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    Incluso de alunos com necessidades especiais e educao bsica

    InterAO, Curitiba, 2001, 5, 31 a 46 1

    A INCLUSO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVASESPECIAIS E OS IMPASSES FRENTE CAPACITAO DOSPROFISSIONAIS DA EDUCAO BSICA: UM ESTUDO DE CASO1

    INCLUSION OF STUDENTS WITH SPECIAL LEARNING NEEDS AND IMPASSES IN THE TRAINING

    OF BASIC EDUCATION PROFESSIONALS: A CASE STUDY

    Roberta Kafrouni2

    Miriam Aparecida Graciano de Souza Pan3

    RESUMOO presente artigo resulta de um pesquisa realizada em escolas pblicas da cidade deCuritiba cujo objetivo foi compreender as principais necessidades dos profissionais daeducao bsica em relao incluso de alunos com necessidades especiais na rederegular de ensino, prevista na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Foramfeitos, num perodo de trs meses, estudos de caso em 9 escolas atravs de questionrios,entrevistas, reunies, observaes participantes em sala de aula e em atividadesextraclasse. Foram acompanhados 31 alunos com necessidades especiais, 33 professorese 15 membros de equipes pedaggicas, tendo sido atingidos os trs nveis da educaobsica. Os resultados da pesquisa indicaram que a maioria das escolas investigadas notm um projeto especfico de incluso, o que parece acarretar dificuldades como rigidezcurricular, metodolgica e avaliativa, bem como falta de esclarecimento sobre asnecessidades educativas especiais. Observou-se tambm a necessidade deinstrumentalizao dos professores para o atendimento de alunos com necessidadesespeciais. Constatou-se que a concepo de aluno vigente na escola tende homogeneizao, o que incompatvel com a incluso. Assim, ainda creditada ao alunocom necessidades especiais a responsabilidade por seu aprendizado nas classes regularesde ensino. Pde-se concluir que a implementao da incluso requer o preparo das escolase dos profissionais da educao para esta nova realidade. A conjuntura aponta anecessidade de o Estado comprometer-se com a incluso, pois cabe ao poder pblicooferecer as condies que permitam a instrumentalizao das escolas e dos profissionaisda educao.

    Palavras-chave: educao especial, incluso.

    ABSTRACTThis article is based on research carried out in state schools in the city of Curitiba, theobjective of which was to comprehend the principal needs of basic education professionalswith regard to the inclusion of students with special needs in the standard education system,as provided for in the new National Education Guidelines. Over a period of three monthscase studies were carried out in nine schools by means of questionnaires, interviews,meetings and observation with participants in the classroom and in extra curricular activities.

    1Pesquisa realizada pelo Projeto Licenciar/1999, mantido pela Universidade Federal do Paran, coordenado pela Professora

    Miriam A. Graciano de Souza Pan, tendo como bolsistas Joyce Kelly Pescarolo e Roberta Kafrouni.2Psicloga. Mestranda em Psicologia da Infncia e da Adolescncia pela Universidade Federal do Paran, Setor e Cincias

    Humanas, Letras e Artes.3Psicloga e fonoaudiloga. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paran. Mestra e doutora

    em Estudos Lingsticos pela UFPR, Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes. Rua Padre Anchieta, 1808, apto. 13 - 80730.000Curitiba - PR.

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    31 students with special needs were accompanied, as well as 33 teachers and 15 membersof teaching teams, thereby covering all three levels of the basic education system. Theresults of the research indicated that the majority of the schools examined do not have aspecific inclusion programme, and this would appear to result in difficulties such ascurricular, methodological and evaluative inflexibility, as well as a lack of awareness as tospecial learning needs. The need was also observed to prepare teachers to deal with

    students with special needs. It was noted that the ruling concept in the schools with regard tostudents tends to homogeneity, which is incompatible with inclusion. In this way, the studentwith special needs continues to be held responsible for what he or she learns in theclassrooms of the standard education system. It can be concluded that in order to implementinclusion, both schools and education professionals must be prepared for this new reality.The overall situation indicates the need for the State to be committed to inclusion, since it isthe government's responsibility to offer conditions that enable both schools and educationprofessionals to be prepared.

