Estética Da Recepção Final

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Teoria da Recepção Introdução Terry Eagleton de forma sintética divide a história da moderna teoria literária em três fases: uma preocupação com o autor (romantismo e séc. XIX); uma preocupação exclusiva com o texto (Nova Crítica) e uma acentuada trasferência da atenção para o leitor, nos últimos anos. Este terceiro ramo teórico é conhecido como “estética da recepção”, ou “teoria da recepção”. Eagleton nos diz que esta é a mais recente manifestação da hermenêutica na Alemanha. Esta teoria tem por finalidade examinar o papel do leitor na literatura. Compagnon nos diz que são numerosas as abordagens teóricas que revalorizaram a leitura: a estética da recepção identificada com a escola de Constance com Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss; a Reader-Response Theory (teoria do efeito de leitura) que tem como um dos seus mais significativos representantes Stanley Fish; Barthes também se aproximou das teorias da leitura. Por último, ainda podemos acrescenta Sartre na lista dos teóricos que merecem atenção. Diante de inúmeros teóricos com idéias diversas, seria melhor falar em teorias da recepção, como nos aponta Mirian Zappone (2012, p. 191). Os teóricos da recepção só entram em acordo quanto ao objeto de análise, ou seja, a experiência estética da leitura, a recepção. Mas no tocante aquilo que deve ser enfocado nesta experiência estética, percebemos a discórdia. Nesta pesquisa vamos analisar as idéias dos principais pensadores desta corrente teórica com o objetivo de percebermos estas semelhanças e diferenças. Teoria de Hans Jauss Dentro de uma linha de busca por um horizonte histórico dentro da estética da recepção, são apresentadas

