Escultura Egipcia Do Imperio Antigo

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ESCULTURA EGÍPCIA DO IMPÉRIO ANTIGO: ESTATUÁRIA E RELEVOS RÉGIOS E PRIVADOS (III-VI DINASTIAS) PEDRO PINTO RIBEIRO DE ABREU E LIMA PEREIRA MALHEIRO DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA E CULTURA PRÉ-CLÁSSICA 2009

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Royal and private sculpture and reliefs of Egyptian Old Kingdom

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTRIA

ESCULTURA EGPCIA DO IMPRIO ANTIGO: ESTATURIA E RELEVOS RGIOS E PRIVADOS (III-VI DINASTIAS)

PEDRO PINTO RIBEIRO DE ABREU E LIMA PEREIRA MALHEIRO

DOUTORAMENTO EM HISTRIA E CULTURA PR-CLSSICA

2009

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTRIA

ESCULTURA EGPCIA DO IMPRIO ANTIGO: ESTATURIA E RELEVOS RGIOS E PRIVADOS (III-VI DINASTIAS)

PEDRO PINTO RIBEIRO DE ABREU E LIMA PEREIRA MALHEIRO

DOUTORAMENTO EM HISTRIA PR-CLSSICA

TESE ORIENTADA PELO PROFESSOR DOUTOR LUS MANUEL DE ARAJO

2009

RESUMO A presente tese constitui o resultado de mais de quatro anos de investigao sobre a escultura egpcia do Imprio Antigo. Ao longo desta poca (III-VI dinastias), que durou aproximadamente meio milnio, a par do desenvolvimento e consolidao da realeza, do Estado, da administrao, da economia, da ideologia oficial, da religio e da cultura no pas do Nilo, a arte, nas suas diversas modalidades a arquitectura, com as suas pirmides, templos funerrios e solares e tmulos de dignitrios e cortesos da elite dirigente, e as esttuas, estelas e relevos parietais tambm floresceu com extraordinrio requinte e qualidade formal, nela se fixando j os tpicos cnones plsticos que perdurariam at ao final da civilizao faranica. Nesta dissertao, levouse a cabo um esforo quase ingente de anlise e de interpretao, a nvel estilstico, iconogrfico e iconolgico, de centenas de obras de estaturia e relevos, tanto rgios como privados. Rastrearam-se as vrias etapas evolutivas observveis nessas peas, bem como o papel e a funo que as mesmas assumiram no seu devido contexto arquitectnico e morturio. A pesquisa efectuou-se com base em abundante bibliografia, na reunio de dados identificativos concernentes a espcimes actualmente dispersos por diversos esplios museolgicos do mundo inteiro e nas descobertas arqueolgicas e teorias que surgiram desde a dcada de 80 do sculo passado at hoje. Que esta abordagem possa contribuir para derramar renovada luz sobre o fenmeno escultrico do antigo Egipto, na sua primeira etapa de grande esplendor civilizacional. ABSTRACT The present thesis constitutes the result of more than four years of research concerning the Egyptian sculpture produced during the Old Kingdom. Throughout this epoch (Dynasties III-VI), besides the development and consolidation of the kingship, the state, the administration, the economy, the religion and culture in the country of the Nile, the art, in its various manifestations architecture, with the pyramids, funerary and solar temples and tombs belonging to high-officials of the ruling elite, statues, stelae and wall reliefs equally flourished with the utmost refinement and formal quality, already announcing the typical figurative canonical characteristics that would last until the very end of the pharaonic civilization. In this dissertation, a hard and exhaustive effort has been made in terms of stylistic and iconographic analysis and iconological interpretation of hundreds of works of statuary and two-dimensional sculpture, both royal and private ones. There was an attempt to establish the major stages in the artistic evolution, as well as to seek a better understanding of the role and function of the sculptures in their architectural and mortuary contexts. The investigation was carried out, based in an abundant bibliography, in the compilation of identifying data of many specimens preserved in museums and private collections spread for all over the world and in the archaeological discoveries and theories that have appeared since the 80s of the past century until nowadays. It is expected that this approach may contribute to shed new light over the sculptural phenomenon of ancient Egypt, particularly in its first age of great splendour. Palavras-chave: Escultura rgia e privada Imprio Antigo Egipto Key words: Royal and Private Sculpture Old Kingdom Egypt

NDICENota prvia Cronologia Introduo CAPTULO I Caracterizao do Imprio Antigo I. 1. A III dinastia I. 1. 1. A dinastia das pirmides escalonadas I. 1. 2. A corte, o Estado, as instituies centrais e a administrao provincial I. 1. 3. Fundaes funerrias rgias I. 1. 4. Consideraes sobre os funcionrios da III dinastia I. 1. 5. O mundo das necrpoles: tmulos privados da III dinastia I. 1. 6. Cultura material e civilizao I. 2. A IV dinastia I. 2. 1. Complexos funerrios reais I. 2. 2. A semntica das pirmides da IV dinastia I. 2. 3. Registos escritos e estatuto social dos obreiros das pirmides I. 2. 4. A hut-ka e os domnios funerrios I. 2. 5. Tmulos privados da IV dinastia I. 2. 6. A realeza e o divino I. 2. 7. Alguns comentrios sobre a famlia real I. 2. 8. O ttulo sa-nesut I. 2. 9. Instituies, poltica, administrao e dignitrios I. 3. A V dinastia I. 3. 1. O culto funerrio real na V dinastia I. 3. 2. O culto solar real I. 3. 3. Estruturas governativas e administrativas: o Estado em aco e os seus burocratas I. 3. 4. Iniciativas econmicas. Expedies comerciais e militares(?) ao estrangeiro I. 3. 5. O mundo dos escribas: a cultura aliada ao poder I. 3. 6. Tmulos particulares da V dinastia na necrpole menfita I. 3. 7. Inscries funerrias privadas: exemplos da interaco entre os dignitrios e o rei I. 3. 8. Textos sapienciais do Imprio Antigo I. 4. A VI dinastia I. 4. 1. A autobiografia de Uni I. 4. 2. Pepi I: soberano com muitas esposas I. 4. 3. Anais rgios I. 4. 4. Ideologia real: evoluo das prticas funerrias I. 4. 5. Rei e divindades I. 4. 6. Rei e dignitrios I. 4. 7. Evoluo poltica I. 4. 8. Horkhuef: a sua autobiografia e as expedies ao estrangeiro 5 10 12 33 36 75 85 93 94 101 121 123 150 153 163 165 167 175 186 188 192 195 198 202 205 210 213 223 228 239 246 264 267 285 286 289 290 293 298

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I. 4. 9. Os altos funcionrios: nobreza hereditria ou nobreza de funo? Eplogo: declnio e colapso do Imprio Antigo CAPTULO II Estaturia rgia do Imprio Antigo II 1. Consideraes genricas sobre as efgies reais II.2. As principais etapas e caractersticas evolutivas da estaturia de pedra II. 3. As esttuas rgias enquanto imagens imbudas de poder discursivo II. 4. Representaes da famlia real no Imprio Antigo II. 5. As idades da vida II. 6. Linhas de fora sobre o retrato no antigo Egipto. II. 7. Estaturia rgia: da auto-preservao somtica auto-representao semitica II. 8. Estaturia e arquitectura II. 9. O programa da estaturia no complexo funerrio de Menkaur CAPTULO III Inventrio crtico da estaturia rgia III. 1. A III dinastia III. 2. A IV dinastia III. 3. A V dinastia III. 4. A VI dinastia CAPTULO IV Relevos rgios IV. 1. Os primrdios IV. 2. Processos figurativos elementares IV. 3. Combinao de elementos figurativos e organizao de grandes espaos parietais IV. 4. Os ciclos de relevos rgios e o seu enquadramento arquitectnico CAPTULO V Inventrio crtico de relevos, estelas e pinturas rgios V. 1. A III dinastia V. 2. A IV dinastia V. 3. A V dinastia V. 4. A VI dinastia CAPTULO VI Estaturia privada VI. 1. Estaturia privada: sua evoluo, tipologia e funo VI. 2. Algumas consideraes sobre as personagens representadas nas esttuas VI. 3. Estilizao e realismo na arte do retrato escultrico privado VI. 4. Materiais e tcnicas VI. 5. Metodologia de trabalho e utensilagem dos escultores durante o Imprio Antigo VI. 6. O nascimento da grande estaturia de pedra VI. 7. Em demanda da individualidade VI. 8. As cabeas de reserva VI. 9. A etapa do convencionalismo e da generalizao idealizada VI. 10. O denominado segundo estilo VI. 11. As perucas como elementos formais e estilsticos para a datao de esttuas privadas do Imprio Antigo VI. 12. Relaes entre estaturia e arquitectura

