EXPERIÊNCIA INTERDISCIPLINAR COM A CAPOEIRA NA...
Transcript of EXPERIÊNCIA INTERDISCIPLINAR COM A CAPOEIRA NA...
EXPERIÊNCIA INTERDISCIPLINAR COM A CAPOEIRA NA EDUCAÇÃO FÍSICA
INFANTIL: MOVIMENTO DIALÓGICO PARA A DIVERSIDADE
ETNICORRACIAL Eliton Clayton Rufino Seára1
Resumo: Este escrito2, que mais pode ser chamado de um diálogo com o leitor, tem o objetivo de
desenvolver considerações acerca de um trabalho realizado com a capoeira nas aulas de educação
física na educação infantil. Buscou-se o aprendizado desta manifestação a partir de um olhar crítico-
reflexivo e emancipatório. O trato das questões históricas, sociais e antropológicas que possibilitassem
um olhar para a diversidade etnicorracial foi ressaltado. A partir disso, serão apresentadas descrições
de seis intervenções realizadas com as turmas de Jardim I e Pré-escola em um CEI (Centro de
educação infantil) localizada na cidade de Itajaí (SC)-Brasil. Ao embasar-se na concepção crítico-
emancipatória explora-se também o caráter interdisciplinar que, por sua vez, é não fragmentário. Ao
fim deste trabalho foi possível concluir que o conteúdo Capoeira nas aulas de Educação Física na
educação infantil possibilita trabalhar desde os aspectos históricos da escravidão, os elementos
musicais que a rodeiam, o jogo, a dança e luta e, isso tudo, através de brincadeiras, mostrando neste
ensejo que a diversidade etnicorracial pode ser abordada desde a infância.
Palavras chave: Capoeira- educação infantil- diversidade etnicorracial
Introdução
É impensável iniciar um relato de experiência como este, sem partir pelo viés critico
do contexto da diversidade no âmbito educacional infantil. Está-se aqui, mencionando-se a
relação, forma e até mesmo os processos didáticos com que se tratam diversos conhecimentos
relacionados à diversidade etnorracial no Brasil: ou seja, na forma de ‘’datismos’’3.
Com isso, direcionar um trabalho que possibilite quebrar este paradigma, é revelar a
importância dessas discussões (Diversidade etnicorracial) em um âmbito social, ou seja, na
construção social do individuo, também englobando questões políticas e de pluralidade social,
em que os educandos devem compreender e respeitar as diferentes culturas, etnias, entre
outras características particulares.
1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciado em Educação Física
(Univali). Professor de Ed. Física da secretária municipal de educação de Itajaí-SC e professor universitário da
disciplina de lutas e artes marciais da faculdade Avantis 2 Este projeto foi contemplado com 3º lugar no prêmio mérito educacional na categoria diversidade etnicorracial
promovido pela prefeitura de Itajaí-Secretaria de Educação 3 Ao trazer esta primeira reflexão, tem-se bastante claro que, trabalhar apenas no dia do índio, no dia da
consciência negra, no dia disto, ou daquilo, é uma forma de simplificar, tornar raso e não causar impacto efetivo
de transformação cultural nos indivíduos por meio da intervenção pedagógica.
1002
A partir dessas considerações, e no que diz respeito a esta ótica voltada em especifico a
Educação Fisica na educação infantil e, que propicie o refletir sobre a diversidade, é que este
projeto foi pensado. O interesse pelo tema Capoeira nas aulas de educação física com as
turmas de Jardim I e pré, além de corroborar com os preceitos da lei 10.6394 de 2003, que
obriga a tematização de conteúdos que se vinculem as questões afrodescendentes, vem da
busca de novas possibilidades de mudança, e de um olhar crítico sobre a realidade, com uma
nova forma de intervenção que busque refletir sobre a diversidade da cultura brasileira em
seus movimentos, que deram origem à Capoeira.
Acompanhando este raciocínio busquei introduzir a capoeira através de uma
concepção critico-emacipatória5 com a intenção de promover através do diálogo que se dá
corporalmente, discussões e experiências sobre esta manifestação corporal, ao qual menciono
este processo segundo (Seára, 2014, p.1) como um diálogo em movimento.
