Estudos de edición crítica e lírica galego portuguesa

download Estudos de edición crítica e lírica galego portuguesa

of 28

Transcript of Estudos de edición crítica e lírica galego portuguesa

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    1/28

    Estudos de edicin crticae lrica galego portuguesa

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    2/28

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    3/28

    ESTUDOS DE EDICIN CRTICAE LRICA GALEGO-PORTUGUESA

    EDICIN AO COIDADO DEMaria Arbor Aldea

    Antonio F. Guiadanes

    Verba, ANUARIOGALEGODEFILOLOXAANEXO 67

    2010UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    4/28

    ESTUDOS de edicin crtica e lrica galego-portuguesa / edicin ao coidado de MariaArbor Aldea e Antonio F. Guiadanes. Santiago de Compostela : Universidade, Servizode Publicacins e Intercambio Cientfico, 2010. - 401 p. : il. b. e n. ; 24 cm. (Verba :Anuario Galego de Filoloxa. Anexo, ISSN 1137-6759 ; 67). D.L. C 1122-2010. ISBN 978-84-9887-302-3

    1. Literatura galaico-portuguesa- Antes de 1500- Historia e crtica. I. Arbor Aldea,Maria, ed. II. Fernndez Guiadanes, Antonio, ed. III. Universidade de Santiago deCompostela. Servizo de Publicacins e Intercambio Cientfico, ed. IV. Serie.

    869.0/.9-1.09"04/14"

    Universidade de Santiago de Compostela, 2010

    MaquetaFrancisco Ameijeiras Durn

    EditaServizo de Publicacinse Intercambio CientficoCampus universitario sur

    15782 Santiago de Compostelawww.usc.es/publicacions

    ImprimeImprenta Universitaria

    Campus universitario sur

    Dep.Legal : C 1122-2010ISBN 978-84-9887-302-3

    ISSN 1137-6759 = Verba. Anexo

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    5/28

    NDICE

    Sobre edicin crtica e lrica medieval galego-portuguesa:o texto como principioMaria Arbor Aldea ................................................................................................... 7

    Problemi teorici e pratici della critica testualeCesare Segre ............................................................................................................ 11

    Pragmatics and Textual Criticism in the Cantigas dAmigoRip Cohen................................................................................................................25

    Uno sguardo da un altro pianeta:le attribuzioni della lirica galego-portogheseCarlo Pulsoni ........................................................................................................... 43

    Copistas, cancioneiros, editores.Tres problemas para a lrica galega medievalGiuseppe Tavani ...................................................................................................... 55

    A intencionalidade e a concretizao de um projecto medieval.Problemas editoriais do Cancioneiro da AjudaMaria Ana Ramos .................................................................................................... 69

    Perch non possiamo non dirci eterotopici ed eteronomiciAnna Ferrari........................................................................................................... 103

    A tradicin manuscrita das cantigas de Nuno Fernandez TorneolMiguel A. Pousada Cruz ........................................................................................ 115

    Deconstrur os cancioneiros: unha visin pluraldo corpus lrico galego-portugus medievalJoaquim Ventura Ruiz............................................................................................ 151

    Particularidades grficas e de impaxinacin do folio 79rdo Cancioneiro da Ajuda: o seu copista un copista-corrector?Antonio Fernndez Guiadanes................................................................................ 163

    Rtulos yfolhas: las rbricas del Cancioneiro del rey Don DenisM. Gimena del Rio Riande.................................................................................... 195

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    6/28

    6

    Problemas y propuestas acerca delos aspectos lingsticos de la edicinPedro Snchez-Prieto Borja.................................................................................... 225

    Oshapax como problema e como solucin.Sobre a cantiga 493/18,11 [B 495/V78] de Afonso XManuel Ferreiro ..................................................................................................... 239

    Una questione metodologica:tradurre per interpretare, o interpretare per tradurre?Giulia Lanciani ...................................................................................................... 263

    Tradurre lequivocatioSimone Marcenaro................................................................................................. 271

    Ambiguidade, repetio, interpretao:o caso das Cantigas de Santa Maria 162 e 267Manuel Pedro Ferreira............................................................................................ 287

    Identification des rimes interneset disposition des textes vers csursDominique Billy .................................................................................................... 299

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria:estruturas mltiplas, assimetrias e continuaes inconsistentesStephen Parkinson.................................................................................................. 315

    Gli interessi culturali e il lavoro filologico di Angelo ColocciMarco Bernardi...................................................................................................... 337

    Edicin digital: retos nuevos en los nuevos recursosCarmen Isasi .......................................................................................................... 353

    De las bibliotecas digitales a las plataformas de conocimiento

    (notas sobre el futuro del texto en la era digital)Jos Manuel Luca Megas ..................................................................................... 369

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    7/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria:estruturas mltiplas, assimetrias e continuaes inconsistentes

    Stephen ParkinsonLinacre College, Oxford

    Centre for the Study of the Cantigas de Santa Maria,University of Oxford

    1. A mtrica na edio das Cantigas de Santa Maria

    As Cantigas de Santa Maria (CSM) constituem, para muitas autoridades, umgnero e um corpus lrico independente da lrica (profana) galego-portuguesa (Tavani1990: 15-16; Hart 1998)1. Por mais valor que este juzo tenha ao nvel cultural e tem-tico, do ponto de vista lingustico, mtrico e cultural preciso reconhecer a solida-riedade da lrica unificada galego-portuguesa. J Cohen (2003) na sua edio das can-tigas de amigo recorre muitas vezes s CSM para confirmar hipteses de gramticatrovadoresca, e as Normas elaboradas por Ferreiro-Martnez-Tato (2008: 197-204)abrangem, com ligeirssimas alteraes, as CSM.

    Os problemas editoriais levantados pelas CSMso outros. Pode-se dizer at quepara o editor das CSMo maior problema a ausncia dos problemas habituais e defcil resoluo, que faz com que se imagine que no haja problemas de outra espcie.O esmero grfico das testemunhas manuscritas e a simplicidade aparente da trans-misso manuscrita autorizam-nos ou seduzem-nos, conforme a viso, a confiar nas li-es manuscritas2.

