que o conceito proposto
confunde-se com o próprio conceito de assédio moral.
Diante da crítica realizada acima, Gosdal e outros (2009) propuseram um novo conceito
que a rigor seria mais delimitado e analítico, dispondo que:
[...] o assédio moral organizacional é um conjunto sistemático de
práticas reiteradas, inseridas nas estratégias e métodos de gestão, por
meio de pressões, humilhações e constrangimentos, para que sejam
alcançados determinados objetivos empresariais ou institucionais,
relativos ao controle do trabalhador (aqui incluído o corpo, o
comportamento e o tempo de trabalho), ou ao custo do trabalho, ou ao
aumento da produtividade e resultados, ou à exclusão ou prejuízo de
indivíduos ou grupos com fundamentos discriminatórios. (GOSDAL
et al., 2009, p. 37).
Percebe-se, através da definição apresentada, uma significativa evolução do conceito
originalmente exposto, uma vez que, além de compreender o controle subjetivo do
empregado, as autoras incluem o fato de as condutas estarem diretamente ligadas às
práticas de gestão utilizadas pelas empresas para atingirem seus objetivos.
É possível inferir, através das reflexões trazidas pelos conceitos apresentados, que
talvez a análise do assédio moral deveria partir da finalidade que estaria por trás das
condutas praticadas, e não partir das condutas para a finalidade, pois, tanto no conceito
de Araújo, quanto no conceito de Gosdal e outros (2009), sempre se parte da conduta
perpetrada para então se caracterizar o assédio organizacional, analisando a finalidade
do ato praticado. É nesse sentido que Pohlmann apresenta seu conceito, ao argumentar
que:
[...] propõe-se conceituá-lo como um processo de internalização de
ideologia aplicada à organização do trabalho que legitima o uso
recorrente da violência em face dos trabalhadores com finalidade
gerencial de aumento da produção, violando direitos fundamentais e
com potencialidade de resultar em danos perceptíveis ou
imperceptíveis ao trabalhador ou à coletividade. (POHLMANN, 2014,
p. 61).
Nesse sentido, Pohlmann apresenta uma conceituação buscando desenvolver a análise
do conceito de assédio moral organizacional através do controle da subjetividade do
54
empregado e da finalidade gerencial das medidas empresariais, e não propriamente das
práticas, como nos conceitos apresentados anteriormente.
Registra-se com cautela o fato de o autor delimitar o uso da violência com a finalidade
gerencial apenas para fins específicos de aumento de produção, pois, como visto, as
práticas gerenciais estão voltadas para a produção e para o processo, ou seja, o uso da
violência está relacionado ao aumento da eficiência.
Ademais, quanto ao processo de internalização da ideologia aplicada pela empresa para
legitimar o emprego de violência, registra-se mais uma ressalva, já que nem sempre
pode haver a intersubjetivação completa do empregado, e nem por isso deixaríamos de
estar diante de um processo violento com finalidade gerencial que visa ao aumento da
eficiência da organização.
Nesse sentido, compreende-se o conceito proposto por Gosdal e outros (2009) como
sendo ainda o mais abrangente. No entanto, não se pode deixar de observar a relevante e
atual contribuição de Pohlmann (2014), ambos agregando valor ao conceito nacional
desenvolvido por Araújo (2006).
A partir desses conceitos, propõe-se entender o assédio moral organizacional como um
processo de internalização de uma ideologia estrutural aplicada à organização,
intersubjetivada ou não pelos trabalhadores (não individualizado), através de um
conjunto sistemático de práticas reiteradas que são inseridas nas estratégias e métodos
de gestão da organização, com a finalidade gerencial de alcançar os objetivos
empresariais de forma eficiente, sendo irrelevante para organização se tais práticas
possuem natureza deletéria à saúde do trabalhador ou da coletividade ou mesmo se há
violação de direitos fundamentais dos empregados.
Assim, após a devida conceituação do tema central do estudo proposto, é possível
observar a proximidade entre os conceitos de assédio interpessoal definido por
Hirigoyen (2006) e o de assédio organizacional através do texto proposto por Araújo
(2006), ainda que analisadas as contribuições de Gosdal e outros (2009) e Pohlmann
(2014). Portanto, tendo-se em vista que posteriormente será realizada a análise da
jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região acerca do assédio
55
organizacional, entende-se necessário apresentar as distinções entre essas duas espécies,
visando evitar compreensões equivocadas na análise dos dados.
2.3 Distinção entre assédio moral perverso ou interpessoal e assédio moral
organizacional
A distinção dos conceitos de assédio moral interpessoal ou perverso e assédio moral
organizacional é medida que se impõe, pois, embora sejam termos próximos e guardem
características semelhantes, é possível inferir, conforme se observará a seguir, que o
assédio organizacional é uma espécie de assédio moral, com elementos claros de
distinção do assédio moral interpessoal ou perverso, por exemplo (GOSDAL et al.,
2009).
Assim, como o objeto central do presente estudo é verificar se as decisões do Tribunal
Regional do Trabalho da Sexta Região reconhecem o assédio moral organizacional nas
práticas de gestão de uma empresa de telemarketing na capital pernambucana, com
fundamento na literatura pesquisada, a correta conceituação é importante para o
prosseguimento das análises que estão por vir. Isso porque, embora o assédio moral
organizacional seja de amplo debate na literatura nacional, a partir do trabalho de
Araújo (2006), é, em certa medida, notada a ausência de delimitação da espécie no
campo jurisprudencial.
Nesse sentido, ao analisar as ações apresentadas na Justiça do Trabalho no Brasil sobre
assédio moral organizacional, Pohlmann (2014, p. 23) esclarece que:
Em regra, não se valora a participação do empregador para tanto, nem
se promovem medidas que desincentivam a continuar a sua prática.
Quando não, muitas vezes o assédio moral organizacional é julgado
como assédio moral perverso, pelo que é procurada a figura do
assediador e do assediado, o que acaba invizibilizando o problema
mais grave.
Observam-se no trecho transcrito três importantes constatações, sendo a primeira no
sentido de que não há a valoração da participação do empregador. Dessa passagem
pode-se inferir que o objeto analisado é basicamente a conduta que ocasiona o assédio,
ou seja, como justificado no conceito proposto acima, não se observa o processo de
internalização da ideologia estrutural aplicada pela organização. Essa abstenção pode
56
interferir no resultado da apreciação por parte do poder judiciário para a ausência da
correta caracterização da espécie analisada.
A segunda constatação relevante da observação transcrita acima se verifica quando o
autor salienta que muitas vezes o assédio moral organizacional é julgado como assédio
perverso, pois a decisão é focada na figura do assediador e do assediado. Essa questão
foi igualmente analisada no conceito proposto, denotando-se um equívoco de percepção,
já que o assédio moral organizacional não decorre da conduta de um gestor
isoladamente, mas, sim, de conjunto sistemático de práticas reiteradas inseridas nas
estratégias e métodos de gestão da organização, com a finalidade gerencial de alcançar
os objetivos empresariais de forma eficiente, havendo, portanto, um erro de avaliação,
decorrente da confusão entre as duas espécies de assédio analisadas.
A terceira constatação que destacamos do trecho transcrito acima denota-se como
consequência do equívoco no correto enquadramento do fato apresentado à espécie de
assédio correspondente. Ao mencionar que não se fomenta a existência de políticas que
sejam tendentes a abolir as práticas ocasionadoras do assédio organizacional, o autor
não faz maiores reflexões sobre essa afirmação. No entanto, é possível inferir que a
ausência ou equívoco de políticas preventivas ou repressivas decorre justamente da
impontualidade quando da análise dos fatos expostos à apreciação do judiciário.
Portanto, exemplificativamente, quando uma empresa recebe uma condenação por
danos morais decorrente de assédio moral interpessoal, a providência a ser adotada, via
de regra, é de natureza pontual, corrigindo a postura de uma determinada peça da
engrenagem, ou mesmo, em situações mais gravosas, realizando a substituição dessa
determinada peça. Ocorre que, se a espécie foi inadequadamente apontada pelo poder
judiciário, ou seja, no caso de a condenação ser decorrente de assédio moral
organizacional, as posturas de correção adotadas pela empresa, quando existirem, não
surtirão qualquer efeito, pois o problema não está numa peça específica, mas, sim, na
estrutura da própria engrenagem verificada na ideologia estrutural aplicada à
organização.
57
É nesse sentido que se justifica a apresentação da diferenciação entre assédio moral
interpessoal e assédio moral organizacional, para que se possa aferir com precisão nas
decisões coletadas diante de qual modalidade de assédio moral estaremos.
Alvarenga faz uma distinção simples das duas espécies de assédio moral de forma
objetiva, esclarecendo que:
Além do assédio moral individual, que tem como objetivo a exclusão
da vítima do mundo do trabalho, discriminando-a perante o grupo, há
também o assédio moral denominado organizacional. Este último tem
por objetivo a sujeição de um grupo de trabalhadores às agressivas
políticas mercantilistas da empresa por meio do estabelecimento
abusivo de metas (ALVARENGA, 2012, p. 1).
Por sua vez, Gosdal e outros (2009) chamam a atenção para a semelhança entre as
formas de assédio interpessoal e organizacional, demonstrando que na prática as
diferenças são diminutas, pois fazem parte de um mesmo processo. Detalhando essas
diferenças entre as espécies de assédios, apresentam em sua obra o quadro que será
utilizado na íntegra, conforme quadro 5:
Quadro 5 – Distinção entre o assédio moral interpessoal e organizacional
Situações e atitudes
características
Assédio moral no trabalho
Assédio moral interpessoal Assédio moral organizacional
- Processo sistemático de
hostilização;
- Ocorrência de condutas agressivas
e hostis que provocam intimidação
e humilhação.
- Processo sistemático de
hostilização;
- Ocorrência de condutas agressivas
e hostis que provocam intimidação e
humilhação;
- Tais práticas são inseridas nas
estratégias e métodos de gestão,
estão presentes (implicitamente) nas
políticas e práticas da empresa.
Critérios definidores
- Apresentar caráter processual:
considerar a repetição e duração de
tais atitudes e situações;
- Relação desigual de força ou
poder entre as partes envolvidas.
- Apresentar caráter processual:
considerar a repetição e duração de
tais atitudes e situações;
- Relação desigual de força ou poder
entre as partes envolvidas.
Objetivos, finalidade do
processo
- Pretende-se prejudicar, enquadrar,
humilhar e/ou excluir (do grupo ou
da empresa) a(s) pessoa(s)
- Pretende-se alcançar, ou manter,
determinados objetivos empresariais
ou institucionais relativos a índices
58
atingida(s). de produtividade e/ou atingimento
de resultados, ao controle dos
trabalhadores e aos custos do
trabalho.
Quem pratica o assédio - O assediador pode ser
hierarquicamente superior, igual
(colega de trabalho), ou inferior
(subordinado) à pessoa assediada.
- A empresa promove o assédio
moral organizacional por meio de
seus prepostos, gestores ou equipes
de trabalho.
Alvos do processo São alvos específicos: indivíduos
ou pequeno grupo de pessoas.
- Pode se tratar de assédio fundado
em discriminação, perseguição
pessoal de colegas ou gerente, para
trabalhadores com determinado
perfil (ex. negros, homossexuais)
- São alvos determináveis. As
práticas de assédio podem atingir
grande parte dos trabalhadores da
empresa, ou setores específicos;
- Pode se tratar de assédio fundado
em discriminação, inserido na
gestão da empresa, voltado para
trabalhadores com um determinado
perfil (ex. gestantes, empregados
acidentados ou lesionados)
Formas de participação
da empresa
- A empresa omite-se, permite a
ocorrência das práticas de assédio
moral interpessoal.
- A empresa promove e estimula a
ocorrência das práticas de assédio
moral organizacional.
Fonte: Gosdal e outros (2009, p. 39-40)
No modelo proposto por Gosdal e outros (2009), podemos extrair que as principais
diferenças entre as duas espécies de assédio residem em: situações e atitudes
características; quem pratica o assédio; objetivos, finalidade do processo; alvos do
processo; e formas de participação da empresa.
Quanto às situações e atitudes características, deve-se observar que, no assédio moral
organizacional, as estratégias e métodos de gestão são inseridas nas práticas que fazem
parte de uma ideologia estrutural aplicada à organização, visando à obtenção de
objetivos predefinidos, seja no processo ou nos resultados. Importante, contudo, seria
observar que nem sempre o processo sistemático de hostilização é aplicado de forma
implícita, pois pode ser verificado de forma explícita nas práticas adotadas pela
empresa. Dessa maneira, embora não conste nos objetivos da empresa que seu intento é
atingir o objetivo em detrimento das condições de trabalho de seus empregados, as
estratégias e métodos de gestão inseridas nas práticas estruturais aplicadas às
59
organizações denotam-se explícitas, não havendo necessidade de maiores digressões
para percebê-las.
Estando diretamente interligadas as situações, atitudes e características, observa-se que
os objetivos ou finalidades do processo nas organizações não visam atingir certo(s)
indivíduo(s), nem tampouco uma coletividade com a intenção de prejudicar, humilhar e
intimidar os empregados através de condutas hostis em um processo sistemático – por
exemplo, apenas para forçá-los a pedir demissão. Nota-se que, embora as organizações
cometam tais práticas deletérias, que podem ter inclusive o mesmo efeito prático do
assédio moral interpessoal, a intenção da empresa é o atingimento de um determinado
objetivo, que estará ligado ao processo ou aos resultados, nem que para isso seja
necessário atingir direitos fundamentais propalados anteriormente.
Quanto a quem pratica o assédio, deve-se ter maior cuidado nesta análise, pois, via de
regra, quem estará operacionalizando as práticas e políticas impostas estruturalmente
pela empresa serão os prepostos, gerentes ou funcionários de um nível hierárquico
superior da organização.
Dessa forma, não se pode perder de vista que o assédio organizacional está ligado a
políticas da empresa, tanto que, como já observado, os próprios empregados de níveis
mais elevados na organização passam de sujeitos passivos a ferramentas de
operacionalização do assédio moral organizacional, tendo em vista a existência do
processo de internalização das condutas exigidas implícita ou explicitamente pelas
empresas.
Por ser relevante para a questão tratada, deve ser rememorada a divisão realizada por
Martins Filho (2016), ao explicar que o assédio moral pode ser dividido nas
modalidades de assédio moral vertical descendente, assédio moral vertical ascendente,
assédio moral horizontal ou transversal, assédio moral externo.
Por esse motivo, infere-se que Pohlmann (2014) andou bem ao desenvolver seu
conceito de assédio moral organizacional através do controle da subjetividade do
empregado e da finalidade gerencial das medidas empresariais e não partindo da
premissa das práticas de gestão ou das condutas perpetradas, que podem se confundir
60
com o assédio moral interpessoal. Portanto, deve-se entender que, embora na maior
parte das vezes, as práticas sejam operacionalizadas por um empregado ou alguns
empregados, estes assim procedem a mando da organização que seria o ator principal
das práticas deletérias à saúde do trabalhador. Nesse sentido, pode-se observar que o
assédio moral organizacional ocorrerá na modalidade descendente.
Quando analisados o(s) alvo(s) do processo sistemático de hostilização, devemos
perceber uma linha tênue e não muito segura, caso se pretenda analisar as espécies de
assédio com base apenas nesse critério. No assédio interpessoal, observamos que os
alvos são indivíduos ou pequenos grupos de pessoas, que, diga-se de passagem, podem
estar confinados em certos setores da empresa. Assim, não se afigura seguro ser um
critério diferenciador isoladamente, pois, em algumas organizações, as práticas de
gestão deletérias podem estar voltadas a setores específicos, enquadrando-se no
conceito de pequenos grupos e, assim, não saberíamos diante de qual espécie de assédio
estaríamos presentes.
Conforme visto acima, na visão de Gosdal e outros (2009), no assédio moral
organizacional, os alvos são determináveis, pois as práticas podem atingir grande fatia
da empresa ou mesmo apenas setores específicos. Contudo, infere-se que, quando
analisamos o critério diferenciador objetivo e finalidade do processo, percebemos que o
processo sistemático não está direcionado para os alvos do assédio. Dito de outra
maneira, pouco importa à organização se atingirá um empregado ou a totalidade da
empresa, pois a intencionalidade de praticar o dano ao empregado no assédio moral
organizacional está entrelaçada aos objetivos que a empresa pretende atingir, ou seja, a
intenção é atingir o objetivo de forma eficiente.
Assim, vale observar que as autoras apontam que os alvos do assédio moral
organizacional podem ser atingidos em função de discriminação, inserida na gestão da
empresa, voltada para trabalhadores com um determinado perfil (ex. gestantes,
empregados acidentados ou lesionados). Analisando as características do assédio moral,
conforme procedemos nos tópicos anteriores deste trabalho, observamos que o assédio
interpessoal que é praticado com fundamento em ato discriminatório, baseado em
condições pessoais do sujeito passivo, seja qual for o motivo (religioso, orientação
sexual, cor, raça, etc.), ou mesmo em decorrência de desentendimentos de ordem
61
profissional, como o medo de perder a posição para seu imediato, pode dar início a um
processo sistemático de perseguição, visando persuadir o empregado a se demitir do
emprego, transparecendo o objetivo de modo objetivo e diferenciador.
Nesse sentido, devem-se observar os alvos do processo como determináveis não do
ponto de vista discriminatório, como apontam as autoras, pois em regra estaríamos
tratando do assédio interpessoal. Passaria a ser organizacional apenas se determinado
grupos de empregados, por suas características pessoais, se prostrassem como ato
impeditivo aos objetivos da empresa, e, por sua vez, a política organizacional fosse-lhes
deletéria, pois deve ser lembrado que no assédio moral organizacional não há
intencionalidade de praticar o dano contra o empregado, mas está entrelaçada à política
estrutural da empresa, utilizada para atingir os objetivos que a empresa pretende de
forma eficiente.
Por derradeiro, e não menos importante, pode-se diferenciar o assédio moral
organizacional do assédio interpessoal do assédio moral organizacional com base nas
formas de participação da empresa. Na primeira espécie, a empresa se omite e permite a
ocorrência das práticas de assédio, pois há intenção de se beneficiar de alguma forma
das condutas agressora de certo(s) gestor(es).
Já quanto à segunda espécie Freitas, Heloani e Barreto (2009) explicam que o assédio
moral organizacional residiria basicamente na negligência das empresas em observar as
condutas que atentam contra a dignidade do trabalhador. Nesse sentido, observa-se:
Quando consideramos o assédio moral uma questão organizacional,
entendemos que algumas empresas negligenciam os aspectos
desencadeadores desse fenômeno, ou seja, consideramos que o assédio
moral ocorra não porque os dirigentes o desejem, mas porque se
omitem. (FREITAS; HELOANI; BARRETO, 2009, p. 38).
Contudo, conforme apresentado em linhas anteriores, entende-se mais adequado
analisar a matéria sob o aspecto trazido por Gosdal e outros (2009), onde se observa que
o assédio organizacional não se trata apenas de simples omissão ignorada por parte dos
gestores, mas, sim, parte-se de um processo de internalização de uma ideologia
estrutural aplicada à organização, intersubjetivada ou não pelos empregados, razão pela
qual a empresa promove e estimula a ocorrência das práticas de assédio moral
organizacional.
62
Notadamente, como afirmam Gomes e outros (2016), observa-se uma característica
interessante no método de gestão por assédio, pois a intersubjetivação das práticas
deletérias é equivocadamente justificada como necessária aos interesses da empresa,
causando um efeito dúplice no subconsciente dos trabalhadores, restando evidente que
aqueles que conseguem atingir um melhor desempenho terão maiores condições dentro
da empresa, por sua vez, aqueles que não atingirem as expectativas serão subjugados e
passarão a experimentar toda sorte de perseguições e achaques, mesmo que de forma
generalizada e indireta, tendo como consequência o adoecimento e o desestímulo para o
trabalho.
Portanto, devidamente delineados os principais pontos diferenciadores entre o assédio
moral organizacional e o assédio moral interpessoal, é possível seguir adiante no estudo,
sem que se incorra no erro de enquadrar uma espécie como outra, o que fatalmente
poderia incorrer em impontualidades no resultado da presente pesquisa.
Diante de tais considerações, para que seja possível uma melhor compreensão quando
da análise dos dados que serão coletados, afigura-se necessário observar, à luz da
literatura pesquisada, de que maneira o assédio moral organizacional é utilizado como
ferramenta de gestão.
2.3.1 A caracterização do assédio moral organizacional sob o aspecto jurídico-
trabalhista
Em face de suas características já devidamente delineadas, o combate ao assédio moral
transita entre os mais variados campos da ciência, pois se observa a complexidade de
relações ao se tratar da matéria. Cerqueira (2015, p. 46) aponta uma proposição
esquemática para tentar facilitar a compreensão da matéria, nos seguintes termos:
Com o assédio moral, não foi diferente – muito embora a psicologia
tenha sido fundamental para fazer o meio de campo entre o econômico
e o jurídico. Em sua formulação esquemática, pode-se dizer que a)
práticas sistemáticas de agressão moral ocorriam no seio econômico,
nas relações laborais; b) estudos de psicólogos constataram a
degradação moral resultante e tornaram públicas tais práticas e c) o
Direito captou o conflito e se propôs a resolvê-lo.
Por sua vez, relacionando assédio moral e ambiente de trabalho, Pamplona Filho, Lago
Júnior e Sarno Braga (2016) destacam que, embora o assédio moral possa ser observado
63
em qualquer esfera do convívio social, ele ganha contornos mais relevantes no interior
das organizações, tendo em vista a condição desigual do empregado perante seu
empregador. Essa condição de inferioridade jurídica decorre naturalmente do binômio
capital e trabalho, sendo necessária a observância do princípio da hipossuficiência nas
relações de trabalho, a fim de que se possa buscar a correta aplicação das normas, ainda
que à luz do princípio da isonomia.
Nesse sentido, observa-se que há uma conjugação de esforços para tratar o tema como
se deve, pois se observa a interdisciplinaridade para compreensão de uma complexa teia
de relações sociais, psicológicas e jurídicas, necessitando dessa maneira de vários
olhares para que se possa ter a verdadeira dimensão do problema.
No campo jurídico, há clara previsão constitucional para a salvaguarda dos direitos da
personalidade, no entanto, a tutela jurídica está relacionada ao dano moral propriamente
dito. Deve ser esclarecido que o dano moral é a consequência das práticas que podem
ser originadas das mais variadas espécies de achaques, como, por exemplo, pelo assédio
sexual, injúria, calúnia, difamação, ou qualquer outro ato por ação ou omissão,
negligência ou imprudência que venha a causar dano a outrem, portanto, não
necessariamente exclusivo das relações laborais.
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 5º, V, que “é assegurado o direito
de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem”, notadamente numa preocupação em afastar apenas a interpretação de
reparabilidade para os danos causados na esfera patrimonial ou material. Nesse sentido,
complementando o que restou consignado acima, consagrou expressamente a
salvaguarda aos direitos da personalidade e o direito a indenização quando de sua
violação, nos termos ainda da CF/88 em seu artigo 5º, X, ao dispor que “são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).
No ordenamento infraconstitucional pátrio, existem dispositivos legais utilizados na
seara civilista e aplicados subsidiariamente ao direito do trabalho, como ocorre no caso
do artigo 186 do Código Civil Brasileiro – CCB ao prever que: “aquele que, por ação ou
64
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).
Conforme visto acima, o artigo 186 do CCB prevê que, ainda que por ato de ação ou
omissão, por negligência ou imprudência, aquele que (pessoa física ou jurídica no
entendimento jurisprudencial) viole direito ou cause dano a outrem, inclusive que seja
exclusivamente moral, cometerá ato ilícito, e, como tal, o ato ilícito deve ser reparado
nos exatos termos do artigo 927, cumulado com o artigo 929 do mesmo diploma legal,
ao prever que:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
[...]
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II
do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à
indenização do prejuízo que sofreram. (BRASIL, 2002).
Nesse sentido, é possível observar que o direito à integridade moral do indivíduo está
devidamente resguardado, ainda que de forma genérica, pois, como se observa, não há
referência ao assédio moral, tampouco organizacional, em evidente ausência de
tipificação da conduta.
Deve-se registrar a existência de normas de natureza específica, como, por exemplo, a
Lei nº 9.029/95, que trata das práticas discriminatórias para contratação ou manutenção
do empregado no trabalho, seja por motivo de sexo, raça, estado civil, deficiência e
idade entre outros (BRASIL, 1995). De igual maneira ocorre com a previsão contida na
Lei nº 9.263/96, onde se prevê a punição de um ou dois anos de reclusão e multa àquele
que exigir atestado de esterilização para qualquer fim (BRASIL, 1996). Pode-se apontar
ainda a previsão contida no artigo 373-A celetista, que prevê uma série de direitos
tendentes a coibir abusos e discriminações em face dos trabalhadores, mas em todos os
casos a legislação não trata do assédio moral perverso ou da espécie que temos como
objeto de estudo, o assédio organizacional (BRASIL, 1943).
Araújo (2006) explica de maneira clara a existência da relação do assédio moral com o
direito do trabalho, ao delimitar que há uma relação de tensão entre quem vende sua
força produtiva, o empregado, e quem a adquire para fazer frente às necessidades, a
empresa. Contudo, com a venda da força produtiva, segue junto com o trabalhador que
65
em razão da própria estrutura das relações laborais passará a suportar as vicissitudes do
vínculo de trabalho.
Portanto, que não há como a força produtiva ser dissociada da pessoa do trabalhador,
razão pela qual as condutas operacionalizadas para extrair o máximo do produto
adquirido pela empresa, qual seja, a força de trabalho, tenderão a afetar diretamente o
empregado, já que se trata de condição intrínseca ao vínculo laboral, e, portanto, não
podem ser desconexas.
