Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

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Estado e forma política, do jurista e filósofo do direito Alysson Leandro Mascaro, modifica o estudo da teoria do Estado e da ciência política. A opinião é de Slavoj Žižek, convidado a escrever o texto de quarta capa, e que se surpreendeu com o que considera como “simplesmente a obra mais importante do pensamento político marxista nas últimas décadas”.Mascaro, professor da Universidade de São Paulo e do Mackenzie, rompe com as visões que dominam a leitura sobre o Estado e a política na atualidade e estabelece um campo original de análise científica. Ele sustenta sua análise do Estado nas categorias fundamentais da reprodução capitalista, como a mercadoria. “Marx disse que o segredo da mercadoria não reside em algum conteúdo escondido sob sua forma, mas em sua própria forma. O livro de Mascaro foca-se precisamente nesta dimensão crucial. É um trabalho que fornece a estrutura conceitual básica para lidar com o assunto Estado. Um trabalho histórico que mudará todo o seu campo de estudo e estabelecerá seus próprios padrões!”, conclui Žižek.A inovadora investigação de Mascaro pode ser considerada a mais avançada reflexão sobre o Estado produzida no Brasil. O estudo representa um deslocamento da teoria política, fazendo-a girar não em torno de suas instituições, definições jurídicas ou análises sobre as disputas em torno do poder estatal, mas sim a partir das formas sociais do capitalismo. Para tanto, Mascaro incorpora diretamente o pensamento de Marx e a tradição teórica sobre o Estado, incluindo as pesquisas mais recentes sobre o tema, empreendidas no mundo, nas últimas décadas, por variados pensadores marxistas e críticos.Mascaro afirma que um entendimento mais profundo do Estado e da política, exigido pela urgência da atual conjuntura, só é possível mediante uma análise de sua posição relacional, estrutural, histórica, dinâmica e contraditória no todo da reprodução social. É, portanto, com a perspectiva da totalidade, própria da tradição marxista, que lança as bases para um projeto emancipatório, em que a forma política só pode ser compreendida como derivação da forma mercadoria, que se instaura no capitalismo.É também a partir dessa perspectiva que o jurista resgata conceitos-chave da análise do Estado, “autonomia relativa do Estado”, “derivação da forma política estatal” e “luta de classes”. O livro tem uma preocupação didática, que torna acessível conceitos complexos, como “Estado, nação, sociedade e indivíduo” ou “Estado, cidadania e democracia”. Estado e forma política se torna, assim, um notável sistematizador do conhecimento, lastreado na elegância de estilo e na clareza características do autor.A investigação também explicita como a teoria do Estado se revela diante dos conflitos recentes, gerados pelos impasses da economia política global. Para Mascaro, as múltiplas crises do modo de produção capitalista não permitem identificar uma mesma resposta política, tampouco um mesmo padrão de superação ou retomada econômica. Mas se vê no Estado um fator comum na busca por soluções, ainda que, quase sempre, não se entenda sua natureza estrutural capitalista. “Em momentos de crise, toda sociedade se volta para o Estado para que a salve de suas próprias contradições”. Mascaro acredita que somente futuras dinâmicas que sejam necessariamente socialistas podem ensejar arranjos sociais inovadores, não fundados na concorrência e nos antagonismos de classes, grupos e indivíduos. “O capitalismo é crise”, sentencia.

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“A obra mais importante do pensamento político marxistanas últimas décadas!”Slavoj Žižek

Marx disse que o segredo da mercadoria não reside emalgum conteúdo escondido sob sua forma, mas em sua própriaforma. Estado e forma política, de Alysson Leandro Mascaro,não aponta na mesma direção? Muito se escreve hoje em diasobre a mudança do papel do Estado: daqueles que oconsideram como um instrumento de regulação dos excessos doneoliberalismo àqueles que o descartam, vendo-o como uminstrumento de dominação e opressão a ser superado por algumaforma de democracia direta. No entanto, todas essas abordagenscaem na armadilha fetichista de lidar com diferentes funções eusos do Estado, desconsiderando as suas implicaçõesfundamentais como uma forma política, ou seja, como a forma-Estado em si, para além de seu conteúdo (os interesses querepresenta etc.), tem implicações políticas fundamentais. O livrode Mascaro foca-se precisamente nessa dimensão crucial e, porisso, é simplesmente a obra mais importante do pensamentopolítico marxista nas últimas décadas — um trabalho quefornece a estrutura conceitual básica para lidar com o tema doEstado. Um trabalho histórico que mudará todo o seu campo deestudo e estabelecerá seus próprios padrões!

Sobre Estado e forma política

Estado e forma política surge e se afirma como obrareferencial do pensamento político crítico contemporâneo.Superando análises dominantes no direito e na ciência política— conservadoras, liberais e institucionais —, o jurista e filósofodo direito Alysson Leandro Mascaro empreende umaaprofundada redefinição do Estado e da política, tomando-os apartir de uma perspectiva marxista.

Ao investigar a totalidade social a fundo, a partir dasrelações de produção, Mascaro revela um campo políticonecessariamente atrelado às formas sociais do capitalismo, nassuas múltiplas relações e contradições. A interpretação do

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Estado, portanto, se dá com base nas categorias da mercadoria,do valor e das formas sociais capitalistas, permeadas porconflitos e lutas de classes.

Mascaro opera tanto no nível dos conceitos maistradicionais da teoria política e do Estado, forjando-lhes umanova constituição, quanto avança para temas fundamentais dapolítica contemporânea, como o sistema internacional deEstados, os debates da regulação econômica e as crises docapitalismo. Estado e forma política, obra inovadora e, naapreciação de Slavoj Žižek, incontornável, desponta comogrande marco teórico para o estabelecimento de uma leituratransformadora, crítica e radical do Estado e da política nosnossos tempos.

Sobre o autor

Alysson Leandro Mascaro, jurista e filósofo do direitobrasileiro, nasceu na cidade de Catanduva (SP), em 1976. Édoutor e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direitopela Universidade de São Paulo (Largo São Francisco/USP),professor da tradicional Faculdade de Direito da USP e da Pós-Graduação em Direito da Universidade PresbiterianaMackenzie, além de fundador e professor emérito de muitasinstituições de ensino superior. Escreveu, dentre outros livros,Filosofi a do direito e Introdução ao estudo do direito, pelaeditora Atlas, e Utopia e direito: Ernst Bloch e a ontologiajurídica da utopia, pela editora Quartier Latin. É o prefaciadorda edição brasileira de Em defesa das causas perdidas, deSlavoj Žižek, e da nova edição de Crítica da filosofia do direitode Hegel, de Karl Marx, ambos publicados pela Boitempo.

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Sumário

Introdução

1. Estado e forma política1.1. Reprodução capitalista e Estado1.2. As formas sociais1.3. A forma política1.4. A derivação da forma política estatal1.5. Forma política e instituições políticas1.6. Estado e instituições políticas

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1.6. Estado e instituições políticas1.7. Forma política e forma jurídica1.8. A autonomia do Estado

2. Estado e sociedade2.1. Estado e especificidade histórica2.2. Estado e luta de classes2.3. Fenômeno político e tecido social2.4. O Estado ampliado

3. Política do Estado3.1. Estado e nação3.2. Estado e burocracia3.3. Estado, cidadania e democracia

4. Pluralidade de Estados4.1. Capitalismo e sistema de Estados4.2. Forma política e imperialismo

5. Estado e regulação5.1. Capitalismo, Estado e regulação5.2. Forma política e regulação5.3. Estado, fordismo e pós-fordismo5.4. Estado e crise

Bibliografia

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Créditos

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Introdução

Durante longos períodos da história, a política foi explicadapor meio de balizas ideológicas diversionistas, cuja afirmaçãolhe servia de sustentação social. Em sociedades escravagistas e

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lhe servia de sustentação social. Em sociedades escravagistas efeudais, nas quais os poderes dos senhores e reis eramlegitimados por conta da vontade de um Deus, as narrativaspolíticas tinham como limite a reiteração da crença na delegaçãodivina de poderes ao soberano e aos dominadores. A teoria, maisque postular explicações causais, descolava-se da própriarealidade, avançando por pressupostos transcendentes,corroborando a manutenção da ordem social e política dada aoreinvestir ideologicamente o próprio objeto de análise. Com taisbases teóricas legitimavam-se os aparatos políticos, ao seremtratados ou como elementos da vontade oculta de Deus ouchancelados com os mantos da “ordem”, do “bem comum”, da“vontade de todos”.

Em poucos momentos do passado encontram-se teoriaspolíticas próximas de uma explicação mais concreta da realidadesocial. As condições da vida social nas pólis gregas, ao tempo dademocracia, permitiram um avanço teórico a respeito da relaçãoentre política e sociedade, como se pôde ver com Platão e, maisainda, com Aristóteles. O mesmo não se deu com a maioria dasoutras explicações do poder da Idade Antiga e da Idade Média.

Na Idade Moderna, muitas das visões a respeito do Estadoe da política já buscavam se assentar em bases mais concretas,descolando-se daquelas lastreadas de pressupostos teológicos.Contudo, ainda estavam compromissadas ou com a manutençãode regimes de privilégios absolutistas, de um lado, ou, de outro,com a plena instauração de estruturas políticas burguesas. Opensamento político moderno – ainda que não mais teológico emalguns casos – era, no entanto, arraigadamente idealista nosentido de explicar a vida política com base em elementosmetafísicos, fundando sua compreensão da política na noção delegitimidade racional do poder, em favor da manutenção daordem existente ou das classes proeminentes, como no caso dasteorias do contrato social.

Com a chegada da Idade Contemporânea, o entendimentopolítico adquire suas atuais nuances. Quando a teoria políticaburguesa deseja exatamente o mesmo que a prática políticaburguesa já conseguiu e instalou, então o pensamento político jápode deixar de lado a metafísica em favor de um fechamento dehorizontes de explicação. Os contornos do Estado sãojustamente os que se apresentam na realidade – assentados

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justamente os que se apresentam na realidade – assentadosinclusive com as estacas ideológicas típicas da sua afirmação nassociedades contemporâneas –, e a política é a atividade que emseu entorno e em si se exercita. Nos termos formalmente postos,o juspositivismo é o instrumento excelente de tal explicaçãoconservadora: o Estado é o que juridicamente se chama por tal.Via reversa, para o juspositivismo, o direito é o que o Estadochamar por tal. Nos termos das ciências sociais e da ciênciapolítica, erigem-se então o esquadrinhamento e a quantificaçãodo já dado. Nessa chegada ao chão da explicação analítica semhorizonte histórico e social, o Estado deve ser presumido comoentidade perene, sem tomá-lo como resultante de um devirhistórico nem considerá-lo enredado em estruturas sociaisespecíficas, dinâmicas e contraditórias.

Tal visão conservadora, relativamente atualizada, anima atéhoje a maioria das explicações sobre o Estado e a política. Boaparte das ciências sociais trata o objeto da política e do Estadoidentificando-o ao juspositivismo ou com base em ferramentasteóricas analíticas e conservadoras, que restringem os fenômenosapreendidos às suas manifestações imediatamente quantificáveis,mensuráveis ou reiteráveis. Entretanto, essas manifestaçõespodem revelar padrões de reprodução medianos que, em certosintervalos históricos e sob determinadas condições sociais,perduram como relativamente estáveis. Mas tais padrões médiosnão dão conta de avançar no entendimento causal, estrutural,relacional e histórico dos fenômenos da política e do Estado,nem de seus problemas, contradições e crises.

Nas épocas atuais, arraigadas de neoliberalismo, se a teoriase regozijou com o padrão que tem perseverado de modorelativamente estável, não conseguiu a ele transcender para lheapontar a contradição inerente. Diante da mais recente criseeconômica e política do capitalismo contemporâneo, aneoliberal, os teóricos manejam, como ferramentas de análise eaté como meios de solução, as mesmas medidas quantificadas eforjadas no seio das próprias instituições neoliberais. Tratar umpadrão social médio, de determinado intervalo histórico, pormeio de uma analítica média enredada teoricamente nele próprioé parecer virtuoso pelo seu alto estoque de informaçõesquantitativas imanentes ao objeto de análise, mas para o trato datotalidade e das especificidades das contradições e das crises a

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totalidade e das especificidades das contradições e das crises aanalítica revela-se cega, insuficiente e até infantil. Na velhaimagem, sair da crise tomando por padrão o fundamento teóricoque conduziu à própria crise é como tomar o próprio corpo paraser içado de um buraco no qual caiu, valendo-se para tanto dasforças das próprias mãos do caído ao puxarem seus cabelos.Tanto o corpo não se iça sem alavancas externas quanto opróprio Estado e a política não se estruturam nem se explicampor meio de suas autodeclaradas definições ou de seus padrõesfuncionais e sistêmicos médios. Para a compreensão do Estado eda política, é necessário o entendimento de sua posiçãorelacional, estrutural, histórica, dinâmica e contraditória dentroda totalidade da reprodução social.

Em todo o século XX, teorias buscaram avançar numacompreensão do Estado e da política a partir de horizontesmaiores que a sua própria empiria quantitativa ou que suaanalítica institucional e jurídica. Nas pontas do século, tomem-seos pensamentos de Max Weber e Michel Foucault comoexemplos. Weber, no início do século XX, deslindateoricamente uma associação entre o fenômeno do Estado e aemergência dos padrões sociais capitalistas. Trata-se de umasociologia crítica da sociedade, mas limitada a explicaçõesparciais, sem alcançar a fundo a crítica das próprias estruturas docapitalismo. No final do século XX, Foucault abre espaço para acompreensão de fenômenos sociais até então pouco avaliadospela teoria política, como a constituição social da subjetividade,as práticas microfísicas ou a circulação do poder em rede,obrigando a espargir a compreensão do Estado e da política aoutros tipos e formas de concretudes sociais que os tecem. Mastambém Foucault, por meio de suas ferramentas teóricas, dadosseus limites, está impedido de alcançar a dinâmica total dapolítica contemporânea, cobrindo, brilhantemente é verdade,apenas um pedaço de sua geografia total.

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O marxismo se revela como a mais alta contribuição para acompreensão do Estado e da política nas sociedadescontemporâneas. Na obra de Marx já se expõe a mudançaradical no modo de entender as categorias políticas e os

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radical no modo de entender as categorias políticas e osfenômenos sociais como o Estado. E, em Marx e em muitosmarxistas, para além de uma simples constatação da estrutura edo funcionamento da sociedade, a contribuição é teórica eprática. É no combate à exploração capitalista que sãopercebidas, concretamente, as dinâmicas e contradições extremasda estrutura política de nossos tempos. O marxismo não sóentende a política por horizontes distintos daqueles tradicionaiscomo, na verdade, reconfigura totalmente o âmbito do político edo estatal, atrelando-o à dinâmica da totalidade da reproduçãosocial capitalista.

A compreensão marxista sobre o Estado e a política podese delinear espraiada por alguns períodos. Confirmando-se nessesentido a divisão inferida por Ingo Elbe, revelam-se três grandesfases teóricas do marxismo sobre o campo da política: aprimeira, o marxismo tradicional, que vai do século XIX até ostempos da Revolução Soviética; a segunda, largamenteidentificada com o chamado marxismo ocidental, que passapelos meados do século XX; e, finalmente, a terceira, de umanova leitura do marxismo, que procura extrair dos fundamentosda sociabilidade capitalista a própria natureza estrutural doEstado e da política.

Essas diferentes fases dos pensamentos marxistas sobre ocampo político também compreendem distintas apreensões arespeito da própria obra de Marx. Assim, o marxismo tradicionalse vale daquelas referências mais diretamente políticas escritaspor Marx ou, ainda, da obra política de Engels, como o Anti-Dühring e A origem da família, da propriedade privada e doEstado. O chamado marxismo ocidental, desde Lukács, aponta auma preferência pelos textos do jovem Marx. Por sua vez, anova leitura marxista se baseará então no Marx da maturidade,apropriando-se d’O capital como arcabouço para a construçãode uma teoria política crítica do capitalismo.

A primeira tradição do pensamento marxista quanto aoEstado e à política despontou, no final do século XIX, comEngels. É sua leitura que se torna canônica, consolidando-secomo orientação das práticas revolucionárias. Vem dessa leituraa tendência a considerar genericamente o Estado como aparatodo domínio da burguesia, devendo então ser tomado pelostrabalhadores. De algum modo, Lenin é um tributário e um novo

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trabalhadores. De algum modo, Lenin é um tributário e um novopropositor dessa mesma corrente. De outro lado, por boa partedo século XX, é Gramsci que, dentre outros, despontará comuma refinada compreensão da política, englobando a totalidadeda vida social, revelando o entrelaçamento entre Estado esociedade civil. De algum modo dialogando com Gramsci oucom seu horizonte, os autores do marxismo ocidental estãoligados necessariamente às tarefas, urgências e debates em tornodas revoluções socialistas e, sobretudo, das circunstâncias dasreformas do próprio capitalismo, dada sua persistência em novospatamares.

A teoria política marxista terá outro salto, no que tange àcompreensão do Estado, no último terço do século XX. Dentreos predecessores dessa nova leitura, rigorosa a respeito dapolítica no capitalismo, destaca-se Pachukanis. Entre fins dadécada de 1960 e especialmente na década de 1970, já no seiodas contradições extremas do capitalismo desenvolvido de bem-estar social e já entrevista a crise da experiência soviética, omarxismo avança para compreender o Estado a partir daspróprias categorias que estruturam a sociedade capitalista. Umprimeiro impulso nesse sentido adveio do entorno dopensamento de Althusser, sobretudo pelas teorias de Poulantzas,jurista de formação, que buscou aplicar ferramentas e categoriasmarxistas a conceitos tradicionais de Estado e de política. Oresultado do pensamento de Poulantzas é uma inovadoramaneira de enxergar os próprios conceitos que costumeiramentebalizam a identificação do que seja o Estado e a política.

Mas, para além de Poulantzas, as últimas décadas do séculoXX conheceram a mais complexa e profunda reflexão sobre oEstado no debate marxista. A partir de um movimento depensadores alemães, ingleses e franceses – que, emborapossuíssem divergências internas, apresentavam muitos pontosde convergência –, foram constituídas correntes de pensamentopolítico sobre o Estado denominadas teorias do derivacionismo.Nesse ponto alto das reflexões políticas críticas do final doséculo XX, não se trata apenas de proceder a um mergulho decategorias políticas tradicionais em águas marxistas. Mais queisso, trata-se de fazer emergir, das próprias categorias daeconomia política e da própria forma do capital e das relações deprodução capitalistas, o entendimento das estruturas políticas que

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produção capitalistas, o entendimento das estruturas políticas quelhe são próprias. Dentre outros teóricos derivacionistas, JoachimHirsch é o mais importante pensador a propugnar, a partir deMarx – com as ferramentas da economia política, para além dasmeras instituições e seu funcionamento –, a compreensão daprópria forma política como derivação da forma-mercadoria quese instaura no capitalismo.

O marxismo, captando, a partir da totalidade, a vinculaçãonecessária da forma política às formas econômicas docapitalismo, intermediada pela luta de classes, não trabalha,como as teorias políticas tradicionais, limitado a últimosresquícios de definições juspositivistas ou com os padrões deidentificação meramente empíricos, quantitativos, funcionais ouautorreferenciais sobre o Estado. Abandonando toda metafísica etoda definição parcial, legitimadora e idealista do fenômenopolítico, o marxismo procede a uma mirada no todo das relaçõessociais capitalistas, realizando a derivação necessária dascategorias políticas das categorias econômicas, alcançando seusencaixes estruturais e também a dinâmica política contraditória,conflituosa e eivada de crise de sua formação. Retomando asmais avançadas perspectivas da economia política de Marx, n’Ocapital, passando também pelos horizontes teóricos propostospor Pachukanis em sua compreensão do direito, os pensadoresdo derivacionismo reposicionam a compreensão teórica dapolítica e do Estado nos tempos presentes. A interface de talpensamento é rica: no plano econômico, por exemplo, oderivacionismo dialoga profundamente com algumas teorias deuma escola conhecida como regulacionismo.

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O avanço na compreensão do Estado e da política, naatualidade, se faz, necessariamente, superando todas asmistificações teóricas que ainda se limitam apenas a definiçõesjurídicas ou metafísicas como a de que o Estado é o bem comumou legítimo. Mas também não são suficientes as teorias políticasparcialmente críticas, como as de Weber ou de Foucault, quenão alcançam o Estado nas estruturas da totalidade socialcapitalista. Tampouco são suficientes as teorias que separam oEstado e a política do todo, procedendo a uma profunda analíticainterna que não consegue vislumbrar suas causas exteriores.

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interna que não consegue vislumbrar suas causas exteriores.Nesse sentido, os fundamentos políticos liberais, asquantificações empíricas da ciência política e mesmo as teoriaspolíticas analíticas, sistêmicas e funcionalistas, se se apegam aoestudo de concretudes políticas e seus padrões, não o fazem parabuscar a fundo suas raízes históricas, estruturas e antagonismos.Tampouco leituras políticas neoinstitucionalistas dão conta deentender a dinâmica total da reprodução social e de suascontradições, na medida de um fechamento analítico que tornaseu objeto de estudo asséptico e irreal.

A posição teórica e prática avançada quanto ao Estado e àpolítica é inexoravelmente crítica da realidade presente e de suasteorias de apoio. Tal choque há de se dar na medida em que sefará pelo contrafluxo. A partir das últimas décadas do séculoXX, o triunfo do neoliberalismo e a baixa das lutas sociaisrepresentaram o abandono da vasta gama de teorias políticasmais críticas, mergulhadas no todo das contradições sociais, emtroca de explicações da política pela própria política. Em vez dese compreender a cidadania como meio da exploraçãocapitalista, passou-se a louvar o padrão de garantia absoluta doscapitais somado à democracia eleitoral como panaceia políticasalvadora da dignidade humana de nossos tempos. A troca dascategorias de compreensão do capital – totalidade estruturada –pelas categorias somente políticas foi o grande retrocessocontemporâneo da teoria do Estado e da ciência política, queinclusive não permite fazer frente às necessidades e demandas dacrise do capitalismo atual.

A compreensão do Estado só pode se fundar na crítica daeconomia política capitalista, lastreada necessariamente natotalidade social. Não na ideologia do bem comum ou da ordemnem do louvor ao dado, mas no seio das explorações, dasdominações e das crises da reprodução do capital é que sevislumbra a verdade da política.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Anderson (2004a); Caldas (2013); Carnoy (1990); Codato e Perissinoto (2011); Elbe(2010); Engels (s/d); Engels (1990); Hirsch (2010); Holloway e Picciotto(1979); Lenin (1988); Marx (2011); Marx (2013); Mascaro (2012); Naves(2008); Pachukanis (1988); Poulantzas (1971); Poulantzas (1977); ThwaitesRey (2007).

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1. Estado e forma política

1.1. Reprodução capitalista e Estado

O Estado, tal qual se apresenta na atualidade, não foi umaforma de organização política vista em sociedades anteriores dahistória. Sua manifestação é especificamente moderna,capitalista. Em modos de produção anteriores ao capitalismo,não há uma separação estrutural entre aqueles que dominameconomicamente e aqueles que dominam politicamente: demodo geral, são as mesmas classes, grupos e indivíduos – ossenhores de escravos ou os senhores feudais – que controlamtanto os setores econômicos quanto os políticos de suassociedades. Se alguém chamar por Estado o domínio antigo,estará tratando do mando político direto das classes econômicasexploradoras. No capitalismo, no entanto, abre-se a separaçãoentre o domínio econômico e o domínio político. O burguês nãoé necessariamente o agente estatal. As figuras aparecem, aprincípio, como distintas. Na condensação do domínio políticoem uma figura distinta da do burguês, no capitalismo, identifica-se especificamente os contornos do fenômeno estatal.

Nos modos de produção pré-capitalistas, o amálgama queagrupa os poderes sociais é bastante sólido, praticamenteautomático. Há um único vetor das vontades, com poucascontradições no seio dos blocos de domínio. O controle da vidasocial é direto e mais simplificado, na medida da unidade entre oeconômico e o político. No capitalismo, tal relação se tornacomplexa. A dinâmica da reprodução social se pulveriza, e, apartir daí, em muitas ocasiões as vontades do domínioeconômico e do domínio político parecem não coincidir emquestões específicas. Mas isso não se trata de um capricho; odesdobrar do político como uma instância específica em face doeconômico não é um acaso. Somente com o apartamento de uma

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econômico não é um acaso. Somente com o apartamento de umainstância estatal é possível a reprodução capitalista. Esta dácausa àquela.

Investigar a razão específica desse desdobramento nassociedades capitalistas é o passo necessário para a compreensãoda política contemporânea. Para tanto apontou Pachukanis, nasua célebre indagação:

por que é que o domínio da classe não se mantém naquilo que é, a saber, asubordinação de uma parte da população a outra? Por que é que ele reveste aforma de um domínio estatal oficial ou, o que significa o mesmo, por que é queo aparelho de coação estatal não se impõe como aparelho privado da classedominante, por que é que ele se separa desta última e reveste a forma de um

aparelho de poder público impessoal, deslocado da sociedade?1

Ao contrário de outras formas de domínio político, oEstado é um fenômeno especificamente capitalista. Sobre asrazões dessa especificidade, que separa política de economia,não se pode buscar suas respostas, a princípio, na política, massim no capitalismo. Nas relações de produção capitalistas se dáuma organização social que em termos históricos é muitoinsigne, separando os produtores diretos dos meios de produção,estabelecendo uma rede necessária de trabalho assalariado. Atroca de mercadorias é a chave para desvendar essaespecificidade. No capitalismo, a apreensão do produto da forçade trabalho e dos bens não é mais feita a partir de uma possebruta ou da violência física. Há uma intermediação universal dasmercadorias, garantida não por cada burguês, mas por umainstância apartada de todos eles. O Estado, assim, se revelacomo um aparato necessário à reprodução capitalista,assegurando a troca das mercadorias e a própria exploração daforça de trabalho sob forma assalariada. As instituições jurídicasque se consolidam por meio do aparato estatal – o sujeito dedireito e a garantia do contrato e da autonomia da vontade, porexemplo – possibilitam a existência de mecanismos apartadosdos próprios exploradores e explorados.

Devido à circulação mercantil e à posterior estruturação detoda a sociedade sobre parâmetros de troca, exsurge o Estadocomo terceiro em relação à dinâmica entre capital e trabalho.Este terceiro não é um adendo nem um complemento, mas partenecessária da própria reprodução capitalista. Sem ele, o domíniodo capital sobre o trabalho assalariado seria domínio direto –

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do capital sobre o trabalho assalariado seria domínio direto –portanto, escravidão ou servidão. A reprodução da exploraçãoassalariada e mercantil fortalece necessariamente uma instituiçãopolítica apartada dos indivíduos. Daí a dificuldade em seaperceber, à primeira vista, a conexão entre capitalismo eEstado, na medida em que, sendo um aparato terceiro em relaçãoà exploração, o Estado não é nenhum burguês em específiconem está em sua função imediata. A sua separação em face detodas as classes e indivíduos constitui a chave da possibilidadeda própria reprodução do capital: o aparato estatal é a garantia damercadoria, da propriedade privada e dos vínculos jurídicos deexploração que jungem o capital e o trabalho.

Nesse sentido, deve-se entender o Estado não como umaparato neutro à disposição da burguesia, para que, nele, elaexerça o poder. É preciso compreender na dinâmica das própriasrelações capitalistas a razão de ser estrutural do Estado. Somenteé possível a pulverização de sujeitos de direito com um aparatopolítico, que lhes seja imediatamente estranho, garantindo esustentando sua dinâmica. Por isso, o Estado não é um poderneutro e a princípio indiferente que foi acoplado por acaso àexploração empreendida pelos burgueses. O Estado é umderivado necessário da própria reprodução capitalista; essasrelações ensejam sua constituição ou sua formação. Sendoestranho a cada burguês e a cada trabalhador explorado,individualmente tomados, é, ao mesmo tempo, elementonecessário de sua constituição e da reprodução de suas relaçõessociais.

O caráter terceiro do Estado em face da própria dinâmicada relação entre capital e trabalho revela a sua natureza tambémafirmativa. Não é apenas um aparato de repressão, mas sim deconstituição social. A existência de um nível político apartadodos agentes econômicos individuais dá a possibilidade de influirna constituição de subjetividades e lhes atribuir garantiasjurídicas e políticas que corroboram para a própria reproduçãoda circulação mercantil e produtiva. E, ao contribuir para tornarexplorador e explorado sujeitos de direito, sob um único regimepolítico e um território unificado normativamente, o Estadoconstitui, ainda afirmativamente, o espaço de uma comunidade,no qual se dá o amálgama de capitalistas e trabalhadores sob osigno de uma pátria ou nação. A característica tipicamente

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signo de uma pátria ou nação. A característica tipicamenteatribuída aos Estados, de repressão, como instrumento negativo,realizando a obstacularização das condutas, é definidora mas nãoexclusiva do aparato político moderno. A repressão, que é ummomento decisivo da natureza estatal, deve ser compreendidaem articulação com o espaço de afirmação que o Estadoengendra no bojo da própria dinâmica de reprodução docapitalismo.

Estabelecendo-se como um continuum estrutural erelacional das ações capitalistas de troca mercantil e deexploração produtiva, a forma política estatal não é um elementoinsólito, neutro ou meramente técnico no sentido de indiferençaem face do todo social. O Estado é, na verdade, um momento decondensação de relações sociais específicas, a partir das própriasformas dessa sociabilidade. O seu aparato institucionalizado éum determinado instante e espaço dessa condensação, ainda quese possa considerá-lo o fulcro de sua identificação. Mas esseaparato só se implanta e funciona em uma relação necessáriacom as estruturas de valorização do capital. Nessa rede derelações na qual se condensa o Estado, é no capital que reside achave de sua existência. Por isso, não é partindo dascaracterísticas do aparato estatal em si mesmo que se descobriráa sua eventual utilização ou não pela burguesia. Pelo contrário, épela estrutura da reprodução do capital que se entende o locusdesse aparato político específico e relativamente alheado dasclasses que se chama hodiernamente Estado.

Se há uma relação direta entre capitalismo e Estado, não é oEstado, como um aparato de poder aparentemente soberano, quedá origem à dinâmica do capitalismo, mas sim o contrário. Nemse pode compreender o Estado como o centro criador do modode produção capitalista, tampouco se pode tê-lo, a posteriori,como dirigente maior ou único da vontade de manutenção dospadrões de reprodução capitalista. Não há tal centro único, nosentido de que se possa identificá-lo exclusivamente. Dada aprimazia das relações de produção, o Estado nesse contextocorrobora por alimentar a dinâmica de valorização do valor,como também, a seu modo, as interações sociais dos capitalistase dos trabalhadores, tudo isso num processo contraditório. Asclasses burguesas, cujas frações são variadas, podem até mesmocontrastar em interesses imediatos. As lutas dos trabalhadores,

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contrastar em interesses imediatos. As lutas dos trabalhadores,engolfadas pela lógica da mercadoria, ao pleitearem aumentossalariais, chancelam a própria reprodução contínua docapitalismo. O Estado, majorando impostos ou mesmo aoconceder aumento de direitos sociais, mantém a lógica do valor.Se os dirigentes do Estado têm ou não tal ação como políticadeliberada de sustentação de um sistema, não é isso, no entanto,que mantém exclusivamente o capitalismo em funcionamento. Éum processo global e estruturado que alimenta sua própriareprodução. Claro está que, dentro dessa dinâmica, o papel dapolítica, das classes burguesas e das classes trabalhadoras ébastante relevante, na medida das possibilidades de legitimação,consolidação, resistência ou confronto em face da própriareprodução do capital. Por isso, a compreensão da luta de classesé também fundamental para dar conta das diversas relaçõeshavidas no seio das sociedades capitalistas. A luta de classesrevela a situação específica da política e da economia dentro daestrutura do capitalismo. Mas, para além da luta de classes, asformas sociais do capitalismo, lastreadas no valor e namercadoria, revelam a natureza da forma política estatal. Naforma reside o núcleo da existência do Estado no capitalismo.

1.2. As formas sociais

Com o desenvolvimento das relações capitalistas, é possívelcompreender um vínculo necessário entre o processo do valor detroca e determinadas formas que lhe são necessariamentecorrelatas, tanto no nível social quanto no político e no jurídico.As interações entre os indivíduos não mais se estabelecem pormeio de junções imediatas aleatórias ou mandos diretosocasionais ou desconexos, mas por intermédio de formas sociaisque possibilitam a própria estipulação e inteligibilidade dasrelações e que permitem a reiteração dos vínculos assumidos. Areprodução social não se constitui apenas de atos isolados oumeramente dependentes da vontade ou da consciência dosindivíduos. Para utilizar uma expressão de Marx, pelas costasdos indivíduos passa uma série de constructos sociais. Aapropriação do capital, a venda da força de trabalho, o dinheiro,a mercadoria, o valor são formas constituídas pelas interações

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a mercadoria, o valor são formas constituídas pelas interaçõessociais dos indivíduos, mas são maiores que seus atos isoladosou sua vontade ou consciência. Formas sociais são modosrelacionais constituintes das interações sociais, objetificando-as.Trata-se de um processo de mútua imbricação: as formas sociaisadvêm das relações sociais, mas acabam por ser suas balizasnecessárias.

A reprodução do capitalismo se estrutura por meio deformas sociais necessárias e específicas, que constituem o núcleode sua própria sociabilidade. As sociedades de acumulação docapital, com antagonismo entre capital e trabalho, giram emtorno de formas sociais como valor, mercadoria e subjetividadejurídica. Tudo e todos valem num processo de trocas, tornando-se, pois, mercadorias e, para tanto, jungindo-se por meio devínculos contratuais. Dessa maneira, o contrato se impõe comoliame entre os que trocam mercadorias – e, dentre elas, a forçade trabalho. Mas, para que o vínculo seja contratual, e nãosimplesmente de imposição de força bruta nem de mandounilateral, é também preciso que formas específicas nos campospolítico e jurídico o constituam. Para que possam contratar, osindivíduos são tomados, juridicamente, como sujeitos de direito.Ao mesmo tempo, uma esfera política a princípio estranha aospróprios sujeitos, com efetividade e aparatos concretos, assegurao reconhecimento da qualidade jurídica desses sujeitos e garanteo cumprimento dos vínculos, do capital e dos direitos subjetivos.No processo de reprodução social capitalista, com as trocaslevantam-se então também uma forma jurídica e uma formapolítica estatal, específicas historicamente e suas correspondentesnecessárias.

Para descobrir-se o fulcro das estruturas do capitalismo, oentendimento de suas formas sociais é fundamental. Se seassemelhar forma à fôrma que pode ser preenchida porconteúdos variados, a transposição de tal perspectiva ao planosocial dirá respeito aos moldes que constituem e configuramsujeitos, atos e suas relações. As interações entre indivíduos,grupos e classes não se fazem de modo ocasional oudesqualificado. Por exemplo, a forma-família estatui posições,papéis, poderes, hierarquias e expectativas. Entre pais e filhos emarido e mulher operam mecanismos formais que constituemuma base estrutural e inconsciente de suas posteriores relações

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uma base estrutural e inconsciente de suas posteriores relaçõesvoluntárias ou conscientes. Também como exemplo, a forma-trabalho, no capitalismo, já parte da pressuposição de que a forçade trabalho pode ser trocada por dinheiro, mediante o artifício doacordo de vontades que submete o trabalhador ao capitalista. Asubjetividade portadora de vontade, portanto, é uma formanecessária pressuposta de tal interação. A forma social permite,enseja e a si junge as relações sociais.

O processo de constituição das formas, no entanto, énecessariamente social, histórico e relacional. É por meio deinterações sociais que elas mesmas se formalizam. São as trocasconcretas que ensejam a sua consolidação em formas sociaiscorrespondentes. Com isso, quer-se dizer que as formas sociaisnão são preexistentes a quaisquer relações, como se fossemcategorias do pensamento. Os mecanismos sociais que operamàs costas da consciência dos indivíduos são também resultantesde relações concretas dos próprios indivíduos, grupos e classes.As formas são imanentes às relações sociais. E às diferentesinterações sociais correspondem também formas sociaisespecíficas, mutáveis historicamente. No capitalismo, é ageneralização das trocas que constitui uma forma econômicacorrespondente, a forma-mercadoria. Tal forma, posteriormente,configura a totalidade das relações sociais – o dinheiro, amensuração do trabalho, a propriedade e o mais-valor, o sujeitode direito e a própria política. Se a forma-mercadoria éconstituinte da realidade capitalista, ela é constituída pelasinterações sociais que estão na base dessa mesma realidade.

Assim, a forma não é uma ferramenta que constitui omundo a partir de uma operação mental. Não advém de causasexternas à sociabilidade. Pelo contrário, é da materialidade dessamesma sociabilidade que se consolida. A forma não é um apriori da razão. É verdade que ela chega ao pensamento,generalizando um tipo de raciocínio e valoração de indivíduos,grupos e classes. Numa sociedade capitalista, a identidade detudo com tudo é mercantil, e poder-se-ia dizer então, no limite,que a própria noção lógica e mental de identidade remonta aalguma espécie de intercâmbio de objetos e pessoas comomercadorias. A própria operação de reciprocidade de objetosdistintos se faz ou se completa, como pensamento, a partir daconstituição de relações sociais como a do dinheiro.

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constituição de relações sociais como a do dinheiro.Como exponenciação de interações materiais concretas, a

noção de forma social sempre advém de relações específicashistoricamente. A forma não é um constructo eterno ouatemporal. Pelo contrário, representa uma objetivação dedeterminadas operações, mensurações, talhes e valores dentrodas estruturas históricas do todo social. Portanto, em sociedadescapitalistas, pela forma-valor referenciam-se os atos econômicose a constituição dos próprios sujeitos de direito, que assim o sãoporque, justamente, portam valor e o fazem circular. A formasocial não é uma fôrma inflexível e imutável, na medida em quese faz e é refeita numa rede de relações sociais.

As interações sociais capitalistas forjam formas que sãoespecíficas e necessárias às suas estruturas, distintas de todas asdemais até então havidas. A relação de troca entre sujeitos dedireito se estabelece como circuito pleno nas sociedadestotalmente regidas pela mercadoria. As coisas tornam-se, naplenitude dessa sociabilidade, bens passíveis de troca. Sesociedades do passado possuíam circuitos parciais de troca, quenão estruturavam o todo social, o capitalismo estabelece umavinculação necessária de todas as relações sociais à troca. Emespecial, o trabalho passa a ser assalariado, isto é, estruturado apartir de seu valor como mercadoria. Quando as relações deprodução assumem tal forma mercantil, então o circuito dastrocas erige-se como forma social específica e plena, a forma-valor.