305 312 329 329 336 347 349 356 358 363 365 369 377 377 392 489 509 523 524 524 529 535 545 545 565 589 630 635 635 638 639 641 645 651 657 660 665 669 672 687

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VI. 13. As esttuas rupestres VI. 14. As esttuas de madeira: indagaes sobre a sua tipologia e significado VI. 15. Desvios s normas figurativas em esttuas procedentes de Guiza CAPTULO VII Inventrio crtico de esttuas privadas VII. 1. A III dinastia VII. 2. A IV dinastia VII. 3. A V dinastia VII. 4. A VI dinastia CAPTULO VIII Relevos de tmulos privados VIII. 1. O programa imagtico dos relevos nos tmulos privados: elementos organizativos e temticos VIII. 2. Apreciaes terico-prticas sobre a interpretao dos programas iconogrficos dos tmulos privados VIII. 3. Organizao e mtodos de trabalho na escultura bidimensional tumular VIII. 4. A construo da imagem humana. O sistema das linhas norteadoras na composio figurativa VIII. 5. Retrato e tratamento anatmico nos baixos-relevos privados CAPTULO IX Inventrio crtico de relevos, estelas e pinturas de tmulos privados IX. 1. A III dinastia IX. 2. A IV dinastia IX. 3. A V dinastia IX. 4. A VI dinastia Concluses Bibliografia I. Bibliografia geral II. Dicionrios, gramticas, colectneas documentais, atlas, manuais arqueolgicos, monografias sobre onomstica rgia, compilaes de ttulos/eptetos oficiais e repertrios bibliogrficos III. Catlogos de Museus e Exposies IV. Bibliografia especfica Siglas e abreviaturas utilizadas APNDICE Seco I Alneas complementares: a) As chamadas estelas-lajes de Guiza (IV dinastia) b) A representao da individualidade na escultura privada do Imprio Antigo c) Elementos sobre as representaes imagticas bidimensionais da famlia real no Imprio Antigo Seco II Imagens de esttuas e relevos, estelas e pinturas

690 693 705 723 723 736 810 852 863 863 896 913 920 923 941 941 965 997 1034 1047 1079 1079 1096

1102 1109 1153

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NOTA PRVIA

A presente tese de doutoramento, subordinada estaturia e aos relevos egpcios do Imprio Antigo (III-VI dinastias) significa o corolrio de uma investigao que durou mais de quatro anos. Trata-se de uma temtica algo ambiciosa, j que tanto abrange toda uma poca, cerca de quinhentos anos, como incide no estudo da escultura rgia e privada do pas das Duas Terras. Neste sentido, o projecto que inicialmente estabelecemos dificilmente se tornaria realidade sem algum apoio concreto ou enquadramento institucional. Para o efeito, a partir de Janeiro de 2006, beneficimos de uma bolsa de doutoramento financiada pela FCT, que permitiu fazer face aos avultados gastos que ocorreram no decurso das pesquisas, principalmente na aquisio de abundante bibliografia especializada, quase inexistente em Portugal, e na realizao de algumas viagens de curta durao ao estrangeiro, nomeadamente a Frana e Alemanha, com o intento especfico de analisar considervel quantidade de esculturas do Imprio Antigo conservadas em prestigiados museus desses dois pases: o Museu do Louvre/Dpartement des Antiquits gyptiennes (Paris), o gyptisches Museum und Papyrussammlung (Berlim), o Roemer-Pelizaeus Museum (Hildesheim) e a Staatliche Sammlung gyptischer Kunst (Munique), entre outros. Lamentavelmente, no dispusemos de verbas para levar a cabo idnticas tarefas de pesquisa noutros esplios museolgicos europeus (como o British Museum de Londres ou o Museo Egizio de Turim) ou para viajar at aos Estados Unidos, onde existem, como sabido, muitas e belssimas obras escultricas da poca aqui em foco, designadamente no Metropolitan Museum of Art, no Brooklyn Museum, ambos em Nova Iorque, e no Museum of Fine Arts de Boston. Mas o pior foi no reunirmos suficientes meios financeiros para ficar no Egipto durante cerca de um ms, como estava previsto. No entanto, estivemos no pas niltico em duas ocasies, uma em 1998, e outra, mais longa, em Junho de 2004. Na ltima, cerca de cinco meses depois da apresentao da dissertao de mestrado em Histria e Cultura Pr-Clssica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, j estava previsto desenvolver um projecto versando a arte egpcia do Imprio Antigo para a tese de doutoramento. Assim, aproveitmos a estadia para visitar as necrpoles de Sakara, Guiza, Meidum e Abu Roach, observando tanto as pirmides e os restos dos seus complexos funerrios, bem como diversos tmulos privados de dignitrios. Para alm disso, visitmos o grande e

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rico Museu Egpcio do Cairo (onde j havamos estado na primeira vez), aproveitando para examinar bastantes esttuas e relevos. Para a reunio da bibliografia, muito extensa (obtida quase toda no estrangeiro, desde colectneas documentais, gramticas, dicionrios, actas de colquios

internacionais, etc.), para a investigao, valeram contactos anteriormente j efectuados quando fomos bolseiros da JNICT, entre 1997 e 1999. De entre eles, justo mencionar as seguintes instituies: a Bibliothque Nationale de Paris, a Bayerisches Staatsbibliothek de Munique (especialmente teis para a obteno de fotocpias de obras antigas, como de Kurt Sethe, Auguste Mariette, William Flinders Petrie ou de George Andrew Reisner, entre outras), o Institut fr gyptologie da Universidade de Munique, o gyptologisches Institut de Wrzburg, o homlogo da Karls-Eberhard Universitt de Tbingen, o Roemer-Pelizaeus Museum de Hildesheim, a Universidade de Liverpool, o Museu do Louvre, o Institut Franais dArchologie Orientale (Cairo), o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque e o Museum of Fine Arts de Boston. Estas entidades facultaram adequado apoio logstico para ter acesso a obras que h muito j no se encontram venda, alm de fotocpias de livros e artigos mais recentes ou separatas de revistas de mbito egiptolgico. No entanto, tais iniciativas envolveram grandes despesas, apesar de, por vezes, serem enviados gratuitamente alguns materiais de pesquisa. Por seu turno, a partir de Maro de 2009, tornmo-nos membros titulares da Socit Franaise dgyptologie (Paris), o que muito ajudou em diversos aspectos. No que respeita s instituies nacionais, de pouco serviram para o nosso labor de consulta de estudos especficos de ndole egiptolgica. De facto, nas bibliotecas de Portugal deparamos com uma flagrante e aflitiva escassez de livros e artigos ligados histria e cultura das civilizaes pr-clssicas. Ainda assim, encontrmos algum material digno de interesse na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na Biblioteca Joo Paulo II da Universidade Catlica, na Biblioteca Nacional de Lisboa (seces de usuais, reservados e de revistas e peridicos) e no acervo bibliogrfico do Instituto Oriental da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Quanto a contactos mais especficos ou personalizados, tivemos a honra e o prazer de trocar ideias com importantes nomes da egiptologia internacional, dos quais destacamos Rita Freed, Jan Assmann, Erik Hornung, Doris Prechel, Regine Schulz, John Baines, Barry Kemp, William Kelly Simpson, Kenneth Kitchen, Claude 6

Vandersleyen, Farouk Goma, Edna Russmann, Michel Baud, Vassil Dobrev, Nadine Cherpion e Christiane Ziegler. Acresce tambm realar o apoio de Jean Walker (University of Pennsylvania, Museum of Archaeology and Anthropology) e de Karin Kranich (gyptisches Museum der Universitt Leipzig) pela cedncia de diversas fotografias, e de Manuella Wangert, jovem egiptloga da Universidade de Munique, que muito nos ajudou na consulta de bibliografia especfica na rica biblioteca do Institut fr gyptologie. Todos, sem excepo, nos deram sugestes assaz proveitosas e responderam a diversas dvidas, alm de alguns nos ofertarem obras suas. Foi principalmente atravs destes especialistas que recebemos o maior estmulo e motivao para seguirmos em frente, razo pela qual aqui se regista o nosso mais profundo reconhecimento e gratido a tais acadmicos e investigadores. Demonstraram uma receptividade sem paralelo, manifestando no s a erudio e a competncia de que so depositrios, mas tambm, importa sublinhar, uma simplicidade de trato reveladora de grande sensibilidade e uma no menor generosidade, tanto em termos de convivncia como de partilha de informaes, qualidades humanas que infelizmente rareiam em diversos sectores do meio universitrio portugus. A nvel nacional, agradecemos, em primeiro lugar, ao orientador, o Professor Doutor Lus Manuel de Arajo, que nos foi guiando a par e passo, emitindo pareceres de inestimvel valor, procedendo aos naturais reparos e correces na forma e no contedo da dissertao, alm de nos ceder bibliografia suplementar, aspectos de suma importncia em trabalhos acadmicos desta envergadura; em segundo, ao Professor Doutor Jos Nunes Carreira, orientalista exmio (orientador da nossa tese de mestrado), que sempre tentou saber como ia decorrendo esta investigao e jamais se esqueceu de transmitir nimo para prosseguir, afora manifestar uma sincera amizade, tanto nos bons como nos maus momentos; por ltimo, ao Professor Doutor Jos Augusto Ramos, actual director do Instituto Oriental, pela cordialidade e solicitude demonstradas em certas etapas ao longo destes ltimos anos. Tambm cabe salientar a colaborao de duas docentes da Faculdade de Letras de Lisboa, a Professora Doutora Elisabeth Johanna Gerda Bammel e a Dra. Cornelia Ursula Bohm, que solucionaram diversas problemas na traduo de algumas passagens mais difceis de artigos e livros de egiptologia em alemo. Importa ainda agradecer Susana Melo e ao Rogrio Macieira, da Express Media (Servios de Informtica e