    Key words: special education, inclusion.

    A presente pesquisa teve por objetivo compreender as dificuldades encontradas pela

    Escola ao lidar com alunos com necessidades educativas especiais (N.E.E.) no ensino regular,tendo em vista a capacitao dos profissionais da Educao.A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9.394, de 20.12.1996), no

    captulo V, define educao especial como modalidade de educao escolar oferecidapreferencialmente na rede regular de ensino, para portadores de necessidades especiais (art.58). A oferta de educao especial dever constitucional do Estado (art. 58, 3). Almdisso, a LDB prev currculos, mtodos e tcnicas, recursos educativos e organizaoespecficos para o atendimento adequado de Necessidades Educativas Especiais (art. 59, I) e...professores de ensino regular capacitados para a integrao desses educandos nas classescomuns (art. 59, III).

    Fica claro, portanto, que a tnica da nova LDB, no que se refere educao especial, a integrao do aluno portador de Necessidades Educativas Especiais (N.E.E.) classe

    comum; sendo, para isso, necessria a capacitao dos professores no s para programasespecializados como tambm para o ensino regular.O processo de integrao, entretanto, no facilmente alcanado apenas atravs da

    instaurao de uma lei. Tampouco pode ser concludo rapidamente. Exige uma srie demedidas gradativas de reformulao do ensino que comea pelos j citados currculos emtodos, e vai alm. O atendimento de pessoas com N.E.E. na rede regular de ensino exigedos seus profissionais conhecimentos produzidos em diferentes reas (psicologia, medicina,pedagogia, arquitetura etc.) para gerar um saber interdisciplinar, indispensvel ao sucesso daintegrao. Uma das perguntas a se responder se os profissionais da educao foraminstrumentalizados suficientemente para promover a integrao de pessoas com N.E.E. sclasses regulares.

    Na atual conjuntura, as dificuldades no atendimento de pessoas com necessidadesespeciais so reflexo de uma prtica social que no fica circunscrita aos limites da escola. Demodo geral, a sociedade estabelece e marca as diferenas, o que resulta na utilizao demecanismos discriminatrios nos quais esto presentes processos de coero normalizadorae fabricao ininterrupta de desviantes (Wanderley, 1999, p. 8). Deste modo, uma populaodesviante estabelecida, por caractersticas biolgicas, psicolgicas e sociais. A Educao,por sua vez, acaba reproduzindo este processo social, dificultando cada vez mais a insero dealunos com necessidades educativas especiais num meio onde os nveis de escolarizao sosempre crescentes.

    Mudanas, todavia, tm sido verificadas, determinadas por novas perspectivas.Concepes pedaggicas que encaravam o desenvolvimento como determinante daaprendizagem deram lugar a uma abordagem mais interativa em que a aprendizagem abrecaminhos que favorecem o desenvolvimento (Marchesi e Martn, 1995, p. 9). Dessa forma,passou-se a no mais encarar os limites de pessoas com necessidades especiais comofronteiras demarcadas de antemo, e o papel da educao foi redimensionado para admitir suaimportncia fundamental no desenvolvimento dessas pessoas.

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    Alm disso, a progressiva conscientizao social em relao s minorias acaba porpressionar as instituies e as fora a estarem preparadas para atender todos os cidados,cujos direitos esto assegurados independentemente de serem diferentes. Neste sentido, aDeclarao de Salamanca e Linha de Ao Sobre Necessidades Educativas Especiais(1994, p. 17-18) declara: o princpio fundamental desta Linha de Ao que as escolasdevem acolher todas as crianas, independentemente de suas condies fsicas, intelectuais,

    sociais, emocionais, lingsticas ou outras.Antes de se prosseguir falando sobre o atendimento de alunos com N.E.E., preciso

    fazer uma distino. Distino essa no s terminolgica, mas conceitual, e que permitiravaliar a situao da educao especial: a diferena entre INCLUSO e INTEGRAO. Emdocumento oficial da Secretaria de Estado da Educao (Paran, 1998, p. 8) colocou-se que oprocesso de INTEGRAO se traduz por uma estrutura que objetiva favorecer um ambientede convvio o menos restritivo possvel, oportunizando pessoa portadora de necessidadeseducacionais especiais um processo dinmico de participao em todos os nveis sociais; poroutro lado, a prtica da INCLUSO prope um novo modo de interao social, no qual h umarevoluo de valores e atitudes, que exige mudanas na estrutura da sociedade e da prpriaeducao escolar.