Nas sociedades capitalistas, todas as coisas se tornam benspassíveis de troca. Nesse tipo de interação plena, tanto acirculação quanto a produção de mercadorias se instituem pormeio de formas sociais necessárias, como o valor e o dinheiro.No capitalismo, estabelece-se a separação dos produtores diretosem face dos meios de produção. A produção passa a serempreendida no regaço de uma esfera privada. Mas se osprodutores das mercadorias parecem a princípio agentesprivados e suficientes, cuja produção independe de terceiros, amercadoria, no entanto, assim só se constitui porque é trocada.De tal modo, também o trabalho que está na base da produçãodas mercadorias é conectado a um circuito de trocas. Taisintercâmbios de mercadorias estabelecem uma igualdade entrecoisas distintas. Trata-se da equivalência. Se os trabalhos que

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coisas distintas. Trata-se da equivalência. Se os trabalhos queproduzem as mercadorias distintas terminam por se equivaler natroca, eles se apresentam, então, como trabalho abstrato, que segeneraliza e impessoaliza por conta da sua condição demercadoria trocada por dinheiro. Assim, nesse circuitogeneralizado, não se especula sobre a qualidade intrínseca decada trabalhador, de cada trabalho ou de cada coisa produzidaou trocada. Em vez de valerem por si, valem na troca. Trabalhoe mercadoria se constituem sob o dístico de uma forma-valor.

Tal forma-valor só pode se dar nas sociedades capitalistas,porque somente nelas o trabalho se torna abstrato,generalizando-se como mercadoria. Todas as coisas que setrocam no mercado, variadas e distintas, só têm por ponto deigualdade genérica um dado: o valor, que assume a forma devalor de troca, e que permeia o trabalho abstrato. Dessageneralização e abstração do trabalho estabelecem-se osparâmetros da forma-valor. O valor não é uma qualidade queresulte intrínseca à mercadoria, porque somente se estabelece naequivalência de todas as mercadorias entre si, o que só é possívelcom a genérica valoração do trabalho. O valor só pode surgir emtermos de uma relação entre mercadorias, de tal sorte que suaforma se apresenta, então, sempre de modo relacional. Como astrocas são um circuito geral, as mercadorias trocam-se todas portodas, assumindo a forma de uma equivalência universal. Odinheiro se constitui, a partir daí, como elemento central de talequiparação. As mercadorias assumem forma de um valor detroca universal, referenciado em dinheiro. Nesse processo todo,do trabalho abstrato ao dinheiro, a mercadoria se talha na fôrmado valor, valor de troca.

Para que o dinheiro assuma a universalidade deequivalência nas generalizações, é preciso que se constitua umespaço de garantia de tal universalidade para além dosespecíficos produtores e possuidores de mercadorias. Tal espaço,maior que a unidade da mercadoria, a princípio externo aos seusagentes econômicos, mas justamente o garante necessário dessareprodução social, é o Estado. Somente quando as classeseconomicamente dominantes não tomam diretamente nas mãos opoder político é que se torna possível a própria sociabilidade docapital. A coerção física em mãos alheias à burguesia permite aprópria valorização do valor, nos termos capitalistas. Além disso,

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própria valorização do valor, nos termos capitalistas. Além disso,a conformação da apropriação do capital e da mercadoria e aasseguração dos vínculos nas trocas só se realizam mediante oinvestimento de juridicidade às subjetividades. Assim, as formasvalor, capital e mercadoria transbordam, necessariamente, emforma política estatal e forma jurídica.

No capitalismo, a relação entre as múltiplas formas sociais édinâmica, sustentada pelas interações sociais, demandando umagrande implicação recíproca. Na reprodução social, as formassociais se apoiam e se coadunam. No entanto, no bojo dessapluralidade, não há uma espécie de implicação lógica entre si naspróprias formas sociais. Por exemplo, a forma política estatal éfundamental à reprodução da sociabilidade do capitalismo, mas,ao se assentar como forma de um poder separado dos própriosagentes econômicos, ela pode até mesmo, eventualmente, serdisfuncional e contrária aos interesses da valorização do valor.Atravessado pelas pressões e pelos conflitos sociais de modoespecífico, o Estado pode se revelar um opositor dedeterminadas relações econômicas do capital. Entre a forma-valor e a forma política estatal não há uma decorrência dedesdobramento lógico necessário nem de total acoplamentofuncional. A separação entre o político e o econômico permite avalorização do valor, forjando suas formas, mas isso se dá numprocesso que contém, intrinsecamente, a contradição, justamentepor conta da própria separação e do apoderamento dividido.

Não há, pois, uma derivação funcional nem lógica entre asformas sociais, dado que elas se apresentam num arranjodinâmico das relações sociais. O capitalismo não tem um núcleode inteligibilidade funcional ou lógico que possa presumir umsujeito coletivo dirigente talhando a ereção das formas sociais.Tanto entre si as formas sociais não têm uma intersecção perfeitae estável quanto também não são elementos controláveis evisíveis aos olhos das classes, grupos e indivíduos. As formassociais se dão às costas dos indivíduos. A coerção que elasexercem nas relações sociais não se dá por conta de suaanunciação, de sua declaração ou de sua aceitação, mas simmediante mecanismos fetichizados que são basilares econfiguram as próprias interações. O valor, o capital, amercadoria, o poder político e a subjetividade jurídica seapresentam como mundo já dado aos indivíduos, grupos e

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apresentam como mundo já dado aos indivíduos, grupos eclasses, e suas formas não são dependentes da vontade ou datotal consciência dos indivíduos. As práticas materiais, pelocontrário, operam a partir delas por meio da inconsciência deseus agentes. É justamente por isso que as formas jungem umacoerção para além dos interesses imediatos e individuais. Elascorroboram diretamente para talhar as possibilidades deinteração social.

Guardadas as contradições necessariamente advindas domodo de sociabilidade capitalista – que é exploratório eantagônico entre classes –, as formas sociais consolidam,cristalizam e determinam práticas, deliberações e expectativas,permitindo o fluxo contínuo das relações sociais. Nesseprocesso, elas não são criações nem moldes que passem pelaaceitação dos indivíduos, mas operam no nível da constituiçãodas próprias individualidades. Embora plantadas num processoque é ao mesmo tempo de engate e de engaste, trazendo entre sie dentro de si a marca da contradição e do conflito, ainda assim,e justamente assim, as formas sociais capitalistas ensejam aestruturação da própria reprodução social.

1.3. A forma política

A forma-valor somente se estabelece plenamente quandoao mesmo tempo se apresenta, enreda-se, enlaça-se e se refleteem várias outras formas sociais correlatas. Nesse conjunto, aforma jurídica – que constitui os sujeitos de direito, afastando asvelhas relações sociais que jungiam uns aos outros pelo arbítrio,pela força ou pelo acaso – é uma de suas engrenagensnecessárias. Além dela, a forma política estatal é também suacorrelata inexorável, constituindo um tipo específico de aparatosocial terceiro e necessário em face da própria relação decirculação e de reprodução econômica capitalista. Tal formapolítica, terceira e específica, é um ponto nodal das relaçõessociais capitalistas. No passado, com a interferência da vontadedireta do dominante econômico na sorte política ou na suainteração com os trabalhadores ou demais contratantes, osvínculos estabelecidos na reprodução social eram do campo daservidão, da escravidão ou da mera ocasionalidade ouparcialidade do circuito de trocas. Os vínculos capitalistas, no

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parcialidade do circuito de trocas. Os vínculos capitalistas, noentanto, são assegurados por meio do surgimento e daconstância de um aparato político determinante e a princípioestranho aos contratantes. Mas não qualquer aparato. Não é odestacamento de capitalistas virtuosos, de líderes dostrabalhadores, de igrejas ou de sábios que constitui tal corpoestranho aos indivíduos em troca mercantil. O tipo específico deaparato da forma política é aquele que se instaura como Estado,numa unidade de poder alheia ao domínio econômico do capitale do trabalho, funcionando como garante político necessário noseio da reprodução econômica capitalista.

Claro está que não é apenas a existência de um aparatoterceiro que identifica a forma política do capitalismo – apenasna qualidade de terceiro à relação econômica, até a Igrejapoderia ser esse aparato. O corpo específico da forma políticacapitalista se revela na sua inexorável referência à forma-valor eà constituição da rede da mercadoria e de seus agentes, na suaimposição prática. Seu acoplamento necessário à reprodução docapital e seu uso como molde constituinte das relações sociaisrevelam a ereção de sua forma. Senhores do passado atépoderiam constituir corpos políticos delegados paradeterminadas empreitadas, instalando, assim, um aparato terceiroao próprio mandante. Mas sua imposição não permeia todas asrelações sociais do escravismo ou do feudalismo e, naquelas emque se afirma, assim o fará por exceção ou graça do própriopoder. Se esses corpos políticos delegados ou semidestacados dopoder imediato até podem eventualmente ser nomeados porEstado, a forma política estatal, então, não se confunde com umaparato que se possa chamar por tal. Não é o nome de Estadoque vem identificar o fenômeno estatal, tal como ele se apresentanas relações sociais capitalistas. Por si só, não são também osatos do Estado que o constituem como tal, tampouco o mero usode aparatos políticos de modo relativamente distanciado dosexploradores e explorados. A forma política estatal surgiráquando o tecido social, necessariamente, institua e sejainstituído, reproduza e seja reproduzido, compreenda-se e sejacompreendido, a partir dos termos da forma-mercadoria etambém da forma jurídica – sujeito de direito –, vinculando-seentão, inexoravelmente, ao plexo de relações sociais que seincumba de sua objetivação em termos políticos. É a reprodução

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incumba de sua objetivação em termos políticos. É a reproduçãode um conjunto específico de relações externas à própria formaestatal que lhe dá tal condição. Mais que o aparato terceirotomado em si mesmo, há no Estado uma forma política que éconstituída e constitui necessariamente o tecido das relaçõessociais de reprodução do capital.

Quando as trocas se generalizam e até mesmo o trabalhopassa a ser objeto de troca – trabalho assalariado –, osindivíduos, perante o mercado, apagam suas características declasse, de cultura e de condição econômica, reduzindo-se apeças formalmente iguais trocadas livremente – com odispositivo da autonomia da vontade, tornam-se sujeitos dedireito. A forma-valor, que permeia as relações de circulação eprodução, está até então derivada em forma jurídica. Mas aforma-valor só pode existir quando também se derivar em formapolítica estatal. No capitalismo, os aparatos que garantem ovínculo contratual e que jungem contratante e contratado sãodistintos formalmente de ambas as partes. O contrato exprime aforma-valor e o valor é referenciado em coisas, bens, dinheiro,propriedade privada. O aparato político, terceiro a todos ospossuidores e trabalhadores, garante, além dos vínculos de trocae alguns de seus termos, a própria apropriação formal do valorpelo sujeito, ou seja, a propriedade privada.

Assim, é o mesmo circuito das relações sociais de produçãoaquele que enseja a forma-valor, a forma jurídica e a formapolítica estatal. Historicamente, apresentam-se todos emconjunto, ainda que o processo de sua conformação não sejatotalmente linear. Mesmo que não necessariamente com igualplenitude de desenvolvimento institucional, as formas políticaestatal e jurídica advêm do cerne da vida social concreta que é aforma-mercadoria, resultado de interações reais de fundo.Contudo, embora haja uma profunda similitude das formas, istonão as faz fundantes das estruturas do capitalismo do mesmomodo. É porque há forma-mercadoria que há formas políticasestatais e formas jurídicas imediatamente correlatas, mas o motorda práxis se encontra no processo de interação social produtiva,que, no caso do capitalismo, desdobra-se também incontinentinos planos político e jurídico.

Apresentando-se sempre de modo conjunto, não se podeconsiderar que a forma-valor capitalista e a forma política estatal

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considerar que a forma-valor capitalista e a forma política estatalsejam historicamente parelhas apenas por uma coincidência. Éno mesmo processo de relação real de produção que ambas seinstauram, de modo conjunto e necessário. Por tal razão, tambémnão se pode considerar que o nível das relações econômicascapitalistas possa se assentar sozinho ou autônomo, sem se fazerapresentar acompanhado do momento político que lhe éconsequente. Na totalidade social, o primado do econômico nãose faz à custa do político, mas, pelo contrário, é realizado emconjunto, constituindo uma unidade na multiplicidade.Tampouco essa totalidade é de vetores causais aleatórios, comose o político gerasse o econômico ou vice-versa. Trata-se de umatotalidade estruturada. Mas, justamente porque totalidade, não sepode entender tal aparição da forma política moderna,conjuntamente ao estabelecimento dos circuitos plenos da trocamercantil e da produção capitalista, apenas como umreducionismo do político ao econômico. O político se apresentaanelado ao econômico, guardando, nesta específica união de tipocapitalista, justamente sua unidade. O emparelhamento estruturalde tais formas – econômica capitalista, política estatal e jurídica –é, além da demonstração de sua totalidade, também a afirmaçãoconjugada dos seus campos específicos e necessários deobjetivação de relações sociais. A imagem didática que se faz apartir da leitura de Marx – de que um nível jurídico e político selevanta a partir do nível econômico – nesse sentido é prejudicialao entendimento, se se tomar o político-jurídico como um acasoou acessório do econômico. Na verdade, o político e o jurídicose estabelecem no mesmo todo das relações de produção, aindaque num entrelaçamento dialético de primazia das últimas emface das primeiras no que tange ao processo de constituição dasociabilidade.

Pode-se reconhecer o núcleo da forma estatal num aparatode poder político separado dos indivíduos, grupos e classes. Defato, é nesse aparato que reside o imediato da identificação doEstado. No entanto, a forma política estatal só pode sercompreendida de modo relacional. Além da sua internalidade –as características e as configurações próprias de um poderpolítico impessoal e apartado do poder econômico da sociedade–, a forma política necessita, para sua identificação, de umaexternalidade: somente em relações sociais de tipo capitalista,

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externalidade: somente em relações sociais de tipo capitalista,permeadas pela forma-mercadoria e pelo antagonismo de classesentre o capital e o trabalho assalariado, tal aparato políticoadquire a forma social que o constitui.

A forma política estatal deve ser buscada no seu interior eem suas instituições próprias, para o reconhecimento de suamanifestação imediata, mas só pode ser identificadaestruturalmente mediante a sua posição no conjunto dareprodução das relações sociais capitalistas. É justamente talelemento externo a si que lhe dá identidade. Sociedades dopassado houve com algum grau de separação do poder políticodo poder econômico. No entanto, somente as relações sociaiscapitalistas constituem formas sociais como a forma-valor, aforma-mercadoria, a forma-sujeito de direito. É apenasentrelaçada estruturalmente nesse conjunto que a forma políticaestatal se revela. Seus atributos internos podem lhe dar adimensão de suas variantes, mas sua posição no contexto geraldas relações sociais dá-lhe causa, identidade e existência.

A forma política estatal se identifica numa consolidaçãorelacional. Suas instituições podem ser consideradas momentosou regiões dessa tessitura relacional. A especificidade do poderpolítico, no capitalismo, mais do que ser originada pelasinstituições políticas, passa por elas.

1.4. A derivação da forma política estatal

Há um processo de estreita ligação entre as formas daeconomia capitalista e a forma política estatal. O estabelecimentodessas formas é um processo de fluxo contínuo e necessário. Noentanto, a relação entre economia e política, na história docapitalismo, não pode ser entendida como uma derivação lógicadas suas instituições correspondentes. Tanto as relaçõesmercantis quanto as produtivas capitalistas surgem e seestabelecem historicamente num complexo emaranhado derelações sociais antagônicas, cujo desenvolvimento não écontínuo nem isento de contramarchas e contradições. O Estadoe suas instituições políticas, se em muitos momentos – e mesmoem situações decisivas – representaram, simetricamente, divisasfundamentais ao estabelecimento das relações econômicascapitalistas, em outros momentos foram seus freios ou mesmos

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capitalistas, em outros momentos foram seus freios ou mesmosseus opositores. A correspondência que se há de buscar entreeconomia capitalista e Estado não é a de um aparecimentorepentino de ambos no tempo histórico nem de umestabelecimento lógico-funcional que faria com que a existênciade um conjunto de relações sociais presidisse obviamente aconstituição de outro, pois o seu surgimento é um processolongo, harmônico em muitas ocasiões e conflituoso em muitasoutras. A correspondência existente, mais do que em eventoshistóricos ou sintonia entre suas instituições, é estrutural, entreforma econômica capitalista – valor, mercadoria – e formapolítica – terceiro necessário em relação aos agenteseconômicos. São relações sociais concretas, variadas edesprovidas de qualquer intenção funcional ou de imperiosidadelógica, que, historicamente, estabelecem formas sociais parelhasque dão ensejo às formações sociais do capitalismo.

Na constituição da forma econômica e da forma política – eno entrelaçamento de ambas –, permeia necessariamente a lutade classes. De tal sorte, não se dá no plano lógico a derivação dapolítica em face da economia no capitalismo. Tal derivação ématerial e estrutural, insculpida em dinâmicas sociaisprofundamente contraditórias porque assentadas em classes,grupos sociais e indivíduos em oposição e concorrência. Oestabelecimento econômico e político das formas capitalistas énecessariamente conflituoso, contraditório, desarmônico eeivado de crises porque fundado em explorações e domínios declasses e grupos. É a luta de classes que corporifica econstantemente tensiona e altera suas formas sociaiscorrespondentes. Portanto, só é possível compreender amaterialização da forma política por meio dos variáveis edistintos movimentos das lutas de classes.

A causa da derivação do político a partir do econômico ématerial, concreta, relacional. Trata-se de um encontro históricode relações, explorações, dominações, demandas, expectativas,instituições, poderes, costumes, valores e ideologias. Em talprocesso de encontro, não se pode presumir uma inteligênciageral do capitalismo presidindo seu fluxo e seu estabelecimento.A forma política estatal surge, historicamente, de uma miríade decontradições, conflitos, arranjos e lutas, na medida em que ocapitalismo é um modo de produção social de exploração,

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capitalismo é um modo de produção social de exploração,substituindo também a outras formações sociais e modos deprodução exploratórios, como o feudal. Tampouco oestabelecimento da forma política estatal pode ser presumidocomo a melhor ou mais funcional construção de instituições aocapitalismo. Justamente por conta desse processo de encontro, oEstado capitalista se assenta em uma geografia institucional e depoder debitada à multiplicidade de suas circunstâncias e basesconstituintes. É certo que, em tal dinâmica, o econômicodetermina, em última instância, o desenvolvimento social geral.Há um motor da constrição das formas que se dá pela dinâmicado capital. No entanto, tal sistematicidade que forja e acopla asformas sociais do capitalismo é construída num processo nãonecessariamente funcional ou lógico. A contradição perpassa ahistória da derivação da forma política estatal a partir das formasda sociabilidade econômica capitalista.

O surgimento das formas econômicas e políticas docapitalismo também não se fez por uma criação original ou poruma aparição repentina de suas estruturas e instituições. Suaconstituição, mesmo que instaurando aparatos novos eespecíficos, fundou-se em embriões históricos. Da mesmamaneira que o circuito universal de trocas do capitalismo, aotransformar plenamente as condições econômicas existentes, ofazia num solo que contava até mesmo com circuitos parciais detroca existentes tanto no feudalismo quanto no escravismo,também o estabelecimento da forma política estatal valeu-se deaparatos políticos já existentes ou embrionários. Corpos militarese de funcionários administrativos e fiscais do feudalismo emdissolução servem de base para o estabelecimento do aparatoestatal. Um velho saber dos juristas, estranho aos própriossenhores feudais e aos servos, também se apresentou comoelemento terceiro à relação entre burgueses e trabalhadoresassalariados, dando-lhe talhe. Ritos, procedimentos, simbologias,mistificações e louvores do poder estatal derivam daqueles jáassentados historicamente em relação a monarcas, líderesreligiosos e senhores feudais.

No entanto, as instituições políticas já existentes, que dãobase à forma política estatal, não engendram essa passagem porum processo de clivagem interna. Sua dinâmica não é umamudança devida exclusivamente a fatores endógenos às formas

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mudança devida exclusivamente a fatores endógenos às formaspolíticas. Também não se dá uma relação de mera continuidade,nem de mero aumento quantitativo, entre as bases políticasanteriores e as instituições políticas do capitalismo. Há umatransformação qualitativa em tais relações sociais. Se antes asdeterminações políticas são funções dependentes do arbítrio, davontade ou da mera tradição, no capitalismo, diferentemente,passam a ser forma separada e instituidora das demais relaçõessociais. Se o Estado e o direito, como diria Carl Schmitt,derivam da secularização da religião, isso não se dá de maneiradireta nem como simples troca de guarda do poder. A tessiturapolítica do capitalismo se dá com específicas relações, quepodem herdar a lembrança da mitologia, da nomenclatura daritualística, do posicionamento hierárquico e da simbologiareligiosa, mas lhe são distintas na produção do agir social real.Se as formas políticas do capitalismo surgem com oaproveitamento de embriões já dados, elas o fazem numprocesso de transformação e de especificidade de acoplamentossociais, e não simplesmente de majoração dessa base.

Quando se desejam encontrar, no passado pré-capitalista,aparatos ou instituições políticas cujas nomenclaturas em muitose assemelham às modernas, isso não quer dizer que a formapolítica estatal atravesse olimpicamente os modos de produçãosendo a mesma, mas sim que possui vestígios históricos que, aoseu tempo, mesmo que tenham indícios de similitude, nãopodem lograr constituir a mesma consolidação porestranhamento relacional às estruturas econômicas e sociaisespecíficas dessas formações sociais distintas. A forma políticaestatal somente existe e se afirma plenamente com o capitalismo,da mesma maneira que a forma-valor, embora encontre circuitosde trocas de mercadoria por todo o passado, só adquirirá seusfundamentos causais e seus contornos definitivos no modo deprodução capitalista.

1.5. Forma política e instituições políticas

A forma política capitalista, estatal, está intimamente ligadaà própria forma-valor, em cujo processo de reprodução tomaparte encadeando-se como um ente terceiro garante do seuestabelecimento e contínua consecução, apartado do interesse

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estabelecimento e contínua consecução, apartado do interesseimediato dos portadores de mercadoria em transação. Tal formapolítica necessária do capitalismo, espelho da forma mercantil,ao se constituir, materializa-se em organismos estatais e tambémem um vasto conjunto de instituições sociais, consolidando-seem aparatos que lhe são específicos e próprios. Em talconfiguração institucional, formam-se entes identificáveisconcretamente no tecido social, com relativa autonomia em facedesse mesmo todo.

A materialização da forma política se dá em instituiçõespolíticas. Por exemplo, ao se dizer que o Estado concentra omonopólio da violência, depreende-se, então, a existência deórgãos de forças armadas. A forma política estatal capitalista, emsua constituição social, apresenta-se numa rede de relações queinstaura e porta um aparato militar, que concentra a repressão. Anecessidade de se dar aos julgamentos uma maior previsibilidadeaparta o poder de julgar dos demais poderes estatais – asinstituições do próprio Estado, assim, se apresentam comopoderes múltiplos e divididos. O dinheiro, ao assumir um papelespecífico de troca universal nas sociedades capitalistas, dependede certas institucionalizações do Estado para sua garantia –exclusividade na emissão da moeda, conversibilidade, controleda inflação etc. A forma-dinheiro, portanto, está também atreladaa uma necessária forma política estatal. Além disso, essa mesmaforma-dinheiro ainda demanda que o Estado seja concretizadoem órgãos governamentais, como ministérios da fazenda, e emórgãos administrativos, como os bancos centrais.

Se a política, no capitalismo, se estabelece a partir de umaforma específica, estatal, como elemento necessário para acompletude da própria reprodução do capital, ela ao mesmotempo se materializa e se reveste de instituições políticasconcretas. No entanto, embora havendo entre si altacorrespondência, a forma política e as instituições políticas nãosão a mesma coisa. Como aponta Joachim Hirsch em seusestudos, a forma política não se confunde com as instituiçõesque a materializam. É verdade que muitas instituições própriasdo Estado capitalista não têm paralelo em outros momentos dahistória. Mas a forma política estatal não se caracteriza a partir detais instituições, tomadas em sua internalidade, mas sim em suaexternalidade, a partir de determinadas formas de relações

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externalidade, a partir de determinadas formas de relaçõessociais, cujas categorias são mais fundantes da totalidade social,como a forma-valor. O Estado não surge porque suasinstituições o impõem como tal, para então, depois, sercapturado em benefício do interesse do capitalismo. Omovimento é distinto. As relações mercantis e de produçãocapitalistas geram uma forma política necessariamente apartadados portadores de mercadoria, forma que seja terceira, “pública”,assegurando as condições de reprodução do valor. Tal formapolítica é que cria, aproveita, afasta, reforma, transforma oureconfigura instituições sociais, muitas já existentes e outrasnovas, aglutinando-as à forma necessária de reprodução da vidasocial que vai se instalando.

Não é porque determinado instituto político já tenhaexistido antes do capitalismo que ele seja o embrião causal doEstado. A forma estatal nasce da produção capitalista, daexploração do trabalho assalariado, da conversão de todas ascoisas e pessoas em mercadorias. Os institutos sociais e políticosdo capitalismo são criados ou transmudados num processo deconvergência à forma. É possível que se vejam vestígioshistóricos dos atuais corpos de magistrados e promotores dejustiça em antigos inquisidores da Igreja. É possível até mesmoque os ritos, as nomenclaturas, as vestimentas, os locais e aspráticas simbólicas dos administradores do Poder Judiciáriomoderno sejam transplantados de instituições de julgamentoreligiosas medievais. Mas a forma moderna de tais instituições seconstitui a partir de específicas modalidades de reproduçãosocial, que se valem dos ritos e das nomenclaturas paraobjetividades de prática social próprias e específicas. Não éporque os romanos chamaram a uma instituição política sua porSenado que a moderna instituição do Senado nos PoderesLegislativos seja, material, estrutural e funcionalmente, igual àdo passado. As instituições são reconfiguradas pelas formassociais, num entrelaçamento estrutural.

De tal sorte, se é verdade que a forma política estatalsempre se reveste de instituições que lhe são próprias eespecíficas, não é por tais instituições que se explica a forma,embora elas lhe clarifiquem a situação, a posição concreta e afunção em uma dada totalidade social. Mais do que a função dasinstituições ou sua operação interna e seus mecanismos apenas

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instituições ou sua operação interna e seus mecanismos apenasimediatos, é a forma política que explicará a posição material eestrutural das instituições.

Mesmo os institutos e atributos mais consagrados queidentificam a forma política estatal só podem tomar corpo e serentendidos a partir de tal complexo relacional da reproduçãocapitalista. Não são sua história interna ou suas característicaspróprias que lhe dão base. Por exemplo, a soberania, que éreconhecida tradicionalmente como um dos critériosprivilegiados de identidade dos Estados, pode ser apenas umprotocolo jurídico de reconhecimento de uma autonomia políticapor outros Estados, carecendo profundamente de fundamentoseconômicos ou militares que lhe assegurem a plenitude daatribuição. Não é por meio de tais atributos, isolados, que aforma política estatal se planta socialmente e se reconhece.

Não há, pois, nas categorias tradicionais que identificam oEstado e suas instituições, o que, apenas por si, possa revelar onúcleo da forma política estatal. Tal núcleo é relacional, sempreem face da externalidade constituinte da própria forma, que é areprodução social capitalista. É por conta das formas sociais docapitalismo que a forma política se erige, possibilitando, a partirdaí, a inteligibilidade de seus atributos internos e a congruênciade suas instituições.

No estabelecimento da forma política do capitalismo,estatal, sua dinâmica se faz permeada e revestida de instituições,mas esse processo não se dá como derivação lógica, e sim comoderivação factual. A relação entre forma política e instituiçõespolíticas é contraditória, conflituosa, instável e muitas vezes atémesmo oposta. Se as instituições políticas são uma consequêncianecessária na produção da forma estatal, não são erigidas etalhadas por um poder olímpico, a partir de uma pretensa medidaexata “ideal” de reprodução do capitalismo. Determinadasinstituições políticas podem surgir de modo contrário aoprocesso de valorização do valor ou mesmo de modo oposto aointeresse de algumas classes dominantes. Em se tratando deinstâncias de uma forma terceira às dinâmicas das classes, suarelação com estas pode ser harmônica ou, muitas vezes,conflituosa. As disputas políticas no seio das facções burguesassão exemplos de altercações políticas que podem ou não ser bemrecepcionadas ou readministradas pelas instituições estatais em

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recepcionadas ou readministradas pelas instituições estatais embenefício da própria reprodução do capital.

Se a relação entre forma política estatal e instituiçõespolíticas estatais não é lógica, mas factual, é porque ela éatravessada, necessariamente, pela luta de classes, grupos eindivíduos. Por isso se explicam instituições políticas distintasem Estados que são, de modo geral, capitalistas, mas que seencontram em dinâmicas próprias de interação social. Poder-se-áargumentar que a forma é a mesma no seio das sociedades davalorização do valor e dos portadores de mercadoria porque acadeia das relações sociais opera de modo contingente em seusfundamentos últimos, mas suas instituições concretas, que seapoiam e se inscrevem na forma, são peculiares porqueinexoravelmente erigidas a partir de interações sociais múltiplas.

Não há um conjunto institucional “padrão” para a formapolítica estatal. É um engano, por exemplo, associarestruturalmente capitalismo a Estado democrático de direito. Se aforma-mercadoria demanda uma forma política estatal, esta podese consolidar em instituições estatais democráticas, conforme umtipo específico de arranjo das classes no capitalismo. Mastambém pode haver graves crises na reprodução do capital,exigindo, contra a democracia, arranjos políticos ditatoriais oumesmo fascistas. Assim, os institutos políticos de democraciaeleitoral, que são um correlato possível da própria forma-valorcapitalista, podem se apresentar como instituições indesejadas adeterminadas posições ou situações das classes burguesas. Arelação entre forma política e instituição política é íntima, masnão imediata no sentido lógico-funcional. As instituições estataissão materializações de uma forma terceira na dinâmica dasrelações capitalistas. Se elas guardam uma relação profunda emediata com o capital, têm uma espécie de indeterminaçãoimediata em relação à própria reprodução do capital. De modogeral, no capitalismo, se há uma derivação estrutural da formapolítica, há uma derivação relativamente singular de suasinstituições.

É verdade que, no limite, será possível ainda dizer que aforma política estatal derivada da forma-mercadoria é variávelquanto às suas instituições apenas parcialmente, porque aausência de todas elas inviabilizaria a existência da própriaforma. Há Estados capitalistas sem Poder Legislativo ou Poder

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forma. Há Estados capitalistas sem Poder Legislativo ou PoderJudiciário autônomos – ditaduras – e até mesmo casos deEstados capitalistas que renunciaram às instituições do podermilitar ou da moeda nacional. As instituições políticas, dessamaneira, são variáveis na materialização da forma políticaestatal. Mas, certamente, não todas elas ao mesmo tempo,tampouco em todas as possíveis combinações de ausênciasparciais, na medida em que a sua falta total ou em determinadosarranjos é a ausência dos mecanismos pelos quais a própriaforma política se materializa.

Na materialização da forma política estatal, o próprioprocesso de constituição de suas instituições políticas não seapresenta como um único fluxo social de derivação contínua apartir de uma mesma lógica. Historicamente, houve instituiçõespolíticas típicas de um aparato de molde burguês queconviveram, por muito tempo, no seio de um Estado quemanteve algumas instituições de privilégio. As situaçõesvariáveis das lutas de classes determinaram as peculiaridades dasinstituições políticas. E, ao mesmo tempo, há contradiçõesinstitucionais dentro do próprio Estado. Erigidas econstantemente configuradas num aparato terceiro em face dasclasses e das demandas de reprodução do capital, as instituiçõespolíticas se relacionam de modos variados com tais níveiseconômicos e sociais. Há setores estruturalmente maisnevrálgicos à reprodução do capital, para os quais o espaço dapolítica sempre se consolidou de modo proeminente, pois maisjungido à continuidade da valorização do valor. Os órgãos daadministração pública de implantação da infraestrutura físicapara a produção e a locomoção da mercadoria no território –transportes, energia etc. – tiveram primazia histórica em face dosórgãos de bem-estar social aos trabalhadores e despossuídos. Nocampo jurídico, as instituições de direito civil apresentaram-se,historicamente, muito antes daquelas do direito do trabalho.Dentro do quadro de ministérios de um governo, os de fazenda,economia e planejamento são mais rigidamente controlados pelasatisfação aos mercados, se tomados em comparação comaqueles ministérios ligados ao bem-estar social.

A diferença interna nas dinâmicas, forças e pesos reais dasinstituições estatais se consolida historicamente e se deve tanto aespécies de eventuais capturas imediatas de espaços públicos na

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espécies de eventuais capturas imediatas de espaços públicos nacorrelação da luta de classes quanto à própria natureza da suaforja estrutural. Garantindo a reprodução das condições sociaiscapitalistas em última instância, o Poder Judiciário está imunejuridicamente a maiores injunções – quase sempre, age apenasquando provocado e julga argumentando de acordo com osquadrantes da legalidade. O respeito às decisões dos magistrados– mesmo quando em negação da vontade de um burguês emespecífico – é, no entanto, a manutenção da própria estrutura desubmissão dos indivíduos à conformação jurídica geral. Nessesentido, a sua ligação às condições amplas de reprodução dosistema social é mais estrutural que contingencial. As nomeaçõesde representantes de banqueiros para a presidência de bancoscentrais, por sua vez, ainda que reiteradamente realizadas,revelam um processo contingencial de constante captura deespaços juridicamente mais abertos – nos quais, então, a açãopolítica livre mais se desvela, porque mais exigida amiúde.

Se o Estado, como forma terceira necessária à dinâmica docapital, desdobra seus aparatos em múltiplos órgãos einstituições, condensando, pois, a forma política do capitalismo,ele também se materializa junto a outras relações sociais, que emgeral lhe são imediatas, acessórias ou relativamente autônomas –embora, no limite, possam lhe ser contraditórias e atéfrancamente opostas. Assim, é preciso entender a dinâmica dasinstituições estatais enredadas num amplo quadro de relaçõescom múltiplas instituições sociais. Entre instituições estatais einstituições sociais há vínculos necessários e variados, tãodistintos quanto as próprias dinâmicas sociais e tão conflituososquanto as próprias lutas de classes e a pluralidade dos grupossociais. Entre o Estado, o direito, a religião, a cultura, os meiosde comunicação de massa, as artes e as instituições ideológicas,de modo geral, há relações que vão tanto de um eventualdesconhecimento mútuo até a total implicação estrutural oufuncional.

Entre as instituições do Estado e do direito há uma relaçãosimbiótica, em nível estrutural. No capitalismo, a forma políticaestatal é imediatamente acompanhada da forma jurídica, a talponto que se dá, nesse caso, além da derivação de uma formasocial comum, a forma-valor, uma conformação – ou, do mesmomodo, uma consubstanciação ou uma derivação secundária

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modo, uma consubstanciação ou uma derivação secundáriarecíproca –, institucionalizando suas formas conjuntamente.Entre o Estado e os corpos ideológicos pode haver um arco devariadas relações. Há instituições ideológicas acessórias àpolítica, servindo-lhe como elemento subsidiário, alterando suaproximidade e sua importância conforme variantes históricassociais. Podem-se vislumbrar instituições ideológicasrelativamente mais autônomas em relação ao Estado, como asestéticas. Há, no entanto, instituições ideológicas muito próximasao Estado, como a educação pública e os meios de comunicaçãoem massa. Se a região principal de condensação da política, nocapitalismo, é o Estado, que lhe materializa o núcleo relacionalda forma, as instituições políticas espargem-se, no entanto, demodos variáveis, pelo todo social.

Então, na materialização da forma política estatal, há umapluralidade de instituições que lhe são imediatas e umapluralidade de instituições sociais que lhe são próximas oudistantes, no complexo de relações sociais capitalistas. Daí que,por instituições políticas, podem ser identificadas tanto aquelasinternas ao Estado quanto aquelas que lhe sejam correlatas,gravitando também no eixo político da reprodução social.

1.6. Estado e instituições políticas

A forma política estatal só se estabelece e pode sercompreendida num complexo relacional maior que os limites doEstado. É a sociabilidade de tipo capitalista que engendra umconjunto de formas sociais necessárias à sua reprodução,erigindo, então, uma forma política estatal como uma de suasengrenagens inexoráveis. O campo do Estado estáestruturalmente mergulhado na totalidade das relações sociaiscapitalistas. Suas instituições políticas, tendo uma dinâmicainterna, estão também atravessadas pelas estruturas sociais. Portoda a geografia do Estado e das instituições há, ao mesmotempo, uma configuração interna e uma natureza estrutural notodo das relações sociais capitalistas.

Se se toma o aparato estatal como um organismo, ele sópode ser compreendido num sistema geral de instituições que seatravessam e convivem numa relação dinâmica, na reproduçãosocial conflituosa do capitalismo. A partir desse todo, tomando-

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social conflituosa do capitalismo. A partir desse todo, tomando-se o Estado como um organismo, suas instituiçõestradicionalmente são compreendidas como seus órgãos própriose específicos. Os órgãos políticos estatais são, assim, as unidadesde constituição interna do próprio Estado. Na sociabilidadecapitalista, todos operam atravessados pela forma política.

As instituições políticas estatais comportam váriasespecificações materiais, estruturais e funcionais, além dedesdobrados critérios de classificação. No plano espacial, umapossível divisão interna do Estado se faz com a sua distribuiçãoem unidades, como as de Estados federados, províncias oumunicípios. Trata-se de uma divisão geográfica, articulada noEstado central como seu núcleo; suas unidades menores sãodependentes ou aglutinadas a um poder de hierarquia ouproeminência maior. Quanto ao plano das atribuiçõesfuncionalmente constituídas, compreende-se a secção dospoderes gerais do próprio Estado; na contemporaneidade, adivisão tripartite dos poderes do Estado é sua forma maistradicional, embora seja apenas uma de suas manifestaçõespossíveis. Se a tripartição é a forma de fracionamento do poderestatal reiterada, não é historicamente única. Tomando-se oEstado brasileiro como exemplo, já houve, para além datripartição dos poderes, um quarto poder, o Poder Moderador doImperador, no século XIX, e, para aquém da tripartição, ofechamento do Congresso Nacional na ditadura militar, noséculo XX.

Esmiuçando-se o mapeamento dos órgãos do Estado, elespodem ser desdobrados em governamentais e administrativos.Por órgãos de governo e por respectivas atividades políticas degoverno identificam-se as estruturas e a ações diretamenteinvestidas de poder, de grau decisório maior. Por órgãosadministrativos e por respectivas atividades políticas deadministração identificam-se as estruturas e as açõescontingentes, típicas da burocracia, com menores graus de poderdiscricionário e limitadas à legalidade.

