Fabio Alonso2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA E DIREITO
FBIO ROBERTO BRBOLO ALONSO
Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construo de uma Sociedade para Todas as Idades
NITERI2005
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSECENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS E APLICADOSCENTRO DE ESTUDOS GERAISPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA E DIREITO
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FBIO ROBERTO BRBOLO ALONSO
Envelhecendo com Dignidade: o Direito dos Idosos como o Caminho para a Construo de uma Sociedade para Todas
as Idades
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obteno do ttulo de mestre em Cincias Jurdicas e Sociais.
Orientador: Professora Doutora Daizy Valmorbida Stepansky
Niteri, 2005
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3Alonso, Fbio Roberto Brbolo
Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construo de uma Sociedade para Todas as Idades/ Alonso, Fbio Roberto Brbolo, UFF/ Programa de Ps-Graduao em sociologia e Direito. Niteri, 2005.
172 f.
Dissertao (Mestrado em Cincias Jurdicas e Sociais) Universidade Federal Fluminense, 2005.
1. Direito e Cidadania. 2. Envelhecimento. 3. Direito dos Idosos. I. Dissertao (Mestrado). II. Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construo de uma Sociedade para Todas as Idades
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FBIO ROBERTO BRBOLO ALONSO
Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construo de uma Sociedade para Todas as Idades
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obteno do ttulo de mestre em Cincias Jurdicas e Sociais.
Aprovada em 14 de Julho de 2005
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________________________Prof. Dr. Daizy Valmorbida Stepansky
________________________________________________________________
Prof. Dr. Glria Mrcia Percinoto
________________________________________________________________Prof. Dr. Sara Nigri Goldman
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RESUMO
O objetivo deste trabalho apresentar e analisar criticamente a proteo social existente para a populao idosa em geral, procurando-se a partir da estabelecer a relao entre a teoria e a prtica no que diz respeito efetiva aplicao das leis voltadas para este segmento.
Esta pesquisa procurou inicialmente definir as novas funes do Direito em face de uma sociedade extremamente heterognea e estratificada, onde a lei passa a atuar em funo da defesa e da afirmao das inmeras identidades sociais que emergem a cada momento apresentando diferentes demandas e conflitos.
Caracterizamos o idoso em um contexto de uma sociedade capitalista, onde naturalmente perde o seu valor e a sua funo social devido lgica deste sistema que exclui aqueles que no mais esto aptos a fornecerem sua fora de trabalho. Sob este contexto, procuramos analisar os Direitos dos Idosos apresentando toda esta legislao em nvel mundial e nacional, sob o olhar crtico de sua aplicao em nossa realidade cotidiana.
Relacionamos, assim, todos os fundamentos e documentos internacionais direcionados ao idoso com a recm-criada Legislao brasileira voltada a este segmento, procurando caracterizar esta ltima como um reflexo e uma resposta a um movimento em escala mundial em prol da defesa dos idosos.
Conclumos nosso trabalho analisando as atividades de algumas das principais instituies responsveis pela fiscalizao e pelo zelo aos direitos dos idosos no Brasil, procurando formular possveis encaminhamentos que visem ao aperfeioamento do exerccio de suas funes e consolidem efetivamente as garantias j previstas em lei e no aplicadas na prtica.
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* NDICE *
Parte I: O Direito, o Idoso e o Mundo
1. Introduo 09
2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania 20
3. O Mundo que Envelhece: um Impacto Demogrfico,
uma Transformao Social 35
3.1 A I Assemblia Mundial sobre o Envelhecimento 40
3.2 Os Princpios das Naes Unidas para o Idoso 44
3.3 A II Assemblia Mundial sobre o Envelhecimento 46
a) Pessoas Idosas e Desenvolvimento 49
b) Promoo da Sade e Bem-estar na Velhice 57
c) Criao de Ambiente Propcio e Favorvel 62
d) O Outro lado do Plano de Ao Internacional 66
3.4 - A Declarao de Toronto: A Voz da Organizao
Mundial de Sade (OMS) 68
3.5 - A Aplicao dos Documentos Internacionais
de Proteo ao Idoso: Utopia ou Realidade? 70
Parte II: O Brasil que Envelhece e o Idoso que Aparece
4. O Brasil na Era do Envelhecimento: uma Nova Realidade
Diante de Velhos Problemas 74
4.1 - O Perfil do Idoso na Sociedade Brasileira 76
a) O aumento da expectativa de vida no Brasil 77
b) Evoluo demogrfica da populao idosa brasileira 78
c) O Idoso e a Famlia 81
d) A Sade do Idoso 83
e) Idoso e (M) Educao 85
f) Idoso e (Falta de) Trabalho 90
g) Os Rendimentos da Populao Idosa 93
h) O Idoso e a (No) Participao Poltica 97
5. A Proteo Social ao Idoso no Brasil 99
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5.1 - A Previdncia Social no Brasil 100
5.2 - A Constituio Federal de 1988:
A Cidadania em Movimento 112
5.3 - A Lei Orgnica de Assistncia Social (LOAS):
O Verdadeiro Assistencialismo do Estado 115
5.4 - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH):
O Idoso Como um Grupo Vulnervel 117
5.5 - A Poltica Nacional do Idoso: A Institucionalizao
dos Ideais 120
5.6 - O Estatuto do Idoso: Necessidade, Realidade e
Efetividade dos Direitos dos Idosos 124
a) As Garantias Fundamentais do Idoso:
A Responsabilidade da Famlia e o Papel do Estado 126
b) Os Servios de atendimento Sade do Idoso:
Uma Difcil Realidade 129
c) Educao e Lazer: Em Busca do Tempo Perdido 135
d) Idoso e Trabalho: A Utopia da No-excluso 139
e) Habitao: Direitos dos Idosos e Deveres
das Entidades de Atendimento 142
f) A Gratuidade de Transporte: Entre o Direito
e a Humilhao 145
g) O Envelhecimento na Mdia 147
Parte III Aplicando os Direitos dos Idosos: entre a Lei e a Realidade
6. O Papel do Estado na Defesa do Idoso:
Responsabilidades e Possibilidades Institucionais 150
7. A Sociedade Civil na Defesa do Idoso:
Participao, Mobilizao e Atuao dos Conselhos e Fruns do Idoso 159
8. Concluso 164
Bibliografia 169
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Parte I: O Direito, o Idoso e o Mundo
Ningum pode envelhecer simplesmente por viver muitos anos, mas sim por abandonar seus ideais.
Douglas Macarthur
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1. Introduo
O crescimento da populao idosa um fenmeno mundial. Devemos
considerar como idoso aqueles indivduos maiores de sessenta anos, com base no
critrio de referncia estipulado pela ONU e referendado por grande parte da
comunidade mundial.
Tanto os pases considerados desenvolvidos, quanto aqueles considerados
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, apresentam uma mesma tendncia
demogrfica: o aumento do nmero de idosos, tanto em termos quantitativos quanto em
termos proporcionais em relao populao total do pas.
Este fenmeno resulta, em geral, da queda das taxas de natalidade, em
virtude do aumento do uso de anticoncepcionais e a uma maior conscientizao da
populao em relao estrutura familiar, combinada com a queda das taxas de
mortalidade, observadas devido aos avanos da medicina e melhoria da qualidade de
vida dos indivduos em geral.
O aumento da expectativa de vida, aliado diminuio da natalidade,
configura um quadro onde, de um modo geral, nascem menos pessoas, e estas pessoas
tendem a viver mais. Desencadeia-se, assim, um processo de envelhecimento da
sociedade, caracterizado pelo aumento do percentual de indivduos idosos nas
populaes de praticamente todos os pases do mundo.
Estima-se, segundo projees, que em meados de 2030 a populao mundial
de idosos ultrapasse a marca de um bilho de pessoas, sendo que 75% deste contingente
estar localizado em pases subdesenvolvidos.
A questo central neste ponto que os pases considerados desenvolvidos
possuem instituies e mecanismos que absorvem eficientemente este contingente
populacional, inserindo-o na rede de proteo e infra-estrutura social de forma a
proporcionar-lhe uma boa qualidade de vida. O aparelho estatal est preparado para este
impacto demogrfico, e tem condies de se adequar s demandas sociais provenientes
desta nova estrutura populacional.
Inversamente, os pases subdesenvolvidos geralmente possuem instituies
estatais desorganizadas e enfraquecidas, alm de graves problemas sociais, como a m
distribuio de renda e a ineficaz rede de infra-estrutura social, o que resulta em grandes
disparidades no nvel de vida das diversas classes sociais ali existentes. Desta forma,
estes pases no conseguem se adaptar nova dinmica demogrfica, fazendo com que a
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emergente populao idosa se encontre desamparada e desprotegida em relao aos seus
Direitos.
Um Estado baseado em instituies corrompidas, estagnadas e improdutivas
no possui, muitas vezes, recursos e mecanismos eficientes para consolidar uma
proteo social mnima para sua comunidade, agravando-se a situao em relao ao
segmento idoso, que demanda novas exigncias e novos enfoques das polticas sociais
do Estado. Isso exige uma flexibilidade e uma organizao ainda maior do poder
pblico, fazendo com que a populao sofra as conseqncias da inexistncia de tais
caractersticas.
Assim sendo, o impacto causado pelo aumento global da populao idosa
levou necessidade da implementao de polticas pblicas especficas para o segmento
idoso. Percebe-se uma maior conscientizao em relao s necessidades peculiares
deste grupo, que no poderia mais passar despercebido diante dos olhos dos Estado,
levando sua incluso nas polticas sociais de desenvolvimento e qualidade de vida.
