Experiências históricas Afro-brasileiras · Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária) ......

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Experiências históricas Afro brasileiras Helder Alexandre Medeiros de Macedo Joel Carlos de Souza Andrade Organizadores

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  • Experincias histricas

    Afro-brasileirasHelder Alexandre Medeiros de MacedoJoel Carlos de Souza AndradeOrganizadores

  • Reitorangela Maria Paiva CruzVice-ReitorJos Daniel Diniz Melo

    Diretoria Administrativa da EDUFRNLuis lvaro Sgadari Passeggi (Diretor)Wilson Fernandes de Arajo Filho (Diretor Adjunto)Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretria)

    Conselho EditorialLuis lvaro Sgadari Passeggi (Presidente)Alexandre Reche e SilvaAmanda Duarte GondimAna Karla Pessoa Peixoto BezerraAnna Ceclia Queiroz de MedeirosAnna Emanuella Nelson dos Santos Cavalcanti da RochaArrailton Araujo de SouzaCarolina TodescoChristianne Medeiros CavalcanteDaniel Nelson MacielEduardo Jose Sande e Oliveira dos Santos SouzaEuzbia Maria de Pontes Targino MunizFrancisco Dutra de Macedo FilhoFrancisco Welson Lima da SilvaFrancisco Wildson ConfessorGilberto CorsoGlria Regina de Gis MonteiroHeather Dea JenningsJacqueline de Araujo CunhaJorge Tarcsio da Rocha FalcoJuciano de Sousa LacerdaJulliane Tamara Arajo de MeloKamyla Alvares Pinto

    Secretria de Educao a Distncia Maria Carmem Freire Digenes RgoSecretria Adjunta de Educao a DistnciaIone Rodrigues Diniz MoraisCoordenadora de Produo de Materiais DidticosMaria Carmem Freire Digenes RgoCoordenadora de RevisoMaria da Penha Casado AlvesCoordenador EditorialJos Correia Torres NetoGesto do Fluxo de RevisoRosilene Paiva

    Luciene da Silva SantosMrcia Maria de Cruz CastroMrcio Zikan CardosoMarcos Aurlio FelipeMaria de Jesus GoncalvesMaria Jalila Vieira de Figueiredo LeiteMarta Maria de ArajoMauricio Roberto Campelo de MacedoPaulo Ricardo Porfrio do NascimentoPaulo Roberto Medeiros de AzevedoRegina Simon da SilvaRichardson Naves LeoRoberval Edson Pinheiro de LimaSamuel Anderson de Oliveira LimaSebastio Faustino Pereira FilhoSrgio Ricardo Fernandes de ArajoSibele Berenice Castella PergherTarciso Andr Ferreira VelhoTeodora de Arajo AlvesTercia Maria Souza de Moura MarquesTiago Rocha PintoVeridiano Maia dos SantosWilson Fernandes de Arajo Filho

    RevisoAntnio Loureiro da Silva NetoAilson Alexandre Cmara de MedeirosLetcia TorresMelissa Gabriely FontesRenata Ingrid de Souza PaivaProjeto grfico inicialCaule de PapiroDiagramaoMariana Andrade da CostaCapaMariana Andrade da Costa

    Imagem da capa: JOVEM negra (Thier Buch - Livro dos Animais, de autoria do pintor holands Zacarias Wagener, ca. sculo XVII). In: ENCICLOPDIA Ita Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. So Paulo: Ita Cultural, 2017. Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2017. Verbete da Enciclopdia. ISBN: 978-85-7979-060-7

  • Este livro foi produzido a partir de recursos oriundos da SECADI/MEC,

    gerenciados, no mbito da UFRN, pelo COMFOR.

    Os organizadores deste livro no se responsabilizam pelas opinies emitidas

    pelos autores, tanto em forma, quanto em contedo.

  • Sumrio5

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    200218

    Introduo

    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Maria Firmina dos reis e A Escrava

    Muirakytan K. de Macdo

    Rgia Agostinho da Silva

    Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

    Antes da nao: projeto poltico, histria e escravido em Francisco Adolfo de Varnhagen

    Educao para a diversidade: explorando os conceitos de nao e de mulher, por meio de literaturas africanas e afro-brasileiras

    Notas sobre remanescentes de quilombos no Brasil

    dolo do Congo, nkisi nkondi, power figure: uma delicada lgebra museolgica

    Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    Evandro Santos

    Ana Santana Souza

    Joelma Tito da Silva

    Joo de Castro Maia Veiga Figueiredo

    Ive got 2 wings: uma histria de vida do presbtero Utah Smith na voz do cantor/compositor britnico Elton John

    Sobre os autores

    Elton John da Silva Farias

  • Introduo

    No segundo semestre do ano de 2014, teve incio a Especializao em Histria e Cultura Africana e Afro-Brasileira, com duas turmas, uma no polo de Caic/RN e outra, no de Currais Novos, do Centro de Ensino Superior do Serid (CERES), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que ora se conclui. Este Curso est inserido no campo das diretrizes nacionais formuladas em decorrncia da Lei Federal 10.639, de 09 de janeiro de 2003, no projeto de formao continuada, desenvolvido com a intervenincia do COMFOR/UFRN e apoiado financeiramente pela SECADI/MEC.

    Pelo carter inovador, semelhana de outras congneres, esta especializao tem como ponto de interseco a partilha de experincias em seus diferentes nveis e momentos. Ela atendeu, diretamente, em pleno serto do Serid potiguar, a professores--alunos da Rede Bsica do Rio Grande do Norte e da Paraba; indire-tamente, a todos os que participaram das atividades desenvolvidas em interao com aqueles, como alunos de graduao, cidados e grupos da comunidade externa. Reforamos isso: os professores--alunos, mesmo em fase de formao, trouxeram para o processo de ensino-aprendizagem um universo fantstico de experincias oriundas do cotidiano escolar, do seio familiar ou de suas prprias vivncias identitrias.

    Este livro vem somar-se noo de partilha, porque traz para o bojo do debate diferentes estudos, que carregam, no obstante, elementos unificadores, pois tratam de temas sensveis ao universo histrico e cultural dos laos com a frica. Escrita em vrios tons, esta obra enfatiza uma abor-dagem muito importante.

    O saber um artifcio do qual os griots so os guardies e difusores, rompendo com os lugares atribudos aos saberes

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    disciplinares e especficos sobre a histria, a cultura africana e a afro-brasileira. Revela-se uma experincia afro-atlntica-luso- brasileira multifacetada.

    Ao mesmo tempo em que houve espao para discusses de temticas locais, que ganharam evidncia em vrios trabalhos de concluso de curso, vislumbramos, tambm, uma interlocuo com outros exerccios e com reflexes que contribuem para uma expan-so do debate por meio dos autores de textos aqui compulsados. Tais trabalhos j esto disponveis online no Repositrio Institucional da Universidade Federal do Rio Grande. Alguns deles receberam, por parte das bancas avaliadoras, a recomendao para a publicao, o que ser feito mais em breve.

    O livro est dividido em dois blocos. O primeiro, crono-lgico, est composto de captulos que versam sobre a temtica da escravido, a partir de olhares da Histria, da Literatura e da Historiografia. O segundo bloco, por sua vez, radica em ensaios temticos que discutem diversidade e literatura, quilombos, mem-ria e msica negra.

    No primeiro bloco, o primeiro captulo, de autoria de Muirakytan Kennedy de Macdo, professor do Departamento de Histria (DHC) do Centro de Ensino Superior do Serid (CERES), da Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN), intitula-se Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX). Interessado em desconstruir verses branqueadas da histria regional, que emergem na historiografia produzida pelos descen-dentes das elites agropecuaristas dos sculos XVIII e XIX, suas atenes voltam-se para a demonstrao da existncia e para o protagonismo de escravos negros, na antiga Ribeira do Serid, entre o Setecentos e o Oitocentos. Lanando mo de fontes histricas de diversas naturezas como registros de parquia, censos, inven-trios post-mortem e jornais , o autor nos conduz a um processo

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    de conhecimento da histria negra do Serid, que, a despeito de ter sido obscurecida pela historiografia tradicional, identificada, tambm, em manifestaes folclricas e no patrimnio urbano da cidade de Caic.

    Em seguida, o captulo escrito por Helder Alexandre Medeiros de Macedo, do mesmo departamento acadmico (DHC- CERES-UFRN), volta-se para a recuperao da trajetria de vida de um homem de cor, cuja histria est intimamente ligada gestao do territrio que, hoje, corresponde ao municpio de So Jos do Serid, no serto do Rio Grande do Norte. Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte estabelece, pois, crtica a essa historiografia tradicional medida que expe, por meio de documentao judicial, sesmarial e eclesistica, aspectos da histria negra da regio utilizando-se, como fio condutor, a vida do crioulo forro Nicolau Mendes.

    Maria Firmina dos Reis e A Escrava, de autoria de Rgia Agostinho da Silva, do Departamento de Histria da Universidade Federal do Maranho (UFAM), aventura-se pelos meandros da Literatura, ao explorar as possibilidades de compreenso do mundo que cercava uma autora no contexto escravista da provncia do Maranho no sculo XIX. Estamos nos referindo pessoa de Maria Firmina dos Reis (1825-1917), que publicou o romance rsula (1859) e o conto A Escrava (1887). Em ambos, com nfase no segundo, Maria Firmina recriou, em ambiente citadino, cenas por meio das quais ficou patente a situao de violncia a que eram expostas as mulhe-res escravas, incluindo sua desqualificao como pessoas, conside-radas de raa inferior. A opinio de Rgia Silva que a produo do conto A Escrava teve, como um de seus interesses, o de incitar os leitores contra o horror da escravido e comov-los com a tristeza

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    que esta impunha s famlias escravas, muitas vezes, fracionadas em funo do trfico interno.

    O ltimo captulo do primeiro bloco, de autoria de Evandro dos Santos, do Departamento de Histria (CERES-UFRN), est denominado Antes da nao: projeto poltico, histria e escravido em Francisco Adolfo de Varnhagen. O seu objetivo revisitar a produ-o de Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), na tentativa de verificar em que medida o historiador dedicou ateno a aspectos ligados escravido no sculo XIX. Partindo da importncia confe-rida, sobretudo hoje, produo historiogrfica ligada ao Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), em Oitocentos, para a cons-tituio de um projeto de nao, o autor enviesa sua anlise para um trabalho menos conhecido de Varnhagen, o Memorial Orgnico (1849-1850). Neste, embora no seja a sua temtica central, a escravi-do africana aparece, para o Brasil, como um dilema, tendo em vista que, em tese, descaracterizaria a inteno de o pas fulgurar como uma nao moderna. Tema, portanto, que deveria ser debatido em uma ampla agenda poltica, que se estenderia durante todo o sculo XIX, culminando com a assinatura da Lei urea.