É importante salientar, que o tema foi uma apropriação trazida também pelos
educandos, pois em uma avaliação diagnóstica realizada através de desenhos sobre o que mais
gostavam de brincar, apareceram brincadeiras de luta(s) e jogos de oposição, sendo assim,
uma temática que não partiu apenas da ‘‘vontade’’ do professor, mas de necessidades latentes
de alguns educandos.
Partindo desses pressupostos, é cabível justificar a importância de abordar a capoeira
como uma temática que trata dos processos escravocratas, do preconceito racial de europeus
(brancos) sobre africanos (negros) e, que desde a educação infantil não pode e não deve ser
negado, pois, expressa uma manifestação de grande representação da cultura afro-brasileira,
imprimindo relações histórico-culturais de lutas da opressão, estas que por sua vez tratam de
ações que se direcionam na busca de valores da construção do cidadão, juntamente buscando
o poder de reflexão e criticidade da realidade do passado e também do presente.
4 Art. 1
o A Lei n
o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e
79-B:"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.§ 1o O conteúdo programático a que se refere
o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.(Fonte:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm). 5 Esta concepção tem origem no pensamento trazido por Elenor Kunz (1992). Seu prisma vem de encontro com o
entendimento que não há movimento pelo movimento, mas sim que o este movimento faz parte da história e da
transformação do sujeito e, tudo isso não é possível sem a premissa do diálogo.
1003
Acredito veemente, que através da Capoeira de forma lúdica, pôde-se despertar o
interesse dos educandos e fazer com que os mesmos tivessem um olhar crítico e reflexivo
sobre a própria prática corporal.
Concluindo este processo justificatório, o trabalho em questão tende a observar três
dimensões: Conceituais procedimentais e atitudinais. Ainda neste ponto, é preciso deixar
claro que a educação física deve expressar-se a partir destas três dimensões, não sobrepondo
nenhuma em detrimento a outra.
Construção teórica: concepção crítico-emancipatória e capoeira
Na abordagem crítico-emancipatória são vistas três competências nas quais se deve
trabalhar com o educando: a objetiva, social e comunicativa. A competência objetiva diz
respeito ao que o educando deverá construir entre conhecimentos, habilidades e, também esta
competência mostra que o educando precisa lidar com diferentes destrezas e diferentes
técnicas1 que sejam racionais e eficientes.
Já na competência social diz que deverá compreender as diferentes relações que o
homem tem em uma sociedade, como relações histórias, culturais, sociais, também deve
entender os problemas que o norteiam e as contradições das relações que habitam ao seu
redor. Por fim esta competência trata de estabelecer conhecimentos que o educando ira
utilizar em sua vida em comunidade.
Enquanto a competência comunicativa é importante salientar que o ser humano utiliza
a linguagem verbal, porém ela é apenas umas das linguagens que podem ser usadas. O
movimento se exprime em forma de linguagem, a criança, por exemplo, se manifesta e se
comunica através de seus movimentos, pois sabemos que sua capacidade de se expressar
corporalmente é indiscutível.
A competência comunicativa na abordagem crítico-emancipatória se faz
importantíssima, pois para esta abordagem saber se comunicar e entender o que o outro quer
dizer é um processo de reflexão que desencadeia ação de um pensamento critico.
Para a competência comunicativa a linguagem verbal é muito importante, assim como
a linguagem corporal, no entanto nesta abordagem a verbal é vista como um processo que ira
auxiliar o educando a sair apenas da fala dos problemas, fatos que o rodeiam e ira tornar em
1004
nível de discurso, ou seja, o educando saber refletir e discutir as questões sobre o que se esta
trabalhando.
Esta abordagem é completamente visada em uma ótica crítica, já que Kunz (1994),
defende o ensino crítico, pois é a partir dele que os educandos passam a compreender a
estrutura autoritária dos processos institucionalizados da sociedade e que formam as falsas
convicções, interesses e desejos. Desta forma, a missão da Educação crítica é promover
condições para que estas estruturas autoritárias sejam suspensas, e o ensino encaminha no
sentido de uma emancipação, possibilitado pelo uso da linguagem.
