EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA a VARA ... · qualidade dos cabos de aço, na...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __a VARA
CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA
DE CURITIBA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ, por intermédio dos Promotores de Justiça com atribuições junto à
Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Curitiba, com
fundamento no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, 25, inciso IV, letra
a, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, nos artigos 2º, inciso IV, letra
a, 57, inciso IV, letra b, e 68, inciso V, 1, todos da Lei Orgânica Estadual do
Ministério Público, bem como nos artigos 81, parágrafo único, incisos I e II, 82,
inciso I, 83 e 91 do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, lastreado na
investigação realizada no inquérito civil nº MPPR-0046.11.002200-4, vem
perante Vossa Excelência propor a presente AÇÃO COLETIVA DE
CONSUMO, contra FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA, pessoa
jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ 76.639.285/0001-77, com sede na
Rua Professor Algacyr Munhoz Mader, 2800, Cidade Industrial, Curitiba/PR, na
pessoa de seu representante legal pelos fatos e fundamentos a seguir
expostos:
1. DOS FATOS:
Como se extrai do inquérito civil que instrui a
presente Ação Coletiva de Consumo, chegou ao conhecimento desta
Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor através de representação
encaminhada pelo Sindicato Nacional de Trefilação e Laminação de Metais
Ferrosos – SICETEL, nas fls. 07/20, que a empresa FERRAGENS NEGRÃO
COMERCIAL LTDA estaria importando e comercializando cabos de aço em
desconformidade com o Regulamento de Avaliação de Conformidade
para Cabos de Aço de Uso Geral do INMETRO e com a legislação
consumerista, o que acabou culminando com a interdição cautelar de 673
(seiscentas e setenta e três) bobinas de cabo de aço pelo IPEM/PR.
A quantidade apreendida pelo Instituto de Pesos e
Medidas do Estado do Paraná - IPEM-PR é insignificante se comparada com a
quantidade vultosa importada da China e comercializada pela requerida
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA.
Importante que se registre que após a instauração
do inquérito civil, passamos a coletar nos autos em anexo notícias sobre
acidentes envolvendo cabos de aço, e surpreendemo-nos com a frequência
com que esses têm acontecido em vários Estados brasileiros. Assim, para
evitar tumulto processual, autuamos as notícias em anexo aos autos principais,
haja vista que não foi comprovada a origem daqueles cabos, ou seja, não
há como se afirmar tratar-se dos cabos de aço da empresa Ferragens
Negrão Comercial Ltda.
Entretanto, pretendemos que referida documentação seja
utilizada no presente feito para ressaltar a importância da rigorosa observância da
qualidade dos cabos de aço, na perspectiva da preservação da segurança dos
consumidores, como exemplificam as seguintes ocorrências:
1) Portão cai e fere criança gravemente em Ribeirão – Cabo de aço se rompe e
causa acidente; menino está internado no Hospital de Clínicas (Jornal A
Cidade – Ribeirão Preto/SP - 30/12/2011 – Jacqueline Pioli –
www.jornalacidade.com.br/editoriais/cidades/2011/12/30/portao-cai-e-fere-
crianc...) – p. 02 do anexo;
2) Carro se desprende de reboque e causa acidente – Cabo de aço que
puxava o veículo para o caminhão-reboque se rompeu (Jornal Hoje em
Dia – Belo Horizonte/MG – 25/10/2011 – Wallace Graciano – Do Portal HD ) –
p. 03/04 do anexo;
3) Elevador da Bahia caiu por falta de manutenção, diz laudo – (...) a queda de
um elevador em uma obra na região do Iguatemi, em Salvador, que matou
nove operários, aponta a falta de manutenção preventiva como causa do
acidente (...) (Publicado em 23/09/2011 – Fonte/Agência Estado,
ne10.uol.com.br/canal/cotidiano/nordeste/noticia/2011/09/23/elevador-na-
bahia-c...) – fls. 06 e 103/130 do anexo
4) Operário morre após cair de prédio em construção em Caxias do Sul – Cabo
de aço rompido teria sido a causa do acidente
www.clicrbs.com.br/pioneiro/rd/plantao/10,3240509,Operario-morre-apos-cair-
d... - 15/03/2011) – fl. 10 e fls 61/86 do anexo
5) Operário fica pendurado em prédio após cabo se romper (Santos/SP –
Gabriel Diniz – cblogdogabrieldiiz.com/2011/08/operario-fica-pendurado-em-
prdio-apos...) - fl. 11 do anexo
6) Operário fica pendurado a 70m do chão no interior do São Paulo – Cabo de
aço se rompeu quando homem trocava alguns vidros do 24o andar (Do
R7 Notícias, com Record News Sudeste, 12/11/2010, noticiasr7.com/sao-
paulo/noticias/operário-fica-pendurado-a-70-m-do-chao-no-interior-de-sao-
paulo-20101112.html... ) fl.12 do anexo
7) Elevador cai, com mulher dentro, após rompimento de cabo, em Sarandi –
Um elevador caiu, após o cabo de aço que o sustenta se romper, por volta
da 7h45min desta quarta-feira (26), em Sarandi. Uma mulher que estava
dentro teve fraturas nas pernas. (26/10/2011 – Tribuna Terra Boa –
www.tribunaterraboa.com.br/noticia/424 ) - fl. 13 do anexo
8) Operário morre após queda de elevador no Renascença – Foi confirmada a
morte de apenas um, dos sete operários que caíram de um elevador no fim
da manhã desta sexta-feira (5). O acidente aconteceu após o cabo de aço
que prendia o elevador romper-se, na construção de um edifício na rua Mitra,
no Renascença II (05/08/2011 – São Luis/MA – Imirante –
imirante.globo.com/noticias/2011/08/05/pagina281438.shtml) - fl. 15 e
101/102 do anexo;
9) Rompimento de cabo de aço provoca acidente sem vítimas no Portocel – Um
cabo de aço do guindaste se rompeu e a carga de mais de 30 toneladas de
celulose caiu no cais do Portocel, em Barra do Riacho, Aracruz (05/07/2011 –
Folha do Litoral – www.folhadolitoral.com.br/site/?p=noticias_ver&id=2594) -
fl. 16 do anexo;
10) Homem morre esmagado por bobina de aço de 12 toneladas em MS –
Segundo a polícia, cabo de aço que segurava a bobina arrebentou
(Dourados/MS – 20/01/2012 – Do G1 MS – g1.globo.com/mato-grosso-do-
sul/noticia/2012/01/homem-morre-esmagado-por-...) - fl. 17 e 46/60 do anexo
11) Locutor é ferido durante entrega de carro de sorteio – Cabo de aço em
caminhão-cegonha se rompeu e rampa de ferro atingiu vítima em Jaboticabal;
ele aguarda transferência para Ribeirão Preto (28/02/2012 - Jaboticabal – A
Cidade – Aline Bonilha –
www.jornalacidade.com.br/editoriais/cidades/2012/02/28/locutor-e-ferido-
durante-entrega-de-carro-de-sorteio.html) -
12) Inquérito de morte em tirolesa é aberto em Águas de Lindóia, SP – Maiza
Aparecida Rodrigues Tavares morreu após rompimento de cabo. Servidora do
Ministério Público foi enterrada em São Paulo nesta quarta (Águas de
Lindóia/SP – 22/02/2012 – Do G1 Campinas e Região –
g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2012/02/inquerito-de-morte-em-
tirole..) – fls. 33/34 do anexo;
No manual juntado na fl. 221 dos autos, consta que
no mundo, um trabalhador da construção civil tem três vezes mais
probabilidade de morrer em acidente. Nos Estados Unidos são 200
acidentes/ano, na Europa são 1300 acidentes/ano e no Brasil são 26.424
acidentes por ano.
