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    Revista Científica A Barriguda. Campina Grande –  PB. v. 2, n. 1, ano 2 - 2012. ISSN 2236-6695

    A ESCUTA DOS FILHOS NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DOS PROCESSOS

    DE GUARDA

    Kátia Regina Santos Candeira1

    Fabíola Menezes Bessa2 

    RESUMO

    Este artigo propõe-se a lançar um questionamento a respeito do lugar dos filhos nos

     processos de Guarda no âmbito do Judiciário, partindo do princípio de que, apesar dos

    avanços nesse sentido, a participação dos filhos nesse tipo de processo poderia ser ainda

    maior. O artigo lança um olhar sobre a escuta diferenciada dos psicólogos a esses

    sujeitos nos processos de avaliação, sua importância para o processo e em que medida a

    falta dessa escuta pode ser prejudicial aos filhos não ouvidos. O artigo procurou ainda

    dar uma visão panorâmica sobre como essa escuta está sendo feita no Judiciário

    Cearense. Para averiguar o sentimento dos filhos sobre o processo de Guarda, sobre sua

     participação nele e os sentimentos em relação a essa escuta ou à falta dela, foi feita uma

     pesquisa qualitativa em que se analisaram algumas entrevistas com esses filhos. Através

    dessas e de outras entrevistas a psicólogos avaliadores do Núcleo de Psicologia do

    Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, foi possível constatar que essa participação

     pode ser ainda maior e que ela faz falta no processo. É um trabalho que visa a

    sensibilizar os juízes para a indicação ao setor psicossocial de maior número de menores

    envolvidos nesses processos. Os resultados da pesquisa apontaram que os processos deGuarda representam um momento de tensão e sofrimento psíquico intenso para os filhos

    e por isso mesmo a escuta a esses filhos dentro de uma avaliação psicológica feita por

    1  A autora é Psicóloga, Especialista em Psicologia Jurídica pela Universidade de Fortaleza– UNIFOR/CE –  2ª. Turma; Gestalt-terapeuta com formação conferida pelo Centro de

    Desenvolvimento Humano –  CDH –  Fortaleza/CE; atuação em Psicologia Clínica com Adultos e

    Adolescentes; E-mail: [email protected] 2  Professora e Orientadora de Artigo Científico do Curso de Especialização em Psicologia Jurídica  –  UNIFOR/CE; Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos pela UFC/CE; Psicóloga doTribunal de Justiça do Estado do Ceará (Juizado da Infância e Juventude), Fundadora do Núcleo dePsicologia do Fórum Clóvis Bevilácqua –  Fortaleza/CE.

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     profissional devidamente capacitado é de fundamental importância e a falta dessa escuta

    é prejudicial aos filhos. A avaliação psicológica, que atua não somente com caráter

    investigativo, mas também com caráter esclarecedor da situação para os filhos servirá

    também como apoio emocional nesse momento. A pesquisa consegue elucidar através

    das entrevistas aos filhos desses processos que a não participação destes é vivenciada

    como uma falta. É uma “queima de etapas” na elaboração da dor que estão vivenciando.

    Fica claro que poupar os filhos dessa participação mantendo-os longe do processo porconsiderá-la uma revitimização; na verdade não impedirá seu sofrimento. Ao contrário,

    os filhos vivenciarão essa não participação como uma perda. Além de que a escuta dos

    filhos na avaliação psicológica esclarece muito a dinâmica da família quanto à rotina,

    filosofia de educação, hábitos e colabora, assim, com a decisão judicial, embora o juiz

    não esteja adstrito a essa avaliação. Concluímos, assim que a Sociedade muito avançou

    na concepção da criança como sujeito de direitos, no entanto, a escuta aos filhos em seu

    direito de serem ouvidos nos processos de guarda ainda necessita ser ampliada.

    Palavras-chave: Processos de Guarda. Escuta psicológica. Filhos. Avaliação

    psicológica.

    THE LISTENING TO CHILDREN IN PSYCHOLOGICAL ASSESSMENT IN

    CUSTODY PROCESSES

    ABSTRACT

    This article proposes to launch a questioning about the place of children in the custody

     processes in the context of the Judiciary, assuming that, despite the advances in this

    field, the participation of children in this type of process could be greater. The article

    takes a look at the differentiated listening of the psychologists to these children in the

     processes of psychological assessment, its importance to the process and to what extent

    the lack of such listening can be harmful to children who were not listened to. The

    article also sought to give an overview on how this listening is being made in the

    Judiciary of Ceará. To investigate the feeling of children on the process of custody,

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    about their involvement in it and the feelings related to this listening or the lack there

    of; was made a qualitative research where were analyzed some interviews with the

     psychologists evaluators of the Psychology Core of Court Clovis Bevilaqua in

     Fortaleza. It was possible to confirm that this participation can be greater and that it is

    lacking in the process. The article aims to raise awareness among the judges to the

    importance of sending the largest number of children involved in these processes to the

    Psychology Assessment Core. The results of the research show that the processes ofcustody represent a moment of intense stress and psychological distress to children and

    therefore listening to these children within a psychological evaluation done by properly

    trained professional is very important and the lack of that listening is harmful to

    children. A psychological evaluation, which acts not only with investigative character,

     but also enlightening the situation for the children will also serve as emotional support

    at this time. The research can elucidate through interviews with the children of these

     processes that the non-participation of these is experienced as a lack. It is like "burning

    stages" in the facing of pain they are experiencing. It's clear that preventing the children

    from participating in this processes because they consider it a revictimization; does not

    actually prevent their suffering. Instead, the children will experience this as a loss.