    Pesquisadores tm comentado as diferenas entre estes conceitos (Sassaki, 1998;Werneck, 1997) indicando que o conceito de integrao ainda pressupe a centralizao dadeficincia na pessoa que a possui exigindo-se dela sua (re)habilitao para que possa(re)ingressar na sociedade. O conceito de incluso, porm, parte de outro paradigma no qual adeficincia no responsabilidade exclusiva de seu portador, cabendo sociedade modificar-se para propiciar uma insero total de quaisquer indivduos, independentemente de seusdficitsou necessidades. Contudo, tem-se constatado que a realidade brasileira aproxima-sedo conceito de integrao, sendo a insero parcial e dependente de fatores conjunturais e dascondies de cada pessoa.

    A incluso, portanto, requer uma revoluo de paradigmas. No significa apenascolocar pessoas diferentes num lugar em que no costumavam estar, a classe regular.Significa no mais conceber as necessidades especiais como imutveis ou incapacitantes.

    Significa, ademais, rever o papel da escola e conscientiz-la de que sua responsabilidade educar a todos, sem discriminao. Logicamente, isso exige uma reviravolta estrutural nasociedade, como um todo.

    Diante desta imensa tarefa, encontram-se os profissionais da educao. A eles cabedar conta das reformas educacionais propostas pelas autoridades. preciso, ento, saber seestes profissionais esto preparados para tal processo. Com o intuito de compreender estaquesto, a presente pesquisa foi efetuada.

    MTODO

    Participaram da pesquisa 9 escolas regulares, sendo 8 da rede estadual e 1 da redemunicipal de ensino, todas situadas na cidade de Curitiba. Foram acompanhadas 13 salas de

    aula, sendo 10 de ensino fundamental, 2 do ensino mdio e 1 de educao infantil (crechemunicipal). Dentre estas classes, 10 eram regulares e 3 eram classes especiais (funcionandoem escolas regulares). Os alunos participantes da pesquisa somaram 32, sendo classificadospelo tipo de necessidade apresentado (Condutas Tpicas, Deficincia Visual, Deficincia Auditiva,Deficincia Mental, Deficincia Fsica). Participaram tambm, 33 professores e 15 membros deequipes pedaggicas.

    A pesquisa teve incio com a seleo de escolas que vm atendendo alunos comN.E.E. inseridas no ensino regular, indicadas por entidades de assistncia a portadores dedeficincia, em diferentes reas. Aps a seleo, foram enviados grupos de estudantes 4 de

    4Colaboradores: Adriana Sheschowitsch, laba Cristina Pereira, Alexandra do Rocio Janz, Ana Paula Pessotto, AndressaSperancetta, Camila Linhares de Assis, Carolina Centeno Prestes, Cassiana Caldini Ribas, Cinthia Engel, Daniel Franciso

    Roberto, Daniel Siwek, Daniela Dau, Emanuelle Cazella Suhnel, Fernanda Peixoto, Fernanda Rivabem, Gisseli Cristina Teresim,Larissa Cristiane Tomczak, Milene Dinah Faht, Patricia Maria Spido, Paula Cristina Fischer da Silva, Priscila Queiroz Lacerda,Robson Pereira, Rubia Mey Sampaio, Shanny Mara Neves, Simone Cristine Cavallari, Tatiana Mazziotti Bulgacov, ThaisGuthemberg de Deus, Vanessa Moraes Sampaio, Vnia de Oliveira Barros, Vitria Prado Piovesan, Viviane Monteiro deAlmeida.

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    Psicologia devidamente orientados e supervisionados para a coleta de dados, durante umperodo de trs meses. Foi efetuado um estudo de caso de cada escola participante em queforam utilizados entrevistas, questionrios, observaes e reunies com membros das escolas,bem como uma proposta de interveno segundo suas peculiaridades.