1.1. Do disposto no art. 2o, alínea “a”, da Portaria no
209 do INMETRO – Proibição da certificação, uso e comercialização de
cabos de aço de classe 6x19M, com diâmetro acima de 4,8mm
O primeiro vício constatado no produto apreendido e
que está sendo importado da China e comercializado pela requerida, refere-se
ao processo de fabricação. Os cabos apreendidos junto à requerida
FERRAGENS NEGRÃO LTDA. são classificados como 6X19M, com diâmetro
acima de 4,8mm. Tais características significam que estes cabos de aço,
durante o processo de fabricação, passaram por múltiplas operações, o que é
representado pela letra M. Deste modo, as pernas dos arames não ficam
dispostas paralelamente umas às outras, e sim, cruzadas entre si, formando
pontos de contato com menor resistência à fadiga quando comparado
com a perna fabricada em uma única operação. Essa área de contato menor
causa maior desgaste interno do cabo de aço classe M.
Por conta dos riscos causados por este tipo de
produto o INMETRO vedou sua comercialização em território nacional (fls.
300-303), tendo como um dos fundamentos a necessidade de se excluir 03
(três) classes de cabos de aço do programa de certificação, cujo processo de
produção não proporciona adequado grau de segurança, a partir de 30 de
agosto de 2010, dando tempo hábil para que fabricantes, importadores,
atacadistas e varejistas se adequassem aos requisitos estabelecidos no
regulamento então aprovado, nos seguintes termos:
Art. 2o Proibir a certificação e, por via de consequência, o seu uso e a
sua comercialização no país, a título gratuito ou oneroso dos seguintes
cabos de aço:
a) cabos de classe 6x19M, com diâmetro acima de 4,8mm;
b) cabos de classe 6x37M, com diâmetro acima de 12 mm;
c) cabos de classe 6x24AF + AF, construção 6x12 + 7AF.
No envelope da fl. 304 dos autos é possível verificar
das amostras de cabos de aço, sendo um 6x19 (fabricado em uma única
operação) e o outro 6x19M (fabricado em múltiplas operações).
O cabo de aço é constituído de pernas e alma. A
alma pode ser de aço ou fibra – dependendo da finalidade do cabo de aço. De
acordo com a aplicação do cabo de aço a perna poderá ter mais ou menos
arames (fl.301). A perna pode ser fabricada em uma única operação ou em
múltiplas operações bem como podem ser usados arames com diâmetros
diferentes (tipo de construção Seale, Warrington, Filler e Warrington-Seale) ou
podem ser usados arames com o mesmo diâmetro (tipo de construção de
múltipla operação – símbolo M), sendo esse último caso proibido pelo
INMETRO.
O tipo de construção denominado “Múltiplas
Operações” ocorre quando a perna do cabo de aço foi fabricada em várias
operações, pois os arames foram torcidos em duas ou mais etapas. Nas
denominadas “Operações M”, a perna é composta de 19 fios distribuídos da
seguinte forma: 1 +6 / 12. Percebe-se que todos os fios têm o mesmo diâmetro.
A primeira operação é a torção dos 6 arames da camada inferior por cima do
arame central. A segunda operação é a torção dos 12 arames por cima da
primeira operação. Descrição: 6 x 19 M (cabo de aço proibido quando
apresentar diâmetro superior a 4,8mm). Assim, apontam-se os seguintes
aspectos negativos nesse tipo de cabo: a) maior desgaste interno, ocasionado
pelo cruzamento de arames; b) menor resistência à fadiga; c) não possui
uniformidade na distribuição de carga entre os arames.
Ressalta-se que quando os fios apresentam
diâmetros diferentes, permite-se um melhor assentamento geométrico e
maior segurança ao produto. A perna fabricada em uma única operação tem
como características: a) menor desgaste interno, b) maior resistência à fadiga,
c) maior residência à compressão, d) uniformidade na distribuição de carga
entre arames.
Entretanto, os cabos comercializados pela requerida
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA., como exemplifica a amostra
juntada aos autos do inquérito civil etiquetado como “cabo de aço AF – galv.
9,5 – 3/8 – 6x19M – Worker” (envelope fl. 304), bem a amostra analisada pelo
Instituto de Criminalística do Paraná, possuem fios visivelmente com o mesmo
diâmetro, o que não permite o assentamento adequado, e fará com que os
pontos de atrito fiquem localizados em lugares específicos, gerando o
rompimento de dentro para fora, sem possibilidade de visualização (fl. 299).
1.2. Da inobservância da regra prevista nos itens
10.1.3 da Portaria 209/2009 e do item 6.1.1.3.1.2. do regulamento – falta de
fitilho de identificação.
O fitilho de identificação do fornecedor
responsável pelo produto no mercado brasileiro é fundamental para
rastreabilidade do produto, para que se possa identificar o responsável pela
inserção dos cabos de aço no mercado nacional.
Diante de tais irregularidades o IPEM (Instituto de Pesos e Medidas doEstado do
Paraná)expediu auto deinfração de nº 241743, e na oportunidade apreendeu e proibiu
acomercialização, através da lavratura do termo de interdição cautelar denº 375862,no
dia 02/12/2010, de 673(seiscentos e setenta e três) cabos de aço do Lote 10038/12,
culminando noprocesso administrativo denº 8123/10(fls.117-120). Deste processo
aempresaFERRAGENS NEGRÃO LTDA.interpôs recursos, sendo todos indeferidos
pelos órgãos administrativos IPEM eINMETRO (fls. 191/192).