    Na prtica as CSM levantam problemas especiais, por dois motivos: por seremobra de conjunto e por serem obra de equipa. Sendo obra de conjunto, integrada naforma mtrica, na temtica e na apresentao grfica, resulta necessrio edit-las comocorpus e no como poemas isolados (Parkinson no prelo); sendo obra de equipa, com-posta e compilada por terceiros por mandado do Rei sbio, acusa casos de reviso, reo-

    rientao e at rescrita de alguns poemas (Parkinson 1998, 2007), e outros casos depoemas estropiados antes de chegar a entrar nas grandes compilaes (Parkinson 1987).

    1 Uma primeira verso desta investigao se apresentou no 43 International Congress on MedievalStudies, Kalamazoo, 2007, apoiada por subsdios da British Academy e Linacre College Oxford.

    2 Os manuscritos das CSMse referem pelas siglas convencionais: To: Madrid, Biblioteca Nacional,MS 10069; E: Real Monasterio de San Lorenzo del Escorial, B.I.2 (cdice de los msicos); T:Real Monasterio de San Lorenzo del Escorial, T.I.1 (cdice rico); F: Florena, Biblioteca Nazio-nale, Banco Rari, 20.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    8/28

    Stephen Parkinson316

    A separao dos processos de composio e compilao (Parkinson-Jackson 2006), e ahistria da evoluo das compilaes (Schaffer 2000) constituem o pano de fundo paratoda a actividade editorial.

    Ao nvel da mtrica, a ateno dos editores concentrou-se em questes estiquom-tricas (verse design, na terminologia desenvolvida por Jakobson 1960: 364) mais doque em questes de estrutura estrfica (strophe design epoem design)3. Nas edies deMettmann (1959-1964, 1986-1989) a discusso mtrica confina-se s notas de rodap.Ao mesmo tempo, aproveitou-se pouco ou nada a posio ultraprivilegiada das CSM,em ser um corpus extenso e homogneo de textos musicados: quase no h estudos

    sobre as relaes entre texto e msica, e esta interaco influiu pouco, tanto na ediodo texto como na edio da msica. O novo repertorio mtrico de Betti (2005) incluiuma indicao do esquema de estrutura musical na edio de Angls (1943), embora naanlise mtrica se afaste poucas vezes das solues de Mettmann. A edio musical deAngls tinha como referente textual a edio agora desprestigiada de Valmar (1889),embora se inspirasse no estudo de mtrica sempre luminoso de Spanke (1958), e as edi-es textuais, desde Valmar at Mettmann, Fidalgo (2003), e Montero Santalha (online),se desenvolvem num vcuo musical quase total.

    Seja qual for o grau de independncia de texto e msica, deve-se sublinhar o valorevidencial do texto musicado, no campo da estrutura estrfica. De um lado, uma hesi-tao ou alternncia no texto entre dois tipos de verso (por exemplo entre versos

    setessilbicos e octossilbicos) implicar ao menos um ajuste no texto musicado, noqual cada slaba do texto est associada a um conjunto notacional musical. Do outrolado, a correspondncia normal entre a estrutura estrfica textual e a estrutura musicalimplica que qualquer complicao na estrutura textual ter repercusso ao nvel danotao musical.

    2. Questes de estrutura estrfica:estruturas mltiplas, (as)simetria e (in)consistncia

    O zajal a forma estrfica central das CSM. A forma zajalesca tem uma simetriainterna fundamental, na concordncia entre o estribilho (que inicia o poema) e a parte

    final da estrofa, denominada a vuelta, que recapitula parcial ou totalmente o estribilho.A estrofa divide-se entre uma parte inicial nova (dita mudanzas) e a parte final repetida(vuelta)4, criando assim uma macro-estrutura de tipo ABA:

    A B Aestribilho mudanzas vuelta = estribilho

    3 Citem-se como excepes a essa regra as discusses de Montoya (1998), Betti (2000), MonteroSantalha (2003), Fidalgo (2008).

    4 Os termos mudanzas e vuelta foram emprestados ao villancico espanhol.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    9/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 317

    A forma musical correspondente acusa a mesma estrutura de repetio, normal-mente com a repetio integral do estribilho na vuelta5. Assim, espera-se num zajalnormal uma simetria total ou parcial. Como em qualquer forma estrfica fixa, espera-se tambm uma consistncia mtrica de estrofa para estrofa.

    Neste trabalho focalizo trs tipos de complexidade da estrutura estrfica do zajal,aos quais o editor tem que reagir:

    a) multiplicidade de estruturas simultneasb) assimetrias aparentes na estrutura zajalescac) inconsistncias interestrficas

    Veremos que a multiplicidade de estruturas nos fornece solues para a assime-tria, enquanto a inconsistncia nem sempre admite uma soluo editorial.

    3. Estrutura mltipla: a cantiga 276

    Na edio de Mettmann, a cantiga 276 apresenta-se com um estribilho de doisversos desiguais (de 7 e 8 slabas), e uma estrofa polimtrica de cinco versos, integran-do versos de sete, seis e duas slabas. O verso final curtssimo retoma a rima em -a dosegundo verso do estribilho, e assim constitui uma vuelta mnima. Reproduzimos as es-trofas iniciais da cantiga, segundo Mettmann (1986-1989)6:

    R

    I

    R

    II

    RIII

    Quen a Virgen por sennor

    tever, de todo mal guarr.

    Ond un miragre que fezvos direi, saboroso,en Prad a Sennor de prez,en un logar vioso,u Quen a Virgen por Sennor...

    a sa eigrej ali,mui fremosa capela,en que fez, com aprendi,esta que nos caudelae d

    Quen a Virgen por sennor...saude e salvaon

    12345

    12345

    1

    5 Wulstan (1996: 36-37) distingue dois tipos musicais de virelai, simtricos com repetio total do es-tribilho e assimtricos com repetio parcial.