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Internet), em Mem Martins, pelo profissionalismo e pacincia que evidenciaram na impresso e encadernao dos exemplares da presente tese. Por fim, uma especial e inevitvel referncia famlia e aos amigos, que, ao estarem sempre to prximos e apoiarem incondicionalmente as nossas metas, ofereceram constante fora anmica no decurso do tempo em que fomos elaborando a tese de doutoramento. O agradecimento queles que nos so mais chegados no exige, necessariamente, que os nomeemos. Salientemos o essencial, dispensando extensos enunciados poticos repletos de superlativos: o afecto e a amizade que deles recebemos, de forma persistente e desinteressada, que calam bem fundo na alma e se acham invariavelmente presentes no nosso corao.

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CRONOLOGIA DO IMPRIO ANTIGO (c. 2700-2200 a. C.) III dinastia (2700-2620 a. C.1) Hrus Netjerikhet (Djoser) Sekhemkhet Khaba Sanakht (Nebka) Qahedjet (=Huni?) IV dinastia (2620-2500 a. C.) Seneferu Khufu Djedefr (var. Redjedef ou Didufri) Khafr Menkaur (possibilidade da existncia de mais alguns reis) Chepseskaf V dinastia (2500-2350 a. C.) Userkaf Sahur Neferirkar Kakai Chepseskar Neferefr (var. Reneferef) Niuserr Menkauhor Djedkar Issi Unas VI dinastia (2350-2200 a. C.) Teti Userkar Pepi I Merenr I Pepi II Merenr II Nitiqret (gr. Nitcris) (talvez mais alguns soberanos com reinados efmeros)1

2700-2670

2620-2590 2590-2565 2565-2558 2558-2533 2533-2515 2505-2500

2500-2492 2492-2480 2480-2470 2470-2462 2462-2453 2453-2420 2420-2411 2411-2380 2380-2350

2350-2340 2340-2339 2339-2297 2297-2292 2292-2203 2203-2202

Fundamentmo-nos, por um lado, no quadro cronolgico elaborado por lisabeth DAVID in C. Ziegler (ed.), Lart gyptien au temps des pyramides, p. 17 e, por outro, no que respeita ordem dos monarcas da III dinastia, nos argumentos de R. STADELMANN, Der erste Knig der 3.Dynastie, in H. Guksch e D. Polz (ed.), Stationen. Beitrge zur Kulturgeschichte gyptens. R. Stadelmann gewidmet, pp. 31-34, e de M. BAUD, Djser et la IIIe dynastie, pp. 48-70. Tambm tivemos em conta as cronologias apresentadas por B. MANLEY no The Penguin Historical Atlas of Ancient Egypt, na obra editada por I. SHAW, The Oxford History of Ancient Egypt, p. 482-483 e, por fim, na monografia de J. von BECKERATH, Chronologie des pharaonischen gypten. Pese embora o elevado mrito do ltimo egiptlogo nomeado, o mtodo de datao por ele sustentado afigura-se passvel de dvidas, j que expe estimativas demasiado precisas (para Beckerath, o Imprio Antigo decorreu de 2707/2657 a 2170/2120 a.C.). Em face das diversas incertezas que ainda persistem quanto cronologia das etapas mais recuadas da histria egpcia, optmos por apontar cifras meramente aproximadas, tanto para as balizas temporais da poca, como para a durao dos seus respectivos reinados.

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INTRODUO

ponto assente que o Imprio Antigo (c. 2700- 2200 a. C.), com cerca de meio milnio de durao, representa uma das pocas mais paradigmticas da civilizao do Egipto faranico, fenmeno ainda hoje manifesto ao contemplarmos, por exemplo, o conhecido complexo funerrio de Netjerikhet Djoser, em Sakara, ou as trs grandes pirmides e a Esfinge, no planalto de Guiza. A partir da III dinastia, introduziu-se sistematicamente a pedra na arquitectura monumental, mas tambm se desenvolveu e consolidou um Estado unitrio e centralizado, o primeiro conhecido na histria da humanidade, e uma realeza de carcter divino. Seja como for, estes aspectos esboaramse e ganharam forma durante os tempos precedentes (desde finais do Pr-Dinstico= dinastia 0 at II dinastia), assim como outros, respeitantes aos moldes organizativos sociais, econmicos, ideolgicos, bem como s manifestaes culturais e das crenas religiosas egpcias. Aparentemente, o tema escolhido para a presente dissertao nada tem de indito, pelo menos no ttulo e na forma. A escultura do Imprio Antigo, que constitui um dos corpora mais extraordinrios dessa poca, ao reflectir uma arte com elevado grau de mestria tcnica e qualidade plstica, a par do desenvolvimento da prpria escrita hieroglfica (atravs das inscries gravadas nas esttuas e nos relevos parietais tumulares), j foi objecto de mltiplas abordagens, umas genricas, outras mais especficas, com valor e extenso variveis. De entre os contributos mais significativos e meritrios para esta matria, importa destacar a volumosa obra de William Stevenson Smith, A History of Egyptian Sculpture and Painting in the Old Kingdom, que, apesar de ter sido publicada pela primeira vez em 1946, ainda continua a ser um dos melhores estudos de referncia para todos os que pretendam aprofundar conhecimentos sobre a escultura e a pintura desta poca. Com efeito, o livro de W. S. Smith engloba todas as dinastias do Imprio Antigo, da, ainda hoje, muitos especialistas o utilizarem e citarem frequentemente. Em 1949, outro renomado egiptlogo, Cyril Aldred, tambm procurou oferecer uma viso global da arte do Imprio Antigo, ao publicar Old Kingdom Art in Ancient Egypt, e, mais tarde, Egypt to the End of the Old Kingdom (1965/2 edio, 1992), mas estes livros no so, de modo algum, equiparveis ao extenso e minudente trabalho da autoria de W. S. Smith. No entanto, em face dos progressos registados nas descobertas

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arqueolgicas, na anlise e interpretao da lngua egpcia, da sociedade e da religio do pas das Duas Terras e, por fim, na criao de novas metodologias de compreenso iconogrfica e simblica das obras escultricas, bem como no estabelecimento de critrios mais ou menos fiveis para a datao das mesmas, o estudo de W. S. Smith necessitaria de alguns aditamentos e correces. Neste sentido, cabe advertir para os contributos de Hans Goedicke2, Dietrich Wildung3, Ali Radwan4, e, mais recentemente, de Rolf Gundlach5 que se centrou tanto sobre as vertentes ideolgicas como iconogrficas da realeza arcaica e do Imprio Antigo , estudos que derramaram nova luz sobre a complexidade, a subtileza e a diversidade na representao plstica dos monarcas egpcios. John Baines, por seu turno, abordou de forma inovadora e interpelante a dicotomia trono e deus, aplicando-a ao mbito iconogrfico, ideolgico e semntico associado realeza e s divindades, desde a poca Arcaica at comeos do Imprio Antigo6. Depois, em 1994 e 1997, o mesmo autor publicou outros dois artigos assaz elucidativos, um sobre as origens da monarquia egpcia, englobando exemplos plsticos e textuais desde o PrDinstico Recente at IV dinastia, e o segundo acerca da interaco realeza-elite dirigente ao longo do Imprio Antigo7. Em 1995, Zahi Hawass publicou um texto esclarecedor sobre os programas decorativos dos complexos funerrios rgios da IV dinastia (e do iderio oficial a eles subjacente)8. Um ano mais tarde, Matthias Seidel produziu uma obra bastante profcua, incidindo exclusivamente na estaturia rgia9. Mais recentemente, em 2003, Dieter Stockfisch elaborou uma monografia extremamente documentada sobre o culto funerrio e a decorao dos templos rgios do Imprio Antigo10.