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Teoria da Recepo

IntroduoTerry Eagleton de forma sinttica divide a histria da moderna teoria literria em trs fases: uma preocupao com o autor (romantismo e sc. XIX); uma preocupao exclusiva com o texto (Nova Crtica) e uma acentuada trasferncia da ateno para o leitor, nos ltimos anos. Este terceiro ramo terico conhecido como esttica da recepo, ou teoria da recepo. Eagleton nos diz que esta a mais recente manifestao da hermenutica na Alemanha. Esta teoria tem por finalidade examinar o papel do leitor na literatura.Compagnon nos diz que so numerosas as abordagens tericas que revalorizaram a leitura: a esttica da recepo identificada com a escola de Constance com Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss; a Reader-Response Theory (teoria do efeito de leitura) que tem como um dos seus mais significativos representantes Stanley Fish; Barthes tambm se aproximou das teorias da leitura. Por ltimo, ainda podemos acrescenta Sartre na lista dos tericos que merecem ateno. Diante de inmeros tericos com idias diversas, seria melhor falar em teorias da recepo, como nos aponta Mirian Zappone (2012, p. 191). Os tericos da recepo s entram em acordo quanto ao objeto de anlise, ou seja, a experincia esttica da leitura, a recepo. Mas no tocante aquilo que deve ser enfocado nesta experincia esttica, percebemos a discrdia. Nesta pesquisa vamos analisar as idias dos principais pensadores desta corrente terica com o objetivo de percebermos estas semelhanas e diferenas.Teoria de Hans Jauss Dentro de uma linha de busca por um horizonte histrico dentro da esttica da recepo, so apresentadas as idias de Hans Robert Jauss. Ele busca primeiramente o contexto dos significados culturais que a obra foi construda para depois explorar as relaes ela os horizontes variveis dos seus leitores na histria. Esta teoria objetiva produzir um novo tipo de histria literria, centralizada na literatura definida e interpretada pelos seus vrios momentos de recepo histrica.Teoria de Wofgang IserSeria impossvel falar de Iser sem falar primeiramente em Roman Ingarden, pois segundo Antoine Compagnon os estudos da recepo se proclamam filhos de Roman Ingarden (2010, p. 146). Para este terico haveria uma estrutura potencial no texto literrio que seria concretizada pelo leitor. Compagnon, analisando Ingarden, no diz que o leitor diante de uma obra tem uma pr-compreenso como condio preliminar, ou seja, possui suas prprias normas e valores. Ainda pelas lentes de Compagnon, podemos dizer que a leitura acontece em duas direes, para frente e para trs, retomando e reformulando hipteses, confirmando e frustrando proposies, criando outras expectativas.Wolfgang Iser retoma o modelo de Ingarden e nos diz que o processo de leitura no so propriedades nem do texto nem do leitor; o texto representa um efeito potencial que realizado no processo da leitura (apud COMPAGNON, p. 147). Diz-nos, ainda, que o sentido um efeito experimentado pelo leitor, no um objeto preexistente leitura. Segundo Compagnon o objeto literrio a prpria interao do texto com o leitor.Iser formula, a partir das idias de Ingarden, a teoria do leitor implcito. A idia que o autor se dirige ao leitor implcito e define as condies de entrada do leitor real no livro. O leitor implcito e o leitor real no so a mesma coisa, o primeiro uma construo de uma estrutura textual dirigida para um leitor idealizado. A leitura acaba por consistir em concretizar a viso esquemtica do texto e preencher as lacunas das narraes de descries; construir coerncia a partir de elementos dispersos e incompletos. Sendo assim, Compagnon nos diz que o leitor de Iser um esprito aberto, disposto a fazer o jogo do texto, no fundo ainda um leitor ideal familiarizado com os clssicos e curioso com os modernos (2010, p. 151). Teoria de SartreA leitura para o filsofo francs Jean-Paul Sartre entendida como posicionamento no mundo. Na produo literria o papel desempenhado pelo leitor de suma importncia visto que o objeto esttico s existe enquanto durar um ato concreto denominado leitura e fora da s existiro marcas sobre o papel. Para o filsofo, o escritor quem fala e se engaja para provocar quem o l. Ao leitor caber o papel de desvendar esse objeto artstico com a sua liberdade concedida durante o ato de ler.Durante a leitura firmado um contrato entre o autor e o leitor, um pacto de generosidade, ou seja, quem escreve exige que quem l faa uso de sua liberdade, quem l exige que quem escreve, escreva novamente. Neste contrato o leitor privilegiado, pois implica transcender o corpo do texto em favor de sua imaginao, ele visto como regente do texto literrio por causa de sua imaginao criadora, o olhar imaginante de quem l que trar sentido esttico ao texto. Cabe observar que para Sartre, o autor produz o objeto literrio para o outro, para o leitor, e este desvela, descobre, e aceita a fala do outro, do autor, e ambos se descentram neste processo.O leitor tem a capacidade de prever e conjeturar sobre o texto, ou seja, vivenciar o futuro, ao contrrio do escritor que no pode faz-lo, pois escreveu no passado. Como para o filsofo o tempo histrico, o escritor fala a seus contemporneos. A obra emociona e/ou indigna o leitor quando este vivencia os fatos narrados, sejam eles reais ou no e importante que estes fatos tenham sido partilhados por ambos, autor e leitor. Sartre ressalta que responsabilidade do escritor apontar os acontecimentos histricos no sendo neutro nem imparcial, ou seja, de apresentar, mas tambm opinar, pois autor e leitor no devem ser alheios s questes que os cercam, por isso a preocupao do escritor com o tempo presente. Sartre considera a prosa como sendo mais utilitria do que bela e no texto literrio o autor se vale da linguagem sempre com a inteno de incitar a ao e no contemplao passiva, o autor prosador tem uma viso de mundo situada e sua produo vem sempre carregada de escolhas e posicionamentos. Para o filsofo, o escritor no escreve gratuitamente, tem inteno de modificar comportamentos e utiliza as palavras como armas importantes de convencimento. A partir do engajamento do escritor, cabe ao leitor com uso de sua liberdade mudar ou no comportamentos, contudo, Sartre acredita naquele leitor que se envolve. A arte do autor consiste em obrigar o leitor a criar o que ele desvenda, ou seja, comprometer o leitor, este, assim, cria o texto que o autor desvenda. Para Sartre, quando o autor fala de seus leitores estaria falando de si mesmo e quando estivesse falando de si mesmo estaria falando dos outros, dos leitores.Em suma, o pensamento do filsofo acerca da criao da obra de arte literria implica numa dupla criao, ou seja, o autor, com seu esprito engajado, e o leitor, com sua liberdade, responsabilidade e imaginao. O sentido da obra no est contido no corpo do texto, no livro, mas est naquele que o leitor introduz, ela existe no nvel da capacidade do leitor. No se escreve sem um pblico destinado e situado historicamente.Teoria de Roland BarthesPara Roland Barthes o leitor se entrega tantalizante variao dos signos, aos brilhos provocativos dos significados que aparecem e desaparecem (EAGLETON, 1997 p. 112). Barthes apresenta uma experincia privada, a-social, essencialmente anrquica. Eagleton aponta que tanto Barthes quanto Iser ignoram a posio do leitor na histria, mas no necessariamente que no entendem que h uma dimenso social da leitura. Compagnon nos diz que Barthes persiste em abordar a leitura pelo lado do texto, concebido como um programa ao qual o leitor submetido (2010, p. 143). Na obra S/Z de Barthes, o cdigo que ele denomina hermenutico definido como um conjunto de enigmas que compete ao leitor desvendar, como faz um caador ou um detetive, atravs de um trabalho com os ndices. Teoria de Stanley FishStanley Fish diz que o verdadeiro escritor o leitor (apud Eagleton, 1997, p. 114). A leitura no a descoberta do que significa o texto, mas um processo de sentir aquilo que ele nos faz. Sendo assim, o objeto da ateno crtica a estrutura da experincia do leitor, e no uma estrutura objetiva a ser encontrada na prpria obra.

