Expedição Monte Roraima · um bicho de sete cabeças. Basicamente, você precisa de um bom par de...

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Por Carlos Costa/ texto e fotos Não é perto, nem fácil, mas explorar o Monte Roraima não é um bicho de sete cabeças. Basicamente, você precisa de um bom par de pernas, cabeça aberta e disposição para se aventurar por caminhos que revelam um verdadeiro mundo perdido Expedição Monte Roraima

Transcript of Expedição Monte Roraima · um bicho de sete cabeças. Basicamente, você precisa de um bom par de...

Por Carlos Costa/ texto e fotos

Não é perto, nem fácil, mas explorar o Monte Roraima não é um bicho de sete cabeças. Basicamente, você precisa de um bom par de pernas, cabeça aberta e disposição para se aventurar por caminhos que revelam um verdadeiro mundo perdido

Expedição Monte Roraima

cordamos às 4h30 da manhã para ver o nascer do sol de um mirante a duzentos metros do acampamento no alto do Monte Roraima. O céu estava limpo e

o sol, prestes a surgir no horizonte quando che-gamos à borda do penhasco. Não era possível ver a planície lá embaixo, estava encoberta por um colchão espesso de nuvens. A sensação era de que estávamos perto do céu. Foi o amanhe-cer mais belo que já vi na vida. Até os carrega-dores, que transportavam nossas barracas e o equipamento de camping ao longo do trekking pela montanha, estavam presentes e se emocio-naram. E todos juntos, carregadores e turistas, deram as mãos para uma oração de agradeci-mento por aquele momento. “É um espetáculo,

sempre me impressiona, não importa quantas vezes eu veja”, confidenciou Manuel Lorenzo, um dos carregadores. Eu estava embasbacado com o visual e, finalmente, começava a enten-der por que aquelas pessoas enfrentam todo tipo de perrengues para chegar até ali: o frio, a chuva, barracas desconfortáveis, a longa cami-nhada…O Monte Roraima devolve em belezas todo o esforço empregado para chegar até ele.

Chegar ao Monte Roraima não é mesmo fácil. É preciso cruzar o Brasil até o extremo norte, na fronteira com a Venezuela e a Guia-na, e encarar uma verdadeira aventura: um trekking com duração de uma semana, com pernoites em acampamentos selvagens den-tro de cavernas. Não se trata de um passeio contemplativo qualquer. É uma

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Mirante do Coatí

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Mirante do Coatí

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Mirante do Coatí

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Mirante do Coatí

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Mirante do Cuastro

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Mirante do Cuastro

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Rio Kukenan

expedição digna de montanhistas. Não chega a ser tão radical quanto outras montanhas cé-lebres da América do Sul, como o Aconcágua, por exemplo. O Monte Roraima não exige uso de cordas para chegar ao topo e seus 2.810 metros de altura não provocam o soroche, ou “mal da altitude”. Mas requer um bom par de pernas para quem se dispuser a explorá-lo. Eu estava disposto a isso. Há tempos sonhava em conhecer as exóticas paisagens desta monta-nha envolta em misticismo, que se tornou o destino mais desejado para trekkers brasileiros.

O Monte Roraima tem uma curiosa forma-ção geológica. Ergue-se verticalmente da pla-nície venezuelana, com seus paredões de are-nito de até mil metros de altura, e tem o topo achatado, em formato de mesa. Esse enorme

platô de pedra abriga um ambiente descon-certante, com jardins de endêmicos, cacho-eiras, cavernas, lagos subterrâneos e cânions. Os indígenas venezuelanos chamam essas montanhas em forma de mesa de tepuy. Há uma centena de tepuys no Parque Nacional Canaima, na Venezuela. O Monte Roraima é um deles, mas com parte de sua área dividida entre Brasil, Guiana e Venezuela.

No caminho até lá, no voo para Boa Vista, capital de Roraima, eu lia o livro O Mundo Perdido, do escritor inglês Conan Doyle, o cria-dor do Sherlock Holmes. No livro, cuja histó-ria se desenrola no Monte Roraima, o topo da montanha é habitado por dinossauros, que ali estiveram protegidos do apocalipse. Logo eu descobriria que não, não existem dinossauros por lá, mas o Monte Roraima é mesmo capaz de provocar os maiores devaneios.

Chegando à cidade, juntei-me a uma expe-dição organizada pela agência Roraima Adven-tures (www.roraima-brasil.com.br). A empresa oferece seis diferentes roteiros de trekking para explorar o Monte Roraima, com preços que variam entre R$ 1.550 e R$ 3.100. E outros

dois com chegada ao topo em helicóptero, que são bem mais caros: US$ 3.500 (em dó-lares mesmo) sem pernoite e US$ 8.500 com dois pernoites na montanha, valores a serem divididos entre quatro passageiros.