    O segundo bloco de textos inicia-se com Educao para a diversidade: explorando os conceitos de nao e de mulher, por meio de Literaturas africanas e afro-brasileiras, escrito por Ana Santana Souza, do Departamento de Prticas Educacionais e Currculo do Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes (CCHLA-UFRN). Ancorando a problematizao na experincia adquirida como professora do Curso de Especializao em Histria e Cultura Africana e Afro-brasileira, a autora prope uma reflexo acerca da literatura na formao continuada de professores das Cincias Humanas. Duas questes balizam essa reflexo: o porqu de a literatura ser importante na formao de professores, ainda que no sejam eles os responsveis pela rea das Linguagens; e o que

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    as literaturas africanas de expresso lusa podem ensinar diver-sidade, em termos de educao.

    Logo aps, em Notas sobre remanescentes de quilombos no Brasil, Joelma Tito da Silva, historiadora e servidora do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), lana luzes sobre o conceito de quilombo. Explorando a histo-ricidade da palavra, a autora discorre sobre os seus significados e sobre o contexto colonial, remontando aos agrupamentos de negros fugidos, at as interpretaes constitucionais contem-porneas, que aludem s comunidades de remanescentes de quilombos. O texto arrematado com consideraes acerca de comunidades quilombolas no Rio Grande do Norte, mormente aquelas situadas nos municpios de Parelhas, Currais Novos e Lagoa Nova, na regio do Serid.

    dolo do Congo, nkisi nkondi, power figure: uma delicada lge-bra museolgica, de Joo de Castro Maia Veiga Figueiredo, investi-gador do Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/UL), o penltimo texto do livro. O autor parte de dois even-tos contemporneos, quais sejam, as comemoraes dos 126 anos de existncia da Universidade de Coimbra e, ainda mais, a expo-sio do mais recente objeto doado ao Museu de Cincia dessa mesma universidade, um dolo do Congo. O exame procedido pelo autor na etiqueta do artefato, inscrita com dolo do Congo, nkisi nkondi, power figure, revelou diferentes possibilidades semnticas de compreenso do seu significado, alm de efetuar uma rica incurso histrico-cultural e atentar para as vises e para os rtulos construdos pelos desgnios do progresso de sculos passados, salientando o autor, com bastante propriedade, a necessidade de haver novas leituras e reflexes.

    O livro encerra-se com um captulo que explora as rela-es entre Histria e Msica, demonstrando as possibilidades de

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    problematizao da fonte musical. O captulo Ive Got 2 Wings: uma histria de vida do Presbtero Utah Smith na voz do cantor/compositor brit-nico Elton John, de autoria de Elton John da Silva Farias, professor do Departamento de Histria (CERES-UFRN), segue por essa trilha. Ao analisar a cano de autoria do letrista Bernie Taupin, interpre-tada pelo pianista Elton John, o docente nos apresenta a trajetria de vida do presbtero Utah Smith, negro e protestante, historicizan-do a sua misso de evangelizao por meio da msica nos Estados Unidos, no sculo XX.

    Esperamos que, com essas diferentes incurses, os leitores possam cruzar discursos, imagens e sonoridades que reportam ao nosso universo histrico-cultural das relaes pretritas e coevas com a(s) frica(s).

    Helder Alexandre Medeiros de MacedoJoel Carlos de Souza Andrade

    Organizadores

  • Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Muirakytan K. de Macdo

    O regionalismo seridoense, expresso em uma srie de livros de histria, genealogia e memria, foi um exerccio que instituiu um tipo histrico dominante. Nesse discurso historiogrfico, os seridoenses so brancos de cabelos e olhos claros, construo que ecoa os traos fenotpicos do colonizador portugus. Essa foi a fisionomia que se assentou, com maior aderncia, em livros, ou, pelo menos, em um pblico letrado que replica o mantra regio-nalista, infenso ao mundo que o circula. Nessa verdade histrica cinzelada insistentemente, se que as interpretaes histricas podem se cingir com esta soberba de verdade, o Serid, antiga ribeira das Capitanias do Norte, no tinha sofrido, de forma significativa, a repercusso da escravido negra, onipresente em todo o Brasil colonial, nem experimentado as misturas tni-cas to prprias desse caldeamento histrico. Esta verso no isenta de inteno, como qualquer outra verso do passado. Est a servio de um processo de branqueamento historiogr-fico, muito comum em discursos regionalistas, especialmente, em regies de ocupao colonial pela pecuria. Tudo se passa como a se reconhecer somente o que parecia ser uma obvieda-de histrica: o poder onipresente da elite proprietria branca. Desse modo, preservar-se-ia o poder da memria como capital poltico/simblico dos descendentes daquelas elites e se coloca-ria para baixo do tapete outros sujeitos sociais que viveram na subalternidade: mulheres, crianas, ndios, negros, mestios.

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    No entanto, as evidncias histricas da diversidade tnica, tanto pela paisagem humana atual do Serid, rica em matizes diferenciados, quanto pelos documentos que informam sobre a escravido e sobre os processos de liberdade, no cessam de afirmar o contrrio do corpo escrito do regionalismo.

    Essa locuo regionalista evidente produto de uma gerao de historiadores tributrios de suas linhagens familiares e de sua formao como intelectuais forjados em uma matriz poltica e cultural especfica. Ou seja, uma gerao de historiadores, a exemplo de Manoel Dantas, Juvenal Lamartine e seu filho Osvaldo Lamartine, cujo meio familiar estava ancorado na produo algodoeira na Repblica Velha e francamente comprometido com um projeto poltico ligado aos ideais liberais e oligrquicos. Mais tarde, Olavo Medeiros Filho, com uma marca memo-rialstica muito pronunciada, sem formao universitria, se props a um mergulho em documentos explorados com fervor quase positivista. Mesmo esse historiador, que hoje uma bssola para o monumento documental do Serid, via os escravos sem exerg-los como matriz social/cultural do panteo identitrio regionalista.

    Diante desse silenciamento, recolocamos aqui, insistente-mente, a questo do discurso regionalista e seu sucedneo, a produ-o de determinadas verdades histricas, cujo teor no permite uma compreenso ampliada nem do papel da escravido no meio sertanejo, nem da contribuio das populaes negras, indge-nas e mestias para o processo histrico da regio. Nesse sentido, em um carter ainda preliminar, mas com base em pesquisas levadas a termo no ambiente universitrio (mono-grafias, disser-taes, teses e artigos cientficos), realamos alguns elementos que julgamos pertinentes para a discusso da histria do Serid.

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    Muirakytan K. de Macdo

    Alguns desses aspectos advm da histria da escravido nos sertes seridoenses; outros, guardam suas formas no patrimnio material e imaterial da histria presente.

    Em princpio, tomemos os territrios cujo protagonismo econmico e social se formou no perodo colonial, utilizando a escravido na pecuria em regies afastadas do agreste e do litoral. Mais precisamente no serto, onde tudo parecia girar em torno do clima semirido, que, se no o seu nico sol, parece ser sempre uma varivel a ser considerada. Inicialmente, preciso que reco-nheamos que, nas Capitanias do Norte, a Amrica portuguesa extrapolou a matriz da produo aucareira. Sob sua epiderme, uma rede de mercadorias e de pessoas se articulava em economias de autossustento e/ou integradas ao circuito interno da colnia, de maneira que aquele foi um universo que atava diversas atividades, para alm daquelas que o mercado europeu requisitava com avidez. Mesmo o complexo do engenho de acar, sendo a pedra angular da organizao socioeconmica e cultural do litoral nordeste, neces-sitava do suporte alimentcio das fazendas de gado do semirido, atividades que no poderiam conviver com a monocultura da cana de acar, sem prejuzo de suas lavouras.

    O avano da fronteira pastoril para os sertes, alm de ser necessrio produo do acar, servia como estratgia geopoltica de conquista e de ocupao coloniais de territrios para o imp-rio portugus. Nesse sentido, os sertes poderiam lanar mo das sobras populacionais que no se adequavam vida dos engenhos e das vilas litorneas. Esse contingente de pessoas seria atrado por motivaes que, na sede do reino, no eram possveis ou seja, pela possibilidade de possurem terras e gados e, coroando esse cabedal, os postos sociais que poderiam galgar na mobilidade social que, aos homens brancos livres na colnia, se mostrava mais franca. Mas no foi uma ocupao colonial fcil, pois a terra j era povoada

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    por aguerridos ndios, que reagiram ao avano pastoril sobre suas terras tradicionais. Essa expanso para o interior e a resistncia indgena desencadearam uma srie de eventos blicos, que termi-naram por quase extinguir os vestgios populacionais e culturais indgenas da Ribeira do Serid.

    Aps esses combates, chamados poca de Guerras dos Brbaros (MACEDO, 2007; PUNTONI, 2002), a colonizao dos sertes ganhou maior fluidez. Vastas sesmarias recortaram o territrio da ribeira, abrigando imensas fazendas de gado e lavouras para consumo interno. No faltaram os peticion-rios para essa terra, pois muitos eram antigos combatentes das guerras sertanejas, remunerados, pelo direito tradicional ibrico, com as terras tomadas do inimigo. Por outro lado, o fluxo migratrio aproveitava-se da presso populacional sob a zona aucareira, que, no suportando toda essa populao livre, fazia dos sertes uma vlvula de escape para os colo-nos empobrecidos que no encontravam colocao nas vilas e nas lavouras sob a gide da produo do acar (SILVA, 2003, p. 216). Os sertes abriam-se, assim, como ricas possibilidades e liberalidades, tanto para os desclassificados do acar, quan-to para escravos fugidos e para indgenas, j sob o controle da administrao rgia.

    Na colonizao da ribeira do Serid, localizada entre a Capitania do Rio Grande do Norte e a da Paraba, apesar dos homens brancos terem sido os sesmeiros, donos de fazendas de criao e eles prprios trabalhadores a vaquejar seu gado, a mo de obra escrava negra foi indispensvel, pois estvamos em uma realidade colonial, na qual a escravido negra se capilarizava em todos os recnditos produtivos, inclusive, com o movimento diasprico de vrias etnias africanas, como atesta o grfico, a seguir, para a ribeira do Serid.

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    Muirakytan K. de Macdo

    Grfico 1 Procedncia das naes nos inventrios

    Fonte: Inventrios do 1 Cartrio de Caic (1737-1813).