    6 Neste e em todos os exemplos seguintes, adaptamos o texto de Mettmann s normas ortogrficas deFerreiro-Martnez-Tato (2008) e apresentao da edio do Centre for the Study of the CSM(Parkinson no prelo). Consulte-se Parkinson (1987, 1992) para uma anlise da mtrica e do contedoda cantiga 276. A cantiga se destaca, entre as da 3 centena, por ser cantiga ateda: separamos osestribilhos e as estrofas para enfatizar a continuidade do texto narrativo.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    10/28

    Stephen Parkinson318

    7 8 | 7 6' 7 6' 2N A | b c b c A

    Noutras estrofas, porm, o verso final reduz-se a uma slaba (na estrofa V) eestende-se a 3 slabas (na dcima segunda e ltima estrofa).

    IV 45

    Foi e caeu sobr esseAh

    V 45

    mester que lle vallaj

    XII

    45

    sempre mui loadae ser

    Por este motivo, o repertorio de Betti (2005) regista trs esquemas mtricos paraesta cantiga, afirmando-a assim inconsistente ou plurimtrica.

    Na realidade, os dois ultimos versos da estrofa, apesar de ter rima prpria, consti-tuem tambm um verso longo7, de oito slabas e de rima em -, que constitui uma ver-dadeira vuelta mtrica e musical, recapitulando integralmente o segundo verso do estri-bilho. Para conseguir este efeito, a silaba final da rima em -oso do 4 verso se absorvepor eliso ou sinalefa no verso seguinte8. Esta soluo confirmada pela msica, queatribui uma nica frase meldica tanto ao segundo verso do estribilho como aos dois

    versos finais da estrofa. Reapresentamos as duas estrofas iniciais neste formato, acom-panhadas da anlise musical.

    Quen a Virgen por sennor

    tever, de todo mal guarr

    Ond un miragre que fezvos direi, saboroso,en Prad a Sennor de prez,en un logar viosou Quen a Virgen por sennor...

    Mtrica

    7876'78 [6'2]

    Msica (Angls 1943)

    7 Falta na terminologia tradicional um termo equivalente ao ingls composite verse, que indica umverso longo composto por dois versos curtos independentes. Agradeo a Dominique Billy a expli-cao da ambiguidade inerente no termo verso composto (vers compos) que eu empreguei naapresentao oral deste trabalho.

    8 Eliso e sinalefa so duas variantes fonticas do mesmo fenmeno mtrico, na qual duas ou mais s-labas fonolgicas valem uma nica slaba na anlise mtrica (em Parkinson 2006 lano o termoconflation para indicar este procedimento mtrico). Na interpretao tradiional simplista da tra-dio manuscrita da lrica galego-portuguesa, a indicao explcita da conflation (por omisso devogais) equivale eliso, e a falta de indicao explicita equivale sinalefa.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    11/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 319

    Assim temos duas estruturas mtricas simultneas na estrofa: 1) de cinco versoscom cinco rimas, e com a vuelta reduzida rima a; ou 2) de quatro versos com a vueltaperfeita no metro mas no nas rimas:

    I N A | b c b c a | N A7 8 | 7 6' 7 6' 1 | 7 8

    II N A | b c b A | N A7 8 7 6' 7 8 7 8

    Adaptando a forma normal dos esquemas mtricos, podemos indicar esta multi-plicidade de estruturas por uma explicitao da complexidade do ltimo verso:

    III N A | b c b c+A7 8 | 7 6' 7 6'+1

    No aparato mtrico da cantiga, explicar-se-h os casos nos quais o verso [6+1] seconsegue por sinalefa [6'2].

    Compreende-se assim o jogo da variao entre uma e duas slabas no quintoverso. O verso longo, de oito slabas, engloba dois subversos, dos quais o primeiro um hexasslabo grave: o segundo subverso ter portanto uma slaba quando no

    houver sinalefa com a vogal final do verso precedente, e ter duas slabas quandohouver sinalefa.

    estr. 5 (hiato) mester que lle valla j 8 [6'+1]estr. 4 (sinalefa) Foi e caeu sobr esseAh 8 [6'2]

    Resta como verdadeira inconsistncia mtrica o ltimo verso da ltima estrofa,que tem um subverso de trs silabas, em sinalefa com o primeiro subverso, resultandonum verso longo de 9 slabas:

    XI

    R

    12

    34

    [...] E poren looumuito a Groriosa,

    porque en ele mostrousa vertude fremosae saQuen a Virgen por sennor...

    8 [6'2]

    XII

    R

    1234

    mercee que nunca fal,de que mui grada;poren de todos sen alsempre mui loadae serQuen a Virgen por sennor...

    9 [6'3]

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    12/28

    Stephen Parkinson320

    No pode ser coincidental que esta variante se coloque no ltimo verso da ltimaestrofa, posio de virtuosismo mximo. O poeta prolonga o ltimo verso para acen-tuar o infindvel da loor Virgen, e para rematar a cantiga por um tipo de ritardandomtrico. A msica apoia estaperformance, atribuindo uma melisma penltima slabado verso, que se desdobraria facilmente9.

    4. Assimetria entre estribilho e vuelta Cantiga 32

    Na edio de Mettmann, a cantiga 32 acusa um estribilho de estrutura anmala, e

    uma vuelta no congruente com ele.

    Quen loar podia,com ela querriaa Madre de queno mundo fezseria de bon sen.Dest un gran miragre | vos contarei ora,que Santa Maria | fez, que por nos ora,du que al fora

    a sa missa, ora-on nunca per renoutra sabiadizer mal nen ben.