Anlise da Obra A Hora e Vez de Augusto MatragaApresentamos como modelo de anlise da Esttica da Recepo o trabalho de Sandra Romais: Uma leitura crtica dos conceitos da esttica da recepo aplicada aos textos de Guimares Rosa. Especificamente a autora vai analisar o ltimo conto do livro Sagarana: A Hora e Vez de Augusto Matraga. Prope fazer esta leitura pela tica de Wolfgang Iser. Vamos mostrar de maneira sinttica em nosso trabalho alguns pontos que consideramos essenciais nesta anlise. Conforme Sandra Romais, nesta obra pode-se perceber uma grande participao do leitor no preenchimento dos espaos vazios. Haveria duas camadas de interpretao do texto: enredo (histria) e metafsica. A primeira camada leva o leitor identificao com as situaes comuns e a segunda indica uma leitura mais consciente, seguindo a idia de conscientizao.A interao com autor acontece desde o ttulo do conto A Hora e Vez de Augusto Matraga, pois este remete o leitor a pensar sobre o que seria A Hora e Vez..., uma busca metafsica, refletindo sobre o destino que a todos traga, o sobrenatural que prevalece sobre a vontade humana, a retirada do homem como senhor do seu destino. So criadas hipteses sobre o que seria esta Hora e Vez, hipteses que vo se modificando ao longo do conto. Primeiramente, ao comear a obra o leitor percebe que Augusto Matraga um personagem mau-carter e violento, pensa que talvez a hora e vez deste personagem seja o momento de pagar os seus erros. O leitor formula novas hipteses sobre os personagens e a seqncia de maldades de Matraga parece confirmar que o enredo caminha para um desfecho trgico para Matraga. Uma parte do texto que cabe a utilizao da ferramenta de Iser para confirmao ou reformulao de hiptese seria o momento em que Matraga, depois de apanhar e apresentar-se quase morto, joga-se de um despenhadeiro para escapar da execuo ordenada por um coronel inimigo: E, a, quando tudo esteve a ponto, abrasaram o ferro com a marca do gado do Major que soa ser um tringulo inscrito numa circunferncia -, e imprimiram-na, com chiado, chamusco e fumaa, na polpa gltea direita de Nh Augusto. Mas recuaram todos, num susto, porque Nh Augusto viveu-se, com um berro e um salto, medonhos. - Segura! Mas j ele alcanara a borda do barranco, e pulara no espao. Era uma altura. O corpo rolou, l em baixo, nas moitas, se sumindo.