    Nos primeiros tempos, os vaqueiros apareciam com desta-que nessas regies de fronteira, mas isso no queria dizer que todos eram brancos. Notadamente, pelos documentos da poca, figuravam, em meio populao, uma significativa populao de escravos negros e indgenas (MACDO, 2007). Porm, necessrio que reconheamos que, dado baixa rentabilidade da atividade pastoril e, at mesmo, ao manejo do gado, a rigor, na Ribeira do Serid, no existiam grandes escravarias que justificassem, nas fazendas, a existncia de numerosas senzalas. Isso em razo de que a maior parte dos criadores possua um conjunto de cativos inferior a cinco escravos; muitas vezes, ou no os possuam ou possuam somente um escravo (Grfico 2, a seguir). Nmeros expressivos de escravos eram casos isolados, nunca a regra. Encontramos algumas escravarias notveis em inventrios lavrados antes da Grande Seca. Por exemplo, em 1774, Jos Carneiro Machado teve listados seus 10 escravos e, no ano em que comeou a famosa e terrvel estiagem,

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Joo Marques de Souza teve sua escravaria contabilizada em 20 cativos1 (MACDO, 2007). Eram casos nicos.

    Grfico 2 Escravaria nos inventrios seridoenses (sculo XVIII)

    Fonte: Inventrios do 1o Cartrio de Caic (1737-1813).

    No sculo XIX, a tendncia seguiria. A maioria dos propriet-rios no possua escravos ou os tinham com mais frequncia entre um e trs, sendo, tambm, raros os casos que passavam de uma dezena2 (Grfico 3, a seguir).

    1 Os dados apresentados nesse texto, que se referem ao sculo XVIII,

    so originrios da tese de doutorado (MACDO, 2007) produzida pelo

    autor do captulo.

    2 Todos os dados de pesquisa referentes ao sculo XIX foram extrados

    de investigaes realizadas em inventrios post mortem do Serid

    (Acervo Labordoc UFRN Campus de Caic/RN), em pesquisa deno-

    minada As astcias da suavidade - a escravido negra nos sertes

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    Muirakytan K. de Macdo

    Grfico 3 Escravaria nos inventrios seridoenses (1856-1888)

    Fonte: Inventrios do 1o Cartrio de Caic (1856-1866).

    A partir de nossas pesquisas, baseadas largamente em inventrios da ribeira do Serid, possvel afirmar que o nme-ro reduzido de escravos no se traduziu em insignificncia patrimonial. Analisando o montante de bens dos inventariados, podemos chegar expressiva cota de 20,25% da participao de escravos na formao da fortuna geral dos sesmeiros seridoenses, percentual que s perdia para os imveis (terras e casas) e para o gado (MACDO, 2007). Essa participao variou pouco. Entre 1822 e 1888, a mo de obra escrava ainda representava, em mdia, 22% do total dos bens declarados nos inventrios seridoenses3. evidente que, ao trabalhar com mdias para longos perodos, no percebemos variaes conjunturais, mas podemos, por meio de outros dados pesquisados, detectar a ocorrncia de oscilaes na composio patrimonial.

    Entre 1860-1869, por exemplo, em uma realidade que passa-va a supervalorizar a demanda de escravos, devido proibio

    do Rio Grande do Norte, projeto financiado pela UFRN (PIBIC/2008-

    2011), sob coordenao de Muirakytan K. de Macdo.

    3 Os dados para o sculo XIX foram sistematizados em continuidade

    mesma metodologia que empreguei na investigao de doutoramento

    (MACDO, 2015), no projeto de pesquisa As astcias da suavidade,

    ver nota 2.

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    do trfico atlntico, os escravos representavam 34% no valor das posses dos proprietrios. Mas a tendncia no evoluiria indefinida-mente, visto que decairia vertiginosamente no processo de desmon-te da escravido, em fins do sculo XIX. Outros sertes da poca passavam por situao semelhante, o que pode apontar um padro. Em fazendas de gado, por exemplo, da regio sertaneja da Provncia de Pernambuco, no sculo XIX, os escravos compu-nham 31% da riqueza total dos proprietrios de terra (VERSIANI; VERGOLINO, 2003).

    Se, por um lado, o prprio valor monetrio dos escravos era, em si, uma evidncia de seu peso na economia e na sociedade, por outro lado, no h dvidas a respeito do montante demogrfico de negros, sejam eles escravos, sejam livres e libertos. No censo demo-grfico de 1872, visualizamos, com maior acuidade, essa expres-siva populao negra e mestia. Tal censo mostra uma contagem criteriosa da populao (rural e urbana) da Cidade do Prncipe, no Serid. Nela, podemos constatar que, mais uma vez, parte conside-rvel da populao seridoense foi escravizada (Tabela 1).

    Tabela 1 - Populao da Cidade do Prncipe - 1872

    Fonte: Censo de 1872. Disponvel em: .

    Acesso em: 20 jan. 2012.

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    Muirakytan K. de Macdo

    Esse flagrante censitrio possibilita que pesquisas meto-dolgicas considerem, em bases mais slidas, a relevncia da populao negra no perodo, mesmo a despeito da poltica emancipacionista, do trfico e da mortalidade. Segundo Ariane de Medeiros Pereira,

    [...] verificamos que em 1872 havia um nmero considerado

    pequeno de escravos se comparado com a populao livre.

    Porm, nem por isso inexpressvel, ao contrrio, em face das

    atividades abolicionistas, da lei de 1871 e dado s atividades

    desenvolvidas na Cidade do Prncipe, revelador a quantidade

    da mo de obra escrava. No entanto, o que se tem de deixar claro

    que alm do trfico interprovincial, havia a mortalidade escrava

    dada s precrias condies de vida e alimentao (MATTOS, 1985

    apud PEREIRA, 2014, p. 66).

    Por seu turno, fontes cartoriais e paroquiais nos levam a afirmar que essa populao tambm se reproduziu ao longo dos sculos, em muitos casos, no seio de famlias transgeracionais. Tais arranjos societrios foram possveis devido natureza das atividades do criatrio e das pequenas lavouras, que possibilita-ram, por meio de sua formao demogrfica, maior probabilidade da formao de pares matrimoniais.

    Esse fenmeno se explica pelo fato de a relao entre o nme-ro de escravos e escravas tender a ser mais equilibrada em regies que, a exemplo do Serid, eram ancoradas na pecuria como econo-mia local hegemnica. Nos 56 inventrios da Freguesia da Gloriosa Santa Ana do Serid, foram catalogados 143 escravos para o sculo XVIII, 84 do sexo masculino e 59 do sexo feminino (MACDO, 2007). No sculo seguinte, entre 1822 e 1832, catalogamos 96 homens e

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    89 mulheres escravizados (razo de sexo4 igual a 107,8). Para o intervalo entre 1833 e 1843, catalogamos 60 homens e 95 mulheres escravizados (razo de sexo igual a 63,1); entre 1844 e 1854, catalo-gamos 102 homens e 82 mulheres escravizados, cuja razo de sexo totaliza 124,3 (Grfico 4, a seguir).

    Grfico 4 Razo de sexo (1822-1854)

    Fonte: Inventrios do 1 Cartrio de Caic (1822-1854).

    Para a segunda metade do sculo, entre os anos 1855 e 1866, catalogamos 101 homens e 92 mulheres escravizados (razo de sexo igual a 109,7). Entre 1867 e 1877, catalogamos 56 homens e 54 mulheres escravizados (razo de sexo igual a 103,7). Por fim, entre 1878 e 1888, catalogamos 30 homens e 38 mulheres escravizados, cuja razo de sexo ficou igual a 78.9.

    4 IBGE (2012): Razo de sexo - expressa o nmero de pessoas do sexo

    masculino para cada grupo de 100 pessoas do sexo feminino. obtida

    atravs do quociente entre as populaes masculina e feminina por

    grupos de idade. Disponvel em: . Acesso em: 3 jan. 2013.

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    Muirakytan K. de Macdo

    Grfico 5 Razo de sexo (1856-1888)

    Fonte: Inventrios do 1 Cartrio de Caic (1822-1854).

    No intervalo de 1878-1888, h a novidade do impacto da proibio do trfico atlntico e, consequentemente, a eferves-cncia do trfico interprovincial de escravos que, junto com as alforrias, diminuam a populao cativa na segunda metade do sculo (LOPES, 2011). interessante percebermos que o trfico interprovincial, por si s, no drenou instantaneamente toda a populao cativa para fora da regio. Grande parte do comr-cio de negros escravos ocorria no mercado local; s depois, aos poucos, que se esvaa para outras provncias. Maria Regina Furtado5 (2014), ao estudar as escrituras de compra e venda de escravos para o perodo entre 1850 e 1888, sistematiza a predo-minncia desse movimento endgeno na tabela a seguir.

    5 Captulo baseado na dissertao de mestrado (MATTOS, 1985).

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Tabela 2 Destino dos escravos negociados na Vila do Prncipe 1850/1888

    Fonte: Escrituras de compra e venda de escravos 1850/1888

    1 Cartrio de Notas de Caic. In: FURTADO, 2014, p. 245.

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    Muirakytan K. de Macdo

    De qualquer forma, os nmeros da razo de sexo possibilitam indicar que, em reas pastoris, o relativo equilbrio entre homens e mulheres permitiu o maior nmero de arranjos familiares entre os cativos. Esse indcio nos permite afirmar que, por um lado, havia expressividade da populao escrava e, mais do que isso, que tal equilbrio possibilitou a formao de pares conjugais e estrutu-ras complexas de parentesco. Ou seja, duradouras experincias familiares: casamentos, compadrios, irmandades em confrarias religiosas e alianas para liberdade consentida ou no. Com relao ao matrimnio, as determinaes das Constituies Primeiras da Bahia, publicadas em carta pastoral de 1707, defendia esse sacra-mento para os escravos, como direito divino e humano (VIDE, 2007), alm de afirmar que os senhores tinham que, por obrigao crist, promover o casamento in facie eclesiae e deviam ficar aten-tos ao princpio da indissolubilidade do sacramento matrimonial e da famlia. Por consequncia, os casais cativos no deveriam ser separados nos tratos comerciais. Por essas razes, era comum os senhores de escravos ignorar solenemente a pastoral eclesial, mesmo sob o risco do pecado. Temiam que, uma vez formada a famlia escrava, fosse difcil negoci-la in totum. Por outro lado, os argumentos pios catlicos, em favor desse tipo de casamen-to, eram que os escravos continuariam a servir seus senhores da mesma forma e que reproduziriam a escravaria sob o abrigo das normas crists.