O segmento idoso especfico, e suas necessidades igualmente especficas
exigem a adoo de polticas pblicas diferenciadas, visando ao pleno atendimento das
demandas caractersticas da populao idosa.
importante ressaltar que vivemos em uma sociedade capitalista organizada
em funo da produo material e da atividade profissional, onde a idia de participao
e insero social est diretamente ligada fora de trabalho. Este tipo de organizao
scio-econmica, estruturada sob a diviso de classes, coloca o idoso margem da
sociedade, uma vez que ele no mais se constitui como mo-de-obra para impulsionar e
reproduzir o sistema.
O idoso constitui, desta forma, um segmento que se caracteriza
peculiarmente por no mais participar do processo produtivo, e passa a sofrer, com isso,
um forte estigma social. A aposentadoria pode ser apontada como o marco de entrada na
fase do envelhecimento, onde este prprio termo j est carregado de um valor
pejorativo, significando retirar-se aos aposentos, o que indicaria um perodo de vida
inerte e obsoleto para estes indivduos, o que no condiz, necessariamente, com a
realidade.
O capitalismo exacerba a busca pelo lucro, onde tudo se torna uma
mercadoria, inclusive o trabalhador. E somente a mercadoria tem valor, fazendo com
que a ausncia da atividade profissional represente a perda do valor atribudo ao
indivduo pela sociedade. A populao idosa assim qualificada como improdutiva,
sendo desvinculada da dinmica social que somente absorve e valoriza aqueles
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indivduos que esto inseridos na lgica da produo e do consumo, como destaca o
Professor Serafim Paz:
O acentuado desenvolvimento do capitalismo da era moderna vem desprezando a tradio humana e sua memria, e culturalmente descaracterizando a velhice, pelo processo de
desprestigio, excluso social e anulao, que este modelo impe aos que no servem, aos que no possuem uma perspectiva de imediatamente til, ou vigorosamente produtivo, conforme as necessidades
lucrativas do capital, ou seja, aqueles que no se encontram diretamente nos meios de produo.(Paz, 2001:232)
Para sermos efetivamente considerados cidados, segundo a concepo
capitalista, necessrio produzirmos ou consumirmos, e de preferncia produzirmos e
consumirmos, onde aqueles que no exercem estas funes perdem sua funcionalidade e
valorao diante da sociedade. Nada mais conta alm da fora de trabalho e do poder de
consumo.
A idia de velhice est assim vinculada ao papel que este grupo desempenha
ou deixou de desempenhar na sociedade, no sendo o envelhecimento uma questo
meramente relacionada idade biolgica.
Esta idia reforada pela disseminao de uma ideologia da velhice1,
onde se contextualiza o processo de envelhecimento segundo os interesses da classe
dominante e da lgica capitalista. Segundo esta ideologia, o idoso caricaturado
genericamente como aquele indivduo fisicamente incapaz e mentalmente debilitado,
tornando sua excluso social uma contingncia natural e irreversvel. Estaramos ainda
na poca de Manu2, primeiro legislador da ndia, que em seus cdigos elaborados
aproximadamente a 200 a.C tratava os idosos como indivduos dbeis e alienados, que
sequer poderiam emitir um simples testemunho?
Temos que concentrar nossa reflexo na idia de que a ideologia capitalista
mascara uma outra realidade, onde a marginalizao do idoso um processo social e
no um processo natural, uma vez que decorre da organizao do processo produtivo
que somente valoriza a capacidade de trabalho dos indivduos, legitima a desigualdade
social atravs da acumulao de capital e defende a interveno mnima do Estado na
concesso de benefcios e garantias sociais. Se vivssemos sob outra forma de
organizao social talvez tivssemos um outro enfoque em relao a valores e
condio humana de sobrevivncia, como afirma Ecla Bosi:
A noo que temos de velhice decorre mais da luta de classes que do conflito de geraes. preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relaes doentes para que os velhos trabalhadores no
1 Haddad, Eneida (1989).2 Neto, Antonio (2002).
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sejam uma espcie estrangeira. Para que nenhuma forma de humanidade seja excluda da humanidade que as minorias tm lutado, que os grupos discriminados tm agitado.
(Bosi, 1995:12)
Outra varivel determinante para a caracterizao de um indivduo idoso a
autonomia, onde se percebe naturalmente uma maior dependncia destes indivduos em
relao aos seus familiares ou at mesmo em relao ao Estado, devido sua maior
vulnerabilidade fsica e, claro, econmica, como explica Saad:
Com freqncia, a pessoa considerada idosa perante a sociedade a partir domomento em que encerra as suas atividades econmicas. Em outras ocasies, a
sade fsica e mental o fator de peso, sendo fundamental a questo daautonomia: o indivduo passa a ser visto como idoso quando comea a depender
de terceiros para o cumprimento de suas necessidades bsicas ou tarefasrotineiras.
(Saad, 1990:4)
Este , inclusive, um dos temas de destaque tanto nos Documentos
Internacionais quanto nos Documentos Nacionais de proteo ao idoso, onde se postula
como referncia para o seu tratamento no mbito social a garantia de sua autonomia e
independncia, no mais alto grau em que isto for possvel.
Tende-se tambm a generalizar a condio de vida da populao idosa, o
que no condiz com a realidade de nossas sociedades, uma vez que o idoso, assim como
qualquer pessoa de outra faixa etria, possui sua individualidade que est ligada a uma
srie de fatores que a determinam. No podemos, assim, homogeneizar a figura do
idoso independentemente das circunstncias sociais em que ele est inserido.
Apesar de algumas caractersticas comuns, este segmento populacional est
obrigatoriamente inserido em uma realidade concreta, varivel e heterognea. Assim
sendo, os problemas e as dificuldades relacionadas populao idosa dependem das
contingncias estruturais de determinado contexto social. Existem idosos pobres e ricos,
graduados e analfabetos, saudveis e doentes...
Devemos ter em mente, portanto, que a construo da imagem da velhice
um fator determinante para a valorizao ou a desvalorizao deste grupo na sociedade,
vinculando-o ou excluindo-o das oportunidades sociais. Um discurso ideolgico adquire
contornos que produz reflexos imediatos e concretos na vida dos indivduos
relacionados a esta imagem, sendo assim de extrema importncia procurarmos
desmistificar as concepes negativas generalizadamente difundidas sobre a condio
do idoso.
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Deveramos abandonar a sombria relao existente entre envelhecimento e
morte, que enxerga esta etapa de vida simplesmente como o ponto derradeiro da
existncia humana, onde nos resta apenas tentar torna-lo o menos doloroso possvel.
Esta viso ultrapassada do envelhecimento foi exposta na funesta afirmao de Gabriel
Garca Marquez no seu livro O Amor em tempo de Clera: o perodo da vida em
que a morte deixa de ser uma possibilidade remota para se transformar em uma
realidade mais imediata.
Chama a ateno nomenclatura oficial utilizada pelo IBGE em suas
pesquisas em relao populao idosa, onde define os anos de vida a partir dos 60
anos como sobrevida. Esta expresso transmite a idia de que a vida til terminaria
aos 60, e o que cada indivduo conseguisse viver a partir da poderia ser considerado
como uma espcie de tempo extra, e que j estaria vivendo alm da normalidade.
necessrio repensar seriamente a utilizao de expresses como esta, que
enfraquecem qualquer tipo de conscientizao em relao incluso do idoso na
sociedade como um elemento ativo, participativo e merecedor de dignidade e respeito.
A velhice deve ser considerada como mais uma etapa de nossas vidas que, como
qualquer outra etapa anterior, combina aspectos positivos e negativos, no podendo
jamais ser considerada apenas como o fim de um processo, processo este que seria a
nossa histria de vida.
O idoso de nossas sociedades atuais est longe de ser aquela figura entregue
inrcia, j que percebemos um movimento gradativo de integrao deste segmento
com as demais geraes, atravs do envolvimento em atividades sociais, polticas e
culturais. Observamos um grande incentivo em relao insero do idoso nas
dinmicas sociais, onde muitas vezes at se exagera em tentar formar uma imagem
altamente rejuvenescida destes indivduos que ultrapassa os limites do bom senso em
relao s caractersticas naturais de uma pessoa idosa.
Temos que ter o cuidado de no tentar fazer do idoso aquilo que ele no ,
como ocorre no caso da massificao da propaganda de produtos estticos e da indstria
da cirurgia plstica atravs da mdia, que fora o idoso a negar suas caractersticas
naturais e a mergulhar em uma busca por um rejuvenescimento forado e imposto pela
sociedade, o que o expe, muitas vezes, ao ridculo:
A idia tecnolgica de conservao e embelezamento coloca-se no lugar da concepo biolgica e moral da velhice. E a noo do velho sbio, destinada aos poucos que, vivendo mais,
passavam sua valiosa experincia, vem sendo amplamente substituda pela de que quem sbio no envelhece, para os que, na atualidade tem melhores condies scio-econmicas e, de certo modo, se
disfaram de jovens com os recursos tcnico-cientficos disponveis.(Negreiros, 2003:19)
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Percebemos assim um movimento que tenta negar a velhice atravs de uma
falsa ideologia presente entre os prprios idosos de que se pode, e at mesmo deve-se
conviver com a velhice como se nada de diferente estivesse ocorrendo, o que no condiz
com a realidade particular de um indivduo idoso. Este tipo de pensamento entende a
velhice no como uma faixa etria que ganha reconhecimento no contexto de uma
sociedade ps-moderna ou ps-dcada de 70-80, mas sim que nega o envelhecimento,
que procura formas de adi-lo. (Marques, 1999:91)
O idoso tem que modificar esta maneira de enxergar a sua prpria condio
social caso queira efetivamente defender os seus direitos e ter conquistas sociais
legitimadas. No mascarando a realidade que se ir obter algum avano neste sentido,
mas sim assumir o envelhecimento naquilo que ele realmente , e a partir da lutar pela
construo de uma nova identidade social para o idoso que seja sinnimo de qualidade
de vida, respeito e cidadania, mas que no negue a si mesmo.