Araújo busca demonstrar essa propalada natureza indivisível da força de trabalho, da
própria pessoa do empregado, ao mencionar que:
É necessário particularmente admitir que o trabalhador se objetiva de
um bem negociável – sua força de trabalho – conceitualmente distinta
de sua pessoa, para que seja possível a montagem contratual da
relação de trabalho, i. e. a organização jurídica de uma troca em que o
bem se constitui o objeto (ARAÚJO, 2006, p. 136).
Infere-se que, diante da indivisibilidade do empregado e sua força produtiva, há
consequência direta dos efeitos das práticas perpetradas pelos empregadores, e que estas
podem ser deletérias à saúde do trabalhador. Dito de outra maneira, no contrato
sinalagmático de trabalho, o empregado entrega sua força produtiva em troca de
determinada paga. Por sua vez, o empregador passa a deter o poder diretivo, através do
qual passará a dirigir sob seus riscos a relação laboral, amparada em características
como o poder diretivo do trabalhador, chancelado pelo requisito da subordinação na
relação empregado versus empregador, sendo este responsável por assalariar e arcar
com todos os riscos do negócio, expressado através do princípio da alteridade,
encontrando previsão legal nos artigos 2º e 3º da CLT (BRASIL, 1943).
Vê-se que, em linhas gerais, a legislação aponta repressão do ato já consumado ou
questões pontuais, não existindo legislação no Direito do Trabalho com a devida
especificidade direcionada ao assédio moral ou mesmo assédio moral organizacional,
ficando a cargo da doutrina, jurisprudência e instrumentos coletivos do trabalho o
enquadramento das práticas perniciosas à saúde do trabalhador, utilizando-se, para
tanto, de normas subsidiárias de outro ramo do direito, como, por exemplo, as leis
civilistas já mencionadas.
66
Observando o estudo de Fernandez e Nava (2010), percebe-se que a ausência de
legislação específica a tratar do assédio moral no trabalho não é uma realidade apenas
brasileira apenas, pois na Venezuela não há previsão legal especial para regular o
problema. No mesmo sentido, Marconatto e Xavier (2016), analisado a prevenção do
assédio moral no ambiente laboral à luz da legislação espanhola, explicam que, embora
não haja na legislação texto específico para o enquadramento do assédio moral, existem
bases legais satisfatórias para que sejam reprimidos e prevenidos os atos tendentes a
causar risco ao trabalhador.
No entanto, em países como a Macedônia, por exemplo, onde existe legislação
específica para tratar sobre o assédio moral no ambiente de trabalho, foi possível se
observar uma redução nos casos reportados às autoridades fiscalizadoras e as ações
distribuídas perante os órgãos judiciais. Isso porque, segundo Majhosev e outros (2014,
p. 8):
A adoção da Lei sobre proteção contra assédio no local de trabalho
cria uma oportunidade processual para a proteção legal dos
funcionários de vítimas de assédio, além de familiarizar funcionários
com seus direitos de proteção contra o assédio no local de trabalho.
Além disso, a Lei também determina as obrigações dos empregadores,
além da imposição de multas para aqueles que não atuam de acordo
com disposições.
Enquanto se aguarda a produção legislativa nacional, o Brasil utiliza-se
subsidiariamente das leis civilistas e jurisprudências, e a doutrina trata o tema assédio
moral, no campo do direito do trabalho brasileiro, conforme explica Cassar (2008, p.
946):
O assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause
constrangimento psicológico ou físico a pessoa. Já o assédio moral é
caracterizado pelas condutas abusivas praticadas pelo empregador
direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, ao
empregado, que afetem seu estado psicológico. Normalmente refere-
se a um costume ou prática reiterada do empregador.
Como se observa, quando se aborda o tema nos manuais, isso é feito de forma genérica,
quando muito, se apresenta o assédio moral interpessoal, assédio moral coletivo e
assédio sexual, deixando o assédio moral organizacional à margem das discussões
acadêmicas ou publicações específicas sobre o tema.
67
Assim, ante a ausência de normas específicas para tratar o assédio moral e o assédio
moral organizacional, o julgador permanece utilizando-se das normas genéricas para
enquadrar os casos apreciados e julgados na Justiça do Trabalho, conforme se observa
da jurisprudência apresentada abaixo:
ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. TRATAMENTO
DESRESPEITOSO. HUMILHAÇÃO. INDENIZAÇÃO. No atual
estágio vivenciado pela sociedade brasileira, o respeito à honra e à
imagem das pessoas, muito além de dever moral, encerra típica
obrigação jurídica, que, uma vez violada, acarreta o dever de indenizar
por parte do ofensor (CF, art. 5º, X). Desse modo, cabalmente
provado o tratamento desrespeitoso e humilhante, resta configurado o
ato ilícito, a demandar reparação (art. 5º, X, da CF, arts. 187 e 927
do CCB c/c art. 8º da CLT). Recurso patronal conhecido e
desprovido. I -(TRT-10 - RO: 361201200410009 DF 00361-2012-
004-10-00-9 RO, Relator: Desembargador Douglas Alencar
Rodrigues, Data de Julgamento: 10/04/2013, 3ª Turma, Data de
Publicação: 19/04/2013 no DEJT)
Nota-se, portanto, que, embora o tema assédio moral venha sendo amplamente discutido
no cenário nacional e nas mais diversas áreas da ciência como práticas deletérias à
saúde do trabalhador, ainda não possui previsão expressa no arcabouço celetista,
conforme bem observou Dias (2015, p. 15), ao dispor em sua pesquisa que:
Os estudos sobre o assédio moral organizacional são recentes e não
existe no sistema normativo brasileiro tutela específica em relação à
matéria. Todavia, por fazer parte das dinâmicas inerentes às relações
de trabalho, o Judiciário Trabalhista tem se manifestado sobre ele,
pois os efeitos dessa modalidade de assédio atingem a integridade
psíquica e física dos trabalhadores assediados e o dano moral
decorrente deve ser reparado.
Por esse motivo, o judiciário vem fazendo uso das normas do direito comum, nos
termos do permissivo legal estatuído no parágrafo único, do artigo 8º da CLT, o mesmo
ocorrendo com o assédio moral organizacional, conforme se percebe na jurisprudência
abaixo:
EMENTA ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE
DO EMPREGADOR. Robustamente comprovada nos autos a prática
de assédio moral por parte da empresa contra a reclamante (assédio
moral vertical descendente), consubstanciada na utilização de diversas
condutas intencionais, abusivas e repetitivas, tratando a reclamante de
forma humilhante, restando caracterizado o assédio moral
organizacional, que enseja a condenação do reclamado em danos
morais, com fundamento na Constituição Federal, art. 1º, III, e art.
5º, V e X, bem como no Código Civil, que prevê nos seus arts. 186
e 927 a responsabilidade do agente causador do dano, no caso o
próprio empregador. [...] (TRT-22 - RO: 825728520145220001,
68
Relator: FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, Data de
Julgamento: 01/08/2016, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação:
04/08/2016).
A ausência de disciplinamento legal demonstra certa letargia do poder legislativo, pois
não se trata de temática exatamente nova, como afirma Cerqueira (2015), no campo do
direito do trabalho, pois os estudos ligados ao assédio moral surgiram em decorrência
da luta sindical e reiteradas denúncias de práticas deletérias operadas pelas organizações
contra os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Diante do que foi tratado acima, há uma notória evolução quanto ao reconhecimento do
assédio moral pela doutrina jurídica trabalhista, mas, como pode se perceber, essa
evolução esbarra na ausência de especificação das espécies de assédio nos julgamentos,
o que é efetivamente agravado ante a ausência de delimitação legal do tema.
Importante observar, no que diz respeito à reparação do dano, a promulgação da Lei
13.467, de 13 de julho de 2017, conhecida popularmente como reforma trabalhista, que
entrou em vigor a partir do dia 11 de novembro de 2017. Tal lei fez constar no artigo
223-A que a reparação dos danos extrapatrimoniais decorrentes da relação laboral deve
necessariamente ser apurada com base no novo dispositivo legal (BRASIL, 2017).
Deve-se notar, no entanto, que a referida lei não trouxe avanços quanto à previsão do
que seria o assédio moral, ou qualquer espécie deste. Pode-se dizer inclusive que a nova
legislação apenas replicou, com outras palavras, a dicção do artigo 223-B quanto à
garantia constitucionalmente prevista:
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou
omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou
jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.
Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a
autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os
bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física. (BRASIL,
2017).
A análise detalhada da nova legislação não faz parte dos objetivos do presente trabalho,
contudo deve-se observar que a Lei 13.467/17 pode contribuir para uma discriminação
ainda maior no que diz respeito à reparação do dano/assédio causado ao trabalhador,
pois a previsão do quantum indenizatório está vinculado diretamente ao salário do
69
trabalhador, e ao escalonamento das ofensas, que prevê quatro níveis, calculados da
seguinte forma: I – leve, até três vezes o salário contratual do trabalhador ; II – média,
até cinco vezes o salário contratual do trabalhador; III – grave, até vinte vezes o salário
contratual do trabalhador; e, IV – gravíssima, até cinquenta vezes o salário contratual do
trabalhador, conforme prevê o artigo 223-G, § 1º (BRASIL, 2017).
Da leitura dos dispositivos indicados acima, podemos extrair dois principais problemas
que darão azo a muitas discussões jurídicas. O primeiro diz respeito ao caráter subjetivo
para o escalonamento das ofensas sofridas pelo trabalhador, pois o que pode ser
compreendido como uma ofensa de natureza leve para um julgador pode muito bem ser
entendido como de natureza grave para outro julgador, e vice-versa. O segundo
problema, e talvez o mais grave, é a discriminação ocasionada por um valor de
indenização fundado no salário contratual do ofendido, como se fosse possível que a
honra e a moral do trabalhador viessem a ser quantificadas pelo valor que a empresa lhe
remunera, sendo a indenização maior paga ao empregado que recebe maior
remuneração, e, por consequência, uma remuneração menor para o seu subalterno.
Apenas a título ilustrativo, imaginem-se dois empregados de uma mesma empresa,
sendo que o empregado A é supervisor, com salário de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), já
o empregado B é vendedor, com salário de apenas R$ 1.000,00 (um mil reais). Admita-
se que o proprietário da referida empresa causou dano de ordem moral a ambos
empregados por uma mesma conduta, que foi considerada pelo julgador como sendo
uma ofensa de natureza gravíssima para ambos os casos. Nessa hipótese, o empregado
A receberia uma indenização de até R$ 250.000 (duzentos e cinquenta mil reais),
enquanto o empregado B, receberia no máximo uma indenização de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais). Diante do exemplo apresentado, nota-se uma discriminação
ocasionada pelo patamar remuneratório dos empregados, já que foram submetidos à
mesma conduta negativa, a ofensa foi caracterizada como de natureza grave para ambos
os casos, mas a indenização será totalmente diferente para os dois trabalhadores, por ser
pautada nos salários contratuais dos empregados.
Embora se possam fazer considerações até certo ponto negativas à nova legislação,
tendo em vista sua tentativa de padronizar as indenizações com base no salário
contratual do empregado, é necessário pontuar que, uma vez comprovada nos autos a
70
conduta prevista pela doutrina, pela legislação e pela jurisprudência, o empregado
poderá ser devidamente indenizado nos moldes do artigo 223-G, da Lei 13.467/2017.
Por seu turno, a mencionada comprovação da conduta patronal é uma grande barreira
para os empregados terem seus direitos reconhecidos, isso porque a Consolidação das
Leis do Trabalho e o Código de Processo Civil, este utilizado subsidiariamente,
preveem que, via de regra, o ônus da prova caberá a quem alega, nos termos respectivos
dos artigos 818 e 373, I, como se observa:
Art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.
(BRASIL, 1943).
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. (BRASIL,
2015).
Os mencionados artigos expressam a exata medida da distribuição do ônus da prova no
processo do trabalho, que no entender de Schiavi se trata de um ônus processual do qual
a parte deve se desincumbir, conforme pode ser inferido do trecho abaixo:
O ônus da prova, no nosso sentir, é um dever processual que incumbe
ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto aos
fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor, que,
uma vez não realizado, gera uma situação desfavorável à parte que
detinha o ônus e uma situação favorável à parte contrária, na obtenção
da pretensão posta em juízo. (SCHIAVI, 2016, p. 11).
Nesse viés, os elementos comprobatórios das alegações contidas na exordial devem ser
produzidos nos autos como ônus processual sob o encargo do empregado, quando
postulada a condenação por assédio moral ou mesmo do assédio moral organizacional,
por exemplo. Nesse caso, tendo o empregado o ônus processual de provar as condutas
do empregador, mas se deste encargo processual ele não se desincumbir a contento,
suportará a improcedência da ação.
O encargo probatório é um fardo do qual o empregado deve se desincumbir, conforme
explicam Kastrati e Baloku (2017) ao mencionarem que é muito difícil provar assédio.
Mesmo com a utilização das leis e convenções internacionais para caracterizar o
assédio, a materialização da prova nem sempre é possível. Portanto, sem que a prova
seja produzida, não há viabilidade no reconhecimento da prática nefasta ao trabalhador,
pelo órgão do poder judiciário.
71
Diante do que foi exposto, embora inexista disciplinamento legal no que se refere ao
assédio moral organizacional, pode-se inferir que isso não impede que o judiciário
trabalhista faça o correto enquadramento jurídico, pois existe literatura suficientemente
robusta tratando o assunto, conforme já visto, bem como há a possibilidade de utilização
de normas subsidiárias ao processo do trabalho, desde que a conduta seja devidamente
comprovada.
2.3.2 O assédio moral organizacional como estratégia de gestão
Inicialmente, deve restar registrado que o presente estudo não pretende analisar os
modelos de gestão empresarial, pois não corresponde aos objetivos propostos. No
entanto, pretende-se verificar como as práticas de gestão adotadas pelas organizações
podem ser utilizadas para atingir suas finalidades empresariais, mesmo que para tanto
tais procedimentos possam vir a configurar um processo de degradação do meio
ambiente do trabalho, com todas as características do assédio moral organizacional.
Isso porque as organizações passaram por notórias mudanças com o passar dos séculos,
que decorreram diretamente das relações da produção capitalista, e, conforme ensina
Ramos Filho (2009), tais alterações obtiveram maior penetração no ambiente laboral,
sendo patente a modificação das técnicas de gestão após a virada do século, com a
degradação do clima organizacional.
Trujillo Flores, Valderrabano Almegua e Hernández Mendoza (2007) explicam que a
degradação do clima organizacional advém das ações e interações existentes entre as
organizações e os indivíduos, pois a administração dos recursos visa obter efetividade
no atingimento dos objetivos empresariais, que podem ou não ser prejudiciais à saúde
dos trabalhadores.
Nesse sentido, conforme já foi dito anteriormente, o assédio moral organizacional
exsurge dessas práticas decorrentes da política empreendida pelas organizações visando
maior produtividade e lucratividade. Assim, para se estabelecer uma maior
produtividade e, consequentemente, lucratividade, a empresa traça um planejamento
estratégico que pode ser deletério à saúde do trabalhador.
72
Esse processo de planejamento estratégico, na visão de Ansoff (1990), corresponde à
análise de como conquistar vantagens competitivas a partir das oportunidades, aliadas à
verificação de pontos fortes e fracos das empresas diante do mercado.
As organizações, ainda pensando em planejamento estratégico, podem estabelecer seus
objetivos focados na produção de bens ou na realização e serviços. Para esta pesquisa, o
foco da estratégia está voltado para a realização de serviços, tendo em vista que a
natureza da atividade em estudo é o telemarketing.
Do ponto de vista subjetivo, pode-se analisar as técnicas de gestão que visam adaptar-se
ao setor de serviços, quais sejam: marketing interno e a qualidade total. Com relação ao
marketing interno, os empregados do setor de telemarketing são levados a crer que estão
no emprego certo para eles desenvolverem suas potencialidades, na forma como é
estabelecida pelas empresas (REGO, 2011).
As empresas de telemarketing incutem no subconsciente de seus empregados que
empresas com alta lucratividade são boas para se trabalhar e, por isso, o empregado
deve superar as metas e principalmente suas limitações pessoais. Num processo de
internalização e suposto pertencimento, ver o ganho da empresa, o aumento da
lucratividade e a alta competitividade mercadológica como se fossem conquistas
pessoais dos empregados imprime nestes a responsabilidade pelo êxito da organização.
Por sua vez, a qualidade total está amparada no Toyotismo, prática na qual se busca a
otimização com a utilização mínima de materiais, de empregados e de gestores, visando
sempre ao acerto e, por conseguinte, evitando os erros, o que eleva consideravelmente o
lucro das empresas, mas, também, a pressão sobre os empregados que não podem dar
azo a perdas (REGO, 2011).
Para Soboll e Horst (2015), as organizações passaram a estar imbuídas de relações
complexas que demandam diminuição dos custos de produção e melhoria nos
processos. Essa mudança visa atingir os objetivos de forma eficaz, mesmo que para isso
as técnicas de gestão utilizadas possam degradar o meio ambiente de trabalho. Nesse
sentido, é o entendimento de Pohlmann (2014. p. 43), ao afirmar que “[...] pode-se
73
afirmar que o assédio moral organizacional tem como característica básica o fato de ser
um instrumento de legitimação da violência estrutural no modo de aumentar a
produção”.
Segundo Soboll (2008), as organizações aplicam práticas perniciosas e abusivas,
exemplificando e categorizando as estratégias como: a) gestão por injúria; b) a gestão
por estresse; e c) a gestão por medo. Explicam Soboll e Horst (2015) que a gestão por
medo, por estresse e por injúria é expressão do assédio moral organizacional. Dito de
outra maneira, é a estratégia utilizada para as empresas atingirem seus objetivos.
Na gestão por injúria, a organização subjuga e humilha o trabalhador como forma de
conseguir a dedicação e resultado esperados. Para isso, ofende sua dignidade pessoal,
imagem e honra. Comumente é externada através da forma de tratamento que é
dispensada ao trabalhador, seja de forma reservada ou explícita, ou mesmo com
utilização de palavras e premiações negativas (SOBOLL, 2008).
Diante do enquadramento retratado por Soboll (2008), infere-se ser possível inserir na
gestão por injúria a prática do cheers. Tal técnica, muito observada na cultura norte-
americana, é considerada por empresas de diversos seguimentos como forma de
incentivar e motivar os trabalhadores, com a finalidade óbvia de atingir os interesses
empresariais. No entanto, por sua essência e cultura local, alguns empregados sentem-se
envergonhados, causando-lhes constrangimentos diários a obrigação de participação
nesses rituais, sendo esse o entendimento esposado na jurisprudência do E. TRT6, senão
vejamos:
SÚMULA Nº 30 - IMPOSIÇÃO DE PRÁTICA DE “CHEERS”.
DANO MORAL.
É devida a indenização por dano moral, na hipótese de ser o
empregado compelido a participar de “CHEERS” (grito de guerra).
(BRASIL, 2016).
Nas decisões mais recentes, que inclusive pacificaram o entendimento sobre o tema,
denota-se a previsão de que a indenização apenas será devida para os empregados que
forem forçados à prática do cheers. Veja-se:
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. PRÁTICA DE
CHEERS. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. No caso sob análise,
em sua composição Plenária, resolveu por maioria absoluta, no
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julgamento do incidente de uniformização de número 0000222-
53.2015.5.06.0000, pela prevalência da tese jurídica de que não há
direito à indenização por danos morais decorrentes da
participação, senão obrigatória, ao trabalhador na técnica de cantar
e dançar o grito de guerra de empresa (cheers). Apelo provido no
aspecto (Processo: RO - 0000594-66.2015.5.06.0011, Redator: Fabio
Andre de Farias, Data de julgamento: 22/02/2017, Segunda Turma,
Data da assinatura: 22/02/2017)
A prática do cheers constitui-se como uma conduta reconhecidamente abusiva e
sistemática que oprime o trabalhador, obrigando-o a participar e ofendendo sua
dignidade pessoal.
A segunda estratégia de gestão analisada é a gestão por medo, que, segundo Pohlmann
(2014, p. 69) pode ser observada tanto de forma implícita quanto explícita, explicando
que:
Promove-se a exclusão de alguns para garantir o engajamento dos
remanescentes. Importante destacar que os trabalhadores excluídos
nem sempre são punidos por faltas graves, mas por necessidade de se
incutir o medo, o que em curto prazo aumenta a produtividade.
O medo faz com que, inicialmente, o empregado tenha uma motivação, mesmo que
negativa, para atingir os objetivos da organização. Dito de outra maneira, o empregado
passa a temer que a exposição vexatória e o ato demissional levados a efeito como
forma de demonstrar o poder potestativo e diretivo do empregador volte-se contra si,
caso não atenda a contento aos anseios do empregador. Anote-se que tal motivação
negativa é efêmera, pois com o passar do tempo os empregados submetidos a tais
situações podem ser acometidos por moléstias físicas e psíquicas, que,
consequentemente, ocasionarão a redução dos níveis de produção do empregado
(POHLMANN, 2014).
Na estratégia de gestão por estresse, a organização busca o atingimento de seus
objetivos de maneira rápida, eficaz e lucrativa, utilizando-se para tanto de métodos que,
embora não contenham qualquer elemento volitivo no sentido de prejudicar o
empregado, podem ocasionar moléstias de ordem física ou psíquica. Soboll (2008)
aponta como táticas de gestão por estresse a supervisão exagerada, imposição de metas
acima da capacidade dos empregados, comparação de resultados encaminhados por e-
mails, prazos curtos para cumprimento de tarefas complexas e demoradas.
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Em sua obra, Gosdal e outros (2009, p 37) não categorizam as estratégias de gestão,
mas relacionam as práticas mais corriqueiras que ocasionam o assédio moral
organizacional, de acordo com as denúncias já investigadas pelo Ministério Público do
Trabalho, nos seguintes termos:
Empresas que desenvolvem atividade de teleatendimento ou
telemarketing, ou outra, em que os trabalhadores: precisam atingir
metas exageradas; têm o tempo de banheiro controlado, geralmente
em cinco minutos; precisam seguir o manual quanto ao que deve ser
dito ao cliente, normalmente com oferecimento de produtos ou
serviços, sob pena de frequentes advertências e outras sanções
disciplinares; não podem apresentar atestados médicos para não
ficarem visados ou serem despedidos. Nestas empresas o assédio
moral organizacional é utilizado como estratégia para controle dos
empregados, coibição de formação de demandas individuais e
coletivas e, especialmente, o aumento da produtividade, com o
controle do tempo de trabalho e do conteúdo das conversas com o
cliente.
Infere-se, nas estratégias e práticas analisadas acima, que a organização não possui a
intencionalidade de prejudicar o empregado, mas, sim, buscar o resultado esperado, com
a eficiência desejada.
Em seu estudo, Centrais de atendimento: a fábrica do século XIX nos serviços do
século XXI, Venco (2006) aponta uma série de restrições impostas aos empregados do
setor de telemarketing, tendentes a regular o comportamento no ambiente de trabalho, o
que denominou estandardização do trabalho, dentre os quais estão a restrição de comer,
conversar, sair do posto de atendimento, e, em algumas organizações há a exigência de
pedido formal para dirigir-se ao banheiro. Analisando os dados de sua pesquisa, a autora
identificou expressões que demonstram o ambiente de trabalho nas organizações
pesquisadas por ela, como “corredor do choro ou o banheiro é lugar de choro no
telemarketing” (VENCO, 2006, p. 9).
Corroborando as percepções acima apresentadas, Alvarenga retrata a situação verificada
de forma corriqueira nas empresas de telemarketing, exemplificando ao dispor em seu
trabalho que:
A limitação ao uso do banheiro é muito adotada por empresas que
desenvolvem atividade de teleatendimento ou telemarketing. Nelas, os
trabalhadores precisam atingir metas exageradas, tendo, com isso, o
tempo de banheiro controlado, geralmente em 5 (cinco) minutos.
(ALVARENGA, 2012, p. 12).
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Nesse compasso, o dano ocasionado ao trabalhador se traduz em mero efeito colateral
que é aceito como forma de legitimar a competitividade e manutenção das empresas no
mercado, ainda que ao custo da saúde de seus trabalhadores. Infere-se que se trata de
um discurso equivocado, criado pela empresa, e, muitas vezes internalizado pelos
empregados, que passam a entender as práticas adotadas como necessárias para
manutenção da atividade empresarial competitiva, utilizando o trabalhador como mera
ferramenta de obtenção do resultado, sem se preocupar com sua saúde (POHLMANN.
2014).
Assim, realizadas as principais considerações e delimitações sobre o tema, torna-se
possível verificar se o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, através de seus
julgados, reconhece o assédio moral organizacional nas estratégias de gestão de uma
empresa de telemarketing na capital pernambucana.
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3 APROXIMAÇÕES METODOLÓGICAS
A pesquisa se propôs caminhar a partir de uma metodologia qualitativa, pois visa
interpretar as intenções dos atores (SINVESIND, 1999) e teve como ponto-chave,
compreender os fenômenos a partir da perspectiva dos participantes (MERRIAM,
1998). Nesse caso, o estudo buscou analisar a fundamentação dos julgados do TRT6,
observando os elementos delineados na literatura como caracterizadores do assédio
moral organizacional e as práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital
pernambucana.
Para encontrar os resultados dos objetivos propostos, pôde-se recorrer ao método
indutivo, pois o foco foi estudar através de observações o funcionamento complexo de
estruturas organizacionais (LAZARSFEL apud LIMA, 1999). O estudo em comento se
adequou a esse método, pois a proposta foi verificar os resultados das decisões do TRT6
sobre o assédio moral organizacional possivelmente presente nas práticas de gestão de
uma empresa de telemarketing da capital pernambucana, e a partir do que é
compreendido e fundamentado pelo tribunal como prática geradora desse assédio.
Hume (2002) afirma que hábito e crença são os fundamentos da indução humana. Então
atos corriqueiros significam o assédio moral organizacional e decisões em condenar
estas práticas são induções humanas, quando referendam o assédio moral organizacional
das empresas de telemarketing.