    Os dados dos estudos de caso de cada escola foram comparados para olevantamento de categorias de anlise. Estas categorias foram apresentadas em freqnciaabsoluta (nmero de escolas) e analisadas com o apoio da literatura.

    RESULTADOS

    O levantamento dos dados revelou os problemas mais freqentemente enfrentadospelas escolas, relativos ao processo de incluso de pessoas com N.E.E. As categoriaslevantadas apresentam-se na tabela que se segue.

    Tabela 1: Problemas mais freqentemente detectados nas escolas

    Problemas detectados Freqncia (n. de escolas)Falta de um projeto de incluso 7

    Representaes prof./aluno 7

    Falta de instrumental didtico 6

    Rigidez curricular/avaliativa/metodolgica 5

    Esclarecimento insuficiente sobre as N.E.E. do aluno 4

    Carncia de recursos humanos e materiais 4Conceito aluno-problema/aluno-ideal 4

    A primeira categoria falta de uma projeto de incluso. Das 9 escolas analisadas,apenas 2 elaboraram um projeto especfico de incluso. As demais, apesar de terem alunosN.E.E. em classes regulares, no tinham uma diretriz definida para atendimento desses alunos.

    A categoria representaes professor-aluno engloba os problemas referentes prticadocente, como as expectativas que os professores manifestam acerca de seus alunos comN.E.E. Neste item, em 7 escolas foram percebidos problemas como conceitos inadequadossobre os alunos. Com freqncia foram ouvidos depoimentos de professores que afirmavam

    no cobrarem muito rendimento de seus alunos em funo de suas deficincias.A terceira categoria, falta de instrumental didtico, relaciona-se falta de

    instrumentalizao do docente em face da incluso. Os professores referiram no saberemcomo orientar sua prtica s necessidades de alunos diferentes, mencionaram dificuldadesespecficas relativas a problemas enfrentados quotidianamente, como por exemplo, o ensinoda Matemtica a deficientes visuais. Outras observaes comprovaram o despreparo para oatendimento de deficientes auditivos (gritar ao ouvido do aluno) etc. Dificuldades como estasforam detectadas em 6 escolas.

    O item rigidez curricular/avaliativa/metodolgica associa-se inflexibilidade docurrculo, dos mtodos avaliativos e da metodologia em sala, que revelam umahomogeneizao da populao discente desconsiderando as diferenas individuais. Estasituao apareceu em 5 dos casos estudados.

    Os itens esclarecimento insuficiente sobre o aluno com N.E.E., carncia de recursosfsicos e humanos e conceito aluno-problema/aluno-ideal foram verificadas com igualfreqncia (4 escolas). A primeira est ligada carncia de informaes referentes s

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    possibilidades e limitaes que caracterizam o perfil evolutivo individual do aluno com N.E.E. ASegunda categoria est associada falta de material pedaggico adequado s N.E.E. e depessoal especializado dentro da escola regular para dar suporte ao professor, bem como aoaluno. A ltima categoria traduz a existncia de uma representao do aluno-problema,centralizando a responsabilidade em educar alunos com N.E.E. nos prprios alunos.

    DISCUSSO

    A presente pesquisa indicou que uma das medidas mais urgentes para possibilitar aincluso efetiva de pessoas com necessidades educativas especiais a elaborao de umprojeto de incluso, a ser efetuado pelas escolas. Atravs de tal projeto, dificuldades podemser abordadas como, por exemplo, a questo curricular. Um projeto de incluso tambm integraas vrias contribuies das diversas reas de conhecimento presentes na escola por meio deseus profissionais, que poderiam, assim, trabalhar em busca de uma linha de ao comum.Alm disso, aspectos como a prtica pedaggica tambm podem ser abordadosconjuntamente.

    A questo relaciona-se diretamente com a capacitao de professores e equipespedaggicas, pois a elaborao do projeto de incluso requer preparo por parte dos

    encarregados em elabor-lo, a saber: a equipe de professores e tcnicos da escola. O que severificou nas escolas que as equipes no sabem nem mesmo por onde comear aimplementao da proposta de incluso na rede regular de ensino.