Quando falamos em visão crítica de ensino podemos introduzir a Capoeira como
conteúdo desta magnitude A capoeira no contexto escolar, vista como cultura de movimento
deve ter um olhar de movimento critico social, na idéia de Falcão (2003).
A capoeira é uma manifestação da cultura afro-brasileira, a mesma constitui-se numa
atividade em que o jogo, a luta e a dança2 se interpenetram (Falcão, 2003, p.16). Mesmo
sendo ao mesmo tempo luta, dança e jogo, o seu praticante é visto como jogador e não lutador
ou dançarino. Com·isso, fica evidenciado que a capoeira se diferencia de outros tipos de lutas,
visto que o elemento jogo redimensiona o conceito dessa cultura de movimento. Segundo a
ótica de Huizinga (1990), o jogo é uma atividade em que predomina a alegria, não precisa ser
justificado e nem precisa de um objetivo para ocorrer. Sendo analisado pela visão·de jogo, ela
consegue atender a necessidade de fantasia, utopia, justiça e estética e, ainda, desperta o gosto
pelo inesperado, pelo imprevisível.
A dança na capoeira se expressa no gingado centrado nos quadris. No embalo do toque
do berimbau, os capoeiras descrevem círculos no espaço da roda, fazendo com que '' o corpo
lute dançando e dance lutando'', remetendo a capoeira '' a uma zona imaginaria e ambígua,
situada entre o lúdico e o combativo'', conforme Letícia Reis (1977, p. 215).
Já enquanto luta a capoeira restaura suas origens. É importante observar que o jogo e a
dança contribuem para a dissimulação do componente luta na pratica da capoeira. ''Através do
jogo de capoeira, os corpos negociam, e a ginga significa a possibilidade de barganha (troca),
atuando no sentido de impedir o conflito'' (Reis, 1977, p. 225).
No que se refere ao nome capoeira, sabe-se que escravos oriundos de quilombos
(geralmente situados em florestas), preferiam lutar, quando necessário, em locais onde as
condições ambientais pudessem lhes ser favoráveis; essa região escolhida costumava ser a
1005
"capoeira", denominação dada a terra recentemente queimada, quando começam a brotar as
primeiras Poaceae (atual denominação das gramíneas).
Com o passar dos tempos foram ocorrendo diversas transformações nesta
manifestação cultural, segundo NORONHA e NUNES PINTO (2004), a Capoeira como
manifestação cultural, ao longo da história do nosso país, sofreu modificações na sua
constituição, na maneira de se interpretá-la, praticá-la e difundi-la, acompanhando mudanças
políticas, econômicas e sociais. Foi considerada de contravenção penal a símbolo da
identidade nacional, devido suas origens africanas e por sua maioria ser praticada pela raça
negra.
A capoeira na escola além de trabalhar questões culturais, também engloba diferentes
componentes curriculares como história, geografia, arte, música e principalmente a Educação
Física, que pode unir os conhecimentos destas disciplinas a própria prática. Nesta ótica inseri-
la no contexto escolar, mais especificamente na Educação Física se faz necessário, já que esta
manifestação cultural faz parte dos conteúdos propostos no próprio (PCN) e pelas diretrizes
curriculares do município de Itajaí3.
Com relação à temática Capoeira (SEÁRA, 2009) retrata a importância da mesma no
que diz respeito aos valores que podem ser construídos:
A Capoeira se expressa em uma manifestação de grande representação da
cultura brasileira, imprimi relações histórico-culturais, estas por sua vez
tratam de ações que se direcionam na busca de valores da construção do
cidadão, juntamente buscando o poder de reflexão e criticidade da realidade
que se habita (SEÁRA, 2009, p. 4).
Neste sentido, em que se evidenciam as dimensões reflexivas n trato deste conteúdo,
observam-se neste contexto de trabalho com a capoeira os campo conceituais, procedimentais
e atitudinais, sendo assim visa-se com os alunos desenvolver os conceitos, porém é necessário
que estes observem suas práticas, entendendo os procedimentos, bem como participando
colaborativamente e ainda ressaltando as questões atitudinais, no qual englobam os valores
sociais, éticos e morais a serem pensados.