O exercício do poder político, por meio dos governantes,como presidentes da república, ministros, governadores,prefeitos, legisladores de todos os níveis – e, em certa medida,mesmo os magistrados –, constitui o espaço dos órgãosgovernamentais. É a partir das funções jurídicas de poder, em

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governamentais. É a partir das funções jurídicas de poder, emgeral emanadas diretamente das Constituições, que se identificaem cada Estado, especificamente, o governo. Os órgãos degoverno, nos Estados das sociedades capitalistascontemporâneas, encontram-se quase sempre divididos a partirde poderes seccionados, como o Executivo, o Legislativo e oJudiciário. Já os órgãos administrativos são todos aqueles que sedesdobram como atividades de exercício da administraçãopública. Juridicamente, os órgãos administrativos sãoconsiderados hierarquicamente subordinados aos órgãos degoverno. A moderna técnica do direito assim procede com odireito público, por exemplo, diferenciando o direitoconstitucional do direito administrativo.

No que tange às nomenclaturas classificatórias, órgãos degoverno e administração podem ser chamados, sinonimamente,por instituições públicas ou estatais. Dentro destes, por exemplo,é tradição que a teoria geral do processo chame aos órgãos doPoder Judiciário, reunidos, por instituições judiciárias, tratando-se, nesse caso específico, de uma nomenclatura generalizantecom referência a órgãos internos de um dos poderes do Estado.Ainda no que se refere a possibilidades de classificação, osórgãos do Estado, por conta de um critério de naturezafuncional, são tradicionalmente divididos em militares e civis. Osprimeiros têm por proeminência sua natureza repressiva e ossegundos destacam-se por seu caráter organizador. Trata-se deuma divisão de atribuições falha se for tomada em absoluto, namedida em que tanto os órgãos civis quanto os militarespossuem, em variadas doses, funções constitutivas e repressivas.

As instituições estatais se desdobram em poderes e emórgãos de governo e administração, civis e militares, mas asinstituições políticas não se esgotam aí. Organismos e entidadesnão diretamente estatais, como partidos políticos, organizaçõesnão governamentais, grupos de pressão, associações, sindicatos,entidades de classe, ou mesmo determinados arcabouçosculturais, símbolos, ritos e práticas, estando intimamente ligadosà vida política, podem ser denominados por instituições políticas,ainda que não imediata ou formalmente estatais. Trata-se, emalguns casos, de um relativo apartamento – podendo seconsiderar tais instituições políticas mais como sociais quepropriamente como estatais – mas, em muitas ocasiões, tais

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propriamente como estatais – mas, em muitas ocasiões, taisinstituições encontram-se em estreita dependência estatal. Muitasvezes, o reconhecimento e a própria existência de taisinstituições dependem expressamente da sua formalizaçãojurídico-estatal.

Portanto, tratando de sua especificação, as instituiçõespolíticas podem ser estatais – órgãos do Estado, governo,administração – ou políticas em sentido amplo. Ainda em termosde identificação e nomenclatura, no campo político, asinstituições políticas costumam ser, ao invés de especificadas,agrupadas ou tomadas de modo genérico. Conceitos amplos,como os de aparatos, aparelhos e instância, sãofundamentalmente nomenclaturas de identificação poragrupamento ou generalização. No que tange à especificação, asinstituições sociais são materializadas e apreendidasconcretamente, na teia das próprias relações sociais em que seconstituem, e muito de sua nomenclatura advém deautonomeação ou de determinação jurídica estatal. No que tangeao agrupamento ou à generalização, a nomenclatura, por não serautorreferente nem advinda de classificações jurídicas ouestatais, ainda que tratando de práticas materiais concretas,costuma ser variável.

Por aparatos sociais podem ser considerados algunsagrupamentos de instituições do todo social que consigam serrelativamente identificados pelo seu tipo de condensações deestruturas, funções e práticas. Descrevendo específicosconjuntos de malhas nas redes do tecido social, os variadosaparatos sociais poderiam ser tomados, no nível conceitual,como suprainstituições materiais, apontando a um amálgama deestruturas. Os aparatos são os grandes espaços no todo socialque suportam os aparelhos. Por sua vez, aparelhos podem sertomados praticamente no sentido de núcleos materiais desociabilidade, condensando tipos de relação social específicos.Althusser emprega o termo aparelho ideológico, por exemplo.Mas, por se tratar de uma definição quase sempre haurida depráticas e não de classificações formais jurídicas ou estatais, aidentificação de aparelho se faz num processo variado ou dedivisão, de soma ou de indistinção de instituições sociais, no quediz respeito às suas funções ou práticas. Por serem referências deagrupamento ou generalização, aparatos e aparelhos são,

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agrupamento ou generalização, aparatos e aparelhos são,tradicionalmente, conceitos menos insignes e menosespecificados que o de instituição ou órgão político.

No que tange ao plano da teoria política, pode-se tomarcomo referência dos aparatos políticos as grandes estruturas e osgrandes espaços de materialização, criação e sustentação deaparelhos políticos, estes considerados como organismos sociaismais específicos. No capitalismo, o núcleo da política consolida-se no aparato do Estado. Esse aparato desdobra-se emespecíficos e variáveis aparelhos, que o constituem. Assim,tratando de nomenclatura ampla, pode-se falar que o Estado éum aparato social, que sustenta específicos aparelhos como o daburocracia judiciária.

Ainda no campo da nomenclatura, por instância pode-seconsiderar uma grande região do todo social. Sendo um conceitode amplitude ainda maior que os de aparato ou aparelho, nãoopera suas distinções pela estrutura ou pela função deinstituições reunidas, mas apenas pela comparação relativa aoutras manifestações fenomênicas do todo social. Trata-se,fundamentalmente, de uma ferramenta teórica para separação degeografias no seio da totalidade. Trata-se de um conceitocomparativo, por distinção. Nas postulações de Althusser ePoulantzas, por exemplo, a política há de se considerar umainstância quando tomada em relação aos níveis econômico eideológico, dentro da totalidade que compõem. Há, naidentificação da instância, uma diferenciação regional do todosocial, seccionando-o a partir de generalizações dos tipos depráticas materiais. Justamente pelo seu vasto grau declassificação, quase sempre soma regiões cujas formas sociais einstituições são distintas entre si. Nessa classificação, a instânciapolítica, se é eminentemente estatal, acaba de algum modotambém sendo a região na qual se localiza a forma jurídica,comportando ainda muitas outras ramificações sociais. Ainstância, sendo quase sempre um conceito preliminar e não deresultante final, não pode ser considerada como soma deinstituições, aparatos e aparelhos que guardem identidade, masapenas como conceituação de uma região seccionada do todosocial.

Os conceitos políticos que generalizam as instituiçõespolíticas têm mais dificuldade de operacionalização, justamente

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políticas têm mais dificuldade de operacionalização, justamenteporque agrupam entidades distintas. Os conceitos políticos queespecificam as instituições políticas, por sua vez, valem-se, emgeral, de nomenclaturas que são dadas pelo próprio direito e peloEstado, de modo normatizado juridicamente, o que permite aclassificação conforme a determinação normativa.

O fenômeno político, no capitalismo, não se limita aoEstado, mas nele se condensa. O Estado é o núcleo material daforma política capitalista. O governo é o núcleo poderoso edirigente do Estado e a administração pública é seu corpoburocrático. Governo e administração são os organismos dapolítica estatal. Nesse agrupamento, todas as instituiçõespolíticas costumam ser imediatamente consideradas fenômenosdevidos apenas à sua derivação do Estado, como se surgissemde um autodesdobramento ou de uma vontade criadora estatal.Se essa derivação das instituições políticas em face do Estado épossível num plano imediato, ela só pode ser entendida numacomplexa, variável e contraditória dinâmica das própriasinstituições e do Estado com reprodução econômica capitalista esuas formas sociais fundantes. A forma política, derivada dasformas econômicas do capitalismo, gera as balizas para asdinâmicas coesas ou contraditórias de sua derivação interna. Asinstituições políticas, no capitalismo, operam sua dinâmica sob acoerção da forma política e das formas sociais do capital.

1.7. Forma política e forma jurídica

Há um nexo íntimo entre forma política e forma jurídica,mas não porque ambas sejam iguais ou equivalentes, e simporque remanescem da mesma fonte. Além disso, apoiam-semutuamente, conformando-se. Pelo mesmo processo dederivação, a partir das formas sociais mercantis capitalistas,originam-se a forma jurídica e a forma política estatal. Ambasremontam a uma mesma e própria lógica de reproduçãoeconômica, capitalista. Ao mesmo tempo, são pilares estruturaisdesse todo social que atuam em mútua implicação. As formaspolítica e jurídica não são dois monumentos que agemseparadamente. Elas se implicam. Na especificidade de cadaqual, constituem, ao mesmo tempo, termos conjuntos.

O núcleo da forma jurídica reside no complexo que

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O núcleo da forma jurídica reside no complexo queenvolve o sujeito de direito, com seus correlatos do direitosubjetivo, do dever e da obrigação – atrelados, necessariamente,à vontade autônoma e à igualdade formal no contrato como seuscorolários. Por sua vez, o núcleo da forma política capitalistareside num poder separado dos agentes econômicos diretos, quese faz presente por meio da reprodução social a partir de umaparato específico, o Estado, que é o elemento necessário deconstituição e garantia da própria dinâmica da mercadoria e darelação entre capital e trabalho.

No entanto, embora direito e Estado se apoiemmutuamente, sua ligação é nuançada, o que choca ainterpretação comumente realizada a seu respeito. Pela tradiçãodo juspositivismo, que compreende o Estado e o direito comoângulos distintos de um mesmo fenômeno, o contorno dojurídico é constituído pelo político. É o Estado, por meio de suasoberania, que institui o direito, valendo-se de um instrumentopor excelência, a norma jurídica. Se o direito, para a ciênciajuspositivista, se reduz à norma jurídica, então o direito é oEstado.

Segundo a perspectiva juspositivista, o mesmo é postuladono que tange à via reversa. O Estado, fenômeno de poder,distingue-se dos demais poderes da sociedade porque se validaem competências que são hauridas de normas jurídicas. O poderdo Estado é o poder que as normas jurídicas lhe conferem. Aação estatal é necessariamente uma ação jurídica. Os atos doEstado são sempre atos jurídicos – do direito administrativo oudos demais ramos do próprio direito público. Como sedepreende, dentre outras, também da notória visão de HansKelsen, o juspositivismo considera por Estado o direito.

É verdade que a raiz comum tanto da forma política quantoda forma jurídica na forma-valor faz com que os fenômenos doEstado e do direito remontem à mesma lógica e se coadunem nasmesmas estruturas gerais da reprodução capitalista nas quais seacoplam. Mas tais formas sociais não se assemelham totalmentenem se equivalem como espelhos, porque guardamespecificidades. É por conta de tais talhes formais singulares quese há de falar da forma política e da forma jurídicaseparadamente, sem incorrer numa tentação de tratar de umagenérica forma político-jurídica estatal. Se eventualmente se

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genérica forma político-jurídica estatal. Se eventualmente setoma o político-jurídico como um complexo funcional, isto sópode ser empreendido em termos bastante didáticos, jungindoregiões próximas do todo social, mas nem por isso se poderáconsiderar, estrutural e causalmente, um complexo formaljurídico-político.

O núcleo da forma jurídica, o sujeito de direito, não advémdo Estado. Seu surgimento, historicamente, não está na suachancela pelo Estado. A dinâmica do surgimento do sujeito dedireito guarda vínculo, necessário e direto, com as relações deprodução capitalistas. A circulação mercantil e a produçãobaseada na exploração da força de trabalho jungida de modolivre e assalariado é que constituem, socialmente, o sujeitoportador de direito subjetivos. Como exemplo de esclarecimento,pode-se valer do caso das sociedades do continente americanoque se fundaram na moderna escravidão ao mesmo tempo quedesenvolviam relações de produção capitalistas, como o queocorreu no Brasil. Juridicamente, o escravo estava impedido deser sujeito de direito. Sua emancipação jurídica somente se deu,por completo, a partir de 1888. No entanto, os estudos históricosdemonstram que alguns escravos entesouravam dinheiro e bens,pondo-se, sorrateiramente à lei, na cadeia da reproduçãoeconômica capitalista. Não eram, pela declaração normativaestatal, sujeitos de direito. Constituíam-se, no entanto, como taisna dinâmica econômica em que se inscreviam.

O Estado posteriormente realizará a chancela formal dacondição de sujeito de direito, mas tal procedimento é umacoplamento derradeiro entre forma jurídica e forma política quemantém, no entanto, as suas especificidades. O circuitocapitalista plenamente instalado opera uma conjugação dojurídico e do político estatal apenas no plano técnico: suasformas derivam, cada qual, das próprias relações capitalistas,mas, no manejo técnico imediato, por direito será compreendidoo direito estatal, abominando-se e perseguindo-se os arranjos doscostumes ou os atos que afrontem as formas de reproduçãosocial impostas pelo Estado. Funcionalmente, as sociedadescapitalistas, quando das revoluções burguesas, manejam como sefossem um mesmo complexo o Estado e o direito. Mas esseprocesso, que é apenas de chegada e no nível técnico, nãoimpede de ver a longa maturação histórica de suas formações

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impede de ver a longa maturação histórica de suas formaçõesdistintas. O descompasso entre o Estado, suas normas, asatividades concretas das classes burguesas e das classestrabalhadoras é exemplar em sociedades ainda não plenamentedesenvolvidas no circuito capitalista de circulação mercantil eprodução lastreada no trabalho assalariado. Na escravidão dospaíses periféricos e no próprio Absolutismo na Europa, percebe-se um Estado já em consolidação, mas com funções políticasrelativamente alheias à forma jurídica nascente.

A forma política estatal se estabelece definitivamenteapenas quando a sociabilidade geral se torna jurídica. O Estadode direito assim o é, fundamentalmente, porque opera emconjunto com as relações sociais permeadas pelo direito. Noprocesso social da reprodução capitalista se instaura umasubjetividade que investe de juridicidade a relação entreburgueses e trabalhadores e, ao mesmo tempo, torna o Estadotambém permeado pela mesma juridicidade. Ainda que não umsujeito de direito como as pessoas físicas e as pessoas jurídicas,na sociabilidade capitalista o Estado adquire uma formaespecífica, que o faz ser constituído e relacionado, de modopróprio, como uma subjetividade jurídica. As categoriasfundantes do direito passam a operar no Estado.

Historicamente, se Estado e direito surgem como derivasnecessárias e específicas do mesmo fenômeno do circuito plenoda forma mercantil, serão as revoluções liberais burguesas queconstituirão o Estado e o direito como formas acopladastecnicamente uma à outra. O Estado conforma o direito numprocesso de específica aparição estrutural: a forma jurídica já seinstitui como dado social presente e bruto quando o Estado lhedá trato. Os agentes da produção já se apresentam na estruturasocial capitalista como sujeitos de direito, operando relaçõessociais concretas, quando os Estados os definem formalmentecomo tais e lhes dão seus contornos peculiares, como asatribuições da capacidade. São as normas estatais queconformam o sujeito de direito a poder realizar vínculoscontratuais livremente a partir de uma idade mínimaestabelecida, mas esse sujeito já se impunha na estrutura socialpor derivação direta da forma-mercadoria. A manifestação socialdo sujeito de direito advém estruturalmente da própria dinâmicada reprodução capitalista. A institucionalização normativa do

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da reprodução capitalista. A institucionalização normativa dosujeito de direito, os contornos da capacidade e as garantias aessa condição jurídica é que são estatais. A troca de mercadoriase o trabalho feito mercadoria são os dados que talham a forma-sujeito de direito. A normatividade estatal opera sobre essaforma já dada, conformando-a.

Não é errado encontrar um vínculo próximo entre formapolítica e forma jurídica, porque, de fato, no processo históricocontemporâneo, o direito é talhado por normas estatais e opróprio Estado é forjado por institutos jurídicos. Ocorre que ovínculo entre forma política e forma jurídica é de conformação,realizando entre si uma espécie de derivação de segundo grau, apartir de um fundo primeiro e necessário que é derivadodiretamente da forma-mercadoria. É o aparato estatal jánecessariamente existente e as formas jurídicas já anunciadassocialmente que se encontram para então estabelecer umcomplexo fenomênico político-jurídico.

Pode-se entender, então, que as formas política e jurídica,ambas singulares, são derivadas de formas sociais comuns eapenas posteriormente conformadas, reciprocamente. Em talprocesso de conformação, os limites nucleares das duas formassão necessariamente mantidos em sua especificidade, comoestruturas fundamentais da reprodução do capital. Aconformação opera na quantidade da política e do direito, nuncana qualidade de estatal ou jurídico. Como exemplo, o Estado,assumindo encargos e poderes políticos autônomos eautodeclarados soberanos, abre, constitui e cria novos camposdo fenômeno jurídico nas sociedades capitalistas. Assim, arelação de trabalho, de início estruturada em vínculos contratuaistotalmente autônomos e atomizados, passa a ser intermediadapor institutos normativos estatais como o do salário-mínimo. OEstado avança sobre o jurídico, tocando no núcleo da própriaforma-sujeito, limitando-a ou talhando-a em novos modos. Mastal poder do político no jurídico nunca vai a ponto de negar aprópria forma jurídica de sujeitos de direito livres e iguais para ovínculo de trabalho. O Estado, se limita a quantidade daautonomia da vontade no contrato de trabalho, não extingue aprópria relação de trabalho.

A forma jurídica preserva seu núcleo necessário em face doEstado, não porque o jurídico seja maior que o político, mas

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Estado, não porque o jurídico seja maior que o político, masporque ambas as formas não podem ser submetidas uma a outraa ponto de deixarem de existir. Derivam todas de uma mesmaforma comum, do valor e da mercadoria, que demanda não umaou outra, mas sim uma e outra. É por conta disso que o Estadonão destrói o núcleo da forma jurídica, porque tal destruição étanto do direito quanto do capitalismo e, portanto, do próprioEstado. A forma política é autônoma e conformadora da formajurídica nos limites em que tal ação não afete a reprodução geraldo capital.

Do mesmo modo, o jurídico, ao conformar o político, não ofaz a ponto de abolir a necessária intermediação estatal para areprodução do capital. Se a autonomia da vontade é o vínculopor excelência da exploração do trabalho assalariado, ela não seapresenta socialmente como um poder dos indivíduos semintermediação política, porque a carência de tal vínculo terceiroacarretaria uma anarquia mortal à reprodução. Se a liberdadetotal da vontade até pode garantir, em seus próprios termos, umvínculo isolado e específico de produção, não garante, noentanto, a reprodução. Daí que os termos da forma jurídicajamais se apresentam contra a totalidade da forma política estatal.Como exemplo, as técnicas de arbitragem privada entrecontratantes e contratados, nas sociedades capitalistas, só seestabelecem juridicamente como laterais ou marginais à própriaintervenção constituidora do Estado.

É por tal vínculo de conformação que respeita o soloestrutural comum da reprodução da mercadoria que o Estado,em casos reiterados de exceção e ditadura, destrói, esgarça einova totalmente os laços jurídicos no campo do direito político,do direito público e de muitos setores do direito privado, masnão toca o núcleo fundamental da subjetividade jurídica. OEstado pode até restringir drasticamente a quantidade dosdireitos subjetivos, mas não afasta a qualidade de subjetividadejurídica geral. Em casos tão extremos quanto os das ditadurasmilitares na América Latina, ou dos governos despóticos emalguns países árabes, africanos ou asiáticos, ou mesmo nos casosde fascismo e nazismo na Europa, a subjetividade jurídica écomprimida, reconfigurada e retalhada, mas sempre mantida emseu mínimo que dá fundamento à dinâmica de reprodução docapital. O sujeito de direito pode perder, por intervenção extrema

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capital. O sujeito de direito pode perder, por intervenção extremado Estado, o direito ao voto, o direito à dignidade da identidadecultural, religiosa, de sexo ou raça, mas não perde o núcleo dasubjetividade jurídica, que é dispor-se contratualmente aotrabalho assalariado, bem como o capital privado quase nunca éexpropriado em sua total extensão. Os Estados do mundoconstituem, modificam ou negam, ao bel-prazer, desde asconstituições até os códigos ou as normas infralegais. Tratandode modo simbolístico, se os Estados do mundo rasgam asdiretrizes da Constituição, que é a norma de mais alta hierarquiajurídica do direito positivo, não rasgam, no entanto, as diretrizesdo Código Civil. O núcleo da forma-sujeito se mantém comorazão estrutural de preservação da forma-mercadoria, o que étambém a razão estrutural de preservação da própria formapolítica estatal.

A imbricação recíproca entre forma política estatal e formajurídica faz com que, no nível de sua operacionalização e de seufuncionamento, ambas sejam agrupadas. É a técnica jurídica quecimenta tal aproximação. No campo das técnicas – não dasformas –, o direito e o Estado estabelecem as maiores pontesentre si. A forma jurídica, que resulta estruturalmente de relaçãosocial específica da circulação mercantil, passa a ser talhada, nosseus contornos, mediante técnicas normativas estatais. Aomesmo tempo, o Estado, sendo forma política apartada damiríade dos indivíduos em antagonismo social e tendo aí suaexistência estrutural, se reconhecerá, imediatamente, a partir dotalhe das estipulações jurídicas. Nesse sentido, embora as formaspolíticas estatal e jurídica sejam forjadas estruturalmente a partirdas relações sociais capitalistas, o imediato de seus corpos operaa partir de uma técnica aproximada, num processo contínuo deperfazimento. Se no que tange à forma, política e direito sãoduas estruturas insignes, na operacionalização técnica seagrupam.

Com isso, o Estado passa então a ser compreendido comoEstado de direito, fazendo instaurar um pleno regime decirculação das vontades políticas e dos atos de poder estatal apartir de procedimentos manipuláveis mediante as formasjurídicas. Ao mesmo tempo, o direito passa a ser instituídonormativamente, garantido e sustentado pelo Estado. A criaçãoimediata da quantidade do direito e da sua processualização

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imediata da quantidade do direito e da sua processualizaçãotorna-se estatal. Com o Estado de direito, as formas que seoriginam do direito privado – como a subjetividade jurídica –transbordam para o direito público, ao mesmo tempo que odireito público captura a construção imediata do direito privado– processo judicial e legislativo e competências, por exemplo.

Como se trata de um agrupamento de duas formas sociaisespecíficas num mesmo processo de implicação recíproca, pode-se dizer que se trata de uma conformação social. Além disso, porse tratar de uma fusão a partir de núcleos distintos, constituindoum material de trabalho comum – a técnica jurídica quetransborda reciprocamente do privado para o público –, omanejo jurídico imediato, que é sempre normativo estatal, fazcom que, nesse nível final da operacionalização do jurídico e dopolítico, perceba-se uma consubstanciação das formas em umatécnica de que comungam. Tal consubstanciação das formasdistintas em técnica instaura uma mesma estrutura demecanismos para o perfazimento, no plano imediato, do direito edo Estado.

1.8. A autonomia do Estado

Tomado a partir da forma política, o Estado revela-serelativamente autônomo em relação à totalidade social. De fato,há uma separação entre o poder político e o poder econômico. Areprodução do capitalismo só é possível apartando-se o poderpolítico da miríade de agentes econômicos, tanto burguesesquanto trabalhadores. Nisso reside o fundamental da autonomiada forma política. Mas tal autonomia se exerce justamente numacadeia de relações sociais específicas, capitalista. O Estado éautônomo mediante condições de reprodução capitalistas.Assim, sua forma é capitalista e sua posição existencial eestrutural depende dessa contínua reprodução. Sendo umaentidade relacional, condensando específicas dinâmicas sociais,o Estado não é autônomo diante dessa estrutura geral dasrelações do capitalismo, daí a relatividade da sua autonomia.Dentre outros, Poulantzas, a seu modo, foi um dos que mais sededicaram a ressaltar características dessa autonomia relativa.

A separação do poder político em face do poder econômiconão se deve apenas ao motor de alguma força intrínseca própria

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não se deve apenas ao motor de alguma força intrínseca própriado Estado. Não é seu peso, sua maquinaria, suas instituições ousua imposição militar que o fazem se apartar da sociedade esubmetê-la. Se o aparato estatal – valendo-se do monopólio daviolência legítima, da força militar que lhe é efetiva e mesmo dasua eventual força econômica – apresenta-se socialmente comoum poder maior que aquele dos indivíduos e classes,independente deles, a forma política do capitalismo se destacacomo autônoma em relação aos próprios indivíduos, grupos eclasses e seus interesses porque a única possibilidade para areprodução capitalista das relações sociais destes é afastando-sede seu controle imediato o poder político. Nas determinaçõessociais reside a sustentação geral da autonomia do político, que,além disso, se complementa com a sua própria materialidade.Ocorre que, de acordo com as definições jurídicas – quealcançam apenas as manifestações mediatas de seu fenômeno,não as imediatas –, o Estado é soberano, isto é, afirma-se comopoder acima de todos na sociedade e, em geral, explica-se talapartamento entre o estatal e o social por conta de suas funções ede seu poder autoatribuídos. Se é verdade que o Estado tem umaforma organizativa interna que lhe dá autonomia, materialmente,ela não surge alheia ao tecido social, mas, antes, se instaura comele, a partir de específicas relações sociais, capitalistas.

A compreensão tradicional – jurídica – sobre a autonomiaestatal é falha, porque trata das contingências de seu poder masnão da estrutura de sua existência. De modo geral, é verdade, osEstados são mais poderosos que determinadas pessoas e gruposempresariais, mas não necessariamente. Há conglomeradoseconômicos maiores que muitos Estados. O respaldo militar dasoberania estatal advém de sua própria organização armada, mashá outras que lhe podem confrontar em termos de combate eviolência – insurgências civis, milícias e grupos paramilitares.Poder-se-ia argumentar que a soberania do Estado é reconhecidasimbolicamente, na medida de uma legitimidade presumidasocialmente. Mas também há outras entidades simbolicamenteautônomas que poderiam ou não concorrer com o poder estatal,como a religião.

Buscar a autonomia do Estado nas suas instituições,funções e manifestações concretas de poder conjuntural é tomaro fenômeno político contemporâneo pelo efeito e não pela causa.

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o fenômeno político contemporâneo pelo efeito e não pela causa.Não se pode observar, na fortaleza ou na fraqueza do Estado, oelemento que funda a possibilidade de manutenção ou desuperação da própria exploração capitalista. Não é internamente,no núcleo da forma política contemporânea, que se haure suaeventual autonomia: para toda tentativa de buscar vislumbraruma autonomia estatal total pode lhe ser oposto um dado fáticocontrário. Por isso, quanto à posição estrutural do poder doEstado em face da sociedade, não se procede pela suaperquirição a partir dos próprios quadrantes internos do político.A autonomia estatal é estruturalmente havida só e sempre emrazão da própria derivação de sua forma a partir dos mecanismosde reprodução capitalista. A forma-valor explica a forma políticaestatal como sua derivada. Tal forma política é, estruturalmente,terceira em relação à dinâmica particular dos indivíduos eclasses, exsurgindo necessariamente como um espaço distinto docapital e do trabalho assalariado, mas vinculando sua existênciaàs próprias relações capitalistas.

É porque a produção capitalista se movimenta na igualdadeformal entre capital e trabalho e na liberdade de liames deexploração a partir da autonomia da vontade que se manifestauma instância política separada a princípio das partes, justamentepara poder servir de garante e vinculador imparcial dessa mesmarelação. O Estado, na dinâmica da reprodução do capital, éinexoravelmente distinto tanto das classes capitalistas quanto dasclasses trabalhadoras. Sua autonomia, que revela suamaterialidade e os contornos de seu corpo organizacional,comunica-se também de modo externo à própria força estatal: éna valorização do valor que se deve buscar a raiz da formapolítica, e, daí, em sua separação em face do nível econômico,engendra-se o motor da existência autônoma do Estado. Suaeventual força econômica, militar, ideológica e política imediataé suplementar à autonomia que advém inexoravelmente dasrelações sociais capitalistas.

Se o Estado é autônomo quanto aos sujeitos de direito emrelação mercantil e produtiva capitalista, então ele não seapresenta, formal e imediatamente, como a vontade da burguesiaou, via contrária, da classe trabalhadora. Mas se o Estado revelaautonomia perante as classes, não quer revelar, com isso,indiferença em relação ao todo social. Não é o domínio do

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indiferença em relação ao todo social. Não é o domínio doEstado por uma classe que revela sua razão estrutural de ser: é aforma que revela a natureza da reprodução social. A formapolítica estatal é necessariamente distinta de todos os indivíduosou classes, justamente porque somente assim a reproduçãoeconômica capitalista pode ser estabelecida. A junção do aparatopolítico com o imediato interesse econômico dominanterepresentaria uma volta a modos de produção do tipoescravagista ou feudal. Se há autonomia do Estado, ela existe demodo necessariamente relativo, quer dizer, fincada nadependência estrutural e existencial de determinado tipo dereprodução social, capitalista.

O Estado é distinto imediatamente das classes burguesas,não se confundindo com nenhuma delas, e é, no entanto, oelemento necessário da reprodução da própria dinâmica devalorização capitalista. De tal sorte, não sendo burguêsimediatamente, o Estado o é, necessariamente, de modo indireto.A própria lógica estrutural do Estado atende à reproduçãocontínua das relações capitalistas. A forma estatal, responsávelpor essa constante dinâmica, revela-se então estruturalmentecapitalista.

A autonomia do Estado em relação aos agenteseconômicos, sendo real porque advinda das concretas relaçõeseconômicas capitalistas, é relativa se tomada justamente em talnível estrutural. Capitalismo e Estado se relacionam no nível dasformas e estruturas, não no nível da eventual contingência dacaptura do poder pela classe burguesa. O Estado é capitalistanão por causa das variadas classes que disputam ou possuemdiretamente seu domínio. Também os Estados cujos governossão dominados por membros ou movimentos das classestrabalhadoras são necessariamente capitalistas. Havendo anecessidade de intermediar continuamente a relação deexploração da força de trabalho, por modo assalariado,regulando-a, bem como aos processos contínuos de valorizaçãodo capital, o Estado mantém a dinâmica capitalista ainda quandoseus dirigentes declaram oposição às classes burguesas. A formaestatal faz com que as ações políticas sejam necessariamenteconfiguradas com base na fôrma da reprodução contínua dovalor. As experiências de muitos países socialistas, no séculoXX, reputando-se socialistas porque simplesmente tiveram o

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XX, reputando-se socialistas porque simplesmente tiveram opoder estatal nas mãos de grupos de trabalhadores, ao semovimentarem politicamente por uma forma estatal, mantendo adinâmica de reprodução do capital, foram, então, não socialistas,mas sim espécies de capitalismo de Estado.

Se o Estado é autônomo perante a dinâmica das relaçõessociais de indivíduos, grupos e classes sociais, tal autonomia é,pois, relativa, porque sua posição estrutural não é outra senão ade garante terceiro necessário às próprias relações capitalistas. OEstado é necessariamente capitalista pela sua forma. Ocorre queo poder estatal, ao se estabelecer enredado numa estrutura cujareprodução é condição de sua existência, posiciona-se, no quetange à sua autonomia, para a manutenção das própriascondições estruturais que lhe dão base.

O Estado é capitalista na medida em que põe sempre emcausa, estruturalmente, sua própria existência, e esta depende dasobrevivência de tipos de sociabilidade capitalistas. Suasinstituições, seus aparatos de governo e administração, seusgovernantes e agentes administrativos se encontramnecessariamente enredados em formas políticas atreladas àmanutenção dos meios que realimentam a dinâmica dereprodução do capital. Conforme já apontado por Claus Offe, étambém como forma de garantia da existência de suas própriasinstituições que os agentes estatais se ligam necessariamente àmanutenção e à reprodução do valor. O movimento dos agentesestatais pode não ser consciente tampouco ligado a umaestratégia nitidamente estabelecida ou a uma classe específica,mas condiciona a existência das instituições estatais àmanutenção das próprias relações sociais capitalistas.

Na dinâmica econômica do Estado, é por meio dos tributosque ele se alimenta. A sua contínua capacidade arrecadadoradepende do estabelecimento de melhorias contínuas nascondições políticas para o desenvolvimento do capital. Mas talprocesso não é lógico nem autoconsciente. Em se constituindocomo deriva necessária das relações concorrenciais entreindivíduos, grupos e classes no capitalismo, o Estado não éimediatamente nenhum deles; no entanto, ele é atravessado,necessariamente, pela luta de classes e pelas dinâmicas dasrelações sociais em disputa. Instituições do Estado podem serapropriadas ou influenciadas de modo majoritário por pressões

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apropriadas ou influenciadas de modo majoritário por pressõesde grupos ou classes específicas, fazendo com que a políticaestatal seja amplamente mais favorável aos seus interesses. Hágovernos que resultam mais reféns de capitais financeiros, outrosde capitais de classes agricultoras, outros de classescomerciantes, alguns de elites sindicais, alguns muito mais demovimentos sociais de massa. Ocorre que todos esses governosoperam, dentro dos Estados, mediante uma forma necessária ederivada da forma-valor. O Estado, portanto, é ao mesmo tempoum constituinte e um constituído dos movimentos contraditóriosdas lutas de classe, porque é atravessado por elas. Sendo oresultado de variáveis relações sociais concorrentes e emconflito, o Estado não pode ser tomado como um elemento fixodo domínio de uma classe.

Do mesmo modo que se estabelece a partir dascontradições da luta de classes e no seu seio, o Estado serelaciona com a dinâmica dos grupos e das instituições sociais,reagindo a ela. A religião interfere em algumas de suasconfigurações e no alcance de ações políticas. Os horizontes dacultura média e da informação de massa são quase sempre osmesmos da política estatal, porque os agentes estatais sãotalhados ideologicamente no mesmo todo social e tambémporque o Estado forja grande parte dessa ideologia. Opatriarcalismo da sociedade se reflete e é retrabalhado no aparatopolítico. As relações de gênero e raça estão no torvelinho daconstituição e da presença do Estado. Assim, se o Estado éautônomo em relação a indivíduos, grupos e classes, o é sórelativamente também porque suas relações se fazem a partir doslimites da própria sociedade, embora o Estado possa,eventualmente, também assumir posições contraditórias em facedessas mesmas contradições sociais.

O Estado não se altera apenas por conta das decisões deseu próprio poder ou de suas funções internas, mas,principalmente, por conta das injunções de demandas estruturaisexternas a si. No seio da relativa autonomia do Estado perante adinâmica da sociedade capitalista, revela-se tanto a suacapacidade de reprocessar as contradições sociais, buscandomanter seus horizontes econômicos de fundo, quanto a própriapermeabilidade do aparato estatal às contradições. Por não serum aparelho imediato de uma classe, o Estado não pode ter

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um aparelho imediato de uma classe, o Estado não pode termeios de garantia de que padrões específicos da reproduçãosocial capitalista venham a se prolongar infinitamente. As crisesdo capitalismo podem ser retrabalhadas, reformuladas eminoradas por meio do Estado, mas podem também sermajoradas e, eventualmente, levar ao colapso do próprio modode produção capitalista. É por ser relativamente autônomo emrelação à sociedade e ser atravessado por suas contradições queo Estado se consolida como estrutura política do capital, masdessa deriva estrutural não resulta que ele seja necessariamentesempre seu garante lúcido, estratégico e eficaz.

Forjando-se como relação social baseada nas relaçõesconcorrenciais mercantis capitalistas, o Estado não resulta comoum elemento inerte, neutro ou natural no todo social. Sua açãofuncional está, de variados modos e a partir da sua específicaautonomia relativa, ligada à sua razão estrutural, que é a garantiada continuidade da dinâmica do capital. Por sua vez, areprodução social capitalista e suas crises demandam açãoestatal, que se faz e se apresenta de modo contraditório eincoerente muitas vezes. O Estado intervém na sociedadenecessariamente, não apenas para assegurar a propriedadeprivada e a liberdade e a igualdade formais, mas para tolhê-lasem variadas circunstâncias, em favor ou desfavor de indivíduos,grupos ou classes e em benefício da manutenção, darequalificação ou da mudança do circuito geral da valorizaçãodo valor. Se há, em certo tempo histórico, uma reiteração de umpadrão econômico-político-social – tempos do liberalismo, dointervencionismo de bem-estar social, do capitalismo de Estado,do neoliberalismo –, esse tempo não é de omissão, mas sim deconstante manejo estatal para a sustentação da reprodução de talpadrão. Do mesmo modo, a mudança de padrão econômico-político-social é um tipo possível de intervenção estatal, apenasmais explícito, no seio da contradição social.

A autonomia relativa do Estado desdobra-se para o seucampo interno. Suas instituições e funções portam variáveisautonomias. No complexo de relações concorrentes edesarmônicas entre capital e trabalho, entre posições de interessenacional e exterior, entre grupos e entre indivíduos, as respostasdo Estado a tais contradições variadas são múltiplas, tambémporque sua posição estrutural guarda diferentes autonomias

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porque sua posição estrutural guarda diferentes autonomiasrelativas diante de tais indivíduos, grupos, classes e Estadosexteriores. Agindo variadamente, o Estado reconfigura asociedade e também se reconfigura de modo variado. Trata-se deum processo dinâmico. As distintas autonomias relativas no seiodo Estado em face da reprodução econômica fazem com que ascrises estruturais do capitalismo determinem reorganizaçõesconstantes e peculiares dos aparelhos políticos e de suas funções,modificando inclusive seus pesos no todo do organismo estatal.Uma crise de abastecimento de alimentos pode tanto fazer surgirnovas funções de planejamento e distribuição de terras nasinstituições de governo como pode nelas aumentar o sistemapenal de repressão a crimes contra o patrimônio em face dosesfomeados que furtem, como pode também dar margem, numEstado concorrente, a aumentar as funções do seu ministério daagricultura e do comércio exterior, tencionando a venda dealimentos ao país desabastecido e os lucros daí advindos. Porconta de diferentes reações, os Estados resultam reconfiguradosvariadamente em seus aparatos políticos, rearranjando, também,os pesos e os poderes das classes que lhe são politicamentemajoritárias.

O Estado apresenta, de tal modo, instituições e aparelhosdinâmicos historicamente, porque sua geografia e suas funçõesvariam em correlação à evolução dos conflitos sociais e dascontradições do próprio capitalismo. Não só o Estado apresentamudanças históricas como também revela uma variedade interna,cuja polirritmia é originária do seu caráter relativamenteautônomo e variadamente poroso em face de todas as classes,grupos e indivíduos da sociedade. Nos poderes executivos, ogrande capital acessa e captura mais facilmente as deliberaçõesdos ministérios e secretarias que gerem a economia. As classestrabalhadoras e mesmo os movimentos sociais, em algumascircunstâncias, até conseguem influência em instituiçõesgovernamentais que lidam com o trabalho e a assistência social.Mas a própria diferença de força entre as pastas de um mesmogoverno demonstra a variação de influência dos grupos sociaisnos múltiplos aparelhos estatais. As contradições que atravessama sociedade capitalista se refletem dentro do próprio Estado, que,excetuando-se condições extremas, nunca é absolutamentecapturado apenas por uma classe ou grupo. Entretanto, essa

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capturado apenas por uma classe ou grupo. Entretanto, essaabertura dos organismos estatais a várias classes exprime, dealgum modo, as posições de poder relativo dessas mesmasclasses.