    Besides that listening to the children in psychological assessment clarifies much about

    the dynamics of family routine, philosophy of education, habits and collaborates well

    with the ruling, but the judge is not attached to this review. We conclude that the

    Society has advanced in the conception of the child as a subject of rights, however,

    listening to the children in their right to be heard in custody processes still needs to be

    expanded.

    Keywords: Child Custody. Psychological Listening. Children. Psychological

    Assessment.

    1. INTRODUÇÃO

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    Muitas são as dificuldades para uma decisão judicial adequada nos processos de

    Guarda no Judiciário. A Disputa de Guarda envolve questões complexas e a Psicologia

    entra em cena como colaboradora principal para lidar com as questões emocionais que

     perpassam esse processo.

    É um momento de tensão e de muito sofrimento, já que, de uma decisão

    acertada, depende o reequilíbrio de uma família para que seus participantes possamseguir seu caminho numa convivência saudável e proporcionadora de uma boa educação

     para os filhos.

    Há uma preocupação em se proteger a criança e procurar poupá-la de maior

    sofrimento, segundo o Princípio Protetivo alavancado pelo Estatuto da Criança e do

    Adolescente e outras leis, nos últimos tempos.

    Devido a tal responsabilidade do Judiciário na figura do juiz e dos operadores do

    direito, procura-se obter as informações necessárias para subsidiar uma correta decisão,

    a melhor possível para o menor, e, portanto, para a família.

    Poderíamos perguntar: Por que investigar a família? Simplesmente porque no

    Judiciário as famílias vão fazer uso de “máscaras”. As figuras paterna e materna

    mostram-se, ali, travestidas. É uma defesa natural, uma forma de preservação da

    autoimagem. Fica difícil, na maioria das vezes, para o magistrado visualizar como essa

    família vive, não sendo possível dedicar muito tempo aos seus integrantes, ao longo do

     processo.

     No Judiciário, os juízes demandam aos núcleos psicossociais essa escuta em

    alguns processos, mas muitos processos são decididos sem essa escuta da criança e do

    adolescente envolvidos. Os motivos são muitos, e vão desde a falta de profissionais

    suficientes para atuarem nesse tipo de avaliação, a grande demanda de processos dessa

    ordem, até um conceito ainda incrustrado na sociedade desde tempos remotos de que a

    criança não tem a maturidade necessária a essa participação e poderá ser prejudicada

    emocionalmente, pois que está envolvida num momento de estresse e dor.

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     Nossa ideia aqui é mostrar que é de fundamental importância essa participação,

    desde que feita pela escuta atenta e diferenciada do profissional psicólogo e, portanto,

    nossa pesquisa virá colaborar para que se dê uma maior inserção dos filhos nesse tipo de

     processo, demonstrando assim, para a sociedade, os benefícios da participação dos

    filhos nessa avaliação da família.

    Pretendemos deixar claro que essa não participação, muitas vezes, deixa também

    um sentimento de não pertencimento, de incapacidade, de vazio e se traduz numaalienação, uma espécie de não-vivido ou pior, vivido tangencialmente. O ponto de vista,

    os sentimentos e as palavras dos filhos fazem sim muita falta nesse tipo de processo,

    tanto para a decisão do julgador como para os filhos como pessoas.

    Por isso, fomos buscar uma compreensão na fala de filhos que passaram por

     processos de Guarda em tempos nos quais essa escuta ainda era feita de forma muito

    incipiente, no sentido de demonstrar que tal escuta não realizada fez falta a eles como

     pessoas bem como ao processo em si.

    Como a maioria das Varas de Família ainda está provendo suas equipes

    multiprofissionais, e muitos profissionais ainda não têm a devida capacitação para o

    trabalho nesse contexto, e, ainda, considerando o amadurecimento da ideia da criança

    como sujeito participativo, acreditamos que a participação delas nas avaliações nos

    processos de Guarda ainda não representa grande número, mas é uma tendência

    crescente, e esse artigo visa a reforçar o quanto essa participação, com a escuta

    adequada, contribuirá muito positivamente para melhores resoluções nos desfechosnesses processos, e como se reverterá em imenso benefício para a sociedade.

     Nessa pesquisa, lançamos mão da contribuição da Gestalt -terapia, uma

    abordagem psicológica de base fenomenológico-existencial, para pensarmos o conceito

    de família, e outros pressupostos básicos do Humanismo: autonomia, liberdade e

    desenvolvimento do Self , que propõem um sujeito mais ativo e participante dos

     processos referentes à sua própria vida.

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    2. OS PROCESSOS DE GUARDA NA SOCIEDADE ATUAL

     No dia a dia das Varas de Família, são comuns os processos de Guarda dos

    filhos de casais que decidem pela separação conjugal. Isso ocorre porque os casais nem

    sempre conseguem decidir sozinhos, na intimidade da família, sobre a guarda dos filhos,

    na nova configuração da família. Assim o que seria para ser decidido no âmbito familiar

    é levado ao Judiciário, por razões diversas, exigindo assim a interferência do Estado naquestão.

     Nos últimos tempos, têm-se buscado alternativas importantes e benéficas para a

    resolução da Guarda, como a divisão de alimentos, a flexibilidade das visitas, a

    nomeação de um terceiro como guardião etc. Porém as mais difundidas são: a Guarda

    Alternada e a Guarda Compartilhada.

    A Guarda Compartilhada, Lei no  11.698, de 13 de junho de 2008, veio

    reformular os artigos 1.583 e 1.584 do Novo Código Civil, postulando que:

    Art. 1º. § 1º. A guarda será unilateral ou compartilhada.Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou aalguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada aresponsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãeque não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhoscomuns.Art.1º. § 2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guardado filho, será aplicada, sempre que possível, a Guarda Compartilhada.