Recebida a reclamação pelo Ministério Público,
encaminhou-se cópia do Inquérito Civil para a DELCON, onde foi instaurado
Inquérito Policial sob o nº 31313/2011 (fl.211), diante dos indícios de prática de
crime contra as relações de consumo.
No inquérito policial foi realizado o Laudo de Perícia
Criminal 444.548-1, pelo Instituto de Criminalística do Paraná, que concluiu que
o segmento de cabo de aço encaminhado para exame é da classe 6x19M com
diâmetro de 9,51mm. O fitilho apresenta a identificação do fabricante Wuxi
Mingli Metal Products Co. Ltd. e não faz referencia a Ferragens Negrão
Comercial Ltda.
1.3. Da defesa da requerida – produtos certificados
por órgãos creditados pelo Inmetro
Em sua defesa (fls.225-298) a empresa
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA. alegou que possuía os
certificados conferidos pela BUREAU VERITAS CERTIFICATION, Órgão
Certificador de Conformidade autorizado pelo INMETRO, de nº BR229130 e
BR229133 (fls.238-240;246-250). Do mesmo modo, argumentou que a
CONCREMAT TECNOLOGIA, após realizar ensaios dos cabos de aço atestou
que os mesmos atendiam todas as exigências legais e metrológicas e que
eram os produtos denominados 6X19 e não 6X19M (257-263).
Não obstante a alegação da requerida, no sentido de
que os seus produtos foram certificados, o fato é que as amostras
apresentadas aos órgãos certificadores, credenciados pelo INMETRO,
eventualmente encontravam-se em conformidade com a norma, o que não
significa necessariamente que a empresa esteja importando o cabo de aço com
as especificações legais, o que de fato tem-se constatado nas apreensões
realizadas, que constataram cabos 6x19M.
Ressalta-se ainda que no relatório de ensaio “05”
realizado pela CONCREMAT TECNOLOGIA, fl. 260, consta carimbado o
seguinte alerta: “NOTA IMPORTANTE: OS RESULTADOS DESTE ENSAIO
TEM SIGNIFICADO RESTRITO. SE APLICA TÃO SOMENTE À AMOSTRA
ENTREGUE PELO INTERESSADO”.
Entre os diversos documentos que constam do CD
enviado pelo INMETRO, ressaltam-se dois relatórios de não conformidade de
produto (RNCP), nos quais foram realizados ensaios de carga de ruptura, em
08/09/2011, sendo que na AOL 002/11, o valor mínimo especificado seria
94,2kN e o valor obtido foi inferior, ou seja, 90,0kN, e na AOL 003/11, o valor
mínimo especificado era 590,7 kN e o valor obtido foi de 520,8kN, o que
demonstra que a carga pode ser enviada da China em desconformidade, tudo
depende da amostra apresentada à análise.
Em auxílio à investigação, os representantes da
SICETEL apresentaram na petição das fls. 212-219 as notas fiscais de
aquisição de cabos de aço importados e comercializados pela FERRAGENS
NEGRÃO COMERCIAL LTDA. e respectivo Relatório de Ensaio de nº
11081165MCSP realizado pela empresa TORK Controle Tecnológico de
Materiais, atestando a irregularidade do produto analisado uma vez que
não atende a especificação da Norma ABNT NBR ISO 2408, ed. 08 e não
atende ao disposto no art. 2o, item A, da portaria INMETRO 209, de 10/07/2009
e entregaram amostras de cabos de aço para instrução do inquérito civil
(fl.304).
1.4. Da constatação da importação e comercialização
de cabos de aço 6x19M, proibidos pelo INMETRO
Diante do contraste entre a representação
protocolada nesta Promotoria e a defesa apresentada pela empresa
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA., encaminhou-se ofício ao
laboratório CONCREMAT, com cópia do laudo anexado pela fornecedora em
sua defesa, para que informasse “a classe e a construção do cabo de acordo
com a tabela nº 2 da Norma ISO 17893 (citada pela isso 2408), devendo
esclarecer o motivo pelo qual foi omitida tal informação no laudo apresentado”.
Oficiou-se do mesmo modo o INMETRO para que se manifestasse acerca de
três questões: a) “Se os cabos de aço apreendidos na empresa FERRAGENS
NEGRÃO LTDA. são ou não “cabos de aço de construção 6X19M (múltiplas
operações), b) “Se as certificações BR229130 e BR229133 possuem validade”,
c) Se, possuindo validade, as certificações retro citadas permitem a
comercialização dos produtos apreendidos”.
Tratando, preliminarmente, da resposta
encaminhada pelo INMETRO (fls.318-319), a primeira questão foi respondida
de forma positiva em relação aos cabos de aço apreendidos serem de fato
os cabos 6X19M, conforme cópia do auto de infração em anexo (fls.330-331).
Quanto à segunda resposta, o Inmetro afirmou que os certificados supracitados
possuíam validade. Diante desta afirmação passou-se à terceira pergunta.
Neste caso, o Inmetro ressaltou que a certificação não impede o exercício
do poder de polícia administrativa por parte do Inmetro de verificar se os
produtos colocados no comércio mantêm as características que
demonstraram durante o processo de avaliação de sua conformidade.
Importante frisar, que durante fiscalização do IPEM/PR em 02/12/2010, foram
identificadas duas irregularidades nas mercadorias comercializadas pela
empresa FERRAGENS NEGRÃO LTDA.: o fato de os cabos serem de classe
6X19M, de comercialização proibida no Brasil e a falta de fitilhos de
identificação do fornecedor (cf. regra prevista nos itens 10.1.3 da Portaria
209/2009 e do item 6.1.1.3.1.2. do regulamento que prescreve que para
permitir a rastreabilidade, o produto deve estar identificado por um fitilho,
trazendo impressa a identificação do fornecedor).
A cópia dos autos de infração (241743 e 241743),
realizados em 15/12/2010, referidos pelo INMETRO encontra-se nas fls.
330/331 dos autos. E, em decorrência de pedido de providências da SICETEL,
foi encetada nova fiscalização em 15/12/2011, gerando o auto de infração
285793 e o termo único de fiscalização de produtos, com interdição cautelar de
270 bobinas com 500 metros de cabos de aço 6x19M da marca Worker, da
empresa FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA. (fls. 359/360)
Por sua vez, a CONCREMAT TECNOLOGIA
também respondeu ao ofício (fls.332-339), contudo, pretendeu deixar claro que
a responsabilidade pela verificação da conformidade do produto para uso
compete ao órgão certificador do produto (OCP), em observância da RAC
do INMETRO; e como o laudo emitido pelo Laboratório é de ensaio, quem deve
observar se o material pode ser comercializado, se contraria a RAC do
INMETRO, é o OCP (= BVQI do Brasil Sociedade Classificadora Ltda. – Bureau
Veritas), não sendo, responsabilidade da Concremat se comprometer com essa
questão.