    Ainda no temos estudos suficientes para afirmar os arran-jos familiares que ocorriam revelia da Igreja. Essa hiptese plausvel, visto que devemos considerar o fato de que as regras de parentesco entre os negros africanos no corresponderam s ditadas pelas normas eclesisticas, de modo que no era incomum a relao sexual fora do casamento e a formao familiar, mesmo precria, em situao servil.

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Mais elementos documentais temos para pensar os casa-mentos in facie eclesiae, a sua abrangncia e os seus limites. Dessa forma, a partir do exame feito nos livros de casamento do perodo estudado, podemos afirmar que, nos sertes do Serid, a maioria dos casamentos de negros e de mestios ocorria entre escravos (Grfico 6, a seguir), sendo a maior parte entre cativos de um mesmo senhor (MACDO, 2007).

    Grfico 6 Casamento entre pessoas de cor

    FONTE: Livro de Casamento da Parquia de Caic (1788-1811). Macdo

    (2007, p. 224).

    Os dados apresentados no Grfico 6 podem ser uma evidncia da lgica do casamento entre escravos, pelo menos para o perodo colonial. O fato de ocorrerem casamentos no interior da mesma escravaria revelaria, tambm, um clculo senhorial. O senhor no precisaria ter uma vigilncia ostensiva sobre o casal, visto que ele gerava, por meio da prole cativa, uma dependncia mtua que diminua as possibilidades de marido e mulher escravos se envol-verem em fugas. Essa estratgia evidente que no era uma via de

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    Muirakytan K. de Macdo

    mo nica, somente uma astcia senhorial; era, tambm, uma situao de escravido negociada, ou seja, os escravos toleravam melhor seu cativeiro se o senhor se dobrasse um pouco, aceitando a unio legtima, como era denominado o casamento sacramentado pelo padre. Legtimas ou ilegtimas, essas famlias eram possveis, especialmente em regies pastoris, em que os escravos poderiam ficar muito tempo em campo aberto e at sozinhos, no pasto, sendo o ncleo familiar sempre um chamado para que ele retornasse esposa e aos filhos, quando havia apego familiar.

    Por todos esses dados pesquisados, podemos afirmar que no s a escravido foi um imperativo na formao social seridoense como tambm se multiplicou em famlias dentro da prpria vivn-cia do escravismo. Prticas planejadas, sem dvidas, para que homens e mulheres se agrupassem como resistncia disperso e como logstica para tramarem suas liberdades com as alforrias que poderiam conseguir com seu trabalho e com outras manobras familiares, que inclua a mestiagem (MACEDO, 2013).

    As alforrias no foram, por sua vez, realizadas somente por obra e graa dos senhores de escravos, muitos dos cativos, a duras penas, conseguiam produzir uma suada poupana que poderia comprar sua liberdade, de seus filhos e mulheres. O grfico a seguir demonstra que, na maior parte das vezes, era o prprio escravo e seus parentes que patrocinavam a alforria com nus para eles, o que significava que existia uma disposio tanto individual quan-to parental para auxlio mtuo, no caso da compra da liberdade.

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Grfico 7 Agentes alforriadores

    Fonte: Livros de Notas (sculo XVIII).

    Muitos negros lutaram arduamente, at para assegurar a liberdade com a qual j tinham nascidos em terras brasileiras, ou aquela conseguida com a alforria. Em muitas ocasies, a legi-timidade de seu estatuto de livre ou liberto foi questionada, o que prova que a liberdade dos negros e mestios era, em qualquer caso, precria, pois poderiam juridicamente voltar a ser escravizados (CHALHOUB, 2012; PEREIRA, 2014).

    Devido violncia do cativeiro, muitos escravos resistiram fugindo para longe de seus senhores. Conflitos entre senhores e escravos sempre estiveram na pauta de um sistema que se basea-va na violncia, sendo mais comum a praticada pelos propriet-rios de escravos. Embora seja um tpico ainda pouco pesquisado6, no recorte territorial que estudamos, a violncia perpetrada pelos

    6 Nessa direo, mencionamos os estudos pioneiros para a regio, nas

    pesquisas sobre a violncia envolvendo negros escravos, livre e liber-

    tos realizadas por Macdo (2003) e Pereira (2014).

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    Muirakytan K. de Macdo

    escravos contra os seus senhores foi real, em potncia e em ato. Coronel Laurentino Bezerra de Medeiros, em suas memrias, assinala, nesse sentido, um fato familiar:

    Sou filho 1 de Joo Bezerra Galvo, que foi barbaramente assas-

    sinado por dois de seus escravos (Paulo e Joaquim) aos 21 de

    Dezembro de 1844, e de Ana Joaquina de Medeiros que no poden-

    do sobreviver muitos tempos aquele inesperado golpe rendeu sua

    alma ao creador no mez de fevereiro de 1846, as 3 horas da tarde

    (ARAJO; MACDO, 2015, p. 13).

    Outra reao imediata era a fuga. No jornal O Assuense, de 15 de setembro do ano de 1867, flagramos um anncio que faz um pormenorizado retrato de uma escrava fugida da Villa do Jardim, Comarca do Prncipe:

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Figura 1 Retrato de uma escrava fugida da villa do jardim

    Fonte: O Assuense, 1867, 15 de setembro de 1867, n. 25, p. 4.

    Anncios dessa espcie eram comuns nos jornais da poca. Severina era uma escrava cujo preo deveria ser significativo, pois era jovem e qualificada. Manoel Martins de Farias, seu senhor, a despeito da intrepidez e da anunciada impetuosidade da mulher, noticiou o fato nas localidades por onde circulavam as pessoas e mercadorias demandadas pelo Serid, na esperana de restituir a escrava para sua propriedade, ou negoci-la no prprio local

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    Muirakytan K. de Macdo

    da captura. Exemplo desta ltima situao foi registrado pelo j citado Coronel Laurentino, em seu livro de assentos: Dezembro fui ao Baturit7 vender Guilherme que, para l tinha fugido em Junho, chegando aqui de volta perto da Festa do Natal. (ARAJO; MACDO, 2015, p. 20).

    Severina, segundo o reclame, era ardilosa, pois era uma fujona contumaz. Evadira-se de seu senhor e da priso de Angicos, armada e com dinheiro. Denunciava-a seu bom aspecto (bem parecida) e suas marcas corporais: dentes limados e, no brao, o sino de Salomo ou de alguma outra figura. Este ltimo era, possivelmente, uma escarificao ou tatuagem com a forma da Estrela de Davi, tambm chamado de Selo ou Signo de Salomo, utilizado como um talism8. Guarnecida pela estrela, a crioula (nascida no Brasil) Severina contava, ainda a seu favor, com o fato de ser ladina9.

    Mas, voltemo-nos para a historiografia e para conclu-so do texto. O branqueamento a que nos referimos, no incio, acerca da historiografia tradicional do regionalismo seridoense, demonstra-se como um ardil revelador de tticas sociais autoritrias. Tal procedimento surge quando determi-nados grupos querem se afirmar no poder, usando o expediente da reordenao da memria e da histria, com o fim de invi-sibilizar a diversidade social. Essa prtica era moeda corrente

    7 Regio serrana no norte do Cear.

    8 O sino ou signo de Salomo, na forma da Estrela de Davi, foi um dos

    talisms mais usados na indumentria dos cangaceiros dos sertes

    nordestinos, figurando, especialmente, na frente de seus chapus de

    couro (MELLO, 2012).

    9 Ladinos eram os escravos aculturados que falavam bem

    o portugus.

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    na algibeira historiogrfica e memorialstica, no escapava at ao discurso mdio sobre a regio, proferido pelos prprios seri-doenses ou por estudiosos renomados (MACDO, 2012).

    Cmara Cascudo, por exemplo, em expedio realizada ao Serid, a despeito de sua notvel sensibilidade etnogrfica, no realou traos significativos da presena negra entre os seridoen-ses (CASCUDO, 1984). No entanto, ele mesmo foi um dos primeiros a registrar a festa da Irmandade dos Negros do Rosrio de Caic (CASCUDO, 1962). sintomtico que os negros s apaream em f(r)estas folclricas! De qualquer forma, no havia como calar a parti-cipao dos afro-brasileiros na histria do serto pecuarista, nem a colocando na rbita controlada do folclore. O patrimnio cultural pulsa irrefrevel e d tambm voz ao passado afrodescendente. As irmandades catlicas negras, dado sua persistncia e estatura histrica, eram e continuam a ser monumentos dessa memria que, para alm da coreografia folclorizada, varam com seus espontes quase trs sculos de resistncia identitria (GOULART, 2014).

    A primeira confraria negra do Serid nasceu prxi-ma poca da territorializao da regio. A Freguesia da Gloriosa Senhora Sant Ana foi criada em 1735 e, j em 1771, foi orquestrada, por iniciativa de um grupo de negros cativos e livres, a Irmandade do Rosrio dos Homens Pretos. A prin-cpio, a irmandade se reunia na igreja de Sant Ana, matriz da freguesia, enquanto seus membros acumulavam recur-sos financeiros para a construo de um templo prprio, que foi erigido na segunda metade do sculo XVIII. Data de 16 de junho de 1771, o documento intitulado Termo de Aceitao que Fazem os Irmos das Constituies deste Compromisso. Nele constam as constituies do compromisso da irmanda-de, que deviam ser seguidas e respeitadas por todos os seus membros (MACDO, 2014).

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    Muirakytan K. de Macdo

    No foi um fenmeno extemporneo. Nos sculos XIX e XX, outros grupos ligados devoo do Rosrio foram criados na regio. Documentos de arquivos seridoenses e a memria regional informam a existncia dessas irmandades em Jardim do Serid, Currais Novos, Acari, Serra Negra do Norte e Jardim de Piranhas. Hoje, continuam atuantes somente as confrarias de Caic, Jardim do Serid e Serra Negra do Norte (GOIS, 2014; GOULART, 2014; MACDO, 2014; MORAIS, 2014).

    Como se os sinais documentais e do patrimnio imate-rial no bastassem, a Praa da Liberdade, em Caic, teste-munha, ainda hoje, a histria da escravido, mesmo que seja somente no nome que carrega, e que j foi, inclusive, apagado10. A histria da praa comeou quando foi construdo o mercado pblico naquele local, inaugurado em janeiro de 1870. Em seu ptio, realizavam-se as feiras, passando a ser conhecido como Praa do Mercado, centro comercial da cidade (ARAJO, 2003). Esse local tambm foi palco da Revolta do Quebra-quilos, que invadiu os estabelecimentos comerciais, destruindo pesos e medidas do sistema de mensurao imposto pela monarquia (MEDEIROS, 2003). As feiras perduraram ali, at ser constru-do o atual mercado pblico, inaugurado no dia 23 de fevereiro de 1918. nova praa foi dado o nome de Praa da Liberdade. Mas, qual a razo do nome? A liberdade dos escravos. A antiga Praa do Mercado tinha sido usada, publicamente, pelo movi-mento abolicionista em Caic, em fins do perodo monrquico.