O tipo ou finalidade da pesquisa foi a descritiva, porque se buscou evidenciar um relato
detalhado do fenômeno, através da descrição característica do fato ou ação humana
(GIL, 2008). No caso específico, a proposta foi estudar o fenômeno social. No estudo
em comento, o que se buscou foi evidenciar os elementos identificadores do Tribunal
Regional do Trabalho da Sexta Região sobre o assédio moral organizacional das
práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital pernambucana.
Quanto aos meios de realização da pesquisa, foram utilizados documentos como dados,
o que corresponde a uma pesquisa realizada em fontes secundárias (GIL, 2008). O
estudo pôde valer-se deste método porque buscou respostas a alguns objetivos
específicos da pesquisa através da análise dos fundamentos das decisões judiciais do
TRT6 sobre o assédio moral organizacional das práticas de gestão de uma empresa de
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telemarketing da capital pernambucana, além de focar o reflexo no passivo trabalhista
destas instituições.
E quanto à abordagem dos dados, foi utilizada na presente pesquisa a análise de
conteúdo proposta por Bardin (2011), que se estabelece através de um conjunto
extremamente diversificado de instrumentos metodológicos aplicados ao discurso
(conteúdos e continentes). A pesquisa se utilizou dessa análise categorial, pois, após ser
feita a pesquisa documental através da coleta de decisões do TRT6, sobre o assédio
moral organizacional nas práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital
pernambucana (Contax), foi realizado enquadramento, interpretação e análise dos
resultados encontrados através do desmembramento do texto em categorias, sendo
realizada a codificação dos acórdãos para possibilitar a melhor análise dos dados
(MORAES, 2003).
Para realização da análise de conteúdo, foi utilizado um roteiro de observação dos dados
extraídos dos acórdãos. Esse roteiro permitiu a observação do posicionamento do TRT6
no que se refere ao enquadramento do assédio moral e do assédio moral organizacional,
tomando por base as práticas de gestão utilizadas na empresa Contax. O referido roteiro
está disponível no Apêndice.
O locus desta pesquisa foi o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, mediante
a análise de suas decisões, onde se verificou se estão presentes os elementos definidos
como designadores do assédio moral organizacional pela literatura, originários das
práticas de gestão de uma empresa de telemarketing da capital pernambucana.
Apenas a título de esclarecimento ao leitor menos acostumado com os termos jurídicos,
esclarece-se que o acórdão é uma decisão turmária que, via de regra, ocorre em segundo
grau de jurisdição. Dito de outra maneira, significa que foi exercido o poder
jurisdicional, prolatando-se uma decisão de primeiro grau por um magistrado,
denominado de juízo a quo. Ocorrendo na referida decisão a sucumbência de uma ou de
ambas as partes, aquela parte que se sentir prejudicada poderá recorrer ao segundo grau
de jurisdição, que pode manter ou reformar o julgado original, através da decisão
turmária, denominada acórdão.
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De imediato, os sujeitos são indeterminados, pois não foi realizada uma pesquisa com
grupos ou pessoas em específico. Mas o resultado da pesquisa reflete ações voltadas
para uma coletividade de pessoas, os atendentes telemarketing, localizados numa
empresa da capital pernambucana, cujo reflexo poderá se estender a toda a categoria.
Os julgados foram acessados através site oficial do Tribunal Regional do Trabalho da
Sexta Região (www.trt6.jus.br), através o link jurisprudência. Importante salientar que
os atos processuais são públicos por expressa previsão Constituição Federal de 1988,
que pode ser observada nos artigos 5º, LX, e principalmente 93, IX, ao dispor que:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1988).
Dessa maneira, deve ser registrado que as informações coletadas e transcritas neste
estudo foram oriundas dos julgamentos proferidos em sessões públicas, constaram do
Diário Oficial Eletrônico da Justiça do Trabalho, além de estarem disponíveis no site
oficial do TRT6 e outros buscadores de jurisprudências da internet. Assim, a mera
transcrição e análise dos dados retirados dos documentos secundários não violam o
direito dos atores envolvidos na pesquisa, que foi realizada de 16 a 27 de junho de 2017,
tendo sido encontrados os resultados abaixo, com as respectivas palavras-chave:
Quadro 6 – Dimensões da pesquisa
Palavras-Chave Quantidade
Assédio moral/Telemarketing 87
Assédio moral/Empresa Contax 64
Assédio moral Organizacional /Telemarketing 06
Assédio moral Organizacional /Empresa Contax 05
Fonte: autor da pesquisa em 27.06.2017
Inicialmente a busca foi realizada de forma abrangente, ou seja, sem delimitar a
empresa pesquisada. Nessa etapa foram utilizadas as palavras-chave assédio
moral/telemarketing e assédio moral organizacional/telemarketing, sendo encontrados
87 (oitenta e sete) e 6 (seis) resultados, respectivamente. O objetivo dessa busca foi
80
demonstrar a dimensão do presente estudo, frente à totalidade dos casos existentes no
âmbito do Tribunal Regional da Sexta Região.
Noutra banda, visando atender o objetivo do presente estudo, a pesquisa foi refinada
com a inclusão do nome da empresa Contax, passando-se a realizar a busca com as
palavras-chave assédio moral/Empresa Contax e assédio moral organizacional/Empresa
Contax, quando então foram encontrados 64 (sessenta e quatro) e 5 (cinco) resultados,
respectivamente. Dessa maneira, foram objeto de análise de conteúdo 69 (sessenta e
nove) acórdãos.
Diante da coleta desses dados preliminares, foi possível inferir a relevância do estudo
com foco na empresa Contax, tendo em vista que os números absolutos são muito
próximos dos números específicos, demonstrando a significativa representatividade dos
dados coletados para análise.
O limite desta pesquisa está circunscrito aos julgados do Tribunal Regional do Trabalho
da Sexta Região, que corresponde apenas ao Estado de Pernambuco. Contudo, como a
empresa de telemarketing que manteve as relações empregatícias que deram ensejo às
ações judiciais possui sede na cidade do Recife, e o artigo 651 da CLT prevê que a
competência das Varas do Trabalho, em regra, é delimitada pelo local de prestação dos
serviços ao reclamado, delimita-se que os acórdãos analisados neste estudo estarão
adstritos à Comarca do Recife.
Quanto ao lapso temporal, foram verificados os julgados dos últimos cinco anos, o que
corresponde ao período da prescrição quinquenal dos direitos que podem ser postulados
na Justiça do Trabalho.
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4 ANÁLISE DOS DADOS
Nesta seção foi inicialmente realizada uma análise preliminar dos 69 (sessenta e nove)
acórdãos encontrados na pesquisa de jurisprudência observada no quadro 6, dimensões
da pesquisa, com a finalidade de se extrair apenas as decisões passíveis de serem
estudadas. Tal esforço foi realizado através da leitura detalhada de cada decisão,
conforme se observa no subitem 4.1.
Ultrapassada a primeira etapa, foram identificados, analisados e interpretados acórdãos
do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, com a finalidade de verificar se o
aludido órgão jurisdicional reconhece o assédio moral, nas suas espécies interpessoal e
organizacional, como apresentado na literatura revistada no referencial teórico.
A análise das mencionadas decisões demonstrou especificamente as práticas de gestão
da empresa Contax, que foram levadas ao conhecimento do judiciário através das
respectivas reclamações trabalhistas. Nestas os (ex-)empregados apresentam suas
alegações e buscam se desconstituírem de seus ônus processuais através das provas a
serem produzidas nos autos, o que nem sempre ocorre, a fim de demonstrar a efetiva
ocorrência das condutas deletérias de seu empregador.
Justifica-se que o foco da pesquisa jurisprudencial tenha como objeto as práticas de
gestão da empresa Contax por dois motivos. O primeiro por ser uma empresa com
grande destaque na prestação de serviço de telemarketing da capital pernambucana,
sendo uma das principais empregadoras do setor (TRT6, 2015). O segundo motivo
fundamenta-se no fato de que a Contax foi a empresa de telemarketing que mais se
destacou no quantitativo de ações, em números absolutos, onde se discute o pedido de
assédio moral interpessoal ou organizacional, segundo pesquisa realizada para este
estudo, sintetizada através o quadro 6, dimensões da pesquisa.
4.1 Análise preliminar dos acórdãos
Conforme mencionado anteriormente, os dados secundários foram extraídos do site do
Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, com a utilização das palavras-chave
assédio moral/Empresa Contax, tendo como resultados 64 (sessenta e quatro processos)
82
e assédio moral organizacional/Empresa Contax, sendo que neste último caso foram
contabilizados apenas 5 (cinco) processos. Assim, inicialmente o objeto de análise de
conteúdo se iniciou com 69 (sessenta e nove) acórdãos encontrados na pesquisa de
jurisprudência.
A pesquisa inicialmente realizada foi refinada através da leitura individualizada de cada
acórdão, com a finalidade de se evitar distorções no resultado do presente estudo. Para
essa finalidade foi utilizado o roteiro de observação de dados secundários (ver apêndice
1).
A primeira análise foi realizada quanto ao polo passivo da reclamação, ou seja, contra
quem foi distribuída a ação, pois, para se amoldar ao objeto do presente estudo, a
decisão deve necessariamente analisar as práticas de gestão da empresa Contax. Por
esse critério, dos 69 (sessenta e nove) processos inicialmente pesquisados apenas 60
(sessenta) estariam aptos a serem considerados no presente estudo, tendo em vista que,
embora a empresa Contax não fizesse parte da ação, ela foi citada em alguma
jurisprudência, e, por essa razão, foi selecionada pelo filtro do site do tribunal.
Seguindo com a observação individualizada dos acórdãos, foi possível verificar que dos
60 (sessenta) processos delimitados com a empresa Contax no polo passivo da demanda
5 (cinco) tiveram sua contabilização duplicada, restando a serem analisados apenas 55
(cinquenta e cinco) decisões. Isso ocorreu porque o site de pesquisa se utiliza da
palavra-chave para realização da busca de jurisprudência, de modo que os 5 (cinco)
processos foram publicados duas vezes como decisões decorrentes de recursos diversos
para o mesmo Tribunal Regional, e, por essa razão, fez-se presente em duplicidade no
primeiro levantamento realizado.
Dando continuidade à análise das 55 (cinquenta e cinco) decisões remanescentes, foi
observado que em 12 (doze) delas os empregados, polo ativo da reclamação, não se
desincumbiram de seus ônus processuais de provar o assédio moral ou organizacional
alegado, levando à improcedência da ação por falta de provas.
Conforme apontado no item 2.3.1 deste estudo, Schiavi (2016) discorre que para que o
órgão jurisdicional possa exercer o seu poder/dever de dizer o direito, ele deverá estar
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lastreado em provas suficientes para a formação da convicção do julgador da demanda.
Dito de outra maneira, a ação deverá ser instruída com qualquer prova admitida em
direito, para que o julgador possa valorá-la e proferir a respectiva sentença. Tais provas,
a teor do que dispõe o artigo 818 da CLT e 373, I do CPC/2015, devem ser produzidas
pela parte que as alegar, no caso da presente pesquisa, pelo empregado/reclamante.
Anote-se, no entanto, que o fato de a ação ter sido julgada improcedente não se torna
impedimento para análise do julgado para os fins deste estudo, mas, sim, a ausência de
provas induz à inexistência de elementos a serem analisados, tornando as decisões
inservíveis para fins de apuração nesta pesquisa. Dessa maneira, após extraídos os 12
(doze) acórdãos, restaram 43 (quarenta e três) para análise.
Por derradeiro, analisando-se as 43 (quarenta e três) decisões remanescentes, foi
verificado que 11 (onze) delas não tiveram analisado o assédio (interpessoal ou
organizacional) ou mesmo quanto à integralidade do recurso analisado pelo Tribunal
Regional do Trabalho, por basicamente três motivos, a saber: por defeito de ordem
processual, como, por exemplo, o que ocorreu nos autos do processo nº 0000164-
78.2014.5.06.0002, no qual não foi apreciado o mérito do recurso (recurso não
conhecido) por ausência do princípio da dialeticidade recursal, conforme se extrai do
trecho do mencionado acórdão a seguir:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE
PERTINÊNCIA TEMÁTICA QUANTO AOS FUNDAMENTOS DA
DECISÃO - INOBSERVÂNCIA À DIALETICIDADE RECURSAL -
NÃO CONHECIMENTO. 1. A não impugnação específica, pela parte
recorrente, dos fundamentos da decisão que almeja ver reformada,
resulta na manifesta dissociação entre o decidido e o que foi alvo de
ataque, e, em consequência, na ausência da pertinência temática, apta
a impedir o conhecimento do recurso, de que resulta desobediência ao
princípio da dialeticidade recursal. 2. Recurso ordinário não
conhecido.
Embora não seja objeto do presente estudo, mas visando que o leitor tenha a correta
compreensão dos termos utilizados, esclarece-se que o princípio da dialeticidade
recursal é requisito essencial para a que o julgador possa reapreciar a questão já
discutida em sede de primeiro grau de jurisdição, nos termos do que prevê o artigo
1.010 do Código de Processo Civil, utilizado subsidiariamente através do permissivo
legal constante do artigo 769 da CLT.
84
Nesse sentido, discorrendo sobre imperiosidade na observância do princípio da
dialeticidade recursal, Trombim (2015, p. 11) explica que:
Com isso, se a fundamentação apresentada no recurso não questiona
os motivos expostos pelo julgador, a manutenção do julgado proferido
será simples consequência lógica, sobretudo porque não cabe ao juízo
de revisão, necessariamente imparcial, substituir a parte sucumbente
na pesquisa das razões que possam infirmar as premissas consideradas
no silogismo que conduziu à rejeição da pretensão da parte recorrente.
Outro motivo que conduziu à ausência de análise em sede de segundo grau de jurisdição
das questões relativas ao assédio moral foi o fato de que o recurso manejado visava
apenas destrancar o recurso principal, o que ocorreu, por exemplo, no agravo de
instrumento nº 0000134-04.2014.5.06.0015, cuja ementa se reproduz a seguir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE
RECURSAL. ILEGITIMIDADE DA PARTE PARA RECORRER.
Inexistindo qualquer responsabilização da agravante na condenação
imposta pelo Juízo a quo, ausente o interesse recursal, já que sequer
houve prejuízo a justificar a interposição do apelo. Agravo de
instrumento não provido.
Apenas a título de esclarecimento para o leitor menos acostumado com o sistema
recursal trabalhista, explica-se que o agravo de instrumento, nos termos do artigo 897,
“b” da CLT, tem como função específica impugnar decisão que denegou, por algum
motivo, o seguimento do recurso ao órgão ad quem. Dito de outro modo, esse recurso
não discute o mérito do processo, mas tão somente visa fazer com que um recurso
inicialmente não aceito seja reapreciado por instância superior.
Igualmente, não terão utilização para fins deste estudo os acórdãos que, embora
contenham menção das palavras-chaves utilizadas inicialmente para filtrar os
documentos secundários, não possuam pedido expresso de reconhecimento de
condenação em assédios interpessoal ou organizacional, em face da empresa Contax,
por exemplo, como no caso do processo nº 0000258-49.2016.5.06.0004.
Por essas razões, restaram 32 (trinta e dois) acórdãos passíveis de análise de dados para
fins deste estudo, distribuídos conforme quadro 7.
85
Quadro 7 – Análise preliminar dos acórdãos envolvendo a empresa Contax
Palavras-Chave Quantidade de
acórdãos antes da
análise preliminar
Quantidade de
acórdãos após a
análise preliminar
Assédio moral/Empresa Contax 64 27
Assédio moral Organizacional /Empresa Contax 05 05
Fonte: autor da pesquisa em 23.09.2017
Verifica-se no quadro 7 que, após a retirada de todos os acórdãos que não estavam
passíveis de análise de dados para os fins deste estudo, pelas razões já mencionadas
acima, restaram apenas 32 (trinta e duas) decisões. Destas, 27 (vinte e sete) fazem parte
das 64 (sessenta e quatro) filtradas com as palavras-chave assédio moral e empresa
Contax. Contudo, as decisões que foram identificadas com as palavras-chave assédio
moral organizacional e Contax permaneceram as mesmas 5 (cinco).
Realizada essa apuração preliminar dos dados e definidos os acórdãos que estão
passíveis de exame para os fins desta pesquisa, passa-se à identificação, análise e
discussão das respectivas decisões através das condutas comprovadamente levadas a
efeito pela empresa Contax, para que seja possível se perquirir se o TRT6 reconhece a
espécie de assédio moral organizacional, através da aplicação dos elementos
caracterizadores delineados pela literatura para sua configuração. Visando ao
cumprimento desse objetivo, os dados serão estudados com a utilização dos critérios
apresentados no quadro 8.
Quadro 8 – Categorização para identificação, análise e discussão dos dados
Práticas de gestão da
empresa Contax Assédio moral organizacional Elementos caracterizadores
Práticas de gestão da
empresa Contax Assédio moral interpessoal/perverso Elementos caracterizadores
Fonte: autor da pesquisa (2017) com base nas decisões do TRT6 no período de 2012 a 2017
No subitem seguinte, serão realizadas a identificação, análise e discussão dos acórdãos
filtrados através das palavras-chave assédio moral/empresa Contax, observando os
elementos caracterizadores traçados pela literatura para espécie interpessoal em
contraste com as condutas comprovadamente levadas a efeito pela empresa Contax.
86
4.2 Identificação dos acórdãos selecionados como assédio moral organizacional
A identificação, análise e discussão terão início pelos acórdãos que foram identificados
com as palavras-chave assédio moral organizacional/empresa Contax, por ser o objeto
central deste trabalho. Para essa finalidade, os 5 (cinco) acórdãos foram codificados da
seguinte maneira (MORAES, 2003):
Quadro 9 – Codificação dos acórdãos conforme roteiro constante do apêndice 1
Codificação
do acórdão Ré Número do processo
Enquadramento
como assédio
moral
organizacional
Condenação
Valor
AMO-1 Contax 0096-25.2014.5.06.0004 Não Não -
AMO-2 Contax 1287-72.2014.5.06.0015 Não Não -
AMO-3 Contax 0655-51.2015.5.06.0002 Não Não -
AMO-4 Contax 0023-62.2015.5.06.0022 Não Não -
AMO-5 Contax 0867-57.2015.5.06.0007 Não Sim R$
10.000,00
Fonte: Autor da pesquisa (2017)
Registra-se de início que nenhum dos acórdãos relacionados no quadro 9 enquadrou as
condutas do empregador como assédio moral organizacional. Embora a pesquisa tenha
utilizado as palavras-chave assédio moral organizacional, a expressão foi encontrada
apenas em uma decisão de primeiro grau transcrita no acórdão analisado, nas
jurisprudências utilizadas ou mesmo utilizada para caracterizar que determinada
conduta teve origem nos métodos de gestão da empresa. No entanto, a presente pesquisa
não se aterá apenas à nomenclatura utilizada pelos julgadores, uma vez que observará as
características e elementos descritos na conduta da empresa objeto do estudo.
No acórdão AMO-1, utilizou-se a expressão organizacional para se referir ao poder do
empregador, nos seguintes termos: “Ademais, não se pode desconsiderar o fato de que a
atividade exercida pela reclamante exige que metas de qualidade sejam alcançadas, de
maneira que o exercício de poder organizacional, pela empresa ré [...]”.
87
Fato idêntico ocorreu na pesquisa do acórdão AMO-3, já que teve seu filtro decorrente
da expressão organizacional como poder inerente à relação empregatícia, como pode ser
observado no trecho a seguir: “Com relação ao controle de ingestão de líquidos e a
cobrança de metas, as provas produzidas não evidenciaram qualquer atitude patronal
que tenha extrapolado os limites do poder diretivo e organizacional do empregador”.
Como pode ser observado no referencial teórico, o poder diretivo e organizacional do
empregador decorre naturalmente da relação de emprego existente entre as partes,
previsto nos artigos 2º e 3º da CLT, sendo certo que o simples exercício dessa
prerrogativa do empregador não é passível de ser entendido como assédio moral
(DELGADO, 2011), seja em qualquer de suas espécies. Portanto, embora as turmas
julgadoras não tenham entendido por enfrentar os acórdãos AMO-1 e AMO-3 como
hipóteses de assédio moral organizacional, os elementos encontrados nestes serão
analisados conforme elementos caracterizadores apresentados no referencial teórico.
Por sua vez, o acórdão AMO-2 foi selecionado pelo filtro da pesquisa, porque o relator
do TRT6 se utilizou de uma jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª
Região-MA, na qual foi reconhecida a conduta de uma determinada empresa como
sendo assédio moral organizacional, conforme se observa a seguir:
ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. GESTÃO POR
ESTRESSE. STRAINING. PRÁTICA CONSISTENTE NO
INCENTIVO AOS EMPREGADOS DE ELEVAREM SUA
PRODUTIVIDADE, POR MEIO DE MÉTODOS CONDENÁVEIS,
COMO AMEAÇAS DE HUMILHAÇÕES E RIDICULARIZAÇÕES.
DEVIDA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS.
REDUÇÃO DO QUANTUM FICADA PELA INSTÂNCIA A QUO.
A gestão por estresse, também conhecida por assédio moral
organizacional ou straining consiste em uma "técnica gerencial" por
meio da qual os empregados são levados ao limite de sua
produtividade em razão de ameaças que vão desde a humilhação e
ridicularização em público até a demissão, sendo muito mais grave
que o assédio moral interpessoal (tradicional) por se tratar de uma
prática institucionalizada pela empresa, no sentido de incrementar os
seus lucros às custas da dignidade humana dos trabalhadores.
Caracterizada tal situação, é devida indenização pelo dano moral
coletivo causado, que deve ser suficiente, sobretudo, para punir a
conduta (função punitiva) e para desincentivar os infratores (função
pedagógica específica) e a sociedade (função pedagógica genérica) a
incorrerem em tal prática, mas, também para proporcionar, na medida
do possível, a reparação dos bens lesados, como preceitua o art. 13 da
Lei 7.347/85." (Processo 00772-2008-016-16-00-5, Desembargador
Relator Dr. José Evandro de Souza).
88
Muito embora a decisão do TRT6 tenha se utilizado de uma jurisprudência referente ao
assédio moral organizacional, não houve o enquadramento com esta espécie, pois a
prova testemunhal em nada contribuiu para a procedência da ação, ao analisar as
alegações de “pressão psicológica” e a chamada “escala pedagógica com o fim único de
aumentar a pressão e as punições aos seus empregados para se criar motivo para a
dispensa por justa causa ou fazer com que os mesmos solicitem sua demissão”.
O relator do acórdão AMO-2 cuidou de consignar o depoimento da testemunha ouvida
a convite do autor da ação. Contudo, nenhuma das alegações foi devidamente
corroborada pela prova oral produzida. Igualmente ocorreu que a prova documental
encartada aos autos não teve qualquer serventia para essa finalidade, conforme se extrai
do trecho: “[...] observo que não há elementos nos autos que demonstrem que a empresa
ultrapassou seu poder diretivo, não tendo sido comprovada ofensa aos direitos de
personalidade do obreiro, razão pela qual, nego provimento ao apelo [...]”.
Diante da decisão proferida, remete-se o leitor ao que foi apontado no item 2.3.1,
quando se indicou a necessidade de comprovação inequívoca, no processo judicial, das
práticas organizacionais como uma barreira que deve ser superada para que seja
possível ao julgador analisar, enquadrar e reprimir a abusividade através de uma
sentença condenatória, nos termos dos artigos 818 e 373, I, da CLT e do Código de
Processo Civil, respectivamente. Nesse acórdão, a decisão foi desfavorável ao
reconhecimento do assédio moral, em função de elementos de provas que o
respaldassem, ficando desde então prejudicada a análise do acórdão AMO-2.
O acórdão AMO-4 foi selecionado porque a sentença monocrática reconheceu o assédio
moral na espécie organizacional, conforme se observa no trecho abaixo:
Tal controle constitui, portanto, medida abusiva, que expõe o
trabalhador a desarrazoado constrangimento, além de tolher sua
liberdade de disposição do próprio corpo, não podendo se dar sem a
violação da intimidade do trabalhador (art. 3º, III, e 5º, II e X, da CF).
Verifico, portanto, a presença de um assédio moral do tipo
organizacional.
Contudo, em sede de segundo grau de jurisdição, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª
Região deu provimento ao recurso empresarial para afastar o condeno da parcela
89
referente ao assédio moral organizacional. No entanto, conforme já pontuado, a análise
do julgado será realizada a partir dos elementos caracterizadores do assédio moral,
desde que existam informações suficientes descritas na decisão, o que se afigura no
presente acórdão.
Por derradeiro, o acórdão AMO-5 foi selecionado na pesquisa de jurisprudência por
observar condutas organizacionais deletérias da empresa em face de seus empregados,
como pode se inferir da constatação de que [...] houve depoimento das testemunhas em
que é delatada a limitação de uso do banheiro a 5 (cinco) minutos e a prática
organizacional de estigmatizar os que não alcançavam as metas.
Registre-se que, embora exista no acórdão AMO-5 a menção de práticas
organizacionais com a finalidade de estigmatizar o trabalhador, bem como a referida
decisão tenha entendido por condenar a empresa reclamada por tais condutas, não houve
o enquadramento como assédio moral organizacional. Por essa razão, analisaremos os
elementos encontrados na decisão para que possa ser possível verificar ou não os
elementos definidos pela literatura.
4.2.1 Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações postas à análise do
órgão julgador
Partindo-se para análise dos elementos caracterizadores e diferenciadores do assédio
moral interpessoal e organizacional à luz das decisões pesquisadas, percebe-se que há
identidade na alegação dos fatos ensejadores para o ajuizamento das reclamações
trabalhistas que deram ensejo aos respectivos acórdãos.
No acórdão AMO-1, constaram expressamente as razões da inicial, aduzindo-se que:
“[...] O pedido de indenização por danos morais foi formulado pela reclamante na atrial,
sob o fundamento de que havia controle de idas ao banheiro e ainda imposição de
pausas pré-determinadas, o que teria lhe causado pressão psicológica e situação
constrangedora [...]”.