O roteiro do Lago Gladys, que eu estava prestes a encarar, tem oito dias (sete noites) de duração, sendo quatro pernoites no topo da montanha. Seriam 120 quilômetros de cami-nhada no total, o que dá uma média de 15 quilômetros por dia. Todos os pacotes incluem o transfer desde Boa Vista até Paraitepuy, já na Venezuela, onde começa a trilha, além de guias, carregadores para levar todo o equipa-mento de camping e as refeições. A barraca é para duas pessoas, mas quem

Os preparativOs

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Camping - Hotel Coatí

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O mau tempo deixa o trekking

ainda mais desafiador

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O trekking mescla trechos de subidas íngremes e pesadas,

com caminhadas pelo platô

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Subida ao topo

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Momento de reflexão e descanso no paredão da montanha

quiser pode solicitar uma barraca individual, pagando um extra (R$ 250). É uma boa para ter mais espaço e privacidade.

Cada um leva consigo sua própria ba-gagem: roupas, saco de dormir e isolante térmico (para forrar o chão da barraca, aces-sório fundamental para as noites frias na montanha). A agência aluga o isolante e o saco de dormir (R$ 80 cada). Existe a possi-bilidade de contratar carregador para levar a babagem pessoal (R$ 80 ao dia), o que é altamente recomendável, já que a trilha é dura, com muitos trechos em subidas, e com peso às costas fica bem incômodo. Para fa-zer economia, dispensei o serviço de carre-gador. Mas me arrependi depois.

Saímos de Boa Vista às cinco da manhã. Atravessamos a fronteira com a Venezuela e, por volta do meio dia, chegamos a Paraite-puy. Foram dois dias de caminhada até che-gar à base da montanha, bem aos pés dos paredões de arenito. Apenas no terceiro dia alcançamos o topo, após um trecho íngreme de pedras. Chovia um pouco e uma névoa fina encobria a paisagem do platô. Mesmo assim tivemos um primeiro vislumbre do ce-nário: o chão rochoso com pedras enormes em formatos tortuosos e plantas baixas, entre elas muitas bromélias e orquídeas, que pare-ciam compor jardins criados por um paisagis-ta profissional. “É como entrar no mundo do Jurassic Park”, disse o guia Francisco Diniz.

Eu tive a mesma impressão. E novamente me lembrei das histórias de Conan Doyle.

A bruma nos acompanharia durante toda nossa estada no alto do Roraima e ela aumen-tava ainda mais o clima de mistério da mon-tanha. Ora encobria toda a vista, ora exibia os mirantes e os rochedos. Por sorte, o clima colaborou nos dias seguintes e o sol apare-ceu, tornando as cores das flores e dos riachos de águas avermelhadas ainda mais bonitas. E foi assim, com céu limpo, que vislumbramos aquele amanhecer fabuloso e chegamos ao Ponto Triplo, o marco de pedra que limita as fronteiras de Brasil, Venezuela e Guiana, fin-cado ali em 1931, na expedição chefiada pelo Marechal Rondon.

O trekking

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Primeiro dia de trekking

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Caminhada rumo ao topo

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Camping - Hotel Cuatro

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Rio Cotingo - trilha do Lago Glady

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Fosso

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Rio Cotingo - trilha do Lago Gladys

A grande atração do nosso roteiro era o Lago Gladys, que fica num vale cercado por paredões de rocha. Chegamos até ele da melhor forma, pelo alto, vendo a paisagem de cima. O que mais gostei, porém, foi o Fosso: uma cacho-eira que cai dentro de um buraco redondo, formando um lago para nadar. Descrito assim parece até banal demais. Mas o Monte Roraima não é dado às banalidades. É preciso considerar que o tal lago segue para o subterrâneo e, para acessá-lo, é preciso entrar em uma caverna através de uma fenda no solo. Sensacional.

Durante as caminhadas, eu observava por todo canto os jardins com plantas exóticas. Nem Burle Marx em dia ins-pirado conseguiria fazer algo parecido. Cerca de 60% das espécies são endêmicas, adaptadas àquele ecossistema frio e espantosamente úmido. Quase não há formigas e predadores naturais, o que mantém as folhagens intactas. E por conta da falta de nutrientes do solo, há muitas plantas insetívoras.

Os lugares onde acampávamos também eram belíssi-mos: dentro de cavernas, que os nativos chamam de “hotéis”. Há vários deles no platô da montanha. Hotel São Francisco, Coatí, Principal, Cuatiro…Ficamos acampados no Coatí, uma caverna com piso plano de areia, bastante lugar para armar as barracas e com um lindo jardim interno. “É o cinco estre-las do Roraima”, disse Francisco.

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Os momentos de acampamento eram bem tranquilos. Após a caminhada matinal, o almoço era servido (geral-mente uma massa ou arroz com feijão, carne e salada). Es-perávamos os carregadores armar as barracas para ajeitar nossas bagagens e tomar um banho de rio. Eram pausas importantes para descansar as pernas. Para passar o tempo, ficávamos conversando e jogando cartas. Às oito da noite todos já estavam recolhidos e pouco tempo depois já se ouvia a sinfonia de roncos no interior da caverna. Minhas primeiras noites no trekking, porém, foram bem mal-dormi-das. Levei um tempo para me acostumar com o chão duro da barraca. Além disso, as noites são geladas. A temperatura chega a cair até zero grau, o que exige agasalhos e roupas térmicas adequadas de montanhismo.