    Mtrica

    5' A5' A5 B4 N6 B11' c11' c5' c

    5' c5 b4' a5 b

    Msica (Angls 1943)

    '

    '

    O estribilho de cinco versos, de rima em AABNB, tem palavra perduda no quartoverso, enquanto o verso correspondente da vuelta ccBAB retoma uma rima inicial doestribilho10. Podemos restaurar a congruncia estrutural se dissociarmos outra vez me-tro e rima e reconhecermos mais versos complexos. Do ponto de vista mtrico, o estri-bilho e a vuelta correspondero se considerarmos os dois versos finais de cada um co-mo um verso longo de 10 slabas:

    estribilho o mundo fez seria de bon sen. 10vuelta outra sabia | dizer mal nen ben. 10 [4' + 5]

    9 O verso longo podia reduzir-se a 8 slabas por sinalefa: Sempre mui loadae ser 8 [53],perdendo assim a simetria dos subversos.

    10 Outra soluo, privilegiando a rima sobre o metro, dividiria o estribilho 5B 6A 3B: a Madre dequen / o mundo fez seria / de bon sen.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    13/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 321

    A vuelta tem portanto duas estruturas simultneas:

    du que al foraa sa missa, ora-on nunca per renoutra sabiadizer mal nen ben.

    du que al foraa sa missa, ora-

    on nunca per renoutra sabia dizer mal nen ben

    5' c5' c5 b4' a5 b

    5' c5' c

    5 b10 b

    Encontramos outra vez confirmao disto tanto na msica como na disposio dotexto sob pauta. A edio musical de Angls identifica uma nica unidade musical co-rrespondente parte final do refro (vv. 3-4 na nossa edio, 3-5 na de Mettmann).A parte correspondente ao verso longo compe 10 unidades meldicas divididas 7+311,

    implementado pela mise en page deste trecho em To, que assim divide o verso outrasabia dizer | mal nen ben (Figura 1).

    Outros casos semelhantes verificam-se nas cantigas 317 e 407.Na cantiga 317, Montero Santalha (2003: 8) edita o estribilho em 5A 6A 4B para

    enfatizar a rima:

    Mal s end acharquen quiser desonrarSanta Maria

    564'

    enquanto Mettmann (1986-1989, III: 134) prefere 5A 10B para conseguir a simetriacom a estrofa em 11c 11c 5a 10b.

    Mal s end acharquen quiser desonrar Santa MariaComo s achou non i mui gran sazonen Galiza un escudeiraz peon

    que quis mui felonbrit-la eigreja con felonia

    5A10'B11c11c

    5c10'B

    Combinamos as solues na estrutura complexa

    Mal s end acharquen quiser desonrar | Santa Maria

    510' [6+4']

    11 Agradeo a Manuel Pedro Ferreira a confirmao desta anlise.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    14/28

    Stephen Parkinson322

    Na cantiga 407, pelo contrrio, temos uma assimetria necessria. Mettmannesfora-se para editar o estribilho de maneira a criar uma vuelta aparentemente simtrica:

    Comoo demo cofondernos quer acorrer Santa Maria evaler e del defender

    7A11B127A

    Dest un miragre vos contarei que viescrit en livro, e dizia assi

    com oiredes adeante per mique foi a Virgen fazer

    11c11c11c7a

    Montero Santalha (2003: 9) prope um estribilho em 8A 5A 8A 5A

    Como o demo cofondernos quer acorrerSanta Maria e valere del defender

    8A5A8A5A

    para conseguir a simetria interna, aceitando a assimetria entre estribilho e vuelta queda resulta. A estrutura musical, ignorada por ambos, d a razo a Montero Santalha:o estribilho tem uma estrutura musical simtrica totalmente independente da es-trofa, e no h qualquer vestgio duma vuelta musical. Esta cantiga revela-se, portanto,anmala, em ter a macroestrutura do zajal, na anteposio do estribilho e na repetioda rima do estribilho no verso final da estrofa, mas em fugir a todas as outras caracte-rsticas zajalescas. Este estatuto contribuiu sem dvida sua excluso das compilaescompletas de T/FeE, facto que comentaremos adeante.

    5. Inconsistncia: cantiga 162

    Na cantiga 162 as primeiras estrofas (I e II) alternam versos octossilbicos e deca-ssilbicos nas mudanzas, terminando numa vuelta feita de um dstico de octosslabos:

    R

    I 123

    As sas figuras muit onrardevemos da Virgen sen par.Ca en onra-las dereit e en lles avermos gran devoon,non ja por elas, a la fe,

    8 A8 A8 b10 c8 b

    estribilho

    mudanzas

    12 No se documenta outro caso da conjuno e como palavra rimante, pelo qual a verdadeira anlisedeste verso curioso seria 9N nos quer acorrer Santa Mariae.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    15/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 323

    456

    mas pola figura da en que son;e sol non devemos provarde as trager mal nen viltar.

    10 c8 a8 a

    vuelta

    Nas outras seis estrofas (III-VIII) a alternncia de octosslabos e decasslabos sepropaga pela estrofa toda, resultando numa assimetria entre estribilho (8 8) e vuelta (8 10),por exemplo na estrofa 5:

    V 123456

    Ao crerigo capelan,mandou o bispo aquesto fazer,e ele logo manamanfoi a omagen do altar toller;mas en outro dia achara foi u x ante soia estar.

    810810810

    Ferreira, neste mesmo libro, indica que a msica da vuelta parece ter sido remo-delada para se acomodar a esta alternncia: v-se de facto a presena de duas figurasmusicais complexas (uma conjuntura e umaplica), que se podem ambas desdobrar emduas notas seguidas para se extender a versos decassilbicos (Figura 2). Os manus-critos no nos fornecem dados mais precisos, porque nas trs testemunhas desta cantiga(To Outras13 V, T162,E162) apenas a primeira estrofa musicada, e nenhum revisor

    interveio para corregir ou emendar as estrofas posteriores.O editor tem a opo de recriar o trabalho de um tal revisor, de modo a reduzir to-

    dos os decasslabos anmalos a octosslabos. Indico abaixo umas emendas conjectu-rais, mais ou menos violentas, aproveitando sinalefa, supresso e substituio:

    162

    III

    IV

    V

    VI

    VII

    original (10)

    (Porend os gollos ficarfoi e pose-a no maior altar,

    (e pe-l en outro lugar,porque a non viu de bon semellar.