    O despreparo profissional em relao incluso muitas vezes evidencia-se nasrepresentaes dos professores sobre as diversas facetas da prtica educativa,representaes essas que determinam atitudes. Estudos j demonstraram que ...asexpectativas do professor sobre o desempenho dos alunos podem funcionar como profeciaeducacional que se auto-realiza (Rosenthal e Jacobson, 1981, p. 258). Coll e Miras (1995, p.273) ainda colocam: as expectativas dos professores sobre o rendimento dos seus alunospodem chegar a afetar significativamente o rendimento efetivo destes ltimos. Portanto, oscomportamentos dos professores e dos alunos no podem ser estudados isoladamente. Sendoassim, preciso analisar as metodologias, atitudes e procedimentos dos professores, o que

    conduz novamente ao problema da capacitao.Referente s concepes dos professores preciso questionar como o professor

    encara sua prtica, como concebe seus alunos, que funo julga desempenhar. Quanto a isso,a pesquisa revelou que, em muitas escolas, prevalece a representao de um aluno ideal. Deacordo com esta perspectiva idealizada, Coll e Miras colocam: ao estabelecer contato com umnovo aluno, o professor selecionaria aquelas caractersticas que apresentam um maior pesoem sua imagem do aluno ideal, caracterizando-o em conseqncia e interpretando sua condutade acordo com estes parmetros (1995, p. 267).

    Desta representao decorre, conseqentemente, a representao do aluno-problema. Sobre isso, Souza (1997) comenta: qualquer aluno que desvie desse padro pr-estabelecido pela escola passa a ser visto com um problema em potencial necessitando deum atendimento preventivo. ...A presena de atitude diagnstica escolar ou preditiva daperformanceda atuao da criana muito preocupante em funo das conseqncias quetraro a esse aluno (p. 22).

    Estas atitudes revelam uma tendncia homogeneizao, extremamente danosa aosalunos com N.E.E. e, de modo geral a todos os alunos, pois todo o aluno tem uma histriapeculiar que caracteriza seu ritmo de aprendizado, tornando-o nico. Esta tendncia niveladorarevela-se, ento, na inflexibilidade dos mtodos, currculos e processos de avaliao. De ummodo geral, o currculo tem constitudo grande obstculo para os alunos com necessidadesespeciais na escola regular, porque impe como uma referncia homognea a ser alcanadapor todos os alunos, independente da ocorrncia de condies especficas (Carvalho, 1998, p.31).

    Outro fator a se considerar a concepo que o professor tem sobre o ensino e a

    aprendizagem. Privilegiar apenas o contedo ou apenas um mecanismo de aprendizagem tambm um obstculo ao aprendizado de todos os alunos; e em especial os com necessidadesespeciais. Marchesi e Martn ressaltam que os professores que valorizam o desenvolvimentodos conhecimentos e os processos acadmicos tm mais dificuldade em aceitar os alunos que

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    no vo progredir com um ritmo normal nesta dimenso (1995, p. 20). , portanto, imperativoconsiderar quais so os objetivos educacionais que os professores sustentam em relao aosseus alunos e o conceito que construram acerca da educao.

    preciso ento que o corpo docente reveja suas concepes e reconstrua seusobjetivos para que esses incluam a aceitao das diferenas. Desta maneira, poder-se-buscar, em cada aluno, as suas qualidades desejveis, em vez de acentuar ainda mais suasinadequaes para determinadas tarefas (Leite, 1981, p. 245). Quanto a isso, um problemaobservado foi a carncia de informaes referentes s possibilidades e limitaes quecaracterizam o perfil evolutivo individual do aluno com N.E.E., observado na falta deinformaes sobre o diagnstico destes alunos e pelas dvidas acerca do mesmo. Percebeu-se tambm pouca informao sobre a terminologia diagnstica proveniente de diferentes reasde conhecimento e o conseqente uso inadequado desta. Em uma situao, por exemplo, aose referir a certa aluna, um dos entrevistados usou a expresso psictica tendo uma relaoneurtica com a me, termo aplicado sem conhecimento terico e sem qualquer adequao situao em questo. A falta de material pedaggico adequado e de pessoal especializadodentro da escola regular para dar suporte ao professor, bem como ao aluno, foram problemasfreqentemente verificados.