Die Stellung des Knigs im Alten Reich, 1960. Die Rolle gyptischer Knige im Bewutsein Nachwelt. Posthume Quellen ber die Knige der ersten vier Dynastien, 1969; Gottlichkeitsstufen des Pharao, OLZ, 1973. 4 Einige Aspekte der Vergttlichung des gyptischen Knigs, in gypten, Dauer und Wandel: Symposium anlssich des 75 jahrigen Bestehens des DAIK, 1982. 5 Der Pharao und sein Staat. Die Grundlegung der gyptischen Knigsideologie im 4.und 3. Jahrtausend, 1998. 6 Respectivamente: Trne et dieu: aspects du symbolisme royale et divin des temps archaques, BSFE 118 (1990); Kingship before literature: the world of the king in the Old Kingdom, in R. Gundlach et al. (ed.), Selbstverstndnis und Realitt: Akten des Symposiums zur gyptischen Knigsideologie. 7 Origins of Egyptian Kingship, in D. OConnor e D. P. Silverman (ed.), Ancient Egyptian Kingship. 8 The Programs of the Royal Funerary Complexes of the Fourth Dynasty, ibidem. 9 Die kniglichen Statuengruppen. Die Denkmler vom Alten Reich bis zum Ende der 18.Dynastie, 1, 1996. 10 Untersuchungen zum Totenkult des gyptischen Knigs im Alten Reich. Die Dekoration der kniglichen Totenanlagen, 2 vols.3

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Quanto s manifestaes escultricas dos tmulos privados, pertencentes a membros da elite dirigente administrativa e cortes do Egipto, empreenderam-se pesquisas de grande rigor e especial utilidade, como as monografias e os artigos de Ahmed Shoukry11, William Kelly Simpson12, Elisabeth Staehelin13, Claude Vandersleyen14, Jaromr Mlek15, Marianne Eaton-Krauss16, Yvonne Harpur17, Nadine Cherpion18, Edna R. Russmann19, Slawomir Rzepka20, Regine Schulz21, Christiane Ziegler22, Peter Der Manuelian23, Zahi Hawass24, Helmut Satzinger25, Dorothea Arnold26 e, mais recentemente, Julia Harvey27.

Die Privatgrabstatue im Alten Reich, 1951. The Mastabas of Qar and Idu,G. 7101 and 7102, 1976; The Mastabas of Kawab, Khafkhufu I and II, 1978; Mastabas of the Western Cemetery, Giza, Part I, 1980. 13 Untersuchungen zur gyptischen Tracht im Alten Reich, 1966: monografia que trata das indumentrias masculinas e femininas do Imprio Antigo, com base no estudo das esttuas e relevos da poca. 14 Les proportions relatives des personnages dans les statues-groupes, CdE XLVIII, 1973. 15 New Reliefs and Inscriptions from Five Old Tombs at Giza and Saqqara, BSEG 6 (1982). Importa referir que J. Mlek publicou, em 1986, um livro, In the Shadow of the Pyramids. Egypt during the Old Kingdom, que, apesar de pouco extenso e possuir um carcter basicamente divulgativo, constitui uma viso sbria e equilibrada sobre a civilizao egpcia durante o Imprio Antigo. 16 The Representations of Statuary in Private Tombs of Old Kingdom Tombs, 1985; Pseudo-Groups, in R. Stadelmann e H. Sourouzian (ed.), Kunst des Alten Reiches, 1995; Non-royal Pre-canonical Statuary, in N. Grimal (ed.), Les Critres de datation stylistiques lAncien Empire, 1998. 17 Decoration in the Egyptian Tombs of the Old Kingdom.Studies in Orientation and Scene Content, 1987; IDEM, The tombs of Nefermaat and Rahotep at Maidum, 2001. 18 Mastabas et hypoges de lAncien Empire: le problme de la datation, 1989; La statuaire prive dAncien Empire: indices de datation, in N. Grimal (ed.), Critres de datation stylistiques; La conception de lHomme lAncien Empire, daprs les bas-reliefs figurant les notables, in C. Ziegler (ed.), Lart gyptien au temps des pyramides, 1999. 19 A Second Style in Egyptian Art of the Old Kingdom, MDAIK 51 (1995); Two Heads of the Early Fourth Dynasty, in R. Stadelmann e H. Sourouzian (ed.), Kunst des Alten Reiches, 1995. 20 Some Remarks on the Rock-Cut Statues in the Old Kingdom, SAK 22 (1995). 21 berlegungen zu einigen Kunstwerken des Alten Reiches im Pelizaeus-Museum (Hildesheim), in Kunst des Alten Reiches. 22 Le Mastaba dAkhethetep, 1993; Muse du Louvre. Dpartement des antiquits gyptiennes. Les Statues gyptiennes de lAncien Empire, 1997; La statuaire prive, in C. Ziegler (ed.), Lart gyptien au temps des pyramides. 23 The Problem of the Giza Slab Stelae, in H. Guksch e D. Polz (eds.), Stationen. Beitrge zur Kulturgeschichte gyptens. R. Stadelmann gewidmet,1998; Slab Stelae of the Giza Necropolis, 2003. 24 The Statue of the Dwarf Pr-n(j)-nkh(w). Recently Discovered in Giza, MDAIK 47 (1991), 157-162; A Group of Unique Statues Discovered at Giza. I. Statues of the Overseers of the Pyramid Builders, in Kunst des Alten Reiches; A Group of Unique Statues Discovered at Giza. III. The Statues of Jnty-dw from Tomb GSE 1915, BdE 120 (1998). Mais recentemente, Z. Hawass publicou uma obra genrica sobre a IV dinastia: Mountains of the Pharaohs. The Untold Story of the Pyramid Builders, 2006. Pese embora o mrito do autor, o livro pouco acrescenta de novo ao que se conhece deste perodo e, em alguns casos, comporta teorias que actualmente esto a ser refutadas por diversos especialistas. 25 Living Images The Private Statue, in R. Schulz e M. Seidel (ed.), Egypt, The World of the Pharaohs, 1998. 26 When the Pyramids Were Built: Egyptian Art of the Old Kingdom, 1999. 27 Wooden Statues of the Old Kingdom. A Typological Study, 2001.12

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Na esfera da estaturia e dos relevos da realeza, avultam os artigos de James D. Cooney28, Florence Dunn Friedman29, Wendy Wood30, Claude Vandersleyen31, Hourig Sourouzian32, Rainer Stadelmann33, Slawomir Rzepka34, Michel Baud35, Miroslav Verner36, Zahi Hawass37, James F. Romano38, Krysztof Grzymiski39 e de Dorothea Arnold40, entre outros. Sobre a anlise e a interpretao dos ciclos iconogrficos (afora as inscries dos mesmos) das mastabas e hipogeus privados do Imprio Antigo, realizaram-se estudos inovadores, haja em vista os de Hartwig Altenmller41 (bem como as monografias feitas de parceria com A. Moussa42), Naguib Kanawati43, Dieter Kessler44, Andrey O. Bolshakov45, E. Feucht46, E. el-Metwally47, Manfred Fitzenreiter48, Regina Htzl49 e Ren Van Walsen50, que muito utilizmos. Tambm nos servimos dos notveis estudos