No devemos assim renegar ou rejeitar a velhice, mas tentar enxerg-la e
vive-la sob uma nova tica. No podemos transformar um idoso em uma pessoa jovem,
sob pena de criarmos uma situao hipcrita e ilusria para estas pessoas. Mas podemos
transformar o quadro do envelhecimento se conseguirmos modificar a viso que o
restante da sociedade possui deste segmento, e principalmente, se vislumbrarmos o
milagre de transformar a lgica de produo material e organizao social de nosso
mundo, que impiedosamente exclui quem no produz ou quem no consome.
A mudana de referencial da espera da morte para uma etapa de vida
produtiva pode ser ilustrada pela crescente substituio do termo velhice pela
expresso terceira idade, que melhor daria significado a esta fase da vida que teria
caractersticas peculiares como qualquer outra etapa da vida, e apresenta, sim,
problemas e dificuldades, mas tambm pode ser um perodo em que ainda se tem muito
a produzir para a vida coletiva, e muito tambm a se aproveitar individualmente.
Com o crescente aumento da expectativa de vida praticamente em todo o
mundo, propaga-se at mesmo o conceito de uma possvel Quarta idade para
classificar aquela populao que aumenta aceleradamente formada por indivduos acima
dos 80 anos. A terceira idade seria ainda uma etapa de vida ativa e produtiva,
enquanto a Quarta idade poderia realmente estar ligada ao infeliz comentrio de
Gabriel Garcia. Adia-se a morte e prolonga-se a vida til, e j que no podemos ser
utpicos a ponto de falarmos em uma fantasiosa eterna juventude, que pelo menos esta
juventude seja permitida ao esprito de forma racional e equilibrada.
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importante ressaltar que a defesa de um argumento em torno de um
envelhecimento produtivo deve levar em considerao os aspectos particulares de cada
sociedade e tambm de cada indivduo em singular. Estamos aqui falando de uma maior
insero do idoso nas dinmicas sociais de modo a melhorar sua qualidade de vida e a
torna-lo produtivo, mas no podemos colocar estes enfoques como uma obrigao para
a populao idosa.
Embutir o segmento idoso de responsabilidades sociais, como trabalhar para
garantir o seu prprio sustento, por exemplo, pode servir como argumento para eximir o
Estado de suas responsabilidades perante o sistema previdencirio e as ofertas de
servios essenciais, colocando a culpa no prprio idoso pela m qualidade de sua vida.
O idoso deve participar ativamente da sociedade, assim como o Estado deve cumprir
com as suas obrigaes.
Temos que reconhecer a evoluo do Estado nas ltimas dcadas no sentido
de uma maior conscientizao em relao ao idoso, apesar de ainda estarmos muito
longe da qualidade de vida e do amparo social almejado para este grupo. Percebe-se a
partir de 1970 o incio de uma movimentao mundial em prol das garantias sociais e de
uma tutela estatal mais eficiente para a populao idosa.
Ocorreu assim no ano de 1982, em Viena, a Primeira Assemblia Mundial
da ONU sobre o envelhecimento, com o objetivo de traar diretrizes bsicas a serem
adotadas pelos pases em relao populao idosa. importante ressaltar que tal
Assemblia foi o primeiro encontro mundial de representantes governamentais a tratar
especificamente da questo do idoso, tendo como grande marco a elaborao do Plano
de Ao Internacional sobre o envelhecimento, um documento em que constam 62
recomendaes voltadas para as polticas pblicas de tratamento populao idosa.
A partir da, emergem em todo o mundo programas sociais, instituies e
legislaes voltadas para a proteo do idoso e para sua insero na sociedade, onde o
Brasil tambm se insere neste contexto e acompanha a conscientizao para este
problema global: a realidade da exploso demogrfica da populao idosa e a
necessidade urgente de se preparar um suporte estatal que esteja adequado s demandas
desta populao.
E o Direito no poderia ficar de fora deste processo. O segmento idoso
mais um grupo social que se organiza e luta pelas suas reivindicaes, exigindo
reconhecimento, participao e dignidade. Surge assim, como parte da estrutura estatal
de amparo ao idoso, um conjunto de legislaes especificamente direcionadas a este
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grupo, ratificando um processo de especializao do Direito que segue rumo garantia e
defesa da afirmao das mltiplas identidades existentes na sociedade.
O Direito passa a atuar, ento, no somente como um arranjo voltado para a
organizao e a normatizao da vida social, mas tambm como um instrumento que
tenha um compromisso junto minimizao das desigualdades sociais, ou que viabilize,
pelo menos, uma condio de vida digna e oportunidades igualitrias de
desenvolvimento para todos os indivduos, funcionando assim como um canal para a
efetivao da cidadania e como um elemento atenuador das diferenas sociais
existentes.
Dentre os vrios segmentos sociais especificamente tutelados pelo Direito, a
populao idosa se mostra em uma realidade que exige medidas imediatas de atuao do
Estado visando ao aprimoramento e criao de canais especficos para o atendimento
de suas necessidades, fazendo surgir assim o Direito dos Idosos no Brasil.
No se trata propriamente de uma categoria nova de Direitos, j que sempre
existiram idosos, e conseqentemente, sempre houve uma relativa proteo social a tal
parcela da sociedade, mas o diferencial atual uma reivindicao crescente e mais
organizada em favor desta causa, mobilizando vrios setores da sociedade em
propores no observadas anteriormente, o que leva formulao e criao de
instrumentos voltados para a proteo do idoso.
Esta crescente demanda por um maior amparo social ao idoso decorre do
carter extremamente peculiar da condio de ser idoso, condio esta que possui
caractersticas no existentes em outras categorias ou grupos sociais. Poderamos
vislumbrar que tal preocupao decorre do fato de que a condio de ser idoso atinge
momentaneamente apenas uma parcela da populao, mas invariavelmente atingir a
toda a sociedade, uma vez que todos ns estamos fadados a esta mesma condio em
uma etapa futura de nossa vida.
Este um debate novo, pois a populao idosa um problema social novo,
se caracterizando como um novo segmento a ser inserido nas polticas pblicas e nos
planejamentos governamentais. E todo novo problema que se coloca presente suscita
investigaes, debates e sugestes, principalmente quando tal problema est relacionado
vida de 16 milhes de brasileiros. Estamos falando assim de um movimento social,
uma luta pela consolidao de direitos e garantias que devem ser legitimados
populao idosa e efetivamente cumpridos.
A situao especfica da sociedade brasileira em relao ao idoso
alarmante, j que o pas pode ser enquadrado dentre aqueles que no se prepararam para
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absorver o crescimento da populao idosa, e com suas instituies funcionando em
condies precrias e em alguns casos at mesmo falidas, no consegue proporcionar
uma boa qualidade de vida para a grande maioria destes indivduos.
O pas parece estar em ebulio, pois ao ritmo acelerado de crescimento da
populao idosa ocorrem paralelamente a crise da Previdncia pblica e a sua polmica
proposta de reforma, oramentos comprometidos que inviabilizam investimentos na
rea social e uma absurda desigualdade social, onde o Brasil possui a 3a maior
concentrao de renda do mundo. E logicamente a populao idosa est inserida neste
contexto, sofrendo diretamente as suas conseqncias, se caracterizando como um
segmento extremamente vulnervel diante de uma sociedade injusta e desigual, como
chama a teno Neri e Silva:
O Idoso brasileiro em geral pobre, com insuficiente acesso a precrios servios pblicos de bem-estar, e tem poucas perspectivas de melhora a curto e a mdio prazo. Velhos pobres e
crianas pobres so e sero as principais vitimas da desorganizao do Estado.(Neri e Silva, 1993:216)
A situao se torna ainda mais preocupante quando analisamos os dados
oficiais do IBGE, onde em 2002 a populao idosa j atinge a marca dos 16 milhes de
brasileiros, o que representa cerca de 9% da populao total do pas, e segundo
estimativas, este segmento continuar a crescer em ritmo acelerado. As tendncias
mostram que, possivelmente em 2015, a populao idosa constitua cerca de 15% da
populao brasileira, fazendo com que o Brasil venha a ter a 6a maior populao idosa
do mundo, e tenha que redimensionar suas polticas pblicas e sociais em vistas a
absorver esta parcela populacional e adaptar a sociedade em geral a este importante
impacto demogrfico:
A questo do Idoso no pas deve merecer cada vez mais o interesse dos rgos pblicos, dos formuladores de polticas sociais e da sociedade em geral, dado o volume crescente deste segmento
populacional, seu ritmo de crescimento e suas caractersticas demogrficas, econmicas e sociais.(Berqu, 1996:32)
O pas acompanhou o processo mundial de conscientizao da realidade do
idoso e passou, a partir da dcada de 70, a promover e a implementar gradativamente
sua rede de proteo social voltada para este grupo. Os Ministrios do Planejamento e
Assistncia Social (MPAS) e a Secretaria de Direitos Humanos passaram a elaborar
programas sociais e polticas pblicas de atendimento ao idoso, culminando este
processo com a Constituio de 1988, que introduz alguns pontos especficos em
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relao ao grupo, como a gratuidade nos transportes coletivos urbanos e a
regulamentao da aposentadoria por idade, por exemplo.
Finalmente elaborada em 1994 a Poltica Nacional do Idoso, que se
caracteriza como um conjunto de diretrizes e orientaes bsicas para as polticas
sociais de proteo ao idoso, estipulando atribuies a cada rgo governamental e
determinando as funes dos conselhos dos idosos, em nvel Federal, Estadual e
Municipal.
Chega-se ao pice da proteo social ao idoso no Brasil com a
regulamentao do Estatuto do Idoso, em Outubro de 2003, estabelecendo-se toda uma
legislao especificamente voltada para este segmento, onde se atribui, inclusive,
competncias e responsabilidades de instituies governamentais, como o Ministrio
Pblico, por exemplo, para zelar pela efetividade de tal Estatuto.