Além de refletir as contradições sociais no seu interior, oEstado constitui e qualifica o acesso da sociedade a si. Suasestruturas institucionais organizam, chancelam, filtram,selecionam, aceitam e afastam as demandas da sociedade.Como, de modo geral, o Estado não processa o conflito socialem termos de classe, mas, pelo contrário, maneja por excelênciaa célula do indivíduo-cidadão, a contradição de classe se resolvenos termos restritos das demandas individuais.

A forma política estatal e a forma jurídica, derivadasnecessárias da forma mercantil, constituem os indivíduos, nocapitalismo, não como membros de determinadas classes ougrupos, mas sim como sujeitos de direito e cidadãos. É por meiode tais formas e suas ferramentas correlatas – direitos subjetivose deveres, voto – que a pressão social é retrabalhada peloEstado. Assim, a forma política estatal e a forma jurídica,envolvidas num complexo funcional, representam um nívelformal ótimo à própria reprodução da mercadoria e, porextensão, ao próprio capital. De modo geral, as lutas das classesnão avançam como tais nas teias dos Estados, ficando retidas nascategorias da forma política – cidadão, voto e representação – eda forma jurídica – cumprimento de direitos subjetivos e deveresdos sujeitos de direito, pessoa física e pessoa jurídica.

Mas é também por conta de sua relativa autonomia que oEstado pode representar, em muitos momentos, uma disfunçãoem face das contradições das classes e dos grupos. Aconstituição e a filtragem das relações sociais – feitas de modonecessário ou privilegiado por meio da forma política e da formajurídica – podem gerar, em casos extremos, a incapacidade doEstado em trabalhar com demandas que extrapolem a vazão desuas formas.

A forma política estatal, sendo autônoma em relação aosindivíduos, grupos e classes, assim o é apenas relativamente,porque espelha, estrutural e necessariamente, a própriareprodução capitalista. Não é pelas classes que o dominam, maspela forma, que o Estado é capitalista. E – justamente por contade sua forma – suas instituições e seus mecanismos de

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de sua forma – suas instituições e seus mecanismos deprocessamento das relações capitalistas são mutáveis epermeáveis de modos vários pela sociedade. As ações estataissão correias de transmissão e retransmissão das crisesinexoráveis de acumulação do capitalismo. E, no limite, emcasos extremos, a forma política estatal, que qualifica e filtra aação social, pode se revelar totalmente disfuncional àmanutenção da própria reprodução capitalista.

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1 Evgeny Pachukanis, Teoria geral do direito e marxismo (São Paulo, Acadêmica, 1988), p. 95.

2. Estado e sociedade

2.1. Estado e especificidade histórica

Tomada em sua história, a forma política estatal apareceligada necessariamente ao capitalismo. Em extremo, poder-se-iaconsiderar que essa ligação se deve, numa hipótese, ao acaso ou,noutra hipótese, ao resultado de uma operação planejada evoluntária das classes burguesas. Quanto ao acaso, não se dáessa ocorrência: o estabelecimento do capitalismo e Estado éintrinsecamente pressuposto um ao outro em razão da dinâmica

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intrinsecamente pressuposto um ao outro em razão da dinâmicada forma mercantil e das relações de produção capitalistas.Quanto à criação por deliberação, também há ausência defundamento. Não se pode atribuir às classes dominantesburguesas, ao se estabelecerem, um plano e um desejo deconstituição de um aparato político específico para si. Nem naforma de denúncia de tal vontade, nem na forma de louvor –como foi o caso das teorias do contrato social – a instituição doEstado por vontade dos indivíduos se sustenta.

Não foi a partir de um plano voluntarioso da burguesia –nem da burguesia com as demais classes e grupos, num coletivode indivíduos em contrato social – que se estruturou o Estado.Se há uma identidade histórica entre capitalismo e Estado, trata-se de uma relação mais complexa. É por conta da forma-valor,que encadeia uma série infinita de relações de troca demercadoria e de exploração da força de trabalho mediantecontrato, que se levanta a necessidade de que o poder políticoseja constituído como estranho aos próprios agentes da troca. Arazão da vinculação entre Estado e capitalismo é menosvoluntarista ou ocasional que estrutural.

Se é verdade que havia política antes do capitalismo, nãohavia, no entanto, forma política estatal. Tal separação éfundamental, na medida em que a forma de reprodução social naqual o político se aparta do econômico é específica docapitalismo. Figuras de poder político anteriores, que inclusivepodem levar o nome de Estado e foram mesmo embriões doEstado contemporâneo, não operam nem se assentam sobre aforma política insigne da contemporaneidade. É um fato que aconstituição do Estado no seio das relações sociais capitalistasnão se fez criando um poder político onde antes não havia nada.Sobre muitas instituições políticas já existentes, num processoenvolvido por contradições, marchas e refluxos, é que se instala,com o tempo, uma forma política tipicamente capitalista. OEstado moderno não pode ser confundido com outras formas depoder da história nem ser considerado como a única estrutura dedominação política possível às sociedades. A junção necessária eexclusiva da forma política estatal ao capitalismo não implicaque somente este modo de produção tenha erigido um corpo deadministração política. Se o capitalismo tem uma especificidadena forma política, os modos de produção anteriores,

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na forma política, os modos de produção anteriores,inespecificamente, também possuíam instituições políticas. Dosvelhos aparelhos políticos à moderna forma de Estado, oprocesso é de ruptura, criação e reconfiguração de instituiçõespolíticas que se sucedem. É permeada por esse fluxo que seestabelece a forma política estatal, ímpar comparada às demaismanifestações políticas que lhe antecederam por conta não desuas instituições, mas do tipo de relação de produção social.

Nas sociedades pré-capitalistas, o poder político e o podereconômico quase sempre são indistintos. No modo de produçãoescravista, a eventual relação entre os senhores gera uma açãopolítica de arranjos instáveis, que varia em termos deenvergadura e possibilidades conforme as especificidades decada sociedade. Há aquelas mais vinculadas a um mandocentralizado, de um grande senhor, como foi o caso egípcio, e háaquelas mais pulverizadas, que demandam uma interaçãopolítica maior, como o caso das sociedades gregas e romanas.Mas, em todos esses povos, não se pode identificar o podertampouco a administração compartilhada ou comum aossenhores como uma forma alheia e específica, terceira à relaçãoentre senhores e escravos, independente e acima de suasvontades próprias. Condições particulares de mando senhorialcompartilhado demandam uma espécie de ação política comum,mas sem uma forma institucionalizada e apartada dos própriossenhores. É somente o caso da política capitalista que estabelecetal separação.

Por essa razão, o que diferencia a política antiga damoderna é menos seu aspecto quantitativo que o qualitativo.Agrupamentos de senhores do passado poderiam,eventualmente, ter arranjos quantitativos até mais complexos – emesmo um número de compartilhantes de tal poder maior – quemuitas sociedades modernas. Mas estas separam a posiçãoestrutural estatal dos interesses imediatos de cada indivíduo ouclasse, tornando suas instituições políticas distintas em razão daforma, e não da quantidade de seus cidadãos ou suas massas. OEstado, para o capitalismo, é mais uma forma específica de umadeterminada reprodução que, propriamente, um fenômenodevido à sociedade de massas ou ao grau de sua complexidade.

O caso exemplar do sistema político romano dádemonstrações do quanto a política antiga, ainda que se valendo

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demonstrações do quanto a política antiga, ainda que se valendode aparatos cujos nomes são até mesmo copiados pelo Estadomoderno, difere formalmente deste. O Senado romano não éequivalente às atuais casas legislativas nem ao governomoderno. Trata-se de um clube dos senhores de Roma, cujagestão não ultrapassa os limites da vontade destes, ainda queconfigurada por algumas praxes e variados acordos. Se naantiguidade há uma diferenciação entre a política geral e avontade imediata dos senhores, ela se dá por conta de umcircuito muito parcial de interação entre esses mesmos senhores,legitimando-se não pela subordinação senhorial à instituição,mas mais por conta do campo simbólico, mítico ou religioso. Porexemplo, invocando os deuses ou assumindo inspiração emmandatos divinos, o escopo declarado da política antiga se tornarelativamente maior que o interesse pessoal. Mas a manutençãodesse aparato só subsiste na função do imediato interessesenhorial. Se a declaração – seja em favor de uma finalidademaior que a do próprio senhor, seja pelos valores religiosos oupela sacralidade divina – revela-se distinta do interesse imediato,a estrutura e a função não o são.

O fato de haver um aparato complexo entre os romanosrevela que, nas sociedades de modo de produção escravagista,algumas alcançaram um largo grau de circulação demercadorias. O sistema capitalista não cria a mercadoria;modifica, sim, qualitativamente, o circuito no qual asmercadorias se trocam, a ponto de lhe ensejar uma forma geralde reprodução, o que na antiguidade não havia. No passado, hámercadoria mas o trabalho não é mercadoria, é escravo. Assim,embora aparatos de controle da circulação de mercadorias já sedesenvolvam, até de modo bastante complexo e refinado, elescontinuam na dependência fundamental da forma de reproduçãoeconômica escravagista. Não é da troca de mercadorias que sefunda o cerne da razão econômica da política antiga. Se háaparatos políticos mais institucionalizados em Roma do que emoutros povos do passado, em função direta da maior circulaçãomercantil, o capitalismo, na modernidade, não guardarácomparação com Roma com base simplesmente num explosivoaumento quantitativo das relações mercantis. É mais que isso:somente quando a força de trabalho se tornar mercadoria é que osalto qualitativo há de se estabelecer e a mercadoria há de se

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salto qualitativo há de se estabelecer e a mercadoria há de setornar forma da reprodução social. É nessa transformaçãoqualitativa que os aparatos políticos antigos deixam de ser o quesão para se estruturarem mediante forma estatal.

Na Idade Média europeia, a natureza coincidente do poderpolítico e do poder econômico é explícita. Os senhores feudaisenfeixam em si os poderes sociais de tal modo que pouco restaráa outras formas de mediação ou imposição social. Se há um fortepapel da Igreja, este se dá em níveis não concorrentes com opoder econômico-político feudal. Por mais que o poder clericalseja forte, ele ocorre a partir da concordância dos senhores emsubmeter partes de seu domínio ao arbítrio e à regulação daIgreja. O aparato religioso, funcionando ideologicamente emfavor das relações feudais, existe mais como região da vidasocial generalizadamente e tradicionalmente concedida pelospoderes feudais à Igreja do que como força automotriz.

O momento central e decisivo para a consolidação do poderpolítico estatal capitalista é a Idade Moderna. Se a Idade Média édesconhecedora da forma política estatal e a IdadeContemporânea é plenamente assentada no Estado, a IdadeModerna é uma fase de transição. Pode-se enxergar nela ogerme da forma política atual, embora nem todas as estruturas dareprodução econômica capitalista estejam presentes. Já há umaclasse burguesa, há um circuito intenso de troca de mercadorias,mas há uma política absolutista, que respalda privilégiosestamentais e está ainda jungida à Igreja. Trata-se de umprocesso conflituoso e contraditório, que revela, menos que umcircuito político-social contínuo, lógico e estável, umaconsolidação de instituições e padrões de poder a partir demovimentações sociais e de classes não necessariamentefuncionais nem intencionais.

É na assunção do sistema geral de trabalho assalariado quese estabelecem então as bases da forma política estatal. Emparelho a essa alteração nas relações de produção, os contornosplenos do Estado somente se darão com as revoluçõesburguesas. Nesse ponto da história, cortam-se os últimos laçosde concentração pessoal dos poderes na figura do rei einstauram-se os aparatos que tornam o Estado um terceironecessário em relação aos indivíduos e às classes. Mas, seapenas na Idade Contemporânea o Estado se torna plenamente

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apenas na Idade Contemporânea o Estado se torna plenamenteterceiro, completando a rede da reprodução social capitalista, aunificação de territórios e povos em torno de Estados já é, noentanto, anterior a essa fase. O surgimento dos Estados se dácom o final da Idade Média e o início da Idade Moderna.Populações inteiras, antes fragmentadas em cidades ou jungidasa feudos, passam a ser submetidas a um espaço de poder políticocomum. Por essa razão, a instalação da forma política estataldeve ser pensada, tal qual a consolidação da forma-mercadoria eda reprodução capitalista, como um processo. O Estado surgehistoricamente antes; a forma política estatal surge depois. Oestabelecimento de unidades estatais se dá sobre as específicasrelações do feudalismo em fragmentação. A forma política emdefinitivo, que dá identidade ao Estado como instância apartadados indivíduos e das classes, surgirá com as revoluçõesburguesas. Por isso, mais intensamente no espaço da IdadeModerna, tanto o econômico interfere e reelabora o político e ojurídico quanto o contrário. A constituição do circuito geral detrocas, até chegar ao trabalho realmente abstrato, consolida aimplantação de formas políticas e jurídicas, e estas, por sua vez,também constituem e reforçam as próprias relações econômicascapitalistas.

Tal processo de afirmação da forma política moderna écontraditório, na medida de suas marchas e contramarchas, e é,acima de tudo, transbordante dos marcos meramente internos decada Estado, porque se assenta num específico modo de relaçãosocial geral. Os circuitos de troca mercantil e a reprodução dotrabalho assalariado dão o ensejo ao espaço político estatal,dependendo profundamente deste para sua garantia ereprodução. Justamente pela dinâmica social capitalista, a forçade valorização do valor é maior que a instituição de uma unidadepolítica estatal isolada, inclusive em termos espaciais. Daí aforma política estatal surgir, historicamente, como um padrãocomum a uma multiplicidade de Estados nas regiões de suainfluência. Na transição entre Idade Média e Idade Modernamuitos espaços se unificam ou se reafirmam não mais comofeudos, mas como Estados. Em tal processo, ainda, terrasdistantes são capturadas como posses de tais Estados, sendodeclaradas suas colônias. O trato entre essas unidades políticaspassa a ter por denominador comum a consideração recíproca a

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passa a ter por denominador comum a consideração recíproca apartir de qualificações estatais. O estabelecimento da unidade, dopoder e das instituições estatais se dá numa dinâmica geral deum espaço maior que um Estado único, porque o processo desurgimento do capitalismo é mais amplo geograficamente.

Na transição entre Idade Moderna e Idade Contemporânea,a plena consolidação da forma política estatal, separadadefinitivamente de cada um dos burgueses e senhores da terra,também é um processo de imbricação recíproca e contágiorápido entre os Estados que compartilham do mesmo circuitoeconômico capitalista. Além disso, ligadas à dinâmicainternacional do capital, patentemente desigual, e submetidas auma convivência segundo os padrões econômicos e políticosimpostos externamente, as regiões periféricas se atualizampoliticamente de acordo com as mais avançadas formas estatais aque se submetem pela vivência política e pela submissãoeconômica. Nesse processo, não são incorporadasnecessariamente todas as instituições dos Estados centrais docapitalismo, mas estas se atualizam para as funções necessáriasàs relações de vasos comunicantes interestatais, ao menos no quetange à circulação geral do valor. Técnicas como a doreconhecimento jurídico formal e soberano entre Estados, tratosde diplomacia e resguardo ao capital externo investido e aoscontratos internacionais são tornadas universais, fazendo comque domínios políticos, ainda que atrasados, revistam-se dealgumas formas e funções mínimas necessárias à dinâmicainternacional do capital.

No balanço de sua especificidade histórica, depreende-seque o nexo entre capitalismo e Estado é estrutural. Ageneralização das relações sociais constituídas mediante forma-mercadoria demanda uma forma política apartada dos própriosportadores e trocadores de tais mercadorias – a principal delas, aforça de trabalho mediante salariado. O Estado se consolidacomo o ente terceiro, garante e necessário da dinâmica docapitalismo. Em face dos indivíduos e suas interações, quepassam a identificar a “vida privada”, o Estado se inscreve comodistinto: “público”.

Em termos históricos, a especificidade do Estado nãorepresenta, necessariamente, originalidade de aparatos,instituições ou funções, mas sim de forma, fincando-se como

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instituições ou funções, mas sim de forma, fincando-se comouma das estruturas no seio de totalidades de relações sociaiscapitalistas. Por isso, não é apenas a simples existência de umaparato político maior que as partes que identifica historicamentea forma política estatal. Tais aparatos existiram em muitosmomentos da história, mas eram inespecíficos. Se os senhores deescravos da antiguidade, como no caso de Roma, a fim dearticular alguns interesses em comum, podiam lançar mão deaparelhos políticos que até fossem considerados imbuídos detarefas maiores que o interesse imediato de cada qual, essasprotomanifestações estatais, no entanto, carecem de um elementocentral na sua determinação política: a forma políticaestruturalmente apartada dos agentes da produção. Não háconexão entre as formas sociais de domínio direto e total donível econômico e político com os aparelhos que eventualmenteoperam uma gestão de tal bloco indistinto de poder e exploração.

Em povos de modo de produção escravagista ou de modode produção asiático (em menor caso – ou em nível simbólico –,no modo de produção feudal) houve aparatos políticos quepuderam, em alguns casos, ser até mesmo fortes e de alto podercoercitivo. Tais aparatos, no entanto, só indevidamente poderiamser associados ao Estado, tomado na sua especificidadecapitalista. O que pode haver de contínua semelhança entre osaparatos políticos antigos e o Estado capitalista é, eventualmente,apenas a aparelhagem. De modo errôneo, os funcionários dossenhores de escravo e feudais e dos reis costumam serassemelhados à burocracia do Estado atual, assim como asmasmorras do passado, ao sistema prisional de hoje. No entanto,a posição estrutural desse aparato e de suas instituições não se dáde modo igual à do Estado contemporâneo. No caso anterior, oaparato existe como extensão ocasional ou meramente funcionalda administração direta do senhorio. No caso atual, o aparatoexiste devido a uma necessidade estrutural do sistema de trocas.A reprodução social necessita estruturalmente da forma políticaseparada de todos os agentes privados da produção. No passado,a aparelhagem “pública” advinha somente da vontade e daestabilidade dos interesses dos próprios senhores. Não era dadaaos explorados e aos escravos a possibilidade de referência ouarticulação em face do Estado. No presente, a forma-mercadoria,que estrutura a forma política estatal, está tecida em relações que

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que estrutura a forma política estatal, está tecida em relações quesão lastros, inexoravelmente, tanto ao capitalista quanto aotrabalhador assalariado, explorado. Por isso o Estado é umaforma que se apresenta para todos, porque todos, para aexploração, são constituídos e tornados iguais para as trocas – e,por extensão também, para a penetração de suas vontades noplano formal no Estado.

A eventual similitude de aparatos, aparelhos e instituições –ou de suas funções ou de suas nomenclaturas – não estabeleceuma continuidade entre os antigos sistemas de mando político eo moderno Estado, de tal sorte que isso viesse a negar aespecificidade histórica do Estado. Se essa continuidade emmuitos casos até existe – o Estado moderno se planta emalgumas instituições já estabelecidas, reconfigurando-as –, a suaarticulação estrutural, no entanto, é radicalmente distinta. OEstado se materializa em instituições, mas a partir de uma formae de uma estrutura específica resultantes da reprodução datotalidade social – do valor, da mercadoria, do capital e dotrabalho assalariado. É só nesse específico emaranhado deestrutura e forma de reprodução social que o aparato político éterceiro e necessário em relação a todos os exploradores,explorados, grupos sociais e indivíduos. O aparato antigo é“Estado” dos senhores. O aparato moderno é Estado sobretodos.

É porque as sociedades escravagistas e feudais se instituemem dinâmicas de domínio social direto, concentrando tanto aexploração econômica quanto o poder político nas mãos dospróprios senhores, que os aparelhos políticos não se destacamnem se isolam do controle próximo da sorte senhorial. Se háforça e articulação em tal aparato político “público”, elas sedevem a uma virtude funcional na rede do próprioestabelecimento e da dinâmica do escravagismo. No capitalismo,a função resulta da estrutura da reprodução social na qual estãomergulhados tanto exploradores quanto explorados. Por isso asformas políticas antigas são ou a extensão burocrática dosoberano ou a articulação funcional dos senhores, sendo, nestecaso, menos “Estado” e mais “clube” de encontro das vontadessenhoriais. Mas, distinta de eventuais instituições ounomenclaturas comuns, a forma política estatal será,inexoravelmente, específica do capitalismo.

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inexoravelmente, específica do capitalismo.

2.2. Estado e luta de classes

No capitalismo, o campo do político é constituído comonecessariamente afastado dos agentes que portam e transacionammercadorias, seja o capital ou o trabalho assalariado. Aproeminência dos vínculos sociais individualizados, com aigualdade jurídica e a liberdade contratual entre exploradores eexplorados, demanda que as instituições políticas sejamformalmente distintas de todos os indivíduos ou classes. Noentanto, se o Estado é um terceiro necessário em relação aosindivíduos, isso não quer dizer que seja uma entidade indiferenteno seio da vida social. É justamente ao se afirmar como umpoder terceiro que o Estado exerce papel decisivo na reproduçãoda própria dinâmica do capitalismo.

Diferentemente das visões tradicionais, que acusam oEstado de ter um caráter burguês porque o domínio de suasinstituições está supostamente sendo feito por agentes ourepresentantes do interesse burguês, o Estado é capitalistaporque sua forma estrutura as relações de reprodução do capital.Por isso, deve-se entender a ligação entre Estado e capitalismocomo intrínseca não por razão de um domínio imediato doaparelho estatal pela classe burguesa, mas sim por razõesestruturais. Em vez de se apresentar como um instrumentopolítico neutro, então ocasionalmente dominado pelas classesburguesas, o Estado é um elemento necessário nas estruturas dareprodução capitalista. Como a forma política estatal éinexorável e específica do modo de produção capitalista,carecem de fundamento as visões que compreendem o Estadocomo um ente de natureza meramente técnica e indiferente àsclasses que o controlam, que esteja circunstancialmente sobdomínio burguês em sociedades burguesas. A própria formapolítica estatal, por distinta dos indivíduos, grupos ou classes,erige-se de modo a se apartar da captura imediata por classesdeterminadas – o que, é verdade, não a exclui em certassituações excepcionais. Mas as eventuais alterações das classesque mais diretamente dominam o Estado e suas instituições nãoabolem a forma política estatal e, por meio dela, a continuidadeda reprodução capitalista.

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da reprodução capitalista.A dinâmica das lutas entre as classes, grupos e indivíduos

se apresenta politicamente, no capitalismo, perpassada semprepela forma estatal. Trata-se de um processo de dupla implicação.Se a luta de classes é conformada pelo Estado, este por sua vezestá também enraizado nas contradições e disputas múltiplas dassociedades capitalistas. A forma política estatal, no entanto, nãoé um molde surgido de quaisquer dinâmicas de lutas de classes.É apenas no tipo específico de luta de classes capitalistas que aforma política estatal exsurge. Nas sociedades capitalistas,atravessadas pela dinâmica da forma-valor, a forma políticaestatal se apresenta como derivação necessária de suas relaçõessociais e, além disso, a luta de classes perpassa tanto o própriocerne da exploração da força de trabalho pelo capital quanto aprópria vida política. Se no nível econômico dá-se o cerne daluta de classes, ela se localiza também no nível político, sejaporque o político é forma derivada das formas sociais quetambém constituem a luta de classes, seja porque esta éreconformada e refigurada pelo político. O Estado não é a formade extinção das lutas em favor de uma classe, mas sim demanutenção dinâmica e constante da contradição entre classes.Sua forma política não é resolutória das contradições internas dotecido social capitalista, sendo, antes, a própria forma de suamanifestação, constituindo alguns de seus termos e mesmo deseus processos mais importantes. Assim, não se há de pensar naforma política estatal e na luta de classes como dois polosdistintos ou excludentes num mesmo todo social. Na mesmadinâmica da luta de classes capitalista estabeleceu-se a formapolítica estatal.

A luta de classes é tanto o seio no qual brota a formapolítica quanto o alvo da própria institucionalização estatal.Trata-se de um processo contínuo de constituições sociais einterferências recíprocas. No capitalismo, a separação entre osprodutores e os possuidores dos meios de produção, forjandoclasses sociais distintas – trabalhadores assalariados e burgueses–, está na origem estrutural de formas sociais que configuram adinâmica de tal reprodução social. A mesma origem formal eestrutural da luta de classes se reflete na específica forma políticado capitalismo, estatal. Por sua vez, o Estado reconstitui aprópria luta de classes e é, também, reconstituído por esta. Num

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própria luta de classes e é, também, reconstituído por esta. Numexemplo, o movimento proletário gera frentes de trabalhadoresque, pressionando o Estado por demandas específicas, passam aser por este reconhecidas na forma de sindicatos oficializadosjuridicamente. A luta de classes modifica o Estado e, vice-versa,a forma política estatal a condiciona. Tanto a luta de classes estánas entranhas das formas econômicas do capitalismo quanto daforma política que lhe é própria. E, também, tanto as formaseconômicas quanto as políticas do capitalismo reconfiguram ostermos da luta de classes.

Não se pode considerar o Estado como mero comitê gestordos interesses imediatos da burguesia. Sua própria forma políticase erige como poder distinto da imediatitude dos domínios declasses, grupos ou indivíduos. Claro está que a dinâmica socialpassa pela influência ou mesmo pela tentativa de captura de todoo aparato estatal ou de suas instituições específicas por classesou grupos. Tal injunção revela as situações históricas específicasou, até mesmo, os padrões médios reiterados de posicionamentodo Estado perante o todo social. Mas, para além do estudo dasinjunções ocasionais ou resistentes, é a forma específica dopolítico que esclarece sua posição estrutural geral. Se o Estado éburguês, isto tem causas muito mais profundas do quesimplesmente a eventual captura de seu aparato pela burguesia: aexistência da forma política estatal é índice necessário dareprodução capitalista.

Nas relações sociais capitalistas, as contradições advindasdas lutas de classes são constantemente reconformadas pelapolítica estatal. Por isso, em dinâmicas históricas paulatinas evariáveis, o processo de luta de classes vai se talhandosocialmente como constrição à forma, tal qual aponta JoachimHirsch. Das lutas no chão da fábrica quando da industrializaçãoàs demandas de direito sindical nos tribunais, é intensa,conflituosa e constante a relação entre Estado e luta de classes,com os seus termos se influenciando reciprocamente. Entre opolítico e o econômico não se estabelece uma derivação lógica,mas, sim, uma derivação efetiva e concreta deste para aquele: apartir das formas sociais do capitalismo, dá-se, entre tais esferas,uma imbricação necessária, numa relação que é contraditória eatravessada pelas lutas de classes.

As lutas de classes são constantemente jungidas à

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As lutas de classes são constantemente jungidas àconstrição da forma política estatal e a dinâmica do capitalismoabsorve, em suas formas sociais, a maior parte dos antagonismossociais. Além de classes, as lutas e as postulações de grupos eindivíduos também são constritas à forma política jáestabelecida. Com isso, via de regra, o conflito social sedesenvolve mediante formas da própria reprodução socialcontínua do capital. Apenas em situações extremas dascontradições, os termos da forma política estatal podem serevelar insuficientes. É justamente em tal antagonismo--limiteque se vislumbra que as próprias condições políticas docapitalismo não são imunes a transformações revolucionáriasque venham a extingui-las, nem suas formas sociais são eternas.

Se o próprio Estado é distinto dos interesses e domíniosimediatos como forma de sustentar a reprodução capitalista, istonão quer dizer que tenha plena inteligência sobre tal tampoucototal capacidade de administrar – como sujeito dirigente, mentorou promotor “geral” – a continuidade de tal reprodução. Por issoa luta de classes, se é constantemente reconfigurada pelo Estado,não é totalmente esculpida nos termos de uma conservação idealou geral do sistema. Os conflitos sociais engendram crises dasmais variadas amplitudes, reconstituindo as próprias posiçõesdas classes em luta e sua relação com o Estado.

Tanto o Estado não é um gestor onisciente do capitalismoquanto as classes sociais não são, imediatamente, as melhoresgestoras de seus próprios interesses. Classes e grupos, nareprodução capitalista, têm, em desfavor de suaautocompreensão estratégica, a natureza de sua própriaconstituição ideológica, que é talhada, estruturalmente, de formaexterna a si próprios. Além disso, o tipo de sociabilidadecapitalista faz com que os vínculos relacionais de seus membrossejam individuais, atomizados e imediatos. Tal subjetivação, queé própria da economia capitalista, é reforçada pela forma políticaestatal, que fragmenta as classes e grupos em cidadãos. Daí queas lutas de classes, sob o capitalismo, não se fazem apenas comoconfrontos sociais diretos, mas, quase sempre, se apresentamcomo configuradas a partir dos termos postos ou pela formaeconômica – a anarquia do interesse subjetivo de indivíduoslivres e iguais – ou pela forma política – direitos subjetivos,acesso político por meio do direito eleitoral, organização sindical

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acesso político por meio do direito eleitoral, organização sindicaletc.

Justamente porque não se trata de um processo linear nemonisciente, a luta de classes se imbrica necessariamente na formapolítica estatal por meio de um processo conflituoso deinfluências recíprocas. É por causa da própria especificidade doapartamento entre as instituições políticas e as classes que estasencontram no Estado menos um ente moral de sua conservaçãoe mais um garante formal da dinâmica da reprodução do capital.Também pela especificidade desse apartamento, uma classe, umgrupo ou mesmo um indivíduo tem dificuldade em sustentar umconstante domínio direto do Estado, na medida em que nele areprodução social capitalista necessita encontrar sempre umaforma que seja distinta de todos os capitalistas e trabalhadores edemais membros de uma sociedade.

É certo que as lutas de classes, reconfiguradas pela formapolítica, fazem-se, de modo cotidiano ou reiterado, como lutaspor influência ou posição de domínio no seio das própriasinstituições estatais. Mas, como a forma política e as formaseconômicas do capitalismo não são entidades suprassociais, elasestão na dependência direta das relações, dinâmicas, embates,conflitos e contradições entre as classes. É por isso que, noextremo, a manutenção das formas capitalistas em face da luta declasses pode se apresentar totalmente disfuncional e incapaz demanter os eixos de sustentação de sua dinâmica social. A partirda relação entre forma, estrutura e luta de classes pode-sedepreender que, às classes trabalhadoras – cujas demandas sãoformalmente processadas pelo Estado por meio de direitossubjetivos –, graus extremos de contradição, luta ou crise podemvir a propiciar a superação das próprias formas econômicas epolíticas que as jungem ao capital.

As diversas estruturações, configurações e funções que oEstado assume nas sociedades capitalistas se explicam a partirdessa dinâmica da luta de classes. À exceção de crises extremas,que ponham em xeque a própria reprodução do capital e amanutenção da forma política estatal, de modo geral o Estado jáse institui para sustentar a luta de classes em seu interior e parasempre configurar tal luta a partir de termos políticos. Pelaprópria forma estatal, há uma tensão constante por constituir aslutas de classes de acordo com os parâmetros políticos. Mas, em

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lutas de classes de acordo com os parâmetros políticos. Mas, emse tratando de uma totalidade social conflituosa, de classes,grupos e indivíduos necessariamente antagônicos entre si, asrelações intersociais no capitalismo nunca são plenamentefuncionais à forma.

2.3. Fenômeno político e tecido social

Tratando-se de um complexo de relações sociais, o Estadonão pode ser pensado como um aparato apenas instrumental,possuído por uma classe contra outra. A assim se imaginar, oEstado seria uma estrutura neutra e passiva, indistinta àsespecíficas dinâmicas sociais e à disposição de quaisquer formasde interação. Ocorre o contrário. O Estado, como formaespecífica do tipo de socialização capitalista, nessa rede deinterações, entrecruza-se com todas as demais relações sociais e,em face delas, é constituído e constitui. Se o tecido socialcapitalista corresponde a específicas dinâmicas econômicas,também está atrelado a necessárias estruturas jurídicas e políticasque lhe são correlatas. Por isso, ao contrário de enxergar noaparato estatal uma autonomia que pareça apartada da sociedade,em verdade o Estado está nela mergulhado, de modo ao mesmotempo derivado e ativo.

A sua própria constituição como elemento terceiro darelação entre capital e trabalho faz com que o Estado não seestabeleça simplesmente como comitê de uma classe contraoutra. Não é porque uma classe controla o Estado que um poderse abre imediatamente em seu total favor e imediatamente emdesfavor total das demais classes. O processo de dominaçãosocial capitalista é complexo, necessariamente atravessado porformas sociais. Não se identificando apenas à função de poderque assume, mas fundada em objetivações sociais que estãoalém de sua autonomia, a forma estatal é derivada da formamercantil e nesse contexto estabelece suas estruturas. Por isso,não é o domínio total e indiferente dos capitalistas nem pode, porvia reversa, servir como redenção aos trabalhadores. A formaestatal é justamente alheia aos interesses imediatos dos gruposcomo modo necessário da reprodução social do própriocapitalismo. O Estado não é domínio dos capitalistas; menos emais que isso: o Estado é a forma política do capitalismo.

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mais que isso: o Estado é a forma política do capitalismo.A localização do fenômeno político no todo social

capitalista esparrama-se por uma geografia complexa. O Estadoé atravessado por contradições políticas variadas. Suaadministração apresenta, muitas vezes, horizontes conflituososno que tange às suas diretrizes últimas. Capital e trabalho sefazem representar, ambos, dentro do Estado e nos aparatos quelhe são próximos. Não há poder político totalmente indiferenteaos trabalhadores, mas tampouco há aquele que lhe possa serestruturalmente libertador, porque não há poder políticoindiferente ao capital. E, além das contradições inerentes queporta como terceiro da relação entre capital e trabalho, o Estadotambém está mergulhado em diversas outras redes de podersocial, como no caso das relações de patriarcado, raça, crençaetc. É justamente o seu caráter não binário, mas, sim, deespecífica objetivação a partir da qual se condensam relaçõessociais mergulhadas em rede, que permite a sua relativaidentidade própria como forma terceira em relação à dinâmicasocial total e, também, a sua capacidade de reconstituição detodo o tecido social a partir dessa sua forma específica.

A sociedade capitalista é fundada na separação entre ospossuidores dos meios de produção e a massa de trabalhadores.Estes, de modo compulsório, vendem-se individualmente aocapital, em troca de salário. A dinâmica das classes, nassociedades capitalistas, reveste-se da peculiar condição de serfundada, no microcosmo, em vínculos individuais. Por tal razão,é em torno do indivíduo que se desenvolve a maior aparelhagemde constituição estrutural das relações sociais capitalistas.Burgueses e trabalhadores são equiparados juridicamente,tornados iguais e livres para a possibilidade de trocas e acordosinterpessoais, e sua disposição de vontade é tida por autônoma.O núcleo atomizado do indivíduo, além de ponto de apoioconstituidor, é, também, constituído a partir das relaçõescapitalistas.

O tecido social, portanto, funda-se numa distinção profundade classe – capital e trabalho – e, ao mesmo tempo, numaoperacionalidade atomizada, com base na aparelhagem queconstitui o moderno sujeito de direito. A própria dinâmicaeconômica institui e reforça a ação social a partir da orientaçãoindividual, mas também o Estado tem papel fundamental no

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individual, mas também o Estado tem papel fundamental noembaralhamento dos delineamentos de classe em favor daatomização dos indivíduos. Nem todos os Estados nocapitalismo, historicamente, deram reconhecimento jurídico aentidades de classe ou grupo, como os sindicatos. No entanto, demodo geral, os Estados de sociedades capitalistas constituemparcelas majoritárias da população como sujeitos de direito. Oindivíduo é a pedra de toque estrutural do tecido socialcapitalista, e isso se faz também por meio necessário da açãoestatal. Contudo, mesmo quando o Estado reconheceformalmente figuras maiores que o indivíduo, como ossindicatos, persistem ainda os procedimentos de ligaçãoindividual entre capitalista e trabalhador, privilegiando asdemandas no campo jurídico que estejam vinculadas às lutas pormajoração de direitos em vínculos atomizados. Além disso, aténo plano das figuras jurídicas orgânicas a forma pela qual oEstado estabelece a relação jurídica se dá sempre em termos depessoas – sindicatos e associações só são aceitos como pessoasjurídicas, perpassados por direitos e deveres. Assim, a política eo direito impõem à luta de classes a disputa constante segundoos exatos termos gerais das formas sociais da cadeia davalorização do valor.

Se o Estado pasteuriza formalmente as classes em favor daatomização individual, isto não quer dizer que acabe com adiferença de classes nem que a ignore. A própriainstitucionalização do indivíduo sujeito de direito em desfavordo reconhecimento das classes é uma política de supremacia dasclasses burguesas para cima das classes trabalhadoras. Oreconhecimento jurídico de grupos e sindicatos, por sua vez, fazpor acolher, nos termos e quadrantes controlados pelo próprioEstado, a luta de classes. Além disso, os instrumentos típicos derepressão possibilitam ao Estado o controle do transbordo da lutados indivíduos, grupos e classes do plano da forma jurídica paraa luta aberta de classes, evitando, por meio da violência, talpassagem. A dinâmica de classes perpassa estruturalmente aação estatal, ainda que esta formalmente não a reconheça oubusque embaralhá-la nos entremeios do privilégio à açãoindividual. As classes, assim, lutam para configurar o Estado,mas são elas próprias reconfiguradas por ele.

A mesma dinâmica de constituição e configuração dos

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A mesma dinâmica de constituição e configuração dosindivíduos e classes por meio de relações estruturais capitalistase estatais se dá também no que tange aos grupos sociais. Comoas economias capitalistas e os Estados se assentam sobre tecidossociais preexistentes, nessas redes já enraizadas historicamente,instituições sociais encontram-se estabelecidas e hábitos, valores,preconceitos, dispositivos sociais, táticas e técnicas de controle esujeição já se encontram dados. O Estado reconfigura todo essecomplexo tecido social, reconstituindo a dinâmica de indivíduos,grupos e classes a partir da constrição da forma.

Se os indivíduos e as classes são, em alguma proporção,um produto das relações políticas do capitalismo, também amiríade dos grupos sociais o é. Até mesmo o reconhecimento e aidentidade dos grupos sociais passam por mecanismos deformalização estatais. É por conta de nexos estruturais, quetambém são estatais, que se levantam noções nitidamentepolíticas de nacional e estrangeiro, ordeiro e baderneiro,benquisto e indesejado, amigo e inimigo, além daquelas queparecem pertencer ao plano natural ou até mesmo biológico,como as noções de homem e mulher, sexo normal e desviante,raça pura e impura, sangue tolerado ou perseguido. Para todosos complexos das redes da sociedade capitalista, não se podepensar que tenha havido uma simples transposição de dadosnaturais para a política. O Estado, se é verdade que se finca emtecidos sociais já existentes, ao mesmo tempo reelabora ereconstitui a todos, ensejando outros. Seu papel de constituição ecoerção é tamanho que o dado social por ele elaborado é muitasvezes compreendido pela sociedade como natural.