    Em face do discutido, percebe-se que, atravs da implantao da incluso, toda aescola questionada. Seus pontos fracos, outrora negligenciados, so novamente postos emevidncia; o que est em jogo no somente a integrao dos diferentes, pois a prpriaconcepo de diferena questionada. Portanto, se a escola necessita de reformulaes, seusconstituintes tambm. E esta reformulao abrange a formao dos profissionais da educao.Todos os componentes da prtica educativa passam, assim, a serem matizados com a questoda incluso. Entretanto, preciso mais do que capacitao em nvel terico: esta preparaodeveria ser terica, mas tambm prtica atravs desta espcie de conselhos, mesmoelementares que os docentes desejam saber, por exemplo, lembrar que intil gritar para sefazer compreender por uma criana surda... (Simon, 1991, p. 41).

    A questo da incluso coloca, na verdade, o problema da responsabilidade pelaeducao e pelo fracasso escolar. Na verdade no o desvio de padres que determina aexcepcionalidade, mas o fracasso escolar, j que se parte da premissa de que a escola cumpreseu papel e se alguma criana ou muitas, no importa no conseguem aprender na escola,devem possuir caractersticas pessoais impeditivas (Bueno, 1993, p. 21).

    Ao recolocar a incumbncia pela educao escola e aos educadores, chega-se concluso de que estes tm a responsabilidade da contnua avaliao e de que a capacitaodos profissionais inicia-se numa formao slida, mas de modo algum se esgota a, pois areavaliao deve ser permanente para que alcance qualidade na educao. Com isso busca-seno s a integrao do aluno diferente mas a concepo de que a escola que deve adequar-se ao aluno e no o aluno a ela. E, nesse processo, os profissionais da educao estototalmente implicados.

    Conclui-se, ento, que o processo de incluso requer inicialmente um projeto. Assimpodero ser feitas mudanas efetivas tais como alteraes curriculares, avaliativas e

    metodolgicas. necessrio tambm que sejam integrados vrios conhecimentos para que seproduza a interdisciplinaridade, indispensvel ao processo de incluso. A capacitao deeducadores requer ateno, pois so necessrias a instrumentalizao prtica e areconstruo de concepes de ensino e aprendizagem para que os objetivos educacionaislevem em conta as particularidades dos alunos, conduzindo individualizao do processoeducativo e desfazendo idealizaes niveladoras.

    A capacitao dos profissionais da educao, entretanto, no a nica varivelenvolvida no processo de incluso. Creditar a responsabilidade pelo sucesso do processo deincluso somente aos profissionais da educao seria desconsiderar uma srie de questesimportantes. Alm disso, seria incorrer, de certa forma, no mesmo erro para o qual se procuraalertar. Assim como no se pode atribuir ao aluno exclusivamente a responsabilidade por suasdificuldades, no se pode designar exclusivamente escola a responsabilidade pelos

    obstculos que vem encontrando. preciso admitir que a escola e seus membros, frente nova situao apresentada pela LDB, tambm tm suas necessidades educativas especiais,pois as escolas precisam aprender a lidar com uma nova demanda. Alm disso, necessriauma integrao no s de alunos mas tambm de profissionais detentores de conhecimentos

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    em diversas reas relacionadas educao especial. Pode-se, portanto, concluir que, nasescolas observadas nesta pesquisa, a incluso ainda um ideal que, no entanto, no pode serperdido de vista.

    Constatou-se tambm que as dificuldades enfrentadas so em parte fruto da novidadeda proposta na realidade brasileira e a concomitante falta de modelos bem sucedidos deincluso. Freqentemente, no entanto, a explicao encontra-se no fato de que as incgnitasque, sem dvida, existem, quando se trabalha com alunos com necessidades educacionaisespeciais, ainda no foram sria e serenamente abordadas pelo prprio corpo docente, (...) epela falta de modelos que permitam a adequao do currculo e a ateno dentro de umaestrutura organizacional flexvel (Gin e Ruiz, 1995, p. 298). de se esperar, portanto, quesejam necessrios tempo e esforos concretos para que o sistema educacional sofra aremodelao e a capacitao adequadas de professores e equipes tcnicas.