O grande problema investigado neste trabalho surge, ento, neste ponto.
Articulando-se toda o sistema de amparo e proteo ao idoso no pas, o Brasil possui
atualmente umas das mais completas legislaes do mundo, o que praticamente
unanimidade entre analistas e pesquisadores. Porm, no observamos uma boa
qualidade de vida para a grande maioria da populao idosa do pas. Uma boa parcela
deste segmento, inclusive, vive sob precrias condies de subsistncia. A indagao
central que se coloca, assim, se realmente a legislao direcionada ao idoso e a rede de
proteo para ele criada funciona, e se obtm os resultados esperados em relao
qualidade de vida desta populao.
A investigao realizada neste trabalho foi orientada no sentido de
identificar as possveis deficincias institucionais e a ausncia de mecanismos que
inviabilizam a consolidao de toda uma construo jurdica, que se torna assim
ineficaz e obsoleta.
A hiptese tomada como reflexo inicial de que a realidade de vida do
idoso no condiz com a proteo social que lhe garantida, sendo este fato
desencadeado, principalmente, pela ineficcia das instituies pblicas que deveriam
cumprir o papel que lhes atribudo. De que adianta uma lei se as instituies
responsveis pelo seu cumprimento no funcionam devidamente?
A partir da, vislumbramos algumas solues para os problemas
identificados, com o objetivo de viabilizar uma plena efetividade para as garantias
jurdicas e sociais concedidas ao segmento idoso. importante ressaltar que estamos
aqui tratando de uma legislao recm-promulgada ainda em fase de implementao,
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sendo assim perfeitamente compreensvel que existam entraves e deficincias tanto nos
seus fundamentos quanto na sua concretizao.
Este trabalho espera contribuir para o aperfeioamento da legislao e da
rede de proteo social ao idoso no Brasil, tornando assim possvel uma sociedade em
que a lei esteja em consonncia com a realidade, e a populao idosa realmente tenha a
qualidade de vida e o respeito de que digna.
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2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania
Para se entender o significado e a origem de uma proteo jurdica
especificamente destinada aos idosos, necessrio remontarmos funo social do
Direito, de maneira a avaliar a evoluo e as transformaes ocorridas nos
ordenamentos jurdicos ao longo do tempo.
Esta anlise envolve a reflexo sobre o que o Direito, que valores devem
estar nele inseridos e tambm o contexto social a que ele se aplica. Somente a partir da
que poderemos ter uma viso clara da necessidade de se legitimar um Direito dos
Idosos, analisando a dinmica dos sistemas jurdicos segundo as novas demandas das
sociedades atuais.
Identidade, Direito e Cidadania. Estes trs elementos se misturam nos novos
movimentos sociais que emergem nas sociedades modernas, configurando-se um
cenrio onde se torna difcil delimitar as fronteiras entre os interesses em jogo e os
sujeitos em ao.
O resultado deste processo a multiplicao das identidades sociais, a
emergncia de novos conflitos e, principalmente, a proliferao de direitos, onde cada
vez mais se exige a proteo do Estado segundo as necessidades mais diversas de
grupos sociais cada vez mais heterogneos.
O prprio indivduo est inserido em uma multiplicidade de valores, onde
por um momento pode estar participando de um movimento de sua categoria
profissional, ou estar atuando a favor dos interesses de seu bairro, ou quem sabe estar
militando em prol da defesa do meio ambiente.
As instituies sociais sofrem uma grande mudana funcional a partir da
reorientao das referncias dos indivduos, fazendo com que seja necessrio
estabelecer a relao entre as transformaes sociais e a consolidao da cidadania.
Defendemos a idia de que as sociedades modernas inovaram seu comportamento no
sentido de tolerarem cada vez mais as inevitveis diferenas sociais existentes em uma
organizao capitalista que produz desigualdades no s inerentes, como necessrias ao
sistema. Desta forma, os inmeros e heterogneos grupos sociais existentes passam a
ser dignos de reconhecimento e lutam pela afirmao de seus direitos, obrigando a
esfera jurdica a responder a esta demanda.
O Direito se torna, ento, o mecanismo social mais indicado para inserir
efetivamente todos os indivduos em uma lgica de proteo do Estado, na medida em
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que procura garantir a dignidade e consolidar a cidadania para todos os segmentos
sociais, reconhecendo em cada um deles sua diversidade e peculiaridade.
Este artigo pretende analisar as mudanas institucionais provocadas na esfera
do Direito, provocadas principalmente pela crescente afirmao das mltiplas
identidades sociais, e que consolidaram, por sua vez, um conjunto de garantias sociais
mais especificamente voltadas para as reais necessidades de cada grupo social,
estendendo assim os direitos de cidadania.
Aqui nos interessa mostrar como se deu passagem de uma concepo
universal e abstrata do Direito em relao ao indivduo para uma concepo poltica e
socialmente contextualizada em relao s necessidades de cada sujeito ou grupo social,
levando ao surgimento de legislaes e uma rede de proteo social especificamente
voltadas para as necessidades de cada grupo social em questo.
Podemos conceituar inicialmente o Direito pela definio clssica de Kant,
onde aparece como um sistema de normas e regras que visam essencialmente conjugar
os interesses individuais e os interesses coletivos de modo a coexistirem de forma
harmnica e pacfica, definindo-se assim a esfera do Direito como um o conjunto das
condies por meio das quais o arbtrio de um pode entrar em acordo com o arbtrio de
outro, segundo uma lei universal de liberdade. (Kant, 1993:46)
Observa-se na definio de Kant o carter geral do Direito, enquanto um
conjunto de normas com o objetivo essencial de regular as aes e os interesses de um
indivduo em consonncia com as aes e interesses dos demais, de modo a garantir a
coexistncia das liberdades individuais e consolidar o ordenamento social como o
principal fundamento de uma comunidade.
O Positivismo jurdico foi a primeira escola de pensamento filosfico a
fundamentar todo um arcabouo terico para o Direito, tendo Kelsen como maior cone.
A doutrina positivista definia a esfera jurdica como amoral e no-valorativa,
funcionando como uma tcnica social de ordenamento. Segundo esta escola, o Direito
deve ser considerado como um fato e no como um valor, no sentido de ordenar as
relaes sociais com base nas circunstncias concretas de existncia de determinada
sociedade, e no fundamentado em modelos ideais e abstratos de desenvolvimento
humano.
O Direito no teria, assim, qualquer responsabilidade sobre a conduta moral
dos indivduos, e nem sobre os problemas decorrentes da estratificao social,
limitando-se a legitimar um conjunto de normas atravs do poder de coero. O
ordenamento jurdico tem simplesmente a funo de garantir a coeso social, havendo
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assim direitos, na concepo positivista, mesmo em Estados autoritrios, hierarquizados
ou repressivos.
Tambm no haveria, desta forma, ligao entre Direito e justia, uma vez
que o conceito de justia necessariamente englobaria as noes de bem e mal, enquanto
o Direito deve procurar adquirir um carter cientfico e abster-se de empregar juzos de
valor. O Direito teria uma posio neutra em relao a juzos e valores, preocupando-se
estritamente com a realidade social concreta a sua volta, e no com uma realidade
abstratamente idealizada:
O Positivismo jurdico representa, portanto, o estudo do Direito como fato, no como valor: na definio do Direito deve ser excluda toda qualificao que seja fundada num juzo de valor e
que comporte a distino do prprio direito em bom e mau, justo e injusto. O direito aquele que efetivamente se manifesta na realidade histrico-social: o juspositivista estuda tal direito real sem se
perguntar se alm deste existe tambm um direito ideal.(Bobbio, 1995:136)
O Positivismo jurdico se ope, desta forma, corrente jusnaturalista, que se
fundamenta no pressuposto da universalidade da essncia humana e na idealizao de
uma sociedade baseada em valores, enumerando todo um conjunto de direitos inerentes
ao homem, que deveriam ser universalmente vlidos em qualquer circunstncia,
independentemente do perodo histrico e da realidade concretas em questo. Passa-se
assim de uma concepo histrica e amoral do Direito para uma concepo moral e
universal da proteo jurdica.
A origem dos chamados Direitos universais nos remonta Revoluo
Francesa, que sob os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, culminou com a
elaborao da Declarao dos Direitos do homem e do cidado em 1789, que defendia
valores essenciais a serem garantidos a todos os indivduos.
Esta categoria de Direitos foi consolidada mundialmente atravs da
promulgao da Declarao Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela
assemblia geral da ONU em 1948. Estariam a legitimados os Direitos Humanos,
fortalecendo a idia de que as sociedades devem ter uma conscincia moral e valorativa
em relao vida de seus indivduos, modificando-se assim a ideologia vigente sobre o
tratamento a ser dado a cada cidado:
A Declarao Universal dos Direitos do Homem representa a manifestao da nica prova atravs da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado, e portanto, reconhecido: e essa
prova consenso geral de sua validade(Bobbio, 1992:26)
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Deste modo, a sociedade global passa a ter uma base comum de valores e
princpios morais, na medida em que a Declarao Universal aceita por praticamente
todas as sociedades. A Declarao de 1948 se tornou um cone mundial, na medida em
que postula todo um universo de valores a serem consolidados no convvio social,
buscando inspirar as sociedades no sentido de um desenvolvimento mais humanitrio e
solidrio.
Volta-se a ateno para a importncia de se tratar o indivduo com respeito e
dignidade, qualquer que seja sua condio social, inaugurando assim uma nova maneira
de se pensar o Direito, na medida em que este passa a buscar, a partir de ento, a
proteo dos valores bsicos e essenciais de cada sujeito.