Neste momento, o leitor pode imaginar que chegou a hora e vez de matraga: a morte por seus erros. Mas ele sobrevive e tenta levar uma vida diferente, isto leva o leitor a reformular as suas hipteses. Principalmente quanto o prprio personagem busca a sua hora e vez, talvez a hora de ser perdoado, ou ainda, a hora de mudar de vida dentre outras possibilidade. Sandra Romais nos diz que a omisso do pensamento do personagem principal amplia o poder sugestivo da obra e motiva o imaginrio do leitor na construo de hipteses. Os chamados vazios de Iser se manifestam a todo o momento na obra de Guimares Rosa. Podemos perceber que este momento crucial de morte iminente de Matraga que acaba no se realizando leva o leitor a ir para trs e para frente na obra, para trs desde o ttulo revendo hipteses anteriormente formuladas, pois a hora e vez no a hora de pagar as suas maldades; e para frente projetando novas hipteses. Podemos citar esta parte, quando o padre conversa com Matraga, durante a recuperao dos ferimentos:Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida um dia de capina com sol quente, que s vezes custa muito a passar, mas sempre passa ou ainda, cada um tem a sua hora e a sua vez: voc h de ter a suaCom o desenrolar da trama, Matraga se torna um homem piedoso, trabalhador, rezador. Foi morar longe da sua antiga morada, por algumas vezes tentado a voltar ao seu mundo de violncia e de intolerncia e acaba no fim do conto encontrando uma morte sacrificial onde enfrenta muitos bandidos para proteger uma famlia. A sua morte no final leva a vrias hipteses, poderia ser a hora e vez de alcanar a misericrdia divina, a hora e vez de se tornar uma pessoa melhor. Tambm h uma possibilidade de analisar Matraga da fase bondosa como Jesus.Sandra Romais nos diz que as diversas camadas de interpretao conduzem o leitor a rever a prpria realidade. Leva a reflexo e reavaliao dos valores dados pela sociedade desestruturando as reaes do leitor. Os espaos vazios proporcionais a comunicao do texto leitor, o leitor far poder fazer inmeras interpretaes, mas o fio condutor dado pelo autor, o chamado autor implcito.

REFERNCIAS

CAMPAGNON, Antoine. O demnio da teoria: literatura e senso comum. Traduo de Cleonice Paes Barreto Mouro e Consuelo Fontes Santiago. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introduo. Trad. Waltensir Dutra. 3 ed. So Paulo: Martins Fontes, 1997JAUSS, Hans Robert. A histria da literatura como provocao teoria literria. Trad. Srgio Tellaroli. So Paulo: tica, 1994. (Srie Temas, v.36).Revista NUPEM, Campo Mouro, v. 5, n. 8, jan / jun. 2013ROMAIS, Sandra Eleine. Uma Leitura Crtica dos Conceitos da Esttica da Recepo Aplicada aos Textos De Guimaraes Rosa, http://alb.com.br/arquivo-orto/edicoes_anteriores/anais16/sem11pdf/sm11ss12_08.pdfSARTRE, Jean-Paul. Que a literatura? Traduo de Carlos Felipe Moiss. 3. ed. So Paulo: tica, 2004.ZAPPONE, Mirian Hisae Yaegashi. Esttica da Recepo. In: BONNICI, Thomas & ZOLIN, Lcia Osana (Orgs.). Teoria Literria: Abordagem histrica e tendncias contemporneas. 3. ed. Maring. Eduem, 2009.