Por seu turno, consta do acórdão AMO-3 que: “A recorrente postula o pagamento de
indenização por danos morais, em razão de assédio moral que teria sofrido no ambiente
90
de trabalho, aduzindo, em síntese, que a empresa restringia o uso do banheiro e
estabelecia metas inadequadas”.
O acórdão AMO-4 inicia a análise do recurso da empresa reclamada abrindo tópico
específico “da indenização por danos morais em decorrência do controle de ida ao
banheiro”. Já no acórdão AMO-5 se analisaram as alegações de: “Anúncio da punição
em público. Assédio moral por restrição ao uso do banheiro e por estigma „ofensora‟”.
Em síntese, pode-se observar que os acórdãos analisados demonstram uma recorrência
nas condutas postas ao crivo do judiciário, conforme se demonstra no quadro abaixo:
Quadro 10 – Análise dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio moral
organizacional, conforme alegação posta a apreciação do órgão julgador
Codificação do acórdão Alegação posta à análise do órgão julgador
AMO-1 Limitação do uso do banheiro
AMO-3 Limitação do uso do banheiro e imposição de metas inexequíveis
AMO-4 Limitação do uso do banheiro
AMO-5 Anúncio de punição em público, limitação do uso do banheiro e estigma
ofensor
Fonte: Autor da pesquisa (2017)
Nesse sentido, a identificação, análise e discussão dos dados terão como ponto de
partida a recorrência das condutas praticadas pela empresa reclamada, segundo
informações apuradas nos acórdãos pesquisados, nos termos do quadro 5. Portanto,
serão estudados o assédio moral interpessoal e organizacional à luz dos julgados do
TRT6, observando-se: a) limitação do uso do banheiro; b) a imposição de metas
inexequíveis; c) o anúncio em público de punição; e d) utilização do estigma ofensor.
a) Limitação do uso do banheiro
Como se observada no quadro 10, a limitação do uso do banheiro foi recorrente em
todos os acórdãos desta pesquisa quando utilizada a expressão assédio moral
organizacional como chave. Tal constatação guarda relação direta com o que a literatura
prevê ao analisar práticas deletérias recorrentes no setor de telemarketing, conforme
91
pontua Venco (2006), ao mencionar que, em algumas organizações, há a exigência de
pedido formal para dirigir-se ao banheiro.
Conforme no item 2.3.2, Alvarenga (2012) pontua a restrição ou controle de uso do
banheiro como prática comumente adotada por empresas do setor de telemarketing, cuja
finalidade não é prejudicar diretamente o empregado, mas, sim, reduzir o tempo no qual
o empregado não está produzindo, fazendo, com isso, que trabalhe por mais tempo e
atinja cada vez mais as metas impostas pela empresa agressora, enquadrando essas
práticas como assédio moral da espécie organizacional.
No mesmo viés, Gosdal e outros (2009, p. 37) explicam que: “Nestas empresas o
assédio moral organizacional é utilizado como estratégia para controle dos empregados,
coibição de formação de demandas individuais e coletivas e, especialmente, aumento da
produtividade, com o controle do tempo de trabalho e do conteúdo das conversas com o
cliente”. Isso porque, embora as organizações busquem basicamente o controle dos
empregados e a otimização dos resultados, para as referidas autoras essas práticas
findam por prejudicar os empregados submetidos a tais circunstâncias,
independentemente da intencionalidade.
Assim, embora a literatura revisitada no referencial teórico faça expressa alusão ao
controle ou restrição do tempo de uso do banheiro como prática que apresenta as
características do assédio moral organizacional, o quadro 10 demonstra que em apenas 1
(um) caso ocorreu a condenação da empresa, mas, ainda assim, não houve o
enquadramento como assédio do tipo organizacional. Por essa razão, faz-se necessário
analisar os elementos caracterizadores, diferenciando o assédio interpessoal do
organizacional.
No acórdão AMO-1, é possível se verificar, a partir dos estudos de Araújo (2006),
Gosdal e outros (2009) e Pohlmann (2014), que os elementos do assédio moral estão
devidamente caracterizados, conforme se observa no trecho transcrito a seguir:
Vale destacar que o controle de ida ao banheiro se trata de
procedimento que se insere no poder de organização das atividades da
demandada, mormente porque, na espécie, não restou demonstrada
qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à
autora, de molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e
dignidade (AMO-1).
92
Do trecho em análise pode-se inferir que o julgador, ao observar a conduta da empresa
ré, reconhece que a prática de controlar a ida do empregado ao banheiro faz parte do
poder diretivo da organização. Dessa maneira, entende-se que estão presentes a
temporalidade (prática duradoura ou permanente) e a repetição (prática utilizada como
processo sistemático), estando presentes os dois primeiros elementos caracterizadores
do assédio moral organizacional.
No que se refere à violência estrutural, observa-se que, no acórdão AMO-1, o órgão
julgador não delimitou o agressor, como se extrai da seguinte passagem: “[...] não
restou demonstrada qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à
autora, de molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e dignidade [...]”. O
que se afina com o conceito seminal de Galtung (1969), ao mencionar que, na violência
estrutural, não se tem relação direta com quem pratica a violência, pois o que importa é
a consequência das práticas. Segundo Pohlmann (2014), a violência estrutural pode ou
não ser intersubjetivada pelo empregado. No caso do acórdão AMO-1, pela simples
distribuição da ação, pode-se inferir que o empregado não internalizou a violência como
algo banal, aceitável ou como necessário à consecução dos fins organizacionais, estando
presente mais um elemento para caracterização do assédio moral organizacional.
A finalidade gerencial foi reconhecida de forma expressa no acórdão AMO-1. Contudo,
o julgador entendeu que a conduta da empresa de controlar/restringir o tempo de
banheiro dos empregados, em detrimento dos objetivos empresariais, é algo que se
insere dentro de um contexto de normalidade. Isso é o que se pode concluir da
afirmação exposta no acórdão, ao registrar que:
[...] Ademais, não se pode desconsiderar o fato de que a atividade
exercida pela reclamante exige que metas de qualidade sejam
alcançadas, de maneira que o exercício de poder organizacional, pela
empresa ré, não ultrapassou o limite do razoável[...] (AMO-1).
Notadamente a intersubjetivação descrita por Pohlmann (2014) não foi assumida pelo
trabalhador. No entanto, infere-se do trecho extraído do AMO-1 que o órgão julgador,
não apenas reconheceu as práticas camufladas pelo discurso empresarial, como
concedeu validade formal de gerir os empregados por entender como algo essencial para
o atingimento das metas e qualidades almejadas.
93
A conclusão adotada no acórdão AMO-1 encaixa-se com exatidão no item objetivos e
finalidades do processo, estampado no quadro 5, ao dispor que a finalidade da
implementação das práticas deletérias ao trabalhador: “Pretende alcançar, ou manter,
determinados objetivos empresariais ou institucionais relativos a índices de
produtividade e/ou atingimento de resultados, ao controle dos trabalhadores e aos custos
do trabalho” (GOSDAL et al, 2009, p. 39-40).
Quanto à violação dos direitos do empregado, como último elemento caracterizador do
assédio moral organizacional, o acórdão AMO-1 consignou que “[...] não restou
demonstrada qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à autora, de
molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e dignidade [...]”. A decisão
trilhou este caminho porque, como visto, elemento caracterizador anteriormente
analisado, a prática de restringir o uso do banheiro foi intersubjetivada pelo órgão
julgador como algo regular e justificado pela necessidade de a organização atingir as
metas e a qualidade esperada no serviço.
Dito de outra maneira, para o órgão julgador, proibir ou limitar o acesso do empregado
ao banheiro é a expressão do que prevê a legislação consolidada como sendo o poder
diretivo do trabalhador. Contudo, é necessário ser observado o senso de razoabilidade
nas práticas de gerenciamento das organizações, pois, embora o poder diretivo do
empregador seja legalmente previsto no artigo 2ª da CLT, este não pode ser entendido
como direito absoluto, pois deve ser pautado em respeito aos princípios da dignidade da
pessoa humana e à privacidade.
Conforme apontam Nascimento (2011) e Delgado (2011), é prerrogativa do empregador
definir, dirigir, regulamentar e fiscalizar a prestação dos serviços, dentro do limite
daquilo que foi contratualmente pactuado, sempre observando os princípios gerais e
específicos do direito, principalmente no que se refere à dignidade da pessoa humana e
à privacidade.
A dignidade da pessoa humana, como observado no referencial teórico, faz parte dos
direitos fundamentais consagrados pele Constituição Federal de 1988. Nesse sentido,
Barroso (2010) afirma que a afronta ao referido princípio deve ser oponível a eventuais
desmandos dos empregadores, seja qual for a sua natureza. Estendendo-se, por dedução,
94
às práticas gerenciais que visam atingir os objetivos empresarias, sem se preocupar com
os danos diretos e reflexos que podem causar aos trabalhadores, de modo que, embora o
acórdão AMO-1 tenha concedido validade à prática perpetrada pela organização,
entende-se que tal conduta viola o princípio da dignidade da pessoa humana.
Sarlet (1999), analisando as premissas do meio ambiente do trabalho, aponta que é
imperioso conceder força aos princípios fundamentais que dão suporte aos direitos
sociais do empregado, pois, apenas dessa forma se pode atingir a finalidade teleológica
das normas para consagração da dignidade da pessoa humana. Conforme expõe
Coutinho (2013), o meio ambiente equilibrado também é um direito assegurado ao
trabalhador e está relacionado ao direito constitucional do trabalho, permitindo ao
empregado desenvolver suas potencialidades, mediante concessão por parte do
empregador de práticas de gestão responsáveis que propiciem um ambiente de trabalho
harmônico.
Percebe-se que a proibição ou restrição do trabalhador de utilizar o banheiro fere uma
das principais características que diferenciam os homens das máquinas, pois pressupõe
que as necessidades fisiológicas dos trabalhadores dependem de tempo ou número de
vezes suficientes para toda uma empresa. Dito de outra maneira, a medida se constitui
como constrangedora, pois deve o empregado pedir para ir ao banheiro, sendo
autorizado ou não por seu superior hierárquico. Quando autorizado, o empregado pode
ir ao banheiro, mas de modo que não demore muito, pois, conforme restou registrado no
acórdão AMO-1, a empresa possui metas e objetivos de qualidade a serem supridos.
No acórdão AMO-3, o órgão julgador foi mais objetivo. Nessa decisão, não houve
análise dos elementos caracterizadores do assédio moral (de qualquer espécie), apenas
fez-se menção a uma jurisprudência e doutrina exclusivamente no que se refere ao dano
moral, que, conforme observado no referencial teórico, seria o resultado do assédio
moral em qualquer de suas espécies. Esse tipo de decisão é prejudicial à análise do
direito do trabalhador, mormente porque vem corroborar a inquietação externada por
Gosdal e outros (2009) e Pohlmann (2014), ao consignarem que, embora o dano moral
seja recorrentemente analisado pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando ocorrem
nessas condições, as condenações (ou absolvições) sequer analisam as condutas levadas
a efeito pelas organizações, mas apenas por seus prepostos.
95
O acórdão AMO-3, sucintamente, registrou, em outras palavras, que é razoável
restringir o tempo de utilização e idas ao banheiro, pois são concedidas, durante a
jornada de trabalho do atendente de telemarketing, 2 (duas) pausas de 10 (dez) minutos
e uma de 20 minutos, para descanso e alimentação, conforme se observa a seguir:
Com efeito, a testemunha da autora, no processo nº 0001088-
75.2013.5.06.0018, prova emprestada, confirmou existir uma pausa de
20 minutos durante a jornada de trabalho e outras duas pausas de 10
minutos, para fazer o que quiser, inclusive ir ao banheiro, o que
denota razoabilidade na concessão dos intervalos, in verbis: "que o
empregado possuía durante as seis horas, duas pausas de 10 minutos
cada e uma de 20 minutos; que poderiam registrar no sistema uma
pausa pessoal por exemplo para ir ao banheiro" (id 2d9eb99) (AMO-
3).
Nem mesmo quando é utilizada a força animal para execução de serviços, analogia sem
qualquer especismo, lhe é tolhido ou regulado o direito destes a suas necessidades
básicas. Portanto, infere-se que tolher o empregado desse direito básico ocasiona um
desequilíbrio e desrespeito do meio ambiente laboral equilibrado, exercido para o
aumento da produtividade, fazendo com que muitos empregados deixem de consumir a
quantidade de líquido necessária para o funcionamento sadio do corpo, para reduzirem a
quantidades de pausas, podendo ser notadamente configurada violação à dignidade e
intimidade do trabalhador, nos termos dos artigos 3º, III, e 5º, I e X, da Constituição
Federal de 1988. Essa foi a conclusão da sentença proferida pelo Juiz monocrático na
decisão do acórdão AMO-4, da qual transcreve-se o trecho a seguir:
Tal controle constitui, portanto, medida abusiva, que expõe o
trabalhador a desarrazoado constrangimento, além de tolher sua
liberdade de disposição do próprio corpo, não podendo se dar sem a
violação da intimidade do trabalhador (art. 3º, III, e 5º, II e X, da CF).
Verifico, portanto, a presença de um assédio moral do tipo
organizacional.
Sendo assim, defiro o pagamento de R$ 5.000,00 a título de
compensação pelos danos morais sofridos pelo demandante (AMO-4).
Diante do trecho da sentença acima, extraída do acórdão AMO-4, pode ser observado
que o juiz monocrático não apenas enquadrou a conduta como exorbitante ao poder
diretivo do trabalhador, como consignou a violação aos princípios da dignidade da
pessoa humana e da privacidade, em função do desrespeito aos direitos básicos do
trabalhador. Tal decisão, se mantida integralmente, não apenas teria deferido o pedido
96
indenizatório formulado pelo trabalhador, mas teria realizado o enquadramento de
acordo com o que literatura pesquisada denomina de assédio moral organizacional.
Contudo, conforme já mencionado, a decisão proferida em sede de primeiro grau de
jurisdição foi reformada pelo acórdão AMO-4, sendo o pedido do empregado julgado
improcedente. Dito de outra maneira, o pedido indenizatório não foi reconhecido com
base em qualquer das espécies de assédio.
O acórdão AMO-4, ao reformar a decisão originária, fundamentou-se nas disposições
dos artigos 186, 187 e 927 do CCB. Acrescentou o órgão julgador de segunda instância
que cabia ao empregado comprovar suas alegações, nos termos dos artigos 818 da CLT
e artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil (atual dicção do artigo 373, I do
CPC/2015).
Ante a ausência de legislação específica que trate sobre assédio moral, conforme
observado no item 2.3.1 deste estudo, aplicam-se subsidiariamente as normas do direito
comum, cabendo ressaltar que é prerrogativa do julgador, através do princípio do livre
convencimento motivado, a análise das provas produzidas nos autos com a finalidade de
se proferir a decisão condenatória ou não. No entanto, conforme mencionado nas
aproximações metodológicas, a análise de conteúdo das decisões deste estudo tem como
parâmetro o que diz a literatura pesquisada, com a finalidade de se verificar a adequação
desta com as decisões proferidas na prática.
Verifica-se que o fundamento do acórdão AMO-4 pauta-se inicialmente no fato de que
o empregado não teria se desconstituído de seu ônus probatório de provar que houve
restrição ou impedimento do uso do banheiro, transcrevendo o órgão julgador trecho de
provas colacionadas aos autos, nos seguintes termos:
A testemunha de iniciativa da parte reclamante no processo nº
0000292-75.2013.5.06-0021,TAYANNA NATALIA MAGALHAES
COSTA, cuja ata foi juntada a estes autos como prova emprestada,
disse (Id - 047091a): "que prestou serviços para o Itaú e era
empregada da 3ª demandada; (...); que trabalhou como atendente no
receptivo cumprindo jornada das 7 às 14h, com intervalo de 20
minutos para refeição e duas pausas de 10 minutos para ir ao banheiro
e para tomar água; que no caso de urgência tirava outras pausas,
entretanto, devia ter autorização do supervisor; (...)".Destaquei.
97
E a testemunha da parte autora no processo no. 0001088-
75.2013.5.06-0018, RAFAEL DANTAS DE SANTANA (Id -
8cd78b4), embora tenha declarado a possibilidade de o empregado
sofrer advertência verbal pela utilização da pausa pessoal, deixou
claro que a punição somente seria imposta "se tivesse mais de três
pausas pessoais por dia ou se demorassem muito no banheiro" (AMO-
4).
Do cotejo das provas apresentadas no acórdão AMO-4, pode-se inferir que o
entendimento do órgão julgador foi contrário ao da literatura analisada (GOSDAL et al.,
2009), pois restou demonstrado textualmente o registro de que a empresa não apenas
controlava o número de vezes em que o empregado se ausentava para ir ao banheiro,
mas também o tempo que ele demorava para ir e voltar, sendo passível inclusive de
sofrer punição em caso de demora excessiva.
Em sentido contrário ao que dispõe a literatura revisitada, consta do acórdão AMO-4
que o controle do tempo de ida ao banheiro é procedimento que se insere no poder de
organização da empresa, conforme pode ser verificado no trecho destacado a seguir:
Vale destacar que o controle de ida ao banheiro se trata de
procedimento que se insere no poder de organização das atividades da
demandada, mormente porque, na espécie, não restou demonstrada
qualquer conduta abusiva, praticada pela empresa ré e dirigida à
autora, de molde a caracterizar constrangimento à sua privacidade e
dignidade.
Aliás, como visto em outras demandas envolvendo as empresas rés, o
empregador apenas organizava o fluxo, dada a necessidade de manter
o atendimento às ligações, o que não exorbita, ao que me parece, o seu
poder diretivo.
Além disso, o reclamante não denunciou nenhuma ocorrência no
sentido de que, de fato, tenha necessitado se ausentar do posto de
serviço para satisfação de necessidade fisiológica e a reclamada tenha
lhe impedido (AMO-4).
Pode ser observado um nítido contraponto entre o que prevê a literatura e as
considerações lançadas no acórdão pelo órgão julgador, sendo importante ressaltar as
palavras de Dias (2015), ao pontuar que as estratégias de gestão não podem prestigiar a
violação dos diretos dos empregados, pois, como apontam Trujillo Flores, Valderrabano
Almegua e Hernández Mendoza (2007), o poder diretivo em organizações saudáveis é
limitado ao respeito à dignidade da pessoa humana, e o bem-estar físico, psicológico e
social dos trabalhadores deve estar acima de qualquer interesse empresarial.
98
É possível observar que há uma nítida contradição no acórdão AMO-4, à luz do que
dispõe a literatura especializada, pois restou incontroversamente registrado que o
controle de idas e o tempo de utilização do banheiro faz parte da característica estrutural
da organização, procedimento este inclusive referenciado em outras demandas já
julgadas perante o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. Por outro lado, resta
consignado na mesma decisão que o empregado não teria comprovado que efetivamente
tenha ocorrido consigo tal restrição. Dito de outra maneira, se a restrição faz parte da
característica estrutural da empresa, visando atender seus objetivos, não seria crível que
apenas com esse empregado a conduta da empresa seria diferente.
O acórdão AMO-5 reconheceu a lesividade das práticas operacionalizadas pela empresa
Contax. Contudo, tal reconhecimento foi genérico, ou seja, não especificou qual espécie
de assédio moral foi reconhecido. Conforme sintetizado no quadro 10, foram postos à
análise do judiciário no respectivo processo: o anúncio de punição em público, a
restrição do uso do banheiro e a imposição de estigma “ofensora”. No entanto, neste
item, será analisada a parte do acordão que trata sobre a restrição do tempo de utilização
do banheiro, conforme já realizado nos acórdãos anteriores.
No acórdão AMO-5, se evidenciam a temporalidade e a repetição, estando presentes os
dois primeiros elementos caracterizadores do assédio moral organizacional, conforme se
depreende dos trechos a seguir destacados:
Conforme pontuou a Magistrada sentenciante, houve depoimento das
testemunhas em que é delatada a limitação de uso do banheiro a 5
(cinco) minutos e a prática organizacional de estigmatizar os que não
alcançavam as metas.
[...]
Também é possível extrair, do depoimento da terceira testemunha,
Sra. Leyla Gabriela Viana da Silva Carvalho, que "atualmente o
supervisor não vai mais pegar o empregado no banheiro", pelo que se
infere que essa era prática corrente na organização empresarial
(AMO-5).
Vê-se que a prática de limitar o uso do banheiro é recorrente, utilizada como forma de
organizar e atingir os objetivos organizacionais, ou seja, está igualmente presente a
característica estrutural. Diante de tais elementos, já delimitados e do reconhecimento
do caráter estrutural, se torna inafastável inferir que tais práticas visavam
exclusivamente à maximização dos resultados da empresa.
99
Também é possível extrair, do depoimento da terceira testemunha,
Sra. Leyla Gabriela Viana da Silva Carvalho, que "atualmente o
supervisor não vai mais pegar o empregado no banheiro", pelo que se
infere que essa era prática corrente na organização empresarial.
A prática deletéria de reunir na "coreografia" os componentes da
equipe e impingir o tratamento de "ofensores" àqueles que não
atingiam as metas é degradante. E também não pode ser harmonizado
com o princípio da dignidade humana a limitação de pausa pessoal
que, ao fim e ao cabo, não era contabilizada no tempo de jornada
efetiva (AMO-5).
Ainda analisando o acórdão AMO-5, o órgão julgador consignou expressamente a
violação dos direitos dos empregados, conforme pode ser verificado no trecho que
segue:
O ato de limitação do uso do banheiro constitui afronta à dignidade da
pessoa humana – fundamento da República, conforme art. 1º, inciso
III, da Carta Cidadã – e também à intimidade, garantia insculpida no
art. 5º, inciso X, também da Constituição da República. Trata-se de
atitude que causa constrangimento ilegal (AMO-5).
Portanto, assim como nos demais casos analisados, o acórdão AMO-5 reconheceu a
existência de todos os elementos caracterizadores para o enquadramento do assédio
moral organizacional. A diferença desta decisão e das demais analisadas repousa no fato
de que apenas o acórdão AMO-5 se reconheceram as práticas como deletérias à saúde
do trabalhador e, por esse fundamento, se condenou a empresa ao pagamento de
indenização por danos morais, mas sem enquadrar tais práticas como assédio moral
organizacional.
Uma passagem específica do acórdão AMO-5 ressalta que a atuação dos prepostos
poderia inclusive incorrer no enquadramento da falta grave tendente a propiciar o
deslinde do contrato de trabalho por culpa do empregador, conforme se extrai do trecho
a seguir:
Destaco que a atuação de prepostos da Empregadora, seja por
violação da intimidade (restrição ou limitação do uso do banheiro),
seja por lesão a sua honra (estigma de "ofensora") poderia resultar na
falta grave capitulada na alínea e do art. 483 da CLT (AMO-5).
Esclarece-se que o artigo 483, alínea “e” da CLT, prevê as hipóteses de rescisão indireta
do contrato de trabalho, ao preceituar que:
100
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e
pleitear a devida indenização quando:
[...]
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de
sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
Em uma leitura mais apurada, extrai-se uma contradição entre os fundamentos do
acórdão AMO-5, já que o caráter estrutural e a finalidade gerencial foram evidenciadas
em passagens anteriores, como a que segue transcrita, ao se referir à prática
organizacional nos seguintes termos:
Ela é reprovável, considerados os limites de urbanidade e respeito que
devem nortear as relações interpessoais no ambiente de trabalho.
Tanto pior se se revelar, como no caso dos autos, como política
institucional em busca dos resultados, mediante o constrangimento
em forma de pecha lançada à trabalhadora (AMO-5).
Diante de tal constatação, revela-se que o órgão julgador mais uma vez analisou as
condutas postas a sua apreciação como dano moral ou assédio moral genérico,
destacando desta vez a atuação deletéria dos prepostos da empresa.
Analisando sob a ótica prática, o empregado assediado irá receber a indenização
correspondente ao agravo a ele causado. Contudo, deve-se ressaltar que a atuação dos
prepostos decorreu das práticas institucionalizadas pela empresa, conforme destacado
no próprio acórdão AMO-5, de modo que se observa a resposta da justificada prática
apresentada no início deste estudo. Uma das contribuições deste trabalho é apresentar à
empresa um panorama das causas que levam os empregados a ajuizarem ações
pleiteando o reconhecimento do assédio moral, e, consequentemente, a condenação por
danos morais.
Conforme menciona Pohlmann (2014), as decisões oriundas da Justiça do Trabalho
muitas vezes não são específicas ao ponto de demonstrar origem do problema, ou seja,
neste caso quem de fato está ocasionando o assédio, findando por tornar culpado o
preposto da empresa, que agiu como mero executor de ordens, enquanto o assédio moral
organizacional fica invisibilizado, como ocorreu no caso do AMO-5.
Extrai-se do acórdão AMO-5 2 (duas) decisões da instância superior no âmbito da
Justiça do Trabalho no Brasil. Registra-se que, embora o intuito deste estudo seja
analisar apenas as decisões proferidas em sede de segundo grau de jurisdição no
101
domínio do TRT6, permite-se a utilização destas por constar do corpo do acórdão como
fundamento de decidir, expondo que:
[...] DANO MORAL. RESTRIÇÃO À UTILIZAÇÃO DO
BANHEIRO. ÔNUS DA PROVA. O e. TRT valorou a prova
produzida (prova testemunhal) para asseverar que foram preenchidos
os requisitos ensejadores da indenização por dano moral, decorrentes
da restrição ao uso do banheiro: o dano moral (a testemunha
presenciou o constrangimento a que era submetida à autora, pelas idas
ao banheiro), a culpa do empregador e o nexo causal (qualquer ida ao
banheiro era registrada no sistema e sofria desconto nos salários fixo e
variável, além do constrangimento de ser questionada pelo supervisor
se estava com dor de barriga ou incontinência urinária na presença de
outras pessoas). Incólumes os artigos da Constituição Federal e de lei
invocados. Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR -
100-62.2009.5.01.0041 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra
Belmonte, Data de Julgamento: 25/03/2015, 3ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 31/03/2015).