    (mas en outro dia achara foi x ante soia estar.

    (u ll o bispo fora mandare a eigreja fosse ben serrar.

    (a omagen, e amostrar-a foi a quantos s i foran juntar

    emenda (8)

    Porend os gollos ficar)foi e a pos eno altar,

    e pe-l en outro lugar,)caa non viu de bon semellar

    mas en outro dia achar)a foi u soia estar

    u ll o bispo fora mandar)ea eigreja fosse serrar

    aomagen e a foi mostrar)a quantos s i foran juntar

    13 As cantigas colocadas na parte final de To, tambm referidas To Ap. (Apndice de To).

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    16/28

    Stephen Parkinson324

    VIII (por que a ven aorarmuitas gentes e do seu ofertar.

    por que a ven aorar)as gentes e alg ofertar

    Neste caso, o importante no resolver a inconsistncia, seno reflectir sobre asua origem. As variantes hiprmetras no resultam numa cantiga impossvel de inter-pretar musicalmente. No se podem considerar erros de cpia, porque h concordnciatotal entre os manuscritos. No se podem considerar deslizes de composio, porque altamente improvvel que um trovador se tenha esquecido do esquema mtrico por eleseleccionado. Muito mais provvel que a inconsistncia textual provenha dos proces-sos de trabalho de equipa, nomeadamente da continuao por terceiros tarefeiros deum esquema que ter sido iniciado por um trovador primrio, mas sem deixar umaindicao explcita.

    Outros casos de continuao inconsistente incluem a cantiga 173, que comea emversos agudos e continua, aps uma lacuna textual, em versos graves (Parkinson 2008).

    6. Complexidade total: a cantiga 72

    6.1. Texto

    Na cantiga 72 (To Outras XIII, T72, E72) temos inconsistncia, na alternnciaentre versos de 8 slabas e versos de 7 slabas no verso inicial da estrofa, e tambmassimetria entre um estribilho em versos de 3 e 8 slabas e a estrofa em versos de 8/7 e5 slabas.

    O texto apresenta-se com numerao e anotao mtrica nossa. Represento os es-tribilhos pelo sinalR para deixar claro os muitos encabalgamentos interestrficos:

    R

    I

    R

    II

    Quen diz malda Rea Espirital,log talque mere o fog infernal

    Ca non pode dela dizermal, en que a Deus tangernon aja, que quis nacerdela por Natal.

    E desto vos quero contarmiragre que quis mostrar

    3838

    8775

    87

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    17/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 325

    R

    III

    R

    IV

    R

    V

    R

    VI

    R

    VII

    R

    VIII

    R

    IX

    R

    Deus por sa Madre vingardun mui mentiral

    que ena taberna beveue aos dados perdeualg, e poren descreeumui descomunal-

    mente; ca a Deus dostoue sa Madre non leixou,e en seus nembros travoucome desleal.

    E u quis do ventre seudizer mal, morte lle deuDeus come a fals encreuque de razon sal.

    Seu padre, quand est oiu,

    de sa casa

    enton saiu;na via un morto viuben d i natural

    que lle disseatal razon:Teu fillo, mui mal garon, mort e en perdion,que nunca mais fal;

    non porque de Nostro Sennordisse mal, mais que da Flor,

    sa madre, disse peor.E poren sinal

    te dou que o acharspelas costas tod atrspartid e ll o cor versassi per igual,

    75

    8775

    8775

    7775

    7

    775

    7775

    87

    75

    7775

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    18/28

    Stephen Parkinson326

    X

    R

    XI

    R

    da testa e a serviz,porque da Emperadrizdisse mal, Deus foi joiz,que pod e que val.

    E o padre foi log alie achou seu fill assicomo vos ja retra,ben oistes qual.

    7775

    8775

    6.2. Inconsistncia na estrofa

    A alternncia no verso inicial da estrofa consistente nas trs testemunhas, o queindica que fazia parte do original desta cantiga que ter entrado na compilao de To, TeE. Tratando-se de hesitao, se no engano, por parte dos continuadores, cabe ao edi-tor considerar as opes regularizadoras: versos de 8 ou versos de 7 (Figura 3).

    primeira vista, parece lgico impor o verso de 8 slabas, porque vem assim nasprimeiras quatro estrofas e num total de seis das onze estrofas da cantiga. Mas essa so-luo implica uma estrutura estrfica polimtrica 8 7 7 5 anmala ao nvel do cor-

    pus, porque no se encontra outro exemplo de cantiga zajalesca na qual o verso inicialda estrofa seja diferente de todos os outros que compem as mudanzas. H com certezaestrofas polimtricas, mas nessas, como no caso da cantiga 162, a polimetria consistenormalmente em alternar dois versos de cada medida nas mudanzas, ou na recapitu-lao na vuelta de um estribilho polimtrico. Alm disso, a combinao de versosagudos de 7 e 8 slabas sem formar um verso longo quase indita, aparecendo apenasna individualssima cantiga 160 (Parkinson 1987: 40)14. Assim a regularizao por ver-sos de sete slabas , estruturalmente, prefervel. A msica apoia esta regularizao,visto que os dois versos iniciais do verso se associam com a mesma melodia, que seajusta a 7 e 8 slabas pelo desdobramento de uma conjuntura (Figura 4).

    Desenvolvo a seguir as emendas necessrias para implementar as duas regulariza-

    es. preciso salientar que no se verifica qualquer variao relevante nos manus-critos, de maneira que todas as regularizaes que no se baseiem em hiato ou sinalefatero que ser conjecturais.