    Portanto, mais que apenas a mudança de uma lei, a Guarda Compartilhada veiotrazer uma mudança de paradigma, uma interpretação melhor dos papéis de pais e

    mães, no sentido de que os dois continuam igualmente responsáveis pelos filhos,

    mesmo com a dissolução da sociedade conjugal.

    Nesse sentido, poder-se-ia pensar que a Guarda Compartilhada pudesse,

    inclusive, pôr termo aos processos de Guarda. No entanto, isso não se verifica, uma

    vez

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    que nem todos os casais conseguem estabelecer um diálogo eficaz para atuarem nesse

    tipo de guarda.

    Assim, a Guarda Compartilhada resolve a responsabilização parental e é eficaz

    nesse aspecto. No entanto, ainda existe a questão da moradia dos filhos. A Guarda

    Compartilhada envolve e incentiva um diálogo maior entre o casal, mais que isso,

    envolve confiança, pois há genitores que perguntam, no Judiciário: “Como ser

    responsável por ações e acontecimentos que estão ocorrendo em outro território e do

    qual não tenho conhecimento pleno no dia a dia?” No entanto, e por isso mesmo, esse

    genitor que não reside com o filho irá procurar participar mais da sua vida diária, ou,

    pelo menos, é essa a ideia.

    É claro que essa confiança e boa convivência, mesmo em lares diversos, é o

    ideal para o bom equilíbrio emocional e bom desenvolvimento dos filhos, mas temos

    que admitir que nem todos os casais são capazes dessa atuação.

    Portanto, o Judiciário terá que intervir quando os ex-cônjuges não conseguirem

    chegar a um acordo, tendo em vista principalmente o interesse das crianças, que, do

    ponto de vista jurídico, ainda não têm a capacidade de gerenciar suas próprias vidas

    em formação, pois assim postula a Teoria da Proteção Integral.

    Conforme nos diz a Constituição Federal no Art. 227:

    É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, aoadolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, `adignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,exploração, violência, crueldade e opressão.” (Redação dada pela Emenda

    Constitucional no 65, de 2010)

    Mesmo com os avanços da Guarda Compartilhada, os processos de Guarda vêm

    crescendo em número e ocupam uma boa parte da mão de obra do judiciário,

    mobilizando diversos profissionais em diversas áreas. A Guarda Compartilhada não é

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    capaz de exterminar o litígio existente entre casais na condução da vida dos filhos, do

    momento da separação em diante.

    O que ocorre é que, por vezes, há questões conjugais mal resolvidas e, aí, se

    confunde “conjugalidade” com “parentalidade”. São processos inconscientes que estão

    envoltos em sentimentos de mágoa, baixa autoestima, insegurança, necessidade de

    controle ou falta de confiança no ex-cônjuge, entre os vários sentimentos que acabam

     por envolverem os filhos e intensificarem a dor da separação. Por vezes a própriaseparação não está resolvida internamente e a Disputa de Guarda pode ser apenas um

    reflexo disso. Há casos em que o cônjuge objetiva punir o outro com a perda da

    convivência com os filhos.

    Outras vezes, a separação é resolvida, mas, na própria relação pais –  filhos, estão

    as dificuldades de resolverem a guarda: sim, porque, embora a Lei postule que a Guarda

    Compartilhada deve ser a regra, na realidade a criança deverá residir com um dos

    cônjuges e por mais flexibilização que possa existir nas visitas ou convivência,

    continuará havendo o desentendimento dos pais, que ficarão inseguros, principalmente

    o que não reside com o filho, acreditando que a maior exposição à convivência com o

    ex-cônjuge poderá fazê-lo perder o domínio e o afeto dos filhos. Outros pais, no

    entanto, embora tenham a separação conjugal bem resolvida e decidida não suportam

    mesmo a perda da convivência diária com os filhos (apego); e já outro grupo é movido

     pelas questões de ordem financeira camufladas no processo de Guarda, ficando mais

    apto a receber pensão alimentícia para os cuidados das crianças aquele que detém a

    guarda.

    Outro fato que merece atenção é que muitos pais requerem a guarda dos filhos

     porque se sentem explorados financeiramente pela genitora deles, e requerem a guarda

     para que possam ficar livres de prover a pensão alimentícia, controlando melhor seu

     patrimônio. Por outro lado, muitas mães também insistem na guarda porque querem, na

    verdade, uma comodidade financeira através da pensão alimentícia.

    Entende-se, daí, que os filhos muitas vezes são utilizados como estratégia de

    detenção de poder ou punição, em relação ao outro cônjuge.

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    A Guarda Alternada é uma alternativa que aparece nesse cenário. Conforme

    definição:

    Esse tipo de guarda caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos paisdeterem a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que

     pode ser um ano escolar, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou umarepartição organizada dia a dia e, consequentemente, durante esse período detempo, deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes - deveres queintegram o poder paternal. No termo do período, os papéis invertem-se.(AMARAL, 1997)

    É uma alternativa que pode ser interessante em alguns casos e resolve a

    convivência por igual com os genitores. No entanto, também apresenta desvantagens

    como a consolidação dos hábitos e dos valores para o menor, no que toca à formação de

    sua personalidade. Contudo, ela tem se verificado uma boa alternativa em alguns casos

    e não há porque ser rejeitada totalmente, como aconteceu, por exemplo, na França.

    A Mediação também aparece em cena como recurso opcional de extrema

    importância que antecede a avaliação psicológica no âmbito do Judiciário. Procura-se,através desse trabalho preventivo do mediador, fazer com que a família tome a sua

     própria decisão sem a intervenção (externa) de um juiz ou sem a necessidade de uma

    avaliação psicológica. Assim, não se segue adiante com um processo de Guarda.