[...] 5. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LIMITAÇÃO
PARA UTILIZAÇÃO DO BANHEIRO. AVALIAÇÕES. O Regional
concluiu que: - os depoimentos colhidos nos autos deixam claro que
as idas ao banheiro necessitavam ser requeridas e autorizadas,
podendo, inclusive, ser postergadas. Por outro lado, quanto às
avaliações, o Regional ressaltou que: - no que concerne ao
constrangimento vivenciado pela Acionante em razão de ser
pressionada e avaliada negativamente na frente dos demais
empregados, também a prova oral não socorre a Demandada, na
medida em que a testemunha ouvida a fls.167 afirmou que as
avaliações ficavam expostas nas 'ilhas' de trabalho com o símbolo de
uma mão com o polegar para cima ou para baixo ao lado do nome do
empregado, conforme sua avaliação. Diante de tais premissas fáticas,
cujo teor é insuscetível de reexame nesta Corte Superior, nos termos
da Súmula 126/TST, descabe cogitar de violação do art. 927 do
Código Civil. Recurso de revista não conhecido" (RR - 87300-
57.2007.5.01.0242 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de
Julgamento: 03/12/2014, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT
05/12/2014)
Através da leitura das ementas acima, oriundas do Tribunal Superior do Trabalho, é
possível observar que a limitação ou restrição ao uso do banheiro é reconhecida, ao
menos por parte dos ministros, como ilícito de ordem trabalhista, cabendo a devida
reparação por danos morais, assim como apontado pelo acórdão AMO-5. No entanto,
verifica-se que, embora a restrição do uso do banheiro não tenha sido reconhecida como
elemento do poder diretivo do empregador nos acórdãos do Tribunal Superior do
Trabalho e no acórdão AMO-5, analisado amiúde neste estudo, se enquadra a referida
prática como apontado pela literatura, ou seja, como assédio moral organizacional.
102
Quadro 11. Análise dos dados coletados a partir dos elementos caracterizadores do Assédio
Moral Organizacional.
Limitação do uso do banheiro
Acórdão Tempora
lidade Repetição
Característica
estrutural
Finalidade
gerencial
Violação
de
direitos
Condenação AMO
AMO-1 Sim Sim Sim Sim Sim Não Não
AMO-3 Sim Sim Sim Sim Sim Não Não
AMO-4 Sim Sim Sim Sim Sim Não Não
AMO-5 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não
Fonte: Autor da pesquisa (2017)
Nos casos de limitação ou restrição do uso do banheiro, restaram devidamente
identificados os elementos caracterizadores do assédio moral organizacional (ARAÚJO,
2006; GOSDAL et al., 2009; POHLMANN 2014). Conforme se observa nos trechos
dos acórdãos transcritos, a prática analisada faz parte da política institucional da
empresa (AMO-5), sem individualizar o alvo/empregado assediado, pois o que se
objetiva com a implementação dessas condutas é eficiência do resultado final da
organização, independentemente se poderá trazer resultados negativos aos empregados.
Portanto, ao contrário do que foi mencionado no acórdão AMO-5, a prática do assédio
moral organizacional não parte dos prepostos da empresa, estes apenas são utilizados
como instrumentos para implementação das políticas institucionais, tendo a organização
participação ativa no cometimento dessa conduta negativa, pois dela decorrem as ordens
para que seus prepostos executem.
b) Imposição de metas inexequíveis
A alegação de imposição de metas inexequíveis foi identificada na análise do acórdão
AMO-3, ao dispor a apreciação do poder judiciário que:
A recorrente postula o pagamento de indenização por danos morais,
em razão de assédio moral que teria sofrido no ambiente de trabalho,
aduzindo, em síntese, que a empresa restringia o uso do banheiro e
estabelecia metas inadequadas.
Nunes e Tolfo (2013) reconhecem a possibilidade de algumas organizações se
utilizarem de práticas deletérias à saúde do trabalhador para atingir os objetivos
traçados, citando o cumprimento de metas como uma delas. Nesse mesmo sentido,
103
Alvarenga (2012), ao distinguir o assédio moral individual (interpessoal) do assédio
moral organizacional, esclarece que na espécie organizacional as empresas submetem
seus empregos a políticas agressivas de metas.
Sob a ótica de Araújo (2006), a imposição de metas inadequadas aos empregados pode
ser compreendida como prática caracterizadora do assédio moral organizacional. Soboll
(2008) aponta a imposição de metas acima da capacidade dos empregados como táticas
de gestão para extrair o máximo do empregado.
Contudo, infere-se dos referidos textos que deverá ser observado, além dos elementos
caracterizadores do assédio moral organizacional, se as metas submetidas foram
superiores aos limites daquilo que é razoavelmente aceito, ou seja, se tais metas são
exequíveis sem causar distúrbios de ordem psíquica ou física nos trabalhadores.
Ao analisar o acórdão AMO-3, o julgador deixou claro que o trabalhador atingiu os
objetivos apresentados pela empresa durante o tempo que trabalhou, fato que levou a
raciocínio dedutivo de que as metas estabelecidas eram passíveis de cumprimento, ao
contrário do que foi alegado pelo empregado. É o que se extrai do trecho a seguir: “[...]
No que tange ao estabelecimento de metas inadequadas, a mesma testemunha declarou
que „durante um ano e seis meses, ele depoente batia as suas metas‟, não confirmando
as alegações da autora [...]” (AMO-3). Em outras palavras, infere-se que o julgador
entendeu que, não havendo exacerbação na imposição das metas, não haveria a violação
de direitos dos trabalhadores.
A decisão poderia ser analisada mais detalhadamente para se verificar se a prática
denunciada tem enquadramento na caracterização do assédio moral organizacional.
Contudo, o acórdão AMO-3 é extremamente resumido, não sendo possível inferir se
tratava de conduta exclusivamente com o empregado queixoso, ou se esta prática estaria
inserida na finalidade gerencial da empresa, justificando-se a violência estrutural.
Portanto, à míngua de elementos concretos de análise de dados, entende-se que restou
prejudicada a análise desta suposta prática, uma vez que não foi devidamente
comprovada e reconhecida processualmente.
c) Anúncio de punição em público
104
O anúncio da punição em público, identificado no acórdão AMO-5, foi reconhecido
tanto pelo magistrado de primeiro grau quanto pelo órgão de segundo grau como tendo
ocasionado dano de natureza extrapatrimonial ao trabalhador.
No caso em exame, a empresa Contax realizou a demissão do trabalhador por justa
causa, sendo esta revertida em razão da ausência de provas cabais que comprovassem os
motivos justificadores para a adoção de medida extrema capitulada no artigo 482 da
CLT.
De início, se observa que não há temporalidade ou repetição na conduta da empresa, ao
menos no que se refere a essa conduta, pois a aplicação da penalidade decorreu
equivocadamente do descumprimento de normas internas ocorridas uma única vez,
como se denota da decisão proferida nos seguintes termos: “[...]A Reclamante não
parece ter sido admoestada durante o curso do vínculo de emprego[...]” (AMO-5).
Nesse sentido, pode-se inferir que a ausência de enquadramento do acórdão AMO-5 à
espécie organizacional encontra respaldo na inexistência de ao menos 2 (dois) dos
elementos caracterizadores definidos no quadro 4.
Registre-se que, embora não se tenha caracterizado o assédio moral organizacional em
face do empregado dispensado por justa causa, a punição aplicada a ele foi utilizada
pela empresa com a finalidade de amedrontar e ameaçar os demais que permaneceram
trabalhando, conforme pode se observar da seguinte passagem:
O documento de ID nº c03b845 revela, indubitavelmente, que foi
alardeada, por prepostos da Demandada, a dispensa motivada da
"colaboradora Alexsandra", findando com uma advertência: "muito
cuidado pois ainda terá mais (AMO-5)".
Segundo Soboll (2008) e Soboll e Horst (2015), a gestão por medo é uma expressão do
assédio moral organizacional, ou seja, é a estratégia utilizada por algumas empresas
para atingirem seus objetivos. Pohlmann (2014) explica que muitos são os casos em que
os empregados são punidos sem sequer cometerem faltas que se reputem
verdadeiramente graves o suficiente para ensejar a aplicação da justa causa, sendo a
penalidade aplicada com a finalidade de imprimir o medo nos trabalhadores que
permanecerão na empresa.
105
Assim, deve-se registrar que foram identificados indícios de gestão por medo no
acórdão analisado. No entanto, não é possível se aferir através de dados disponíveis no
acórdão AMO-5 se haveria o enquadramento do assédio moral organizacional no caso
dos empregados remanescentes, pois seriam demandados mais elementos de análise,
que não foram estampados no acórdão.
d) Imputação de estigma
A imputação de estigma “ofensora” a empregada foi a última conduta identificada nos
acórdãos selecionados através das palavras-chave assédio moral organizacional e
empresa Contax. No acórdão AMO-5, restou consignado através dos depoimentos das
testemunhas que o estigma ofensor decorre do suposto desempenho insatisfatório das
vendas, quando é imposto ao trabalhador tratamento vexatório, conforme se pode inferir
do trecho a seguir: “que a maioria dos atendentes eram chamados de ofensores, pois não
batia metas" (trecho de depoimento da Sra. Geane Maria Batista da Silva, testemunha,
v. Ata de ID nº b9632ae - Pág. 2).
É possível deduzir dos depoimentos que a prática de nominar o empregado como
ofensor se protrai no tempo, pois é inserida como estigma pejorativo a fim de atingir
aquele que não entregasse as metas estabelecidas, estando presente o elemento da
temporalidade. De igual maneira, a repetição é característica no acórdão estudado, na
medida em que restou consignado no acórdão que “[...] recebiam pecha de „ofensores‟
os que não atingiam a meta estipulada, assevera que assim se fazia no tempo em que a
Obreira trabalhava para a Acionada” (AMO-5).
A característica estrutural da violência não guarda relação direta com quem a pratica, ou
seja, o agressor, pois a prática está inserida no método de gestão da empresa, conforme
pode se verificar no acórdão AMO-5. Tanto pior se se revelar, como no caso dos autos,
como política institucional em busca dos resultados, mediante o constrangimento em
forma de pecha lançada à trabalhadora. Nota-se que não se individualiza o agressor,
pois essa prática está estruturada na raiz da organização.
De igual modo, observou-se a presença do elemento caracterizador finalidade gerencial.
Indicando que a prática da conduta não tem por intenção prejudicar o empregado, mas
106
visa estigmatizá-lo para forçar que ele atinja a meta estipulada. Nota-se que não há a
individualização do(s) alvo(s) ou intenção de degradação da(s) vítima(s) (HIRIGOYEN,
2010), elementos característicos do assédio moral interpessoal, conforme se extrai do
trecho: “Não se pode contemplar a prática organizacional que estigmatiza de „ofensora‟
aquela que não atingir as metas” (AMO-5).
O fato de não haver a intenção direta em degradar o ambiente organizacional, não
importa na ausência de violação de direitos dos empregados, que pode ocorrer pelo
simples fato do empregador assumir esse risco em detrimento de atingir seus objetivos
empresariais. Portanto, havendo a degradação do ambiente de trabalho, ocorrerá a
violação dos direitos do empregado, conforme reconhecido no acórdão AMO-5, nos
seguintes termos:
A prática deletéria de reunir na "coreografia" os componentes da
equipe e impingir o tratamento de "ofensores" àqueles que não
atingiam as metas é degradante. E também não pode ser harmonizado
com o princípio da dignidade humana a limitação de pausa pessoal
que, ao fim e ao cabo, não era contabilizada no tempo de jornada
efetiva.
Dessa maneira, no acórdão analisado sob o prisma do estigma ofensor, o órgão julgador
entendeu por deferir o pedido de indenização por danos extrapatrimoniais, mas não
especificou em seus fundamentos, se tratou o tema como assédio moral interpessoal ou
na espécie organizacional. No entanto, diante dos elementos caracterizadores
identificados no acórdão analisado, pode-se inferir que estão presentes as características
do assédio moral organizacional, conforme previsão da literatura.
Quadro 12 – análise dos acórdãos conforme práticas adotadas, condenação e reconhecimento da
espécie assédio moral organizacional.
Acórdão
Limitação
do uso do
banheiro
Imposição
de metas
inexequíveis
Anúncio de
punição em
público
Estigma
“ofensor” Condenação
Reconhece o
AMO
AMO-1 Sim Não Não Não Não Não
AMO-3 Sim Sim Não Não Não Não
AMO-4 Sim Não Não Não Não Não
AMO-5 Sim Não Sim Sim Sim Não
Fonte: Autor da pesquisa (2017)
107
Diante dos elementos caracterizadores encontrados nos acórdãos AMO-1, AMO-3
AMO-4 e AMO-5, pode-se afirmar que a prática da limitação quanto ao uso do banheiro
e a imposição do estigma ofensor, conforme analisado, afina-se com o que a literatura
aponta como assédio moral organizacional. No entanto, o TRT6 reconheceu a
abusividade das condutas apenas no acórdão AMO-5, no que se refere à prática do
estigma “ofensor”, e mesmo assim sem fazer referência à espécie de assédio em que se
enquadram as condutas.
4.3 Identificação dos acórdãos selecionados como assédio moral
Realizada a análise dos acórdãos que foram identificados com as palavras-chave assédio
moral organizacional e empresa Contax, passa-se a analisar os acórdãos que foram
selecionados com a utilização das palavras-chave assédio moral e empresa Contax.
A seleção dos acórdãos com a utilização das palavras-chave assédio moral e empresa
Contax é intencionalmente genérica, na medida em que se pretende verificar se as
condutas consignadas nas decisões como assédio moral (genericamente considerado)
amoldam-se, segundo a literatura analisada, como assédio moral organizacional.
Utilizando o argumento de pesquisa assédio moral e empresa Contax, 27 (vinte e sete)
acórdãos foram selecionados e receberam codificação (MORAES, 2003). Estão
relacionados abaixo:
Quadro 13 – Codificação dos acórdãos selecionados com a palavra-chave assédio moral,
conforme roteiro constante do apêndice 1
Codificação
do acórdão Ré Número do processo
Enquadramento
como assédio
moral
Condenação Valor
AM-1 Contax 00494-23.2015.5.6.0008 Não Não R$ 5.000,00
AM-2 Contax 00754-39.2016.5.6.0017 Não Não -
AM-3 Contax 01437-50.2014.5.6.0016 Não Não -
AM-4 Contax 01128-11.2016.5.6.0020 Não Não -
AM-5 Contax 10233-82.2013.5.6.0010 Não Não -
AM-6 Contax 01470-60.2016.5.6.0019 Não Não -
AM-7 Contax 00160-23.2014.5.6.0008 Não Não -
AM-8 Contax 00627-65.2015.5.6.0008 Não Não -
AM-9 Contax 00685-96.2014.5.6.0010 Não Não -
108
AM-10 Contax 00242-12.2014.5.6.0022 Não Não -
AM-11 Contax 00244-05.2015.5.6.0003 Não Não -
AM-12 Contax 00779-56.2014.5.6.0006 Não Não -
AM-13 Contax 00847-66.2015.5.6.0007 Não Não -
AM-14 Contax 10313-49.2013.5.6.0009 Sim Sim R$ 5.000,00
AM-15 Contax 01605-42.2015.5.6.0008 Não Não -
AM-16 Contax 01094-71.2016.5.6.0020 Não Sim R$ 5.000,00
AM-17 Contax 01124-68.2014.5.6.0023 Não Não -
AM-18 Contax 01111-38.2014.5.6.0001 Sim Sim R$ 5.000,00
AM-19 Contax 00351-68.2014.5.6.0008 Sim Sim R$ 3.000,00
AM-20 Contax 00732-46.2014.5.6.0018 Sim Sim R$ 3.000,00
AM-21 Contax 00918-65.2015.5.6.0008 Não Não -
AM-22 Contax 00753-64.2014.5.6.0004 Não Sim R$ 3.000,00
AM-23 Contax 1542-15.2014.5.06.0020 Não Não -
AM-24 Contax 0050-03.2014.5.06.0015 Sim Sim R$ 5.000,00
AM-25 Contax 0337-08.2015.5.06.0022 Não Não -
AM-26 Contax 0239.68.2015.5.06.0007 Não Não -
AM-27 Contax 0718-13.2014.5.06.0002 Não Não -
Fonte: Autor da pesquisa (2017)
Observa-se do quadro 13 que em 8 (oito) dos 27 (vinte e sete) acórdãos analisados o
TRT6 reconheceu os direitos dos empregados em receber indenizações que variaram
entre R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Dentre os acórdãos selecionados neste item, foi possível observar em análise prévia que
nenhum enquadrou a conduta da empresa como assédio moral organizacional. Portanto,
a análise dos dados não se aterá apenas à nomenclatura utilizada pelos julgadores, mas
observará as características e elementos descritos na conduta supostamente praticada
pela empresa Contax, assim como procedido na análise dos acórdãos analisados no item
4.2.
A análise será realizada a partir da verificação das práticas de gestão recorrentes nos 27
(vinte e sete) acórdãos, devendo restar registrado que em 2 (dois) deles foram colocadas
à apreciação do judiciário 2 (duas) práticas numa mesma ação.
No acórdão AM-1, a prática analisada pelo órgão julgador foi a humilhação que uma
supervisora sofria em razão de condutas levadas a efeito por sua gerente, sendo
109
constatado que “[...]a reclamante era humilhada pela superiora hierárquica”. As provas
produzidas neste acórdão convenceram o órgão julgador da procedência dos pleitos
formulados pelo empregado, gerando a condenação no importe de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais). Sob igual fundamento, qual seja, humilhação no local de trabalho, o acórdão
AM-7 foi levado ao órgão julgador para apreciação em decorrência do seguinte fato:
“[...] afirmação contida na vestibular de que a supervisora, „ao ver a reclamante
conversando com alguém, dizia que iria jogar milho, pois estava uma 'galinhagem', na
frente de todos‟”.
O acórdão AM-2 apreciou o pedido de dano moral decorrente de perseguição posta em
prática por um supervisor em desfavor de um operador de telemarketing. As palavras do
superior foram tão insuportáveis que fizeram o empregado optar por seu desligamento
da empresa, como se extrai do trecho a seguir: “[...] indenização por danos morais, ante
a coação sofrida que o levou a apresentar o pedido de demissão”. Por sua vez, no
acórdão AM-25, o órgão julgador analisou as alegações do empregado que se queixou
por ser perseguido, notadamente em função das repetidas suspensões disciplinares que
sofreu no curso do contrato de trabalho.
Nos acórdãos AM-8, AM-11, AM-13, AM-23 e AM-27, a prática levada à análise do
órgão julgador foi a pressão supostamente exagerada exercida sobre os empregados da
empresa Contax. As alegações postas a apreciação possuem como fundamento principal
a indisposição pessoal e a cobrança por atingimento de metas, conforme se pode
exemplificar através do acórdão AM-8, ao dispor que: “[...] A reclamante, em seu
recurso, além de transcrever trecho do depoimento da testemunha sobre a cobrança pelo
atendimento das metas, que envolve o tempo médio de atendimento [...]”.
Em 2 (dois) acórdãos AM-14, AM-16, foram suscitadas irregularidades ligadas às
demissões de empregadas grávidas, o que teria ocasionado dano de natureza
extrapatrimonial às trabalhadoras. Nesse sentido, exemplificativamente, o órgão
julgador, analisando as provas produzidas, fez constar no acórdão AM-16 trecho do
depoimento da testemunha que confirma a ciência do estado psicológico decorrente do
estado gravídico, conforme segue: “[...] De fato, a testemunha ouvida foi o superior
hierárquico da autora e demonstrou ter plena ciência, não apenas de sua gravidez no
110
momento da dispensa, como também do estado de fragilidade psicológica no qual se
encontrava por ter perdido um bebê recentemente”.
Foram detectados outros dois acórdãos, AM-9 e AM-22, nos quais vê-se que foi levada
à apreciação do judiciário a conduta supostamente irregular da empresa Contax,
concernente à disponibilização do transporte para o retorno à residência após a jornada
de trabalho, alegando-se, em apertada síntese, que havia risco à integridade física dos
empregados, pelo que se infere, exemplificativamente do trecho seguinte extraído do
AM-9: “[...] A reclamante persegue, em suma, o pagamento de indenização, pela
empresa demandada, em virtude da ofensa moral que alega ter sofrido pelo fato de ter
sido exposta a risco com o uso do transporte da ré que passou a ser realizado em micro-
ônibus”.
No acórdão AM-24, o empregado postulou do poder judiciário o reconhecimento
específico do ócio humilhante, como se extrai da passagem do acórdão analisado para
que se conste o: “[...] reconhecimento da existência, no âmbito da reclamada, de
imposição de ócio humilhante à empregada[...]”. Neste caso, foi analisada a inatividade
do empregado a fim de lhe causar prejuízo de ordem extrapatrimonial, já que o
empregado se apresentava para o trabalho, mas não era demandada qualquer atividade
para que desenvolvesse.
Por derradeiro, a conduta identificada com maior recorrência foi a limitação do uso do
banheiro, estando presente em 15 (quinze) dos 27 (vinte e sete) acórdãos analisados com
a palavra-chave assédio moral e empresa Contax. Na análise realizada no item 4.2, essa
prática encontrada no método de gestão da empresa já foi analisada, o que não impede a
análise dos acórdãos identificados com a palavra-chave assédio moral e empresa
Contax, já que o presente estudo visa verificar se existe o amoldamento da
jurisprudência e da literatura, sobre o enquadramento do assédio moral organizacional.
Nesse sentido, após a análise preliminar dos acórdãos selecionados com a palavra-chave
assédio moral e empresa Contax, foram identificadas 7 (sete) práticas que geraram as
demandas na justiça do trabalho, conforme quadro 14.
111
Quadro 14 – análise dos acórdãos conforme roteiro apêndice 1, item 4.
Humilhação
Limitação do
tempo de
banheiro
Pressão Alteração do
Transporte
Ócio
humilhante Perseguição
Demissão
de gestante
AM-1
AM-7
AM-3; AM-4
AM-5; AM-6
AM-8; AM-10
AM-11; AM-12
AM-17; AM-18
AM-19; AM-20
AM-21; AM-23
AM-26
AM-8
AM-11
AM-13
AM-15
AM-27
AM -9
AM-22
AM-24 AM-2
AM-25
AM-14
AM-16
Fonte: Autor da pesquisa (2017)
Após realizada codificação e categorização dos acórdãos, será feita a análise dos dados,
conforme os elementos caracterizadores do assédio moral, nas respectivas espécies, a
partir da prática apurada no quadro 14.
4.3.1 Assédio moral. Análise e discussão dos acórdãos a partir das alegações postas
à análise do órgão julgador
Foram identificadas 7 (sete) práticas alegadamente executadas pela empresa Contax, as
quais foram responsáveis por 27 (vinte e sete) ações que pedem o reconhecimento da
conduta reprovável, com a consequente indenização aos autores das demandas. As
práticas analisadas a seguir serão: a) humilhação; b) pressão; c) alteração do transporte;
d) ócio humilhante; e) perseguição; f) demissão de gestante; g) limitação do tempo no
banheiro.
Explica-se que as práticas serão analisadas à luz dos elementos caracterizadores e
diferenciadores do assédio moral interpessoal e organizacional, conforme literatura
revisitada no referencial teórico e nas decisões pesquisadas. Tal esforço possui a
finalidade de verificar se o enquadramento levado a efeito pelo Tribunal Regional do
Trabalho da 6ª Região em seus acórdãos está em consonância com a literatura
pesquisada.
112
a) Humilhação
Nos acórdãos AM-1 e AM-7, foi identificado que os empregados ajuizaram as ações
trabalhistas buscando uma reparação por danos morais sofridos no curso do contrato de
trabalho. Observa-se que não ocorreu nos mencionados acórdãos o enquadramento dos
fatos apontados pelos trabalhadores como assédio moral organizacional, mas, sim, como
assédio moral, genericamente fundamentado no acórdão AM-1, enquanto que, no
acórdão AM-7, não foi reconhecida a prática de humilhação declarada pelo trabalhador.
Nos fatos consignados no acórdão AM-1, a empregada declarou que era submetida a
condições humilhantes de forma reiterada e prolongada, o que teria levado a mesma a
buscar tratamento psicológico, porque eram repetidas as ameaças de demissão efetuadas
por sua superior hierárquica.
No acórdão AM-1, ao fundamentar sua decisão, o órgão jurisdicional relatou que houve
violação aos direitos da personalidade do empregado, aplicando o artigo 5º, V e X, da
CF/88 e o artigo 186 do CCB. Explicou ainda que a empregada se desconstituiu de seu
ônus probatório ao apresentar testemunha que narrou com convicção os abusos
praticados por sua coordenadora, conforme se observa do trecho a seguir:
[...] que a reclamante tinha como chefe uma Sra. de nome Claudeci,
que tinha as funções de gerente, que o depoente não lidava muito com
essa pessoa; que entre outubro e novembro presenciou a Sra. Claudeci
chamar a reclamante e alguns atendentes em uma reunião e nesta
cobrou resultados e nesta usou palavras para com a reclamante, a
chamando de incompetente, indicando também que a reclamante era
uma atendente melhorada e que não estava apta ao cargo; que sempre
quando presenciava a Sra. Claudeci esta estava gritando com alguém;
que ele depoente nunca teve problema com a referida; que depois
presenciou a reclamante abalada, contudo a reclamante não denunciou
o fato a autoridades e continuou normalmente desempenhando suas
atividades; que a Sra. Claudeci costumava gritar mais com os
supervisores pois não lidava diretamente com os atendentes, sendo
esta ponte feita pelos supervisores; [...] que os fatos narrados em
relação à Sra. Claudeci foram presenciados pelo depoente; que a
reunião se deu no ambiente onde trabalhavam, depoente, supervisora e
também a gerente Claudeci e que deu para todos ouvirem, porque foi
uma reunião informal [...].