    14 A cantiga 160 no zajal, e incorpora uma variante muito elegante do leixa-pren da cantiga deamigo, na qual o segundo verso de cada dstico remodelado no verso inicial do dstico seguinte,dentro de um esquema 7a8a4B.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    19/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 327

    estr. Original 7 7 7 7 8 7 7 7

    1 Ca non pode dela dizer 8 Ca non pod dela dizer2 E desto vos quero contar 8 E desto quero contar3 Que ena taberna beveu 8 Que na taberna beveu4 mente; ca a Deus dostou 8 mente ca Deus dostou15

    ou mente caa Deus dostou5 E u quis do ventre seu 7 E u el quis do ventre seu

    ou E u quiso do ventre seu6 Seu padre, quand est oiu, 7 Seu padre, quand esto oiu

    7 Que lle disseatal razon: 7 Que lle disse atal razon8 Non porque de Nostro Sennor

    disse mal mais que da Flor8 Porque de Nostro Sennor

    disse mal, e que da Flor

    9 Te dou que o achars 7 ?? Te digo que o achars10 Da testa e a serviz. 7 ?? Da cabea e da serviz11 E o padre foi log ali 8 O padre foi log ali

    ou E o padre foi ali

    CSM 72. Regularizao

    Para impor o esquema 8 8, preciso emendar cinco versos. Os versos iniciais das

    estrofas V, VI e VII ajustam-se mais ou menos facilmente por substituir eliso porhiato; as estrofas IX e X so mais resistentes. Pelo contrrio, a imposio do esquema7 7 por converso de versos de 8 a versos de 7, necessria em seis casos, pacfica nasestrofas II, III, IV, e XI, e controversa na estrofa VIII, na qual o texto original Nonporque de Nostro Sennor / disse mal, mais que da Flor / sa madre, disse peorcondizmelhor com a narrativa, que conta como a vingana de Deus cai no tafur apenas quan-do blasfema contra a maternidade de Santa Maria (E u quis do ventre seu / dizer mal,morte lle deu, 27-28).

    O caso interessante o da primeira estrofa. Nas CSM, a estrofa inicial tem umaimportncia especial, porque funciona nos manuscritos como eptome da estrutura m-trica e musical da cantiga. Na mise en page normal de To eE, apenas a primeira estrofa

    aparece musicada, e nas cantigas zajalescas a separao de estribilho e estrofa indica aestrutura estrfica. Portanto, se houver hesitao ou erro na disposio da estrofa ini-cial, corre-se o risco de a cantiga toda se deformar (Parkinson 1987).

    15 O verbo dostar transitivo: que o chus non deostasse (343.33); per que foron del dostados(38.32). Nas CSMa preposio a usa-se facultativamente para indicar o objeto directo preposto:e a todos seus vezos / feria e dostava (45.12); sa lingua, con que a Virgen / severa mal dostan-do (174.19); que el e ssa Virgen Madre | santa e o seu bon prez / per que o mundo foi salvo | antetodos dostou (238.12-13).

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    20/28

    Stephen Parkinson328

    Na lio original do primeiro verso da estrofa I, Ca non pode dela dizer,no h apossibilidade de uma eliso normal, o que pode parecer fatal generalizao de versosde 7 slabas. Tambm no h supresses nem substituies possveis. Seria possvel re-correr a uma apcope casual, Ca non pod dela dizer, justificada por casos da termina-o verbal -sse reduzida a -ss16. Encontra-se um caso semelhante na famosa cantiga 87(Parkinson 1987), que tem, em todos os manuscritos, no ltimo verso da primeira es-trofa, o verso de seis slabas: na cidad de Pavia, editado por Mettmann e Valmar comooutro caso de apcope: na cidad de Pavia17. Existe contudo uma explicao menosbvia dos dois casos, a de reconhecer uma haplologia mtrica, Ca non podedela dizer,

    na cidadede Pavia,quer dizera reduo da sequncia -de de a uma nica slaba. a rareza desta soluo mtrica, combinada com a sua incidncia no verso inicial

    da primeira estrofa, que explica a inconsistncia da cantiga 72. Na cantiga 87, o versona cidad de Pavia se coloca na vuelta, recapitulando um verso inequvoco de seisslabas no estribilho, sempre Santa Maria, de maneira que a sua interpretao mtricano se ponha em causa. Na cantiga 72, pelo contrrio, o verso teria de se interpretarsem qualquer modelo anterior. Bastava que um escriba desprevenido, incapaz de re-conhecer o procedimento mtrico, e sem a anteviso de consultar outras estrofas,emendasse este verso no registo central para restaurar a forma plena pode, assimdesca-minhando a compreenso da estrutura mtrica da cantiga pela equipa toda. Sem apro-fundar a histria textual desta cantiga, no podemos neste momento saber se a alter-

    nncia se deve a uma continuao inconsistente ou a uma tentativa parcial de impor oesquema 8 7 7 5 numa cantiga inicialmente composta em 7 7 7 5. Editorialmente, pare-ce aconselhvel generalizar o esquema 7 7 7 5 tanto quanto possvel.

    6.3. Estribilho e vuelta

    Entre o estribilho, com versos de 3 e 8 slabas, e a estrofa em 7/8 e 5, no parecehaver simetria. Rimaticamente a vuelta parece limitar-se rima em -al do verso finalda estrofa. Betti (2005: 71) seguindo uma indicao parenttica de Mettmann (1986-1989, I: 238) sugere que o estribilho se pode analisar em apenas dois versos de 11slabas, resultando assim quase simtrico com o ltimo elemento da estrofa, um verso

    de 12 slabas. Na nossa terminologia, temos tanto no estribilho como na vuelta duasestruturas simultneas, uma de versos curtos com rima prpria, outra de verso longo,

    16 Que non catass sas maldades (173.18); que non quisess consentir (14.38); u compris ssacaridade (45.39); porque non perdess sa alma (137.32). A apcope de -do em segund disseJhesu-Cristo (288.42) pode ser castelhanismo.

    17 Uma lio alternativa seria na cidade Pavia, embora esta construo toponmica (a cidade N) no sedocumente nas CSM.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    21/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 329

    assim explicitando a rima leonina dos versos longos do estribilho e a rima interna doltimo verso longo da estrofa.

    Quen diz mal | da Reia Espirital,log tal | que mere o fog infernal.

    11A [3A+8A]11A [3A+8A]

    Ca non pod dela dizermal, en que a Deus tangernon aja, que quis naer | dela por Natal.