A Colossal Head of the Early Old Kingdom, BMB 9/3 (1948); Royal Sculptures of Dynasty VI, in Actes du XXIe Congrs International des Orientalistes, 1949; Three Royal Sculptures, RdE 27 (1975). 29 The Underground Relief Panels of King Djoser at the Step Pyramid Complex, JARCE 32 (1995). 30 A Reconstruction of the Triads of King Mycerinus, JEA 60 (1974). 31 Une tte de Chephren en granit rose, RdE 38 (1987). 32 Liconographie du roi dans la statuaire des trois premires dynasties, in Kunst des Alten Reiches. 33 Der Strenge Stil der frhen Vierten Dynastie, in Kunst des Alten Reiches; Formale Kriterien zur Datierung der kniglichen Plastik der 4. Dynastie, BdE 120 (1998). 34 Some Remarks on Two Mycerinus Group Statues, GM 166 (1998). 35 La statuaire de Rdjedef, in C. Ziegler (ed.), Lart de lAncien Empire gyptien, 1999. 36 Les sculptures de Rneferef dcouvertes Abousir, BIFAO 85 (1985). 37 A Fragmentary Monument of Djoser from Saqqara, JEA 80 (1994). 38 Six Dynasty Royal Sculpture, in Les Critres de datation. 39 La statuaire royale, in C. Ziegler (ed.), Lart gyptien au temps des pyramides, 1999. 40 Reliefs royaux, ibidem. 41 Nilpferd und Papyrusdickicht in den Grbern des Alten Reiches, BSEG 13 (1989); Fragen zur Ikonographie des Grabherrn in der 5. Dynastie des Alten Reiches, SDAIK (1995); Der Grabeherr des Alten Reiches als Horus, Sohn des Osiris. berlegung zum Sinn der Grabdarstellungen des Alten Reiches in gypten, Ankh. Revue dgyptologie et des Civilisations Africaines, 4/5 (1995-1996); Die Wanddarstellungen im Grab des Mehu in Saqqara, 1998; Daily Life in Eternity The Mastabas and Rock-cut Tombs of Officials, in R. Schulz e M. Seidel (ed.), Egypt.The World of the Pharaohs. 42 The Tomb of Nefer and Ka-hay, 1971; Das Grab des Nianchchnum und Chnumhotep, 1977. 43 The living and the dead in Old Kingdom tomb scenes, SAK 9 (1981). 44 Zu Bedeutung der Szenen des tglichen Lebens in den Privatgrabern, ZS 114 (1987). 45 Hinting as a Method of Old Kingdom Decoration, GM 139 (1994). Existem outros artigos deste autor, os quais citamos em vrias parcelas do nosso trabalho. 46 Fishing and Fowling with the Spear and the Throw-stick Reconsidered, in U. Luft (ed.), The Intellectual Heritage of Egypt, 1992. 47 Entwicklung der Grabdekoration in den Altgyptischen Privatgrbern: Ikonographische Analyse der Totenkultdarstellungen von der Vorgeschichte bis zum Ende der 4.Dynastie, in F. Junge e W. Westendorf (dir.), Gttinger Orientforschungen, IV. Reihe: gypten, XXIV, 1992. 48 Grabdekoration un die Interpretation funerrer Rituale im Alten Reich, in H. O. Willems (ed.), Social Aspects of Funerary Culture in the Egyptian Old and Middle Kingdoms, 2001. 49 Reliefs und Inschfriftensteine des Alten Reiches I.Corpus Antiquitatum Aegyptiacarum, 1999. 50 The Caption of a Cattle-fording Scene in a Tomb at Saqqara and its Implications for the She/Sinnbild. Discussion on Egyptian Iconography, in W. Clarysse et al. (eds.), Egyptian Religion: The Last Thousand Years, II, 1998; Iconography of Old Kingdom Elite Tombs. Analysis & Interpretation. Theoretical and Methodological Aspects, 2005.

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de Henry George Fischer51, bem como os de Richard H. Wilkinson52, centrados na escrita hieroglfica e na arte, de William Kelly Simpson53, que explorou os tpicos de permanncia e mudana nas manifestaes artsticas egpcias, de Roland Tefnin54, que examinou a escultura tridimensional atravs de uma anlise das formas aliada a um enfoque de cariz semitico e simblico, ou, ainda, de Gay Robins55, que, na esteira de Heinrich Schffer, Erik Iversen e outros, analisou atentamente o sistema de propores que os Egpcios empregavam na execuo de imagens bidimensionais. Atravs desta amostra, entrev-se, em certa medida, o muito que se progrediu no conhecimento da escultura egpcia do Imprio Antigo. No entanto, que saibamos, at data ainda no se levou a cabo um trabalho de investigao que congregasse, num todo unitrio, todas as referidas vertentes que, por enquanto, permanecem dispersas e repartidas por comunicaes proferidas em colquios, congressos e volumes colectivos de homenagem a diversos egiptlogos consagrados (sobre a arte e a arqueologia do Imprio Antigo)56, ou por artigos publicados em revistas especializadas. certo que j se efectuou uma tentativa de certa envergadura perseguindo tal intento, materializada no catlogo editado por C. Ziegler (Lart gyptien au temps des pyramides), publicado por ocasio da exposio que teve lugar nas Galeries Nationales du Grand Palais, entre 6 de Abril e 12 de Julho de 1999, e de outro, anlogo, em lngua inglesa, destinado a exposies idnticas (que tiveram lugar em Nova Iorque, no Metropolitan Museum of Art, 16 de Setembro de 1999 9 de Janeiro de 2000, e em Toronto, Muse Royal de lOntario, 13 de Fevereiro 22 de Maio de 2000). Com efeito, nesses volumes, ofereceu-se uma panormica relativamente circunstanciada do que foi o Egipto e a sua arte no Imprio Antigo, tendo como colaboradores os melhores especialistas a nvel mundial. Mas a escultura, embora ocupe lugar proeminente nessas publicaes, no foi o nico objecto de ateno, j que tambm se dedicaram vrias parcelas arquitectura rgia e privada, ao mobilirio e joalharia. Alm disso, apesar de se ter realizado umAnatomy in Egyptian Art, Apollo 82/n 43 (July, 1965); Varia. Egyptian Studies, I, 1976; The Orientation of Hieroglyphs. Part I. Reversals, 1977; LEcriture et lart de lEgypte ancienne: Quatre leons sur la paleographie et lpigraphie pharaoniques, 1986. 52 Reading Egyptian Art A Hieroglyphic Guide to Ancient Egyptian Painting and Sculpture, 1994; Simbol & Magic in Egyptian Art, 1999. 53 The Face of Egypt: Permanence and Change in Egyptian Art, 1977. 54 Statues et statuettes de lAncienne Egypte, 1988; Art et Magie au temps des pyramides. Lnigme des ttes dites demplacement, 1991. 55 Proportions and Style in Ancient Egyptian Art, 1994. 56 Aqui no enumeramos os mltiplos volumes de actas de colquios ou de homenagem a especialistas. Citamo-los ao longo das notas do texto da dissertao e, naturalmente, na bibliografia.51

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notvel esforo na reunio de elevado nmero de obras procedentes de museus e coleces particulares de Frana, da Blgica, Holanda, Itlia, Alemanha, Canad e Estados Unidos da Amrica, os comits organizativos das exposies e dos respectivos catlogos no conseguiram englobar, devido a motivos de ordem burocrtica e logstica, diversas obras assaz significativas e valiosas da estaturia rgia e privada do Museu Egpcio do Cairo. Por outro lado, nesses mesmos livros, na abordagem das cenas de mastabas e hipogeus da III dinastia VI dinastia, esto praticamente ausentes as correntes mais recentes relativas anlise e interpretao dos ciclos iconogrficos dos relevos tumulares privados. Posto isto, buscmos que o contedo do nosso trabalho de investigao incluisse uma espcie de estado da questo do que at hoje se compulsou sobre a escultura do Imprio Antigo e, ao mesmo tempo, um conjunto de novas ideias e hipteses (algumas inditas) sobre a evoluo, a tipologia e o significado das obras escultricas, fazendo uso de critrios de datao aplicveis estaturia e aos baixos-relevos privados e de mtodos diversos na leitura das denominadas cenas da vida quotidiana plasmadas nos tmulos de altos funcionrios, cortesos, rainhas, prncipes e princesas localizados tanto nas necrpoles rgias menfitas (Sakara, Guiza, Meidum, Abu Roach, Abusir), como em cemitrios particulares provinciais (Heluan, Naga ed-Der, Rekakna, Beith Khallaf, Zauiet el-Arian, Deir el-Guebraui, El-Hauauich, Hagarsa, Dechacha, Meir, Copto, Elefantina, etc.). A nossa pesquisa centrou-se, quase exclusivamente, em espcimes procedentes do meio funerrio rgio e da elite dirigente, da que a panormica oferecida traduza s a ilustrao de um segmento da sociedade egpcia do Imprio Antigo, quedando na penumbra e no anonimato as manifestaes plsticas produzidas para o grosso da populao egpcia. Esta, na realidade, no reunia meios e posses para mandar construir tmulos sumptuosos providos de esttuas e relevos. Para uma adequada compreenso dos complexos piramidais rgios e das necrpoles (tanto em torno da capital como nas provncias), desde a III dinastia VI dinastia, foi imprescindvel consultar abundante nmero de obras, muitas delas j bastante antigas mas deveras teis, de conceituados egiptlogos que, durante dcadas, levaram a cabo diversas prospeces arqueolgicas, tais como William M. Flinders Petrie57, Auguste Mariette58, Gaston Maspero59, James E. Quibell60, Ludwig

The Pyramids and Temples of Gizeh (1 edio de 1883, que foi revista e completada por Z. Hawass em 1990); Medum, with Chapters by F. L. Griffith, Dr. A. Wiedermann, Dr. W. J. Russell (), and W. E. Crum, 1892; Deshasheh, 1898; The Royal Tombs of the Earliest Dynasties, II, 1901.