O órgão julgador, ao apurar as provas produzidas nos autos, considerou que restaram
identificados os elementos caracterizadores do assédio moral, pois a empregada foi
113
submetida a reiterados e prologados tratamentos humilhantes e vexatórios praticados
por uma preposta da empresa Contax.
Embora não tenha sido especificado no acórdão, através dos elementos revisitados no
referencial teórico, é possível delimitar que a conduta reconhecida enquadra-se no
assédio moral vertical descendente, já que foram praticados por superior hierárquico
imediato em desfavor de seu subordinado (MARTINS FILHO, 2016).
Através do trecho analisado acima, é possível se perceber que há a intencionalidade na
conduta do agente agressor, bem como a individualização da vítima, sendo a
humilhação a ela imposta uma prática déspota do superior hierárquico, com a finalidade
de diminuir a vítima como pessoa e como profissional, elementos característicos do
assédio moral interpessoal, pois “tem como objetivo a exclusão da vítima do mundo do
trabalho, discriminando-a perante o grupo” (ALVARENGA, 2012, p. 1).
Desta maneira, à luz da diferenciação realizada no quadro 5, é possível se inferir que o
reconhecimento da prática de humilhação, conforme realizado no AM-1, afina-se com o
direcionamento da literatura na direção do assédio moral interpessoal/perverso, pois não
se reveste a violência de caráter estrutural, e, por sua vez, não se relacionado
diretamente com a finalidade gerencial (GOSDAL et al., 2009; POHLMANN, 2014).
Além de reconhecer o padrão de conduta da referida preposta, o acórdão AM-1 deixou
transparecer que o tratamento dispensado à empregada era de conhecimento da empresa,
pois tais práticas deletérias eram levadas a efeito na presença dos demais empregados.
Diante dessas constatações, nota-se que a empresa adotou uma posição passiva quanto
às irregularidades perpetradas por sua preposta, pois, mesmo tendo conhecimento do
ocorrido, a empresa não tomou qualquer atitude para conter a atitude déspota de sua
preposta, pelo que se percebe nos dados do acórdão.
Conforme se observa no quadro 5, um dos principais elementos diferenciadores do
assédio moral interpessoal para o assédio moral organizacional é a forma de
participação da empresa (GOSDAL et al., 2009). Como visto, a empresa não tinha
participação ativa, mas se omitiu em coibir os abusos realizados pela preposta. A
omissão pode ser justificada por eventuais resultados imediatos decorrentes da prática
114
adotada pelo funcionário, que, embora não seja uma violência estrutural (GALTUNG,
1969), traz retornos positivos em curto prazo para empresa.
O acórdão AM-7 fez consignar duas práticas levada à análise do órgão julgador pela
empregada em grau de recurso, conforme se extrai do trecho a seguir:
[...] afirmação contida na vestibular de que a supervisora, "ao ver a
reclamante conversando com alguém, dizia que iria jogar milho, pois
estava uma 'galinhagem', na frente de todos" não se confirmou pela
declaração da testemunha de que "em relação à autora, a supervisora
fazia reclamação sem fundamento e chamava a atenção da mesma na
frente das demais, alterando o tom de voz [...]
Quanto à primeira prática, o acórdão AM-7 registrou que a trabalhadora não se
desconstituiu de seu ônus probatório, ou seja, a testemunha ouvida não confirmou que a
supervisora "ao ver a reclamante conversando com alguém, dizia que iria jogar milho,
pois estava uma 'galinhagem', na frente de todos". Portanto, não restou configurado o
tratamento humilhante, estando consequentemente ausente o fundamento para
condenação da empresa pela conduta alegadamente realizada.
Deve ser registrado, no entanto, que o fato de o empregado não conseguir comprovar
suas alegações não induz à conclusão de que a prática não existiu, mas tão somente que
a empresa não pode ser condenada quando não apresentadas provas inequívocas de sua
conduta ou de seus prepostos, sendo que, neste caso, o ônus da prova incumbe à parte
que alegar os fatos reprováveis (SCHIAVI, 2016), a teor do que dispõe o artigo 818 da
CLT e artigo 373, I, do Código de Processo Civil.
A segunda prática analisada no acórdão foi que: "[...]em relação à autora, a supervisora
fazia reclamação sem fundamento e chamava a atenção da mesma na frente das demais,
alterando o tom de voz [...]”. O órgão julgador entendeu estar dentro do poder
diretivo/disciplinar previsto no artigo 2º da CLT a faculdade de o empregador
repreender o empregado em decorrência de conversas paralelas, afirmando que apenas
por isso não se pode configurar o assédio moral propalado pela empregada.
Não foram identificadas no acórdão outras provas que possam ser analisadas visando à
verificação do assédio moral interpessoal, tendo-se em vista a individualização do alvo
e a personalização do agressor. Do cotejo realizado nas provas estampadas no acórdão
115
não foi possível aferir o grau de animosidade ou modus operandi com que a empregada
foi repreendida pelas conversas paralelas, de modo que a análise resta prejudicada,
assumindo-se a posição do órgão julgador.
O Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, conforme já adiantado, entendeu por
enquadrar a posição adotada pela preposta da empresa Contax como ato decorrente do
poder diretivo, mais especificamente disciplinar da empresa (DELGADO, 2011).
A decisão contida no acórdão AM-7 enquadrou a situação fática no que a literatura
aponta como imposição profissional (item 2.1.4) que, quando exercida dentro dos
limites do poder diretivo, não configura o assédio moral. Diferenciando as imposições
profissionais do assédio moral, Hirigoyen explica que:
O assédio moral é um abuso e não pode ser confundido com decisões
legítimas, que dizem respeito à organização do trabalho, como
transferências e mudanças de função, no caso de estarem de acordo
com o contrato de trabalho. Da mesma maneira, críticas construtivas e
avaliações sobre o trabalho executado, contanto que sejam
explicitadas, e não utilizadas com um propósito de represália, não
constituem assédio. É natural que todo trabalho apresente um grau de
imposição e dependência (HIRIGOYEN, 2006, p. 34).
Assim, sendo analisada de forma a agregar os ensinamentos de Delgado (2011) e
Hirigoyen (2006), através dos elementos existentes para análise no acórdão AM-7, é
possível se aferir que a empresa Contax não exorbitou do seu poder diretivo, bem como
a decisão se perfilhou com a literatura que trata sobre a matéria.
Por sua vez, à luz do que expõe a literatura revisitada no referencial teórico e do teor do
artigo 2º da CLT, é possível observar que no acórdão AM-1 o órgão julgador poderia ter
avançado para identificar a espécie de assédio moral interpessoal, possibilitando maior
clareza à empresa Contax na identificação do ponto a ser corrigido, o que viabilizaria a
existência de recorrência, e, consequentemente, isso evitaria a existência de novas
condenações, além de proporcionar um ambiente de trabalho mais saudável e harmônico
para os empregados, não apenas do ponto de vista físico, mas também psicológico ou
subjetivo (COUTINHO, 2013).
116
b) Pressão
A segunda prática identificada nos acórdãos do quadro 14 foi a alegada pressão exercida
em desfavor dos empregados da empresa Contax. Essa prática foi apreciada pelo TRT6
em 5 (cinco) dos 27 (vinte e sete) acórdãos selecionados através da palavra-chave
assédio moral e empresa Contax.
Na análise dos acórdãos AM-8, AM-11, AM-13, AM-15 e AM-27, observa-se que não
houve o reconhecimento da alegada pressão como sendo causadora de assédio moral ou
mesmo assédio moral organizacional.
Como já observado em casos anteriores, o ônus de provar o assédio moral alegado é do
trabalhador (artigo 818 da CLT e artigo 373, I, do CPC), que, por vezes, produz a prova
de forma insuficiente, inespecífica ao que havia descrito em seu pedido inicial. No
acórdão AM-13, é possível observar a contradição entre as alegações constantes que
fundamentam o pedido e as declarações realizadas no depoimento pessoal da autora,
como pode se observar dos trechos abaixo:
Ao depor em Juízo a reclamante disse: "que tinha uma relação cordial
com seu superior hierárquico, apenas estranhava a pressão, pois o
mesmo entrava na ligação quando ela não estava conseguindo concluir
a venda; que a meta era efetivamente vender. (AM-13).
Nota-se que a alegação inicial e o depoimento pessoal da empregada estão desconexos,
não havendo possibilidade de o órgão julgador adentrar no mérito das questões levadas
ao seu conhecimento, sem que exista uma correlação entre as alegações e seu próprio
depoimento. O que se extrai da declaração da empregada é que esta possuía “uma
relação cordial com seu superior hierárquico (AM-13)”.
Por sua vez, o acórdão AM-15 analisou pedido de um trabalhador fundamentado na
pressão supostamente exercida pela empresa para o atingimento de metas praticamente
inatingíveis, alegando que em razão disso sofria ameaça de demissão por justa causa a
todo o momento. No entanto, a decisão do TRT6 foi no sentido de manter a
improcedência da ação, pois, embora tenha produzido as provas, estas não eram
passíveis de fundamentar o reconhecimento do assédio moral, ou seja, "[...] em não
tendo a obreira conseguido se desincumbir de tal ônus processual, não há indenização
alguma a deferir (AM-15) [...]”. Por tal razão, a análise dos elementos caracterizadores
117
do assédio moral resta prejudicada, tanto no caso do acórdão AM-13, quanto no acórdão
AM-15.
Os resultados dos acórdãos AM-8, AM-11 e AM-27, em semelhança aos demais,
também não reconheceram o assédio moral. Contudo, entende-se que tais decisões
devem ser analisadas com base nos dados nelas constantes. O acórdão AM-8 analisa a
postulação de um empregado que pretende que seja reconhecida a cobrança excessiva
para o atingimento de metas, inclusive com a aferição do tempo médio de atendimento.
No mencionado acórdão, o órgão julgador cuidou de transcrever a prova oral que
utilizou como meio de convencimento para proferir sua decisão, que se reproduz a
seguir:
Quanto à cobrança excessiva, a própria testemunha obreira declarou
"que possuía cobranças de metas;" (...) "que as metas eram
estabelecidas pelo tempo de atendimento, medidas diariamente; que
no início e no final do mês, o movimento era maior, de forma que
conseguia bater a meta em 2 dias da semana e no meio do mês, 4
vezes na semana; que na segunda feira ninguém consegue bater as
metas; que a cobrança era insistente e intensa mas não era
desrespeitosa; (AM-8).
O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região ponderou que a cobrança por metas no
caso transcrito acima faz parte do poder diretivo do empregador, já que os objetivos não
se mostraram inatingíveis, humilhantes ou discriminatórios.
O acórdão AM-11 apresenta situação fática semelhante ao caso anterior, pois neste a
empregada assinala a existência de pressão para o cumprimento de metas, chegando a
fazer uso de medicamentos controlados em função de crises de ansiedade e síndrome do
pânico agravadas pelo ambiente organizacional. Dentre outros trechos de depoimento
constante na fundamentação do acórdão, transcreve-se o seguinte:
que não tem conhecimento da reclamante ter tido algum problema
com algum supervisor específico, como discussão; que os atendentes
tinham metas; que havia cobrança dessas metas; que a reclamante
sofria as mesmas cobranças que os outros operadores em situação
idêntica a dela; que os operadores que não atingiam as metas e que
excediam nas pausas pessoais eram mais cobrados; que não
presenciou nenhuma situação em que a reclamante tenha sido
constrangida ou humilhada por algum supervisor; (Testemunha Lucas
Capistrano dos Santos) (AM-11).
118
Neste acórdão o órgão julgador consignou em seus termos que não houve cobranças
excessivas em relação exclusivamente à reclamante, mas que a prova testemunhal
produzida demonstrou que havia a cobrança de metas em igual patamar para todos os
trabalhadores.
A pressão para atingimento de metas afigura-se como algo recorrente nas empresas de
telemarketing, como se verifica nas transcrições dos depoimentos acima. No caso do
acórdão AM-27, percebe-se que o assédio moral foi imputado como conduta de uma
determinada preposta. Para fundamentar sua decisão, o órgão jurisdicional transcreveu
parte do depoimento de uma testemunha, omitindo apenas as palavras de baixo calão,
conforme segue:
[...] que ela era "estúpida"; que falava palavrões e coagia as
atendentes; que ela ficava dizendo coisas do tipo: "tem que vender, se
não vender é rua", "tô muito estressada, ora (...)", que esta última
menção vinha quando as operadoras não estavam conseguindo
cumprir as metas estabelecidas; porque eram cinco seguros que cada
pessoa tinha que vender por dia; que a meta mudava; que Marta ficava
desferindo as palavras antes mencionadas às pessoas que lá estivessem
de modo geral, todos da equipe, mas não se dirigia a uma pessoa
especificamente; que a reclamante também fazia vendas, igual à
depoente; que como a reclamante não conseguia vender muito a
transferiram de função e ela passou para agente de cobrança (AM-27)
Fundamentando o acórdão AM-27, o TRT6 discorreu que a pressão para o atingimento
das metas é generalizada, em níveis razoáveis e aferida mensalmente. Afirmou que
meros aborrecimentos e dissabores, referindo-se aos fatos transcritos acima, não se
configuram como dano indenizável, e que, por tal motivo, negou o enquadramento das
práticas como assédio moral.
A pressão para o cumprimento de metas foi reconhecida nos acórdãos AM-8, AM-11 e
AM-27, embora não tenha sido enquadrada como assédio em qualquer de suas espécies.
Em apertada síntese, o acórdão AM-8 entendeu que a prática expressa o poder diretivo
do empregador, enquanto o acórdão AM-11 ressaltou que não houve cobranças
excessivas em relação exclusivamente à reclamante (individualização do alvo), e, por
derradeiro, o acórdão AM-27 ressaltou a ausência de individualização do alvo e a
inexistência de metas desarrazoadas.
Na literatura não há especificação do quanto de metas seria razoável ou não para
imposição aos empregados, obviamente em razão da infinidade de empresas, atividades
119
e situações que esses fatos podem desencadear. A razoabilidade é utilizada como fiel de
uma balança que tem como maior característica a convicção do julgador. Notadamente,
nos acórdãos analisados, a prática foi observada à luz do poder diretivo do empregador
e da ausência de individualização do alvo.
Nesse sentido, infere-se que as decisões analisadas não estão afinadas com o que expõe
a literatura especializada, pois, segundo Soboll e Horst (2015), as organizações visam
atingir seus resultados de forma eficaz e podem utilizar práticas de gestão que findem
por degradar o ambiente laboral, conforme se pode extrair dos trechos já transcritos.
Nota-se que a estratégia de cobrar a execução dos trabalhos por meio da imposição de
metas, via de regra, acima das possibilidades dos empregados faz parte da estrutura da
própria organização. Portanto, a prática analisada se traduz com uma violência
estrutural, que pode ou não ser intersubjetivada pelo trabalhador. Essa prática tem nítida
finalidade gerencial, pois visa incontroversamente ao aumento da produção,
enquadrando-se nos elementos elencados por Pohlmann (2014).
Soboll (2008) pontuou que as organizações aplicam práticas perniciosas e abusivas com
a finalidade de atingir os objetivos organizacionais, quando passam a aplicar a gestão
por injúria, a gestão por estresse e a gestão por medo. Pode-se extrair da explicação da
autora que uma prática não afasta a incidência da outra, ou seja, podem estar presentes
duas ou mais condutas que ocasionem a degradação do meio ambiente do trabalho.
Explicam Soboll e Horst (2015) que gestões por medo, por estresse e por injúria são
expressões do assédio moral organizacional. Dito de outra maneira, estas são estratégias
utilizadas para que as empresas atinjam seus objetivos.
Nos dados analisados é possível observar que estão presentes os elementos apontados
por Soboll (2008) no que se referem às práticas relacionadas à gestão por estresse, pois
estão relacionadas à imposição de metas acima das capacidades dos empregados. O
acórdão AM-8 demonstra que em parte do mês a meta era batida em apenas dois dias
por semana, que na segunda-feira ninguém conseguia batê-la, mas que só no meio do
mês a meta era atingida.
120
Diante da informação analisada, vê-se que na maior parte do mês os empregados
estavam submetidos a metas superiores às suas forças, mediante cobranças intensas e
insistentes. Observe-se ainda que o fato de tais cobranças não serem desrespeitosas não
importa necessariamente em dizer que os empregados não sofreram o assédio moral
organizacional, isto porque as sensações de impotência e de derrota diárias, somadas às
cobranças persistentes, rotineiras e intensas, possuem o poder de degradar o ambiente de
trabalho e destruir a saúde dos trabalhadores.
Essa situação fática é semelhantemente verificada no acórdão AM-11, que acrescenta
apenas que a empregada não sofreu investida exclusiva e humilhante contra sua pessoa,
na medida que todas as metas foram cobradas igualmente aos empregados submetidos à
mesma situação. Percebe-se de plano que o requisito diferenciador do assédio moral
interpessoal e do organizacional exsurgem da narrativa, pois não há a individualização
do alvo (ver quadro 5), sendo todos submetidos às mesmas práticas de gestão
(GOSDAL et al., 2009).
Por sua vez, o acórdão AM-27 apresenta mais dados a serem analisados de forma
conjunta, a fim de se entender a prática de cobrança de metas na empresa Contax. Neste
acórdão, foi destacada a conduta de uma preposta que agia de forma ostensiva na
cobrança de todos os empregados, subjugando-os e humilhando-os, com a utilização de
palavras de baixo calão, o que se amolda ao conceito de gestão por injúria (SOBOLL,
2008), na medida que houve a violação da dignidade e honra dos empregados.
Embora não se possa negar a conduta reprovável da preposta a que foram atribuídos os
abusos sofridos pela empregada, não se pode afastar o fato de que a empresa possui um
rigoroso sistema de metas com cobranças intensas e insistentes (sic AMO-8), sendo
possível identificar que a atitude déspota da autora a condiciona a uma mera peça da
complexa engrenagem organizacional que subjuga e humilha os empregados. Pohlmann
(2014) ressalta o fato de que os gestores por vezes sofrem com as mesmas condutas e
acabam por submeter seus subordinados, alertando para o indício da ocorrência do
assédio moral organizacional, nos seguintes termos:
O aparecimento de múltiplas demandas semelhantes com causa de
pedir, assédio moral, perante o poder judiciário não pode ser
considerado coincidência, ao que se conclui que quando assim ocorre
121
acaba por camuflar a existência do assédio moral organizacional
(POHLMANN, 2014, p. 69).
Ainda analisando o acórdão AM-27, pode-se inferir que era implantado o método de
gestão por medo (SOBOLL, 2008), como se extrai da expressão "tem que vender, se
não vender é rua (AM-27)", explicitamente declarada pela preposta da empresa Contax,
fazendo alusão à consequência para aqueles trabalhadores que não atingissem a meta
estipulada pela empresa.
A empregada chegou a ser punida por não conseguir atingir as metas estipuladas,
conforme se extrai do trecho do acórdão AM-27: “que como a reclamante não
conseguia vender muito a transferiram de função e ela passou para agente de cobrança”.
Essa estratégia de gestão é também referenciada por Pohlmann (2014, p. 69), nos
seguintes termos:
Promove-se a exclusão de alguns para garantir o engajamento dos
remanescentes. Importante destacar que os trabalhadores excluídos
nem sempre são punidos por faltas graves, mas por necessidade de se
incutir o medo, o que em curto prazo aumenta a produtividade.
Infere-se das estratégias e práticas analisadas acima, que a organização não possui
necessariamente a intencionalidade de prejudicar o empregado. Contudo, assume
claramente a possibilidade de ocasionar a degradação do ambiente laboral, bem como
causar o adoecimento dos empregados pela implementação da prática de pressão para o
atingimento das metas, ou seja, buscar o resultado esperado com a eficiência desejada.
Por tais razões, caso os órgãos julgadores tivessem analisado os fatos apresentados à luz
da literatura revisitada no referencial teórico deste estudo, os resultados das decisões
poderiam ter reconhecido a existência do assédio moral organizacional e facultado à
empresa a percepção de que a prática adotada pode estar ocasionando a degradação do
ambiente de trabalho e o adoecimento de seus empregados.
c) Alteração do transporte
Os acórdãos AM-9 e AM-22 versam sobre a alteração no transporte concedido pela
empresa Contax aos seus empregados que terminam a jornada no horário da madrugada.
122
Em ambos os acórdãos, as trabalhadoras mencionam que inicialmente a empresa se
comprometeu a deixá-las na porta de suas residências, quando eram disponibilizadas
vans para o deslocamento trabalho-casa. Por volta de três meses após o início do pacto
laboral, a empresa Contax contratou novo prestador de serviços de transporte, que
passou a realizar as rotas fazendo uso de ônibus, e, por essa razão, passaram a deixar as
empregadas nas avenidas principais, já que nas ruas em que residem é inviabilizado o
acesso de ônibus, por serem demasiadamente estreitas. Em razão disso, as empregadas
tinham que terminar o trajeto caminhando, fato que ocasionava medo e insegurança em
função dos riscos a que estavam sujeitas.
Embora as situações narradas sejam idênticas, o resultado dos processos foi
diametralmente oposto, pois no AM-9 o pedido do empregado foi improvido, enquanto
que no AM-22 o órgão julgador manteve a sentença monocrática de procedência do
pedido indenizatório.
No acórdão AM-9, o órgão julgador cuidou de transcrever o trecho do depoimento da
empregada e analisou o contexto em que a empresa passou a deixá-la não mais na porta
de sua residência, mas na avenida principal, conforme se verifica no depoimento
destacado a seguir:
que o horário de trabalho da Depoente era das 19h às 2h da manhã;
que o correto, em relação ao transporte fornecido pela empresa para
conduzir o empregado de volta para casa, é que ele estivesse
disponível às 2h10 da manhã, porém, em virtude de atrasos, e porque
o veículo percorria muitos bairros, a Depoente chegava em casa às
3h30/4h normalmente; que praticamente, chegava em casa neste
horário todos os dias da semana, porque, quando não era atraso, era a
superlotação do veículo; que a princípio, o veículo que fazia o
transporte era uma van, que deixava a Depoente na porta de sua casa;
que 3 meses após, a empresa alegou que houve mudança na
terceirizada que fazia o transporte, de forma que as vans foram
substituídas por ônibus; que como a rua em que fica a casa da
Depoente é muito estreita, não havia como o ônibus entrar; que por
conta disso, a Depoente descia do ônibus na avenida que dava acesso
à rua da sua casa; que a Depoente era a única que descia neste local;
que descia do ônibus às 3h30 da manhã e tinha que andar a pé até sua
casa; que em média, andava cerca de 3 a 5 min para chegar até a sua
casa; que neste horário, a rua estava deserta e, como havia muitas
firmas, o local era cheio de muro (AM-9);
A decisão constante no acórdão AMO-9 funda-se na inexistência de conduta dolosa ou
culposa da empresa na situação fática analisada, pois, em que pese a violência ser uma
123
realidade no cenário nacional, a empregadora não pode ser responsabilizada pelo
sentimento de insegurança que assola o país.
Em sentido oposto, o acórdão AM-22 deferiu o pleito indenizatório da trabalhadora,
pois considerou que a empresa submeteu a empregada a condição de pavor, medo e
desconforto, entre outros, o que faz caracterizar a existência da dor moral alegada no
pedido inicial, sendo por esse motivo indenizável, conforme se observa no trecho a
seguir transcrito:
a condição de pavor, medo, desconforto, o receio de violência a que
foi submetida a reclamante, em especial, por ser mulher, diariamente,
quando era deixada, pela empresa, sozinha, em local ermo e deserto,
altas horas da madrugada, com risco perene de assalto, sequestro e/ou
estupro, fato público e notório, divulgado, diuturnamente nos mais
variados meios de comunicação. Esse agir da empresa caracteriza,
sem sombra de dúvida, o dano moral denunciado pela recorrida (AM-
22).
Nota-se que a alteração do contrato ocorreu em ato único, que se protraiu no tempo, mas
sem a característica de intencionalmente prejudicar o empregado. Vê-se também que os
conteúdos decisórios de ambos os acórdãos estão eivados de convicções particulares de
cada órgão julgador, na medida em que foram postos à apreciação fatos semelhantes e
na mesma empresa, mas com resultados diametralmente opostos. Registre-se que tais
divergências não fazem parte do objetivo deste estudo, pois busca-se verificar a
existência dos elementos caracterizadores do assédio moral e suas espécies e seu
enquadramento à luz da literatura especializada no assunto.
Nos acórdãos AM-9 e AM-22, não se observou igualmente a presença da conduta
negativa, pois em regra a empresa não tem o dever legal de fornecer o transporte
particular para seus funcionários, e quando realizado não tem obrigação de deixar o
empregado na porta de sua residência. Observa-se que a alteração da empresa
terceirizada foi uma decisão institucional para todos os empregados, e que, em função
do equipamento (ônibus) utilizado, não era possível chegar à porta da empregada, que
reside em rua estreita, e apenas por esse motivo não se permaneceu inalterado o
procedimento adotado por mera liberalidade da empresa.
Nota-se que nos acórdãos analisados não se identifica a intencionalidade de prejudicar o
empregado, tampouco existe caráter estrutural de violência ou finalidade gerencial nesta
alteração do transporte disponibilizado à empregada. Igualmente, não pode ser
124
identificado um processo sistemático de hostilização, embora não se possa negar que a
alteração do contrato com a empresa terceirizada de transporte ocasionou uma sensação
de estresse que foi experimentado diariamente.
A situação fática analisada remete o leitor ao item 2.1.3 deste estudo, para observar
diferenciação do assédio moral da situação de estresse, apontada por Pamplona Filho e
Barros (2013, p. 10) ao ensinarem que o “estresse por si só não configura o assédio
moral, afinal não há qualquer dos elementos caracterizadores evidenciados”. Hirigoyen
(2006, p. 20) sintetiza ao explicar que “o assédio é muito mais do que o estresse, mesmo
que ele passe por uma fase de estresse. [...] O estresse só se torna destruidor pelo
excesso, mas o assédio é destruidor por si só”.