    Segundo Silva (2003), na mediação, o psicólogo atua como um terceiro neutro

    na relação, e não opina, não sugere, não decide e não impõe nada: espera e auxilia que

    as próprias pessoas encontrem uma solução para o conflito familiar, a partir de diálogos,

    orientação e entrevistas.

    Quando a intervenção mediadora resulta em resolução, o processo não segue

    adiante e a questão está resolvida trazendo, por um lado, benefícios e economia para o

    Judiciário e, por outro, menor desgaste emocional para os participantes do processo. No

    entanto, nem sempre os casais conseguem chegar a um acordo. Muitos deles, ainda que

    apoiados pelo mediador, não conseguem um diálogo satisfatório por vários motivos.

    É como afirma Rovinski (2004): “... a realidade mostra que nem sempre os

     progenitores estão disponíveis, ou possuem capacidade para chegarem a um acordo

    sobre a definição da guarda e do estabelecimento de visitas”. 

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    E ainda:

    Os diversos motivos e sentimentos, e as próprias limitações nacapacidade emocional de lidar com fatores de estresse, podem criarsituações de impasse e até de risco à integridade da criança, sendonecessária a intervenção do Judiciário (ROVINSKI, 2004).

    Muitas questões emocionais e inconscientes escondem-se por trás dessa

    incapacidade de acordo. Conforme já explicitado anteriormente, a própria separação

     poderá não estar bem decidida no íntimo do casal e assim, há uma confusão entre“conjugalidade” e “parentalidade”. São sentimentos entre cônjuges que são confundidos

    com sentimentos de pais e mães e resvalam para os filhos.

     Não sendo satisfatório esse tipo de tentativa de resolução, o processo de Guarda

    segue os trâmites normais e os ex-cônjuges afirmam cada qual obter “as melhores

    condições” para a aquisição legal da guarda dos filhos, recaindo assim no Judiciário, e

    mais especificamente na pessoa do juiz, a difícil decisão.

    Chega-se, então, ao ponto em que se faz fundamental a investigação da família,e a avaliação psicológica aparece como um serviço auxiliar da justiça, mas também

    como uma intervenção compreensiva e conscientizadora das pessoas envolvidas. A

    avaliação que aí se faz é aquela que vem mesclada de acolhimento, conhecimento e

    compreensão da dinâmica e dos sentimentos da família que se encontra em litígio.

    Fica difícil, na maioria das vezes, para o magistrado visualizar como essa família

    vive, desde que por acúmulo de trabalho, não pode dedicar muitos momentos junto a

    eles ao longo do processo. É por isso que a avaliação, por vezes, se faz necessária.

    Assim, o juiz requisita avaliação psicológica aos núcleos especializados, porém

    não em todos os processos. São requisitados os relatórios social e psicológico com

    avaliações dessa família para auxílio na decisão, conforme postula a lei. Os artigos 139

    a 153 do Código de Processo Civil tratam exclusivamente dos serviços auxiliares da

    Justiça, que são: prestar atendimento de orientação e encaminhamento às pessoas e

    famílias que acorrem ao Judiciário, e auxiliar o juiz na aplicação e administração da

    Justiça.

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    Embora o Juiz não esteja adstrito a esses relatórios, podendo julgar

    contrariamente aos resultados, admite-se que essa tem sido uma crescente tendência do

    Judiciário. Os psicólogos, como auxiliares, têm sido requisitados a colaborarem

    colocando todo o seu instrumental e experiência a lidarem com questões emocionais a

    serviço desses processos e em outros tantos nas Varas de Família.

    Fato é que para se chegar a uma definição da guarda, o judiciário, na pessoa do

     juiz, às vezes requisita uma avaliação psicológica da família. E essa avaliação com umaescuta diferenciada dos filhos, a nosso ver, colabora e muito para uma decisão acertada

    e, portanto, deveria se dar em maior número. Na maioria dos processos, se possível.

    3. O LUGAR DOS FILHOS NA DISPUTA DE GUARDA

    Por muito tempo os filhos não foram ouvidos em processos de separação

    conjugal e Guarda. Era um tempo em que não se visualizava a criança ou o adolescente

    como sujeito de direitos. Esses não eram percebidos com capacidade para a participação

    em assuntos tão complexos e decisivos, ainda que se fosse decidir, em última instância,

    sobre o funcionamento de sua própria vida. Os filhos eram sujeitos passivos.

    Mas os tempos mudaram e a sociedade muito avançou nessa questão. Em nível

    legislativo, com os novos ordenamentos jurídicos, as crianças foram postas em destaque

    e a proteção à sua vida, integridade e desenvolvimento foram postulados como

     prioridade: o Princípio do Melhor Interesse da Criança. No entanto, ainda podemos

     perceber certa confusão dessa proteção tão necessária, sem dúvida, com passividade ou

    não participação.

    Portanto, consideramos que, apesar dos avanços da legislação e da prática do

    Judiciário, ainda há uma tendência a querer poupar as crianças, tornando-as por demais

     passivas, não as incluindo no processo que, afinal de contas, decidirá sobre seu

    cotidiano, sua vida, e sua convivência junto à família. Em virtude disso pode-se até

    evitar a entrevista ou qualquer contato com as crianças, pela ideia de que elas já estão

    num processo que causa sofrimento e a entrevista no âmbito do Judiciário poderia

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    revitimizá-las, potencializando essa dor da separação dos pais na medida em que essas

    crianças poderão sentir-se culpadas após o desfecho da disputa (em relação ao genitor

    que não obteve a guarda).