Objetivo Geral: Desenvolver a capoeira nas aulas de educação física propiciando o
aprendizado desta manifestação a partir de um olhar histórico-crítico-reflexivo para a
diversidade etnicorracial.
1006
Objetivos específicos:
- Contextualizar a história da capoeira através de vivências corporais e vídeos;
- Vivenciar a ginga e os golpes de defesa e ataque a partir brincadeiras em grupo;
- Conhecer, utilizar e aprender os toques básicos da capoeira a partir da utilização de instrumentos;
- Realizar rodas de capoeira com luta, dança jogo e música;
-Confeccionar pandeiros adaptados;
-Desenhar na areia e no papel instrumentos e movimentos de capoeira;
-Realizar rodas de diálogo sobre os assuntos abordados;
Relato da experiência
A própria opção pela concepção crítico emancipatória evidencia a proposta
metodológica em que o docente não é visto como centro, mas sim como aquele que propicia
debates, diálogos e direcionamentos.
Os conteúdos que foram desenvolvidos foram: História da capoeira, processo
escravocrata, movimentos básicos, ginga, cocorinha, esquiva, role, brincando de golpes,
formação de roda, iniciação ao jogo na roda e ritmo e musicalização. Além disso, foram
criadas inúmeras brincadeiras tais como: Senzala e Quilombo; corrida das senzalas; anjo
capoeirista; acompanhamentos rítmicos entre outros
As aulas foram realizadas utilizando como recurso o plano de ensino de um projeto
sobre Capoeira. Este projeto intitulado: CAPOEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
MOVIMENTO DIALÓGICO PARA A DIVERSIDADE ETNICORRACIAL foi aos
poucos sendo construído por planos de intervenção/planos de aula. As intervenções
realizaram-se no espaço do parque, do pátio, da sala, do gramado e até mesmo refeitório.
Para o inicio do trabalho, na 1ª intervenção, utilizei o que chamamos (professor e
educandos) de LIVRO DOS CONCEITOS6, no qual o objetivo era ser utilizado como forma
de avaliação inicial ou diagnóstica acerca do que os educandos pensavam sobre dois
conceitos: Lutas e Brigas. Uma folha divida ao meio onde os educandos desenharam o que
eles achavam ser luta e briga. Nesse sentido, o objetivo era observar e trabalhar questões
conceituais para poder avançar com o tema capoeira deixando bem claro quais questões
deveriam ser observadas, tais como: respeito, cooperação e amizade. Os desenhos
6 O foco com esse livro era possibilitar vivências conceituais através da linguagem artística.
1007
demonstraram em suma que alguns educandos conseguiram distinguir que briga havia
desrespeito e total falta de regras e lutas tinham valores, respeito e história. Mesmo com
alguns deles tendo uma mesma visão de ambos os conceitos, pôde-se fazer uma discussão
com eles acerca da distinção.
Já na 2ª intervenção realizei o que chamo de HISTÓRIA EM MOVIMENTO7, essa
perspectiva abordou questões históricas como a escravatura, os senhores do café, os capitães
do mato, a construção de músicas relativas a este contexto pelos escravos e todos os percalços
enfrentados pelos escravos. Os educandos puderam experenciar como viviam os escravos,
seu trabalho, e as ordens que deveriam seguir. Alguns eram escravos, outros ficavam na
chibata (local onde eram chicoteados os escravos apenas), outros eram os capitães do mato e
outros senhores do café. Dentro desta dinâmica foi elaborada a brincadeira a fuga dos
escravos. Dentro desta atividade um educando era o senhor do café (hierarquia maior dos
cafezais) outros eram os capitães do mato (que pegavam os escravos) e os demais escravos.
Nessa atividade, os escravos iriam fugir ao verem os capitães do mato e estes eram mandados
pelos senhores do café. Ainda foi realizada a brincadeira Senzala e Quilombo8. Nesta, os
educandos tinham que pular para dentro do circulo quando se falava senzala e para fora do
circulo quando se mencionava quilombo. Com isso, se buscou observar a dinâmica de estar
livre e preso, oq eu acontecia constantemente com os escravos.