    10 Hoje, a Praa convive com o nome antigo de Praa da Liberdade; no

    entanto, houve uma renomeao promovida pela municipalidade,

    que no caiu no gosto da populao: Praa Dinarte Mariz. Felizmente,

    a Liberdade continua a ser pronunciada na nomeao do logradouro.

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    Notas sobre a escravido nos sertes do semirido (Serid XVIII e XIX)

    Ali, os abolicionistas se reuniam e discutiam alforrias e outras formas de libertao dos escravos pelas vias legais.

    Refletir sobre os processos de apagamento histrico nos d a vertigem de que estamos tentando provar o que, obviamente, j existe. Mas, alm de ser uma posio de honestidade intelec-tual diante das evidncias materiais da documentao estudada, tambm uma posio poltica, quando a memria e a histria afro-descendentes buscam sua legtima cidadania. Sendo assim, espe-ramos ter colocado, com estas notas, alguns outros elementos que alimentem esse inadivel debate histrico/historiogrfico; que eles cumpram o seu papel acadmico de tentar pr luz em um processo histrico que, de to traumtico, ainda nos faz falar obviedades, para que no se perca de vista o protagonismo de sujeitos histricos afro-brasileiros na histria seridoense.

    Fontes manuscritas

    a) Acervo do Primeiro Cartrio de Caic (LABORDOC) Inventrios e testamentos (57 documentos do sculo

    XVIII) Livros de Notas (sculo XVIII) 9 volumes

    b) Acervo da Parquia de Caic (ACPSJ) Livros de Batizados: 1803 a 1806 Livros de Casamentos: 1788 a 1811 Livros de bitos e sepultamentos: 1789 a 1811

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    Muirakytan K. de Macdo

    Referncias

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  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto

    do Rio Grande do Norte

    Helder Alexandre Medeiros de Macedo11

    A gnese do municpio de So Jos do Serid, localizado no serto do Rio Grande do Norte, est ligada, pelos laos da memria, lenda da moa bonita. Segundo uma de suas verses, durante um de seus banhos matinais, num poo do rio So Jos, uma jovem foi surpreendida por um caador (ou pescador) que andava eventualmente por aquelas plagas, o qual, encanta-do com a sua beleza, teria exclamado Oh, que moa bonita!. Impulsivamente, a moa correu para a mata, onde se encantou. Em remisso ao ocorrido, as pessoas que passavam pelo lugar passaram a cham-lo de Poo da Moa Bonita ou, simplesmente, Poo da Bonita. O nome foi adotado, tambm, para uma fazen-da de criao de gado que surgiu nas cercanias do poo, cujo acmulo de casas de morada fez surgir uma povoao, fundada oficialmente em 04 de novembro de 1917, com o nome de So Jos da Bonita, que aglutinou o nome do principal rio da regio e do poo lendrio.12 A povoao foi alada vila por fora do Decreto Estadual n 603, de 31 de outubro de 1938, com o ttulo

    11 Professor do Departamento de Histria, CERES, UFRN.

    12 MONTEIRO, Arxel Faustino et al. A cidade de So Jos do Serid em

    seu movimento histrico-espacial. 2000. 46p. Relatrio de atividades

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

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    de So Jos do Serid nome que foi conservado quando esse distrito foi elevado ao status de municipalidade, em 11 de maio de 1962, em funo da Lei Estadual n 2.79313. Segundo as pesqui-sas de Sinval Costa (1999)14 e Edite Medeiros (1998),15

    [...] a moa bonita era filha do crioulo forro Nicolau Mendes

    da Cruz (sc. XVIII), proprietrio desta data de terra, que

    deixou para ela (Domingas Mendes da Cruz, cf. Sinval Costa)

    a faixa que vai do stio Virao at o Badaruco (limite com o

    municpio de Cruzeta, na atualidade) (CIRNE, 1986)16 .

    (Disciplina Geografia Urbana Curso de Geografia) Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte, Caic, 2000. p. 6.

    13 MONTEIRO, Arxel Faustino et al. A cidade de So Jos do Serid em

    seu movimento histrico-espacial. 2000. 46p. Relatrio de atividades

    (Disciplina Geografia Urbana Curso de Geografia) Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte, Caic, 2000. p. 6.

    14 Trata-se de uma referncia ao livro Os lvares do Serid e suas ramifi-

    caes, de autoria de Sinval Costa, no qual a presena do crioulo forro

    Nicolau Mendes salientada e demonstrada sua importncia como

    um dos povoadores que primeiro bateram o rastro do gado no serto

    do Rio Grande, a partir do comeo do sculo XVIII (COSTA, Sinval.

    Os lvares do Serid e suas ramificaes. Recife: edio do autor, 1999).

    15 A professora Edite Medeiros foi responsvel por compilar narrativas

    orais acerca da presena do crioulo forro Nicolau Mendes da Cruz,

    como povoador do rio So Jos, no perodo colonial (MEDEIROS, Edite.

    Resumo em Geografia e Histria de So Jos do Serid-RN. So Jos do

    Serid: [s.n.], 1998).

    16 CIRNE, Moacy. A moa bonita. Balaio Porreta 1986, n. 2157, Rio de

    Janeiro, 06 nov. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 15 ago. 2012.

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    41

    Essas pesquisas nos mostram outra aresta do processo de gestao do territrio da ribeira do Serid, no serto do Rio Grande do Norte, que, com poucas excees, comumente no enfatizada pela historiografia regional: a existncia, no sculo XVIII, de um homem de cor, forro, possuidor de uma data de terra, que deixou herana para uma filha.

    Em outros trabalhos, discutimos a descendncia desse homem de cor e o seu patrimnio territorial17. Para este texto, toda-via, interessa-nos indagar sobre quem era Nicolau Mendes da Cruz, alm dos significados em torno de ser crioulo e forro no serto do Rio Grande do Norte, no perodo colonial. Alm disso, questiona-mo-nos sobre que mecanismos utilizou para adquirir a terra que, nos dias de hoje, corresponde ao municpio de So Jos do Serid.

    A primeira referncia conhecida sobre Nicolau Mendes da Cruz data de 1909, quando foram publicadas as sinopses das sesma-rias da Capitania da Paraba, fruto de intensiva pesquisa docu-mental procedida por Joo de Lyra Tavares. Entre essas sinopses, encontra-se a que resume a Data n. 161, requerida por Francisco Georges Monteiro em 1719, o qual havia descoberto [...] no serto

    A citao, na verdade, corresponde ao texto de um e-mail enviado

    pelo turismlogo Romrio Gomes, estudioso das tradies de So Jos

    do Serid, ao professor Moacy Cirne. Nesse e-mail, o turismlogo refe-

    renda as pesquisas de Sinval Costa e de Edite Medeiros como sendo

    as responsveis por respaldar os dados histricos sobre a histria

    de So Jos do Serid.

    17 MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famlias do Serid:

    genealogias mestias no serto do Rio Grande do Norte (sculos XVIII-

    XIX). Tese (Doutorado em Histria) Programa de Ps-Graduao em

    Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. (Captulo

    5, p. 171-207).

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

    42

    de Piranhas um olho dagua com pastos e largura necessaria para crear gados (MACEDO, 2013, p. 171-207). Esse olho dgua, chamado Quinqu, ficava localizado entre as datas do capito--mor Afonso de Albuquerque Maranho, padre David de Barros e [...] pela parte do leste, com terras de Nicolo Mendes, criolo forro [...]. (TAVARES, 1982, p. 110)18. No mesmo ano, desta vez, junto Capitania do Rio Grande, Gervsio Pereira de Moraes, morador no serto das Piranhas, solicitava uma sesmaria na Data de Nicolau Mendes, terras de Francisco Marques, terras de Manuel do Vale e Serra do Quinqu, compreendendo o Olho dgua das Pedras e o riacho das Milharadas dos Gentios19. Ambas as datas de terra, localizadas na ribeira do rio So Jos, que desaguava no rio Acau, ficam situadas, hoje, entre os municpios de So Vicente, Cruzeta e Acari.

    Nicolau Mendes da Cruz, a julgar pela qualificao que lhe foi dada no texto da sesmaria de 1719, era crioulo. Esse termo, provavelmente de origem africana20, indicava os escra-

    18 CAPITANIA DA PARABA (CPB). Sesmaria n 161 1719, doada a

    Francisco George Monteiro. Doc. transcrito e publicado por TAVARES,

    Joo de Lyra. Apontamentos para a historia territorial da Parahyba [1909].

    2. ed. Braslia: Centro Grfico do Senado Federal, 1982. p. 110.

    19 CAPITANIA DO RIO GRANDE (CRG). Sesmaria n 184 1719, doada

    a Gervsio Pereira Morais. Doc. fac-similar do original arquivado

    no IHGRN e publicado por FUNDAO VINGT-UN ROSADO (FVR).

    INSTITUTO HISTRICO E GEOGRFICO DO RIO GRANDE DO NORTE

    (IHGRN). Sesmarias do Rio Grande do Norte, v. 2 (1716-1742). Mossor:

    Grfica Trcio Rosado/ESAM, 2000. No paginado.

    20 A origem africana do vocbulo criollo foi apontada pelo Inca Garcilaso

    de la Vega nos seus Comentarios Reales de los Incas (1609) apud PAIVA,

    Eduardo Frana. Dar nome ao novo: uma histria lexical das Amricas

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    43

    vos nascidos na Amrica portuguesa e que eram filhos de pretos, isto , de pais nascidos na frica21. Eduardo Frana Paiva, porm, considera ser mais prudente falar de crioulos como aqueles que nasceram nas possesses portuguesas na Amrica e que eram filhos de me africana. Essa proposio fundamenta-se no fato de que, na maioria dos registros documentais, a paternidade dos crioulos era omitida, dando-se precedncia, portanto, ao registro do nome e qualidade da me do que resulta no se ter uma ideia bem clara, ainda, acerca de como seriam qualificados os filhos de um casal em

    portuguesa e espanhola, entre os sculos XVI e XVIII (as dinmicas de

    mestiagem e o mundo do trabalho). 2012. 286f. Tese (Concurso para

    Professor Titular em Histria de Brasil Departamento de Histria)

    Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. p. 222.