O Direito natural se fundamenta no pressuposto de que os homens so iguais
por natureza, baseando-se principalmente no direito vida e no direito liberdade, que
jamais poderiam ser cerceados ao homem em hiptese alguma. A condio de igualdade
humana postulada logo no artigo I da Declarao Universal dos Direitos do Homem,
onde se afirma que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
O artigo II da Declarao alerta ainda para o fato de que os direitos inerentes
ao homem so independentes da organizao especfica de cada Estado e tambm das
diferentes condies sociais de cada indivduo, j que no ser tambm feita nenhuma
distino fundada na condio poltica, jurdica ou internacional do pas ou territrio
a que pertena uma pessoa.
igualmente importante destacar a nfase dada pela Declarao proteo
da liberdade privada, liberdade esta que engloba tambm a participao poltica, onde o
documento defende os sistemas participativos ou representativos de governo como os
ideais para o desenvolvimento humano, ao postular no artigo XXI, inciso 1o, que Todo
homem tem o direito de tomar parte no governo de seu pas, diretamente ou por
intermdio de representantes livremente escolhidos.
O texto condena tambm prticas cruis de punio e persuaso, como a
tortura, por exemplo, estendendo a todos os indivduos a proteo da lei, o direito de
defesa e o acesso justia de forma igualitria e sem qualquer tipo de distino.
Percebe-se, alm disso, no artigo XXV, prenncios de garantias que
futuramente viriam a formar os Direitos Sociais, como o direito ao trabalho, ao emprego
e educao, alm de garantias a um padro de vida capaz de assegurar a si e sua
famlia sade e bem-estar, inclusive alimentao, vesturio, habitao, cuidados
mdicos e os servios sociais indispensveis, e direito segurana em casos de
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desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistncia e circunstncias fora de seu controle.
Igualmente interessante observar a meno proteo da criana no
mesmo artigo, indicando a orientao do Direito no sentido de uma especializao da
tutela em relao a grupos especficos da sociedade, processo este que seria consolidado
mais tarde nas mudanas relativas aos direcionamentos dos contedos do Direito.
E, finalmente, discute-se muito o polmico artigo XVII, que institui a
propriedade privada como um direito natural:
1 Todo homem tem direito propriedade, s ou em sociedade com outros.
2 Ningum ser arbitrariamente privado de sua propriedade.
Ao se conceber a propriedade privada como um direito natural do homem,
legitima-se na prtica a desigualdade social, na medida em que dificilmente o acesso a
oportunidades de desenvolvimento e ascenso social ser igual para todos os sujeitos.
No est explcito nesta formulao o limite propriedade, tornando lcita uma
acumulao desigual e a estratificao social entre os indivduos, legitimando assim os
fundamentos capitalistas sob os pressupostos do direito natural.
Resultado desta polmica que nos documentos posteriores de
recomendaes e tratados da ONU em relao aos direitos humanos esto excludas
quaisquer referncias propriedade, tornando evidente que a desigualdade social no
pode ser concebida como parte de um processo natural de direito propriedade.
Poderamos vislumbrar com estas observaes que os chamados Direitos
naturais no seriam assim to naturais como se pensa, mas antes esto tambm
inseridos em um contexto ideolgico e poltico de determinada sociedade e de
determinado perodo histrico.
Apesar de postular uma universalizao do status do indivduo, os valores e
ideais a que aspiram os direitos humanos tambm variam conforme a poca e a
comunidade em questo, o que se torna claro com o problema da propriedade privada
citado anteriormente, confirmando a idia de que tambm os direitos do homem so
direitos histricos, que emerge gradualmente das lutas que o homem trava pela sua
prpria emancipao e das transformaes das condies de vida que essas lutas
produzem.(Bobbio, 1992:32)
O que parece ser natural hoje poderia no ser assim considerado no passado,
e provavelmente pode tambm ser descartado deste status no futuro. Os homens
mudam, os pensamentos retrocedem ou evoluem e a sociedade se transforma, fazendo
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com que as noes de direito natural ou direito essencial tambm estejam sujeitas
s especificidades sociais de determinada realidade.
Assim sendo, a idealizao do homem abstrato passa pela anlise da
realidade concreta deste homem, onde se observam suas condies de vida, suas
necessidades e suas dificuldades, elaborando-se um direito natural que passa a atuar
empiricamente como um conjunto de valores e ideais a serem consolidados no contexto
social da vida humana atravs de sua legitimao pelo poder dos aparelhos estatais:
Uma coisa um Direito; outra, a promessa de um Direito futuro. Uma coisa um Direito atua; outra, um Direito potencial. Uma coisa ter um Direito que , enquanto reconhecido e protegido, outra ter um Direito que deve, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se,
de objeto de discusso de uma assemblia de especialistas, em objeto de deciso de um rgo legislativo dotado de poder de coero.
(Bobbio, 1992:83)
A constatao de que os contextos histrico, social e poltico interferem
diretamente no ordenamento jurdico nos leva reflexo de que no podemos
generalizar a condio humana como postula a corrente jusnaturalista, onde temos de
estar atentos para o fato de que os homens so diferentes e vivem de forma diferente.
So inmeras as diferenas entre os homens, que ora podem ser naturais, ora
podem ter uma origem social. Como exemplo poderamos citar o caso dos deficientes
fsicos, naturalmente diferentes, e a extrema desigualdade econmica entre grupos de
indivduos, diferena esta tipicamente social. O idoso, objeto de anlise neste trabalho,
tambm pode ser considerado diferente na medida em que se caracteriza como um
indivduo que est vivendo uma etapa particular da vida humana, o que requer cuidados
especiais e um tratamento diferenciado por parte do Estado.
As diferenas entre os indivduos muitas vezes j colocam dificuldades
intrnsecas para a vida cotidiana, fazendo com que a consolidao da Cidadania e das
garantias sociais se torne um processo lento e complexo. Porm, importante ressaltar o
processo tardio do Direito em reconhecer estas categorias sociais especficas como
objeto de tutela jurdica, j que somente em nossos dias atuais consolidam-se
legislaes voltadas especialmente para atender s necessidades peculiares inerentes a
grupos sociais especficos.
Observando a realidade concreta e constatando a diversidade social
existente, John Rawls elaborou a sua Teoria da Justia fundamentada nos princpios do
equilbrio e da correo das desigualdades.
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O autor prope que as instituies sociais devem corrigir possveis
diferenas sociais, de modo a garantir a prpria segurana da comunidade.
Reconhecendo que inevitavelmente as sociedades apresentaro graus de estratificao,
cabe s instituies formais concederem benefcios sociais de maneira que atenuem,
pelo menos, os nveis desta desigualdade.
Rawls defende, inclusive, que se deve at mesmo priorizar as classes mais
carentes em caso de desigualdades sociais extremas, afirmando que para tratar
igualmente todas as pessoas, para permitir uma genuna igualdade de oportunidades, a
sociedade deve dar melhor ateno aos que nasceram em posies sociais menos
favorecidas. (Rawls, 2002:95)
A justia seria efetivamente alcanada atravs da correo das desigualdades
naturais e sociais, tornando assim possvel o pleno exerccio da cidadania e do usufruto
dos direitos sociais por todos os indivduos. O autor no questiona uma possvel justia
ou injustia no caso das desigualdades naturais e sociais existentes entre os homens,
mas julga como justa ou injusta a atuao das instituies sociais no processo de
reparao e minimizao destas desigualdades.
Seria legtimo, desta forma, ocorrer um desequilbrio na orientao das
garantias e dos benefcios sociais segundo a concepo de Rawls, desde que em favor
dos menos favorecidos. Podemos citar o caso de vagas especiais destinadas a portadores
de deficincias fsicas em concursos pblicos e o programa de destinao de cotas
universitrias para grupos sociais considerados excludos e desprivilegiados como
exemplos da aplicao efetiva deste princpio.
O Direito estaria, ento, inserido em um processo de responsabilidade
perante as diferenas sociais, cabendo tambm ao ordenamento jurdico viabilizar meios
que propiciem o equilbrio social atravs da implementao de polticas sociais
especificamente direcionadas para grupos marginalizados.
O processo de especializao do Direito marca definitivamente a insero da
esfera jurdica no reconhecimento e na valorizao das mltiplas identidades sociais,
fortalecendo-as atravs da defesa de suas demandas especficas. A diferena passa a ser
defendida como um valor pessoal de cada indivduo e de cada grupo social que deve ser
respeitado, fazendo com que o Direito evolua no sentido de legitimar uma sociedade
plural, heterognea e minimamente igualitria.
A especializao do Direito marca definitivamente o processo de passagem
da tutela dos direitos do homem para os direitos do cidado. Isto significa a reorientao
do olhar sobre o homem e sobre a prpria noo de indivduo, onde a partir de agora se
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contextualiza o ser humano enquanto um sujeito historicamente, socialmente e
temporalmente determinado, e no mais como um sujeito abstrato e universal dotado de
uma mesma essncia e das mesmas necessidades.
Desta forma, o Direito no pode mais conceber o homem de maneira
universal e abstrata como propunha a teoria jusnaturalista, e muito menos se manter
neutro e amoral diante dos problemas sociais como defendia o positivismo jurdico,
adquirindo assim uma importante funo de garantir e efetivar a cidadania atravs da
tutela das mltiplas identidades e grupos sociais existentes. Esta nova face do Direito,
marcada pela especificao e pela ampliao dos grupos e sujeitos merecedores de
amparo jurdico.
Vivemos num momento histrico marcado pelo que Bauman chama de
guerra de reconhecimento, caracterizado pela constante e crescente emergncia de
reivindicaes de grupos sociais que lutam pela afirmao de seus direitos, abrindo-se
assim um variado leque de novas identidades que mostram a sua cara e exigem que
sejam ouvidos, realando o carter multifacetado existente em nossas sociedades atuais.