As noções de nacional e estrangeiro são tipicamentepolíticas, porque dependentes de marcos dados pelo próprioEstado. Também política é a identificação de grupos internos aoterritório, em geral objetos de violenta repressão – como osmovimentos socialistas e de trabalhadores na história dos séculosrecentes. Ocorre que tal processo é de múltipla implicação. Atémesmo a identificação dos grupos constituídos politicamente selava também em outras águas do tecido social. O socialista é damesma forma alijado pelos juízos da religião, para a qual ébaderneiro e contra Deus. O estrangeiro é estigmatizado pelospadrões de julgamento popular do que é civilizado – mesmo se odireito não pode diferenciá-los, há, segundo a compreensão

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direito não pode diferenciá-los, há, segundo a compreensãoarraigada nas sociedades, grupos imigrantes totalmentediferentes, pois uns advêm de países cristãos, outros de paísesárabes, por exemplo, variando o que se reputa por padrãoesperado de acordo com as sociedades receptoras. O migrante,oriundo de regiões mais pobres do próprio país, é discriminadopor conta de preconceitos linguísticos, educacionais ou mesmopor conta de juízos de etiqueta, reveladores, todos, de arraigadospreconceitos sociais. Se é verdade que o Estado se funda em taispreconceitos, ele, então, os opera de modo reconstituído. Aocriminalizar o racismo explícito, o Estado legitima o preconceitoimplícito. E, em casos extremos, é o próprio Estado quemlegitima e estimula ódios seletivos.

No que tange à raça, a ação estatal apenas parece se plantarem dados de origem biológica. Ocorre que toda narrativa de raçaé uma reconstrução político-social em torno do sangue ou dapele. De algum modo, revela, inclusive, um padrão depreconceito que vai imanente com as noções de respeito eadmiração ao capital. Um inglês, um alemão ou um norte-americano são considerados civilizados porque em seus paíseshá riqueza do capital. O juízo sobre a raça e mesmo sobre acivilidade do grupo social é de algum modo parelho ao feticheda riqueza. Povos do norte da Europa são considerados oriundosde raças mais puras e historicamente mais evoluídas que osperuanos e bolivianos não porque no passado os incas fossem depior engenho e cultura civilizacional comparados aos bárbaroseuropeus, mas porque o poderio capitalista dos europeus hoje émaior que o dos latino-americanos. O povo chinês, aoenriquecer, passa a ser respeitado e considerado agradável noimaginário de povos ocidentais que, há muito pouco tempo,preconceituosamente, consideravam-no indesejável.

Se são condições sociais ligadas à dinâmica do própriocapitalismo que estabelecem juízos a respeito de grupos sociais,também os Estados interferem diretamente nessa paleta de gostose preconceitos. Como as guerras estatais para a expansãoterritorial envolvem fronteiras, então o país vizinho é objeto derixas maiores que um país alheio e distante. Não é de umapretensa rivalidade entre povos vizinhos que os Estados extraempolíticas de guerra e segregação de fronteira. São, justamente, asrecíprocas e reiteradas competições das ações estatais que

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recíprocas e reiteradas competições das ações estatais queconstituíram a rivalidade. É o Estado que dá identidade ao povose lhe está submetido e, por consequência, ao estrangeiro.

Em países de racismo não contra estrangeiros, mas contraparcelas amplas do próprio povo, também a noção de raçaprivilegiada é diretamente oriunda das estruturas das relaçõessociais capitalistas. Nos povos da América, os negros e os índiosforam e são alvo de preconceito social e estatal. Não se trataapenas de um acaso, mas, sim, do fato de que as classesburguesas são descendentes dos povos colonizadores europeus,que são brancos, e os índios e os negros foram por séculosescravos. Os aparatos políticos dos Estados americanos seinstalaram justamente para a proteção do capital do branco e aperseguição e subjugação das massas escravas e trabalhadoras.A empresa capitalista no novo mundo – separando edistinguindo o capital branco do trabalho negro e índio – éresponsável pela instalação dos seus específicos dispositivospolíticos de preconceito e racismo.

No mais íntimo do tecido social, também o Estado não émero continuador de preconceitos e distinções naturais oubiológicas. A noção de homem e mulher é retrabalhada nocapitalismo. O patriarcalismo adquire contextos específicos nadinâmica entre capital e trabalho. Os grupos sociais tradicionais– como a parentela – são dissolvidos em favor de um núcleofamiliar plantado na vinculação entre homem e mulher. Emsociedades nas quais a vida depende da posse de bens que sãoadquiridos no mercado, é a centralização do papel do assalariadonas mãos do homem que forja o moderno patriarcado. Omachismo vai de par com o capitalismo. Há um liame necessárioentre a forma mercantil e a forma da família monogâmicaheterossexual reprodutora. A forma política se põe acomplementar, em tal caso, a dinâmica das formas. Os padrõessociais que sejam distintos do casamento monogâmicoheterossexual são tanto repudiados socialmente quantojuridicamente. Com base também num emparelhamento com arepressão política, as religiões estabelecem a noção “divina” defamília e a sociedade circula a noção “natural” do que espera deseus vínculos. A política contemporânea quanto à própriaidentidade de gênero, no caso de transexuais, por exemplo,revela uma constante operacionalidade estatal na qualificação da

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revela uma constante operacionalidade estatal na qualificação daidentificação do que se considera, falsamente, apenas biológico-natural.

A sorte das minorias, nas sociedades capitalistas, deve sertida não apenas como replique, no mundo atual, das velhasoperações de preconceito e identidade, mas como política estataldeliberada de instituição de relações estruturais e funcionais nadinâmica do capital. Por isso o capitalismo é machista,homofóbico, racista e discriminador dos deficientes e dosindesejáveis. O capital é historicamente concentrado nas mãosdos homens, cabendo à mulher o papel estrutural de guardadorado núcleo familiar responsável pelas mínimas condições deexistência do trabalhador e de reprodução da mão de obra. Asrelações de gênero são estruturadas pela dinâmica das classes edo capital. A homofobia é uma técnica de contenção, controle edirecionamento dos prazeres e de apoderamento relativo degrupos, alimentando ainda o patriarcado. A noção de raçasuperior está em conexão direta com a posse do capital ou com adepreciação do concorrente. A deficiência é consideradadisfuncional e a feiura é indesejada no mercado que permeia oscorpos.

O Estado se planta no tecido social, recebendo o passadoem sua complexidade e suas profundas contradições, mas nãotoma a si tal legado de modo passivo. É justamente nareconfiguração das identidades, dos controles, dos saberes e dasdisciplinas das classes, dos grupos, das minorias e dosindivíduos que o Estado conforma o tecido social.

2.4. O Estado ampliado

O fenômeno político no capitalismo se concentra noEstado, mas não se pode considerar que a estrutura estatal sejalimitada apenas pelos contornos daquilo que estabelece a suadefinição jurídica. O Estado se encontra aglutinado, estrutural,formal e funcionalmente, a muitas instituições sociais que lhe sãoíntimas. A alta conexão entre o Estado e tais instituições sociaispermite compreender a política contemporânea, no tecido socialcapitalista, como um Estado ampliado.

O Estado está intimamente conexo com o todo social dedois modos. No campo estrutural, ele é um dos momentos

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dois modos. No campo estrutural, ele é um dos momentosnecessários da própria reprodução capitalista. A troca demercadorias entre indivíduos, a exploração da força de trabalhomediante salariado pelo capital e a garantia deste se fazem nãosuplementarmente pelo Estado, mas estruturalmente. Assim, oEstado só pode ser compreendido no contexto geral datotalidade capitalista. Mas, além de se apresentar como formapolítica da dinâmica do capital, o Estado aglutina instituiçõessociais que lhe são intimamente conexas. Se é certo que se podevislumbrar um acoplamento recíproco entre o Estado e taisinstituições sociais, a causa profunda dessa imediata vinculaçãoestá na própria forma de reprodução da sociedade capitalista. Aocontrário de uma explicação causal de tipo instrumental oufuncional – como se se dissesse que o Estado se interessasse portais instituições em benefício de um plano deliberado de domíniode uma classe ou, de outro lado, porque ambos se acoplam semnenhuma razão outra que não seja o próprio acaso dadependência funcional –, deve-se entender que o fundamento doEstado ampliado, aglutinado a uma série de instituições sociais, éestrutural, na medida em que a forma-mercadoria e a luta declasses permeiam a totalidade da sociabilidade. Ainda que demodo contraditório e perpassado por crise, a dinâmica socialcapitalista estabelece tanto a forma política estatal quanto umaconexão direta desta com instituições sociais que dela brotam ousão reelaboradas em razão da própria reprodução do capital. Ainexistência de tal aparato geral conexo causa fragilidadesestruturais ao próprio Estado – no limite, inviabiliza suaafirmação material. Daí, aparelhos e instituições sociaisconcretos se agrupam, funcionalmente, na constituição de umEstado ampliado. Pode-se vislumbrar a história dessa ampliaçãodo Estado, também e em alguma medida, como a aglutinação deaparelhos materiais distintos em uma mesma órbita funcional ou,mais a fundo ainda, em uma mesma estrutura de reproduçãosocial. A coerção geral das formas opera nessa ampliação doEstado – ou, a depender, nessa aglutinação de materialidadessociais em torno do Estado – dando base à própria dinâmica dereprodução capitalista.

A compreensão marxista a respeito do Estado, no séculoXX, não se bastou em estabelecer o contorno do aparato políticono limite afirmado pelo direito. Dentre as teorias a respeito do

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no limite afirmado pelo direito. Dentre as teorias a respeito doEstado ampliado, destacam-se as noções de hegemonia, propostapor Antonio Gramsci, e de aparelhos ideológicos de Estado,formulada por Louis Althusser. Em ambas – de modos distintosmas alcançando, neste ponto, o fundamental –, o Estado éexpandido para além de sua definição normativa ou do núcleogovernamental-administrativo que tradicionalmente o identifica.No tecido social, há regiões que se aglutinam comoideologicamente estatais, estrutural ou funcionalmente. Em taisregiões, há práticas sociais constituídas, reguladas, talhadas,ensejadas, operacionalizadas ou controladas pelo Estado. Aindaque sejam efetivadas por indivíduos, grupos e classes – naquiloque o direito convenciona chamar por campo privado –,entrelaçam-se ao núcleo político estatal de tal sorte que acabampor constituir um grande espaço do Estado ampliado. Aconstituição da totalidade social capitalista opera, por meio dassuas formas, a objetivação de práticas e relações sociais, que seaglutinam, de modo repressivo e ideológico, ao poder estatal.Trata-se de uma conjugação conflituosa e contraditória, namedida dos antagonismos múltiplos entre classes, grupos eindivíduos e, ainda, dentro do próprio Estado e na variadarelação do Estado com a miríade dos agentes sociais. Talampliação da estruturação do Estado é uma dinâmica que seestabelece no mesmo sentido das próprias formas de reproduçãoda exploração capitalista: de modo conflituoso, perpassado pelaslutas de classes.

O Estado se enreda em práticas materiais de repressão e deconstituição ideológica. Por meio destas últimas, funçõesnecessárias à reprodução das relações sociais capitalistas seestabelecem. A prevalência de uma classe na exploraçãoeconômica e no domínio político não pode se bastar apenas narepressão estatal, mas principalmente na vivificação ideológica,por toda a sociedade, de seus valores, de sua inteligibilidadeoperacional e de sua forma de reprodução social. Mas talincidência ideológica não é uma imposição direta de uma classesobre outra. Justamente porque o capitalismo se assenta sobrerelações sociais antagônicas, de indivíduos em concorrência, adinâmica das classes reserva ao Estado o papel primordial deofertar condições amplas de garantia das próprias relações deprodução, não só no plano da infraestrutura mas também da

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produção, não só no plano da infraestrutura mas também daprópria constituição ideológica. Assim, o sistema educacionalprepara, separa, direciona e instrumentaliza os indivíduos parafunções correspondentes na divisão social do trabalho,alimentando a clivagem de classes. A família estabelece em seuseio a unidade primordial para a sustentação das mínimascondições existenciais do trabalhador e, ainda, a reproduçãogeracional da própria força de trabalho. Além desses, religiões,sindicatos, meios de comunicação de massa e sistemas culturaise valorativos agem em amplas regiões do todo social que sãovitais para o processo de produção e reprodução social.

Chamam-se por aparelhos ideológicos tais núcleos dasociabilidade porque eles são materializações de práticas erelações reiteradas de indivíduos, grupos e classes, alcançando, apartir de sua efetivação, um peso intelectivo e valorativo geral.Esses variados aparelhos, que trabalham eminentemente no nívelideológico, constituindo subjetividades e relações sociais,também operam, em grau menor, no plano repressivo – sançõessociais, morais e religiosas, por exemplo –, mas seu papel é bemmais o de instaurar as positividades da reprodução social. Eles seestabelecem em conjunto com outros aparelhos estataisnotoriamente repressivos mas também, em grau menor,ideológicos – como as forças armadas, as polícias etc. Osaparelhos repressivos, nas sociedades capitalistas, dada aseparação do poder político em face das classes econômicas, sãopraticamente concentrados em mãos estatais. Já os aparelhosideológicos perpassam tanto o Estado, naquele núcleo pelo qualé tradicional e juridicamente identificado, como também seesparramam por regiões do plano político não imediatamenteestatais. No entanto, como são plexos sociais que corroborampara permitir a própria reprodução social geral e a do Estado emespecífico, e por este são, de variados modos, parcialmentecontrolados – são tomados como aparelhos ideológicos deEstado (AIE) – no sentido pelo qual Althusser os considera.

Tal como os aparelhos repressivos se sustentam em forçasmateriais, como as armas ou os encarceramentos, há tambémuma materialidade nos aparelhos ideológicos, de sorte que nãosão apenas falsas consciências ou ideias extravagantes ao todosocial nem, ainda, simples emanações ocasionais de deliberaçõesestatais, mas, sim, práticas efetivas, enraizadas em relações

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estatais, mas, sim, práticas efetivas, enraizadas em relaçõessociais concretas. Tais práticas sociais se estruturam a partir dasnecessidades da dinâmica das próprias relações de produção.São elas que individualizam, separam, constituem, chancelam,insculpem valores, repressões e desejos. O Estado assume umpapel necessário em tal processo, na medida em que reúne ocontrole da institucionalização imediata de seus aparelhos. Comisso, na geografia da sociabilidade capitalista, o Estado estásempre espraiado para além de seus limites formais ou jurídicosautodeclarados, fundindo-se a aparelhos sociais.

Tal aparelhagem, dentro e para além do núcleo imediato oudeclarado do poder estatal – governo e administração –, ensejadissonâncias no interior de uma singularidade. O poder estatal,naquilo que dele se depreende a partir da posse dos cargos,mandatos e do controle de suas instituições juridicamenteconsolidadas, é constantemente apropriado ou tomado porclasses específicas, mas os aparelhos ideológicos, como sãomaiores que tal núcleo de poder estatal, e dada sua concretudematerial no bojo das relações sociais, podem ensejar práticasdistintas e mesmo nitidamente contrárias àquelas que operam apartir do controle do núcleo central do Estado. Assim seentende, conforme a posição de Gramsci, a disputa dahegemonia como uma possibilidade da estratégia política, apartir do Estado ampliado. Justamente porque o Estado não éapenas um núcleo repressivo, sua materialidade em aparelhostambém ideológicos enseja contraideologias a partir dessemesmo espaço estatal ampliado.

Apenas no nível da descrição teórica é que se pode separaro Estado das instituições sociais que formam um Estadoampliado. É pela tradição de um saber especificamente jurídicoque se vislumbra o Estado tomado de modo restrito – governo,administração burocrática, força militar, poder normativo etc. –,separado das instituições sociais que lhe são intimamenteconexas – educação, meios de comunicação de massa etc. –,mas que são compreendidas, em muitos casos, como entesprivados ou “sociedade civil”, tomada aqui em oposição aoEstado.

No entanto, não se deve compreender o Estado ampliadocomo mera soma de entes autorreferentes. A ligação do núcleopolítico do Estado com seus aparelhos amplos é estabelecida de

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político do Estado com seus aparelhos amplos é estabelecida demodo dinâmico, atravessado de peculiaridades históricas econtradições estruturais. Historicamente, a formação do Estadoampliado é mais que um simples encontro entre instituições aprincípio autônomas e isoladas. Se é verdade que muitas dasinstituições externas ao núcleo político estatal já se apresentavamem modos de produção pré-capitalistas, elas são reconstituídas,reconfiguradas e tomam forma comum a partir de um mesmomovimento da dinâmica social do capital, guardando, portanto,uma razão específica na sua manifestação.

O Estado ampliado não se apresenta como ocasionalmenteampliado, como se estivesse em coexistência banal com outrosfenômenos e aparatos indiferentes a si. Há um nexo intrínsecoentre as instituições estatais e sociais que constituem a granderegião política do capitalismo. O núcleo familiar se assenta comoestrutura de respaldo do trabalhador que se vende ao capital.Daí, a rígida moral familiar se apresenta como forte elo daconstante reprodução e manutenção do estoque de força detrabalho disponível no mercado. Para além das ideologiaspolíticas e morais específicas, a educação é de massas eformalizada pelo Estado como única possibilidade de umentendimento linguístico e técnico entre os agentes da produção.Para a permanência da oferta de força de trabalho, a educação,controlada pelo Estado, é orientada à formação técnica. Osmeios de comunicação em massa não apenas se prestam àsmanobras imediatas dos agentes políticos em disputa eleitoral,como também interditam conhecimentos, reconfiguram oimaginário social e instituem repulsas e desejos. Tal comoFoucault aponta de modo particular, as tantas disciplinas doscorpos, dos atos, dos horizontes psíquicos e intelectuais dosindivíduos advêm de técnicas de dominação múltiplas, mas sereconfiguram e se unificam mediante a coerção estrutural dasformas capitalistas, nelas se destacando o Estado.

No entanto, não há, no seio das instituições que formam oEstado ampliado, conexões isentas de conflitos nem decontradições. Se a forma estatal atravessa tais instituições sociais,elas todas também são diretamente atravessadas pela forma-valor. Os meios de comunicação de massa, por exemplo, sãotanto controlados política e juridicamente pelo Estado quanto sãoestruturas que se levantam num sistema de disputas mercantis. O

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estruturas que se levantam num sistema de disputas mercantis. Opoder dos anunciantes, a orientação das propagandas para aplenificação do consumo, as disputas por audiência, o manejoideológico de notícias e a distorção e o cerceamento dasinformações fazem parte de um complexo que responde por umdos momentos diretos da disputa política e da afirmação dedeterminada ordem social mas também, diretamente, da disputaentre os capitais em concorrência.

Se são diretamente atravessadas pela forma política e pelaforma-mercadoria, as instituições do Estado ampliado nãoapresentam distinção estrutural em relação a essa derivação totaldas formas. Mas, justamente porque atravessadas por formassociais múltiplas em sua unidade de reprodução, elas se revelamférteis em aberturas, dissensões, manejos oriundos dos conflitossociais e funções contraditórias com o todo social. Daí aaparência de que as instituições do Estado ampliadopossibilitariam um acesso mais facilitado à contra-hegemonia. Seas engrenagens da família, dos costumes, da educação ou dosmeios de comunicação não são diretamente controladas peloEstado, elas permitem, em algumas circunstâncias, quetransformações nos costumes, inovações pedagógicas ou açõesorgânicas de profissionais e intelectuais críticos ensejassem umadesestabilização dos padrões gerais da reprodução do capital.Trata-se de uma ação que é permitida justamente por sereminstituições sociais relativamente autônomas, mas é precisoponderar que todas elas operam sob uma mesma estrutura dereprodução das formas do capitalismo. Assim, a contingênciados profissionais e intelectuais orgânicos está na condição detrabalhadores assalariados sob mando da vontade última dosproprietários dos meios de comunicação, escolares e artísticos.Se as instituições conexas que formam o Estado ampliadopermitem um acesso mais facilitado às suas atividades nuclearesem comparação ao controle último do próprio Estado, tambémsua existência é resultante da circulação mercantil e da produçãocapitalista. É por razões estruturais que o Estado é ampliado,controlando regiões do todo social, em primeiro lugar, comogarantia de sua própria existência e, em segundo lugar, comogarantia da própria reprodução do capitalismo no qual o Estadose assenta existencialmente.

Toma-se como virtude estrutural do Estado ampliado o fato

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Toma-se como virtude estrutural do Estado ampliado o fatode que não funda o aparato político apenas nos pilarestradicionais de burocracia e repressão – dado que a concentraçãopermitiria ataques frontais a núcleos vitais da reprodução daforma política e da própria sociabilidade geral. Mas, justamenteporque espraiado, o Estado ampliado é a causa da permanênciade relações diversas, contraditórias, conflituosas e em crise, cujadinâmica de reiterado rearranjo e refazimento somente alimenta aconstância da forma pela qual se instituem e a qual se prestam: aforma-mercadoria. A seu modo, a multiplicidade, concorrência econvergência das instituições políticas e sociais é amultiplicidade, concorrência e convergência da sociabilidadecapitalista, num jogo de formação recíproca. As aparentesfragilidades e contradições da política ampliada são, na verdade,a força de estabilização de um sistema de amarras múltiplas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. Política do Estado

3.1. Estado e nação

A partir da forma política separada dos agentes daprodução, o encadeamento ideológico da sociabilidadecapitalista delineia quase sempre, por horizonte, umaidentificação entre Estado e nação. Trata-se de uma forjainverídica, se os termos forem tomados pela explicação,

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inverídica, se os termos forem tomados pela explicação,recorrente e usual, de que o Estado é a forma política que surgiua partir da nação. Muito pelo contrário, em termos históricos efactuais, as sociedades capitalistas valem-se do Estado para,posteriormente, forjar o conceito de nação. É a partir de umespaço específico de reprodução social, estabilizado einstitucionalizado, que se constrói, então, a narrativa e asimbologia ideológica de uma nação subjacente ao Estado.

O surgimento do capitalismo impõe um arranjo social,moderno e novo, estabelecido a partir do desarranjo de velhasformas de reprodução social. As mais diversas organizaçõessociais – feudais na Europa, escravistas coloniais na Américaetc. – são dissolvidas, e, nos Estados modernos, famílias, clãs,tribos e grupos passam a ser politicamente considerados a partirde uma célula indivisível e universal – o sujeito de direito. Defato, os indivíduos são tornados, todos, aptos a serem portadoresde mercadorias que se transacionam e circulam. Suasespecificidades culturais, religiosas, geográficas e econômicassão apagadas em favor de uma homogeneização atomizada. Nãomais os grupos, mas, sim, o indivíduo, considerado sujeito dedireito, é que será a matriz em que se assentará a sociabilidadecapitalista.

A constituição da subjetividade individual, livre e igualjuridicamente, é também a dissolução das velhas subjetividadesorgânicas ou coletivas. O espaço do Estado não é mais o dacomunidade religiosa, ainda que com ela possa concordar emtermos geográficos. Tampouco o Estado admitirá váriasafirmações dissidentes de peculiaridades culturais – os hábitosregidos pela política e pelo direito serão generalistas. As normasjurídicas, mais do que respeitarem o insólito, uniformizam usos ecostumes por via impessoal. Até mesmo a língua passa a sercontrolada por meio político – daí a escolha e a imposição dalíngua oficial em detrimento dos dialetos ou línguas terceiras.

No mesmo processo de desconstituição das subjetividadescoletivas antigas está também a construção do arcabouçoideológico de sustentação da subjetividade moderna. A línguaoficial imposta é recontada como língua de alto valor literário oupoético. Os costumes oficialmente albergados passam a ser ofolclore – a alma do povo, sua verdadeira matriz cultural –, emdetrimento de costumes divergentes. A história é recontada,

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detrimento de costumes divergentes. A história é recontada,emparelhando-se de modo próprio os heróis e os grupos que sedevem exaltar e as virtudes que identificam um determinadopovo. Em alguns casos, a cultura e os valores gerais advindos dareligião da maioria também concorrem para identificar a nação.Nesta reconstituição, os patamares da reprodução capitalista já seencontram estabelecidos: as classes dominantes do Estado – danobreza à burguesia – dão a orientação da narrativa de suaprópria história e de suas glórias. O caso brasileiro é exemplar.Com inúmeros povos indígenas vivendo há muito na terra, ahistória é contada, no entanto, a partir do olhar português. Fala-se em descobrimento do Brasil quando o português aqui aporta;oficializa-se e generaliza-se a língua portuguesa; glorifica-se odesbravador bandeirante que expande os limites do domínioterritorial; comemoram-se, por fim, as lutas da burguesia nativabrasileira contra o domínio político português. A construçãosimbólica da nação advém do específico estabelecimento dasclasses dominantes. A narrativa da história segue exatamente asequência da sucessão de tais classes. O Estado opera de modoprivilegiado as tarefas de consolidação dessa simbologia.

É no solo de relações sociais capitalistas que se dá aconstrução do específico conceito de nação. Trata-se de umarcabouço ideológico necessário ao capitalismo. O feudalismopode operar com conceitos como o de grupo ou de comunidadereligiosa. O capitalismo, estabelecido a partir da indistinção dossujeitos de direito – indivíduos que transacionamimpessoalmente a si e a seus bens no mercado –, deve operarcom uma conceituação que possa dar conta de um nexo políticouniforme entre os indivíduos. A nação, assim, busca exprimirum espaço valorativo comum – língua, costumes, hábitos,modos de ser e agir, religião ou outras identidades possíveis.Claro está que se trata de um processo muito específico evariável. Há nações que podem ser identificadas na conta deuma religião comum, até mesmo oficial, outras não. Há povosque têm idiossincrasia de costumes, há populações que parecemse afirmar por fenótipos semelhantes e que transplantam taisaparências para uma pretensa raça, há povos de língua única,outros não. Por isso, o que identifica uma nação é variávelgeográfica e temporalmente, a depender de distintascircunstâncias. Exatamente por tal razão, o conceito de nação

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circunstâncias. Exatamente por tal razão, o conceito de naçãopode ser forte em termos simbólicos, mas sempre se tornasubsidiário do conceito mais forte que estrutura uma unidadepolítica, que é o Estado. Por mais que a ideologia das específicassociedades se construa como nacional, é na forma política estatalque está o ponto nodal da reprodução capitalista.

Devido a isso, avançados e sofisticados arranjos sãopossíveis para dar conta de exprimir a cultura distinta e muitasvezes oposta de povos unificados sob mesmo Estado. OsEstados multinacionais, se antes indesejados, podem muitasvezes se revelar interessantes válvulas de escape para apreservação da unidade estatal e das classes sociais. O que há defundamental à reprodução capitalista é a forma política estatal.Se se comporta, juridicamente, uma clivagem cultural e de tratosocial dentro de uma única forma política e jurídica, será só essamatriz estatal comum que se revelará necessária para ainda tratara todos os agentes econômicos como sujeitos de direito quetransacionam mercadorias e têm garantida sua propriedadeprivada.

Mas, se o Estado dá conta de estruturar as relações dereprodução capitalista, por que, historicamente, ele busca seduplicar, em termos ideológicos, também em nação? Sob aforma política que os institui como sujeitos de direito, osindivíduos se revelam desnudados em sua atomicidade. Uns sãocapitalistas e exploram, a maioria é trabalhadora e é explorada.A ideologia da nação constrói um espaço simbólico deamálgama por sobre as classes. Assim, antes de ser burguês ouproletário, o indivíduo vislumbra pertencer a uma nação. Aforma política estatal busca se duplicar como nação como meiode constituir uma unidade social para além das classes.

Tal unidade, também constituída no solo de umamultiplicidade de Estados, enseja ainda um espaço deconcorrência e competição. Os nacionais de um país se sentemunidos contra os nacionais de outro país, seu concorrente.Dentro de uma pátria, tem-se a impressão de que as leis, aordem, as perdas e as conquistas são compartilhadas pelamaioria. Trata-se, portanto, de um congraçamento. Já no quetange ao estrangeiro, o sentimento é de oposição.

A desarticulação das classes trabalhadoras e exploradas noplano internacional é um notável feito da duplicação do Estado

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plano internacional é um notável feito da duplicação do Estadoem nação. O capital não se limita por fronteiras e as burguesiasnacionais têm comportamentos variáveis quanto às suas relaçõesexternas: a depender das condições e situações específicas,aferram-se ou não aos limites nacionais. Já as classes exploradas,jungidas a territórios que não permitem a livre-circulaçãointernacional do trabalho, submetem-se de modo implacável àscondições locais. Assim, a ideologia da nação é um elementoque reforça, em cheio, a submissão dos explorados docapitalismo.

A duplicação do Estado em nação se faz de modos muitosespecíficos e peculiares. Alguns povos hão de se identificarcomo raça. Outros vão se considerar, a partir da medida de umgrupo hegemônico, como os brancos protestantes dos EstadosUnidos. Os meios de duplicação são tanto internos quantoexternos. Forja-se uma identidade pelo que une os indivíduos deum Estado, mas também pelos inimigos cultivados em comum.Assim, guerras e até mesmo divergências religiosas e linguísticaspodem servir de unificação nacional por contraste e oposição aoestrangeiro. Nesse sentido, na atualidade, até o papel dos jogos edas competições esportivas é relevante.

Além disso, as bases da nação se fazem numentrecruzamento de redes específicas de dominação, opressão eexploração. Os Estados modernos se assentam sob a formapatriarcal, numa tradição que remonta ao feudalismo e aoescravismo antigos. De tal modo, além de eventuais traçosreputados à raça, também identidades sexuais são levantadas,com hábitos a que se chamarão por bons costumes e moral,reprimindo-se sexualidades divergentes. Os Estados se apoiamem redes de repressão já existentes, mas reconstroem-nas. Aunidade de um povo passa a ser institucionalizada com omonopólio estatal do controle dos comportamentos desviantes.Assim, há uma passagem qualitativa entre as velhas repressõesreligiosas e culturais à mulher do tempo feudal e a repressãojurídica que o Estado assegura em favor do poder paterno.Mantendo, excluindo ou alterando repressões, o Estado se impõecomo a forma necessária de unidade entre opostos, repressores ereprimidos, tal qual o faz, por sua vez, na circulação mercantil,como forma política e jurídica necessária da transação entre ossujeitos de direito.

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sujeitos de direito.

3.2. Estado e burocracia

Na cadeia das relações sociais que permeiam a reproduçãocapitalista, a forma política estatal faz o apartamento entre onível político e o nível econômico do poder e da dominação. Emtal processo, o Estado se materializa em instituições, e estas, porsua vez, embora singularizadas, não são isoladas do todo, poissão ainda atravessadas estruturalmente pelas relações sociais,que as constituem e são reconstituídas por elas. Mas, ao mesmotempo, nessa dinâmica de consolidação e cristalização no todosocial, as instituições políticas e sociais são tambémmaterializadas em aparelhos burocráticos, regidos por normasjurídicas e dotados de competência advinda do direito. Aburocracia, assim, estabelece-se na sociabilidade capitalista apartir das próprias estruturas das relações sociais gerais e,também, a partir de seus esteios internos, políticos e jurídicos.

A compreensão da existência relacional da burocracia evitaque seja tomada apenas como figura isolada e autossuficiente.Embora configurada imediatamente por instrumentos normativosestatais, a burocracia do Estado não pode ser entendida apenasnos limites de sua juridicidade, sob o risco de perder sua origemsocial e passar a ser tomada como autorreferente. Se é verdadeque a norma jurídica estabelece os parâmetros imediatos daburocracia, uma perspectiva mediata, no entanto, há de constatarque a raiz desta é estrutural. As relações especificamentecapitalistas, implantadas numa concorrência universal de sujeitosde direito, levam à materialização de um corpo político distintodos agentes – tanto burgueses quanto trabalhadores – queassume funções de poder sobre a própria miríade de agentesprivados. É neste cerne relacional geral da sociabilidadecapitalista que se inscreve o estrutural da burocracia. A forçatécnica ou econômica interna e a regulação jurídica daburocracia do Estado são suas configurações imediatas; aderivação estrutural das específicas relações capitalistas é suaforma estrutural e necessária.

Juridicamente, a burocracia estatal compreende asinstituições de governo e administração, a partir dos termos desuas investiduras e competências. Mas, socialmente, a burocracia

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suas investiduras e competências. Mas, socialmente, a burocraciase exprime como organismo vivo, ágil, contraditório. Em suadinâmica, há descompassos entre os contornos jurídicos daburocracia e sua materialização social. O concreto nãocorresponde ao jurídico e, além disso, a burocracia, na suaorganicidade, se ao mesmo tempo está imbricada nas relaçõessociais gerais, apresenta-se tanto em conflito com a própriasociedade quanto em conflito interno.

No que tange à formalização jurídica, pressões, influências,domínios e capturas imediatas por classes, grupos e indivíduosconduzem as burocracias a se perfazerem em materialidades quenão necessariamente estejam em similitude com seus finsdeclarados ou suas competências estabelecidas e estritamentelimitadas. Fenomenologicamente a burocracia se constitui demodo relacional ao todo social. A microfísica do poder revelacontornos das burocracias e dos burocratas que deslindam asinstituições públicas e os agentes estatais para além de suascompetências atribuídas normativamente ou de suas declaraçõesjurídicas de finalidades.

A burocracia se arraiga em práticas materiais concretas,intrincadas nas próprias relações sociais gerais, mas também éformada por meio de uma consolidação de poder, enfeixando-o.Nesse sentido, a interação entre burocracia e sociedade é maiscomplexa. Se no capitalismo a forma estatal resultanecessariamente distinta e autônoma em relação à sociedade, aburocracia é constituída como corpo estrutural e funcionalapartado das classes, grupos e indivíduos, e, justamente para quetal constituição se dê, ela adquire materialmente contornos depoder e de funcionalidade própria. Assim, ela não é sempre etotalmente complacente às influências e capturas da sociedade. Épor sua própria natureza estrutural que a burocracia resisteparcialmente às relações sociais. Como núcleo de poder, seuscontornos são, no mínimo, parciais em face das demandassociais. Além disso, como momento de uma cadeia geral dareprodução social, a burocracia adquire funções que não podemser sempre esgarçadas, dada a estrutura dessa mesma cadeia dereprodução ampla. A autonomia relativa do Estado também seespelha no campo da burocracia justamente porque, de um lado,a dinâmica do capitalismo não permite total captura ou domíniodos aparelhos do Estado por particulares e, de outro lado,

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dos aparelhos do Estado por particulares e, de outro lado,também porque a própria existencialidade da burocracia não éalheia à própria reprodução social capitalista da qual exsurgecomo corpo necessário.

O grau de complacência da burocracia e de sua inclinação ecaptura por determinadas classes, grupos ou indivíduos évariável conforme circunstâncias sociais, econômicas e de lutade classes. O fortalecimento ou o enfraquecimento das classestrabalhadoras ou a troca de supremacia entre determinadasclasses burguesas redundam em um reposicionamento da órbitaestrutural da burocracia no concerto do todo social, bem comonuma reconfiguração de suas funções. No quadro geral de seuarraigar microfísico, a burocracia não é explicada apenas porseus constituintes internos: além de sua dinâmica interna, noplano estrutural a luta de classes desponta como fator primordialda reelaboração constante da burocracia.

Papel mais decisivo se dá quanto à natureza de preservaçãoda própria forma política estatal perante a dinâmica dereprodução do capital. A burocracia responde por umencadeamento vital de relações que sustentam o capitalismo.Justamente por estar separado dos agentes individuais daprodução, o Estado não haure sua razão de ser do interesseimediato de um desses agentes. Mas isso não quer dizer que,então, a burocracia estatal tenha a plena ciência necessária paraagir em favor de um interesse geral dos agentes ou as condiçõesmateriais para tal incremento. O Estado age e reage a partir dascontradições que são inexoráveis ao tipo de reprodução socialcapitalista, necessariamente portador de crises. Sua captura pordeterminadas classes burguesas ou grupos de empresas nãonecessariamente se revela funcional à manutenção do padrão dereprodução capitalista vigente. O afrouxamento de regras decontrole e fiscalização, de ações distributivas e de benefícios aosgrupos excluídos pode levar a situações extremas de crise edescontinuidade da reprodução social geral.

A burocracia estatal não se levanta acima das classes,grupos e indivíduos de tal modo que seja um sujeito oniscientetampouco é totalmente poderoso e independente em relação aestes. É por isso que seu papel agente e reagente no quadro dadinâmica da reprodução das relações sociais capitalistas nãopode ser pensado como necessariamente salvador das condições

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pode ser pensado como necessariamente salvador das condiçõesgerais da sociabilidade. O Estado não é o garantidor totalmentefuncional do equilíbrio capitalista ideal. Ele está atravessadopelas próprias contradições que são oriundas das estruturas daexploração da força de trabalho pelo capital, numa sociedadefundada em antagonismos. A revolta das massas exploradas edespossuídas, a disfuncionalidade da regulação média daeconomia, a inflação, a superprodução, o desemprego, a crise demudança tecnológica e de despreparo de meios produtivos e atendência de diminuição na taxa de lucros são sintomas de que areprodução geral não é totalmente controlada a partir da ação daburocracia estatal, justamente porque o Estado não se formacomo capitalista geral nem como poder materialmente soberanoem relação às contradições das relações capitalistas.

No entanto, se a burocracia estatal não tem papel oniscientenem materialmente soberano, ela tem origem estrutural nasrelações capitalistas, o que lhe dá razão existencial de ação. Noplano imediato, para a manutenção dos próprios aparelhosestatais e de seus cargos a burocracia empreende ações quevisam, de modo mais ou menos eficaz, com lucidez ou às cegas,à continuidade da valorização do valor. As ações da burocraciaestatal estão condicionadas pela própria existência do Estado,que advém do tipo de socialização capitalista. É pela tentativa demanutenção e de continuidade da reprodução capitalista que agea burocracia. Por isso, estruturalmente não há ação estatal quevenha a proceder à superação do capitalismo em favor dosocialismo, porque tal empreendimento corrói o tipo específicode relação social que sustenta tal aparato político.

O grau de lucidez dos agentes burocráticos em relação àmanutenção das relações capitalistas pode variar do nulo aogrande. Mesmo assim, a ação estatal não depende apenas dalucidez da burocracia. As sociedades capitalistas, competitivasmesmo entre as classes burguesas e as classes trabalhadoras,atravessam estrutural e funcionalmente as burocracias, e estasreagem aos interesses imediatos de classes e grupos. Nadinâmica do poder e da ação social, as relações entre múltiplosagentes em antagonismo não permitem um papel deproeminência ou de condução única do processo histórico.Dessa maneira, uma eventual lucidez da burocracia não sereflete, necessariamente, numa ação consciente de salvação das

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reflete, necessariamente, numa ação consciente de salvação dascondições ditas “ideais” do sistema capitalista. Mas, mais queisso, também não pode haver lucidez suficiente para a salvaçãoou a manutenção de tais condições plenas ao capital, porque elasnão existem. Fundado em exploração e contradição, ocapitalismo é necessariamente estruturado em crise.