Importa ressaltar que o fato analisado não se configura como gestão por estresse
(SOBOLL, 2008), em razão da ausência dos elementos caracterizadores do assédio
moral organizacional, conforme destacado no quadro 4, mas se evidencia como estresse
decorrente do medo da violência que assola a nação, caracterizado pelo órgão julgador
do acórdão AM-22, como capaz de atingir o patrimônio extrapatrimonial da empregada,
e, em decorrência disso, determinou a indenização por dano moral, sem caracterizar
acertadamente como assédio moral de qualquer espécie.
Nesse sentido, entende-se que as decisões dos órgãos julgadores nos acórdãos AM-9 e
AM-22 estão em consonância com a literatura, pois não enquadram a conduta levada à
apreciação do judiciário como assédio moral em qualquer de suas espécies.
d) Ócio humilhante
O acórdão AM-24 reconheceu a existência da conduta negativa da empresa Contax em
determinar a inatividade da empregada durante sua jornada laboral, de modo que esta
batia o ponto regulamente e ficava sentada sem que o empregador lhe demandasse
qualquer atividade, enquadrando a prática com assédio moral sem especificação da
espécie.
O contrato de trabalho é sinalagmático na sua essência, pois o empregado entrega sua
força produtiva em troca de determinada paga (NASCIMENTO, 2011). Por essa razão,
o empregador não pode fazer com que seu empregado, por castigo, fique sem demanda
125
de trabalho, enquanto os demais trabalhadores desenvolvem regularmente suas
atividades. Essa foi exatamente a alegação da empregada, devidamente comprovada
conforme se evidência do trecho do acórdão AM-24 a seguir:
[...] que mantinha contato com a Reclamante diariamente; que
depoente e Reclamante se reportavam aos supervisores; que a
depoente presenciou certa vez que a supervisora Sheila chamou a
atenção da Reclamante em razão de um tratamento descortês com um
cliente; que após isso a Reclamante foi excluída do trabalho de
auditoria; que após esse ocorrido a Reclamante ficava sentada na
cadeira sem desempenhar qualquer tarefa, por ordem da supervisora
Sheila; que em razão do volume de serviço alguns operadores
chegavam a solicitar que a Reclamante auditasse, mas a supervisora
não permitia e a Reclamante ficava sem nada a fazer; que acredita a
depoente que a Reclamante permaneceu cerca de 08/09 dias sem nada
a fazer, sentada na cadeira; que posteriormente a Reclamante retornou
ao serviço de auditagem; que não se recorda quando isso ocorreu; que
todos na empresa sabiam que a Reclamante ficou sem desempenhar
suas funções nesses dias em razão da advertência por parte da
supervisora Sheila, como já informado; que a supervisora Sheila era
funcionária da CONTAX; que os demais supervisores, inclusive o Sr.
Luiz, eram funcionários da CONTAX". (ID b2f03ba)
Nota-se que a prática do ócio é negativa, humilhante e degradante ao ambiente de
trabalho, pois se equivale a uma espécie de represália ao empregado. Essa prática é
recorrentemente apreciada pela justiça do trabalho e pela doutrina, sendo inclusive
caracterizada como falta grave cometida pelo empregador que pode levar ao desenlace
contratual em decorrência da quebra da característica essencial ao contrato de trabalho,
estando presente a conduta negativa. Nesse sentido, Martins (2014, p. 20) esclarece que:
Tem o empregador obrigação de proporcionar trabalho ao empregado
na vigência do contrato de trabalho. O empregado não pode ficar num
local ou sala sem nada fazer durante o dia inteiro. Se o empregador
não proporciona trabalho ao empregado, este tem o direito de pedir a
rescisão do contrato de trabalho, pois o primeiro não está cumprindo
as obrigações do pacto. O empregado tem obrigação de prestar
serviços.
Através do depoimento transcrito, é possível se identificar que há a existência do
assédio moral interpessoal ou perverso, de acordo com os elementos traçados por
Hirigoyen (2010). Nesse sentido, o assédio moral perverso está presente na conduta
negativa, que no caso analisado está identificado na prática do ócio humilhante.
Ressalte-se também que houve repetição ou processo sistemático de hostilização, já que
as práticas ocorreram diariamente e de forma sistemática, impedindo a atividade da
126
empregada com a intenção de prejudica-la exclusivamente, estando presentes os
elementos da individualização da vítima e da violação dos direitos do empregado,
tornando o ambiente de trabalho degradado.
O assédio moral organizacional não se amolda ao caso em análise, pois é possível
observar a ausência da finalidade gerencial e da violência estrutural, além do que o
processo de assédio moral perverso evidenciado no acórdão AM-24 decorreu de uma
relação interpessoal entre a supervisora e sua subordinada, restando ausentes os
elementos para caraterização da espécie organizacional. No entanto, percebe-se que o
órgão julgador poderia ter avançado no enquadramento da espécie interpessoal ao invés
de concluir sua decisão reconhecendo apenas o assédio moral.
e) Perseguição
A prática da perseguição, conforme quadro 5, é um dos elementos que se aponta como
diferenciador entre as espécies do assédio moral interpessoal e assédio moral
organizacional, pois para que se inicie o processo de hostilização por perseguição o
assediador terá necessariamente que individualizar a(s) vítima(s). No entanto, deve-se
anotar que nada impede que o empregado que esteja sendo alvo de um assédio moral
interpessoal não possa sofrer igualmente com o assédio moral da espécie
organizacional, já que ambas as espécies possuem elementos de diferenciação
estabelecidos e podem ocorrer concomitantemente. Por essa razão, se faz relevante
analisar os elementos de convicção do órgão julgador, a fim de possibilitar o
enquadramento ou não da prática nas espécies de assédio moral.
Nos acórdãos AM-2 e AM-25, as empregadas alegam ter sofrido com perseguições de
prepostos da empresa Contax. No acórdão AM-2, a situação fática levada à apreciação
do órgão julgador remete à perseguição operada para que a empregada fosse forçada a
pedir demissão, o que findou por ocorrer. Já no acórdão AM-25, a empregada aduz que
sofria com perseguição de seu superior hierárquico, que lhe aplicava punições sem justo
motivo, como se extrai das narrativas dos acórdãos a seguir destacados:
o autor informou, em síntese, que apresentou pedido de demissão do
emprego contra a sua vontade, em virtude do assédio moral
promovido contra ele por seu superior hierárquico (coordenador). Em
vista disso, pediu a reversão da rescisão contratual "a pedido" para
127
"demissão imotivada" e o consequente pagamento das verbas
rescisórias devidas, além de indenização por danos morais. (AM-2)
[...] a atitude discriminatória indicada na exordial, no sentido de que
sofria perseguição por parte da supervisora, que lhe aplicava punições
sem justo motivo. (AM-25).
No caso em exame, caberia às empregadas apresentarem provas da perseguição que
findou por motivá-las a pedir dispensa do emprego, no caso do acórdão AM-2, ou
mesmo que havia discriminação por parte do preposto da empresa, no sentido de lhe
aplicar punições injustificadas, no caso do acórdão AM-25, a teor do que dispõe o artigo
373, I, do Código de Processo Civil e artigo 818 da CLT, já que se trata de fatos
constitutivos de seus respectivos direitos. Contudo, as empregadas produziram apenas
provas frágeis, que não foram hábeis a desonerá-las de seus encargos probatórios, na
medida que, conforme se denota do trecho do acórdão AM-2, em depoimento, a
testemunha ouvida a convite da empregada não soube precisar com clareza as
perseguições alardeadas na sua peça inicial, como é possível inferir do trecho a seguir
transcrito:
Com efeito, a única testemunha ouvida em audiência (ata de ID
1772487), trazida pelo autor, apesar de haver trabalhado com ele, não
estava subordinada ao mesmo coordenador e apenas tinha
conhecimento dos supostos atos de perseguição pela narrativa do
próprio reclamante [...] (AM-2)
Em igual sentido, as alegações suscitadas pela empregada e analisadas no acórdão AM-
25, não foram suficientes para caracterizar a perseguição denunciada, conforme
fundamentado no trecho extraído do acordão a seguir: “Na espécie, as declarações da
testemunha por ela trazida não se revelaram suficientes a caracterizar a atitude
discriminatória indicada na exordial [...] (AM-25)”. Importa ressaltar que as declarações
da testemunha não foram transcritas para o acórdão, o que inviabiliza a análise da
conclusão a que se chegou.
A insuficiência de provas exsurge novamente como empecilho ao direito postulado
pelos trabalhadores, pois: “A finalidade da prova é formar a convicção do juiz sobre os
fatos relevantes e pertinentes da causa (SCHIAVI, 2016, p. 3).” Nesse sentido, à mingua
de elementos das práticas operacionalizadas pelos prepostos da empresa Contax, as
análises aprofundadas dos acórdãos ficam prejudicadas.
128
Ressalte-se, por fim, que a individualização do alvo e a inexistência da característica
estrutural, conforme diferenciação exposta no quadro 5 elaborado por Gosdal e outros
(2009), e superficialmente apurada através dos elementos extraídos dos trechos acima
destacados, afastam o enquadramento da espécie do assédio moral organizacional. Por
essa razão, ainda que os depoimentos tenham se demonstrado inservíveis do ponto de
vista processual, pode-se inferir que a conduta analisada não poderia ser enquadrada
como assédio moral organizacional, mas, se fossem realmente comprovados,
poderíamos estar perante casos de assédio moral interpessoal.
f) Demissão de gestantes
Os acórdãos AM-14 e AM-16 analisaram uma mesma situação fática, qual seja, a
demissão de empregadas gestantes. Em ambos os casos, a empresa Contax foi
condenada a indenizar pelo dano de natureza extrapatrimonial devidamente comprovado
nos processos, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Contudo, deve-se registrar que os fundamentos dos acórdãos foram diferentes, pois no
acórdão AM-14 a indenização foi deferida pela ocorrência do assédio moral. Nestes
autos, a empregada comprovou que foi levada a despedir-se, ou seja, a trabalhadora
demonstrou que elaborou a carta de demissão, abrindo mão de seus direitos trabalhistas,
e principalmente de sua estabilidade provisória assegurada pelo artigo 10, II, b do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, tudo em razão do assédio moral praticado
contra ela por uma superior hierárquica.
Os fatos restaram registrados no acórdão AM-14, pois o órgão julgador cuidou de
transcrever o depoimento da testemunha que corroborou as alegações suscitadas na
reclamação trabalhista, conforme pode ser observado no trecho a seguir:
que vários funcionários, inclusive a depoente, já ouviram quando a
supervisora Maili dizia que a reclamante tinha que pedir demissão,
senão seria desligada por justa causa; que a supervisora "batia de
frente" com a reclamante porque a mesma apresentava atestados em
razão de estar grávida; que a depoente escutou as ameaças da Sra.
Maili diversas vezes; que a reclamante acabou por ter que pedir
demissão em razão dessa situação (AM-14).
129
Diante das provas existentes nos autos, o órgão julgador entendeu por reconhecer o
assédio moral e, consequentemente, determinou a reversão da espécie demissionária
para demissão sem justa causa, com indenização pelo período da estabilidade provisória
e indenização pelo dano extrapatrimonial já mencionado.
A prática analisada foi observada no trabalho de Fernandez e Nava (2010) ao
concluírem que o assédio moral no trabalho está vinculado ao processo depreciativo,
agressivo, sistematicamente realizado, através de humilhações e desrespeito à dignidade
do trabalhador, de modo a minar a integridade psicológica deste, com a propósito de
fazer com que o empregado se despeça por ato de aparente vontade, o que se enquadra
perfeitamente na prática analisada no acórdão AM-14.
No caso analisado no acórdão AM-16, a empregada gestante foi demitida por justa
causa, afastando por via de consequência a garantia provisória de emprego prevista no
artigo 10, II, b do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A sentença de
primeiro grau reconheceu a existência de assédio moral, pois entendeu que a justa causa
não foi devidamente aplicada, o que levou à aplicação de uma penalidade injusta à
reclamante, que se encontrava gestante, com o agravante dos problemas de saúde
comprovados nos autos, sendo ambos de conhecimento do empregador, que, mesmo a
despeito da condição da empregada, decidiu por dispensá-la por justa causa.
O órgão julgador entendeu por registrar no acórdão AM-16 o trecho do depoimento da
prova testemunhal produzida pela empresa, consignando que:
trabalha na Ré há cerca de três (3) anos e que foi supervisor da
Reclamante a qual faltava com constância e dizia que estava com crise
de ansiedade, tendo em alguns momentos apresentado atestados a esse
respeito, mas em outros não; e já viu a Reclamante sair antes do
horário chorando e muito afetada, e que teria faltado no dia seguinte,
apresentando mesmo aparência de doença psicológica; e que soube
que a Reclamante perdeu um bebê e que quando a Reclamante foi
demitida agora há pouco já se sabia que ela estava grávida
novamente.(Id df67934 - Pág. 1) (AM-16)
Diante das provas produzidas nos autos, o TRT6 entendeu por rever a decisão
monocrática, tendo em vista que o fato não se revestiu dos elementos do assédio moral,
conforme decidido em primeiro grau de jurisdição, mas apenas deferiu o pagamento da
indenização por danos morais, exclusivamente, “em face da dispensa arbitrária da
130
reclamante no momento de extrema fragilidade em que se encontrava (AM-16)”.
Reitere-se que a indenização deferida tem como causa um ato isolado ocasionado por
conduta deliberada da empresa Contax, qual seja, demissão arbitrária da trabalhadora
enquanto incontroversamente quedava-se enferma e grávida.
À luz da literatura apresentada no referencial teórico, é possível inferir que a gestante
pode estar incluída como alvo tanto do assédio moral interpessoal, quanto na espécie
organizacional, quando apoiado na discriminação, conforme se extrai do quadro 5,
elaborado por Gosdal e outros (2009). No entanto, diferencia-se o assédio moral
interpessoal do organizacional quando a discriminação da gestante ocorre através da
perseguição pessoal de colegas ou prepostos (interpessoal) e na discriminação arraigada
na política de gestão da empresa relacionada aos empregados que fazem parte de um
determinado grupo (organizacional).
Dessa maneira, no acórdão AM-14, é possível perceber que se trata de discriminação de
ordem interpessoal, desferida pela preposta em desfavor de sua subordinada gestante,
pois restou registrada no acórdão a prova de “que a supervisora „batia de frente‟ com a
reclamante, porque a mesma apresentava atestados em razão de estar grávida (AM-14)”.
Registre-se, contudo, que não há prova nos autos de que a posição adotada pela preposta
fosse igualmente aplicada às demais empregadas na mesma situação, e por essa razão
sugere-se o enquadramento do elemento caracterizador do assédio moral interpessoal, o
alvo (ver quadro 5).
A conduta é notadamente negativa e ostensiva, pois o tratamento dispensado pela
preposta denota prática degradante através das ameaças desferidas em desfavor da
empregada, o que é potencializado principalmente pelo fato de estar grávida. A conduta
da preposta se perfilha com o que literatura (GOSDAL et al., 2009) descreve como
processo sistemático de hostilização, pois se protrai no tempo de forma repetida e
sistematizada, com a finalidade de forçar a empregada a despedir-se, restando
evidenciada a intencionalidade sádica de prejudicar o trabalhador em razão de sua
gestação.
No entanto, deve-se observar que não houve o perfeito perfilhamento do acórdão AM-
14 com a literatura utilizada, pois deixou de se especificar a espécie do assédio moral
131
interpessoal, o que forneceria à empresa a real extensão e profundidade das práticas
adotadas por uma de suas prepostas, e com isso poderia adotar métodos de controle e
correção para que fatos iguais aos analisados não voltassem a ocorrer.
Por sua vez, no acórdão AM-16, o órgão julgador entendeu que não houve a
caracterização do assédio moral, pois o sofrimento, a dor e a sensação de tristeza que
assolaram a empregada decorreram do ato demissional, ou seja, a agressão foi pontual e
única. Dito de outra maneira, percebe-se que não há um processo sistemático de
hostilização. Por outro lado, não se pode deixar de observar que a conduta negativa da
empresa Contax foi levada a efeito quando a empregada estava gestante, e, portanto,
albergada pela garantia provisória de emprego, que foi relativizada em função da
aplicação da demissão por justo motivo (artigo 482 da CLT).
Hirigoyen (2006, p. 30) distingue o assédio moral das agressões pontuais e ressalta: “O
termo assédio moral não é o ideal para qualificar uma atitude agressiva pontual do
empregador, mesmo que a agressão tenha provocado consequências especialmente
graves para a vítima”. Deve ser ressaltado que o fato de a agressão pontual não ser
considerada como assédio moral não afasta a possibilidade de reparação pelos danos
causados à vítima da conduta hostil, pois, embora não tenha sido premeditada e seja
possivelmente fruto de um ato de impulsividade do agressor, causou dor e humilhação,
ferindo um bem inafastável do trabalhador, a moral, sendo dessa maneira reparável
juridicamente. Portanto a decisão constante do acórdão AM-16 está afinada com a
literatura estudada.
g) Limitação do uso do banheiro
Essa prática foi igualmente identificada quando da análise dos acórdãos que foram
selecionados com as palavras-chave assédio moral organizacional e empresa Contax,
conforme se observa do tópico 4.2.1, item “a”. Na primeira análise, foi verificado (ver
quadro 12) que o assédio moral organizacional não foi reconhecido em qualquer dos
acórdãos selecionados, sendo apenas verificada a menção à referida espécie na decisão
monocrática que foi reformada pelo acórdão AMO-4.
Diante da análise dos dados, foi possível observar ainda que a limitação do uso do
banheiro, embora tenha sido reconhecida como elemento do poder diretivo do
132
empregador, nos acórdãos AMO-1, AMO-3 e AMO-4, e como assédio moral
“genérico”, no acórdão AMO-5, apresenta, em tais casos, elementos da prática apontada
pela literatura como deletéria ao trabalhador, denominada de assédio moral
organizacional.
Por sua vez, fazendo o uso das palavras-chave assédio moral e empresa Contax, foi
possível se identificar a limitação do uso do banheiro como a prática que mais motiva os
trabalhadores a ajuizarem ações trabalhistas em face de seu (ex-)empregador. Essa
constatação se tornou possível através dos dados constantes do quadro 10, em paralelo
com os dados sintetizados no quadro 14, tendo-se como resultado a constatação de que
todos os acórdãos analisaram a prática da limitação do uso do banheiro. Nesse sentido,
será realizada a análise da referida prática, dividindo-se as decisões que reconheceram
as práticas deletérias, daquelas que não reconheceram, conforme se observa do quadro a
seguir:
Quadro 15 – verificação da limitação do tempo do uso do banheiro como conduta deletéria.
Codificação do acórdão Enquadramento assédio moral Condenação Valor
AM-3 Não Não -
AM-4 Não Não -
AM-5 Não Não -
AM-6 Não Não -
AM-8 Não Não -
AM-10 Não Não -
AM-11 Não Não -
AM-12 Não Não -
AM-17 Não Não -
AM-18 Sim Sim R$ 5.000,00
AM-19 Sim Sim R$ 3.000,00
AM-20 Sim Sim R$ 3.000,00
AM-21 Não Não -
AM-23 Não Não -
AM-26 Não Não -
Nota-se no quadro 15 que apenas 3 (três) acórdãos reconheceram a limitação do tempo
de utilização do banheiro como prática danosa ao empregado, impingindo à empresa
Contax a condenação ao pagamento de indenizações pelos danos extrapatrimoniais
causados. Os 12 (doze) acórdãos remanescentes não reconheceram a limitação do tempo
133
de uso do banheiro como prática que viesse a ocasionar o assédio, qualquer que seja a
espécie, através dos fundamentos que serão analisados adiante.
Inicialmente, da leitura do acórdão AM-18, verificou-se que o órgão julgador foi instado
apenas a apreciar o valor da indenização, não havendo discussão sobre a existência do
assédio moral. Isso porque o empregado obteve o deferimento do seu pedido na
sentença de primeiro grau, recorrendo apenas quanto ao valor, por entender que a
indenização não correspondia ao agravo sofrido. Por sua vez, a empresa Contax não
recorreu da decisão do juízo monocrático. Diante de tal cenário, a discussão perante o
TRT6 ficou adstrita ao quantum indenizatório, prejudicando a análise dos dados para
fins deste estudo.
Dentre os 12 (doze) acórdãos que não reconheceram o assédio moral na prática de
limitação do uso do banheiro, 9 (nove) registraram que, embora tenham sido produzidas
provas nos autos, estas não foram suficientes para comprovar a existência da limitação
alardeada pelos trabalhadores, de modo que não seria possível reconhecer o ilícito de
ordem trabalhista por ausência de elementos necessários à formação do convencimento
do órgão julgador, sendo certo que este ônus caberia aos empregados, que dele não se
desincumbiram.
Nota-se que o dever do empregado de provar os fatos constitutivos do direito postulado
é inarredável. A posição adotada pelo órgão julgador no acórdão AM-21 deixa evidente
a necessidade de se produzirem provas hábeis a fundamentar a decisão, do contrário a
improcedência do pedido será medida que se impõe. Nesse sentido, transcreve-se o
trecho do acórdão AM-21:
Apesar de acompanhar o entendimento do TST no sentido de que a
simples existência de controle do tempo de acesso aos banheiros por
parte do empregador, por si só, já configuraria situação que atinge a
dignidade da pessoa humana e viola o direito à intimidade, verifico
que na hipótese dos autos essa situação não ficou configurada.
É que a prova oral produzida, consistente no depoimento da única
testemunha ouvida no processo e apresentada pela autora, não
confirmou as alegações contidas na exordial no ponto [...]
No trecho transcrito acima, é possível perceber que o relator possui entendimento no
sentido de que a simples existência do controle no uso do banheiro já configuraria a
violação dos princípios da intimidade e dignidade da pessoa humana, posição essa, nas
134
palavras do julgador, que é adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Contudo, à
mingua de provas que pudessem comprovar as alegações lançadas na petição inicial, o
pedido formulado foi indeferido.
A mesma linha de fundamentação foi consignada nos acórdãos AM-3, AM-4, AM-5,
AM-6, AM-10, AM-11, AM-17, AM-23 e AM-26, ou seja, no sentido de que não foram
apresentadas provas suficientes para comprovar a existência da limitação do uso do
banheiro, ou ainda foram produzidas provas no sentido de que não havia limitação do
uso do banheiro, como, por exemplo, o que ficou consignado no trecho do acórdão AM-
5 a seguir:
Restou incontroverso que a reclamante gozava de uma pausa de 20
minutos para refeição durante a jornada de trabalho e outras duas
pausas de 10 minutos.
Nestes intervalos o empregado é livre para fazer o que quiser,
inclusive ir ao banheiro, além das pausas impostas pelas necessidades
que segundo a testemunha nunca lhes foram negadas.
Nesse sentido, não havendo provas, ou caso existam não demonstrem a restrição do uso
do banheiro, não se pode falar em prática irregular levada a efeito pela empresa Contax,
e, por essa razão, os acórdãos que não trouxeram em seu bojo as provas necessárias à
análise dos elementos da existência do assédio moral organizacional deixaram de ser
analisados por serem inviáveis.
Nos acórdãos AM-8 e AM-12, os órgãos julgadores entenderam que não houve conduta
irregular da empresa Contax ao limitar uso do banheiro, asseverando que tais práticas
fazem parte do poder diretivo do empregador, e, por esse motivo, não podem ser
enquadradas como assédio moral, tampouco podem ser indenizáveis no aspecto
extrapatrimonial.
Nesse contexto, o acórdão AM-8 considerou que a prática da empresa seria tão somente
uma supervisão criteriosa, o que não se confunde com assédio moral, consignando ainda
a seguinte fundamentação:
Registro que, ao meu sentir, o fato da empresa ré ser comunicada
sobre as idas ao banheiro não configura assédio moral, visto ser
admitido certo controle quanto a isso, pois é compreensível que os
empregados não possam parar o atendimento e irem ao banheiro num
135
mesmo momento, a não ser que estejam realmente necessitados e não
possam esperar (AM-8).
Em igual sentido, no acórdão AM-12, a decisão considerou que a limitação do uso do
banheiro não excederia o limite do poder de organização do empregador, pois as pausas
legalmente estabelecidas (duas pausas de 10 minutos e uma de 20 minutos) numa
jornada de seis horas seriam suficientes para o empregado fazer suas necessidades
fisiológicas. Registra ainda que, caso fosse necessário, o empregado poderia ir ao
banheiro fora de tais intervalos, mas teria que avisar o supervisor e respeitar o limite de
cinco minutos, como se observa do trecho a seguir transcrito:
Saliente-se que a jornada da autora era de 6 horas e que contava ela
com duas pausas de dez minutos cada, além do intervalo intrajornada
de vinte minutos, e que não lhe era vedado, fora destes intervalos, idas
ao banheiro, impondo-lhe a reclamada apenas a solicitação de
afastamento ao supervisor e o limite de cinco minutos.
O controle encontra fundamento na tentativa de obstar a sobrecarga da
linha telefônica e do trabalho dos demais atendentes (AM-12).
Analisando o trecho transcrito, percebe-se que há certa coisificação do trabalhador, que
tem que se utilizar das pausas predeterminadas para realização de suas necessidades
fisiológicas. Percebe-se que não se leva em consideração a dignidade da pessoa humana,
tampouco o direito à intimidade, na medida que o empregado é obrigado a pedir a um
supervisor autorização para fazer suas necessidades fisiológicas em cinco minutos.
As decisões analisadas demonstram um elevado grau de subjetividade, pois para os
órgãos julgadores dos acórdãos AMO-8 e AM-12 a prática de controlar o uso do
banheiro se trata de mera supervisão criteriosa, já para o julgador do acórdão AM-21, a
“simples existência de controle do tempo de acesso aos banheiros por parte do
empregador, por si só, já configuraria situação que atinge a dignidade da pessoa humana
e viola o direito à intimidade”. Esta decisão afina-se com a explicação de Pohlmann
(2014) no sentido de que há certa dificuldade de se identificar o assédio moral
organizacional na prática, principalmente em função da intersubjetivação do empregado
e, por essa razão, não se faria necessário o apontamento efetivo dos danos
experimentados, pois a potencialidade destrutiva dos ideais da gestão predatória é
intrínseca, ou seja, a violência tem caráter estrutural e não apenas pontual ou casual.