    Outra razão para não entrevistar os filhos, considerando a Síndrome de

    Alienação Parental, conforme já citado, é a crença de que os filhos podem estar sendo

    manipulados por um dos genitores e a criança reproduz um discurso que na verdade não

    é o seu. A imaturidade é outra grande razão apontada, pois uma criança poderiaexpressar uma vontade de ficar com um genitor que não lhe dá limites na educação,

    achando que isso seria o melhor para si.

    Com certeza, sabe-se que uma criança não tem ainda maturidade e

    discernimento para decidir com qual dos genitores vai ficar, no processo. Realmente

    verifica-se que é um conceito equivocado comum na sociedade. Pensa-se que a criança

    irá escolher com qual genitor ficará, ou seja, decidirá o processo, se ela for maior que 12

    anos. Isso não é verdade. A criança poderá opinar sim e falar sobre seus sentimentos e

     percepções na avaliação, e isso será considerado, porém não será a decisão! Há outras

    questões envolvidas.

     No entanto, na atualidade, a criança já é visualizada como sujeito de direitos e,

     portanto, pode participar sim ativamente ainda que protegidos seus interesses. O que

    ocorre é que essa participação deverá ser feita com a colaboração de serviços auxiliares

    especializados, como é o trabalho da Psicologia, nos fóruns e Varas de Família.

    A nosso ver, essa criança é sujeito ativo em seu processo de crescimento e da

    sua própria proteção. Ele pode e deve, sim, participar ativamente desde que de forma

    adequada à sua idade e maturidade, no processo de definição quanto à sua guarda,

    desde que assistida por profissional competente.

    Assim sua escuta é de fundamental importância e, do ponto de vista jurídico, está

    prevista, conforme se lê no Art. 28, parágrafo 1o da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990

    (ECA):

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    § 1o  Sempre que possível, a criança ou o adolescente serápreviamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seuestágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre asimplicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.

    Portanto, a escuta psicológica aqui, deve ser feita por profissional qualificado,

    criando-se um ambiente próprio à maturidade da criança e acolhedor de seu

    sofrimento, dedicado a investigar, antes de tudo, como se dá a dinâmica de sua família

    no cotidiano, colaborando para uma decisão mais adequada para cada caso específico.Há juristas que acreditam que se deve respeitar, na medida do possível, o desejo

    dos filhos quanto à sua guarda, não esquecendo que nem sempre fica claro esse desejo.

    Já outros acreditam que se deve dar a guarda ao que apresentar as “melhores

    condições”, mesmo que não seja o desejo da criança. E não podemos esquecer que, na

    maioria das vezes, os filhos desejariam mesmo ficar com os dois genitores e por isso,

    muitas vezes, não é algo claro em sua mente.

    A escuta psicológica tem condições de esclarecer como é a rotina dessa criança,em que medida os pais participam dessa rotina, que práticas educativas se revelam nessa

    família, assim como as tramas emocionais inconscientes que pertencem a um não dito,

    mas que estão ali presentes. É importante revelar que contradições existem no modo de

    educar dos ex-cônjuges e que outras pessoas da família participam efetivamente dessa

    educação, às vezes de forma mais relevante que os próprios pais. Enfim, o profissional

     psicólogo poderá ajudar a esclarecer quanto ao equilíbrio desses pais que, afinal,

    continuarão conduzindo essa importante tarefa de educar e amar. Acreditamos que a

    avaliação sem os filhos, torna-se incompleta. Daí a necessidade da escuta diferenciada

    da Psicologia.

    4. A ESCUTA DA FAMÍLIA NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE E A

    ESCUTA DIFERENCIADA DA PSICOLOGIA

     Não podemos deixar de admitir que há um objetivo na escuta psicológica das

    avaliações, principalmente no âmbito forense. É importante, antes de tudo, deixar claro

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    que existe mesmo essa diferença na escuta na Clínica Psicológica, por exemplo, que é

    uma escuta mais livre, sem rigidez de objetivos, ou na qual o único objetivo é o

    conhecimento do ser, sem inclusive nenhuma consideração de prazo; e a escuta na

    avaliação forense, onde há uma demanda do Judiciário, e, portanto, um objetivo bem

    definido, que é pesquisar itens importantes da dinâmica das famílias para uma melhor

    decisão, inclusive com um prazo bem definido. Sem dúvida há uma busca mais objetiva

    de dados: 

    Esses dados envolvem a rotina de vida com o filho (quem cuidaquando fica doente, quem leva à escola etc.), dados da vida escolar,como manejam situações-problema, sistema punitivo e deobediência, história médica, padrões de desenvolvimento desde onascimento, sexualidade e hábitos de higiene, impacto da separação,sistema de visitas e problemas decorrentes.(ROVINSKI, 2004).

    Para a referida autora, esses dados fazem parte de uma coleta inicial e a ela

    deve seguir-se uma avaliação da personalidade de cada progenitor, com suas

    características relacionais. Após a avaliação dos pais, segundo ela, deve-se proceder àavaliação da criança, em que seria importante considerar alguns aspectos. Assim ela

    acrescenta: “Da mesma forma como foi realizado com os pais, devem -se colher dados

    com a criança sobre sua rotina com cada um dos progenitores, bem como de

    características do relacionamento” (ROVINKI, 2004). 

    Ackerman (1999) sugere que, em hipótese alguma, devem-se fazer perguntas

    diretas do tipo “Com quem você quer morar?” Quando se quiser saber a respeito da

    rotina com a família, de métodos de punição ou recompensa, o tipo de orientação

    familiar e algo mais, pode-se partir para exemplos concretos no dia a dia da família.