Por fim, a própria constituição material da burocracia estatalse faz espraiada por múltiplos poderes, órgãos e instituições. OsEstados modernos se implantaram a partir de núcleos de poderque se levantam de maneira não necessariamente harmônica.Assim, a burocracia não pode ascender a uma posição de totaldomínio sobre a sociedade ou de total sapiência de horizontes deação porque é múltipla. Justamente pela constrição da forma, osinteresses sociais se amarram aos poderes políticos – numprocesso de afirmação e reação – de modo variado. Nessamultiplicidade e distinção de amarras, o capital pode se sentirameaçado por atos de legisladores, mas de modo geral estáresguardado pela defesa intransigente, por parte dos poderesjudiciários, da propriedade privada. As eleições, de modo geral,por exemplo, podem até dar diretrizes imediatas ao governo, masnão alteram as amarras jurídicas gerais do Estado. As específicasmaterialidades e funções das variadas instituições burocráticasrevelam uma complexidade que pode ou não ser funcional noaparato do Estado.

A multiplicidade das burocracias faz com que influências,domínios e capturas dos órgãos estatais pelas classes e grupossociais sejam também variados. Em sociedades capitalistas degrande competição, é possível vislumbrar órgãos de governo eadministração atrelados mais diretamente aos setorescompetitivos a eles ligados. Bancos e especuladores têminfluência próxima em bancos centrais, indústrias, em ministériosrelacionados à produção, classes agrárias, em ministérios deagricultura ou mesmo de meio ambiente, e até mesmo ostrabalhadores, em algumas situações, ligam-se a ministérioscomo o do trabalho ou da assistência social.

A luta de classes não opera apenas fora do âmbito doEstado. A burocracia não se revela como um bloco unificado decontraste com a sociedade civil. Pelo contrário, a dinâmica dascontradições sociais se completa no próprio Estado. Se a formaestatal revela relativa autonomia, não é porque um bloco todo de

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estatal revela relativa autonomia, não é porque um bloco todo depoder estatal esteja íntegro e indiferente, à espera de umasupremacia que se conquista no plano social e que, depois,venha lhe dar o norte. Constantemente a luta social seencaminha para dentro do campo burocrático, fincando disputasem suas entranhas. Claro que o Estado não é simplesmente umespaço neutro de albergue de lutas externas a si. A relativaautonomia estatal constitui ações, instituições e poderes queagem e reagem em relação ao todo social com um graunecessário de separação das formas. A própria junção dasclasses em sindicatos dá o exemplo do quanto a luta de classes éreconformada pelo Estado. Mas, justamente nessa específicamaterialização capitalista, o Estado, separado do todo, o é noseio desse mesmo todo, e daí, para fora de si e para dentro de si,é um dos cernes da luta de classes.

O Estado é corresponsável pela forma da luta de classes nocapitalismo. Se o conflito entre capital e trabalho é econômico, étambém político. A burocracia age sendo disputada – de modomúltiplo e variável – pela luta de classes, e, de acordo com suarelativa autonomia, reconstituindo-a.

3.3. Estado, cidadania e democracia

O senso comum da atualidade associa capitalismo ademocracia como se fossem fenômenos conexos. Em termoshistóricos, no entanto, percebe-se a independência dos termos.Tomando-se as formas democráticas numa acepção ampla,democracia existiu, por exemplo, entre os gregos de Atenas, sobo modo de produção escravista. Ao mesmo tempo, o capitalismonunca foi sempre e inexoravelmente democrático. As sociedadescapitalistas somente em tempos muito recentes assumiram umaorganização política democrática, e, mesmo assim, nãouniversal. Até o século XIX, o estabelecimento das relaçõeseconômicas capitalistas não havia se encaminhado para umarranjo plenamente democrático nos Estados. Ainda no séculoXX, grandes parcelas do mundo foram capitalistas semdemocracia – como nos casos de ditaduras na América Latina.Na atualidade, a crise econômica do capitalismo passa por cimada vontade popular em favor do interesse político dos grandesespeculadores, fazendo regredir o ambiente democrático já

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especuladores, fazendo regredir o ambiente democrático jáestabelecido. A experiência dita democrática, no seio geral dassociedades capitalistas, acaba por ser mais exceção do que regra.

Ao mesmo tempo, pode-se considerar que a dinâmica dosagentes pulverizados em trocas no mercado impulsiona umaorganização política democrática como seu modelo próprio, namedida da miríade de antagonismos que se põem em relação.Em modos de produção pré-capitalistas, como o feudalismo e oescravismo, a coincidência do domínio econômico e do domíniopolítico não possibilita a abertura de um espaço estrutural àdeliberação livre dos indivíduos. O capitalismo, justamente porconstituir a subjetivação dos agentes econômicos, institui umadinâmica política estatal que não é automaticamente a do poderde um explorador, como a de um burguês especificamente. Énesse sentido que, pelas razões estruturais da reproduçãoeconômica, o capitalismo engendra um campo de deliberação noplano político que é mais alargado, exatamente porque seconstrói a partir de um espaço cujos agentes não são,necessariamente, os do domínio econômico. Mesmo um ditador,no capitalismo, não é algo aproximado da figura de um “burguêstotal”. Ainda que arrogando um poder político máximo, mesmoassim há de se apoiar em classes burguesas e exploradoras,constituindo aí, necessariamente, um espaço de amálgama ou decodependência nas suas deliberações políticas. A multiplicidadede agentes individualizados em concorrência, no capitalismo,impede um nível muito elevado de enfeixamento e deconcentração de poderes políticos. Com isso, pode-se entãoargumentar que, se o capitalismo gera um espaço de ação noEstado, fundado na separação deste em face dos agentespulverizados, juridicamente livres e iguais, as ações políticas dedeliberação desconcentrada – chamadas por democracia – lhesejam mais típicas.

No capitalismo, a forma política democrática estáentranhada à forma jurídica, residindo aí seu talhe, seu espaçotípico e seus limites. Os agentes econômicos são tornadossujeitos de direito e, como extensão dessa subjetividade para oplano político, cidadãos. Tal qualificação dos direitos políticosgranjeia o acesso ao Estado segundo direitos, deveres, garantias,poderes e obrigações estatuídos juridicamente. Trata-se de uminvestimento à vida política nos termos da atribuição jurídica

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investimento à vida política nos termos da atribuição jurídicapara tanto. Seu locus fundamental é o direito, desdobrado noplano eleitoral e no plano da constituição e do resguardo dasubjetividade mínima suficiente à reprodução do capital. Sendocidadãos, os sujeitos de direito se tornam aptos a votar e a seremvotados. Na amarra jurídica necessária ao capital, a liberdadenegocial, a igualdade formal e a propriedade privada constituemtambém o esteio da ação política. Costuma-se chamar pordemocracia, nas sociedades contemporâneas, a forma políticaestatal que tenha por núcleos o plano eleitoral e o plano daconstituição e da garantia da subjetividade jurídica. Nessaestrutura, que arma o esteio das próprias condições para areprodução do capital, identifica-se o qualificativo dedemocrático ao campo político.

Em face dos modos de produção pré-capitalistas, a políticano capitalismo é espraiada quanto aos seus agentes. O espaçopolítico, terceiro em relação às classes exploradoras eexploradas, demanda caminhos indiretos e intermediados dedeliberação, enquanto no pré-capitalismo a deliberação éimediata e concentrada. Na sociabilidade capitalista, o processode antagonismo social está engendrado na circulação mercantil,que constitui os indivíduos, todos, como sujeitos de direito,portando direitos subjetivos que trocam livremente. O mesmopadrão que instaura a subjetividade jurídica também instaura ademocracia eleitoral. A livre disposição da vontade, no planopolítico, constrói-se de modo similar à autonomia da vontade dosujeito de direito. Derivada da forma-mercadoria, a formapolítica democrática estabelece a correspondência entre sujeitode direito e cidadão.

Mas, tal qual a subjetividade jurídica esconde a exploraçãodo trabalhador pelo capitalista, também não se pode considerarque os agentes individualizados ajam com a mesma intensidadenem com as mesmas qualificações formais ou reais na dinâmicada política no capitalismo. A diferença entre classes denota asdiversas sortes e alcances das ações políticas. Embora muitasvezes assentados sobre mecanismos democráticos, os acessosdas classes ao Estado e as aberturas deste a elas são distintos.

Mesmo em situação de plena democracia eleitoral, asclasses burguesas apropriam-se muito mais dos meios estataisque os explorados. Também os espaços e mecanismos de

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que os explorados. Também os espaços e mecanismos dedeliberação política são bastante variáveis no capitalismo. Ao sefazer uma associação imediata da democracia à merainstitucionalização de sistemas eleitorais, perde-se de vista omérito da quantidade de abertura e mesmo da qualidade de taissistemas. A escolha de representantes políticos atrela-se aespecíficos graus de ação e autonomia política em face dospoderes econômicos, militares, religiosos, culturais einternacionais. Bandeiras políticas são instrumentalizadas comoeconômica, política, cultural e religiosamente desejáveis ou não.Pressões de classes ou nações influenciam diretamente nasescolhas. O sistema de comunicação talha diretamente aconstrução das vontades e das informações pertinentes. Alémdisso, e mais importante, não só quantos cargos e postos estãosob a disputa eleitoral nem apenas a qualidade e a liberdadedessa disputa, mas também o que está afastado dela é querevelará a conexão dinâmica, frágil e variável entre capitalismo edemocracia.

É preciso, então, desvendar a especificidade estrutural efuncional da democracia no capitalismo. Ela se assenta sobrebases jurídicas e políticas bastante estabilizadas, como a defesaintransigente da propriedade privada, e também sobre basessociais de alto teor opressivo, como o patriarcalismo, o racismoou a xenofobia. Nesse sentido, não está em jogo a deliberaçãosobre as mudanças do modo de produção, nem se vota acerca daflexibilização do princípio da propriedade privada ou de suasocialização, nem se permite juridicamente a alteração de regrasestruturais do sistema econômico. Também assentada numamálgama cultural e social específico, a estrutura democráticatem muita dificuldade em aceitar pacificamente o respaldopolítico à vanguarda dos costumes em termos sexuais, porexemplo. Daí a insistência de grupos religiosos em paísesdemocráticos da Europa, da América Latina e dos EstadosUnidos em rejeitar ganhos de direitos subjetivos às mulheres ouaos homossexuais, interditando suas possibilidades eleitorais. Noplano do arcabouço ideológico, ainda, a extensão da democraciae dos ganhos sociais é muitas vezes evitada, ou pelo menoscalibrada de modo distinto, aos estrangeiros na terra.

O campo jurídico exerce um papel fundamental naconstrução da moderna democracia. Sendo, tal como as demais

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construção da moderna democracia. Sendo, tal como as demaisinstituições estatais, um aparato necessário à dinâmica dasrelações de produção capitalistas, o direito assume a dianteira,em relação ao papel da livre ação política, como elemento debalizamento das possibilidades da democracia. Ao invés deestender a deliberação política democrática ao limite, o direitorestringe e qualifica seus espaços e mecanismos. Os resguardosdos direitos subjetivos fundamentais e dos ritos e procedimentospreviamente instituídos possibilitam facultar a livre deliberação aum espaço temático já então delimitado e formalizado. Aaparente virtude da democracia moderna seria a liberdadeirrestrita de deliberação sobre os assuntos. De fato, ela éconseguida na medida dos mecanismos de apuração da vontadeda maioria. Ocorre, no entanto, que, balizada pelo direito, a açãopolítica é ampla, livre e voluntariosa justamente num espaço queé previamente construído estatalmente. A forma política docapitalismo dá o limite da própria liberdade da vontadedemocrática.

A democracia, lastreada no direito e nas formas dasociabilidade capitalista, representa tanto um espaço de liberdadeda deliberação quanto um espaço interditado às lutas contraessas mesmas formas. Por isso, a democracia representa obloqueio da luta dos trabalhadores mediante formas que nãosejam aquelas previstas nos exatos termos jurídicos e políticosdados. Exclui-se, com isso, a possibilidade da luta que extravaseo controle e o talhe do mundo estatal e de suas amarras jurídicas.A ação revolucionária é interditada.

Por tal razão, o capitalismo é democrático num espaçolimitado da liberdade de deliberação. Exatamente como espelhoda liberdade jurídica, a liberdade política pode até mesmo tendera ser a máxima possibilidade de escolha, mas dentro dos camposque não alteram as próprias estruturas da reprodução social. Aliberdade é apenas a escolha plena da deliberação individual,não a escolha plena da generalidade das condições sociais. Ocapitalismo está necessariamente resguardado nos mecanismosdemocráticos das sociedades capitalistas. As deliberações queenvolvam um risco sistemático à própria reprodução do sistemafazem levantar um bloqueio advindo das outras forças quemantêm o encadeamento da sociabilidade capitalista.Inexoravelmente, daí, o risco das escolhas democráticas – ao se

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Inexoravelmente, daí, o risco das escolhas democráticas – ao seinclinarem pela alteração da socialização político-econômica –será enfrentado com o bloqueio da própria forma democrática.

A forma política democrática opera em condições nas quaisa reprodução social não é posta em xeque. O capitalismo, aoestabelecer balizas estruturais ao espaço da deliberação política,incide necessariamente em formas políticas não democráticasquando confrontado com rompimentos de tais limites. Ofascismo, o nazismo e as ditaduras militares pelo mundo sãodemonstrações não casuais, mas, sim, reiteradas, dessemecanismo de interdição da deliberação política quando elatangencia os pontos extremos da estruturação da sociabilidadecapitalista.

Por isso, não se há de pensar que o modelo políticodemocrático seja uma regra que comporta uma eventual exceçãoditatorial ou fascista. O capitalismo se estrutura necessariamentenessas polaridades, incorporando a exceção como regra. Não háexperiência de superação das explorações capitalistas granjeadapor meio democrático-eleitoral. Toda vez que a sociabilidadecapitalista pode ser superada, mecanismos políticosantidemocráticos se apresentam e interferem nesse processo. Asformas sociais necessárias à reprodução do capitalismo têm pesoestrutural determinante contra as eventuais formas políticasdemocráticas destoantes. Se o capitalismo porta a democraciacomo forma política típica, porta no mesmo grau e do mesmomodo a ditadura e os fascismos como suas formas políticastípicas para o caso de disfunção de algum de seus mecanismos.

A luta histórica pela ampliação dos espaços democráticos éfeita não pela burguesia, mas pelos trabalhadores e grupossociais minoritários. Ocorre que os termos formais dessa lutareiteram as próprias estruturas que armam a reprodução geral daexploração social. A forma política estatal e a forma jurídica,dando ossatura à democracia contemporânea, sustentam umasociabilidade de separação dos trabalhadores dos meios deprodução, concentrando estes em mãos burguesas. O Estado e odireito, ainda que alargados pelas lutas dos trabalhadores,operam pela manutenção dessas mesmas estruturas sociais. Se éverdade que a democracia foi mais empreendida pela luta dosexplorados do que propriamente por derivação lógica ouconcessão dos exploradores, é também verdade que reforça as

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concessão dos exploradores, é também verdade que reforça asformas sociais que dão base a essa mesma exploração.

Historicamente, o espaço mínimo da democracia, nocapitalismo, tendeu a ser apenas aquele suficiente para satisfazerà dinâmica da multiplicidade de agentes econômicos burgueses.Nesse sentido, quando do surgimento da democracia nocapitalismo, esse início em muito se assemelhou a algumas dasformas democráticas pré-capitalistas, como as gregas, quepossuíam um processo de deliberação coletiva eminentemente daalçada dos senhores. Na verdade, tratava-se apenas de umaespécie de procedimentalização dos acordos para possibilitar umentendimento coletivo de um grupo seleto que estava plantadonuma sociabilidade escrava. No capitalismo, o surgimento dademocracia, historicamente, também partiu desse mínimoentendimento, realizado apenas entre capitalistas. As primeirasmanifestações democráticas, ainda sem a participação popular ea influência dos trabalhadores, envolviam livres deliberaçõesentre burgueses, a partir do corte de um critério censitário derenda. Somente alterações internas na sociabilidade capitalista –universalização do salariado, pressão dos trabalhadores e dosgrupos sociais etc. – fizeram com que a democracia censitáriaevoluísse para uma democracia ampla a partir da própriasubjetividade jurídica geral. A extensão da forma jurídica e otratamento dos cidadãos como indivíduos, não mais comoclasses, dificultaram uma restrição da deliberação eleitoralapenas para os possuidores de capital.

Ainda que na atualidade se assentando sobre um chãojurídico necessário, de uma universalidade de votantes, ademocracia no capitalismo é sempre dinâmica e instável nessesespaços que historicamente extravasam para além do controleimediato pela burguesia. Daí que a possibilidade de involuçãodemocrática é uma constante natural dos sistemas políticosassentados sobre as formas sociais capitalistas. Se não fosse adificuldade estrutural criada pelos mecanismos deuniversalização da forma jurídica, a democracia mínimanecessária seria apenas o acordo entre os capitalistas, na medidaem que são múltiplos. Ao capitalismo se associa a democracia,em especial, porque há um espaço que não pode ser reduzido aum enfeixamento ou uma centralização de poder político nasmãos de um ou alguns: os capitalistas são vários. A democracia

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mãos de um ou alguns: os capitalistas são vários. A democraciadesejável às classes burguesas é a vazão suficiente apenas paraauferir politicamente os capitalistas em sua pluralidade. Toda aconstrução política posterior de ampliação da democracia, aindaque necessária por conta da universalização das formas dodireito e ainda que mais funcional à própria sociabilidadeburguesa – pois que incorpora as massas exploradas num mesmopadrão de formas de ação política –, é no entanto indesejável àsclasses burguesas. Por isso, as situações de crises do capitalismofazem explodir as lutas do capital contra a própria democracia.

Dadas as contradições de um regime de exploraçãoeconômica que tem na política a forma de um terceiro queuniversaliza os direitos dos indivíduos, e, ainda, dado oantagonismo que impede, também internamente entre as classesburguesas, a assunção de uma consciência geral do melhor paraa própria reprodução da exploração capitalista, a manutenção daforma política democrática em determinadas situações pode serevelar inviável à dinâmica do capital. Em situações extremas,troca-se um mínimo democrático pelo atendimento políticoestrutural à maioria dos capitalistas, ainda que sem deliberaçãopara tanto. O fenômeno do bonapartismo, estudado por Marx emO 18 de brumário de Luís Bonaparte, revela o quanto umarranjo social fundado na deliberação de uma multiplicidade deagentes exploradores pode ser disfuncional à reproduçãoeconômica geral e à manutenção das condições que permitam aexploração das classes trabalhadoras. O papel do ditador, nessassituações, pode ser o de atender politicamente aos interesses damaioria das classes burguesas, ainda que não obedecendo à suavontade política eleitoral, na medida em que a apreensãodemocrática dessas vontades gerava fraquezas estruturais pelascontradições próprias de sua pluralidade de agentes.

No contexto histórico da democracia nem se entende queos seus moldes atuais foram sempre o patamar mínimo dasociabilidade política capitalista, nem se pode dizer que, sobtodas as circunstâncias, tal modelo se mantenha quandoconfrontado com as condições de reprodução do próprio sistemade exploração. As circunstâncias do poder burguês e de suacapacidade de manutenção e reprodução da exploraçãodeterminam as condições de arranjo político dos Estados. Trata-se de um processo sem um sujeito político onisciente, é verdade;

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se de um processo sem um sujeito político onisciente, é verdade;mas, acima de tudo, trata-se de um processo de canalização deforças e interesses. A luta de classes opera nitidamente tanto paraa manutenção quanto para a alteração das formas dos arranjospolíticos. E, além disso, a dinâmica da luta de classes se dá nasrelações internas ao território político bem como nas condiçõesrelacionadas à posição das classes burguesas em face doexterior.

Economias que se posicionaram internacionalmente comocolonialistas, imperialistas ou exploradoras de outras sociedadespuderam ter margens para o incremento de suas formas políticase de participação democrática. Por outro lado, economiascoloniais, dependentes ou exploradas externamente tiveramgrande dificuldade em assentar bases de liberdade política aosseus próprios grupos e classes explorados internamente. Avariada consolidação histórica dessas posições em cada Estadodeu também diversos arcabouços culturais de democracia eparticipação política. A diferença entre a primazia burguesa daInglaterra e da França em relação à da Alemanha e da Itália é umexemplo da recorrência histórica de formas políticas distintasentre esses dois grupos de países. O mesmo no continenteamericano em relação aos Estados Unidos e aos países centrais edo sul. A dinâmica das formas políticas, atreladanecessariamente às formas e estruturas sociais da economiacapitalista, cria distintas camadas no que tange à suaimplantação, consolidação e operacionalização.

As múltiplas formações políticas no seio dos Estadospermitem vislumbrar que não há padrões únicos que liguemcapitalismo a democracia. A necessária amarra da deliberaçãopolítica em estruturas e formas sociais – que não são deliberáveis– demonstra que a forma democrática equivale às formasjurídicas em termos de operacionalização e limitação. Alémdisso, a inexorável ruptura com a democracia, quando essesmecanismos de reprodução geral da exploração mediante formade livre deliberação eleitoral se encontram passíveis de abalo,demonstra que tanto a democracia quanto as ditaduras e ofascismo são formas típicas do capitalismo.

Na sociabilidade capitalista, a democracia abre um espaçoda deliberação assentado na ausência dos mesmos termos para oplano econômico. A democracia política se faz necessariamente

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plano econômico. A democracia política se faz necessariamentea par de seu afastamento do nível das relações econômicas esociais. O capitalismo concentra os meios de produção,separando-os dos trabalhadores, impelindo à exploração eimpedindo a deliberação autônoma no perfazimento das relaçõesde produção. Somente nessa separação, que guarda para si ofundamental da sociabilidade da exploração, é possível entãodemocratizar o nível político.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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4. Pluralidade de Estados

4.1. Capitalismo e sistema de Estados

A forma política moderna capitalista, baseada no Estado,surge historicamente em coletivo, ou seja, como um sistema deEstados, dada sua pluralidade. A existência estatal só pode sercompreendida também ao se levar em conta sua relação com oestrangeiro, que está estruturado sobre formas similares. A causadisso é o movimento do capitalismo no espaço internacional. Sóse pode pensar a dinâmica do capital num conjunto de países eterritórios; o capital é necessariamente internacional e, por isso,os Estados também se apresentam na mesma multiplicidade,forjando um sistema no espaço internacional.

Devido ao caráter mundial do capital, a forma política seestabelece num plano nacional, mas dá-se também num conjunto

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estabelece num plano nacional, mas dá-se também num conjuntode países, o que implica uma referência interestatal recíproca, apartir das mesmas formas sociais. Na experiência histórica, osEstados vão surgindo em paralelo. Na Europa moderna, é nummesmo tempo que se erigem, em muitos territórios, asinstituições políticas formalmente distintas e apartadas dosprodutores, indivíduos, grupos e classes. A simetria entrevariados Estados que surgem na mesma época é devida àsmesmas relações sociais, de tipo capitalista, que vão tomandocorpo em todo esse espaço comum.

O fato de que o capital se estabelece em relações deprodução que se esparramam em um espaço necessariamentemaior que o de uma unidade de Estado específico engendrou aconstituição de tal forma política num coletivo de territórios.Onde estão relações de produção capitalistas, está também oEstado. Mas, por si só, apenas isso não explica que os Estadosexistam no plural. Teoricamente, pode-se imaginar que, sobreesses mesmos territórios, a necessária forma estatal que deriva dareprodução capitalista se unificasse em torno de um únicoEstado, o maior possível – virtualmente alcançando a extensãomundial. Contudo, ocorre que o estabelecimento de relações detipo capitalista se deu por meio de múltiplos Estadosindividualizados, que se integram numa rede de competição,concorrência, apoio e estabilização recíproca. Tal unidade não éapenas uma estratégia do capital, mas, previamente, é umacontingência da evolução factual das sociedades.Historicamente, a constituição dos Estados se faz a partir dapluralidade e da concorrência de estruturas e instituições já dadas– feudos, unidades econômicas autônomas, regiões sob odomínio de grupos específicos de poder, territórios comungadospor língua, tradições, fé etc. É a partir de tais espaços singularesque, socialmente, se levantam formas políticas e jurídicas einstituições similares às de outros espaços. Embora essapluralidade de início – territórios e tecidos sociais distintos e emconcorrência – seja uma contingência histórica, é verdade que asua resultante, a forma plural dos Estados, revelou um alto graude virtude à dinâmica da exploração capitalista.

A forma política capitalista faz de cada espaço delimitadopelo Estado um singular amálgama de classes exploradoras eexploradas, intermediadas e em relação direta com a política

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exploradas, intermediadas e em relação direta com a políticapatrocinada pelo ente estatal. A nação ou a sociedade sãoconfiguradas com base nesse cimento que o Estado proporcionaàs classes jungidas a partir de específicas explorações. Talconstituição de espaços e sociedades se dá com base nasrelações econômicas já assentadas, mas sobre elas interferediretamente. Os Estados podem privilegiar um grupo burguêsem face de outro, podem dar condições jurídicas maiores oumenores aos trabalhadores, podem direcionar os investimentosde infraestrutura em favor de tal ou qual interesse. Por sua vez,na condensação específica de relações sociais concretas dosexploradores e explorados sob a forma estatal, há também umarelação direta, de conflito ou harmonia, com o capital, as classese os grupos sociais estrangeiros.

Além das razões internas de constituição da forma políticanecessária à reprodução do capital, o capitalismo encontragrande importância no estabelecimento de um sistema plural deEstados. Em razão dos interesses externos do capital, éproveitoso que haja um sistema de Estados, e não um Estadogeral mundial. A forma política capitalista há de se revelar comoestatal e inexoravelmente plural: somente com a multiplicidadede Estados se estabelecem e se cimentam plenamente osmecanismos da reprodução do capital, porque a concorrênciaentre Estados dá unidade estrutural e ideológica ao acoplamentoentre a exploração da força de trabalho e o interesse do capitalnacional. Nesta unidade estatal mergulhada em um sistema deEstados, cada ente constitui um amálgama de interesses e dejunções de exploração que se põe em competição com outrosentes. A funcionalidade capitalista da pluralidade dos Estadosnacionais se revela como a possibilidade de que a competiçãoestabeleça uma específica junção de classes e interesses dentrodo território de cada Estado, aumentando o grau de exploraçãointerna diante das variáveis exteriores.

No capitalismo, os conflitos entre as classes burguesas e asclasses trabalhadoras nunca se esgotam num cálculo apenasinterno, que vislumbrasse apenas o conjunto das relaçõeseconômicas, políticas e sociais havidas no seio de seu territórioestatal. Num sistema plural de Estados, aos pleiteados ganhosdas classes trabalhadoras o capital opõe, em geral, aconcorrência internacional: os custos de produção comparativos,

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concorrência internacional: os custos de produção comparativos,a ameaça de transferência de unidades industriais a outrosterritórios etc. Também a política de cada Estado se constitui apartir dessa referência ao exterior. Por exemplo, os tributos sãodiscutidos considerando os custos do capital nacional emconcorrência com os capitais externos, que pagam em seuspaíses de origem outras cargas tributárias. Assim, a competiçãoentre Estados enfraquece, necessariamente, a luta de classesinterna de cada país. Se é verdade que o poder da burguesia decada Estado não é absolutamente pleno nem autônomo quandoem competição com as classes burguesas externas, isto é maisclaro e danoso para as políticas do próprio Estado e, em especial,para as classes exploradas. A todo momento, em nome daconcórdia, pactos sociais internos são selados tendo em vista oestabelecimento de boas condições de reprodução do capitallocal em relação à concorrência com o capital externo.

É justamente na constituição de uma unidade concorrencialinterna, em comparação com o externo, que se dá um doselementos mais importantes das específicas redes de reproduçãodo capital. Os Estados se apresentam como unidadescompetitivas entre si, clamando por reiterados sacrifícios dasclasses trabalhadoras internas a fim de dar condições decompetitividade do capital nacional em relação ao capitalmundial. Nesse sentido, é improvável a existência de um Estadomundial global, sob o risco de o capital e a política perderem asvantagens e ganhos da competição entre Estados plurais. Ascondições da concorrência capitalista necessitam de unidadespolíticas distintas em benefício das lutas pela valorização dovalor.

As articulações entre os Estados devem ser pensadas comonecessidades da reprodução interna do capital e também comoimperativos de sua reprodução internacional. Tendo em vistapotenciais guerras advindas do exterior, cada Estado justifica ofortalecimento de meios de segurança e paz para darcontinuidade à ordem suficiente à reprodução social. Os tratadose convênios também ensejam tais meios. Ao mesmo tempo, acirculação de capitais e de pessoas entre unidades políticasdistintas necessita do aparato de referenciais diplomáticoscomuns. Mas, além disso, a constituição de blocos, de mercadoscomuns, de instituições multilaterais e internacionais permite que

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comuns, de instituições multilaterais e internacionais permite quehaja condições melhores para a concorrência entre Estados etambém para que o capital encontre menos obstáculos ao seuprocesso de valorização. Tratados de liberalização de comércio einvestimentos ensejam o trânsito dos capitais especulativosmediante uma desarticulação comum do poder de cada Estadonacional. A dependência dos Estados em relação ao capitalexterior nunca é apenas um processo instituído por razõesendógenas. Realizá-lo individualmente é induzir-se a sofrer umagrande fragilização comparativa. Ainda mais, o estabelecimentodas regras de afirmação dos capitais sobre os limites dos Estadosnacionais se faz a partir de relações verticais, dos Estados maisfortes sobre os mais frágeis, ou dos grandes grupos de capital eseus interesses em face de sociedades e Estados menos imunesàs suas injunções. O sistema de concorrência assimétrica entrecapitais e Estados leva a amplas formas de imposição deajustamentos da política aos interesses do capital.

Além das razões originárias – o estabelecimento deunidades estatais em espaços constituídos por motivos próprios,como a crença, a língua ou a forja do poder e das guerras –, osistema de Estados se mantém pela própria dinâmica depluralidade necessária à reprodução do capital. Emboraassentado nas garantias dos Estados nacionais, o capitalestabelece específicos meios de coerção e exploração nacompetição entre os vários Estados e suas respectivas classessociais. O mesmo processo de circulação e reprodução a partirda pulverização dos agentes individuais se dá com apulverização dos espaços políticos.

A pluralidade de Estados faz um balanço contínuo entredois tipos de contradição social: o antagonismo das classes noplano nacional e aquele das classes internas em amálgama de suaexploração perante o antagonismo internacional. Se a formapolítica do Estado nacional não se faz acompanhar,internamente, da prevalência de uma específica classe burguesaou de alguma de suas frações e, ainda assim, garante areprodução geral do capital, do mesmo modo, a pluralidade deEstados não enseja uma política mundial única do capital, mas,operando a valorização do valor em escala internacional, garanteainda, pela concorrência internacional, a majoração dasexplorações internas, contribuindo também para bloquear

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explorações internas, contribuindo também para bloquearprocessos de unificação das classes trabalhadoras do mundo.

4.2. Forma política e imperialismo

A pluralidade de Estados se assenta, no plano do direito, nabase de uma subjetividade política pública indistinta, igual euniversal. Todos os Estados são equiparados formalmente. Entresi, as relações devem ser presumidas como de coordenação, enão de subordinação. Sendo subjetividades jurídicas portadorasde liberdade e soberania, iguais entre si, os Estados só podem terpor liames, em suas relações recíprocas, instrumentostradicionais e considerados excelentes como os tratados,acordos, convênios e convenções, que presumem o respeito àsoberania e a igualdade formal e a autonomia da vontade decada um e de todos os entes políticos. Tal qual a subjetividadejurídica que opera a circulação mercantil e a exploração da forçade trabalho por meio de salariado pelo capital, também entre osEstados as mesmas formas sociais, políticas e jurídicas dão baseàs suas relações estrangeiras.

Ocorre que o mesmo processo estrutural de exploração quepermeia o campo da vida interna das sociedades capitalistastambém se estabelece no campo internacional. O capital hauresua dinâmica justamente nas formas políticas estatais que lhe sãotípicas e opera, também por tais meios, num processo deexploração de escala mundial. A igualdade formal entre osEstados tem por base uma profunda desigualdade material entreeles próprios. A sua soberania política e a sua liberdade paracompactuar com outros Estados e organismos se erigem a partirde relações de dependência e fragilidade, permeadas por lutas einteresses de classes e grupos em planos nacional einternacional. Por meio de mecanismos de controle, violência,guerras, ameaças, alianças, apoios recíprocos e privilégios, osEstados se configuram em uma pluralidade necessariamentedesigual. Do mesmo modo que a exploração do capital passapelo Estado singularmente, para sustentar, na sua objetivação derelações materiais, uma sociabilidade de divisão e antagonismo,passa também pelos Estados em seu conjunto, para sustentar epromover a mesma cisão social e, além dela, uma efetivadistinção de poder entre tais unidades políticas no concerto de

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distinção de poder entre tais unidades políticas no concerto desua pluralidade.

A forma política estatal acaba por ser o instrumento deoperacionalização da divisão social internacional mediante talhesde soberania, igualdade entre Estados e liberdade nas decisõespolíticas. É na igualdade formal dos Estados que opera a suadesigualdade concreta. Justamente porque as formas sociaiscapitalistas se impõem a um vasto conjunto de entidades estatais,elas apresentam um emparelhamento relacional. O manejo dasinterligações entre Estados e entre capitais e indivíduos, no planointernacional, se faz permeado pela forma jurídica e pelos tratostécnicos advindos da consubstanciação entre direito e Estado.Tal processo de consubstanciação é generalizado nas sociedadescapitalistas e, portanto, permite uma tecnicidade universal.

A igualdade formal entre os Estados está plantada numaprofunda desigualdade real, que se desdobra em duas esferas: adistinta condição de poder entre esses próprios Estados e adiversidade das forças e da dinâmica do capital no seio de taisunidades políticas e no mundo. A diversidade material napluralidade dos Estados deve ser pensada tanto comodesigualdade política quanto como desigualdade econômico-social. O poder político e o poder econômico acabam por servetores dúplices, que se articulam, mas que, justamente por sebasear em formas conexas porém distintas, portam contradições.O político e o econômico se separam nas formas sociaiscapitalistas. No plano internacional, a mesma separação seráempreendida. Assim, pode-se falar da ação política e da açãoeconômica no espaço mundial, embora, na maior parte dasvezes, ambas estejam acopladas.

É verdade que o capital opera mediante uma engrenagemmúltipla, fazendo com que, no mais das vezes, frações dasburguesias dirijam o Estado, cuja forma política é necessária ecorrespondente à valorização do valor. No entanto, tal capturado Estado pelas classes burguesas se erige a partir de uma formanecessária que é terceira aos indivíduos, grupos e classes.Materializada em instituições, poderes, aparatos e práticas, aforma política tem o Estado como uma condensação socialespecífica, que não é totalmente coincidente com o capital oucom os seus movimentos. Daí, no plano internacional, dá-se umaduplicidade: há tanto uma política dos capitais quanto uma

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duplicidade: há tanto uma política dos capitais quanto umapolítica dos Estados. Ainda que quase sempre a políticainternacional dos Estados seja aquela que mais interessa aos seuscapitais, tal processo não é imediato nem linear. Nessa dinâmica,permeiam materialidades distintas e antagonismos sociais.

Pela própria posição estrutural, o Estado tem na dinâmicade reprodução do capital a sua constituinte existencial. É vital àpolítica estatal a manutenção das bases da exploração econômicacapitalista e, para isso, a acumulação internacional se revela uminstrumento fundamental. A exploração levada ao exteriorpermite maior fôlego econômico interno, dando às classesburguesas melhores condições de reprodução, ensejandotambém a minoração de algumas contradições sociais quanto àsclasses e aos grupos nacionais explorados. Além disso, adinâmica internacional do capital permite uma cadeia econômicaque acaba por carrear, tributariamente, riquezas ao próprioEstado dominador. Daí a atenção dos Estados nacionais àposição dos seus capitais nativos no plano exterior, tanto pelointeresse manifesto das suas classes burguesas quanto pelaprópria estrutura das relações estatais.

O poder internacional dos Estados, em benefício de seuscapitais, opera por mecanismos jurídicos mas, principalmente,mediante instrumentos econômicos, políticos ou militares. Noplano econômico, há uma rede de poderes e submissões quedetermina as possibilidades e os horizontes das políticasnacionais. Dadas as diferentes dinâmicas do capital, há, porexemplo, Estados reféns de outros que lhe sejam credores.Capitais que operam a dinâmica capitalista de um país são, emgrande parte, externos, deslocando o centro das decisõeseconômicas nacionais para fora. No plano político, há variadosgraus de coesão interna e de resistência, enfrentamento ouprojeção em face das estratégias políticas internacionais. HáEstados diretamente dominados por frações de capital interno ouexterno. Há diversos graus de luta de classes, que engendramexpectativas e urgências políticas. Ainda na sociabilidadepolítica, no plano ideológico ou cultural, háautodimensionamentos das possibilidades externas de um paísou dos valores e interesses que devem mantê-lo. No planomilitar, há uma complexa diversidade de forças que implica,imediatamente, múltiplas hierarquizações das possibilidades

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imediatamente, múltiplas hierarquizações das possibilidadespolíticas e econômicas.

No plano internacional, as dinâmicas e os conflitos não sedão apenas entre unidades políticas estatais tampouco têm porúnico motivo a reprodução do capital. É verdade que as formaspolíticas dos Estados se estabelecem a partir dessa sociabilidadecapitalista, cuja exploração da força de trabalho pelo capitalenseja aparatos políticos unitários e singulares entre si. Mas osEstados agrupam e constituem relações sociais múltiplas entreclasses, grupos, nações, povos, crenças, valores e interessesestratégicos. Ideologicamente, o domínio de territórios e povosse fez, na maior parte das vezes, com justificativas como asuperioridade da civilização, da crença ou da raça. Talmultiplicidade de relações, conflitos, interesses e estratégias écausa de variados conflitos internacionais, tanto entre Estadosquanto entre povos ou grupos, e são espelhos, muitas vezes, decontradições havidas nos próprios tecidos sociais internos.

Os capitais se estabelecem em um plano internacional,mundial, mediante formas que são necessariamente arraigadasnum espaço local – formas que constituem tal espacialidade.Ocorre que tal processo é de implicação recíproca: asdeterminações locais, com suas próprias condicionantes sociais,não podem desconhecer a sua inserção nas relações exteriores.Há uma necessária complexidade na interação entre o local e omundial na interseção entre capital e forma política. Omovimento do capital se faz permeado por forças políticaslocais, que respondem a lutas de classes nacionais einternacionais e que são resultado delas. Mas o capital nãoapenas desliza indiferentemente entre Estados. Acoplados aEstados específicos, os capitais operam um processo – variado econtraditório – de exploração e dominação. Assim, por forçapolítica e social, mas também e principalmente do capital, dá-seuma clivagem entre Estados e territórios, erigindo entre eles umahierarquização material, política e social. Trata-se de umprocesso de desenvolvimento desigual – embora atrelado entreseus polos – dos Estados e territórios. Tal evolução quase nuncaé só realizada pelo capital ou só pelo Estado; na dinâmica geraldas relações do capitalismo, empreende-se um processoconjugado. Em se tratando de um movimento político eeconômico, estabelecendo, entre Estados, territórios, sociedades

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econômico, estabelecendo, entre Estados, territórios, sociedadese economias uma hierarquização com vetores de poder esubmissão, entende-se tal dinâmica geral como imperialismo.