Pode-se notar claramente, que vários conceitos foram absorvidos, tais como os
‘’personagens’’ da história da escravidão e o que eles passavam isso como ressaltado no
inicio desse relato não pode e não deve ficar de fora das reflexões, sendo fulcral estabelecer
esses conceitos também através de brincadeiras.
A ginga foi elaborada com os educandos na 3ª intervenção. Seu processo de ensino e
aprendizagem não foi de forma metódica e linear. Construímos uma atividade no qual
chamamos de ANDANDO, DANÇADO, CORRENDO E PARRANDO. Ao fazerem que os
educandos andassem ao bater no atabaque (tambor usado na capoeira) de maneira mais
cadenciada, que corressem de maneira mais acelerada e dançassem quando a música mudasse
de ritmo e consequentemente parassem quando a secasse o som, pode-se fazer uma reflexão
7 Utilizo-me de tal dinâmica num entendimento de que existe uma memória corporal, na qual envolve a auditiva,
olfativa, visual e que uma vivência corpórea pode atrelar muitos significados que não poderiam ser construídos a
partir de uma lição no quadro. 8 Foi explicado aos educandos que senzala era o lugar que os escravos ficavam alojados/presos e que quilombo
era o local em que os escravos que conseguiam fugir do pesadelo da escravidão construíam para viver uma nova
vida. Ainda foi mencionado que quilombo ainda pode ser encontrado atualmente, lugar esse que vivem os
quilombolas.
1008
que ginga9 nada mais é que a maneira de andar dentro de uma roda, no entanto com outras
características, inclusive acompanhando a música. Além disso, foi desenhado no chão um
triangulo e mostrado que o movimento da ginga (que é considerado uma dança) é realizado
em forma de triangulo, assim pode-se usar o próprio chão que era de areia para desenhar com
o dedo a forma geométrica no chão.
‘’QUE LEGAL, ESTAMOS DANÇANDO EM CIMA DO TRIANGULO’’: fala de
um educando.
Na 4ª intervenção foram apresentados todos os instrumentos utilizados para
realização do jogo da capoeira em roda. Essa experiência, chamamos de: CONHECENDO E
TOCANDO. Foram trazidos: Berimbau, atabaque, pandeiro, caxixi, agogô, e afoxé. Após
cada educando pegar um instrumento e tocar do jeito que imaginavam ser, eles trocavam de
instrumentos com os colegas, sendo assim, todos puderam conhecer, pegar, sentir e tocar
(musicalmente) os mesmos. Uma ação muito utilizada foi o desenhar no chão de areia. Nesse
contexto, todos desenharam os instrumentos que acharam mais interessantes no chão.
Utilizaram pedras e pequenos pedaços de madeira trazidos pelo professor em um cesto. Esta
forma expressiva de lidar com os conteúdos parece ter sido muito bem aproveitada por todos,
já que desenhar é algo que os fascina.
Na mesma intervenção foram inseridos trabalhados alguns dos movimentos e golpes
básicos10
da capoeira. Estes golpes foram trabalhados com uma brincadeira que chamamos de
ANJO CAPOEIRISTA. Nesta atividade existe um pegador, e todos os outros serão anjos de
capoeira e, que para salvarem outros anjos pegos usaram seus saberes de capoeira, ou seja, os
golpes mencionados em nota de rodapé. Dessa forma, trabalharam-se os golpes e defesas,
bem como um jogo cooperativo, no qual todos necessitam de todos para participarem.
Na 5ª intervenção realizamos a TARDE DE CANTORIA. O Professor cantou
algumas músicas e os educandos dançaram sem nenhuma coreografia pré-determinada. Uma
das músicas mais cantadas foi:
‘’A maré da cheia ioiô, a maré esta cheia Iaiá 2X A maré subiu (Coro responde:) Sobe maré.
E a maré desceu: (coro responde) desce maré. O Maré com maré, maré de maré’’ 2x
9 Além desta atividade também foi trabalhada com a utilização da forma geométrica do Triângulo, esta forma
que representa a movimentação das pernas. Dessa forma os educandos faziam seus próprios triângulos e se
movimentavam nas suas extremidades 10
Meia lua de frente, benção, esquiva, esquiva lateral, cocorinha e au.