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Borchardt61, Jean Capart62, Hermann Junker63, George A. Reisner64, Cecil M. Firth e Battiscombe Gunn65, James Quibell66, Jean-Philippe Lauer67, Selim Hassan68, Ahmed Moneim Abu Bakr69, Ahmed Fakhry70, Elmar Edel e Stephan Wenig71 ou Dows Dunham72. Depois, houve que proceder confrontao desses dados com outros, resultantes de escavaes e descobertas arqueolgicas mais recentes, contidos nas obras de Naguib Kanawati e Ahmed Hassan sobre o cemitrio de Teti em Sakara73, de Ann Macy Roth, a respeito da necrpole dos servidores do palcio em Guiza74, ou os estudos efectuados sobre Akhmim e Dechacha75. Tambm se revestiram de inegvel utilidade os tomos I e II da obra Urkunden des Alten Reiches de K. Sethe76, e osLes Mastabas de lAncien Empire. Fragment du dernier ouvrage dAuguste Mariette, publi daprs le manuscript de lauteur, 1889. 59 Essays sur lart gyptien, 1912. 60 El Kab, 1898; Hierakonpolis, II, 1902; Excavations at Saqqara (1907-1908), 1909; Excavations at Saqqara (1911-1912), 1913; Excavations at Saqqara (1912-1914), Archaic Mastabas, 1923; The Step Pyramid, III, 1935. 61 Por exemplo: Ausgrabungen des Deutschen Orientgesellschaft in Abusir 1902-1904. Das Grabdenkmal des Knigs Ne-user-Re, I, 1907; Ausgrabungen () .Das Grabdenkmal des Knigs Nefer-ir-ke-Re, V, 1909; Das Grabdenkmal des Knigs Ne-user-Re. Die Wandbilder, II, 1913; Ausgrabungen Das Grabdenkmal des Knigs Sahu-Re. Die Wandbilder, II, 1913. 62 Les Dbuts de lart en gypte, 1904; Une rue de tombeaux Saqqara, 2 vol., 1907; LArt gyptien. tudes et Histoire, I, 1924; Documents pour servir letude de lart, I-II, 1927-1931. 63 Gza. Die Mastabas der IV.Dynastie auf dem Westfriedhof, I, 1929; Gza. Die Mastabas ber beginnenden V.Dynastie auf dem Westfriedhof, II, 1934; Giza.. Die Mastabas der vorgeschrittenen V. Dynastie auf dem Westfriedhof, III, 1938 (alm de muitas outras monografias publicadas at 1963). 64 The Early Dynastic Cemeteries of Naga-ed-Dr,1, 1908; Mycerinus: The Temples of the Third Pyramid at Giza, 1931; A Provincial Cemetery of the Pyramid Age, Naga-ed-Dr. Part 3, 1932; The Development of the Egyptian Tomb Down to the Accession of Cheops, 1936; A History of the Giza Necropolis, I, 1942. Tivemos igualmente a oportunidade de aceder ao contedo de diversas notas e relatrios inditos de escavaes da autoria de G. A. Reisner, que se conservam no Art Department of the Ancient World do Museum of Fine Arts de Boston. Neste sentido, afigurou-se muito cooperante Rita Freed, que nos facultou gentilmente vrios dados sobre esse acervo. 65 Excavations at Saqqara: Teti Pyramid Cemeteries, 2 vol., 1926. 66 Designadamente a obra realizada com C. M. Firth, The Step Pyramid, Services des antiquits de lgypte. Excavations at Saqqara, 2 vol., 1935. 67 La Pyramide degrs, I-III, 1936-39; Histoire monumentale des pyramides dEgypte. Les pyramides degrs (IIIe Dynastie), I, 1962; Saqqara. La ncropole royale de Memphis, 1977; Le Mystre des pyramides, 1988. 68 Foi dos arquelogos mais prolficos a nvel de estudos publicados: a sua extensa obra, intitulada Excavations at Giza, inclui os resultados das suas escavaes e descobertas em 9 volumes (1932-1960), ocorridas sobretudo ao longo da dcada de 30 do sculo passado. 69 Excavations at Giza 1949-1950, 1953. 70 The Monuments of Sneferu at Dahshur. The Valley Temple (part 1: The Temple Reliefs; part 2: The Finds), II, 1961. 71 Die Jahreszeitenreliefs aus dem Sonnenheiligtum des Knigs Ne-User-R, 1974. 72 Zawiyet el-Aryan: The Cemeteries Adjacent to the Layer Pyramid, 1978. Ressalve-se que D. Dunham tambm elaborou uma monografia de parceria com W. K. Simpson sobre o tmulo rupestre de Meresankh III: The Mastaba of Queen Mersyankh III G 7530-7540, 1974. 73 The Teti Cemetery at Saqqara, I-II, 1996-1997. 74 A Cemetery of Palace Attendants, 1995. 75 N. KANAWATI e A. MCFARLANE, Akhmim in the Old Kingdom, part I: Chronology and Administration, 1992; N. KANAWATI, Deshasha. The Tombs of Inti, Shedu and Others, 1993. 76 Publicados, respectivamente, em 1903 e 1933.58

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volumes III.1 e III.277 da Topographical Bibliography of Ancient Egyptian Hieroglyphic Texts, Reliefs and Paintings, de Bertha Porter e Rosalind Moss, bem como o Manuel darchologie gyptienne, de Jacques Vandier (sobretudo os tomos III e IV78). Quando encetmos este projecto, tivemos o cuidado de estruturar as suas parcelas da maneira que nos pareceu mais objectiva, lgica e proveitosa: no captulo I, a anteceder o bloco dedicado escultura rgia e privada, ser apresentado um enquadramento histrico, de forma a situar no tempo, com a devida preciso e rigor, as obras que a seguir sero analisadas e interpretadas. Sobre esta parcela, desenvolvemos mais comentrios no fim da presente introduo. Transitemos agora para o fulcro temtico desta investigao. Nos captulos II-V, ser focada a estaturia e os relevos rgios, e nos captulos VI-IX, as obras de vulto redondo e bidimensionais privadas. Antes de cada inventrio crtico de peas figura um captulo onde se desenvolvem, de forma mais ou menos global, as principais caractersticas formais e iconogrficas, a evoluo dos processos figurativos e de execuo das efgies tridimensionais e bidimensionais, no faltando informaes sobre os diversos tipos de pedra e madeira empregues pelos escultores, alm da sua utensilagem. Ao lidarmos com o exame pontual de uma quantidade no negligencivel de obras escultricas (vrias centenas), tentmos ultrapassar a simples descrio plstica e iconogrfica, aplicando o que Erwin Panofsky79 qualificou de iconologia: significa um mtodo interpretativo que advm mais da sntese do que da anlise. Assim como a exacta identificao dos motivos constitui o requisito bsico de uma correcta anlise iconogrfica, tambm a anlise aprofundada das imagens, smbolos e alegorias consiste no requisito essencial para uma adequada interpretao iconolgica. Inicialmente, este gnero de interpretao foi mais utilizado na arte do Renascimento italiano, mas, desde a dcada de oitenta do sculo passado, tambm se passou a empregar na arte egpcia, como facilmente se observa nos estudos da autoria de J. Baines (como na sua obra Fecundity Figures: Egyptian Personification and the Iconology of a Genre, 1985) ou, mais recentemente, nos de Ren Van Walsem (Iconography of Old Kingdom Elite Tombs).

Originalmente publicados em 1934 e 1937, respectivamente. Em 1978 e 1979, surgiram novas edies revistas e ampliadas por J. Mlek. O volume III.1 abrange o levantamento de dados sobre Mnfis, indo desde Abu Roach at Abusir; o III.2 engloba a rea desde Sakara at Dahchur. 78 Tomo II: La Statuaire, 1958; tomo IV: Bas-reliefs et peintures. Scnes de la vie quotidienne, 1964. 79 Cf. Iconografia e Iconologia: uma introduo, in Significado nas Artes visuais, pp. 47-63.

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No presente texto, no tivemos a ambio nem a veleidade de levar a cabo um inventrio exaustivo de toda a escultura egpcia do Imprio Antigo, uma vez que representaria tarefa humanamente impossvel. Em vez disso, procedeu-se organizao um conjunto de mini-inventrios suficientemente esclarecedores de esttuas (de pedra e, em menor grau, de madeira, alm de duas de cobre) e de cenas em relevo. Fizemos uma seleco das obras que considermos mais significativas, a fim de demonstrar vrios argumentos e pontos de vista. Foram compilados abundantes elementos sobre a escultura egpcia, observando atentamente muitas obras pertencentes a diversos esplios museolgicos do mundo, alm de outras que, miraculosamente, ainda permanecem no Egipto, em tmulos de particulares das necrpoles rgias e provinciais ou em algumas parcelas de complexos funerrios dos monarcas em Sakara, Guiza, Meidum, Abu Roach e Abusir. Empreendemos um esforo quase ingente para a obteno de mltiplos dados (bibliografia especfica, fotografias, gravuras, materiais, dimenses e procedncia das obras escultricas) sobre elevado nmero de esttuas e relevos do Imprio Antigo pertencentes ao grande e riqussimo Museu Egpcio do Cairo80, como a uma srie de outros esplios museolgicos, tanto europeus como norte-americanos.