    7b7b12a [7b+5a]

    A msica confirma este juzo, visto que os dois versos longos do estribilho seassociam com a repetio do mesmo elemento musical, que aparece outra vez comovuelta no verso longo final da estrofa. O motivo adapta-se ao verso de 12 slabas pelaestratgia de converso musical j observada nas cantigas 32 e 162, a saber uma con-juntura que se desdobra em duas notas (Figura 5).

    6.4. Estribilho e msica

    Resta a inconsistncia ligeira da diferena silbica entre os versos longos do estri-bilho e a vuelta. Detecta-se possivelmente aqui uma sutileza que apenas alguns mem-bros da equipa afonsina tero percebido, revelada pela associao da msica ao texto.

    Em todos os manuscritos h uma sequncia de duas conjunturas no primeirosubverso do estribilho, nas frases diz mal e tal,quese tero de desdobrar para musi-car a vuelta. Na verso de TeE, a que se desdobra a primeira conjuntura, de diz, quepassa a incidir na palavra bissilbica aja. Em To, pelo contrario, desdobra-se a segundaconjuntura, de mal e tal, sobre as duas slabas de (a)ja que. Essa soluo nos sugereuma interpretao bissilbica de mal e tal, considerando-as palavras graves, male, tale,por paragoge18.Assim os versos do estribilho tero a mesma medida que o verso finalda estrofa, e a simetria se restaura, na msica se no no texto.

    Quen diz male | da Reia Espirital,

    log tale | que mere o fog infernal.12A [3*A+8A]12A [3*A+8A]

    Ca non pod dela dizermal, en que a Deus tangernon aja, que quis naer | dela por Natal.

    7b7b12a [7b+5a]

    18 Wulstan (1994) sustenta que a paragoge muito frequente nas CSM. Quase todos os exemploscitados por ele so casos de rima grave, sem implicaes para a estrutura mtrica. A notao 3*indica uma terminao aguda com paragoge (3 = 3).

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    22/28

    Stephen Parkinson330

    7. Concluso: composio e compilao

    As complexidades da estrutura estrfica discutidas ao longo destas pginas reve-lam a multiplicidade de factores que podem ser relevantes para a edio crtica e a ex-plicao do texto: a correspondncia entre msica e texto, a mise en page dos manus-critos, e os esquemas de repetio interna do corpus todo. Muitos textos tm uma evo-luo interna, que apenas se revela por uma tal arqueologia textual. Em alguns casos aimperfeio mtrica resulta dos processos composicionais internos ao projecto afonsi-no, resultando assim radicados no texto de maneira a tornar a emenda impossvel, ou

    ao menos pouco aconselhada.Estes casos tambm se relacionam como o segundo eixo do projecto afonsino, a

    compilao. Trs dos nossos exemplos principais (as cantigas 72, 162, e 407) fazemparte do grupo de Outras de To, que se encontra na parte final deste manuscrito, a se-guir a dois grupos de cantigas de festas. Alisto abaixo as 16 cantigas deste grupo. Almdestas duas cantigas, e de outras destinadas a preencher os espaos da nova estruturacompilacional do cdice rico (Schaffer 2000; Parkinson-Jackson 2006), o grupo deOutras contm outra cantiga excluda das grandes compilaes: a cantiga das maias(n I de Outras, n 406 da edio de Mettmann), que falhou por razes de inade-quao genrica (Schaffer 2001). O grupo incorpora mais uma cantiga de gnero in-certo (279, Santa Maria, valed ai, Sennor19) e duas cantigas que revelam problemas

    mtricos (VII = E211 = F97, cuja estrofa final foi substituda em Epara evitar umarepetio de rimas, e IX =E285 = F28, difcil por ter versos de 15 slabas sem cesura).

    To Outras

    IIIIIIIVVVIVII

    VIIIIXXXbis

    [406]Esta e das maiasT/E112T/E108E231T/E 82T/E162F97/E211

    T/E97F28/E285E279 Santa Maria, valed ai, SennorT/E100

    19 A cantiga 279 inicia-se como invocao directa Santa Maria, valed ai, Sennor / e acorred a vos-so trobador / que mal lle vai, mudando bruscamente terceira pessoa na quarta e ltima estrofa:Que fez enton a galardador / de todo ben e do mal sador? / Tolleu-ll a fever e aquel humor / maoe lai. Tem a forma mtrica de um rondel, semelhante da cantiga 41.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    23/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 331

    XIXIIXIIbisXIIIXIV

    T/E88T/E89[407]T/E72T/E83

    Na cronologia de composio e compilao das CSM, este ncleo se explica habi-tualmente em termos sugeridos pela rubrica que precede ao grupo no prprio To:Depois que el Rei fez estas cinco cantigas das cinco festas de nostro sennor, fez estas

    outras cantigas de miragres de Santa Maria (To, f. 148r).Nada nos obriga a aceitar esta explicao. A concentrao de cantigas problemti-cas neste ncleo nos sugere uma hiptese alternativa: que estas cantigas foram elabo-radas durante a primeira fase de actividade da equipa das CSM, e que no se aprovei-taram na compilao de To por vrios motivos, em alguns casos por serem demasiadodifceis20. Algumas entraram j na primeira centena de T/E, outras nas 2 e 3 centenas,e outras, como 407, foram excludas definitivamente.

    A dificuldade mtrica no apenas um problema editorial, um factor que temimportncia na histria individual de cada cantiga, e na histria das compilaes. Ascondies de produo das Cantigas de Santa Maria obra de equipa, obra de conjuntorevelam-se cada vez mais importantes para a compreenso do seu trajecto individual.

    20 Em Parkinson-Jackson (2006: 168-172) o factor dificuldade se revela relevante para a explicao dedeslocaes de algumas cantigas dentro da centena inicial.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    24/28

    Stephen Parkinson332

    Apndices

    Figura 1

    Figura 2

    Frasemusicaldividida7 +3

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    25/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 333

    Figura 3

    Figura 4

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    26/28

    Stephen Parkinson334

    Figura 5

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    27/28

    Questes de estrutura estrfica nas Cantigas de Santa Maria 335

    Bibliografia

    Angls, H. (1943-1964): La msica de las Cantigas de Santa Mara del Rey Alfonso el Sabio .Barcelona: Biblioteca Central (3 vols., 1964, 1943, 1958).