Tomado em sentido lato, o imperialismo consiste nahierarquização dos espaços políticos e econômicos mundiais. Elese caracteriza por uma distinta posição do Estado e do capital emmúltiplos territórios, envolvendo domínio, supremacia,subordinação e exploração, num processo de reproduçãoreiterado historicamente. A hierarquização é construída emantida de modo material, por meio das relações sociais práticase concretas de poder que articulam a economia, a política, asociedade e a hegemonia tanto dos espaços dominantes quantodos espaços dominados. Sua constante alimentação econômica éa tendência expansiva do capital, que, embora atrelado a formaspolíticas nacionais, não encontra nelas seu limite. Oimperialismo é um processo relacional, concreto socialmente e,raras vezes, fundado ou explicitado em categorias normativaspolíticas ou jurídicas, embora possa eventualmente comportá-las– como no caso do colonialismo e das suas distinções formaisentre metrópole e colônia ou, nos tempos presentes, do privilégioassentado formalmente de alguns Estados no Conselho deSegurança da ONU.

Dinâmicas de imperialismo existem desde os modos deprodução pré-capitalistas. No entanto, contrastam com a suaoperação mediante as formas capitalistas, pois estas seestabelecem de modo próprio, tendo por unidade condensadoraa forma política estatal. Nas suas manifestações da atualidade, oimperialismo se dá quase sempre numa relação entre dois oumais Estados, numa amarra de poder a partir de um Estadodominante que mantém, no entanto, a forma política soberana eautônoma das unidades estatais submetidas. Em manifestaçõeshistóricas anteriores, mas ainda dentro do própriodesenvolvimento primitivo do capitalismo, o imperialismoresultou em total domínio de um território por um Estadoestrangeiro, em formas como o colonialismo. Necessariamente oimperialismo se associa à forma política estatal, ainda que emdistintos arranjos. No passado, estava mais ancorado em umEstado apenas, que se impunha a territórios que ou não tinhamsua soberania política ou que, se a tinham, sofriam então seuaniquilamento. No presente, funda-se numa articulação entre

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aniquilamento. No presente, funda-se numa articulação entredois ou mais Estados, que se relacionam em um processo desubordinação a partir das formas políticas semelhantesestabelecidas em todos eles.

O traço da desigualdade material entre Estados não é umaexceção na história do sistema político mundial, mas, sim, umabase constante que permitiu, inclusive, a configuração docapitalismo nos moldes em que atualmente se apresenta. Osurgimento do capital se fez acompanhado de um processo dedominação e exploração que estabeleceu distinções sociais aomesmo tempo internas e externas. Internas na medida em que aacumulação primitiva de capitais operava a separação entretrabalhadores e meios de produção, compungindo massas avínculos de exploração nas quais se estabeleceram os quadrantesgerais do sistema de extração de mais-valor. Externas na medidaem que a própria acumulação de capitais se deu com base naconquista de territórios, riquezas e até mesmo mão de obraescrava em regiões periféricas ao círculo das sociedadescapitalistas, engendrando distinções econômicas e políticas entreregiões do globo.

A dinâmica histórica internacional do capitalismo revela,desde seu início, seu caráter de dominação e exploraçãoimperialista, procedendo à hierarquização entre regiões domundo. As colônias nas Américas, na África, na Ásia e naOceania, sistematicamente já desde o século XVI, dão dimensãode um processo de subordinação espacial da sociabilidadeinternacional que remonta aos primórdios do mercantilismo. Noséculo XIX, uma nova fase de imperialismo colonialista acaboupor deslindar outra forma de sua caracterização, num processoconstante de guerras por domínio territorial cujo saldo final serevelará nas duas guerras mundiais. No século XX, o sistemainternacional de Estados é, também, perpassado por disputas depoder e de exploração do capital, como se percebe nas divisõesentre leste e oeste na Guerra Fria e na divisão norte-sul, com adependência econômica do capitalismo central de grande partedo globo.

Quando a forma política estatal surge, ela opera aexploração capitalista em escala mundial, porque a desigualdadeexterior é uma de suas bases materiais. As dominações sãoestabelecidas de Estado a Estado, ou de Estado a território sem

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estabelecidas de Estado a Estado, ou de Estado a território semforma política estatal autônoma. Se o processo do imperialismo écapitalista em seu centro dinâmico, não necessariamente o é emsuas periferias. A partir de um motor político-econômicocapitalista de um Estado já estabelecido, as dominações seimpõem em espaços territoriais já capitalistas ou então emregiões com outros modos de produção ou formação social.Historicamente, o imperialismo capitalista explorou sociedadesprimitivas, servis e escravistas. Nessa dinâmica, as sociedadesexploradas são penetradas pelas formas do próprio capitalismo,que até então desconheciam ou albergavam em circuito parcial.O domínio empreendido por Estados e capitais centrais diante desociedades periféricas leva a uma universalização das formascapitalistas, ao menos naquilo que seja necessário, nos territóriosexplorados, para sua operacionalidade na garantia daspropriedades, da circulação mercantil e da exploração da mão deobra assalariada.

Dada a multiplicidade de formações sociais entresociedades exploradoras e exploradas, estabelecem-se variadasrelações de dominação e dependência na dinâmica docapitalismo, que procedem à espoliação e à acumulação a partirde um arco de estruturas sociais que vai de condições primitivasde produção até de escravidão e de servidão, mas revelando,sempre, um manejo político-econômico-militar de imperialismo,cujo motor principal é o capital. Historicamente, ahierarquização entre Estados e territórios não se configura comoum fenômeno típico apenas de uma fase da evolução docapitalismo mundial. Embora Lenin tenha encontrado traçosmarcantes de uma de suas fases ao final do século XIX e iníciodo século XX – quando se pode falar até mesmo de umimperialismo autodeclarado e típico, em sentido estrito –, todasas fases do capitalismo foram e são imperialistas, em sentidolato. Os períodos coloniais das Américas, até o início do séculoXIX, e da África, até a segunda metade do século XX, dãodemonstração de que, em seu passado, as sociedades capitalistasse instalaram e foram forjadas num arco mundial de exploraçõese hierarquizações territoriais. Atualmente, as permanentessituações de guerra em alguns países do mundo árabe,deflagradas ou apoiadas diretamente pelas principais potênciasmundiais, demonstram a apropriação do petróleo ainda como um

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mundiais, demonstram a apropriação do petróleo ainda como ummotor imperialista do capitalismo contemporâneo.

É certo que tais relações de dominação e exploração pelomundo revelam, historicamente, pluralidade e variedade demanifestações de imperialismos, mas sempre tendo por motor ocapital e o Estado, ainda que apenas em um dos seus polos. Aexploração capitalista de sociedades com formações pré-capitalistas revela um imperialismo com ausência decorrespondência de formas políticas entre exploradores eexplorados. As colônias são territórios subordinadosdiretamente, no plano político e jurídico, às suas metrópoles; umEstado toma para si, de modo direto, regiões alheias. Para alémdo colonialismo, as formas modernas de imperialismo já operamassentadas em uma relação entre Estados juridicamentesoberanos. A prevalência do capital estrangeiro em regiõespobres faz com que inúmeros Estados do mundo sejamcontrolados por Estados e capitais exógenos, ainda que serespeite a soberania política e a igualdade jurídica. Trata-se deuma subordinação informal, que opera em marcos de captura dasclasses econômicas e políticas dominantes do Estado subjugadopelo capital e pela política do Estado imperialista. Também oimperialismo não é um processo binário. Pode haver arranjosentre Estados imperialistas, articulando redes formais e informaisde relações de exploração e dominação. Tratados, acordos,alianças, grupos ou políticas comuns se estabelecem tanto daparte de Estados dominadores como, por sua vez, também porparte de Estados dominados.

A relação entre Estados ou entre Estados e territórios, pelomundo, também opera, na contemporaneidade, de acordo comos referenciais do direito internacional e das organizaçõesinternacionais. Cada Estado, tomado como uma subjetividadepública internacional, está assentado num sistema jurídico deigualdade e de respeito à soberania. Daí resultam instituiçõesinternacionais que formalmente são recebidas pelos Estados apartir de sua vontade autônoma. Também por meio jurídico seinstauram alinhamentos entre Estados, tanto militares quanto decomércio, tecnologia ou política. Ocorre que o direitointernacional e as organizações internacionais são expressãodireta de relações de força, a partir de específicas contingênciasde poder militar, econômico e social e, daí, de desigualdade. A

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de poder militar, econômico e social e, daí, de desigualdade. Aforma política da subjetividade do ente estatal, igual à dosdemais Estados, enseja a articulação mundial do capitalismo;seus arranjos e suas instituições internacionais são consolidadosa partir das diversas posições materiais dos Estados, revelando,necessariamente, o caráter imperialista do arranjo mundial. Asformas políticas e jurídicas, nacionais e internacionais, antes deserem formas de contenção da exploração, são justamente asformas que constituem e permitem a exploração capitalista noplano mundial.

O aumento do poder do direito internacional e dasorganizações internacionais, na atualidade, revela a sua naturezaestrutural e a sua operacionalidade funcional. No presente, dadasua maior fraqueza relativa perante o grande capital plenamenteinternacionalizado, os Estados só conseguem lograr um modelomais estável de acumulação numa frente ampla de coordenaçãopolítica, econômica e jurídica. Com isso, permite-se umestabelecimento de padrões comuns ao capital, dando aindamaior esteio à sua dinâmica de exploração e de valorização, oque gera, também, uma crise político-econômica comum além demodos engessados e unificados para seu tratamento – o que severifica, por exemplo, no caso da União Europeia. Os atuaismarcos jurídicos e institucionais internacionais espraiados são,antes de uma contenção do capital, a sua possibilidade deexpansão ainda maior.

As fases estritas de imperialismo são identificadas, no finaldo século XIX e na primeira metade do século XX, como umdomínio expansivo e violento de capitais e territórios por meiode guerras – desde o novo colonialismo na África até as guerrasmundiais. Mas o período do pós-Segunda Guerra estabelece umimperialismo diverso, assentado sobre bases econômicas epolíticas fordistas. O crédito a países periféricos ou arrasadospela guerra fez com que os Estados Unidos despontassem comopotência hegemônica do capitalismo. No plexo político dosEstados Unidos se assentaram as instituições que organizaram adinâmica e a hierarquia internacional da segunda metade doséculo XX – ONU, Otan, FMI, Banco Mundial, dólar comoreserva monetária internacional etc. No polo soviéticoestabeleceu-se um plexo secundário do sistema mundial. Omundo capitalista periférico – então chamado terceiro mundo –

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mundo capitalista periférico – então chamado terceiro mundo –submeteu-se ao capitalismo central.

Tal imperialismo fordista do capital é transformado desde adécada de 1970, a partir do rompimento de seus marcos pelospróprios Estados Unidos. Conforme se verificará no próximocapítulo, um pós-fordismo, que politicamente se assenta embases neoliberais, ensejou uma sobreposição internacional aindamais pronunciada do capital em face dos Estados. A maiorliberação do capital financeiro e especulativo fez com que toda acadeia da reprodução capitalista passasse a depender de umcircuito de decisões econômicas cada vez mais internacional,diminuindo as amarras dos controles políticos dos Estados.Nessa nova fase do capitalismo, muitas das instituições doimperialismo fordista são mantidas, mas com maior insuficiênciados Estados em coordenar a movimentação do capital. Com ofim do bloco soviético, os Estados Unidos ascendem à posiçãode superpotência única, com um poderio militar incontrastávelpelos demais países. Esse processo é de transferência do centrode decisões dos Estados para o capital internacional e, ao mesmotempo, de reordenação das funções políticas estatais no contextodas relações mundiais. Entre si, os Estados passam a atuar nosentido de uma sistemática concorrência para oferecer aoscapitais melhores condições para o investimento, disputando asua internalização. Tal processo leva à fragilização dascondições sociais internas, o que gera novos e específicosconflitos, demandas e lutas.

No imperialismo pós-fordista, ao mesmo tempo que osEstados Unidos se erigem como a única superpotência mundial,constituindo-se, na sua materialidade econômica, política emilitar, como centro do sistema-mundo capitalistacontemporâneo, ao seu lado soma-se uma constelação deEstados principais do capitalismo – China, Japão, paíseseuropeus, entre outros. Ainda que estabelecida sobre intensacompetição econômica e grandes antagonismos estratégicos, aoperacionalização da política internacional de tais países centraistende a uma coordenação, na medida em que estão todossubmetidos ao mesmo processo de acumulação. Nos paísesperiféricos do mundo, as margens de opção política e ascondições de oferta para o capital terminam por ser ditadas apartir das possibilidades e da dinâmica do capitalismo central.

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partir das possibilidades e da dinâmica do capitalismo central.Nesse sistema de múltiplos núcleos de poder e decisão, de corteneoliberal e regressista em termos sociais, os conflitos políticos eeconômicos aumentam na medida das profundas crises ensejadaspelas suas particularidades.

A ausência de um número maior de guerras frontais entreEstados, dada a supremacia militar dos Estados Unidos,reelabora o poder militar e também a violência interna einternacional. Os Estados assumem um papel militar-policial. Namedida em que a política do capital não mais enfrenta um grandenúmero de Estados inimigos, o conflito se concentra nosindivíduos, grupos e classes que agem dentro e fora de cadaterritório estatal. O terrorismo é a forma manifesta dessaoperação dos conflitos que afeta a processualidade da vida postasob condições políticas já dadas. O maior assentamento do poderdo capital internacional sobre os Estados, fazendo-os operar paraoferecer condições melhores à sua internalização, torna osEstados menos permeáveis socialmente e politicamente maisrepressivos, fazendo com que a luta social cada vez menosvislumbre a tomada transformadora do poder nesses própriosEstados, como era o caso das lutas de libertação ou dasrevoluções no século XX. O terrorismo, como violênciaarquetípica dos tempos pós-fordistas, maneja politicamente ummundo de aparentes impossibilidades, cujas formas nãoencontram, imediatamente por horizonte, mudança estrutural.

As mudanças do capitalismo contemporâneo, a partir dadécada de 1970, fazendo com que o capital se estabelecesseainda mais como um superpoder para além dos Estadosnacionais, não só enfraquece relativamente os Estados comotambém instaura uma dinâmica própria nas suas relaçõesinternacionais. As hierarquias entre Estados se apresentam agorainsculpidas em condições que dependem de uma decisãointernacional do capital, o que se encontra para além dastradicionais forças internas, até então quase sempre advindas dopoder militar, das forças produtivas próprias ou das vantagensgeográficas e naturais. Mas, mesmo nessa fragilização relativa,os Estados não perdem seu papel de plexo condensador dareprodução do capital. Ainda que as decisões de investimentosejam deslocadas dos Estados para o capital internacional e queo poder militar se restrinja à polícia, rebaixando o perfil da

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o poder militar se restrinja à polícia, rebaixando o perfil dapolítica nacional, mesmo assim os Estados continuam aconformar e a garantir a dinâmica do capital. As garantias daspropriedades, dos contratos, a exigibilidade dos vínculosjurídicos ou a necessidade da garantia da ordem interna para odesenvolvimento do capital, por exemplo, se mantêm e, naverdade, se exponenciam nas condições contemporâneas docapitalismo. A atual perda relativa do poder econômico dosEstados se faz acompanhar de um pleito do capital porsegurança jurídica e força policial desses mesmos Estados, comoforma de garantia da sua própria reprodução. O redivivo peso doconstitucionalismo e o moralismo jurídico – o que denominojuspositivismo ético – das décadas finais do século XX e doinício do século XXI são demonstrações de funções políticasalteradas, mas, jamais, de fim da forma política estatal.

O poder do capital, majorando-se no plano internacional,altera a soberania efetiva e as funções dos Estados nacionais.Pode-se vislumbrar uma dinâmica do capital presente por sobreos Estados, sustentada inclusive ideologicamente por umacultura de valores e negócios dos capitalistas e de seus gerentesque já é comum às franjas das classes dominantes na maioria dospaíses. Mas esse poder do capital por sobre os Estados se faz,necessariamente também, passando pelos Estados. Chamar opoder do capital internacional de Império, como o fazem Hardt eNegri, só seria possível na medida em que se somasse aoconceito a necessária existência da forma política estatal e daforma jurídica como seus lastros garantidores nos planosnacionais. A materialidade da exploração econômica se fazpermeada ainda pelas condições estruturais de sociabilidade docapital, insculpidas pela forma jurídica e pela forma políticaestatal.

O poder do capital internacional sobre os Estados é tambémpor meio dos Estados. Daí que se preservam as diferenças entreas materialidades sociais dos Estados, o que enseja na atualidadeuma majoração da sua concorrência para a recepção dos capitais.Trata-se de um processo complexo de lutas e interesses. OsEstados continuam a se assentar, internamente, sobre umapluralidade de relações sociais conflituosas e exploratórias,permeadas pelas lutas de classes. Além disso, tais bases sociais etais formas políticas são perpassadas externamente pela disputa

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tais formas políticas são perpassadas externamente pela disputade condições concorrenciais que se somam a uma multiplicidadede conflitos entre Estados e territórios. As lutas por distinçõeslocais favoráveis ao capital preservam e majoram as hierarquiasno plano internacional, que são ainda realimentadas até mesmocom novas formas de disputas econômicas, políticas, militares eideológicas. O poder mais internacionalizado do capitaldemonstra, assim, não só uma dinâmica contra os Estados, mas,sim, dos Estados, revelando-se como instrumento privilegiadopelo qual opera o imperialismo contemporâneo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Boron (2002); Caldas (2013); Carnoy (1990); Hardt e Negri (2001); Hardt e Negri(2005); Harvey (2004); Harvey (2011); Hirsch (2007); Hirsch (2010);Holloway (2003); Lenin (1986); Marx (2008); Marx (2011a); Marx (2011b);Marx (2011c); Marx (2013); Miéville (2006); Offe (1984); Postone (2008);Poulantzas (1975); Poulantzas (1977); Santos (2008).

5. Estado e regulação

5.1. Capitalismo, Estado e regulação

A relação entre capitalismo e Estado se estabelece a partirde uma penetração do econômico no político, num processo deimplicação recíproca; as duas regiões do todo social se erigem ese estruturam conjuntamente. Tanto a economia capitalista nãoexiste sem uma forma política estatal correspondente quanto estasó pode existir nas condições de reprodução econômicacapitalista. Tal manifestação dúplice, no entanto, é eivada decontradições. A relação entre economia e política, nocapitalismo, não se estabelece e se reitera de modo automático,nem pode ser pensada como uma derivação lógica de todos osseus termos, tampouco se apresenta como portadora defuncionalidades necessárias. A articulação entre o níveleconômico e o nível político das sociedades capitalistasapresenta variações, contradições, conflitos e rupturas. No

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apresenta variações, contradições, conflitos e rupturas. Nocapitalismo, as formas da sociabilidade se estruturam emrelações de exploração, dominação, concorrência, antagonismode indivíduos, grupos, classes e Estados. O conflito e a crise sãoas marcas inexoráveis da reprodução capital.

É só sobre esse pano de fundo, de instabilidade estrutural,que se assentam os eventuais ciclos de estabilidade econtinuidade no campo da reprodução social, política eeconômica capitalista. No seio de uma dinâmica geral que énecessariamente de conflito e crise, a existência de determinadafase estável na continuidade da reprodução social capitalistaenvolverá uma reiteração de práticas, horizontes e mecanismoseconômicos, políticos e sociais específicos. Tais arranjos sociais,que aglutinem uma perspectiva comum de produção, relaçãoentre classes, participação política, sociabilidade geral, valores ecompreensão de mundo, estabelecem uma hegemonia socialgeral, de acordo com a proposição mais conhecida do termo, porparte de Gramsci. Ocorre que tais fases amplas de estabilidadesão permeadas pelas necessárias estruturas da reproduçãocapitalista: contraditórias por natureza, geram tanto crises no seuseio quanto a própria desestruturação de sua coesão.

Fases capitalistas que atravessam períodos de estabilidadetendem a generalizar seu padrão de funcionamento,naturalizando-se como se fossem modelos únicos ou exemplaresdas formas de sociabilidade, olvidando que a própriaestabilidade contém o instável estrutural da exploraçãocapitalista. O capitalismo do pós-Segunda Guerra Mundialtendeu a enxergar nas suas estruturas um padrão geral a sercontinuamente reproduzido. Com sua crise, emergem formaçõessociais com graus de instabilidade ainda maiores, nas quais osEstados assumem funções e papéis distintos. Para se estudar asespecíficas naturezas de tais arranjos relativamente estáveishistoricamente de reprodução do capital, tanto o estudo das suasbases econômicas quanto o de suas condições políticas e sociaissão necessários.

Dentro do horizonte de estabilidades e rupturas e crises natotalidade social – tomando-se o problema das variadas relaçõesentre a economia capitalista e as formas políticas que lhecorrespondem –, nas décadas finais do século XX foi produzidauma série de reflexões de correntes teóricas que podem ser

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uma série de reflexões de correntes teóricas que podem serdenominadas escolas da regulação. No quadro de taisabordagens, muito distintas entre si no que tange aos seusescopos e leituras, há algumas que se destacam por umaperspectiva crítica mais radical, dialogando com o marxismo. Oâmbito das análises das teorias da regulação está nacompreensão de categorias econômicas das sociedadescapitalistas que consigam acoplar, para além daquelas queexplicam os termos gerais da reprodução social, também asferramentas explicativas médias, que deem conta doentendimento das variáveis político-econômicas que constituemas grandes fases internas do capitalismo. Trabalhando comcategorias intermediárias, as teorias da regulação buscam escaparde um aprisionamento à análise de questões pontuais – quelevaria a uma perspectiva tecnicista da economia, cega porqueocupada apenas de modelos parciais – e tornam concreta agrande análise da economia política marxista, aplicando-a àsmudanças das articulações que se dão no seio das variadas fasesdo capitalismo. Assim, tais categorias intermediárias daeconomia política se prestariam a apontar as fases de estabilidadee suas rupturas dentro do capitalismo, como as alteraçõeshavidas entre o capitalismo liberal do século XIX e o capitalismode guerra no século XX, ou, neste mesmo século, entre ocapitalismo de bem-estar social do pós-Segunda Guerra Mundiale o capitalismo neoliberal. Trata-se de trabalhar, no contexto daanalítica geral do capitalismo, as suas específicas fases e suascorrespondentes regulações.

Buscando ser acopladas às ferramentas gerais da leituramarxista, categorias de abrangência intermediária propostaspelas escolas da regulação apresentam duas delas como de maiorrelevo teórico: regime de acumulação e modo de regulação. Aprimeira categoria dá conta das próprias dinâmicas econômicasconstituintes de cada uma das fases internas do capitalismo. Asegunda categoria busca compreender as específicas articulaçõesdo econômico com o político e o social nessas mesmas fases.Regime de acumulação e modo de regulação não sãoferramentas que trabalham com objetos sociais distintos, masênfases em determinadas relações constituídas nesses mesmosobjetos sociais.

No interior da reprodução social capitalista, cada uma de

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No interior da reprodução social capitalista, cada uma desuas grandes fases se assenta sobre um modo próprio deextração do mais-valor e de obtenção de lucro. A estabilidade detal padrão econômico envolve específicas articulações entre asclasses capitalistas e trabalhadoras. A propriedade privada e ataxa de lucro orientam variadas dinâmicas econômicas. A massade ganho salarial impacta a produção, o comércio e as finanças.A tecnologia e os meios de produção posicionam a economia emdiversos graus na consolidação de seu mercado e na sua inserçãonas trocas internacionais. Nesse quadro econômico, o regime deacumulação se apresenta como uma estruturação de relaçõessociais capitalistas complexas que conseguem alcançar algumgrau de articulação e manutenção, perfazendo uma fasesistemática no seio das instabilidades e crises do capitalismo.

No entanto, tal regime de acumulação não se constitui,apenas, numa dinâmica do nível econômico, embora este lheseja seu primeiro motor. Para que haja a possibilidade deapropriação do resultado do trabalho de terceiros, recrutadosmediante contrato, há formas sociais e uma série de mecanismospolíticos e jurídicos que consolidam um núcleo institucionalsuficiente e próprio à acumulação. Além de serem constituídasobjetivamente por tais formas sociais, as classes trabalhadorasagem no contexto dessas instituições, incorporando no mais dasvezes seus valores médios – respeito à ordem, aos contratos, àpropriedade privada, ao Estado. Não só o que é explicitamentepúblico entra nessa conta institucional, mas também uma redevasta e estrutural que perpassa entidades, sindicatos, igrejas,escolas, família, cultura e meios de comunicação de massa. Aesse complexo institucional, cuja manutenção em determinadasfases consolida-se com alguma estabilidade, centrado no Estadomas maior que os seus contornos autodeclarados, pode-sedenominá-lo modo de regulação.

Tome-se, como exemplo de uma fase interna docapitalismo, aquela conhecida por neoliberalismo. Ao seapresentar imediatamente como uma espécie de majoraçãoeconômica do privado em face do público, o neoliberalismopode revelar os contornos de um regime de acumulação,privilegiando a especulação à produção, empreendendo umamaior privatização da economia, rebaixando as condiçõeseconômicas das classes trabalhadoras, com clara hegemonia

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econômicas das classes trabalhadoras, com clara hegemoniasocial das finanças. No entanto, o neoliberalismo só pode sercompreendido se for somado ao seu específico regime deacumulação um complexo de formas políticas, lutas sociais,informações culturais, técnicas e de massa e valores que seapresentam como modo de regulação desse todo. Se há umnúcleo econômico do neoliberalismo, há também, de algummodo, um núcleo político-ideológico que lhe conforma.

As categorias de regime de acumulação e modo deregulação buscam alcançar um nível de articulação do todosocial específico quando comparado aos conceitos de modo deprodução, de relações de produção e de forças produtivas. Noque tange à noção de modo de produção, as categorias propostaspelas escolas da regulação são de abrangência menor: tratam demodelos, articulações e fases variadas dentro de um só modo deprodução, que é o capitalista. As noções de relação de produção– conceito-chave para a compreensão do capitalismo – e forçasprodutivas são categorias ainda maiores que a de regime deacumulação e modo de regulação. Na medida em que separam oespecífico econômico do político-ideológico, os conceitos deregime de acumulação e modo de regulação não operam com asdistinções entre meios e relações, mas os somam para separar,então, meios e relações no nível econômico e meios e relaçõesno nível político-ideológico. Nesse sentido, as teorias daregulação lidam com recortes inspirados em variadas leiturascomo as de Gramsci ou de Althusser, buscando retomar erefinar, em âmbito próprio, as articulações entre infraestrutura esuperestrutura apontadas no pensamento de Marx.

Na melhor leitura das teorias da regulação – bem como namelhor leitura do marxismo a respeito de base e superestrutura –,a relação entre regime de acumulação e modo de regulação nãoé nem a junção de elementos indiferentes entre si nem asuperposição de dois iguais. Trata-se de uma coexistênciaestrutural, que revela um determinado grau de articulação entreseus termos. Se há uma variação de sua dinâmica – da qualresultam as múltiplas fases internas do capitalismo –, há umaunidade de fundo entre regime de acumulação e modo deregulação, em torno de uma mesma formalização social, toda eladerivada da própria forma-mercadoria.

As teorias da regulação, buscando consolidar a análise de

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As teorias da regulação, buscando consolidar a análise decategorias intermediárias da economia capitalista, almejamencontrar modos de estabilidade parcial numa dinâmica históricageral de instabilidade, assentando-se, assim, sobre a perspectivade que o capitalismo necessariamente é portador de crises. Dadaa sua imperfeição estrutural, a reprodução capitalista não épassível de erigir condições de acumulação não contraditórias,tampouco tem meios de consolidar modos de regulação queestabilizem a crise e o conflito. Daí que, por sobre as camadas dacrise, que é própria do capitalismo, as suas variadas fasesdespontam como articulações distintas, modificando um terrenoque está estruturalmente ligado às condições dos terremotostípicas do modo de produção. As mudanças internas das fases docapitalismo devem-se tanto à superfície de suas alteraçõesquanto, principalmente, à sua própria natureza – oculta noprimeiro momento a uma visão imediata economicista epoliticista – portadora de crise estrutural.

5.2. Forma política e regulação

Perspectivas críticas da economia política, como o são asteorias da regulação e, fundamentalmente, o marxismo, nãoisolam o mercado como instância natural, equilibrada ousuficiente, tal qual o fazem os economistas neoliberais.Tampouco, por sua vez, enxergam no Estado um papel deordenar o mercado para a plena estabilidade ou o bem comum.A economia capitalista se estrutura por meio do conflito,lastreada na apropriação de capitais e no trabalho explorado, e oEstado se apresenta em relação direta com a multiplicidade dascontradições econômicas e sociais.

Se o Estado não pode ser compreendido como umelemento salvador, de contraponto à lógica econômica capitalista– como ainda persistem em ver muitas teorias econômicas epolíticas progressistas de esquerda –, no entanto, tampouco podeser entendido como elemento deletério a um pretenso equilíbrionatural perfeito dos mercados – como visões de direita,miseravelmente, insistem em propalar. O papel do Estado naregulação se revela a partir da sua manifestação estrutural efuncional, como forma necessária da reprodução do capital, comsua relação correspondente com as formas mercadoria e jurídica.

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sua relação correspondente com as formas mercadoria e jurídica.Somente nesse pano de fundo, na articulação das formas docapitalismo, é possível então estabelecer-se, com melhordelineamento e proveito, uma teoria crítica da regulação.

A dinâmica da reprodução capitalista se estabelece pormeio de formas sociais inexoráveis a esse modo de produção. Amercadoria, sendo o seu átomo, estabelece os parâmetros pelosquais as relações sociais se apresentam. Na troca de mercadoriase, também e fundamentalmente, no trabalho assalariado é que seveem os núcleos pelos quais a estrutura social capitalista seconstitui. Assim, instituições como a propriedade privada, acirculação intermediada monetariamente, a constituição desujeitos de direito e o apartamento do controle político direto dasmãos dos agentes individuais formam um complexo basilar dasociabilidade capitalista e de sua reprodução.

Um núcleo da forma jurídica acompanha necessariamente arede da dinâmica da mercadoria e dos agentes atomizados. Éverdade que as múltiplas fases do capitalismo são tambémdistintas maneiras de estabelecimento de direitos subjetivos. Mastais variações remanescem na base de formas necessárias, comoa do sujeito de direito. Numa gama de possibilidadeseconômicas como aquela que vai de um liberalismo mais radicalao intervencionismo mais pronunciado, mudam as quantidades eos arranjos de direitos subjetivos afirmados ou concedidos adeterminados agentes sociais, mas há sempre uma base formalde sujeitos de direito estruturando os múltiplos tecidos sociais esuas crises.

Durante grandes quebras e transformações econômicas, atémesmo instituições jurídicas menos nucleares do que o sujeito dedireito costumam permanecer estáveis: o respeito aos contratos, adefesa da propriedade privada já estabelecida ou a suaindenização, e até mesmo a responsabilização civil e penal,ainda que tardia. Num caso extremo, como o das guerras, se elasrompem com esse núcleo, ao seu final um sistema nacional ouinternacional do capitalismo e da política exige as reparações aocapital espoliado nos termos dos núcleos juridicamentetradicionais.

Do mesmo modo que a forma jurídica permanecerelativamente estável às variadas fases, regulações e crises docapital, o Estado se estabelece como forma política necessária a

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capital, o Estado se estabelece como forma política necessária aesse modo de produção. A inexorabilidade da forma política nãorepresenta a sua estabilidade, a sua eficiência ou suafuncionalidade. As crises econômicas e do Estado atestam,inclusive, situações explícitas em sentido contrário. Mas, emtodas elas, no seio das desestabilizações e das crises docapitalismo, os conflitos e as mudanças das políticas, dosgovernos e das administrações revelam que a forma estatalremanesce, ainda que com múltiplas estruturas e configuraçõesinstitucionais em cada qual dessas fases. É preciso, pois,identificar um núcleo formal da política no capitalismo que seapresenta como reiterado e necessário, mesmo em meio a crisesextremadas. As variações da política, no capitalismo, num vastoarco de possibilidades, se fazem como mudanças de função,quantidade, orientação e intensidade, mas sempre seconsolidando em uma específica forma terceira em face dasclasses, dos grupos e dos indivíduos.

Somente tendo por base a inexorável relação entre asformas estruturais do capitalismo é possível, então, trabalhar como plano de sua regulação. A reprodução social capitalista seestabelece de modo atomizado, com múltiplos agentes emconcorrência. Mas tal estabelecimento é também político ejurídico. O Estado é regulador necessário da dinâmica do capitale do trabalho, não só como uma opção política, mas sim comoresultado de sua forma no seio da estrutura social. Daí que asproposições dos economistas liberais em torno de um mercadoideal, alheado da intervenção econômica estatal, com agentesindividuais tendentes ao equilíbrio, ou são pueris ou malescondem seu propósito ideológico. Não há capitalismo semformas políticas estatais necessárias. E, por outro lado, os sonhosde intervencionismo estatal como salvadores de um capitalismode bem-estar social também revelam o desconhecimento danatureza estrutural do Estado. É pela sua forma, de modonecessário, que a política no capitalismo é capitalista.

A variabilidade de regimes de acumulação e modos deregulação no capitalismo há de ter em conta tal inexorabilidadeda existência de formas econômicas, jurídicas e políticas estataisfundamentais à reprodução capitalista. É a partir dessas formasda sociabilidade, no jogo de sua confrontação e em seu seio queentão se revelam outros núcleos dos arranjos sociais que

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então se revelam outros núcleos dos arranjos sociais queexsurgem de específicas contradições, demandas, lutas declasses, grupos e indivíduos. Estabelecendo-se com base naexploração e na dominação, com antagonismo e concorrência, ocapitalismo erige-se na base de arranjos sociais múltiplos. Fasescapitalistas tão distintas entre si como as liberais, as deexacerbado imperialismo e guerra, as de bem-estar social e asneoliberais apresentam extremas variações de regimes deacumulação e modos de regulação, ainda que dentro de umamesma estrutura de formas sociais. Não há múltiplas naturezascapitalistas, mas uma só em dinâmicas altamente variadas.

No encontro dessas situações múltiplas, os modos deregulação e os regimes de acumulação impactam-se também demaneiras variadas. Não há coordenação estrutural, funcional ouconsciente entre a estrutura da busca de realização davalorização do valor e a construção das instituições políticas esociais que almejem a tal fim. Justamente por se tratar de umaeconomia atomizada, enredada em uma série de conflitosestruturais, não é possível uma onisciência regulatória aocapitalismo, nem a parametrização de um regime de acumulaçãoideal ou plenamente funcional.

O Estado não é onisciente em face da regulação. Não podeprever nem assegurar uma regulação “média”, ou “maisapropriada”, ou mais estável. Ao mesmo tempo, o Estado não éindiferente à reprodução econômica. Suas ações, ainda que nãooniscientes, impactam diretamente o modo de regulação etambém o regime de acumulação e, no limite, as própriascondições gerais que ensejam a existência estatal. O Estado podeantecipar a troca de modelos econômicos, planificar odesenvolvimento, minar condições de estabilidade à reprodução,persistir em arranjos políticos, sociais e culturais que revelematraso econômico. As crises capitalistas advêm tanto de crises deacumulação quanto de crises de regulação, podendo serdeflagradas justamente nas suas fraturas meramente econômicasou mediante desarranjos políticos e sociais de monta. No maisdas vezes, é verdade, as crises estruturais do capitalismo sãocrises tanto de regime de acumulação quanto de modo deregulação. Na medida em que determinado padrão médio dereprodução capitalista é também um escoramento de práticas deexploração e lucro em domínios políticos correspondentes, as

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exploração e lucro em domínios políticos correspondentes, ascrises não são, em geral, o desajuste apenas de um desses lados,mas de ambos e da própria escora constituída entre si.

As crises não são apenas um desajuste na funcionalidade ena eficiência dos padrões que se estabelecem pelas formascapitalistas, mas são, quando crises estruturais, contradição dasformas. No campo econômico, a perda de soberania monetária, ainflação, a crise de preços, o rebaixamento da massa salarial ou acarência estrutural de lastro financeiro são exemplos de eventosque podem levar a crises em formas sociais, como a propriedadee a moeda. No campo da regulação, as guerras, ditaduras,extermínios, genocídios, fascismos e xenofobia sãomanifestações da contradição da manutenção de uma formajurídica universalizada. A incapacidade estrutural de um circuitodemocrático pleno no capitalismo revela o aleatório dos regimespolíticos que constituem a forma política estatal. Nas crisesestruturais do capitalismo, é possível ver o choque entre asformas econômicas e as formas jurídicas e políticas. Amanutenção da reprodução econômica em determinados padrõesacarreta a incapacidade em persistir no reconhecimento dosdireitos subjetivos. Quando em crise, o capitalismo revela odesgaste das formas jurídicas e políticas como resultado, sobresi, do peso do escoramento promovido pelas formas econômicas.

Contudo, quase sempre, no seio das formas em crise, auniversalidade da forma-mercadoria faz com que o eventualdesmoronamento do político e do jurídico seja sucedido por umnovo e distinto arranjo, mas estabelecido numa rede dessasmesmas formas, de tal sorte que sua superação se faz comcombinações e quantidades novas, contando no entanto com asmesmas categorias que as geram. As formas estruturais darelação entre economia, política e direito revelam as múltiplascontingências dessa mesma relação, seus esgarçamentos e suasreconstituições. De modo geral, os regimes de acumulação e osmodos de regulação não variam no que tange à manutenção daforma de circulação, da forma de sujeito de direito e daapropriação privada garantida por meio estatal. As variaçõesacumulatórias e regulatórias, portanto, estão no modo, nos fins ena quantidade de direitos e propriedades, nos arranjos daexploração do trabalho assalariado e nos meios de circulação.

Além das múltiplas relações internas a cada Estado, que

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Além das múltiplas relações internas a cada Estado, queensejam variadas estruturas sociais de acumulação e regulação, ocapitalismo se confronta, necessariamente, com um sistemaeconômico e político que é internacional. A concorrência seestabelece, assim, nos planos interno e externo. Sociedades serelacionam a partir de múltiplos estágios de formação social,economias se anelam com relações hierárquicas entre si, fraçõesde classes burguesas nacionais e internacionais arranjam-se demodos variáveis. Daí, as teorias da regulação devem também terem linha de conta a dinâmica espacial dos capitais e da políticano sistema internacional. A estabilidade dos regimes deacumulação e dos modos de regulação passa por específicosarranjos na sociabilidade interna e, também, pela suadeterminação mundial.