    21 FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Sinhs pretas, damas mercadoras:

    as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de So Joo del Rey

    (1700-1850). 2004. 278 f. Tese (Concurso para Professor Titular em

    Histria do Brasil Departamento de Histria) Universidade Federal

    Fluminense, Niteri, 2004. p. 68; KARASCH, Mary C. A vida dos escra-

    vos no Rio de Janeiro (1808-1850). Traduo de Pedro Maia Soares. So

    Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 37; MATTOSO, Ktia de Queirs.

    Ser escravo no Brasil. Traduo de James Amado. 3. ed. So Paulo:

    Brasiliense, 2003. p. 105-6. Os dicionrios especializados em histria

    colonial da Amrica portuguesa tambm confirmam o significado

    de crioulo como sendo o escravo negro nascido no Brasil, distinto do

    escravo negro nascido em frica (METCALF, Alida. Crioulo. In: SILVA,

    Maria Beatriz Nizza da (coord.). Dicionrio da histria da colonizao

    portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994. p. 227; FARIA, Sheila de Castro;

    VAINFAS, Ronaldo. Escravido. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionrio do

    Brasil Colonial (1500-1822). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 208).

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

    44

    que apenas o pai fosse africano22. O significado que o dicionrio de Rafael Bluteau (1712) forneceu para crioulo, todavia, considera-o como sendo o Escravo, que nasceo na casa do seu senhor.23

    Essa definio, segundo a opinio de Eduardo Frana Paiva, soa como problemtica, j que, [...] entre os escravos nascidos nas Amricas, houve, tambm, mestios de todas as qualidades, que no eram confundidos com criollos ou com crioulos na documen-tao existente 24.

    No so conhecidos levantamentos populacionais incidindo, especificamente, sobre as qualidades da populao escrava da ribei-ra do Serid, no sculo XVIII. Recorremos, pois, quantificao dos cativos arrolados nos inventrios post-mortem da ribeira do Serid desse mesmo perodo para, ao menos, termos uma representao parcial de como se apresentava essa populao. Os dados esto compilados na Tabela 1, a seguir. Trata-se de uma representao parcial, reiteramos, vez que os inventrios post-mortem armaze-nados nas comarcas no se referem maioria ou totalidade da populao de determinado territrio. Segundo a legislao colonial, em tese, os inventrios deveriam ser abertos no caso de falecimento de um dos cnjuges do casal, quando houvesse rfos25, mas, essa

    22 PAIVA, Eduardo Frana. Op. Cit

    23 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,

    architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu,

    1712-1728. v. 2 (B-C), p. 613.

    24 PAIVA, Eduardo Frana. Op. cit., p. 223. possvel, segundo Eduardo

    Paiva, que o dialeto utilizado no dicionrio de Rafael Bluteau estives-

    se usando a palavra escravo como sinnimo de negro ou preto,

    da o equvoco em relao ao significado da palavra crioulo.

    25 CDIGO Filipino, ou, Ordenaes e Leis do Reino de Portugal: recom-

    piladas por mandado del-Rei D. Filipe I. 14.ed.fac-similar. Braslia:

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    45

    clusula poderia ser estendida para o caso de haver bens a ser parti-lhados, independentemente da existncia de filhos menores de 25 anos e que no fossem casados.

    Tabela 1 Qualidades dos escravos arrolados em inventrios

    post-mortem da ribeira do Serid (1737-1800)

    Fonte: Inventrios post-mortem da Comarca de Caic, 1737-1800 (57);

    Inventrios post-mortem da Comarca de Acari (10), 1770-1798; Inventrios

    post-mortem da Comarca de Currais Novos, 1788-1799 (04). No levantamen-

    to acima, no esto includos quatro cativos, dos quais no foi possvel

    discernir sua qualidade devido ilegibilidade da documentao.

    Senado Federal, 2004. Primeiro Livro das Ordenaes, Ttulo

    LXXXVIII Dos Juizes dos Orfos, 4 Inventarios. p. 207-208.

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

    46

    As informaes advindas desses inventrios post-mortem nos mostram que 31% dos escravos da ribeira do Serid, nesse perodo, eram crioulos. Depois destes, o grupo numericamente superior era o dos africanos26, qualificados como do Gentio de Angola, que repre-sentavam 20% dos cativos. Logo aps, vinham aqueles que foram assinalados, nos registros, apenas como escravos, que somam cerca de 15% do universo dos dados, o que quer dizer que tiveram a sua qualidade despersonalizada, nas descries dos arrolamen-tos fosse pela pessoa que, na poca, produziu o registro, fosse pelo inventariante, que dava carregao os bens pertencentes ao monte da fazenda. possvel inferir, a partir dessa amostra forneci-da por 71 inventrios post-mortem, que, concomitante presena de cativos mestios (mulatos e cabras) e oriundos da frica, havia um processo de crioulizao demogrfica27 em curso na ribeira do Serid,

    26 Embora o termo africano seja de uso corrente na historiografia para

    mencionar os escravos provindos da frica, Sheila de Castro Faria

    nos adverte para os perigos de sua utilizao sem que possa ser

    contextualizado ou sem definir de quais regies do continente negro.

    Segundo a autora, Tratar dos africanos, como um grupo, significa

    incorporar mais um sem nmero de etnias ao complexo cultural do

    Brasil. Antes de mais nada, necessrio frisar que o termo africano,

    para designar os negros oriundos do trfico atlntico de escravos,

    anacrnico para o perodo colonial e, mesmo, para a primeira meta-

    de do sculo XIX (FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Sinhs pretas,

    damas mercadoras: as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de

    So Joo del Rey (1700-1850), p. 31).

    27 Crioulizao um conceito utilizado na problematizao de Luciano

    Mendona de Lima para compreender as possibilidades de reprodu-

    o natural da populao escrava de Campina Grande, na Paraba.

    entendida, segundo esse autor, como sendo [...] um complexo

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    47

    no decorrer do sculo XVIII, isto , de predominncia dos escravos j nascidos nas terras braslicas ainda que haja um relativo equi-lbrio numrico entre os crioulos (31%) e aqueles provenientes da frica (cerca de 29%)28.

    processo de transformao econmica, demogrfica e cultural,

    que implicou na paulatina predominncia dos escravos cativos criou-

    los em relao aos africanos e cujo ritmo variou no tempo e no espao,

    de acordo com as vicissitudes histricas das sociedades escravis-

    tas (LIMA, Luciano Mendona de. Cativos da Rainha da Borborema:

    uma histria social da escravido em Campina Grande sculo

    XIX. Recife: Editora Universitria da UFPE, 2009. p. 176-7). Para Lus

    Nicolau Pars, tal conceito pode ser desdobrado em duas vertentes:

    a [...] crioulizao cultural (isto , o processo de transformao a que

    estiveram sujeitas as culturas africanas no Brasil) e [...] [a] criouliza-

    o demogrfica, ou seja, o crescimento da populao crioula (crioulo

    aqui entendido como indivduo negro de ascendncia africana nasci-

    do no Brasil) (PARS, Lus Nicolau. O processo de crioulizao no

    Recncavo Baiano (1750-1800). Afro-sia, Salvador, n. 33, p. 88, 2005).

    28 Para a composio desta cifra, reunimos os escravos qualificados

    como Gentio de Angola, Gentio da Guin, Gentio de Arda, Nao Congo

    e Nao da Costa, alm daqueles que foram nomeados de negros

    e de pretos. Segundo Eduardo Frana Paiva, alm dos termos que

    designam naes, os vocbulos preto, negro, escravo, africano, Guin,

    etope, sudans e natural foram aplicados, em diferentes pocas e

    espaos, para qualificar, especificamente, os africanos na Amrica

    luso-espanhola. O autor adverte, contudo, que, embora, a partir de

    meados do sculo XVI, os termos negro, preto e escravo tenham sido

    apreendidos como sinnimos, nem todo escravo era negro africano

    e, por outro lado, a maioria dos negros africanos, na Amrica luso-

    -espanhola colonial, era escrava (PAIVA, Eduardo Frana. Dar nome

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

    48

    Documentos judiciais dessa mesma natureza, explorados por historiadores em pesquisas sobre outras reas das capitanias do norte, demonstraram situaes diversas daquela que verificamos para a ribeira do Serid, no que diz respeito ao nmero de crioulos, nesse mesmo perodo. Em inventrios post-mortem do termo da Vila de Campo Maior, sede da antiga Freguesia de Santo Antonio do Surubim, na atual poro centro-norte do estado do Piau, Tanya Maria Pires Brando constatou certo equilbrio entre crioulos (ca. de 51%) e africanos (ca.de 48%), no intervalo temporal que vai de 1722 a 180029. Para a Capitania da Paraba, especificamente no termo da Vila Nova da Rainha, a porcentagem de crioulos era de 65% e a de escravos vindos da frica, de 33%, para o perodo de 1785 a 179930.

    Em relao a Pernambuco, os dados que dispomos so provenientes de pesquisa empreendida pelos economistas

    ao novo: uma histria lexical das Amricas portuguesa e espanhola,

    entre os sculos XVI e XVIII (as dinmicas de mestiagem e o mundo

    do trabalho, p. 221).

    29 BRANDO, Tanya Maria Pires. O escravo na formao social do Piau:

    perspectiva histrica do sculo XVIII. Teresina: Editora da UFPI, 1999.

    p. 135. A autora utilizou dados de 105 inventrios, armazenados,

    na poca de sua pesquisa, nos anos de 1980, no Cartrio do 1 Ofcio do

    municpio de Campo Maior-PI. O universo da porcentagem que apre-

    sentamos tem como base a quantidade de 358 cativos arrolados, exce-

    tuando-se 31 cuja qualidade no foi possvel de ser obtida pela autora.

    30 LIMA, Luciano Mendona de. Cativos da Rainha da Borborema:

    uma histria social da escravido em Campina Grande sculo XIX,

    p. 179. A porcentagem de crioulos e de africanos foi estabelecida tendo

    como base o universo de 62 escravos arrolados em inventrios post-mor-

    tem do termo da Vila Nova da Rainha, no recorte de 1785 a 1799. Essa vila,

    nos dias de hoje, corresponde cidade de Campina Grande-PB.