    Betti, M. P. (1997): Rimario e lessico in rima delle Cantigas de Santa Maria di Alfonso X deCastiglia. Pisa: Pacini.

    Betti, M. P. (2000): Contributo ad una recognizione delle caracteristiche metriche delle Can-tigas de Santa Maria di Alfonso X, in A. Englebert et alii (eds.):Actes du XXIIe Congrsde Linguistique et Philologie Romanes. Tbingen: Niemeyer, vol. V, pp. 7-12.

    Betti, M. P. (2005): Repertorio metrico delle Cantigas de Santa Maria di Alfonso X di Cas-tiglia. Pisa: Pacini.

    Cohen, R. (2003): 500 Cantigas dAmigo. Porto: Campo das Letras.Ferreiro, M. Martnez Pereiro, C. P. Tato Fontaa, L. (eds.) (2008): A edicin da Poesa

    Trobadoresca en Galiza. A Corua: Baa.Fidalgo Francisco, E. (2003): As Cantigas de Loor de Santa Mara. Santiago de Compostela:

    Xunta de Galicia.Fidalgo Francisco, E. (2008): A edicin das Cantigas de Santa Maria: unha reflexin prvia,

    in M. Ferreiro C. P. Martnez Pereiro L. Tato Fontaa (eds.): A edicin da PoesaTrobadoresca en Galiza. A Corua: Baa, pp. 97-117.

    Hart, T. (1998): A maneira de proenal. The Medieval Galician-Portuguese Lyric. London:Queen Mary, University of London.

    Jakobson, R. (1960): Linguistics and poetics, in T. A. Sebeok (ed.): Style in Language. New

    York-London: Wiley, pp. 350-371.Mettmann, W. (1959-1972): Alfonso X o Sbio. Cantigas de Santa Maria. Coimbra: Univer-

    sidade, 4 vols.Mettmann, W. (1986-1989):Alfonso X el Sabio.Cantigas de Santa Mara. Madrid: Castalia, 3 vols.Montero Santalha, J.-M. (2003): A estrutura metrico-rimtica da cantiga 100 das Cantigas de

    Santa Maria, in B. N. Komissarov (coord.): No espao lusfono: materiais e artigos.So Petersburgo: Editora da Universidade, pp. 220-232.

    Montero Santalha, J.-M. (online): Cantigas, in Portal Galega da Lingua: .Montoya Martnez, J. (1998): Verso largo o verso corto? Algunas consecuencias de la puntua-

    cin de las Cantigas de Santa Mara, Cantigueiros 10, pp. 61-84.Parkinson, S. (1987): False refrains in the Cantigas de Santa Maria, Portuguese Studies 3,

    pp. 22-55.

    Parkinson, S. (1998): Two for the price of one: on the Castroxerix Cantigas de Santa Maria,in D. W. Flitter P. Odber de Baubeta (coords.): Ondas do Mar de Vigo. Actas doSimposio Internacional sobre a Lrica Medieval Galego-Portuguesa, Birmingham 1998.

    Birmingham: Department of Hispanic Studies, University of Birmingham, pp. 72-88.Parkinson, S. (1999):Meestria mtrica: metrical virtuosity in the Cantigas de Santa Maria,

    La cornica 27.2, pp. 21-35.Parkinson, S. (2006): Rules of hiatus and elision in the Galician-Portuguese lyric: the view

    from the Cantigas de Santa Maria,La cornica 34.2, pp. 113-133.

  • 8/6/2019 Estudos de edicin crtica e lrica galego portuguesa

    28/28

    Stephen Parkinson336

    Parkinson, S. (2007): The evolution ofcantiga 113: composition, recomposition, and emendationin the Cantigas de Santa Maria,La cornica 35.2, pp. 227-272.

    Parkinson, S. (2008): A cantiga 173: uma composio hbrida?, Comunicao apresentada noIX Congresso Internacional da Associao Internacional de Lusitanistas, Funchal, agos-

    to de 2008.Parkinson, S. (no prelo): Towards a new edition of the Cantigas de Santa Maria, in

    J. Whetnall A. Deyermond (eds.): Papers from the XVII Colloquium. London: QueenMary, University of London.

    Parkinson, S. Jackson, D. (2006): Collection, composition, and compilation in the Cantigasde Santa Maria, Portuguese Studies 22, pp. 159-172.

    Schaffer, M. E. (2000): The evolution of the Cantigas de Santa Maria: The relationshipsbetween MSS T, F and E, in S. Parkinson (ed.): Cobras e Son. Papers on the Text, Musicand Manuscripts of the Cantigas de Santa Maria. Oxford: Legenda, pp. 186-213.

    Schaffer, M. E. (2001): Ben vennas mayo: A failed cantiga de Santa Maria, in A. CortijoOcaa G. Perissinotto H. L. Sharrer (eds.): Estudos Galegos Medievais. Centro deEstudos Galegos, University of California Santa Barbara, pp. 97-132.

    Spanke, H. (1958): Die metrik der Cantigas, in H. Angls (1943-1964): La msica de lasCantigas de Santa Mara del Rey Alfonso el Sabio. Vol. III.La msica. Barcelona: Biblio-teca Central, pp. 189-238.

    Tavani, G. (1990):A poesia lrica galego-portuguesa. Lisboa: Comunicao.Valmar, L. de Cueto, Marqus de (1889): Cantigas de Santa Maria de Don Alfonso el Sabio.

    Madrid: Real Academia Espaola.

    Wulstan, D. (1994): Pero cantigas..., Cantigueiros 6, pp. 12-29.Wulstan, D. (1996): Decadal songs in the Cantigas de Santa Maria, Cantigueiros 8, pp. 35-58.