Finalmente, concluiu a manifestação com a
apresentação de tabela na fl. 339, onde está especificado que os cabos de aço
importados e comercializados pela FERRAGENS NEGRÃO LTDA. são cabos
6x19M. Ou seja, estão em completo desacordo com o regulamento instituído
pelo INMETRO.
O órgão certificador do produto (OCP) que no caso é
o BVQI DO BRASIL SOCIEDADE CLASSIFICADORA LTDA – BUREAU
VERITAS, na petição das fls. 361/364, recusou-se a prestar os esclarecimentos
ao Ministério Público, sob o argumento da “confidencialidade” das informações.
Ora, uma empresa que é credenciada por um órgão público para realizar um
serviço de fundamental interesse público, reservar-se ao direito da
confidencialidade sobre o procedimento realizado para a certificação de um
produto que tem demonstrado estar em desconformidade com norma proibitiva,
soa, no mínimo, inconveniente.
Efetivamente, o interesse público demanda o
esclarecimento sobre a segurança de um produto que foi certificado pela
empresa BVQI, e que com base em tal certificado tem sido liberado pela
inspeção aduaneira para ingresso no mercado brasileiro.
Disso tudo se conclui a gravidade do caso em
questão, uma vez que o material irregularmente importado e vendido pela
FERRAGENS NEGRÃO LTDA. está presente no mercado de consumo e
uma vez que vem sendo usado em diversas construções, está colocando
em sério risco um número indeterminado de pessoas em diversas regiões
do País. Não se pode admitir que tais produtos continuem sendo
livremente vendidos e utilizados em território nacional.
Desta forma, não se sustenta a afirmação da
requerida FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA, às fls. 227 e 228, que
o produto cabo de aço seja o 6X19 e esteja de acordo com as normas técnicas
expedidas pelo INMETRO, uma vez que o laboratório creditado para realizar
testes no produto “cabos de aço” informou a esta Promotoria que os produtos
são os cabos “6X19M”, e o Instituto de Criminalística do Paraná também
constatou, em laudo pericial, tratar-se de cabo de aço “6x19M” .
2. DO DIREITO:
A presente ação visa ao resguardo da segurança, da vida e da
integridade física de um número indeterminável de pessoas, diante do risco de
ocorrência de acidentes causados por cabos de aço fabricados e comercializados em
desconformidade com as normas brasileiras.
2.1. Dos diversos dispositivos legais visando à proteção dos
direitos do consumidor
O art. 6º, inciso I, do Código de Defesa do
Consumidor, preceitua como direito básico do consumidor a proteção da vida,
saúde e segurança contra a prática de fornecimento de produtos considerados
perigosos ou nocivos.
A regra, estabelecida pelo artigo 8º da Lei 8.078/90,
é de que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não
deverão acarretar riscos à saúde e segurança dos consumidores, exceto os
considerados normais e previsíveis.
O art.10 do CDC, por sua vez, proíbe o fornecedor
de colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria
saber apresentar alto grau de periculosidade à saúde e segurança. Não há
dúvidas que a requerida tem plena consciência do ilícito cometido, basta
observar as autuações que tem recebido dos órgãos de fiscalização.
Para melhor elucidar tal raciocínio utilizaremos uma
simples linha do tempo: Em 15/12/2010 o IPEM apreendeu lote do produto
cabos de aço 6X19M(fls.118/119), mesmo com os recursos interpostos pela
requerida a decisão foi confirmada pelo INMETRO (fls.191/192) em data de
15/04/2011. Em 25/08/2011 a SICETEL apresentou relatório de ensaio
correspondente a laudo de amostra do produto discutido na presente demanda
(fls.212/219), por fim a CONCREMAT, laboratório creditado pelo INMETRO
para a realização de ensaios de vários produtos, dentre eles o cabo de aço,
corroborou em 08/11/2011 com os fatos anteriormente expostos e confirmou
que o modelo dos cabos da requerida seriam “M” (fls.332/339). Não obstante
todas as informações fornecidas por órgãos públicos e laboratórios creditados,
o Ministério Público recebeu a informação que a requerida continuava
colocando no mercado o produto em desconformidade com as normas por
meio de cargas retiradas no Porto de Paranaguá (fl.343). Por conta disso,
oficiou-se ao IPEM/PR para que realizasse fiscalização na empresa Ferragens
Negrão, o que ocorreu na data de 30/11/2011, resultando na apreensão de
mais 270 cabos de aço de classe 6X19M (fls.358/360).
É evidente que a fornecedora agiu de má-fé e
ignorou todos os testes realizados e os fatos supracitados, assumindo os riscos
que o produto pode causar aos consumidores. Em caderno em anexo
encontram-se notícias colhidas em todo o País acerca de acidentes
ocasionados por problemas envolvendo cabos de aço, alguns resultando
na morte de pessoas. Importante ressaltar que não se pretende por ora fazer a
conexão entre os cabos revendidos pela Ferragens Negrão e os cabos
envolvidos nos acidentes em tela, porém o que se pretende é demonstrar quão
grave é a situação envolvendo acidentes com cabos de aço, ainda mais se
levarmos em consideração o crescimento do setor de construção civil no País,
que utilizam referidos produtos.
Por conta da natureza de sua função os cabos de
aço devem atender aos mais rigorosos padrões de qualidade e segurança.
Basta a simples suspeita de vício para que o produto seja retirado do mercado.
Desse modo, constata-se também a prática abusiva adotada pelo fornecedor,
de acordo com o art. 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Sobre esse assunto Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim leciona que
a utilização das normas técnicas traz inúmeros benefícios, dentre eles a
segurança do consumidor. A norma técnica para o ilustrado professor é o
registro de concentrado conhecimento, “colocado à disposição da sociedade e
sem o qual não se pode controlar a qualidade nem certificar o produto ou
serviço”1
O STJ também já se manifestou sobre o tema
normas técnicas:
ADMINISTRATIVO – AUTO DE INFRAÇÃO – CONMETRO E
INMETRO – LEIS 5.966/1973 E 9.933/1999 – ATOS
NORMATIVOS REFERENTES À METROLOGIA – CRITÉRIOS E
PROCEDIMENTOS PARA APLICAÇÃO DE PENALIDADES –
PROTEÇÃO DOS CONSUMIDORES – TEORIA DA
QUALIDADE.