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    49

    Flvio Rabelo Versiani e Jos Raimundo Oliveira Vergolino, em inventrios relativos ao serto da capitania com a ressal-va de que os nmeros se estendem do ano de 1770 at a primei-ra metade do sculo XIX. Os resultados obtidos na anlise desses documentos revelaram a proporo de cerca de 82% de cativos crioulos e de 17% vindos da frica31. J para os invent-rios post-mortem do agreste de Pernambuco, no mesmo pero-do, os ndices em relao procedncia dos escravos auferidos por esses autores remetem cerca de 60% de crioulos e 39% de africanos32. No so conhecidas pesquisas que demonstrem

    31 VERSIANI, Flvio Rebelo; VERGOLINO, Jos Raimundo Oliveira. Posse

    de escravos e estrutura de riqueza no agreste e serto de Pernambuco:

    1777-1887. Estudos Econmicos, So Paulo, v. 33, n. 2, p. 370, abr./jun.

    2003. No artigo, os autores diferenciam os escravos nascidos da frica

    daqueles nascidos na Amrica portuguesa, chamando estes ltimos

    de brasileiros. A pesquisa foi centrada em 152 inventrios, cujas

    propriedades concentravam-se em reas sertanejas localizadas,

    na atualidade, no sul do Estado de Pernambuco, nas proximidades

    dos municpios de Cabrobr e Flores. Aparecem, nesses arrolamen-

    tos, 817 escravos, universo sobre o qual montamos a porcentagem.

    Tais inventrios esto localizados no Instituto Arqueolgico,

    Histrico e Geogrfico Pernambucano (IAHGP), em Recife-PE.

    32 VERSIANI, Flvio Rebelo; VERGOLINO, Jos Raimundo Oliveira.

    Posse de escravos e estrutura de riqueza no agreste e serto de

    Pernambuco: 1777-1887. Estudos Econmicos, So Paulo, v. 33, n. 2,

    p. 365. A pesquisa foi centrada em 168 inventrios, cujas propriedades

    concentravam-se em amplas reas do agreste, localizadas, na atuali-

    dade, nas circunvizinhanas dos municpios de Pesqueira (ao norte) e

    Garanhuns (ao sul). Aparecem, nesses arrolamentos, 1.348 escravos,

    universo sobre o qual montamos a porcentagem. Tais inventrios

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

    50

    os nmeros de crioulos e de africanos, a partir de fontes judi-ciais, para espaos do litoral de Pernambuco33. As cifras aqui apresentadas, ainda que sejam consideradas uma amostra da realidade da Capitania de Pernambuco e das anexas a ela, corroboram o pensamento de Luciano Mendona de Lima, para quem o processo de crioulizao teve variaes espao--temporais, de acordo com a sucesso de mudanas histricas das sociedades escravistas34.

    Voltando nossas atenes pessoa de Nicolau Mendes da Cruz, a aluso a sua figura na Data n 161, da Capitania da Paraba, alm de referir-se qualidade a de crioulo tambm menciona a sua condio, a de forro. Dizendo de outra maneira, Nicolau Mendes

    esto localizados no Instituto Arqueolgico, Histrico e Geogrfico

    Pernambucano (IAHGP), em Recife-PE.

    33 Os estudos de Gian Carlo de Melo Silva (SILVA, Gian Carlo de Melo.

    Um s corpo, uma s carne: casamento, cotidiano e mestiagem no

    Recife colonial (1790-1800). Recife: Editora Universitria da UFPE,

    2010. p. 175-97) e Janana Santos Bezerra (BEZERRA, Janana Santos.

    Pardos na cor & impuros no sangue: etnia, sociabilidades e lutas por

    incluso social no espao urbano pernambucano do XVIII. 2010.

    214f. Dissertao (Mestrado em Histria Social da Cultura Regional)

    Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2004. p. 41-69)

    nos do pistas para a compreenso da populao crioula em fregue-

    sias do litoral da Capitania de Pernambuco no fim do sculo XVIII.

    Todavia, esses estudos foram embasados em fontes paroquiais, no

    se adequando ao perfil da anlise comparativa que estamos fazendo

    neste tpico.

    34 LIMA, Luciano Mendona de. Cativos da Rainha da Borborema:

    uma histria social da escravido em Campina Grande sculo XIX,

    p. 176-7.

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    51

    j havia sido escravo, mas era alforriado, pelo menos na poca em que foi referenciado no texto da data de sesmaria, em 1719; isto , liberto da sua condio de trabalhador compulsrio. Segundo Eduardo Frana Paiva, a condio era uma das formas pelas quais se nomeavam pessoas, no mundo iberoamericano, entre os scu-los XVI e XVIII, agregando-se, muitas vezes, a qualidade do indiv-duo. Criolo forro, expresso que foi acrescida ao nome de Nicolau Mendes no citado ano de 1719, por exemplo, era um indicativo de que o mesmo era homem de cor, nascido na Amrica portuguesa e, juridicamente, alforriado. Essa frmula (nome+qualidade+condi-o), de maneira geral, definia um indivduo e dava cincia do seu passado, seus ascendentes, suas origens e posies sociais35.

    A condio, assim, segundo Eduardo Paiva, era o certifi-cado jurdico da pessoa. No mundo ibero-americano colonial, um indivduo poderia se enquadrar, pelo menos, em trs condies: a de escravo (para aqueles que vieram da frica, no trfico tran-satlntico, transmitida por meio da linha matrilinear para seus descendentes, inclusive os nascidos em solo americano); a de livre (para aqueles que no estavam sob o jugo da escravido ou eram descendentes de mes forras); e a de forro (para aqueles que foram libertados da condio de escravos aps receberem sua alforria; tambm chamados de libertos ou alforriados)36. Nicolau Mendes,

    35 PAIVA, Eduardo Frana. Dar nome ao novo: uma histria lexical das

    Amricas portuguesa e espanhola, entre os sculos XVI e XVIII

    (as dinmicas de mestiagem e o mundo do trabalho), p. 174.

    36 PAIVA, Eduardo Frana. Dar nome ao novo: uma histria lexical das

    Amricas portuguesa e espanhola, entre os sculos XVI e XVIII

    (as dinmicas de mestiagem e o mundo do trabalho), p. 175. O

    autor afirma, a propsito, que, alm desses trs status jurdicos (o

    de escravo, o de livre e o de forro), havia duas outras condies ou

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

    52

    se pensarmos a partir dessa estratificao, tinha o seu lugar social e o seu campo de atuao poltica, como sujeito delimitado a partir da sua qualidade, mas, tambm, da sua condio de forro. Mas, de quem teria sido escravo? Quando foi alforriado? De onde era originrio e como chegou ribeira do Serid?

    Jayme da Nbrega Santa Rosa, em seu estudo acerca da hist-ria do municpio seridoense de Acari, listou nomes de coloniza-dores luso-braslicos que se espalharam nas terras banhadas pelo rio Acau, tributrio do Serid, a partir das primeiras dcadas do sculo XVIII, impulsionados pela expanso da pecuria. Entre os novos povoadores vindos de Pernambuco, o primeiro anuncia-do pelo autor foi o pernambucano Nicolau Mendes da Cruz, que

    subcondies na realidade ibero-americana colonial: a de administra-

    do (assim eram vistos os ndios que eram submetidos administrao

    particular de um homem livre e sujeitos ao trabalho forado) e a de

    coartado (escravos que negociavam a sua libertao com o senhor por

    meio de um acordo baseado no direito costumeiro, segundo o qual

    o cativo poderia afastar-se do seu domiclio para procurar trabalho

    e, com o rendimento deste, pagar, em parcelas, a sua prpria alfor-

    ria). (Ibid., p. 175-6). Sobre a prtica da administrao de ndios no

    perodo colonial, verificar MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra:

    ndios e bandeirantes nas origens de So Paulo. So Paulo: Companhia

    das Letras, 1994. p. 129-153. Acerca das coartaes, consultar

    PAIVA, Eduardo Frana. Coartaes e alforrias nas Minas Gerais do

    sculo XVIII: as possibilidades de libertao escrava no principal

    centro colonial. Revista de Histria, So Paulo, n. 133, p. 49-57, 1995 e

    Id. Senhores, escravos, coartados e forros: verso em sries num-

    ricas e em trajetrias individuais. Escravido e universo cultural

    na colnia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001.

    p. 115-216.

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

    53

    situou fazenda no Saco (posteriormente, chamado de Saco dos Pereira) em 1718, cujas terras foram vendidas para o seu parente, o sargento-mor Manuel Esteves de Andrade, em 172537. No sabemos se o autor de Acari: fundao, histria e desenvolvimento (1974) omitiu, deliberadamente, a qualidade de Nicolau Mendes da Cruz ou se, efetivamente, desconhecia que se tratava de um crioulo forro.

    Em relao s fontes de pesquisa utilizadas pelo autor, embo-ra no tenham sido textualmente citadas ao final do livro, Jayme Santa Rosa afirmou que, para escrever a obra, [...] leu e exami-nou com esprito de anlise e crtica inmeros livros de histria, artigos de jornal e manuscritos, que esto citados no seu trabalho Fazendas e Fazendeiros do Serid, alm de ter consultado [...] sem nmero de informaes prestadas indireta e diretamente por historiadores regionais38.

    37 SANTA ROSA, Jayme da Nbrega. Acari: fundao, histria e desen-

    volvimento. Rio de Janeiro: Pongetti, 1974. p. 31.

    38 SANTA ROSA, Jayme da Nbrega. Acari: fundao, histria e desen-

    volvimento. Rio de Janeiro: Pongetti, 1974. p. 121. O trabalho Fazendas

    e fazendeiros do Serid, cujo sumrio foi publicado ao final de Acari:

    fundao, histria e desenvolvimento, infelizmente, nunca foi publica-

    do. Entre as informaes que foram prestadas indiretamente, esto

    aquelas fornecidas por Manuel Antonio Dantas Corra, Manuel Maria

    do Nascimento Silva, Phelippe e Theophilo Guerra, Joo Praxedes e

    Joaquim Theotonio de Arajo Galvo. As informaes prestadas dire-

    tamente ao autor vieram de Cipriano Bezerra Galvo Santa Rosa, Daniel

    Diniz, Jos Augusto Bezerra de Medeiros, Jos de Azevdo Dantas e

    Jos Braz de Albuquerque Galvo. Em nosso estudo, tambm nos utili-

    zamos dos manuscritos de Manuel Antonio Dantas Corra, Manuel

    Maria do Nascimento Silva, Phelippe Guerra e Jos de Azevdo Dantas,

    bem como, dos livros publicados por Jos Augusto Bezerra de Medeiros.