Isto significa que:
Se o reconhecimento for definido como o direito participao na interao social em condies de igualdade, e se esse direito for por sua vez concebido como uma questo de justia social,
isso no quer dizer que todos tenham direitos iguais estima social, mas apenas que todos tm direito de procurar a estima social em condies de igualdade.
(Bauman, 2003:72)
A luta pelo reconhecimento pretende reforar a idia de um dilogo
multicultural que perpasse a estratificao das classes sociais, afirmando o direito de
cada grupo social lutar pelos seus respectivos interesses sem qualquer tipo de
discriminao ou impedimento social, mesmo que a sociedade ainda se mostre
empiricamente injusta e desigual. Agora todos participam, discutem e reivindicam, e
este se torna um Direito estendido a todas as formas de expresso cultural e identitria.
Desta forma, a consolidao da cidadania pelo Direito tem que levar em
considerao tais peculiaridades e diferenas existentes entre os indivduos, de modo a
garantir a todos, indistintamente, os padres mnimos de qualidade de vida e dignidade.
Esta mudana de sentido do Direito est envolvida, alm da questo cultural,
no contexto de uma discusso acerca de possveis solues para problemas como a
desigualdade social e a misria, presentes em praticamente todos os pases do mundo.
Elaboram-se programas governamentais, acordam-se tratados internacionais e mobiliza-
se at mesmo a sociedade civil no debate em torno destas mazelas sociais.
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Diante deste quadro, o Direito tambm passa a ser cobrado enquanto um
instrumento voltado para a consolidao da cidadania, tendo que dar sua contribuio
soluo de tais questes, fazendo com que os processos legislativos e a aplicao das
normas se voltem obrigatoriamente para um contexto de justia social, passando a ter
responsabilidades diretas na mediao dos conflitos de classe e na diminuio das
desigualdades sociais.
O Direito evolui, ento, no sentido de uma reconceituao funcional,
caminhando no sentido de passar de um instrumento meramente regulador e ordenador
da vida social para atuar como um elemento transformador, ligando-se diretamente
busca pela qualidade de vida e pelas condies mnimas de bem-estar e sobrevivncia.
Com a complexidade da estrutura social das sociedades modernas e com a
crescente estratificao existente dentro de um sistema de classes tpico das sociedades
capitalistas, o Direito passa, ento, a ser utilizado como um instrumento de luta pela
igualdade social e pela efetividade das garantias sociais.
Surgem assim os chamados Direitos Sociais, cada vez mais reivindicados
por todas as camadas da sociedade em nome de valores e condies de sobrevivncia
que, em tese, deveriam ser comuns a todos os seres humanos, j que dignidade e
qualidade de vida seriam aspectos indispensveis para o pleno desenvolvimento dos
potenciais humanos, desenvolvimento este que seria um direito inerente prpria
condio humana enquanto tal.
Os direitos sociais so definidos no conceito clssico de cidadania elaborado
por Marshall, que apresenta nesta definio trs categorias principais de Direitos: os
direitos civis, que consistem basicamente na proteo do indivduo contra possveis
arbitrariedades do Estado; os direitos polticos, que se caracterizam pela liberdade de
participao dos indivduos nos processos de discusso e deciso dos assuntos pblicos;
e, finalmente, os direitos sociais, que consistem em garantias sociais que consolidem o
direito a um mnimo de bem-estar econmico e segurana ao direito de participar, por
completo, na herana social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os
padres que prevalecem na sociedade. (Marshall, 1967:63-64)
Observa-se claramente na definio de Marshall a preocupao com a
diminuio das desigualdades sociais, uma vez sua formulao ressalta o direito a todos
os indivduos de terem condies de vida compatveis com o padro geral existente na
sociedade, ou pelo menos, de terem condies de vida prximas a este padro,
excluindo-se assim diferenas extremas entre indivduos de classes sociais diferentes.
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Os Direitos sociais tendem, ento, a se especializarem cada vez mais,
seguindo na direo de uma maior especificao em termos seja de gnero, seja de
idade ou fases da vida, ou seja ainda em Estados particulares ou excepcionais da
espcie humana. (Domingues, 2001:217)
Legislaes especficas tm a importncia de observar as diferenas
humanas em todos os seus aspectos, abrindo indicativos de solues para problemas
sociais que tm causas mltiplas e diferenciadas. Os problemas de uma criana no so
os mesmos de um idoso, assim como as dificuldades de um indivduo pertencente a uma
classe abastada no so as mesmas de um sujeito pertencente a uma classe empobrecida,
caracterizando assim situaes completamente diversas dentro de uma mesma
sociedade.
Da a necessidade de estatutos e leis especficas voltadas para grupos
particulares, onde a partir de demandas mpares de cada grupo estipulam-se garantias
igualmente diferenciadas para cada um deles.
Exige-se assim que o Direito tenha que se multiplicar de acordo com cada
uma das necessidades que se mostram presentes. Demandas mltiplas pedem solues
igualmente mltiplas, que no tero necessariamente correlao entre si, por estarem
tratando de questes relacionadas a um grupo peculiar, estando a o esprito das
legislaes especficas.
Bobbio apresenta trs caminhos fundamentais pelos quais o Direito foi
conduzido necessidade da especificao. Em primeiro lugar, aumentou a quantidade
de bens considerados merecedores de tutela, criando-se assim novos objetos passveis
de proteo e anlise jurdica. Em segundo lugar, foi estendida a titularidade de
alguns direitos tpicos a sujeitos diversos do homem, e finalmente, o prprio homem
no mais considerado como ente genrico, ou homem em abstrato, mas visto na
especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade....
(Bobbio,1992:68)
O aumento dos bens merecedores de tutela significa a extenso e a
ampliao dos direitos individuais, como o incremento dos direitos sociais e o direito
participao poltica. Passa-se da chamada liberdade negativa, onde o indivduo tinha
apenas um conjunto elementar de direitos voltados para a sua proteo contra possveis
ameaas do Estado e de outros sujeitos contra a sua vida, para a liberdade positiva, onde
cada indivduo passa a ser dotado de um poder reivindicatrio e de liberdade de atuao
dentro da dinmica social. Reconhece-se e legitima-se uma srie de garantias,
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aumentando o status de cada cidado atravs da ampliao de seus direitos de
participao.
Bobbio observa tambm a extenso de direitos ao que chama de sujeitos
diversos do homem, o que significa o reconhecimento e a proteo jurdica a grupos
sociais vistos como um todo, segundo as suas necessidades e aspiraes, onde o Direito
passa a tutelar no somente direitos individuais a sujeitos isoladamente concebidos, mas
tambm a grupos que possuam identidade e necessidades comuns, demandando uma
proteo social que pode ser tutelada coletivamente. As garantias concedidas s
minorias tnicas podem ser um exemplo desta nova expresso do Direito.
A especificao inaugura um novo momento do Direito, onde o homem-
cidado passa a ser observado agora segundo as suas condies particulares de vida,
seja em termos de gnero, idade ou deficincias, fazendo com que a prpria luta pela
cidadania adquira contornos igualmente especficos, variando de sujeito para sujeito ou
de sociedade para sociedade. Os direitos fundamentais vida e liberdade no so mais
suficientes numa sociedade que se torna cada vez mais complexa, diversificada e
exigente de um modo geral.
Deste modo, quando se pretende garantir aos indivduos proteo e
benefcios sociais atravs do Direito, deve-se pensar nas necessidades especficas e
contingentes que cada sujeito possui de modo a suprimir possveis entraves e obstculos
sua plena cidadania e ao desenvolvimento, consolidando assim o equilbrio social.
Desta forma, a igualdade ser alcanada a partir da diferena. preciso
minimizar as diferenas entre os indivduos de modo que cada um possa, de alguma
forma, dar sua contribuio sociedade e dela receber os benefcios a que tem direito,
cabendo esfera jurdica consolidar garantias que visem a harmonia no exerccio da
cidadania.
Surge, ento, o Direito dos deficientes fsicos e o Direito dos Idosos, por
exemplo, como expresses de garantir aos sujeitos pertencentes a cada um destes grupos
a possvel reduo de suas dificuldades, que os impedem de participar ativamente da
dinmica social.
Utilizamos aqui o Direito dos Idosos como smbolo do processo de
especificao e adequao do Direito s novas demandas sociais, mostrando assim que a
elaborao jurdica deve estar em constante reflexo sobre as dinmicas sociais a que
serve.
Longe de ser um sistema fechado e imutvel, o Direito deve estar sempre
pronto a inserir, modificar ou reformular fundamentos que se mostrem
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descontextualizados em relao realidade social concreta. Assim, todo Direito
temporrio: apenas transitoriamente constitui a expresso legtima das condies
adequadas de desenvolvimento. (Wolkmer, 2001:68)
As necessidades do idoso no Brasil no so as mesmas necessidades do
idoso em outros pases, assim como as demandas de hoje podem no ser as mesmas
demandas de amanh, j que nossas sociedades se transformam de maneira profunda,
imprevisvel e, muitas vezes, irreversvel.
Isto obriga o Direito a uma constante reflexo sobre si prprio caso pretenda
atuar de forma determinante na sociedade de modo a no perder o contato com a
realidade, o que tiraria o seu significado e a sua importncia, pois neste caso passaria a
representar simplesmente um ordenamento social minimamente necessrio para a
coexistncia pacifica, e no mais funcionar enquanto um instrumento de transformao
social, que deve ser sempre o seu referencial.
Transformao social e Direito devem estar obrigatoriamente relacionados, o
que deve resultar numa relao de interpendncia entre ambos, onde o Direito deve
assimilar as demandas sociais provenientes de uma nova realidade que se faz presente,
assim como esta nova realidade deve igualmente se adaptar s novas exigncias
impostas pelo Direito, de modo a orientar as relaes sociais e dinamizar o
desenvolvimento coletivo.