    Faz-se necessrio novamente salientar que a incluso no somente um movimentoda Educao. Pois a incluso mais abrangente, um processo social do qual a Escola fazparte: por ele englobada, mas de modo algum o encerra. Relembremos que, em 1990, aONU estabeleceu que por volta do ano 2010 estar concludo o processo de construo deuma sociedade para todos: a sociedade inclusiva (Sassaki, 1998, p. 29). Nesse sentido, a Leide Diretrizes e Bases da Educao Nacional prev aos alunos com necessidades educativasespeciais: I - Currculos, mtodos, tcnicas, recursos educativos e organizaes especficos,para atender s suas necessidades (cap. V, art. 59, 1996). A lei prev, ainda, que a educaoescolar seja oferecida preferencialmente na rede regular de ensino (art. 58). Portanto, paraque os direitos das pessoas com necessidades especiais sejam assegurados faz-se necessriaa elaborao de um projeto poltico de incluso que integre currculos, mtodos, tcnicas,recursos e organizao. A atual pesquisa demonstrou que essa condio fundamental concretizao da incluso, pois da derivam estratgias concretas, adequadas ao atendimentodestes alunos, como afirma Carvalho (1998): a educao inclusiva, entretanto, no se esgotana observncia da lei que a reconhece e garante, mas requer dos sistemas educacionais umapostura de modificao que abranja atitudes, perspectivas e organizao (p. 32).

    por refletir um anseio social que a incluso vem se instaurar como lei, e esta leireconhece a responsabilidade do Estado pela incluso na educao. O Poder Pblico adotar,como alternativa preferencial, a ampliao do atendimento aos educandos com necessidadesespeciais na prpria rede pblica regular de ensino... (Lei de Diretrizes e Bases da EducaoNacional, cap. V, art. 60, pargrafo nico). A incluso , pois, um processo de mudana doensino, e como tal exige procedimentos concretos. No se trata de manter o discurso no planomental; o discurso da incluso necessita obrigatoriamente de aes efetivas para que sepossa manter. Como este trabalho demonstrou, necessrio que o Estado tenha, portanto, seuprprio projeto de incluso que determine no s metas a alcanar mas tambm queprovidencie os meios adequados para alcan-los.

    Assim como h a necessidade, como se constatou, de que cada escola secomprometa com a incluso, preciso que as entidades governamentais tambm reconheamsua parcela de responsabilidade. O que a pesquisa constatou que as escolas sentem-sedespreparadas. Foram ouvidos depoimentos em que professores e outros profissionaismanifestavam-se contrariamente incluso, visto no terem apoio governamental nem umestudo prvio para a implantao da proposta; outras vezes as entrevistas demonstraram quea incluso atualmente parte mais da iniciativa prpria de alguns professores do que de umprojeto coletivo e integrado.

    Ficam, portanto, questes importantes a serem respondidas. A responsabilidadeconcernente ao governo, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, estsendo cumprida? Qual o motivo de as escolas no terem um projeto de incluso? Cabeunicamente s escolas a iniciativa?

    Sem uma ao governamental efetiva e bem estruturada, a LDB ser apenas o marcodo fim da Educao Especial, e os portadores de N.E.E. ficaro ainda mais desamparados.Caso o Estado no se comprometa com a tarefa da incluso, esta figurar somente como um

    belo discurso, vazio de sentido ou pelo menos com sentidos contraditrios. A menos que oEstado assuma sua responsabilidade, o discurso da incluso ser apenas o disfarce para adesincumbncia da responsabilidade pela educao de pessoas com necessidades especiais,ou melhor, de cidados com direito legalmente assegurado educao.

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    (Recebido em 25.04.2001; revisado em 10.11.2001; aceito em 30.11.2001)