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

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    provvel, assim, que as datas de 1718 e de 1725, relaciona-das por Jayme Santa Rosa ao estabelecimento e venda da fazenda Saco, tenham sido fixadas com base em informaes fornecidas pela bibliografia consultada pelo autor ou mesmo pela tradio oral considerando que ele realizou entrevistas com moradores da fazenda Saco dos Pereira em 1972, para elucidar aspectos da vida de Manuel Esteves de Andrade39. O caso que esses marcos temporais encontram nexo na cronologia que pudemos fixar para a presena de Nicolau Mendes da Cruz no Serid, j que a sesmaria mais antiga que este requereu na ribeira data de 171740.

    Por outro lado, em 1724, houve uma querela judicial envol-vendo Nicolau Mendes da Cruz e Manuel Esteves de Andrade em torno da posse do Quinqu Pequenino, na ribeira do Acau41. Datas parte, o que nos importa, neste momento, a informao

    39 A compilao e a crtica das entrevistas realizadas por Jayme da

    Nbrega Santa Rosa esto dispostas no Captulo VI - A construo da

    capela. Detectamos, a partir da leitura da obra Acari: fundao, histria

    e desenvolvimento, os nomes de trs dos quatro entrevistados pelo

    autor, em 1972, na fazenda Saco dos Pereira: Jlio Gomes de Arajo,

    Joaquim Silvrio Dantas e Francisca Elita. Cf. SANTA ROSA, Jayme da

    Nbrega. Acari: fundao, histria e desenvolvimento, p. 38-44.

    40 CAPITANIA DE PERNAMBUCO (CPE). Sesmaria n 109 1717, doada

    a Nicolau Mendes da Cruz e Francisca Marques. Doc. transcrito e

    publicado em RECIFE. Secretaria de Educao e Cultura. Biblioteca

    Pblica. Documentao histrica pernambucana: sesmarias. V. I. Recife:

    Secretaria de Educao e Cultura, 1954. p. 240. Agradeo professora

    Carmen Margarida Oliveira Alveal a cesso desse documento.

    41 INSTITUTO HISTRICO E GEOGRFICO DO RIO GRANDE DO NORTE

    (IHGRN). Avulsos [Cota antiga: Cx. 89]. Processo de terra do Quinqu

    Pequenino, Ribeira do Cau, Serid, ajuizado por Nicolau Mendes da

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

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    que veio da obra de Jayme da Nbrega Santa Rosa: a de que Nicolau Mendes da Cruz era natural de Pernambuco.

    Tal informao tem fundamento, considerando que Nicolau Mendes da Silva provavelmente o primognito de Nicolau Mendes da Cruz e sua esposa Rosa Maria eram natu-rais de Pernambuco, como se depreende do registro de casa-mento de sua filha Maria da Silva (que reproduzia o nome da av paterna), realizado em 179142. Isso quer dizer que, possi-velmente, Nicolau Mendes da Cruz j chegou ao serto da Capitania do Rio Grande casado com Maria da Silva e condu-zindo seus filhos, ou, pelo menos, Nicolau Mendes da Silva, de quem sabemos a naturalidade. O historiador Sinval Costa, mesmo concordando com a naturalidade de Nicolau Mendes da Cruz j referida acima, afirma que [...] parece que antes de chegar [no Serid] morava na vrzea da Paraba, no Engenho So Joo, com os Mendes de Vasconcelos, um deles de nome Nicolau Mendes de Vasconcelos43.

    Essa conjectura levantada por Sinval Costa para o proces-so de migrao de Nicolau Mendes da Cruz com destino ribeira do Serid baseia-se, acreditamos, na similitude entre os nomes e sobrenomes deste ltimo e do capito-mor Nicolau Mendes de Vasconcelos, que era senhor do Engenho So Joo, localizado na

    Cruz, de que pediu vista Manuel Esteves de Andrade. Cidade do Natal,

    Capitania do Rio Grande, 1724. (Manuscrito).

    42 PARQUIA DE SANTANA DE CAIC (PSC). Casa Paroquial So Joaquim

    (CPSJ). Livro de Casamentos n 1. Freguesia da Gloriosa Senhora Santa

    Ana do Serid (FGSSAS), 1788-1809, f l. 16. (Manuscrito).

    43 COSTA, Sinval. Correspondncia pessoal. Recife, 13 ago. 2010.

    Destinatrio: Helder Alexandre Medeiros de Macedo. Acervo parti-

    cular de Helder Alexandre Medeiros de Macedo. (Manuscrita).

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

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    vrzea do rio Paraba, na capitania homnima, anexa do Rio Grande. No perodo colonial, era comum que os forros, aps a liberao dos laos oficiais da escravido, por meio da alforria, se apropriassem de sobrenomes de seus antigos senhores, para usufrurem de prestgio social no mundo dos livres. Trabalhos enfocando a realidade das capitanias de So Paulo44 e do Rio de Janeiro45 do conta dessa apropriao de sobrenomes por parte de homens de cor alforriados, que tambm encontramos na ribeira do Serid46.

    44 GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, famlia, aliana

    e mobilidade social (Porto Feliz, So Paulo, c.1798-c. 1850). Rio de

    Janeiro: Mauad/FAPERJ, 2008.

    45 SOARES, Mrcio de Sousa. Fortunas mestias: perfilhao de escravos,

    herana e mobilidade social de forros em Campos dos Goitacases no

    alvorecer do oitocentos. Revista Estudos de Histria, Franca, v. 9, n. 2,

    p. 165-194, 2002.

    46 Um exemplo que ocorreu na ribeira do Acau o do crioulo Maurcio,

    que era cativo da casa do coronel Caetano Dantas Corra, tendo sido

    avaliado como bem semovente no inventrio deste ltimo (RIO

    GRANDE DO NORTE. Frum Desembargador Flix Bezerra (FDFB).

    Comarca de Acari (CA). Inventrios e arrolamentos. M. 01. Inventrio

    de Caetano Dantas Corra. Inventariante: Josefa de Arajo Pereira.

    Vila Nova do Prncipe, Comarca da Paraba do Norte, Capitania do Rio

    Grande do Norte, 1798. Manuscrito) e de sua esposa, Josefa de Arajo

    Pereira (RIO GRANDE DO NORTE. FDFB. CA. Inventrios e arrolamen-

    tos. M). 01. Partilha amigvel dos bens de Josefa de Arajo Pereira.

    Fazenda Cajueiro, termo da Vila Nova do Prncipe, Capitania do Rio

    Grande do Norte, 1817. (Manuscrito). Maurcio casou, em 1817, com a

    mulata Manuela Maria da Conceio, escrava de Maximiana Dantas

    Pereira, filha de Caetano Dantas e Josefa de Arajo (PSC. CPSJ. Livro

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

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    O que conseguimos levantar, at o momento, que o capi-to-mor Nicolau Mendes de Vasconcelos requereu sesmaria ao governo da Capitania da Paraba em 1769, nas imediaes do rio Tibirizinho47, alm de ter mantido relaes com dois morado-res da ribeira do Serid, na primeira metade do sculo XVIII,

    de Casamentos n 2. FGSSAS, 1809-1821, f l. 99v. Manuscrito), tendo,

    posteriormente, conseguido alforria e adotado o nome Maurcio Jos

    Dantas Corra. Morou na fazenda Bico da Arara, prxima ao rio Ing,

    tendo deixado descendncia.

    47 CPB. Sesmaria n 660 1769, doada a Nicolau Mendes de Vasconcelos.

    Doc. Transcrito e publicado por TAVARES, Joo de Lyra. Apontamentos

    para a historia territorial da Parahyba [1909]. 2.ed. Braslia: Centro

    Grfico do Senado Federal, 1982. p. 342.

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto do Rio Grande do Norte

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    Incio da Silva de Mendona48 e Diogo Pereira da Silva49.

    48 Incio da Silva de Mendona era casado com Joana Batista Bezerra,

    filha do alferes Jos Mendes dos Santos e de Ana Pereira da Silva, sendo

    proprietrio de [...] metade do Citio do Cayc da parte da Serra do

    Samanayh pegando da barra do Riacho do Samanah pello Rio Sirid

    abaixo ath donde fizer mey ath contestar com terras de Manoel

    Fernandes Jorge [...] (LABORATRIO DE DOCUMENTAO HISTRICA

    (LABORDOC). FUNDO DA COMARCA DE CAIC (FCC). 1 CARTRIO

    JUDICIRIO (1CJ). Inventrios post-mortem. Cx. 410. Inventrio de

    Incio da Silva de Mendona. Inventariante: Joana Batista Bezerra.

    Stio e fazenda do Cupau, ribeira do Serid, termo da Cidade do Natal,

    Capitania do Rio Grande do Norte, 1754. Manuscrito). Todavia, morava

    no stio de So Miguel do Cupau, onde, provavelmente, era vaqueiro

    do capito Jos Gomes de Melo (MEDEIROS FILHO, 1983. p. 131). Seu

    testamento foi redigido em 1752, no engenho de So Joo, em casa do

    capito-mor Nicolau Mendes de Vasconcelos, onde tambm foi sepul-

    tado, no mesmo ano, aps sua morte. No inventrio dos seus bens,

    realizado na casa de morada do capito Jos Gomes de Melo, no stio

    de So Miguel do Cupau, em 1754, assinou a rogo da inventariante

    meeira, Joana Batista, o mesmo capito-mor Nicolau Mendes.

    49 O capito Diogo Pereira da Silva, provavelmente, era irmo de dona

    Ana Pereira da Silva, esposa do alferes Jos Mendes dos Santos. Casado

    com dona Margarida, residiu no stio de So Miguel do Cupau, tendo

    deixado duas filhas: a menor Bernarda e Micaela Jcome (ou Jaques) da

    Silva, que casou com o alferes Gregrio Martins Pereira. Nos autos do

    seu inventrio, realizado em 1754, consta a informao de que o capi-

    to-mor Nicolau Mendes de Vasconcelos foi o seu testamenteiro, alm

    de ter, em seu poder, dinheiro de contado relativo a dvidas do casal

    (LABORDOC. FCC. 1CJ. Inventrios post-mortem. Cx. 321. Inventrio

    de Diogo Pereira da Silva. Inventariante: Gregrio Martins Pereira.

  • Helder Alexandre Medeiros de Macedo

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    Essas relaes, bem como a possibilidade de Nicolau Mendes da Cruz ter sido escravo dos Mendes de Vasconcelos do Engenho So Joo, contudo, precisam ser investigadas com mais afin-co no futuro.

    Stio de So Miguel, fazenda do Cupau, ribeira do Serid, termo da

    Cidade do Natal, Capitania do Rio Grande do Norte, 1754. Manuscrito).

  • Nicolau Mendes da Cruz, crioulo forro: um dos colonizadores da Ribeira do Serid, serto d