    Outras questões também são importantes:

    ... que tipo de atividades seu pai e sua mãe fazem com você? Quemcozinha para você ou quem serve o café? Quem o leva para aescola? Quem vai à escola quando tem uma reunião de pais? Queatividades você faz com seus avós, tios e primos? Quem ajuda comas tarefas da escola? Quem leva ao médico? Quais são as regras dacasa e quem as cobra de você? (ROVINSKI, 2004).

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    A princípio, o leigo que visualizar todas essas perguntas juntas, lidas de uma só

    vez, poderá ficar tentado a pensar que aí se faz um massacre, um verdadeiro

    interrogatório às crianças que podem até ficar confusas e não conseguirem dar as

    respostas verdadeiras. Mas o trabalho do psicólogo avaliador é um trabalho rico e

    criativo. Ele pode sim obter todos esses dados sem fazer exatamente um

    interrogatório.

    O psicólogo conta com um cabedal de instrumentos e técnicas, que vão desde

    materiais lúdicos, como casa de brinquedo com família de bonecos, jogos, desenhos

    etc.; assim, esses dados vão sendo obtidos num clima de interação, cordialidade e

    acolhimento.

    Além disso, a linguagem verbal será aliada à linguagem corporal, havendo

    também uma leitura do corpo, dos gestos da criança, para poder compreender e

    reafirmar melhor seu discurso oral. Portanto, o psicólogo conta com uma escuta

    diferenciada, própria, como já dito anteriormente. Quando afirmamos que ele conta

    com essa escuta, na verdade estamos dizendo que ele tenta, que ele a exercita todos

    os dias. Eis aí os desafios da prática da psicologia avaliadora.

    Aqui não se trata de um interrogatório, é muito mais que isso: é uma escuta

    atenta, em que, inclusive, se perceberá quando o discurso diz uma coisa e os gestos

    dessa criança poderão estar mostrando claramente outra coisa: que ela se protege e

    que ela se defende em alguns aspectos.

    A avaliação psicológica requer uma habilidade especial e ela vai muito além da

    escuta de palavras. Ela escuta o ser em toda a sua expressão. Parece que já

    compreendemos que, quando interrogamos muito, não conseguimos descobrir o que

    queremos. Essa prática inquisitória, na verdade, é a prática policial. Ela tem o seu

    lugar, mas não se assemelha em nada com a avaliação psicológica.

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    O psicólogo tem uma escuta diferenciada. É uma escuta ao que é dito e a um

    não dito, que perpassa a fala dos clientes e está nas entrelinhas, que somente uma escuta

    atenta poderá dar conta.

    Essa escuta pode variar um pouco dentre as muitas abordagens psicológicas, mas

    guarda em comum essa habilidade de escutar o que se diz e os sentimentos e motivações

    que estão nos bastidores daquela fala, ou seja, no inconsciente, a princípio sem fazer

     julgamentos e sim apenas procurando compreender o modo de funcionar das pessoasouvidas.

    Assim, o profissional psicólogo faz uma escuta diferenciada, algo que aprendeu

    em sua formação e que se traduz talvez como sua principal ferramenta. Portanto, vale

    um apelo ao Judiciário, na figura dos juízes. Um apelo para que a escuta dos filhos seja

    cada vez mais considerada por eles como fundamental para o processo. Para os juízes,

    que têm essa importante missão de julgar comportamentos e ações, determinando

    mesmo como funcionará o novo cotidiano dessas famílias após uma separação judicial,

    deverá ficar claro o quanto a Psicologia poderá ser útil e auxiliadora nesse processo.

    Uma avaliação bem conduzida, por profissional qualificado, num ambiente

    adequado ao menor (salas especiais) com materiais lúdicos, técnicas apropriadas etc.,

    certamente auxiliará a família a atravessar seu momento de crise, minimizando as

    tensões, fazendo com que seus filhos vivenciem essa etapa de sofrimento da forma mais

    adequada possível.

    5. METODOLOGIA

    Esta pesquisa foi composta de duas fases:

    A primeira se apoiou na literatura especializada sobre o tema e também sobre

     práticas de avaliação psicológica de crianças no âmbito do Judiciário. Também foram

    inclusos nesta pesquisa trabalhos científicos sobre a família e a escuta psicológica na

    visão humanista com contribuições da Gestalt -terapia.

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    A segunda, uma fase de campo, em que foram colhidas algumas informações

     junto ao Núcleo de Psicologia do Fórum Clóvis Beviláqua, da comarca de Fortaleza.

    Além disso, foram entrevistados alguns filhos que passaram por processos de Guarda

    tendo, o pesquisador se utilizado de alguns instrumentos tais como: visita ao Núcleo de

    Psicologia do Fórum Clóvis Beviláqua, visitas domiciliares, questionários respondidos

     por e-mail , entrevistas, assim como observação e análise de gestos, expressões escritas e

    desenhos dos filhos entrevistados.

    5.1. A literatura especializada

    A fase da literatura especializada iniciou-se com o estudo de alguns trabalhos

    científicos sobre os temas: Processos de Guarda, Avaliação Psicológica de Menores no

    Judiciário e a Escuta das Crianças.

    Além disso, fizemos uso de algumas informações sobre avaliações psicológicas

    em processos de Guarda, realizados no Núcleo de Psicologia do Fórum de Fortaleza.

    5.2. O trabalho de campo

    O trabalho de campo contou com entrevistas com psicólogos avaliadores do

     Núcleo de Psicologia do Fórum de Fortaleza. O objetivo da entrevista com os

     profissionais era averiguar como era vivenciada essa prática da escuta dos filhos nos

    Processos de Guarda e os dados mais relevantes encontrados pelos profissionais

    avaliadores sobre os sentimentos e a percepção dessa escuta e dessa participação por

     parte dos filhos.