A elaborao jurdica exige neste momento um olhar atento sobre a
sociedade, j que o nascimento, e agora o crescimento dos direitos do homem so
estreitamente ligados transformao na sociedade, como a relao entre a
proliferao dos direitos do homem e o desenvolvimento social o mostra claramente.
(Bobbio,1992:73)
Quanto mais complexa a sociedade, maior a demanda por direitos, e quanto
mais diversificada economicamente e culturalmente, maior ainda as exigncias e
tambm as dificuldades a serem enfrentadas pelo Direito.
O Direito do Idoso um reflexo imediato da relao entre mudana social e
Direito, sendo resultado da observao de que os indivduos situados nesta fase da vida,
no caso a idade avanada, necessitam de cuidados especficos, exigindo-se assim uma
legislao igualmente especfica que remova quaisquer empecilhos que eventualmente
levem excluso destes indivduos da sociedade.
Os idosos se tornam um objeto peculiar do Direito por possurem
caractersticas fsicas, naturais e sociais prprias da sua condio, e que
conseqentemente demandam problemas e solues igualmente singulares, no
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podendo assim, serem includos em outra modalidade a no ser em um especfico e
exclusivo Direito do Idoso.
A funo do Direito dos Idosos seria, ento, a de minimizar as diferenas
pertinentes a uma pessoa idosa de modo a permitir que esta condio no seja um
obstculo para o exerccio da cidadania, e mais do que isso, possibilite aos idosos uma
relativa igualdade de acesso s oportunidades e aos benefcios sociais em relao aos
demais indivduos, tirando-os de uma situao de excluso social e inserindo-o como
um elemento produtivo e funcional dentro da sociedade.
A dificuldade que se observa, porm, que a relativa melhoria da qualidade
de vida em geral nas sociedades e o aumento da expectativa de vida, devido ao
incremento da tecnologia e do acesso a bens e servios, no acompanhada de um
equivalente planejamento social em relao populao idosa, fazendo com que a rede
de proteo social ainda se mostre extremamente deficiente em relao a esta parcela da
sociedade.
A busca pela efetividade dos Direitos dos Idosos se caracteriza, assim, como
um processo que adquire o carter de um movimento social de luta pela afirmao
destes direitos, realando novas maneiras de se pensar o idoso a partir de sua insero
nas transformaes ocorridas em uma sociedade marcada por novas dinmicas, novas
problemticas e por novos grupos de conflito.
A luta pela consolidao dos direitos dos idosos serve para ilustrar as
caractersticas marcantes dos movimentos sociais de nossos dias, que apresentam
sentidos diferenciados em relao aos movimentos sociais de pocas anteriores. Neste
ponto chama a ateno que h uma tendncia para a base social dos novos
movimentos sociais transcender a estrutura de classes, j que emergem conflitos com
base em ideais que perpassam a questo econmica e o sistema de diviso de classes.
(Gohn, 1997:127)
Percebemos que a problemtica dos idosos no uma questo que possa ser
reduzida esfera econmica e ao sistema scio-econmico de diviso de classes, uma
vez que ser uma pessoa idosa uma fase natural da vida que suscita dificuldades
inerentes a esta condio, independentemente da posio social de um indivduo idoso.
Em geral, idosos pertencentes a classes consideradas ricas assim como
idosos pertencentes a classes consideradas pobres, passam por dificuldades semelhantes,
que demandam, desta forma, as mesmas solues, como por exemplo, as dificuldades
de locomoo, que exigem adaptaes em meios de transporte, habitaes e espaos
pblicos.
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claro que algumas dificuldades podem ser atenuadas pelo acesso a bens de
consumo e servios de qualidade viabilizados por uma condio econmica favorvel.
Porm, muitas vezes o aspecto financeiro no pode minimizar alguns problemas em
relao ao idoso, fazendo da sua luta um movimento que envolve questes econmicas,
culturais, polticas e naturais.
O aspecto cultural presente na demanda pelo Direito dos idosos explicita
mais uma vez o carter peculiar da condio desta parcela da populao, envolvendo a
emergncia de novas dimenses de identidade e aspectos ntimos da vida humana.
(Gohn, 1997:127)
Podemos caracterizar a crescente mobilizao pela causa dos idosos como
resultado do fortalecimento da identidade coletiva deste grupo, identidade esta reforada
pelas suas caractersticas em comum que os tornam diferenciados do restante da
populao. Ser idoso passa, ento, a se configurar como uma nova identidade social que
supre todas as identidades anteriores da experincia de vida da pessoa, como as
identidades relacionadas classe social ou ao trabalho, por exemplo.
Na identidade coletiva dos idosos no importa se nos referimos a mdicos ou
operrios, sujeitos ricos ou pobres ou a indivduos brancos ou negros, ali todos so
idosos, e mais do que isso, todos so igualmente idosos que tm os mesmos problemas e
reivindicam os mesmos direitos, e esta a identidade que prevalece neste momento,
criando assim uma nova identidade coletiva e um novo fenmeno social.
Infelizmente, nossas sociedades tm memria curta, e todo a histria devida
de um indivduo pode ficar deslocada para segundo plano e at mesmo completamente
esquecida em funo de seu envelhecimento, onde tais sujeitos passam a ser vistos
simplesmente como velhos, marcados pela debilidade mental, pela invalidez fsica e
pela improdutividade, sendo assim completamente desintegrado da dinmica social.
Olhamos para o mundo a nossa volta e enxergamos apenas aspiraes
materiais, no existindo mais lugar para um indivduo idoso em nossa organizao
social. Nos esquecemos, porm, que inevitavelmente todos temos este destino comum: a
condio de idoso. Hoje so eles, amanh somos ns.
O idoso se apresenta, ento, como mais um grupo social que se mostra
excludo de oportunidades e benefcios em nossas sociedades atuais. O Direito dos
Idosos surge como uma alternativa para compensar ou, pelo menos, minimizar os danos
causados por uma organizao scio-econmica que no valoriza o que ns somos, mas
aquilo que ns produzimos. E se no produzimos no somos nada, praticamente no
participamos da vida social.
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O Direito passa a ter a difcil misso de colocar-se contra a tendncia
degradao da espcie humana desencadeada pelo capitalismo, tendo que conceder
garantia e proteo contra as mazelas humanas que o sistema capitalista insiste em
caracterizar como inevitveis ao processo de evoluo das sociedades.
Pronto a se questionar no momento em que a sociedade se questiona, o
Direito se torna um instrumento de resgate da cidadania e da dignidade humana. Este
o ponto de chegada do processo de evoluo do Direito em nossos dias atuais, onde ele
se multiplica e se especifica na tentativa de resolver os problemas e as usurpaes
sociais que igualmente se multiplicam e se especificam.
Temos que concordar com Weber quando percebemos a Irracionalidade
tica do mundo3, na medida em que os conflitos sociais se tornaram inevitveis e
irreconciliveis, tornando praticamente impossvel a existncia de um direito para todos.
A especializao do Direito carrega em si um lado negativo, onde os direitos de um
grupo podem estar em conflito com os direitos de outro grupo, cabendo esfera jurdica
a inusitada misso de conciliar interesses inconciliveis. Da o carter irracional de
nossas sociedades descrito por Weber, onde apenas uma parte da sociedade ter suas
necessidades plenamente atendidas s custas do desfavorecimento da outra parte.
O ideal dos Direitos dos idosos exatamente resgatar o respeito a este grupo
de indivduos que no pode mais passar despercebido. Os direitos j foram legitimados,
s nos resta agora lutar pela sua efetiva consolidao, e passar do discurso para a
prtica, do texto para o cotidiano, da conscincia para a ao...
3 Ver Freund, Julien: Sociologia de Max Weber,1975.
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3. O Mundo que envelhece: um Impacto Demogrfico, uma Transformao Social
O envelhecimento da populao mundial o novo desafio a ser enfrentado
em nossas sociedades, atingindo tanto os pases desenvolvidos quanto os pases
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Pelo carter indito da transformao do
perfil das populaes mundiais, o mundo enfrenta agora a misso de se adaptar a esta
nova dinmica demogrfica e de enfrentar os problemas dela decorrentes.
Observando-se as transformaes demogrficas da populao em todo o
mundo, percebemos dados que ratificam a urgncia na implementao de um
planejamento social voltado para o amparo ser dado ao segmento idoso, que est
gradativamente deixando de ser uma minoria para se tornar um grupo que atinge
propores quantitativas determinantes e relevantes para toda a estrutura social.
Em 1950, estimavam-se cerca de 204 milhes de idosos no mundo e, j em
1998, quase cinco dcadas depois, este contingente alcanava 579 milhes de pessoas,
um crescimento de quase 8 milhes de pessoas idosas por ano. Calculados em torno de
600 milhes de indivduos no ano 2000, os idosos podem atingir a marca de 2 bilhes
em 2050, o que significaria a duplicao da populao idosa mundial, que passaria da
proporo de 10% para representar 21% da populao mundial total.
Para termos uma idia mais clara do crescimento da populao idosa em
todo o mundo, dados nos mostram que atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60
anos de idade ou mais; para 2050, estima-se que a relao ser de um para cinco para a
populao global, e de um para trs para o mundo desenvolvido.
Concretizando-se estas projees, teremos um surpreendente perfil
demogrfico da populao mundial, onde o nmero de idosos ser maior do que o
nmero de crianas, podendo-se chegar at mesmo ao dobro de idosos em relao
populao infantil no caso de alguns pases desenvolvidos.
interessante destacar tambm o aumento do nmero de idosos acima dos
80 anos, estimados em 70 milhes no 2000 e podendo alcanar a marca de 350 milhes
num perodo de 50 anos. Chama a ateno o fato de que este segmento da populao
idosa a que apresenta o ritmo mais acelerado de crescimento, projetando-se que passe
a representar cerca de 19% da populao mundial acima dos 60 anos em meados de
2050.