Concomitantemente, realizmos algumas viagens cirrgicas a vrios desses museus, sobretudo em Frana e na Alemanha, e consultmos mltiplos catlogos. Na nossa investigao, estudmos obras escultricas conservadas em mais de trinta coleces pblicas e particulares estrangeiras. Eis uma lista das mais significativas: Frana: Museu do Louvre (Dpartement des Antiquits gyptiennes)81, Paris. Reino Unido: The British Museum (Department of Egyptian Antiquities)82, Londres; Petrie Museum of Egyptian Archaeology (University College)83, Londres; The

Como facilmente se depreende, so muitos os catlogos sobre o Museu Egpcio do Cairo. Destacaremos apenas os seguintes, tendo em conta a sua qualidade e a quantidade de obras descritas: L. BORCHARDT, Muse des Antiquits gyptiennes. Le Caire. Catalogue gnral des antiquits gyptiennes. Denkmler des Alten Reiches ausser den Statuen, I-II, 1937-1964; H. G. FISCHER e E. L. B. TERRACE, Treasures of Egyptian Art from the Museum of Cairo, A Centennial Exhibition, 1970; J.-P. CORTEGGIANI, LEgypte des pharaons au Muse du Caire, 1986; M. SALEH e H. SOUROUZIAN, Die Hauptwerke im gyptischen Museum in Kairo (Offizieller Katalog), 1987 (com edies tambm em ingls e francs); F. TIRADRITTI (ed.), Egyptian Treasures from the Egyptian Museum of Cairo, 1999; A. BONGIOANNI e M. Sole CROCE (eds.), The Illustrated Guide to the Egyptian Museum in Cairo, 2001; A. EL-SHAHAWY, The Egyptian Museum in Cairo. A Walk through the Alleys of Ancient Egypt, 2005. 81 Os principais catlogos que utilizmos foram: J. VANDIER, Muse du Louvre. Le Dpartement des Antiquits gyptiennes. Guide sommaire, 1973, e sobretudo, C. ZIEGLER, Muse du Louvre. Dpartement des Antiquits gyptiennes. Catalogue des stles, peintures et reliefs gyptiens lAncien Empire et la Premire Priode Intermdiaire (1990); Muse du Louvre (). Les statues gyptiennes de lAncien Empire (1997). 82 E. A. W. BUDGE, (dir.), Egyptian Sculptures in the British Museum, 1914; A. J. SPENCER, Early Dynastic Objects. Catalogue of Egyptian Antiquities in the British Museum, V, 1980; T. G. H. JAMES,

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Ashmolean Museum (Department of Antiquities), Oxford; Fitzwilliam Museum (Department of Antiquities), Cambridge. Blgica: Muses Royaux dArt et dHistoire, Bruxelas. Holanda: Rijksmuseum van Oudheden, Leiden84. Itlia: Museo Egizio (Soprintendenza per le Antichit Egizie), Turim85; Museo Archeologico Nazionale, Npoles; Museo Nazionale de Milo86. ustria: Kunsthistorisches Museum (gyptische-Orientalische Sammlung), Viena87. Alemanha: gyptisches Museum und Papyrussammlung (Staatliche Museen zu Berlin /Preuischer Kulturbesitz), Berlim88; Roemer-Pelizaeus Museum, Hildesheim89; gyptisches Museum der Universitt, Leipzig90; Staatliche Sammlung gyptischer Kunst, Munique91. Sua: Muse dEtnographie, Neuchtel92. Dinamarca: Ny Carlsberg Glyptothek, Copenhaga93; Nationalmuseet, Antiksamling, Copenhaga94. Sucia: Medelhavsmuseet95 (Egyptiska Advdelingen), Estocolmo. Canad: Royal Ontario Museum/Muse Royal de lOntario, Ontrio.British Museum, Egyptian Sculpture, 1984; E. RUSSMANN, N. STRUDWICK e T. G. H. JAMES, Temples and Tombs: Treasures of Egyptian Art from the British Museum, 2006. 83 H. M. STEWART, Egyptian Stelae, Reliefs and Paintings from the Petrie Collection Archaic Period to Second Intermediate Period, II, 1979. 84 H. SCHNEIDER, Life and Death under the Pharaohs: Egyptian Art from the National Museum of Antiquities in Leiden, 1997. 85 E. SCAMUZZI, Lart gyptien au muse de Turin, 1966; S. CURTO, LAntico Egitto nel Museo di Torino, 1984; A. M. DONADONI ROVERI, E. LESPO, E. DAMICONE, A. ROCCATI e S. DONADONI, Il Museo Egizio di Torino, 1993; G. ROBINS (dir.), Beyond the Pyramids. Egyptian Regional Art from the Museo Egizio di Torino, 1991. Ao longo do texto fazemos aluso a outras publicaes anlogas, mas menos significativas. 86 A. M. Donadoni ROVERI e F. TIRADRITTI (dir.), Kemet: Alle Sorgenti del Tempo, 1998. 87 H. SATZINGER, gyptisch-Orientalische Sammlung des Kunsthistorischen Museum Wien, 1987; B. JAROS-DECKERT e E. ROGGE, Statuen des Alten Reiches, Kunsthistorisches Museum Wien. gyptischOrientalische Sammlung, 1993. 88 D. WILDUNG, Fnf Jahre, Neuerwerbungen der Staatlichen Sammlung gyptischer Kunst, 1976-1980, 1980; K. H. PRIESE e H. KICHKEWITZ, gyptisches Museum, Museumsinsel Berlin, Staatliche Museen zu Berlin, 1991. 89 A. EGGEBRECHT (dir.), Das Alte Reich. gypten im Zeitalter der Pyramiden.Roemer-und-Pelizaeus Museum, Hildesheim, 1986; B. SCHMITZ, Pelizaeus-Museum Hildesheim. The Egyptian Collection, 1996. 90 J. SPIEGEL, Kurze Fhrer durch das gyptische Museum der Universitt Leipzig, 1938; R. KRAUSPE (dir.), Das gyptisches Museum der Universitt Leipzig, 1997; R. KRAUSPE, Katalog gyptischer Sammlungen in Leipzig, I Statuen und Statuetten, 1997. 91 H. W. MLLER (dir.), Staatliche Sammlung gyptischer Kunst, 1972; S. SCHOSKE et al., Staatliche Sammlung gyptischer Kunst Mnchen, 1995. 92 J. GABUS, 175 ans dethnographie Neuchtel. Muse detnographie de Neuchtel du 18 juin au 31 dcembre, 1967 (parte 2). 93 M. JRGENSEN, Catalogue Egypt I (3 000-1550 B C) Ny Carlsberg Glyptotek, 1996. 94 L. MANNICHE, Egyptian Art in Denmark, 95 B. PETERSON, Finds from the Theteti Tomb at Saqqara, Medelhavsmuseet Bulletin 20 (1985), 3-24.

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Estados Unidos da Amrica: The Metropolitan Museum of Art (Department of Egyptian Art), Nova Iorque96; The Brooklyn Museum (The Department of Egyptian, Classical and Ancient Middle Eastern Art)97, Brooklyn, Nova Iorque; Museum of Fine Arts (Department of Ancient Egyptian, Nubian and Near Eastern Art), Boston98; The Phoebe A. Hearst Museum of Anthropology, University of California, Berkeley99; Walters Art Gallery, Baltimore; Nelson Atkins Museum of Art, Kansas City100; Cleveland Museum of Art (Department of Ancient Art)101; The Detroit Institute of Arts102; Philadelphia University Museum; Virginia Museum of Fine Arts, Richmond; Oriental Institute Museum, Chicago. Egipto (alm, obviamente, do Museu Egpcio do Cairo): o Museu Imhotep, em Sakara, e o esplio museolgico do Institut dArchologie Orientale (IFAO), Cairo. Portugal, Museu Calouste Gulbenkian, Coleco Egpcia, Lisboa103. No decurso de mais de quatro anos de investigao, cremos ter atingido muitos dos objectivos gizados na fase embrionria do projecto. Na impossibilidade de aqui enumerar todos os pontos compulsados, basta mencionar os que reputamos de mais significativos. A escultura rgia e privada da III dinastia (de Netjerikhet Djoser a Huni) foi meticulosamente estudada, aspecto que importa realar, j que na esmagadora maioria das obras dedicadas arte do Imprio Antigo, a mesma raramente aparece devidamente descrita e interpretada104. No que respeita IV dinastia, tentmos reunir o maior nmero de dados possvel para a abordagem dos corpora escultricos tridimensionais de vrios monarcas, no s de Seneferu e Khufu, mas tambm, e principalmente, de Djedefr (que desenvolvemos