Se a regulação do capitalismo se faz no seio de formasincontornáveis, sendo o Estado uma delas, os contemporâneosdiscursos de rebaixamento da importância da política carecem defundamento. O neoliberalismo não é uma retirada do Estado daeconomia, mas um específico modo de presença do Estado naeconomia.

5.3. Estado, fordismo e pós-fordismo

A sociabilidade capitalista é estruturada na instabilidade deum modo de produção exploratório, fundado em antagonismo declasses e na pluralidade de interesses de agentes individuais datroca. No seu seio, específicas épocas históricas de estabilidadepermitem encontrar – dentre tantas crises, singularidades evariações – algumas etapas com padrões econômicos e políticoscomuns, que desnudam fases de estabilidade parcial dareprodução social.

Nas teorias da regulação, delineia-se a compreensão de umperíodo específico do capitalismo do século XX sob a alcunhad e fordismo. Por tal fase identifica-se o período entre o pós-Segunda Guerra Mundial e as crises da década de 1970.Algumas de suas características econômicas básicas remontam aperíodo anterior, mas o completo estabelecimento de seu sistemade funcionamento se dá justamente no rescaldo da SegundaGuerra Mundial. O taylorismo é uma de suas premissasfundamentais. Tal modo de organização da produção se arraigou

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fundamentais. Tal modo de organização da produção se arraigouno início do século XX, em especial nos Estados Unidos, e omodelo da indústria automobilística – a Ford por exemplo – ésímbolo de sua implantação. O taylorismo submete a produçãona fábrica a uma progressiva divisão de tarefas, implantandomecanismos universalizantes para um trabalho cada vez maisindiferenciado. A experiência prévia e a qualificação intrínsecados trabalhadores tornam-se tendencialmente menos necessáriasa uma linha de produção na qual as atividades de trabalho sãopreviamente estabelecidas e o controle intensificado.

Nos Estados Unidos, padrões de organização da produçãotayloristas vão se implantando já na virada do século XIX para oséculo XX. No entanto, o fordismo, como modo próprio desistematização econômica capitalista, é uma fase que seconcretiza apenas posteriormente. A crise econômica de 1929revela seus descompassos: um sistema produtivo taylorista jábastante racionalizado e indiferente nas relações de trabalho, masdesacompanhado de um modo de regulação que estabelecesseum circuito universal de consumo e uma ativação da produção apartir da massa salarial. É depois de tal período de criseeconômica que, nos Estados Unidos, as políticas econômicas sevoltam à consolidação de um regime capitalista de massa. Pormeio de políticas destacadamente intervencionistas, a economiados Estados Unidos estabelece então, numa base taylorista deprodução em série de objetos de consumo estandartizados –como o automóvel –, arranjos sociais que expandem o mercadode trabalho e de consumo. As relações de tipo capitalista passama penetrar em amplas regiões do tecido social, desconstituindoformas tradicionais de trabalho, de consumo e mesmo de vida. Opadrão mercantil alcança exponenciada sistematicidade no todosocial.

O regime fordista se assenta numa ampla coesão social epolítica interna, forjando mecanismos de negociação coletivos.Sindicatos, entidades empresariais, organizações de seguridadesocial e, em especial, o Estado são os agentes principais dessadinâmica política e econômica. Além disso, o fordismo seimplanta como uma nova estruturação da própria vida social.Formas costumeiras de vida são rapidamente transformadas,nichos sociais e econômicos pré-capitalistas ou na borda dosistema são alterados e inseridos no mercado de trabalho

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sistema são alterados e inseridos no mercado de trabalhoassalariado e de consumo. Mesmo o núcleo familiar passa a ser,a partir daí, uma unidade de trabalho e consumo. No planoideológico, o fordismo estabelece uma crença no progressodentro do próprio capitalismo, na expectativa de que, por meioda intervenção estatal, as crises e contradições do capital seapaziguassem e as classes trabalhadoras pudessem,crescentemente, galgar melhorias em sua condição econômica.

Contribuiu para o cimento ideológico do fordismo a miradada experiência dos países de influência soviética. As lutassocialistas no mundo e posteriormente a Guerra Fria pressionamos modos de regulação tipicamente fordistas a fomentar umaunidade maior das classes trabalhadoras ao capital. As empresas,as entidades de classe e sindicais, os clubes de serviço, asigrejas, os meios de comunicação de massa e os Estadosbuscarão consolidar uma ideologia comum de superioridade docapitalismo sobre o socialismo, o que se soma ao resultadomassivo de aumento na condição salarial, no oferecimento derede de bem-estar social e no consumo.

O fordismo se revela, nas décadas intermediárias do séculoXX, um modelo econômico de dinâmica mundial. O seuprincipal motor, os Estados Unidos, no saldo positivo de maiorpotência econômica, política e militar do pós-guerra, organiza-seinternamente num complexo de relações orientado para talsistema industrial-consumerista de valorização do valor. Mas,para tanto, confluem diretamente o sistema financeiro, o aparatomilitar e a crescente hegemonia internacional. As instituiçõespolíticas internacionais, ao fim da Segunda Guerra Mundial, sãoinsculpidas pelo poder estadunidense e capturadas pela dinâmicada lógica econômica fordista. A crescente interdependência daseconomias capitalistas mundiais em face dos Estados Unidos fazcom que o fordismo se imponha como sistema em escalainternacional.

Dadas as dinâmicas nacionais, há variadas experiênciasfordistas no século XX. Os Estados Unidos, como centro docapital mundial, expandem suas formas econômicas, políticas,sociais e culturais básicas a todo o mundo capitalista.Internamente, por meio de grandes grupos empresariais emconcorrência e mediante um consumo de massa, o modelo norte-americano é de menos intervenção para uma rede de criação de

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americano é de menos intervenção para uma rede de criação debem-estar social que a experiência europeia. De outro lado, osarranjos voltados à indústria militar são muito mais controladospoliticamente nos Estados Unidos que na Europa. Na periferiado sistema capitalista, ainda se verificam experiências decrescimento retardatário com razoável grau de sucesso e inserçãono mercado internacional, como no caso de algumas economiasasiáticas – a mais notável, o Japão – e, de outro lado, economiasque não conseguiram alcançar tal patamar de inserção superior –como no caso da América Latina. Para muitas outras regiões doglobo, como a África, o sistema fordista mundial resultou naperpetuação da sua condição na divisão internacional dotrabalho, exportando matérias-primas.

Apesar de sua base comum e seus arranjos básicos que setornam interdependentes no sistema mundial, os fordismos sãoexperiências relativamente singulares a cada Estado, dado quedemandam, para o estabelecimento de seus regimes deacumulação, justamente um determinado arranjo interno decoesão nos planos político e social. As múltiplas contradições,lutas de classe, hegemonias de valores e crises internas faz comque o fordismo então seja compreendido tanto como um sistemageral do capitalismo mundial quanto como uma experiência decada Estado.

Pelas teorias regulacionistas, que periodizam e sistematizama economia política das fases do capitalismo, como propõe,dentre outros, Robert Boyer, pode-se denominar modo dedesenvolvimento a determinada época estável na combinaçãoentre regime de acumulação e modo de regulação. A assimconsiderar o fordismo, ele há de ser reconhecido tanto a partir decaracterísticas próprias de acumulação – trata-se de acumulaçãointensiva, com produção e consumo de massa, alavancando-seem avanço tecnológico, buscando estabilidade do crescimento,com controle monetário e cambial, com empreendedorismo doEstado para a construção de infraestrutura à atividade econômicae com criação de rede de proteção social – como por umparticular modo de regulação. No que tange às formalizaçõesinstitucionais, que constituem o cerne da regulação, é no Estadoque se revela o peso fundamental para a constituição de tal modode desenvolvimento.

O Estado assume, no fordismo, proeminências ainda

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O Estado assume, no fordismo, proeminências aindamaiores que aquelas havidas nas fases anteriores do capitalismo.Como a organização social não mais se constitui na concorrênciaaberta entre indivíduos, trabalhadores e capitalistas, mas, sim,numa complexa organização de entidades, grupos, sindicatos eEstados, então se costuma denominar tal fase por capitalismomonopolista. Trata-se de uma regulação administrada de modofulcral pelo Estado. No campo salarial, com base nos preços aoconsumidor, estabelece-se uma indexação do salário nominal.Ao mesmo tempo, a cobertura dos elementos de bem-estar socialpassa a ser objeto de controle e promoção por parte do Estado –seguridade social, saúde, educação, habitação etc. A geografiadas manifestações da forma política estatal se expande. Com ofordismo, verifica-se um aumento quantitativo, mas também umaespecífica organização qualitativa do Estado: não apenas ocampo estatal se estende por múltiplos setores, mas a própriaorganização econômica, política e social passa a ter no Estado onúcleo central de sua irradiação. Se nas fases anteriores aofordismo a concorrência entre particulares se estabelecia comopadrão, anelando-se à forma estatal como corolário necessáriomas mantendo diferenças entre si, no fordismo há umentrelaçamento do capital e do Estado, esparramando-se ambosno todo social. O keynesianismo, corolário de uma açãoestratégica político-econômica do fordismo, baseado naproeminência estatal e social na orientação do processo deacumulação, espraiou-se, embora com variantes extremas, demodo mundial.

As condições que resultam no modo de desenvolvimentofordista, no entanto, se alteram substancialmente a partir dosanos 1970. Desde o início dessa década, as condições dereprodução do padrão social fordista entram em crise, perdendoseu impulso. Não se trata de um abalo produzido por um evento-símbolo ou por apenas um eixo de condições econômicas ouações políticas, mas por uma série de dinâmicas estruturais queperfizeram específicas combinações sociais, exponenciando ascontradições do tipo de capitalismo fordista.

No plano das estruturas econômicas, a década de 1970verificou uma tendência múltipla de diminuição da taxa delucros nas atividades capitalistas. O modelo fordista apresentavauma crise na sua própria dinâmica estrutural. Com uma presença

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uma crise na sua própria dinâmica estrutural. Com uma presençaestatal relativamente grande, a economia fordista dependia deuma série de mecanismos de fomento ao investimento,distribuição de renda, controle salarial e formação deinfraestrutura. Tais regulações estatais impunham taxas de lucrocada vez menores ao capital. Ao romper com as amarras de certaforma de coesão econômica e social a partir do Estado, aeconomia da década de 1970 esgarçava também as estruturasnas quais o fordismo se assentou. A existência de um mercadoconsumidor de massas, garantido por uma base salarialpoliticamente assegurada, era um corolário de um regime deacumulação que encontrava no crescimento econômico e emdeterminados níveis de bem-estar social um padrão suficientepara sua reprodução.

O papel dos Estados Unidos é crucial na desestabilizaçãodo regime fordista. A ruptura do padrão ouro-dólar representaum destravamento que engendra uma nova fase na acumulação,agora ainda mais majoritariamente calcada nas finanças. A novadinâmica do dólar desestabiliza o sistema financeirointernacional, gerando especulação nas taxas de câmbio,dinâmica desenfreada do crédito monetário, inflação eestagnação produtiva (“estagflação”). A inversão produtiva cedelugar à lucratividade financeira. O papel cada vez maisproeminente de empresas multinacionais submete a lógica daprodução à máxima exploração de possibilidades de lucro,desatrelando a produção e o investimento de padrõesregulatórios que fossem promotores do crescimento econômicoou mantenedores das condições salariais e de consumosuficientes. A regulação fordista entra, pois, em crise estrutural.

As condições sociais de hegemonia do fordismo tambémsão postas em crise. A previsibilidade da vida sob produçãoregulada dá lugar a condições existenciais de maior fragilidadeeconômica aos indivíduos, submetidos a uma concorrência nascondições de trabalho mais exacerbada. A política estatal, emgraus variáveis conforme os países, é capturada pelas ações emprol da facilitação da entrada de capitais financeiros. Oplanejamento de tipo fordista cede lugar a políticas neoliberaisde redução da taxação dos fluxos especulativos. Os Estadosnacionais apresentam dificuldades crescentes em sustentar umareprodução econômica de bem-estar social, investimento em

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reprodução econômica de bem-estar social, investimento eminfraestrutura e promoção do crescimento da produção e doconsumo e da massa salarial geral.

O neoliberalismo é a manifestação de um modo deregulação que, a partir da década de 1980, começa a tomarforma, acompanhando também um específico regime deacumulação, massivamente de capitais financeirosinternacionalizados. A globalização, tomada como fenômenocausal, é insuficiente como explicação de tal dinâmica. Ocapitalismo desde sempre é globalizado. Condições estruturais,de acumulação e regulação, nacionais e internacionais, é quegeram um novo padrão de desenvolvimento capitalista, o pós-fordismo.

O pós-fordismo se revela como resultante de uma criseintrínseca ao fordismo e também como o resultado de uma sériede políticas supervenientes de transformação das condiçõessociais e econômicas do capitalismo, a partir da década de 1980.Se por um lado o fordismo tornou patente uma agudamanifestação da lei da queda tendencial da taxa de lucro –conforme um processo que Marx já apontava –, a solução de suacrise não é apenas um processo econômico passivo de respostas.Em se tratando de um modelo resultante do encontro de variadascondições estruturais e relações de lutas sociais, o pós-fordismoé menos um padrão de inexorabilidade da lógica intrínseca docapital – não é um devir necessário do fordismo – e mais oresultado de construções sociais que nessa lógica semovimentaram. Desde os primeiros governos neoliberais nocentro do poder econômico capitalista, na Inglaterra e nosEstados Unidos, há um constrangimento global e sistemático dascondições de bem-estar social e das políticas de tipo keynesiano.Em termos geopolíticos, a crise do petróleo, a retomada daconcorrência armamentista contra o mundo soviético e aposterior dissolução do bloco de tais economias deramcondições a um reposicionamento dos Estados Unidos comosuperpotência mundial. O capital internacional encontra noincontrastável poder militar estadunidense a garantia de suacontínua reprodução, mesmo contra eventuais políticasnacionalistas de resistência. Se a guerra, o armamentismo e aviolência passam a ser o padrão político de organização dassociedades, em desfavor das políticas de bem-estar social, o

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sociedades, em desfavor das políticas de bem-estar social, oneoliberalismo encontra na crescente demanda por liberalizaçãofinanceira e dos mercados sua bandeira de política econômica.

O capital se reproduz, nas condições pós-fordistas, a partirde fluxos maiores que os tradicionais relacionados à produção eao consumo. Os investimentos, orientados pela especulação,carreiam volatilidades que estão para além da demanda efetiva: oexcedente de capitais demanda um processo de novas aberturasde espaços de acumulação. Por todo o mundo, as privatizaçõessão uma das novas fronteiras para o capital. Nesse processo, quenão é apenas de compra de empresas públicas por privadas, mas,sim, de espoliação – modo de acumulação primitiva –, integram-se novos ambientes de valorização do valor, mediante umapresença ativa do Estado, que financia, subsidia e preparainstitucional e economicamente a própria majoração dos espaçosprivados de acumulação.

No campo social, a precarização das condições de trabalhofaz com que, sucedendo ao modelo de regulação de segurançasocial, sejam vistas tendências hiperindividualistas, atrelando aabundância do crédito e o consumismo de novas tecnologias àrepressão às políticas e culturas discordantes. Se os capitaisfinanceiros ultrapassam barreiras nacionais, a exploração daforça de trabalho continua adstrita ao mercado nacional. Axenofobia e o controle político da imigração são majorados. Nocampo das lutas políticas, dos movimentos sociais e sindicais, asações de esquerda são enfraquecidas. Uma hegemoniaconservadora caracteristicamente capitalista se torna ainda maisplena quando as referências ideológicas do campo soviéticodesmoronam definitivamente. O capitalismo assume umimaginário de possibilidade única à sociabilidade humana,chegando-se a decretar o fim de uma história divergente a essepadrão.

No que tange ao processo de estabelecimento de condiçõesde acumulação e regulação pós-fordistas, trata-se de umprocesso contraditório e dinâmico, na medida em que oneoliberalismo atinge economias de todo o mundo que seapresentam em níveis distintos de desenvolvimento e, alémdisso, revelam específicos patamares das lutas de classe edistintas consolidações políticas institucionais e ideológicas. Ahegemonia dos Estados Unidos varia relativamente a fatores

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hegemonia dos Estados Unidos varia relativamente a fatorescomo a dissolução do bloco soviético, o fortalecimento do pesoeconômico da China ou as guerras promovidas. Os países daperiferia do capitalismo experimentam sorte ainda mais atroz queaquela dos países centrais, na medida em que o suporte préviode bem-estar social para suas populações, quando da entrada noneoliberalismo, é muito pequeno ou mesmo nulo. Ao mesmotempo, alguns países ditos emergentes revelam ainda margens demanobra de políticas fordistas, de crescimento econômicobaseado na produção, no consumo de massa e no aumentorelativo da base salarial interna. Se no fordismo os Estadoscapitalistas centrais apresentam padrões relativamente iguais deregulação e de entrelaçamento à dinâmica de acumulação docapital, no modelo de desenvolvimento pós-fordista, no entanto,o peso, a função e o impacto dos Estados são sobremaneiravariáveis. Se é possível compreender e nomear a dinâmica quese sucede ao fordismo como um padrão pós-fordista, este não seestabilizou num regime de contornos políticos gerais totalmentecoesos, muito menos coerentes em uma lógica intrínseca. O seualtíssimo grau de portabilidade de crise e de destruição de laçospolíticos e sociais faz com que a coordenação de políticas reveleaté mesmo um padrão geral de imposição internacional docapital, mas respostas nacionais múltiplas.

De modo algum o modelo pós-fordista pode sercompreendido como um alheamento do Estado diante daeconomia, representando um triunfo mortal desta sobre aquele.O neoliberalismo não é uma política dos capitais contra osEstados, é uma política dos capitais passando pelos Estados. Osgraus de liberalização são empreendidos por meio de políticaseconômicas estatais. O favorecimento aos capitais especulativosem desfavor do planejamento da produção é uma políticaconstante e sistemática dos Estados nacionais, num tensoconcerto de movimentação internacional dos capitais. Mesmo atroca da regulação de bem-estar social pela regulação derepressão à criminalidade da pobreza não é uma retirada doEstado do cenário econômico, político, social e cultural dehegemonia, mas, sim, é uma presença massiva da forma políticaestatal, variando no caso os meios e os horizontes de suaatuação.

O neoliberalismo não é a abolição da forma política estatal,

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O neoliberalismo não é a abolição da forma política estatal,mas, antes, a sua exponenciação. A mercadoria atinge, no modode desenvolvimento pós-fordista, instâncias maiores que aquelasnas quais atuava no modelo fordista. A natureza é capturadacomo mercadoria em limites ainda mais amplos, por meio daexploração de novas tecnologias, desde a eletrônica até abiologia e a genética. Dada a ampliação dos espaços da forma-mercadoria, dá-se também a majoração tanto da forma jurídicaquanto da forma política. Os materiais genéticos ebiotecnológicos são patenteados, exigindo novas ferramentasjurídicas em seu apoio. No campo político, novas redes deproteção à propriedade privada nos planos nacional einternacional demandam um reforço na coordenação entre osEstados e na ação de garantia de tal grau novo demercantilização da natureza, da vida, do saber e da tecnologia.

A dinâmica internacional do capital, da mercadoria e dasfinanças faz com que o papel de regulação insular da política edo direito nacionais seja abandonado em favor de uma regulaçãoconstrangida por padrões internacionais, fragilizando algunspotenciais políticos divergentes daqueles pautados pelo capitalglobal. No entanto, a ampla circulação mundial do capital e oenfraquecimento relativo da regulação insular dos Estados nãorepresenta a derrocada da relação entre forma-mercadoria, formapolítica e forma jurídica, cujos vínculos são necessários em todasas dinâmicas capitalistas, tampouco logra apagar as marcas e osimpactos da contradição social ou da luta de classes. O pós-fordismo não é a reprodução econômica capitalista pelas costasdos Estados nacionais, mas, sim, um específico arranjo docapital permeado necessariamente pela forma política estatal.

5.4. Estado e crise

As crises do capitalismo não são excepcionais a esse modode produção, mas sim suas características estruturais. Numregime de exploração, constituído de múltiplos agentes naprodução e na troca, enraizado em desigualdades reais e em lutasde classes e grupos, permeado por formas sociais e instituiçõesnecessárias e relativamente estranhas ao interesse imediato dospróprios agentes, as contradições são múltiplas, tanto no planoeconômico quanto no plano político. O Estado tem papel

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econômico quanto no plano político. O Estado tem papelfundamental na constituição das crises, na medida em que éforma necessária desse modelo de reprodução social.

No seio da dinâmica capitalista, os períodos de estabilidadese revelam apenas como consolidações parciais da reproduçãosocial. Os variados regimes de acumulação capitalistas nãologram, por motor próprio, uma reprodução infinita nos seuspróprios termos. Uma lei de queda tendencial da taxa de lucroleva a ação econômica – se hipoteticamente fosse tomada semcontratendências, o que não é o caso no seu efetivo arraigarhistórico – a um contínuo perecimento de suas bases. Os regimesde acumulação, no entanto, se estabelecem entrecruzados commodos de regulação que procedem à sua sustentação, reforma,constrangimento, modificação ou solapamento. Também osmodos de regulação não são dotados de estabilidade ou deplanejamento para além das suas condicionantes oucontingências, de tal sorte que não há um acoplamento perfeitoentre o regime de acumulação e a rede institucional que lhepossa servir de esteio.

Se os regimes de acumulação seguem uma tendência ao seuconstrangimento econômico, os modos de regulação se assentamsobre uma multiplicidade de interesses, forças e relações sociais.As crises no capitalismo podem se revelar tanto na dinâmicaeconômica – crise de acumulação – quanto na consecuçãoinstitucional da sociedade – crise de regulação. Peloacoplamento imperfeito entre economia e política, as crisesparciais procedem a abalos que são reabsorvidos posteriormente,ensejando novos níveis de articulação sociais. Por sua vez, crisesestruturais são aquelas que comprometem a própria reproduçãoeconômica geral do capitalismo. Elas não só envolvemdescontinuidades no regime de acumulação e insuficiências nosmodos de regulação, mas também contradições profundas entreacumulação e regulação, de tal sorte que não haja dinâmicaeconômica que carreie transformações políticas, institucionais esociais tampouco peso estatal e social suficiente para alterar omodelo econômico.

O padrão de análise da dinâmica do capitalismo deve serpautado na crise como seu corolário necessário, compreendendoas eventuais estabilidades como excepcionais. A valorização dovalor se desenvolve num processo submetido à lei da queda

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valor se desenvolve num processo submetido à lei da quedatendencial da taxa de lucro. As respostas políticas sustentamestabilizações parciais, mas que não logram a manutençãoindefinida dos regimes de acumulação. Referenciadas pelascrises, as fases de contínua reprodução segundo a mesmaestrutura de acumulação e regulação foram chamadas de cicloseconômicos por teorias econômicas marxistas desde o começodo século XX. A mudança de ciclos compreende osesgarçamentos dos modelos de acumulação e regulação comofases nas quais despontam as crises estruturais no padrão dereprodução capitalista.

As crises no capitalismo revelam as contradições entre arentabilidade do capital, as lutas de classes e os arranjos políticosque solidificam parcialmente as expectativas sociais. Se crisesmenores revelam descompassos que demandam retificaçõesparciais, as grandes crises ensejam alterações estruturais nadinâmica econômica e social. No entanto, a crise se apresentasempre no seio de estruturas sociais já previamente consolidadas.Os padrões de estabilização de antigas relações de tensão gerammodos de agir, procedimentos, valores, desejos e expectativasque perfazem reiterações de formas e práticas nos camposeconômico, político e social. Quase sempre em função de taisestabilizações prévias que se dá a reação à crise. A dinâmicapolítica e social da crise a ela responde, na maioria das vezes,com base em relações e estratégias passadas, e não futuras. Nãohá uma alta capacidade de previsão e de antecipação de modelosna constituição do tecido social capitalista. Por meio decontradições múltiplas, encontros, circunstâncias eeventualidades, as crises se sucedem por novas fases deestabilização. Dada sua constituição formal em face dosantagonismos da sociedade capitalista, tampouco o Estado tempré-ciência ou domínio estrutural de tais relações. Quase semprea economia e a política reagem em busca da manutenção – comalterações reformistas – do modelo no qual a própria crise foigestada. O poder do capital cresce e se renova em momentos decrise capitalista justamente pela fraqueza geral e sistemática dosdemais agentes sociais e, também, pelo caráter quase semprereativo ou meramente reformista das instituições políticas.

Como elemento fundamental da reprodução da dinâmicacapitalista, o Estado é menos um meio de salvação social do que,

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capitalista, o Estado é menos um meio de salvação social do que,propriamente, um dos elos da própria crise. Por ele passa a criseremediada, majorada ou reelaborada. A forma política alteracircunstâncias econômicas e sociais que, se ensejam novasarticulações, quase sempre são parciais, mantendo as basesgerais da valorização do valor. O mesmo se dá com a formajurídica. Por mais variáveis que sejam os remédios jurídicostomados em situações de crise do capital – de eventuaisexpropriações a aumento ou extinção de direitos sociais –, aalteração dos institutos jurídicos não chega à ruptura da formajurídica. O sujeito de direito continua sendo base para areprodução social, garantindo assim o circuito mercantil e ocapital.

As sociedades capitalistas, além de gerar sistemas deexpectativas relacionais, constituem também subjetividadesintrinsecamente mergulhadas na lógica da mercadoria.Geralmente as crises do capital não se apresentam aosindivíduos, grupos e classes como ocasião de superação domodo de produção, mas, sim, como fatos excepcionais eindesejáveis num modo de vida que por eles é presumido comoestável ou mesmo “natural”. Nesse sentido, as crises sedesenvolvem no seio de estruturas ideológicas resistentes.Grandes crises abalam tais estruturas, mas em geral mantêm seunúcleo profundo: a subjetividade como mensuração social, oconsumo, a apropriação de bens, a mercantilização do mundo.As mudanças de regime de acumulação e de modo de regulaçãose fazem dentro das bases gerais da própria reproduçãocapitalista. A crise abala e rearranja as formas. Somente emcasos extremos na valorização do valor ou no embate social enas lutas de classes as formas gerais do capitalismo sãosuperadas. No capitalismo, o padrão das crises revela, quasesempre, suas contradições endógenas. Raramente a crise dareprodução capitalista advém de causas externas à própriadinâmica da acumulação e da regulação. Casos de revoluçõescontestadoras do modo de produção podem ser pensados comocrises exógenas. Mas, em geral, mesmo os movimentosrevolucionários estruturais partem de crises endógenas docapitalismo para então promover lutas de superação do modo deprodução.

As múltiplas crises do modo de produção capitalista não

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As múltiplas crises do modo de produção capitalista nãopermitem identificar uma mesma resposta política, tampouco ummesmo padrão de superação ou retomada econômica. Somentefuturas dinâmicas que sejam necessariamente socialistas podemensejar arranjos sociais inovadores, não fundados naconcorrência e nos antagonismos de classes, grupos eindivíduos. O capitalismo é crise. Permeado pelas formassociais, econômicas, políticas, jurídicas e ideológicas que lheconstituem estruturalmente, o desenvolvimento do capitalismonão pode transcender ao que porta – exploração e dominação.Preside o concerto da totalidade da sociabilidade capitalista umalonga e contraditória política da mercadoria.

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LUPORINI, Cesare; TOSEL, André. Marx et sa critique de la politique. Paris,

Page 148: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

LUPORINI, Cesare; TOSEL, André. Marx et sa critique de la politique. Paris,Maspero, 1979.

WOOD, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.______. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São

Paulo, Boitempo, 2003.ŽIŽEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. São Paulo, Boitempo, 2011.______. Vivendo no fim dos tempos. São Paulo, Boitempo, 2012.

OUTROS LANÇAMENTOS DA BOITEMPOEDITORIAL

10 anos de governo pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma (noprelo)Emir Sader (org.)Orelha de Maria Inês Nassif

O ano em que sonhamos perigosamenteSlavoj ŽižekTradução de Rogério BettoniOrelha de Ivan Marsiglia

As armas da críticaEmir Sader e Ivana Jinkings (orgs.)Orelha de Michael Löwy

Bazar da dívida externa brasileiraRabah BenakoucheOrelha de Tania Bacelar de AraujoQuarta capa de Carlos Eduardo Martins

CypherpunksJulian Assange et al.Tradução de Cristina YamagamiApresentação de Natalia VianaOrelha de Pablo Ortellado

Menos que nadaSlavoj ŽižekTradução de Rogério Bettoni

Mídia, poder e contrapoderDênis de Moraes (org.)Prefácio de Raquel PaivaOrelha de Milton Temer

Page 149: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

Para entender O capitalDavid HarveyTradução de Rubens EnderleOrelha de Marcio Pochmann

Para uma ontologia do ser social IGyörgy LukácsTradução de Carlos Nelson Coutinho, Mario Duayer e Nélio SchneiderRevisão técnica de Ronaldo Vielmi Fortes(com a colaboração de Ester Vaisman e Elcemir Paço Cunha)Orelha de Maria Orlanda PinassiPrefácio de José Paulo Netto

A teoria da revolução no jovem MarxMichael LöwyTradução de Anderson GonçalvesApresentação de Rodnei Antônio do NascimentoOrelha de Antonio Carlos Mazzeo

O velho GraçaDênis de MoraesOrelha de Alfredo BosiQuarta capa de Wander Melo Miranda

COLEÇÃO MARX/ENGELS

O capital, Livro IKarl MarxTradução de Rubens EnderleTextos introdutórios de Jacob Gorender, José Arthur Giannotti e Louis AlthusserOrelha de Francisco de Oliveira

O socialismo jurídicoFriedrich Engels e Karl KautskyTradução de Lívia Cotrim e Márcio Bilharinho NavesPrefácio de Márcio Bilharinho NavesOrelha de Alysson Leandro Mascaro

COLEÇÃO ESTADO DE SÍTIO

Coordenação de Paulo Arantes

Opus Dei: arqueologia do ofício (Homo sacer, II, 5) (no prelo)Giorgio AgambenTradução de Daniel Arruda Nascimento

Page 150: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

Rituais de sofrimentoSilvia VianaOrelha de Gabriel Cohn

COLEÇÃO MUNDO DO TRABALHO

Coordenação de Ricardo Antunes

Nova classe média?Marcio PochmannOrelha de José Darin Krein

A política do precariadoRuy BragaOrelha de Peter Evans

Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II (no prelo)Ricardo Antunes (org.)Orelha de Plínio de Arruda Sampaio

Page 151: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

Publicado 170 anos após Marx escrever Crítica da filosofia do direito de Hegel, –reeditada este ano pela Boitempo, com um novo prefácio, escrito por AlyssonLeandro Mascaro.

Copyright © Boitempo Editorial, 2013

Coordenação editorialIvana Jinkings

Editores-adjuntosBibiana Leme e João Alexandre Peschanski

Assistência editorialAlícia Toffani e Livia Campos

DiagramaçãoAcqua Estúdio Gráfico

CapaAntonio Kehl

sobre fotografia “Populares sobre cobertura do palácio do Congresso Nacional no dia da inauguraçãode Brasília” (1960), de Thomaz Farkas / Acervo Instituto Moreira Salles

ProduçãoLivia Campos

Versão eletrônicaProduçãoKim Doria

DiagramaçãoSchäffer Editorial

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

M362eMascaro, Alysson Leandro, 1976-

Page 152: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

Mascaro, Alysson Leandro, 1976-Estado e forma política [recurso eletrônico] / Alysson Leandro Mascaro. - São Paulo, SP :

Boitempo , 2013.recurso digital Formato: ePubRequisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-7559-330-1 (recurso eletrônico)1. Ciências sociais 2. Ciência política 3. Jurisprudência 4. Direito - Filosofia 5. Livros

eletrônicos. I. Título.

13-2218. 05.04.13 10.04.13

CDD: 320

CDU: 32044053

É vedada a reprodução de qualquerparte deste livro sem a expressa autorização da editora.

Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009.

1a edição: maio de 2013

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E-BOOKS DA BOITEMPO EDITORIAL

18 crônicas e mais algumas * formato ePubMaria Rita Kehl

A educação para além do capital * formato PDFIstván Mészáros

A era da indeterminação * formato PDFFrancisco de Oliveira e Cibele Rizek (orgs.)

A finança mundializada * formato PDFFrançois Chesnais

A hipótese comunista * formato ePub

Page 153: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

A hipótese comunista * formato ePubAlain Badiou

A indústria cultural hoje * formato PDFFabio Durão et al.

A linguagem do império * formato PDFDomenico Losurdo

A nova toupeira * formato PDFEmir Sader

A obra de Sartre * formato ePubIstván Mészáros

A política do precariado * formato ePubRuy Braga

A potência plebeia * formato PDFÁlvaro García Linera

A revolução de outubro * formato PDFLeon Trotski

A rima na escola, o verso na história * formato PDFMaíra Soares Ferreira

A teoria da revolução no jovem Marx * formato ePubMichael Löwy

A visão em paralaxe * formato ePubSlavoj Žižek

As armas da crítica * formato ePubIvana Jinkings e Emir Sader (orgs.)

As artes da palavra * formato PDFLeandro Konder

Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917 * formatoePubSlavoj Žižek

As utopias de Michael Löwy * formato PDFIvana Jinkings e joão Alexandre Peschanski

Bazar da dívida externa brasileira * formato ePub

Page 154: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

Bazar da dívida externa brasileira * formato ePubRabah Benakouche

Bem-vindo ao deserto do Real! (versão ilustrada) * formatoePubSlavoj Žižek

Brasil delivery * formato PDFLeda Paulani

Cães de guarda * formato PDFBeatriz Kushnir

Caio Prado Jr. * formato PDFLincoln Secco

Cidade de quartzo * formato PDFMike Davis

Cinismo e falência da crítica * formato PDFVladimir Safatle

Crítica à razão dualista/O ornitorrinco * formato PDFFrancisco de Oliveira

Cypherpunks * formato ePubJulian Assange com Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann

De Rousseau a Gramsci * formato PDFCarlos Nelson Coutinho

Democracia corintiana * formato PDFSócrates e Ricardo Gozzi

Do sonho às coisas * formato PDFJosé Carlos Mariátegui

Em defesa das causas perdidas * formato ePub e PDFSlavoj Žižek

Em torno de Marx * formato PDFLeandro Konder

Espectro: da direita à esquerda no mundo das ideias * formatoPDFPerry Anderson

Estado de exceção * formato PDF

Page 155: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

Estado de exceção * formato PDFGiorgio Agamben

Extinção * formato PDFPaulo Arantes

Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina* formato PDFCarlos Eduardo Martins

Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era daservidão financeira * formato PDFFrancisco de Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek (orgs.)

História, teatro e política * formato ePubKátia Rodrigues Paranhos (org.)

Infoproletários * formato PDFRuy Braga e Ricardo Antunes (orgs.)

István Mészáros e os desafios do tempo histórico * formato PDFIvana Jinkings e Rodrigo Nobile

Lacrimae rerum: ensaios de cinema moderno * formato PDFSlavoj Žižek

Lenin * formato PDFGyörgy Lukács

Memórias * formato PDFGregório Bezerra

Menos que nada * formato ePubSlavoj Žižek

Meu velho Centro * formato PDFHeródoto Barbeiro

Modernidade e discurso econômico * formato PDFLeda Paulani

No limiar do silêncio e da letra * formato ePubMaria Lucia Homem

Nova classe média * formato PDFMarcio Pochmann

Page 156: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

O ano em que sonhamos perigosamente * formato ePubSlavoj Žižek

O caracol e sua concha * formato PDFRicardo Antunes

O continente do labor * formato PDFRicardo Antunes

O desafio e o fardo do tempo histórico * formato PDFIstván Mészáros

O emprego na globalização * formato PDFMarcio Pochmann

O emprego no desenvolvimento da nação * formato PDFMarcio Pochmann

O enigma do capital * formato ePubDavid Harvey

O poder das barricadas * formato PDFTariq Ali

O poder global * formato PDFJosé Luis Fiori

O que resta da ditadura: a exceção brasileira * formato PDFEdson Teles e Vladimir Safatle (orgs.)

O que resta de Auschwtiz * formato PDFGiorgio Agamben

O romance histórico * formato PDFGyörgy Lukács

O tempo e o cão: a atualidade das depressões * formato PDFMaria Rita Kehl

O reino e a glória * formato ePubGiorgio Agamben

O velho Graça * formato ePubDênis de Moraes

Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas *formato ePub

Page 157: Estado e Forma Politica - Alysson Leandro Mascaro

formato ePubArtigos de David Harvey, Edson Teles, Emir Sader, Giovanni Alves, HenriqueCarneiro, Immanuel Wallerstein, João Alexandre Peschanski, Mike Davis, SlavojŽižek, Tariq Ali e Vladimir Safatle

Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica * formatoPDFLuiz Bernardo Pericás

Os sentidos do trabalho * formato PDFRicardo Antunes

Padrão de reprodução do capital * formato ePubCarla Ferreira, Jaime Osorio e Mathias Luce (orgs.)

Para além do capital * formato PDFIstván Mészáros

Para entender O capital, livro I * formato ePubDavid Harvey

Para uma ontologia do ser social I * formato ePubGyörgy Lukács

Planeta favela * formato PDFMike Davis

Primeiro como tragédia, depois como farsa * formato PDFSlavoj Žižek

Profanações * formato PDFGiorgio Agamben

Prolegômenos para uma ontologia do ser social * formato PDFGyörgy Lukács

Revoluções * formato PDFMichael Löwy

Rituais de sofrimento * formato ePubSilvia Viana

Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de SãoPaulo * formato ePubRobert Cabanes, Isabel Georges, Cibele Rizek e Vera Telles (orgs.)

São Paulo: a fundação do universalismo * formato PDF

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São Paulo: a fundação do universalismo * formato PDFAlain Badiou

São Paulo: cidade global * formato PDFMariana Fix

Sobre o amor * formato PDFLeandro Konder

Trabalho e dialética * formato PDFJesus Ranieri

Trabalho e subjetividade * formato PDFGiovanni Alves

Videologias: ensaios sobre televisão * formato PDFEugênio Bucci e Maria Rita Kehl

Vivendo no fim dos tempos * formato ePubSlavoj Žižek

Walter Benjamin: aviso de incêndio * formato PDFMichael Löwy

LITERATURA

A Bíblia segundo Beliel * formato ePubFlávio Aguiar

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Soledad no Recife * formato PDFUrariano Mota

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A guerra civil na França * formato PDFKarl Marx

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O 18 de brumário de Luís Bonaparte * formato PDFKarl Marx

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Sobre a questão judaica * formato PDFKarl Marx

Sobre o suicídio * formato PDFKarl Marx