1009
Essa música faz alusão as ondas do mar e conta a história de uma menino que jogava
capoeira tão bonito quanto as ondas do mar que subiam e desciam. Nesse contexto, foi
possível explicitar uma dimensão estética de apreciação a natureza dentro do contexto da
capoeira. Além disso, quando a maré subia foi requisitado um golpe (meia lua) e quando ela
descia uma cocorinha ou esquiva11
.
Posterior a esta música fizemos um canto para relembrar a ginga:
‘’Uma perna na frente, outra perna atrás e um braço no rosto é a ginga o rapaz’’
Esse canto permite uma interpretação do movimento sem predeterminações ditados
pelo professor, fomentando assim o potencial criativo e indagador na construção de novas
referencias corporais.
No fim da experiência daquele dia fizemos como sempre realizamos nas outras uma
RODA DE CONVERSA. A partir dos comentários tecidos acerca daquelas músicas, pode-se
trazer átona a importância da música na capoeira. Assim, com base nas discussões trazidas
pelos educandos, pode-se citar aqui o que para a abordagem crítico-emancipatória está
atrelada a questão social e comunicativa, ou seja, interação e dialogicidade devem sempre
estar presentes.
Na última ação, a 6ª intervenção, realizamos todos juntos uma construção coletiva de
um cartaz de capoeira e um pandeiro adaptado de prato de flor com tampinhas de cerveja. O
trabalho de construção por ser mais complexo (envolver arame e pregos) foi feito pelo
professor com auxilio dos educandos que amassaram as tampinhas. No fim, fizemos 4
pandeiros de pratos de flores e deixamos para a turma brincar.
O cartaz evidenciou alguns desenhos das brincadeiras e pinturas de instrumentos
musicais. Várias fotos foram tiradas para arquivar o que foi feito, mas sabemos que o que fica
na memória corporal dos educandos é muito mais intenso.
Após essas intervenções e, com a finalização dessas aulas, combinamos de fazer uma
RODA DE CAPOEIRA para algumas turmas, culminando assim o trabalho de conhecimento,
experimentação e apresentação para o CEI.
11
Como o foco deste projeto não foi desenvolver habilidades motoras estabelecidas, alguns apontamentos
aparecem de forma intrínseca no relato. Mas, entendendo que Educação ‘’Física’’ não trata apenas do corpo
físico, mas sim dentro de um contexto holístico, essas habilidades estão diluídas e interpenetram-se no trabalho
corporal.
1010
Esta atividade novamente veio a ressaltar a questão de comunicação e interação entre
os educandos. E, neste sentido, fazendo valer a reflexão de Kunz (2003) ao dizer que,
descontando algumas necessidades básicas como a fome e a sede, as outras necessidades e os
outros interesses são adquiridos comunicativamente e dependem da cultura na qual o
individuo vive e que ele aprende.
Considerações finais: processo avaliativo
As intervenções realizadas procuraram a implantação de uma proposta inovadora de
conteúdo, ainda pouco vinculada no contexto escolar infantil.
As vivências dos educandos nos trabalhos em grupo, o conhecimento de uma
manifestação de grande amplitude cultural, possibilitaram a apropriação de muitos educandos
de uma nova pratica corporal, através do trabalho envolvendo relações sócio-culturais.
Pode-se dizer que a avaliação passou por três etapas: uma inicial, outra formativa e
outra final. Na verdade, não se pretende fragmentar estes processos para facetar etapas, mas
sim observar como essas etapas contribuem para alcançar objetivos propostos.
Nesse sentido, em relação aos objetivos: o geral e específicos, analisa-se que foram
alcançados principalmente ao observar as reflexões acerca da diversidade etnicorracial. Vários
conceitos (Conceituais) foram trabalhados, discutidos e refletidos. Várias atividades práticas
(Procedimentais) foram executadas com êxito e com potência criativa. E, por fim, várias
atitudes (Atitudinais), valores e questões sociais foram postas em questão ao lidar com o tema
capoeira.
A comunidade escolar participou ao ser informada que seus filhos estavam
trabalhando este tema. Foi-lhes requisitada uma pesquisa sobre a capoeira em casa. Foi
solicitado que enviassem pratos de flores e tampinhas de cerveja para confecção dos
pandeiros e, sempre que possível havia conversas com alguns pais sobre o que estava
acontecendo.