1. Inaplicável a Súmula 126/STJ, porque o acórdão decidiu a
querela aplicando as normas infraconstitucionais, reportando-se
en passant a princípios constitucionais. Somente o fundamento
diretamente firmado na Constituição pode ensejar recurso
extraordinário. 2. Estão revestidas de legalidade as normas
expedidas pelo CONMETRO e INMETRO, e suas respectivas
infrações, com objetivo de regulamentar a qualidade industrial e a
conformidade de produtos colocados no mercado de consumo,
seja porque estão esses órgãos dotados da competência legal
atribuída pelas Leis 5.966/1973 e 9.933/1999, seja porque seus
atos tratam de interesse público e agregam proteção aos
consumidores finais. Precedentes do STJ. 3. Essa sistemática
normativa tem como objetivo maior o respeito à dignidade
humana e a harmonia dos interesses envolvidos nas relações
de consumo, dando aplicabilidade a ratio do Código de
Defesa do Consumidor e efetividade à chamada Teoria da
Qualidade. (grifo nosso) 4. Recurso especial conhecido e provido.
Acórdão sujeito às disposições previstas no art. 543-C do CPC e
na Resolução 8/2008-STJ. (REsp 1.102.578/MG, Rel. Min. Eliana
Calmon, Primeira Seção, DJe 29.10.2009 - submetido à
sistemática dos recursos repetitivos)
Tratando da Teoria da Qualidade, exposta no
acórdão supracitado aplica-se a lição de Antônio Herman Benjamin, citado por
Cláudia Lima Marques et al2, segundo o qual “o CDC impõe uma teoria da
qualidade, ou seja, os produtos e serviços colocados no mercado pelos
fornecedores deverão ter “qualidade-segurança” (arts 8º a 17º).
Alerta ainda o autor que “a aceitação de uma teoria
da qualidade nasceria, no sistema do CDC, um dever anexo ao fornecedor,
uma verdadeira garantia implícita de segurança razoável, inclusive incluindo a
falha informacional para riscos à saúde e segurança de produtos, relacionando-
se, assim, dentre outros, com o dever de recall”.
Esta garantia implícita se liga a uma situação básica
existente em todas as relações de consumo à qual nos deparamos
diariamente, qual seja, a confiança que depositamos na segurança e na
qualidade que os produtos e serviços devem oferecer. E o limite desta
confiança está, necessariamente, como afirma Cláudia Lima Marques3, na
periculosidade normal ou esperada.
Remetemo-nos, então, à responsabilidade pelo fato
do produto e do serviço, mais precisamente ao conceito de produto defeituoso,
estabelecido no artigo 12, §2º. Segundo tal dispositivo legal, o produto é
defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se
espera, levando-se em consideração, por exemplo, o uso e os riscos que
razoavelmente dele se esperam.
Os cabos de aço da empresa requerida deveriam
ter sido objeto de acurada análise, desde o momento em que se constatou que
não estavam em conformidade com a norma, como se demonstra no laudo
técnico do laboratório, creditado pelo Inmetro, CONCREMAT TECNOLOGIA.
No relatório encaminhado a esta Promotoria, referido laboratório foi explícito
quanto ao modelo analisado, o qual foi enviado pela própria empresa
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA. Transcreve-se abaixo a
conclusão sobre o resultado obtido, que no mesmo documento foi acrescida de
gráfico no qual identificou os cabos de aço como sendo M:
“Em resumo, no relatório fornecido pelo laboratório
ao OCP consta o número de fios presentes nas
amostras de cabo de aço enviadas pela Ferragens
Negrão, de posse dessa informação o OCP tem
condições de determinar o tipo de construção do
cabo de aço segundo a tabela nº 2 da Norma ISO
17893, e, por conseqüência, chegar à conclusão
de que se trata de cabo de aço “6X19M'' (fl.338)
Nesse diapasão encerra-se qualquer dúvida sobre
a real natureza dos cabos importados e vendidos pela requerida, ou seja, são
“6X19M” com diâmetro acima de 4,8mm, isto significa que no processo de
fabricação este produto passa por múltiplas operações, de modo que os
arames que compõem as pernas não ficam dispostos paralelamente uns aos
outros, e sim entrelaçadas, causando desse modo um maior desgaste
interno4.
2.2. Da responsabilidade objetiva da fornecedora
Mais do que demonstrada está à necessidade de se
garantir, pois, o direito básico de proteção à vida, à saúde e à segurança contra
os riscos provocados no fornecimento de produto.
E a responsabilidade da FERRAGENS NEGRÃO
COMERCIAL LTDA. é objetiva, ou seja, responde ela independentemente
da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos decorrentes de fabricação dos produtos que comercializa. Esta é a
disposição do artigo 12, caput, do CDC. Não há necessidade de se chamar o
fabricante do produto na China (Wuxi Mingli Metal Products Co. Ltd.), na forma
do parágrafo único do artigo 13, do Código de Defesa do Consumidor, cabendo
a FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA. oportuna ação regressiva.
Sobre o tema comenta Zelmo Denari5, em resumo,
“que umas das considerações mais importantes diz respeito ao caráter objetivo
da responsabilidade do fornecedor; que embora o esquema clássico de
responsabilidade civil por danos esteja sujeito ao temperamento do artigo 186
do Código Civil, fundado na configuração de culpa no sentido subjetivo, uma
sociedade civil cada vez mais reivindicante reclamava por mecanismos
normativos capazes de assegurar o ressarcimento dos danos mediante o
sacrifício do pressuposto culpa, daí surgindo as sementes da teoria do risco
que, partindo do suposto cuius commodata eius incomodata, abriu o caminho
para a desconsideração da culpa na reparação de determinados danos”.
Continua o autor que “no âmbito do Código de
Defesa do Consumidor, estes lineamentos foram então acolhidos e
denominados responsabilidade pelo fato do produto, segundo o qual não se
interessa investigar a conduta do fornecedor de bens ou serviços, mas
somente se deu causa ao produto ou serviço, sendo responsável pela sua
colocação no mercado de consumo”. (grifo nosso)
Resumindo, basta a ocorrência do dano e do nexo
causal, surgindo daí a responsabilidade do fornecedor. Como afirma Antônio
Herman Benjamin6, “trata-se de um verdadeiro dever imperativo de
qualidade”. Mas para além disso, trata-se de um dever de cumprimento às
normas legais brasileiras.
2.3. Da chamamento dos consumidores ou recall de
produtos e serviços
Verificados os parâmetros de direito tangidos e as
condições de fato verificadas pelo fornecimento dos produtos capazes de
causar violação à segurança dos consumidores presentes e futuros, ou de
meros usuários e expostos ao consumo, cabe-nos algumas ponderações a
respeito do recall.