    Além das entrevistas com esses profissionais, a pesquisa de campo contou

    também com entrevistas aos filhos de casais que passaram por processos de Guarda,

    aleatoriamente, na cidade. Procuramos indagar se esses filhos foram ouvidos ou não no

     processo e como reagiram a essa escuta ou à falta dela. Procuramos investigar as

    consequências ou participação dessa escuta para sua vida e seu crescimento junto à

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    família, e como se desenvolveu o convívio após a Disputa de Guarda. Procuramos

    também averiguar se, porventura a não participação no processo teve algum significado

     para o filho ou, se, ao contrário, não fez falta.

    A pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizada procurando observar o

    fenômeno, entrevistando filhos de pelo menos cinco famílias que passaram por

     processos de Guarda, com diferentes definições. Como pretendíamos averiguar em que

    medida a participação ou não desses filhos no processo de avaliação psicológica haviainfluenciado ou não para um desfecho positivo da situação familiar, decidimos

    entrevistar filhos que já tivessem passado por disputa de guarda há pelo menos quatro

    anos, para se observarem os resultados da definição de Disputa de Guarda e a percepção

    que esses filhos tinham hoje a respeito do processo.

    Além dos relatos dos filhos, foram considerados pela pesquisadora, escritos,

     bilhetes, cartas, e-mails, desenhos e qualquer outra forma de expressão feita por esses

    filhos entrevistados à época em que estavam vivenciando o processo de sua Guarda.

    Para a entrevista dos filhos, utilizamo-nos de entrevista semidirigida, juntamente

    com um questionário de apoio com dez perguntas. Havia perguntas objetivas

    intercaladas com perguntas subjetivas, que funcionaram também como deflagradoras do

    relato, tudo feito de modo que o entrevistado pudesse sentir-se motivado a falar sobre

    sua experiência.

    Para a entrevista com os profissionais, utilizamo-nos também de entrevistas

    semidirigidas, algumas respondidas por escrito, e outras, oralmente.

    As entrevistas aos profissionais avaliadores e aos filhos que participaram de

     processos de Guarda foram realizadas no período de agosto a dezembro de 2012, na

    cidade de Fortaleza.

    6. ANÁLISE COMPREENSIVA DA FALA DOS FILHOS

    Após as entrevistas com os filhos que participaram da Disputa de Guarda e das

    entrevistas com os psicólogos avaliadores, pudemos encontrar alguns importantes dados

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    relativos à escuta de filhos nas avaliações psicológicas dentro da Disputa de Guarda, os

    quais relatamos a seguir.

    Os entrevistados admitiram que a Disputa de Guarda juntamente com a

    Separação Judicial dos pais é um momento de tensão e de muito sofrimento psíquico.

     Nenhum deles se referiu a uma separação judicial pacífica. Isso, de certa forma, veio

    corroborar a hipótese inicial que tínhamos sobre a relação existente entre o processo de

    Disputa de Guarda e uma separação judicial mal resolvida. Essa tensão é relatada econfirmada pela expressão gestual. Normalmente quando os entrevistados se referem a

    isso apertam as mãos, torcem os dedos como revelação da angústia então vivenciada.

    Ficou claro para nós que alguns filhos sentem-se culpados tanto pela separação

    dos pais, como pelo processo de Disputa de Guarda. Segundo os psicólogos avaliadores,

    crianças pequenas muitas vezes afirmam não quererem falar sobre o litígio. Algumas

    mal chegam à presença do psicólogo e já vão dizendo: “Eu não vou dizer nada”. Com a

    insistência cordial e amorosa do trabalho dos avaliadores, essa criança vai ficando cadavez mais à vontade (normalmente são mais de duas sessões) e demonstrando que, na

    verdade, está com muito medo de prejudicar os pais ou de ser obrigada a amar mais a

    um genitor do que ao outro; ou ainda, que terá que obrigatoriamente escolher entre um

    ou outro e o sofrimento é grande. Mal começa a sentir-se mais à vontade e percebem

    que suas fantasias não se confirmam. Então, elas brincam e organizam objetos na sala

    lúdica. É interessante ver como a mesma criança começa a falar espontaneamente, sem

    receios. Aí, então, vemos que a regra é mesmo participar e poder demonstrar seussentimentos.

    A culpa  é, realmente, um sentimento comum, tanto que um dos filhos

    entrevistados, agora adulto, ainda acredita, até hoje, que a guarda foi disputada devido

    ao fato de ele começar a ficar rebelde para com a mãe (que detinha a guarda). A família

    desse mesmo jovem já aponta para outras questões, de ordem financeira, e sequer se

    referem a esse fato. Esse filho, curiosamente, foi um dos processos que não teve

    avaliação psicológica e praticamente não teve escuta, referindo-se ele apenas a “um

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    interrogatório rápido e superficial e nem tinha certeza sobre se quem me interrogava era

    assistente social ou psicólogo, e era num órgão qualquer da justiça”. Contudo pensamos

    que o fato de o filho não participar do processo, não o livra da culpa, pelo contrário, a

    avaliação poderá ser uma oportunidade para o profissional trabalhar essa culpa. Esse

    filho demonstrou muita carência de uma escuta especializada. Talvez, nesse caso, ela

    tivesse um caráter mais interventivo e elucidativo de alguns fatos, e pudesse auxiliá-lo

    muito a se situar melhor em relação ao processo.A escolha dos  genitores também é outro fato bem interessante. Os filhos ouvidos

    afirmaram que, à época do processo, não sabiam se seriam obrigados  a escolherem

    morar com um dos dois genitores. Alguns temem o fato, pois amam pai e mãe e não

    suportariam ver a tristeza do genitor não escolhido, sentindo-se culpado pelo fato.