A avaliação Inicial como já dito, tratou de saber o que os educandos conheciam o que
poderiam contribuir e qual conceito/ideia tinham sobre luta e briga. Essa distinção foi crucial
para o desenrolar do trabalho, haja vista, que Paulo Freire já nos diz: Ensinar exige respeito
aos saberes dos educandos’’
1011
Já a avaliação Formativa acaba sendo a análise do processo enquanto este acontece.
Tendo a certeza de que não esperamos na avaliação um produto final, mas sim que o
importante de todo o trabalho é como ele decorre nas suas mais diversas esferas. Com esta
avaliação foi possível observar o que eles estavam pensando, como estavam agindo, o que
podia ser melhor, entre outros fatores. Sendo que tudo isso era possível como as rodas de
diálogos exercidas ao fim de cada intervenção.
A avaliação final, que foi a confecção dos cartazes e também uma conversa sobre o
que eles acharam de tudo foi muito importante. Foi nesta que decidiu-se realizar a roda para
outras salas e também explicitar os pontos positivos e negativos das atividades.
Muitos educandos disseram que gostaram da ginga, da brincadeira da fuga dos
escravos e principalmente dos instrumentos. E, no que concernem estas questões, podemos
avaliar que: O projeto propiciou a inserção dos educandos com múltiplas linguagens. O
projeto permitiu que pudéssemos dar a devida importância para a temática da diversidade
etnicorracial a partir do trabalho com a capoeira. O projeto evidenciou e quebrou uma relação
dicotômica entre físico e intelectual, ao abordar através de brincadeiras e reflexões
interpenetradas grandes problemáticas. O trabalho com música, poesia, movimentos, histórias,
linguagem midiática, entre muitos outros contextos expressa a uma relação polissêmica que a
capoeira pode exercer.
Na verdade, podemos trabalhar muitos conteúdos de maneira critica. Mas na Educação
Física, em muitas oportunidades se é priorizado os procedimentos em detrimento ao
conceitual e atitudinal. Mas, com esse relato de projeto, é possível mostrar que discutir
relação etnicorraciais de forma lúdica e ainda com crianças é sim algo possível de se trabalhar
e com certeza deve ser trabalhado.
Observando as intervenções e analisando as mesmas, posso compreender que a
utilização de uma abordagem, e especificamente a que utilizei é muito interessante, já que
podemos abrir um leque maior em nossas ações, logo que a abordagem em questão se resume
em três competências para os educandos: objetiva, social e comunicativa. Estas por sua vez
têm por finalidade a articulação da cultura do movimento com os pontos que envolvem a
comunicação e interação com os demais.
Para concluir, dentre as inúmeras possibilidades, o trabalho apontou para um olhar
diferenciado para com a Ed. Física na educação infantil e, acima de tudo ressaltou o corpo
1012
como produtor de cultura através da cultura de movimento e não somente a partir de uma
visão biológica.
Referências bibliográficas
BRASIL. PARÂMETROS CURRÍCULARES NACIONAL: introdução aos parâmetros
curriculares nacionais, Secretária de Educação Fundamental, Brasília, 1998.
FALCÃO. L. CAPOEIRA NA ESCOLA: HISTÓRIA DA CAPOEIRA. Disponível em:
http://www.iesambi.org.br/capoeira_arquivos/projetodelei.html.
KUNZ, Elenor. Didática da Educação Física 1/Org.. —3.ed.—Ijuí: Ed. Unijuí, 2003—
160p.:il.—(coleção educação física).
KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 5.ed.- Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.
NORONHA, F. D. A. NUNES Pinto, R. Capoeira nas aulas de Educação Física: Uma
proposta de Intervenção. Pensar a prática: 123-138 jul./Dez.2004.
RESUMO PARAMETROS CURRICULARRES NACIONAIS. Disponível em
http://www.adeandradina.edunet.sp.gov.br.html.
SEÁRA. E. C. R . A capoeira como conteúdo escolar: uma proposta didática para as aulas de
Educação Física. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 193 - Junio
de 2014. http://www.efdeportes.com/