136
Portanto, nota-se que as fundamentações dos acórdãos AMO-8 e AM-12 pairam sob
ambiente obscuro da subjetividade, sendo importante para o presente estudo ressaltar a
posição da mais alta corte na matéria de direito do trabalho no Brasil para definir tal
prática como degradante e violadora dos direitos fundamentais do empregado, conforme
se extrai do acórdão AM-21.
Igualmente, a literatura tem posição bem definida sobre a prática de controle do tempo
no banheiro. Conforme verificado no referencial teórico, Gosdal e outros (2009)
apontaram textualmente o controle do uso do banheiro como uma prática que
corresponde ao assédio moral organizacional. Por sua vez, Soboll (2008) apontou como
uma das táticas de gestão por estresse a supervisão exagerada, ou seja, como expressão
do assédio moral organizacional.
Nota-se da decisão AM-12 que, caso o empregado excedesse os cinco minutos,
prejudicaria a equipe, fato que desagradava o supervisor e a equipe, conforme pode-se
extrair do trecho que segue:
que, quando iam ao banheiro, deixavam o aparelho ligado e havia um
controle pelo supervisor que aquele intervalo, superando 5 minutos, a
tela passava a ficar vermelha; que assim acontecendo ia ao banheiro e
avisava a extrapolação; que a extrapolação de horário trazia prejuízo
para toda a equipe, porque prejudicava a aderência da equipe, na
verdade, os próprios colegas não gostavam de outros que
ultrapassavam os 5 minutos, e com mais razão o supervisor. (AM-12)
Na narrativa destacada acima, pode-se perceber que a empresa coloca um funcionário
de mesma hierarquia para fiscalizar as pausas do outro, de modo que não apenas o
supervisor por ordem da empresa exerce a pressão sob o empregado, mas os demais
colegas de trabalho não gostavam dos empregados que ultrapassavam os cinco minutos
autorizados.
Nesse sentido, faz-se presente a violência estrutural citada por Pohlmann (2014), pois o
controle do uso do banheiro está introduzido no método de gestão da empresa. No
acórdão AM-12, percebe-se que os empregados não gostavam que os demais
ultrapassassem os cinco minutos para pausa pessoal, o que demonstra que a prática
adotada pela empresa foi intersubjetivada pelos demais empregados, ou seja, a violência
passou a ser não reconhecida a tal ponto que os próprios trabalhadores reproduziram o
137
mal, multiplicando a dor e o sofrimento, internalizando os atos hostis como necessários
à persecução de seus objetivos. As metas impostas pela empresa, que nada mais são do
que os objetivos da organização, são confundidos com os objetivos dos próprios
empregados, passando de sujeitos passivos (o alvo) a ferramentas de operacionalização
do assédio moral organizacional.
Ainda analisando acórdão AM-12, observa-se que o órgão julgador justificou a
limitação do uso do banheiro no fato de que as ausências reiteradas dos trabalhadores
poderiam ocasionar uma sobrecarga na linha telefônica e no trabalho dos demais
empregados. No entanto, não houve qualquer análise acerca da (in)suficiência dos
recursos humanos para o desenvolvimento das atividades assumidas pela empresa,
tornando-se tênue a linha que distingue a mera organização do posto de trabalho como
poder diretivo do empregador (NASCIMENTO, 2011) e não como violação dos direitos
dos empregados (ARAÚJO, 2006).
A pausa para tomar água e ir ao banheiro, embora não veementemente proibida, foi
posta pelo empregador como prejuízo à equipe, pois, além de prejudicar a aderência às
normas da empresa, ocasiona o acúmulo de ligações para os demais. Tais fatos
ocasionavam o descumprimento das metas estabelecidas, desaguando mais uma vez no
elemento caracterizador do assédio moral organizacional, finalidade gerencial.
Em sentido oposto, os acórdãos AM-19 e AM-20 reconheceram o assédio moral
(genérico) na prática de limitar o uso do banheiro. Nestes acórdãos, as provas
produzidas não se afastam daquelas que foram consignadas nos acórdãos que
entenderam por indeferir o pedido de reconhecimento do assédio moral. Nesse sentido,
se transcreve a prova testemunhal existente no acórdão AM-19:
[...] que a depoente alega que as situações relativas ao assédio moral
se davam quando a mesma precisava ir ao sanitário, indicando que
ficavam no sistema registradas pausas pessoais no código 031, e que
este intervalo seria para utilização no tempo e que precisasse, contudo,
havia reclamações pelo supervisor de que a mesma não deveria fazer
uso frequente destas pausas para não prejudicar as metas da equipe e a
meta individual também; que se a pausa passasse de 10 minutos,
acontecia de a supervisora do sexo feminino ir ao sanitário, e se fosse
do sexo masculino, ficar do lado de fora; que acredita que na sua
célula, tinha 3 ou 4 supervisores, isto durante o horário de trabalho, e
que estas situações também aconteciam com o recte; que afirma que
presenciou o recte. sofrendo tais intervenções, mas não se lembra
138
quem era o supervisor que abordou o recte; [...] (ID 7acde4f - sem os
grifos).
A segunda testemunha também confirmou: [...] que o depoente, caso
precisasse ir ao sanitário, eram concedidas pausas pessoais, que
também ficavam registradas no sistema; que a empresa dizia que estas
pausas não tinham limites, mas se tirassem mais de uma pausa, era
chamado a atenção pela pessoa que fosse o supervisor do dia; que
estas pausas interferiam nas suas metas; [...] (ID 7acde4f - sem os
grifos).
Analisando as declarações reproduzidas no acórdão, foi identificado que a prática de
fiscalizar os empregados no tempo de utilização do banheiro não está ligada à intenção
de determinados prepostos de constranger ou humilhar os seus subordinados. Pelo
contrário, o que se pode inferir é que a limitação ou restrição do uso do banheiro estão
ligadas diretamente às metas da empresa, ou seja, possuem finalidade nitidamente
gerencial (POHLMANN, 2014).
Percebe-se ainda que o próprio sistema utilizado pela empresa Contax registra as pausas
realizadas, através do código 031, o que indica que esse controle está arraigado como
característica estrutural da empresa, na medida em que controla, limita e até restringe a
utilização do banheiro para satisfazer sua finalidade gerencial. Dessa maneira, observa-
se que os supervisores estão sendo utilizados como mera ferramenta para a execução de
uma prática que está inserida na estrutura da empresa. Verifica-se nas narrativas
analisadas que a limitação do uso do banheiro não era individualizada como conduta de
um ou outro preposto déspota, mas que os supervisores eram utilizados para exercer
pressão em seus subordinados.
Ademais, é possível inferir dos acórdãos analisados que a prática levada a efeito pela
empresa é uma constante, mesmo que em vários casos os empregados não consigam se
desincumbir de seus ônus probatórios, ou mesmo que o órgão julgador entenda que se
trata de prática lícita decorrente do poder diretivo basilar na relação de trabalho.
Fundamentando o acórdão AM-19, o órgão julgador fez interessante reflexão quanto aos
casos postos à apreciação do judiciário, ao mencionar: “Como se pode ver por estes
depoimentos e também pelos tantos outros colhidos nos diversos processos que
tramitam nesta Regional, cujo mote é o mesmo - assédio moral (AM-19).”, referindo-se
à prática da limitação do uso do banheiro. Portanto, entende-se que a característica
estrutural foi suficientemente identificada nos casos analisados.
139
A temporalidade, conforme analisado no referencial teórico, diz respeito ao
prolongamento das práticas executadas pela organização, de forma duradoura ou
permanente. Contudo, não possui conceituação objetiva quanto ao mínimo de tempo
exigido para enquadrá-la como elemento do assédio moral organizacional. Porém,
percebe-se que há uma relação arraigada com a caraterística estrutural e com a
finalidade gerencial, pois a prática deletéria se protrai no tempo em decorrência da
própria conjuntura organizacional.
Embora o órgão julgador não tenha enquadrado a prática da empresa como assédio
moral organizacional, a análise para fundamentação se utilizou dos elementos
encontrados na literatura ao tratar do assédio moral organizacional.
[...] evidente está que o autor sofria, diariamente, controle no tempo
despendido no uso dos banheiros, apesar das necessidades fisiológicas
do ser humano, durante a jornada laboral, com intuito de otimizar a
produtividade, o que afronta a dignidade do trabalhador (AM-19).
A repetição foi igualmente identificada na análise do acórdão AM-19, segundo se
observa do trecho transcrito acima. Conforme observado na construção teórica, a
repetição é um elemento caracterizador do assédio moral organizacional, embora não
seja diferenciador, já que pode ser encontrado tanto no assédio moral interpessoal
quanto no assédio moral organizacional. No caso examinado, a prática da empresa tem
recorrência diária e está relacionada intrinsecamente à sua estrutura, com a finalidade de
atingir os objetivos organizacionais, ou como consignado no acórdão “com intuito de
otimizar a produtividade (AM-19)”.
Percebe-se que a busca desenfreada por melhores resultados está intrinsecamente ligada
ao sistema capitalista, sendo capaz de fomentar práticas que, embora não se destinem a
prejudicar o(s) trabalhador(es), possam ocasionar danos diretos e indiretos à saúde dos
empregados através da violação aos direitos destes, sob o pálio de buscar um
aperfeiçoamento na produtividade e nos resultados da organização, conforme se
depreende do trecho destacado do acórdão AM-19:
Deste modo, tenho que restou comprovado que a ré, na busca pelos
melhores resultados e maior produtividade, estabeleceu na relação de
140
trabalho um ambiente de pressão psicológica, ferindo a dignidade dos
seus empregados.
Conforme analisado no referencial teórico, item 2.3.1, o meio ambiente de trabalho
sadio e equilibrado e a dignidade dos trabalhadores fazem parte dos direitos dos
trabalhadores, que foram reconhecidamente violados, segundo a fundamentação do
órgão julgador no acórdão AM-19 a seguir destacado:
Assim, imprescindível a punição do ofensor, com a reparação dos
danos, que atentam contra a dignidade da pessoa, direito fundamental
resguardado pelo artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, mediante
indenização pertinente, com lastro nos artigos 5º, incisos V e X, da
C.F., 186 e 927, do Código Civil Brasileiro.
Nessa mesma linha, o acórdão AM-20 analisou as provas dos autos e consignou que a
limitação do uso do banheiro seria uma prática deletéria e por essa razão deve ser
reconhecido o direito à indenização extrapatrimonial postulada. Os depoimentos
transcritos guardam semelhança com aquele consignado no acórdão AM-19, que
igualmente reconheceu o assédio moral na prática de controle do uso do banheiro.
No acórdão AM-20, o órgão julgador extraiu dos depoimentos transcritos que a empresa
controlava excessivamente os empregados que necessitavam ir ao banheiro, sem que
estivessem nos momentos de intervalos legalmente definidos. Pontuou como
desarrazoada a necessidade de o empregado se explicar ao supervisor quando houvesse
a necessidade de se ultrapassar o tempo estimado pela empresa. Objurgando a prática
reconhecida, o órgão julgador esclareceu que:
[...] o empregador não pode, a pretexto de exercer seu poder diretivo,
estabelecer regras de uso de banheiro, impondo limites e implantando
uma fiscalização que interfere diretamente na intimidade dos
empregados, causando-lhes constrangimentos (AM-20).
A prática da limitação do uso do banheiro é uma violação ao direito à intimidade e à
dignidade do empregado, tendo potencial, assim como outras, de ultrapassar a esfera da
dor psicológica em razão dos constrangimentos sofridos, trazendo problemas de
natureza física ao trabalhador (SOBOLL, 2008).
Na atividade preponderante da empresa, existe a necessidade do uso constante da voz, e,
em razão disso, a ingestão de líquidos é primordial para garantir a saúde do trabalhador.
Observa-se, portanto, que a ingestão de líquidos e a limitação do uso do banheiro são
141
incongruentes, na medida em que, se o empregado sabe que há uma limitação
institucional para o uso do banheiro, internalizada por seus pares, irá reduzir o consumo
de água, ainda que inconscientemente, prejudicando sua saúde. Nesse sentido,
Pohlmann (2014, p. 66) explica que:
Resultado disso, ainda que o assédio moral organizacional tenha como
objetivos o controle do grupo e a realização dos objetivos
organizacionais, seus efeitos para vida e para a saúde dos
trabalhadores são altamente prejudiciais. O assédio organizacional
pode ter repercussões graves na saúde e na vida de quem é submetido
a estas circunstâncias.
Portanto, a limitação do tempo do banheiro pode ocasionar danos perceptíveis ou
imperceptíveis ao trabalhador. Para órgão julgador do acórdão AM-19, no entanto, não
há necessidade de se demonstrar a efetivação do dano para se configurar o assédio
moral organizacional, ao asseverar que “não tem relevância que o autor nunca tenha
sofrido punição por exceder tais intervalos. A limitação por si só já configura o assédio
(AM-19)”.
Os acórdãos AM-19 e AM-20 corroboraram a existência da prática negativa e
prejudicial ao trabalhador, contudo divergiram no enquadramento. De um lado, o
acórdão AM-19 entendeu por enquadrar a conduta da empresa como assédio moral (de
forma genérica), conforme se pode perceber no trecho que se transcreve a seguir:
Assim, imprescindível a punição do ofensor, com a reparação dos
danos, que atentam contra a dignidade da pessoa, direito fundamental
resguardado pelo artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, mediante
indenização pertinente, com lastro nos artigos 5º, incisos V e X, da
C.F., 186 e 927, do Código Civil Brasileiro. Uma vez constatado o
assédio moral, correta a sentença que condenou a ofensora na
indenização por danos morais. (AM-19).
Já o acórdão AM-20 procedeu à análise dos fatos levados a seu conhecimento com base
simplesmente como dano moral.
Trata-se, pois, de indubitável extrapolação dos contornos da
prerrogativa patronal de dirigir a prestação do serviço obreiro,
consistindo em nítido abuso de direito. Inteligência do art. 187 do
Código Civil Pátrio.
[...]
142
Evidentes, assim, os elementos caracterizadores do dano moral: a
conduta antijurídica (controle excessivo do direito de o empregado
fazer suas necessidades fisiológicas), o dano (o constrangimento, a dor
psicológica) e o nexo de causalidade (AM-20).
Em apertada síntese, pode-se afirmar que nenhum dos acórdãos analisados reconheceu a
espécie assédio moral organizacional, pois o AM-20 analisou os requisitos para
deferimento do dano moral, enquanto que o AM-19 enquadrou a prática como assédio
moral, mas não teceu qualquer delimitação quanto à espécie.
143
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo a verificação dos julgados do Tribunal Regional
do Trabalho da 6ª Região, com a finalidade de se analisar a existência do
reconhecimento da espécie assédio moral organizacional à luz dos elementos
caracterizadores delineados pela literatura.
Para atingir o objetivo proposto, o foram traçados três objetivos específicos. O primeiro
e o segundo objetivos específicos se restringiram a identificar os elementos
caracterizadores do assédio moral interpessoal e do assédio moral organizacional, sendo
ainda realizado um comparativo entre as duas espécies de assédio moral. Tais objetivos
foram devidamente cumpridos através dos teóricos referenciados. A identificação desses
elementos foi essencial para evitar a confusão conceitual ao ser aplicado o roteiro de
análise de conteúdo constante do apêndice 1.
No terceiro objetivo específico, foram analisados acórdãos extraídos do site do TRT6,
com a finalidade de identificar as práticas de gestão da empresa Contax, segundo as
reclamações dos (ex-)empregados levados ao conhecimento do poder judiciário à luz
dos elementos que foram identificados no primeiro e segundo objetivos, com o objetivo
de observar se há o reconhecimento do assédio moral organizacional nas condutas da
empresa Contax, sendo o terceiro objetivo atingido parcialmente.
O resultado do terceiro objetivo foi obtido com a análise dos dados extraídos de 32
(trinta e dois) acórdãos retirados do site do TRT6. Destes dados analisados se observa
que 9 (nove) acórdãos reconheceram os direitos dos trabalhadores à indenização por
danos extrapatrimoniais, tendo os valores sido fixados entre R$ 3.000,00 (três mil reais)
e R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Dentre as práticas mais recorrentes, a limitação do uso do banheiro foi a que teve maior
expressividade, com 19 (dezenove) ocorrências, embora tenha sido reconhecido o
direito à indenização extrapatrimonial em apenas 3 (três) acórdãos. Os demais achados
foram distribuídos conforme quadro 16 a seguir:
144
Quadro 16 – Demonstração dos resultados encontrados
Práticas apreciadas pelo judiciário Recorrência Número de
condenações
Total das
condenações em
R$
Limitação do uso do banheiro 19 3 11.000,00
Imposição de metas inexequíveis 1 0 -
Imposição de estigma 1 1 10.000,00
Humilhação 2 1 5.000,00
Pressão 5 0 -
Alteração do transporte 2 1 3.000,00
Ócio humilhante 1 1 5.000,00
Perseguição 2 0 -
Demissão de gestantes 2 2 10.000,00
Fonte: Autor da pesquisa (2017)
Com base nos dados fornecidos pelos acórdãos analisados, foi possível observar que
nenhum deles reconheceu o assédio moral na espécie organizacional. Contudo, caso
essas decisões fossem analisadas à luz dos elementos caracterizadores apontados pela
literatura, seria possível que o órgão julgador reconhecesse o assédio moral
organizacional nos casos de limitação do uso do banheiro, imposição de estigma e da
pressão para atingimento das metas.
Pode-se igualmente perceber que, nos casos em que os acórdãos reconheceram as
condutas como assédio moral, não foram realizadas as distinções das espécies
analisadas, ou seja, a decisão Tribunal Regional do Trabalho não permite identificar de
imediato se o dano decorre da atitude de um empregado déspota, como ocorreu nas
análises das humilhações, do ócio humilhante e da demissão da empregada gestante, nos
termos do acórdão AM-16.
Dito de outra maneira, mesmo estando presentes todos os elementos caracterizadores do
assédio moral interpessoal ou perverso, o Tribunal Regional do Trabalho da Sexta
Região não especifica a espécie do assédio que se está julgando, sendo as decisões
genéricas nesse sentido, o que torna invisibilizado o problema do assédio moral
organizacional e, por conseguinte, afasta o caráter pedagógico da medida, a fim de que a
empresa não permaneça praticando os atos danosos aos empregados. Portanto, em razão
145
desses fundamentos, é possível observar que o terceiro objetivo foi cumprido
parcialmente.
Regatando os fundamentos do referencial teórico, observa-se a inexistência de
legislação específica no Brasil para enquadramento do assédio moral (interpessoal ou
organizacional), o que pode ser considerado como um elemento dificultador para que as
decisões sejam mais específicas. A existência de legislação específica induziria o
operador do direito a elaborar pedidos mais específicos, com apresentação dos
elementos exatos e correspondentes ao agravo alegadamente sofrido pelo trabalhador,
fatos estes que forçariam o poder judiciário a analisar o pedido sob a ótica levada ao seu
conhecimento.
Contudo, conforme também identificado no referencial teórico, pode-se verificar a
existência de legislação (utilizada subsidiariamente), da jurisprudência e da literatura
especializada, todas suficientes para a realização do correto e fiel enquadramento das
decisões judiciais. Assim, embora exista a presença desse elemento dificultador, este
não pode ser considerado empecilho para enquadramento da prática na espécie correta,
pois, ao contrário do direito comum, no direito do trabalho, amparado nos princípios
basilares da simplicidade e do jus postulandi, basta que o empregado apresente em sua
ação com um breve relato dos fatos e os pedidos (art. 840, CLT, BRASIL, 1943) para
que o órgão julgador cumpra seu papel jurisdicional de dizer o direto.
Nesse sentido, é possível apontar que uma legislação específica para tratar sobre o
assédio moral no ambiente de trabalho (e suas espécies) seria um importante avanço
para a legislação brasileira, apontando-se como sugestão às autoridades a necessária
implementação legislativa nesse sentido. Isso porque foi possível perceber, através do
estudo de Majhosev e outros (2014), que a Macedônia experimentou uma redução nos
casos reportados às autoridades fiscalizadoras e nas ações distribuídas perante os órgãos
judiciais após ser elaborada legislação específica para os casos de assédio moral no
ambiente de trabalho. Infere-se, assim, que a aludida redução decorre da possibilidade
de que a empresa que faz uso de tais práticas, ao receber uma condenação com esse
enquadramento, saiba que é exclusivamente culpada pelo passivo que criou e passe a
dar melhores condições de trabalho a seus empregados.
146
Dada a evidente letargia de que é tomado o legislativo, sugere-se ainda que o TRT6,
após ter regulamente avaliado as decisões já existentes e as vindouras à luz da literatura
revisitada neste estudo, possa editar nova súmula semelhante à de número 30, que trata
sobre a prática do cheers.
Entende-se que o presente estudo contribuiu positivamente para empresa, embora
desmascare uma face organizacional que se encontrava obscurecida por decisões
inespecíficas oriundas da justiça do trabalho. Isso porque possibilitou distinguir as
práticas deletérias à saúde do trabalhador, que estão inseridas na finalidade gerencial da
empresa, daqueles atos déspotas praticados por seus prepostos, mas que não estão
ligados aos objetivos organizacionais.
No presente estudo, foi possível se observar ainda que dos 32 (trinta e dois) casos
analisados, 9 (nove) reconheceram o direito dos empregados a uma indenização
decorrente do dano extrapatrimonial sofrido, o que demonstrou um passivo inicial de R$
44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), sendo R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais)
decorrentes das práticas de assédio moral organizacional – através da verificação dos
elementos da literatura - e o restante decorrente das práticas de assédio moral
interpessoal e dano moral. Diz-se inicial, pois estes valores serão acrescidos de correção
monetária e juros de mora, além de custas processuais e despesas com os honorários de
seus procuradores.
Os números apresentados pelo presente estudo contribuem para demonstrar que, no
âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, os valores deferidos a título
de indenização pecuniária pelo reconhecimento do assédio sofrido são praticamente
irrisórios, constituindo-se como grande atrativo para a manutenção das práticas
deletérias a saúde do trabalhador. Isto porque deixa transparecer ao empregador que é
melhor economicamente extorquir os trabalhadores para extrair cada vez mais de sua
mão-de-obra, já apenas alguns trabalhadores movem as reclamações na justiça, sendo
que destes poucos uma parte não apresentam provas, noutra parte as provas são
insuficientes. Nos poucos casos remanescentes, que conseguem efetivamente comprovar
o assédio, o Judiciário trabalhista condena à empresa em quantitativos que estimulam a
permanência dessas práticas, passando uma mensagem de permissividade à mais-valia
147
e, por consequência, não cumprindo seu papel pedagógico de repressão a essas condutas
reprováveis.
Além do prejuízo financeiro decorrente das condenações delimitadas acima, embora
irrisórios do ponto de vista pedagógico, a empresa sofre um abalo considerável em sua
marca, pois estará inevitavelmente atrelada a condutas nefastas à saúde e bem-estar dos
seus empregados, fatos estes repudiados pela sociedade, que, a depender da intensidade
da divulgação, pode inclusive desencadear uma redução do valor da marca da
organização. Dessa maneira, sugere-se à empresa Contax que reveja as práticas de
controle de seus trabalhadores, visando reduzir os custos materiais e imateriais, bem
como ocasionar um melhor ambiente de trabalho aos seus empregados.
O presente estudo facultou um importante instrumento para que o trabalhador possa
exigir que a empresa conceda melhores condições de trabalho, e que as práticas de
gestão possam ser revistas viabilizando postos de trabalho menos insalubres. Tais
reivindicações podem ser levadas a efeito inclusive por intermédio dos órgãos estatais
de fiscalização e controle ou mesmo pelo respectivo sindicato de classe, já que restaram
reconhecidas as práticas de assédio moral organizacional e assédio moral interpessoal
no âmbito da empresa Contax.
Para futuros estudos sugere-se que se possa realizar um estudo similar com outros
Tribunais Regionais do Trabalho, bem como verificar se o mesmo ocorre no âmbito do
Tribunal Superior do Trabalho, podendo-se inclusive utilizar-se os dados secundários
utilizados neste estudo para fins comparativos.
Sugere-se ainda que o estudo possa ser realizado através de pesquisas no próprio
ambiente de trabalho, ouvindo-se os empregados, os prepostos e a diretoria da empresa,
com vistas a analisar o discurso de cada ator individualmente considerado sobre as
práticas de gestão utilizadas pela empresa.
Por fim, sugere-se que seja realizada uma pesquisa ainda mais ampla sobre o tema,
utilizando-se genericamente apenas as palavras-chave dano moral e empresa Contax, na
medida em que foi observado no presente estudo que as decisões não especificam as
espécies de assédio, utilizando-se por vezes apenas do termo dano moral para
148
determinar a condenação à indenização por dano extrapatrimonial, o que pode ter
deixado de lado um grande número de decisões passíveis de análise.
149
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APÊNDICE
Roteiro de observação dos dados secundários
1. Número do processo:
2. Réu:
3. Turma Julgadora:
4. Qual a prática de gestão apreciada no acórdão?
5. Descrever a prática de gestão:
6. Apresenta caráter processual?
7. Pretende alcançar os objetivos da organização e controlar os empregados?
8. Possui intencionalidade de perseguição para prejudicar ou excluir o empregado?
9. Quem são os alvos?
10. Quem pratica o assédio?
11. Qual a forma de participação da empresa no assédio? Ativa ou passiva?
12. Houve condenação?
13. Qual o valor da condenação?
14. Quais as espécies de assédio reconhecidas nos acórdãos?
15. A decisão reconhece o assédio conforme conceituado na literatura?