    Já outros, por alguma razão, reconheciam como única proposta possível ficar

    com um dos dois (por apego, porque gerenciavam mais atentamente e melhor suas

    rotinas), no entanto não sabiam se teriam o direito dessa escolha, e ela lhes era muitonecessária.

    Outros já disseram que não havia nenhuma escolha interna por um dos genitores

    e compreendiam que, pelo fato de os pais não conseguirem chegar a uma conclusão

    sobre sua guarda, achavam que o  Juiz  (aqui representando um “porto seguro”) poderia

    realmente tomar a melhor decisão.

    Todos os entrevistados, embora admitindo a tensão do litígio, afirmaram que

    gostariam que tivesse acontecido sua participação, queriam se colocar (quando não o

    fizeram). Gostariam de ter podido falar o que pensavam e o que sentiam. Um deles

    afirmou mesmo que “gostaria de ter sido mais acolhido, mais acompanhado e de

     preferência por um psicólogo naquele momento de dor”. Todos queriam ter sido

    escutados.

    Através dessas entrevistas, também pudemos observar que os motivos da

    separação judicial normalmente são ocultados das crianças. O diálogo intrafamiliar, tão

     preconizado, tão necessário ao desenvolvimento dos seres, ainda é algo não

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    estabelecido. O que ocorre é uma “falação”, fala-se muito, mas realmente não se

    dialoga.

    O diálogo é um processo de fala e escuta atenta e envolve uma dedicação. Não é

    algo que vai se estabelecer corretamente em meio à rotina se não houver tempo, lugar e

    disposição para fazê-lo. Parece que a Sociedade ainda funciona naquele velho esquema

    que visualiza a criança como um incapaz que não deve saber de tudo.

    Pelas entrevistas, podemos, também, afirmar que a maioria dos filhos sentiu-se

    manipulada por um ou ambos os genitores, durante o processo. Um dos entrevistados

    chegou mesmo a dizer que “deveria haver um trabalho de conscientização dos pais no

    Judiciário para que não manipulassem os filhos”. Assim, essas falas sugerem que a

    Alienação Parental é mais comum do que se pensa e que nem todos têm consciência

    dela, sendo ela inclusive detentora de uma lei própria com previsão de punição

    (conforme citado anteriormente).

    Um dos entrevistados f ez uma colocação bem interessante: “Experimentei dois 

    tipos de separação, a primeira a dos meus pais quando pequeno, e a segunda, quando

    houve o processo de Guarda, que me transferiu da minha mãe para o meu pai”.

    Acreditamos que esse depoimento dá uma ideia da dimensão dolorosa do processo de

    Guarda. O entrevistado fez questão de dizer que era a primeira vez que podia estar

    falando claramente sobre essa dor.

    Outro entrevistado afirmou que “A criança deve estar à vontade e amparada com

    a imparcialidade de um bom psicólogo para decidir com quem quer estar, com quem se

    sente mais à vontade, com quem tem mais afinidade etc.”. Aqui, nessa fala, fica claro

    que, num processo como esse, o ambiente acolhedor e imparcial  de um profissional da

    Psicologia é fundamental.

    7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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    Assim, pudemos chegar à confirmação de nossa hipótese inicial de que a escuta

    dos filhos nas avaliações psicológicas nos processos de Guarda não é, de forma alguma,

    “revitimizador” ou inadequado. É, na realidade, indispensável.

    A avaliação psicológica, nesse contexto, é colaboradora da decisão judicial, mas

    também esclarecedora das motivações para os filhos. Ao mesmo tempo, é acolhedora

    num momento de dor, de culpa e de confusão mental e sentimental. A falta dessa escuta

    é prejudicial aos filhos. Uma peça fundamental do processo, que pode estar sendodeixada de lado.

    Embora já seja comum nas instituições judiciárias, o número de processos

    encaminhados para avaliação e escuta ainda é insuficiente. Essa escuta deveria ser a

    regra e constituir-se como etapa obrigatória dentro do rito processual.

    A Sociedade muito avançou na concepção da criança como sujeito de direitos,

    com direito inclusive à total proteção. Mas o Princípio Protetivo é, por vezes, tomado de

    forma equivocada, mantendo, na realidade, a criança num lugar de incapacidade,

    relegando a um segundo plano os princípios humanistas e existencialistas que afirmam

    o homem como sujeito de escolhas, senhor de seu destino e capaz de autonomia.

    A dor também precisa ser melhor compreendida como parte integrante da vida humana.

    Às vezes, no afã de evitá-la, podemos perder processos valiosos tais como vivenciar

    lutos para uma superação mais eficaz dos sofrimentos. Nos processos de Guarda, fica

    claro que o sofrimento já existe, através do fantasma da fragmentação da família e,

     portanto, tentar poupar os filhos de uma escuta e avaliação familiar, não vai impedir que

    eles sofram.

    A família é um organismo e os filhos são parte dele. É melhor vivenciar a crise

    familiar e ter o direito de demonstrar seus sentimentos, o que colabora no alívio das

    tensões e, quiçá, motivar uma decisão judicial mais adequada àquela família, um melhor

    desfecho do processo.

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     _______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei no. 8.069/90. Disponível em:

    Acesso em 22 de junho de 2012.

     _______. Novo Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em:

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     _______. Código de Processo Civil. Lei 5.869/1973. Disponível em:

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    Construção do Ideal de Justiça.  In: Psicologia, Ciência e Profissão. n. 1, p. 28-37.

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