Introduzido por intermédio do direito norte
americano, importando em “chamamento”, serve para que o fornecedor retire
ou substitua produto ou refaça serviço que, posteriormente à sua colocação no
mercado de consumo tenha sido constatada a existência de nocividade ou
periculosidade à saúde ou a segurança dos consumidores. Da mesma forma
para que dê plena ciência às autoridades e aos consumidores sobre tais
situações.
Neste sentido, especial atenção devemos dar não
apenas ao disposto nos artigos 6º, I e VI; 8º, 9º e 10 do CDC, mas também ao
artigo 12 do Decreto 2.181, de 20 de março de 1997, ao art. 2º da Portaria nº
209 do INMETRO e à Portaria nº 487/2012 do Ministério da Justiça.
O decreto citado, que organizou o Sistema Nacional
de Defesa do Consumidor, estabelece em seu artigo 12, inciso IX, alínea ‘a’,
que constitui prática infrativa colocar no mercado de consumo qualquer produto
em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes.
A Portaria nº 209/2009 do INMETRO estabelece em
seu artigo 2º, alínea ‘a’, a proibição da certificação, uso e comercialização em
território nacional de cabos de aço de classe 6X19M, com diâmetro acima de
4,8mm.
A Portaria nº 487/2012 do Ministério da Justiça
que disciplina o procedimento de chamamento dos consumidores ou recall de
produtos e serviços que posteriormente à sua introdução no mercado de
consumo forem considerados nocivos ou perigosos, que poderá servir de
parâmetro para as providências cautelares que se almejam com o ajuizamento
da presente ação, cabendo ressaltar que no seu artigo 9o consta que o
fornecedor não se desobriga da reparação ou substituição gratuita do
produto ou serviço mesmo findo o chamamento.
Necessária a análise destes dispositivos, pois como
esclarece Cláudia Lima Marques7, “o CDC previa, igualmente no artigo 11, um
dever de retirar o produto do mercado brasileiro, mas este artigo foi
lamentavelmente vetado pelo Presidente da República, mas que a sanção
administrativa de retirada dos produtos proibidos de serem introduzidos e
mantidos no mercado está, porém, implícita nos artigos 9º e 10 do CDC, não
tendo assim o recall sofrido prejuízo pelo veto”.
Como argumento extremamente válido, indica ainda
Cláudia Lima Marques que os artigos 9º e 10 determinam que a informação é
obrigatória, mas que não exonera o fornecedor da adoção de outras medidas
cabíveis em cada caso concreto, dentre elas a retirada do produto ou a
cessação da comercialização.
Tratando-se, portanto, os cabos de aço 6X19M, com
diâmetro acima de 4,8mm de produtos dotados de periculosidade, portadores
de defeito de concepção, cabe à FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA.
a realização de recall para sua retirada do mercado. Isto porque, como já
relatado, os cabos de aço de classe 6x19M (de múltipla operação), foram
proibidos no território nacional pela Portaria 209/2009 do Inmetro (com
vigência a partir de 30/08/2009). De toda forma, a requerida os importou como
se fossem da classe 6x19 (de operação única e permitidos).
A inobservância da norma é fato objetivo, que
independente da ocorrência de danos aos consumidores, caracterizando
prática abusiva expressamente prevista no art. 39, inc. VIII, do Código de
Defesa do Consumidor, que dispõe ser vedado ao fornecedor de produtos ou
serviços, dentre outras práticas abusivas, colocar, no mercado de consumo,
qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas
pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas especificas não
existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra
entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).
3. DO DANO MORAL COLETIVO:
O artigo 6º, inciso VI, da Lei 8078/90 conceitua como
um dos direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Embora tal dispositivo legal já esteja em vigência há
mais de vinte anos, há pouco tempo o meio jurídico tem definido e
recepcionado a doutrina do chamado dano moral coletivo.
Leonardo Roscoe Bessa discorre detalhadamente
sobre o assunto em seu artigo publicado na Revista de Direito do Consumidor,
nº 59. Em resumo, esclarece o autor que o dano moral coletivo não se
confunde com o dano moral individual, mas se assemelha à verdadeira sanção
pecuniária por violação a direitos coletivos ou difusos. Em conclusão ao seu
artigo, afirma o seguinte:
“Como exaustivamente demonstrado, o dano moral coletivo
pouco tem a ver com o dano moral individual. E ainda que fosse
feita tal vinculação, não se exige hoje, para uma necessária
caracterização do dano moral (individual), qualquer afetação à
integridade psíquica da pessoa. Tal exigência, por qualquer
ângulo, é descabida na configuração do dano moral coletivo.
A condenação por dano moral coletivo é sanção pecuniária por
violação a direitos coletivos ou difusos. O valor imposto pelo
juiz é destinado ao fundo criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 (Lei
da Ação Civil Pública). O caráter da condenação é
exclusivamente punitivo. Não se objetiva a reparação de dano
material, embora seja possível (e recomendável) cumular
pedidos reparatório e condenatório por dano moral coletivo.
O objetivo da lei, ao permitir expressamente a imposição de
sanção pecuniária pelo Judiciário, a ser revertida a fundos
nacional e estadual, foi basicamente de reprimir a conduta
daquele que ofende direitos coletivos e difusos. Como
resultado necessário dessa atividade repressiva jurisdicional
surgem os efeitos – a função do instituto – almejados pela lei:
prevenir a ofensa a direitos transindividuais, considerando seu
caráter extrapatrimonial e inerente relevância social.
Assim, em tese, qualquer ofensa a direitos coletivos ou difusos,
além da reparação por dano material, enseja a condenação, com
exclusivo propósito punitivo, por dano moral coletivo (rectius:
dano extrapatrimonial), como referido pelo voto do Min. Luiz
Fux.[1]
Pergunta-se: Quantos consumidores foram
colocados em situação de risco potencial pela colocação do produto no
mercado de consumo em absoluta desconformidade com as normas técnicas?
São incontáveis os consumidores lesados.
O art. 10 do CDC é claro em afirmar que o
fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço
que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou
periculosidade à saúde e segurança.
A reparação não pode se restringir somente aos
direitos individuais, pois ao proceder de modo temerário, acabou por produzir
danos aos consumidores difusamente considerados, expondo toda a
coletividade, oriunda dos mais diversos lugares do País, às sua prática ilícita na
medida em que colocou no mercado de consumo produto que acarreta risco a
segurança dos consumidores.
Por esses motivos e diante do manifesto
conhecimento da requerida de que estava agindo de forma ilegal, é que se
propõe a fixação do dano moral coletivo, no mínimo, à soma dos valores
utilizados para a aquisição de todo o produto junto aos fornecedores no
exterior ao lucro obtido com todas as vendas aqui realizadas.
4. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA:
Dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em
seu artigo 84, que na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.
No mais prevê o § 3º, que sendo relevante o
fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após
justificação prévia, citado o Réu.
Pode ainda o Juiz, com fulcro no mesmo artigo 84,
mas no § 5º, determinar, dentre outras medidas, a busca e apreensão de
produtos.
Dispõe também o artigo 273 do CPC que o juiz
poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação.
Sobre o tema comenta Kazuo Watanabe8, que "...na
obtenção da tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, o que
importa (...) é o resultado prático protegido pelo direito. E para obtenção dele, o
juiz deverá determinar todas as providências e medidas legais e adequadas ao
seu alcance (...)".
Ensina Nelson Nery Júnior9 :
"A tutela específica pode ser adiantada, por força do CPC 461 §
3º, desde que seja relevante o fundamento da demanda (fumus
boni iuris) e haja justificado receio de ineficácia do provimento
final (periculum in mora). É interessante notar que, para o
adiantamento da tutela de mérito, na ação condenatória em
ação de fazer ou não fazer, a lei exige menos do que para a
mesma providência na ação de conhecimento tout court (CPC
273). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do
fundamento da demanda, para a concessão da tutela
antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que
o CPC 273 exige, para as demais antecipações de mérito: a) a
prova inequívoca; b) o convencimento do juiz acerca da
verossimilhança da alegação; c) ou o periculum in mora (CPC
273, I) ou o abuso do direito de defesa do réu (CPC 273, II).
Consoante notas fiscais de compra de cabos de aço
realizadas pela SICETEL e os laudos periciais respectivos, que comprovaram
tratar-se de cabos de aço 6x19M (proibidos), bem como consoante e-mails
juntados aos autos, há informações de que a requerida estaria realizando
“promoções relâmpago de cabos de aço” bem como promoção para compras
superiores a R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) para as quais o cliente
ganharia uma bobina de cabos de aço, que custaria, em média R$ 10.500,00
(dez mil e quinhentos reais), o que é grande indício de que a empresa está se
desfazendo de bobinas de cabos de aço que não estão em conformidade com
a norma, haja vista que a conduta não é usual no setor.
Assim, no caso dos autos, o fumus boni iuris
mostra-se consubstanciado no fato de que o fornecedor vem atuando no
mercado brasileiro através de práticas abusivas e que, portanto desrespeitam
regras fundamentais da legislação consumerista, na medida em que coloca no
mercado produto em desacordo com as normas legais, como fartamente
demonstrado.
O periculum in mora emerge da premente
necessidade de se evitar que os consumidores continuem expostos, até o
provimento jurisdicional definitivo, a conseqüências danosas decorrentes da
ação ilícita do fornecedor. O perigo na demora, portanto, reside na
irreversibilidade do dano causado ao consumidor, tendo em vista que muitos
deles continuam expostos às ações ilícitas do fornecedor, expondo suas vidas
em risco constante.
Dessa forma, torna-se indispensável a antecipação de
tutela, existindo fundado receio de dano irreparável ou, no mínimo, de difícil
reparação. Isto porque, enquanto não obtivermos um provimento final de
mérito, que pelas peculiaridades do processo civil não se dá de forma rápida,
permitiremos que o fornecedor continue agindo em sua prática ilícita,
comercializando produtos em desconformidade com as normas técnicas
brasileiras e prejudicando um número indeterminável de pessoas.
Importante frisar que a medida antecipatória não causará
prejuízos à requerida, já que não pretende o Ministério Público que ela encerre
suas atividades, mas sim que sua conduta comercial seja adequada às regras
legalmente estabelecidas, em respeito ao consumidor, que tem o direito de
utilizar produtos seguros, de acordo com as normas técnicas e que não
coloque em risco sua vida e dos demais.
5. DOS PEDIDOS:
DIANTE DO EXPOSTO, requer o Ministério Público:
I – Em antecipação de tutela, que se imponha à requerida
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA. a obrigação de não fazer,
consistente em não importar e/ou comercializar cabos de aço 6x19M
(sob esta classificação ou qualquer outra, como por exemplo, 6x19), sob
pena de cominação de multa de R$ 500.000,00 (Quinhentos mil reais), por
fato constatado a ser depositado na conta do FECON – Fundo Estadual do
Consumidor;
II – Em antecipação de tutela, que se imponha à requerida
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA. a obrigação de fazer,
consistente em providenciar laudo de constatação, por órgão oficial, de
cada lote importado de cabos de aço 6x19, qualquer que seja sua
classificação, demonstrando que não se trata de cabo 6x19M, até o
trânsito em julgado da presente ação, com juntada destes nos autos,
garantindo dessa forma que o produto importado a ser comercializado
encontra-se em conformidade com as normas legais, sob pena da
cominação de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada lote
não analisado[2], além daquela prevista no inciso anterior, a ser depositado
na conta do FECON – Fundo Estadual do Consumidor;
III - Em antecipação de tutela, que se imponha à requerida
FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA., o dever de realizar imediato
recall de todos os cabos de aço 6x19M (sob esta classificação ou
qualquer outra, como por exemplo, 6x19)1[3]2[4] por ela já vendidos ou
importados e ainda não vendidos, visando a total retirada do mercado de tal
produto, e à sua substituição gratuita ou devolução do dinheiro
monetariamente corrigido (à escolha do consumidor), sob pena de multa
do dobro da soma dos valores utilizados para a aquisição de todo o
produto junto aos fornecedores no exterior ao lucro obtido com todas
as vendas aqui realizadas, a ser depositado na conta do FECON – Fundo
Estadual do Consumidor[5], determinando-se, nos termos da portaria
487/2012 do Ministério da Justiça, as seguintes providências, em 5 (cinco)
dias:
a) identificar todos os fabricantes dos cabos de aço 6x19 e 6x19M, dos quais
realizou aquisições desde 30/08/2009;
b) juntar aos autos todas as notas fiscais de entrada, de todos os cabos de aço
6x19 e 6x19M adquiridos desde 30/08/2009;
c) juntar aos autos todas as notas fiscais de saída, de todos os cabos de aço 6x19
e 6x19M vendidos a partir de 30/08/2009;
d) providenciar plano de mídia, nos termos do inc. VII do art. 2o e do art. 3o da
portaria 487/2012 do MJ, com modelo de aviso de risco de acidente ao
consumidor, a ser veiculado na imprensa, rádio e televisão, incluindo a imagem