Devido idade extremamente avanada e s dificuldades inerentes a esta
etapa de vida, este grupo demanda uma ateno especial por parte do Estado, j que
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necessitam de cuidados diferenciados ainda maiores em relao ao restante da
populao em geral.
O quadro abaixo apresenta o percentual que a populao idosa representa
nos pases destacados, onde percebemos que so exatamente os paises mais
desenvolvidos que apresentam os maiores ndices de indivduos acima dos 60 anos:
Pas Proporo da populao idosaItlia 23,1%Japo 22,3%
Alemanha 21,8%Reino Unido 20,4%
Frana 19,7%Estados Unidos 15,9%
Argentina 13,2%Cuba 13%China 10,8%Brasil 8,6%
Fonte: Demografic Year Book, ONU, 1999.
As projees indicam um crescimento maior da populao idosa nos pases
subdesenvolvidos, estimando-se que o segmento idoso destes pases poder se
quadruplicar nos prximos 50 anos, passando a representar cerca de 19% da populao
total destes pases. Podemos citar como exemplo a sia e a Amrica Latina, onde se
espera um crescimento da populao idosa de 8% para 15% neste perodo de tempo.
Este crescimento seria explicado pela crescente melhoria da qualidade de vida e da
infra-estrutura social destes pases, o que elevaria a expectativa de vida.
Dentre os pases classificados como desenvolvidos, que j apresentam um
percentual relativamente alto de idosos, devido boa qualidade de vida e aos altos
nveis de desenvolvimento econmico, podemos tomar como exemplo a Europa, onde
se estima um aumento do percentual de idosos de 20% para 28%, e a Amrica do Norte,
onde se projeta um crescimento proporcional do segmento idoso de 16% para 26% da
populao total.
Dentre os dados mais relevantes em relao ao envelhecimento mundial da
populao, merece destaque o fato de que a maioria destes indivduos do sexo
feminino, parcela que corresponde a 55% do total de idosos.
Alm disso, observam-se tambm diferenas estruturais no perfil e nas
condies de vida da populao idosa nos pases desenvolvidos e nos pases
subdesenvolvidos, o que acarreta na elaborao de polticas pblicas especficas
segundo as necessidades e os problemas de cada pas.
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Um dos contrastes mais srios observados consiste na distribuio da
populao entre as zonas urbana e rural. A populao idosa presente nos pases
desenvolvidos concentra-se majoritariamente nas zonas urbanas, estimando-se que em
2025 cerca de 82% dos idosos vivam nestas regies. Os pases subdesenvolvidos, ao
contrrio, apresentam uma grande concentrao da populao idosa nas zonas rurais,
projetando-se para 2025 um cenrio onde menos da metade desta populao estar
vivendo nas zonas urbanas.
A distribuio populacional desigual entre as zonas rural e urbana implica
em srias conseqncias para o desenvolvimento e a proteo social dos idosos nos
pases subdesenvolvidos.
Na medida em que possuem mecanismos estatais e institucionais deficientes
e insuficientes para resolver as demandas sociais, tais pases tendem a apresentar
imensas discrepncias entre as condies de vida na zona rural e na zona urbana. Muitas
vezes as zonas rurais encontra-se em estado de abandono, onde os benefcios sociais e a
estrutura de amparo do Estado no chegam a estas regies, e muitas vezes nem so
conhecidas por seus moradores. Isso significa que a grande maioria da populao idosa,
concentrada nestas reas, pode estar condenada a viver em condies de vida precrias,
sem acesso a um mnimo de servios essncias subsistncia.
No estamos aqui falando estritamente de nmeros e dados estatsticos, mas
da qualidade de vida de milhares de indivduos situados na condio de idoso, e
principalmente de uma nova sociedade que se forma, exigindo a reformulao das
polticas pblicas e do planejamento estatal visando ao desenvolvimento deste novo
perfil social. Na situao dos pases subdesenvolvidos, por exemplo, seria necessrio
rever todo planejamento social de modo que os investimentos no desenvolvimento
social e na consolidao de benefcios fossem efetivamente estendidos populao
rural, onde estaria situada a maioria da populao idosa, o que tornaria mais homognea
a qualidade de vida no campo e na cidade.
A velhice , assim, uma questo social que diz respeito a toda a sociedade,
e no unicamente s pessoas idosas. A mudana do perfil populacional provoca
mudanas em toda a estrutura e organizao social, o que afeta indistintamente todos os
indivduos, independentemente de sua idade.
O papel e as atribuies do Estado passam a ser relevantes para se
determinar o nvel em que as transformaes demogrficas afetaro a populao,
exigindo que o Estado se reformule diante de uma nova circunstncia que surge e de
novas necessidades que se apresentam.
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Por um lado, pode-se pensar em uma situao de desequilbrio social onde o
Estado no ser capaz de suportar o fardo do envelhecimento populacional, adotando
como sada a privatizao de servios e benefcios pblicos, como o sistema
previdencirio, por exemplo, transferindo-se assim parte da responsabilidade do Estado
para a iniciativa privada e para a sociedade civil em geral. Por outro lado, vislumbram-
se alternativas para se adaptar s transformaes demogrficas, como a criao de mais
postos de trabalho atravs do fomento da economia proporcionado pelo incentivo ao
consumo e s atividades de lazer e cultura voltadas para o pblico idoso.
A atuao do Estado e de toda a sociedade sobre este novo mundo que se
apresenta diante de ns exige reflexo, discusso e atitude. Diante da constatao da
necessidade imediata de amparo e proteo social ao segmento idoso, este tema passou
a fazer parte da agenda oficial dos Estados atravs de Assemblias e Encontros
envolvendo representantes de praticamente todos os pases do mundo, o que resultou na
elaborao de Documentos e Tratados Internacionais voltados para a ateno ao idoso.
A conscientizao mundial sobre a necessidade de se discutir
especificamente as problemticas relativas populao idosa se concretizou a partir de
1977, quando a ONU decide convocar uma Assemblia Geral para debater as questes
relativas populao idosa e propor, a partir da, polticas pblicas e programas sociais
que venham a proporcionar uma boa qualidade de vida para este segmento da sociedade.
Isto mostra que a discusso sobre os problemas sociais relacionados
populao idosa um debate recm-inaugurado. At antes do perodo citado, o idoso
raramente era objeto de discusso nas assemblias da ONU, sendo apenas
esporadicamente mencionado dentro de algum debate inserido em um tema mais amplo,
como trabalho ou sade, por exemplo, mas nunca tratado isoladamente segundo os
problemas especficos de seu grupo.
O ano de 1999 foi institudo como o Ano Internacional do Idoso, marcado
por uma serie de atividades visando conscientizao mundial sobre as questes do
envelhecimento. O 1o de Outubro passou a ser celebrado em praticamente todo o mundo
como o Dia do Idoso, momento oportuno para lembrar as dvidas que a sociedade
possui junto a este segmento.
O marco deste movimento foi a instituio do tema Uma sociedade para
todas as idades, que passou a funcionar como o grande fundamento filosfico em
defesa dos idosos, no sentido de postular a construo de uma sociedade em que todas
as geraes obtenham benefcios da vida coletiva e tenham oportunidades de
desenvolvimento e participao.
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Quando se fala em uma sociedade para todas as idades temos que pensar na
existncia de uma estrutura social que adote polticas e programas sociais que
estimulem o desenvolvimento pessoal de todos os indivduos, fundamentando-se na
noo de que a integrao entre todos facilitar, por conseqncia, a evoluo individual
de cada um.
fcil perceber que ainda estamos longe de alcanarmos uma sociedade
organizada sob estes princpios, a no ser se pensarmos de maneira extremamente vaga
e utpica. O desenvolvimento do capitalismo exige uma sociedade materialista e
competitiva, enfraquecendo os laos de solidariedade e cooperao entre os indivduos.
O individualismo impera, e a diferenciao entre os indivduos e as classes sociais se
torna algo inerente ao sistema.
Quando se trata especificamente do idoso, a idia de uma sociedade para
todas idades se torna um sonho ainda mais distante, na medida em que se unem fatores
negativos como a criao de esteretipos pejorativos, a excluso do mercado de trabalho
e a deficincia da assistncia social por parte do Estado. O idoso se coloca numa
posio de excluso em praticamente todas as esferas sociais, perdendo seu poder
aquisitivo e a qualidade de vida que tinha ainda mais jovem.
Nos resta como esperana perceber que a idia de uma sociedade que seja
realmente estruturada para todas as idades pode estar a caminho, pois os primeiros
passos j foram dados em relao posio do idoso na sociedade. Nos serve como
consolo observar que toda a mobilizao mundial em prol da proteo do idoso ocorrida
ao longo dos ltimos 20 anos resultou na formulao de tratados, orientaes e
legislaes, que esperamos serem efetivamente consolidadas com a evoluo deste
processo. O primeiro passo foi dado, restam muitos outros pela frente.
Analisaremos, ento, os principais documentos e encaminhamentos
internacionais que foram resultado desta conscientizao mundial em relao aos
idosos, procurando estabelecer em elo de ligao e evoluo entre cada um deles. Alm
do complexo Plano de Ao Internacional elaborado em 1982 e incrementado em 2002,
tambm merecem destaque os Princpios das Naes Unidas para o Idoso, formulado
em 1991, e a Declarao de Toronto, elaborada pela Organizao Mundial de Sade
(OMS) em 2002.
3.1 - A I Assemblia Mundial sobre o Envelhecimento
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Ocorre no ano de 1982, em Viena, ustria, a I Assemblia Mundial sobre o
envelhecimento, organizada com a finalidade de se discutir o processo de
envelhecimento