Todos os acampamentos do trekking são selvagens, ou seja, sem luz elétrica ou chuveiro quente. O banho é de rio mesmo e o banheiro improvisado em uma barraca cujo in-terior tem apenas um banquinho com o assento furado, no qual o usuário pendura um saco plástico para fazer as neces-sidades básicas. É um pouco estranho no começo, mas fun-ciona, e minimiza a poluição ambiental no frágil ecossistema da montanha.

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Em êxtase com as paisagens da montanha, iniciamos o caminho de volta. Fazia um belo dia de sol e as pe-dras da encosta estavam secas, bem mais seguro do que no dia da nossa chegada, quando chovia. Em certo pon-to da descida, parei para descansar. Olhei para cima e tive a visão do paredão bem de perto pela última vez. Estendi o braço para me despedir e agradeci ao Monte Roraima pelos espetáculos que nos proporcionou. Mas a descida foi penosa. A fadiga das pernas apertou no caminho. As solas das minhas botas começaram a soltar e eu as prendi com fita adesiva. Surgiram as primeiras bolhas, que começaram a incomodar. Vez ou outra, eu me virava para ver a montanha com seu chapéu de nu-vens ficando para trás.

Todos pareciam cansados ao final do trekking. Ca-minhavam em silêncio, em ritmo lento. Eu estava visi-

velmente mais magro e com o rosto ardendo de sol. Mesmo assim, sentia-me feliz e em paz. O Monte Ro-raima tem mesmo uma energia especial. A montanha testa nossa força física e mental. Quebra nossa rotina de forma fenomenal. Andamos feito loucos, dormimos em cavernas, acordamos às cinco da manhã, ficamos privados de televisão e comunicação por oito dias. Mas todo o esforço é recompensado por grandes visuais e o contato com a amplidão que tão bem faz ao espírito.

Eu fui o último do nosso grupo a chegar ao vilarejo de Paraitepuy, o início e o fim da nossa jornada. Eu es-tava exausto. Ao avistar as casas do povoado, lembrei das palavras de Lorde John Roxton, um dos personagens do livro O Mundo Perdido, de Conan Doyle: “Vamos à aventura, meu caro jovem! Que os espaços abertos e as terras misteriosas nos permitam a alegria da descoberta”.

O retOrnO

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A ajuda de um carregador faz toda a diferença. O carregador José Marques já é um expert na montanha

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Montando barracas do acampamento do Rio Trek

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Ponto Triplo

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Rio Kukenan

serviçOs

Quando IrA melhor época vai de abril a julho, quando chove bem menos no platô do Monte Roraima. Maio é o mês perfeito para viajar, por ser auge da seca e época de floração de diversas espécies de plantas.

Quanto CustaA agência Roraima Adventures (www.roraima-brasil.com.br), se-diada em Boa Vista, oferece seis roteiros de trekking ao Monte Ro-raima, com duração entre seis e nove dias. O roteiro do Lago Gla-dys tem oito dias de duração (sete noites), sendo quatro pernoites no topo. Custa R$ 2.190 por pessoa. Se somar os valores de aluguel de saco de dormir e isolante térmico (R$ 160), carregador pessoal (R$ 640) e barraca individual (R$ 250), o total fica em R$ 3.240. Não inclui as passagens aéreas e as hospedagens em Boa Vista.

Como ChegarAs passagens aéreas para Boa Vista-RR com a TAM (www.tam.com.br) saem a partir de R$ 560, a partir de São Paulo, ida e volta.

Onde Ficar em Boa Vista

Hotel Barrudada: Tem bom custo-benefício. É simples, mas limpo, os quartos têm ar condicionado, TV, internet wi-fi e frigobar. Tem piscina e fica bem no centro da cidade. A partir de R$ 100, se pa-gar em dinheiro. www.hotelbarrudada.tur.br

Aipana Hotel: O melhor da cidade. É o maiorzão, com quartos confortáveis e uma bonita área de lazer com jardim e piscina. Bem no centro. A partir de R$ 260. www.aipanaplaza.com.br

Outras informaçõesA agência Roraima Adventures envia aos participantes, por email, dias antes da viagem uma lista de equipamentos necessários para quem for realizar trekking. É importante ler com atenção e provi-denciar o que for solicitado para evitar perrengues tolos no alto da montanha. A lista inclui: roupas impermeáveis, mochila para trekking, capa de chuva especial para caminhada, sacos de lixo, botas impermeáveis, remédios, cantil, chinelos ou papetes, cantil, fita adesiva, comprimidos de cloro para colocar na água de beber, lanterna, entre outros utensílios.

Fosso