do produto, sem prejuízo de inserção na internet e mídia eletrônica, na qual o
fornecedor esclarecerá ao consumidor que na eventualidade de ele ter
adquirido um cabo de aço 6x19M, terá o direito imediato a troca do produto ou
devolução dinheiro devidamente reajustado;
e) providenciar plano de atendimento ao consumidor, nos termos do art. 4o da
portaria 487/2012 do MJ;
f) providenciar modelo de aviso de risco ao consumidor, nos termos do art. 5o
da portaria 487/2012 do MJ;
IV- Em antecipação de tutela, que se determine que a requerida
permaneça como depositária dos cabos apreendidos e recolhidos, para que
após a decisão do mérito o produto seja destruído ou encaminhado para a
reciclagem, uma vez que ele não pode retornar ao mercado de consumo de
acordo com a Portaria 209/2009 do INMETRO, sob pena da cominação de
multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada dia de não
acolhimento da medida, a ser depositado na conta do FECON – Fundo
Estadual do Consumidor;
V- Que os pedidos formulados nos itens I a IV sejam confirmados
em sentença final, em provimento definitivo;
VI- A condenação da ré a indenizar o dano moral coletivo
causado aos consumidores, em montante não inferior à soma dos valores
utilizados para a aquisição de todo o produto junto aos fornecedores no
exterior ao lucro obtido com todas as vendas aqui realizadas, corrigidos e
acrescidos de juros, cujo valor deverá ser destinado ao Fundo Estadual do
Consumidor (FECON);
VII - A citação da requerida, na pessoa de seu representante legal,
no endereço Rua Professor Algacyr Munhoz Mader, 2800, Cidade Industrial,
CEP 81.310-020, Curitiba/PR , para apresentar resposta à presente ação,
sob pena de revelia;
VIII - Seja determinada a publicação de edital no órgão oficial, a que alude o
artigo 94 do CDC;
IX - A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros
encargos, diante do que dispõe o artigo 87 do CDC;
X- A condenação da requerida ao pagamento de honorários
advocatícios, que deverão ser depositados no Fundo Estadual do Ministério
Público, conforme previsão do art. 3o, inc. XV, da Lei Estadual no
12.241/98;
XI- Protesta-se por provar o alegado por todos os meios de prova
admitidos em direito, requerendo-se, desde já, que, diante da
verossimilhança da alegada periculosidade, que seja determinada a
inversão do ônus da prova, como admite o artigo 6º, inciso VIII, do
CDC, para que o fornecedor demonstre que a natureza dos cabos já
comercializados e daqueles que possui em depósito, por meio de
laboratórios acreditados pelo INMETRO.
XII - Requer-se seja expedido ofício ao BVQI do Brasil Sociedade
Certificadora Ltda. - Bureau Veritas Certification, sita na Av. do Café, 277/
Torre B – 5o andar – CEP 04311-000 – Jabaquara – São Paulo/SP, para
que informe nos autos, no prazo de 10 (dez) dias, no período de 30/08/2009
até a data do recebimento do ofício, quantos ensaios foram analisados para
emissão de atestado de conformidade, com qual frequência, e quantos lotes
foram reprovados, relativamente aos cabos de aço 6x19 da empresa
FERRAGENS NEGRÃO LTDA, que ao que consta das apreensões
realizadas pelo IPEM/PR e do Instituto de Criminalística do Paraná, na
realidade são 6x19M;
XIII - Requer-se ainda seja expedido ofício ao IPEM/PR para que
proceda no prazo de 05 (cinco) dias fiscalização em todas as sedes e filiais
da empresa FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL LTDA. e verifique a
eventual existência de cabos de aço 6x19M e outros que não obstante
estejam identificados como 6x19, sejam da classe “M”, apreendendo-os,
bem como verifique se há carga dos mesmos cabos de aço especificados
em trânsito, realizando também as apreensões necessárias, apresentando
relatório ao Juízo, no prazo de 15 (quinze) dias;
XIV – Requer-se, também, seja oficiado à Receita Federal,
requisitando o envio de toda documentação relativa à importação e eventual
exportação de cabos 6x19 e 6x19M por parte da requerida, e à Receita
Estadual, requisitando cópias de todas as notas fiscais de entrada e saída
dos mesmos produtos, da empresa FERRAGENS NEGRÃO COMERCIAL
LTDA.
XV - Solicita-se, por fim, que após anotado na capa dos autos,
que sejam as intimações procedidas na forma dos artigos 236, §2º, do
CPC e 41, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, diretamente à Promotoria de
Justiça do Consumidor de Curitiba, sita na Avenida Marechal Floriano
Peixoto, 1251, Rebouças, CURITIBA/PR, fones 3250-4912 e 3250-4919.
Dá-se à causa, para fins de alçada, o valor de
R$500.000,00 (quinhentos mil reais).
Curitiba, 18 de maio de 2012.
CRISTINA CORSO RUARO MAXIMILIANO RIBEIRO DELIBERADOR
Promotora de Justiça Promotor de Justiça
1 Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim et al, 9º ed.-Rio de Janeiro: Forense Universitária,2007,fl.388 2 Marques, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor : arts. 1º a 74 : aspectos materiais / Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003; fls. 200 3 Obra citada, fls. 200/201 4 Observa-se figura constante na fl.47, extraída da Cartilha de Certificação de Cabos de Aço-
Critério para Avalaiação da Conformidade de aço para uso geral de acordo com a NBR ISO2408. 5 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al, 9.ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, fls. 187/188 6 Na obra citada, fls. 248 7 Na obra citada, fls. 216 [1] Naturalmente, outros pressupostos, que não foram objeto de discussão neste artigo, precisam ser enfrentados, tais como a definição de critérios para fixação do valor condenatório, eventual caracterização de dupla punição pelo mesmo fato (quando tipificado como infração administrativa ou penal), necessidade, em concreto, de prova de culpa do autor (responsabilidade subjetiva ou objetiva). 8 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 5ª edição, ed. Forense Universitária, página 654 9 Código de Processo Civil Comentado - ed. RT, 1997, página 673: [2] Consoante documento juntado aos autos, uma bobina custa em media R$ 10.500,00 (dez mil e quinhentos reais); [3] É com a denominação 6x19 que a fornecedora expõe à venda cabos de aço cuja documentação indica cabo de comercialização autorizada, mas que oculta o fato de serem da classe proibida “M”. [4] Faz-se a ressalva de que a requerida poderá eximir-se da responsabilidade de reparação ou substituição gratuita do produto, se comprovar, através de laudo oficial, que o cabo não era da classe “M”. [5] Ressalta-se que é cabível a habilitação do consumidor para o ressarcimento do valor, na forma do art. 99 e caso não haja habilitações o valor reverterá para o Fundo Estadual do Consumidor, na forma do art. 100 do Código de Defesa do Consumidor e legislação estadual específica;