W. C. HAYES, The Scepter of Egypt,I: From the Earliest Times to the End of the Middle Kingdom, 5 edio, 1990; 97 J. F. ROMANO et al., Ancient Art in the Brooklyn Museum, 1988; R. A. FAZZINI, R. S. BIANCHI e J. F. ROMANO, Neferut net Kemit: Egyptian Art from the Brooklyn Museum, 1983. 98 Y. J. MARKOWITZ, J. L. HAYNES e R. FREED, Egypt in the Age of the Pyramids. Highlights from the Harvard University-Museum of Fine Arts/Boston Expedition, 2002. 99 H. F. LUTZ, Egyptian Archaeology. Egyptian Statues and Statuettes in the Museum of Anthropology of the University of California, V,1930; A. B. ELSASSER e V. M. FREDERICKSON, Robert H. Lowie Museum of Anthropology of the University of California, 1966; R. FAZZINI (dir.), Images of Eternity, Egyptian Art from the Berkeley and Brooklyn, 1975. 100 R. WARD e P. J. FIDLER, The Nelson Atkins Museum of Art. A Handbook of the Collection, 1993. 101 L. M. BERMAN, Catalogue of Egyptian Art, Cleveland, 1999. 102 Treasures from the Detroit Institute of Arts, 1960. 103 Lus Manuel de ARAJO, Arte Egpcia.Coleco Calouste Gulbenkian, 2006. 104 Para alm dos referidos catlogos, consultmos outros de mbito mais genrico, designadamente: S. DAURIA, P. LACOVARA e C. H. ROEHRIG, Mummies and Magic. The Funerary Arts of Ancient Egypt, 1988; W. SEIPEL (dir.), Gtter, Menschen, Pharaonen: 3500 Jahre gyptische Kultur, 1993; A. GRIMM, S. SCHOSKE e D. WILDUNG, Pharao: Kunst und Herrschaft im alten gypten, 1997.

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com especial ateno), Khafr no olvidando um exame atento da Grande Esfinge de Guiza e Menkaur. Do ltimo, centrmo-nos sobretudo nas suas esttuas de grupo do templo do vale do complexo piramidal, isto , na conhecida dade (onde o rei supostamente faz par com a rainha) e nas no menos famosas trades em que surge com Hathor e personificaes divinas provinciais, sobre as quais tecemos comentrios eventualmente providos de certo valor e crdito cientfico. Quanto V dinastia, reservmos amplo espao estaturia de Neferefr, procedente de Abusir, baseando-nos em diversas publicaes do egiptlogo checo Miroslav Verner. Por ltimo, da VI dinastia, explormos com o mximo rigor as clebres esttuas de cobre, descobertas em Hieracmpolis, que tanto podem representar Pepi I e seu filho Merenr, como corresponderem a duas efgies distintas do primeiro soberano. Tivemos igualmente o cuidado de inserir, quando possvel, as esttuas rgias no seu respectivo enquadramento arquitectnico, isto , nos templos dos complexos funerrios105. O caso que mais desenvolvemos foi o relativo a Menkaur, em parte porque consiste no exemplo para o qual no restam grandes dvidas para a reconstituio das efgies no seu contexto templrio. Sobre os relevos rgios, para alm de estudarmos imagens rupestres (Uadi Maghara, no Sinai) de diversos monarcas, desde Netjerikhet a Seneferu, tambm foram analisdos os painis subterrneos do complexo djoseriano de Sakara e a peculiar estela de Qahedjet (Huni?). Quanto aos baixos-relevos parietais posteriores, valorizmos especialmente os procedentes dos ricos programas iconogrficos de Sahur, Niuserr (ambos da V dinastia) e de Pepi II (VI dinastia). Em determinados aspectos, julgamos ter chegado a algumas concluses minimamente vlidas, sobretudo na anlise de fragmentos relevados, vrios dos quais esto dispersos por diferentes museus, e na reconstituio hipottica de certas cenas que outrora preenchiam as paredes dos templos reais. No mbito da estaturia e baixos-relevos privados, para alm de rastrearmos as suas principais etapas da evoluo estlistica e iconogrfica, procurmos reavaliar o papel e o significado que tais imagens assumiriam nos tmulos dos altos funcionrios, membros da famlia real e cortesos. Ao examinarmos as efgies tridimensionais, estabelecemos distines entre as esculturas de vulto redondo autnomas, produzidas em vrios tipos de pedra, as efgies rupestres, ou seja, as imagens esculpidas directamente na rocha de hipogeus, e as executadas em madeira. Por outro lado,Assunto que foi abordado, entre outros, por Dieter ARNOLD, Les relations entre la statuaire et larchitecture, in C. Ziegler (ed.), Lart gyptien au temps des pyramides, 1999, pp. 64-69.105

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reservmos uma alnea especfica para as denominadas cabeas de reserva, peas que, ainda hoje, ainda levantam vrias dvidas e incertezas. Considermos tambm importante aflorar uma matria pouco conhecida e divulgada as esttuas que evidenciam desvios face s tpicas regras cannicas representacionais egpcias. Atravs da descrio de vrias dessas obras anmalas, julgamos ser possvel redimensionar o leque dos mtodos figurativos utilizados pelos escultores. Embora os captulos dedicados estaturia privada tenham ocasionado dificuldades, os referentes arte bidimensional das mastabas e hipogeus revelaram-se ainda mais difceis: as chamadas cenas da vida quotidiana, observveis no interior dos tmulos particulares, foram, durante dcadas, interpretadas de maneira demasiado simplista e redutora ou, ento, no extremo oposto, atravs de teorias excessivamente elaboradas, desprovidas de bases probatrias, muitas delas sem aplicabilidade plausvel ou directa. No entanto, sobretudo desde a dcada de 80 do sculo passado, diversos especialistas levaram a cabo investigaes exaustivas e sistemticas no que concerne anlise icnica das personagens e cenas representadas, assim como interpretao iconolgica das mesmas (H. Altenmller, M. Fitzenreiter, C. Ziegler e R. van Walsem, entre outros). Mas, a despeito destas novas abordagens, os baixos-relevos tumulares continuam a alimentar diversas questes, pelo que o seu estudo encerra grande complexidade. Ao longo da pesquisa, formulmos diversas perguntas, tais como: em que medida e at que ponto um tmulo particular significava efectivamente um per-djet ou casa de eternidade do seu respectivo proprietrio? Seria ele mais um monumento de afirmao de status do que a amostra tangvel de uma srie de crenas mgico-religiosas ligadas existncia no Alm? As imagens gravadas em relevo constituiriam evocaes concretas de aspectos da vida quotidiana, como defenderam P. Montet e J. Vandier, ou, pelo contrrio, formariam um conjunto de cenas idealizadas, obedecendo a convenes estereotipadas? Dever-se-o entender como composies sagradas ou seculares? Haveria mensagens alegricas ou smbolos em certas imagens que transmitissem as ideias do renascimento e da ressurreio do defunto, ou sero tais relevos materializaes plsticas traduzindo a esperana numa existncia ultra-terrena repleta de abundncia e prosperidade? Que tipo de relao ideolgica ou social se descortina entre os tmulos privados e os monumentos funerrios rgios (vertente especialmente tratada por Ann M. Roth, Nicole Alexanian e James P. Allen)? Nas 23

pginas que se seguem procuramos facultar diversas respostas, mas tendo em mente que, na sua maior parte, esto longe de ser concludentes e definitivas, reduzindo-se, basicamente, a enunciados provisrios ou meras hipteses interpretativas. Outra vertente compulsada radicou na indagao da existncia ou ausncia do retrato na escultura egpcia. Ainda hoje, frequente encontrarmos opinies divergentes sobre este tpico106. Uma coisa certa: tal como hodiernamente o entendemos e definimos, o vocbulo no se adequa linearmente ao antigo Egipto. Mas se considerarmos a palavra retrato numa ptica mais abrangente, enquanto representao caracterizadora da identidade individual do defunto, reconhecvel pela incluso das elementos constitutivos do ser humano (onde, a par de alguns traos fisionmicos idiossincrticos, sobressaem inscries hieroglficas com o nome e os ttulos do proprietrio da efgie), ento, no ser difcil empregarmos esse termo107. Uma imagem, em especial a de trs dimenses, era designada pelos Egpcios como chesep er ankh ou tut er ankh, expresses que se podem traduzir como imagens de acordo com a vida. C. Vandersleyen108, B. von Bothmer109, A. O. Bolshakov110 e J. Assmann111 debruaram-se a fundo sobre este assunto, logrando atingir resultados dignos de realce, embora amide divergentes. Julgamos que a escultura egpcia (rgia e privada) se deve compreender no seio de uma dicotomia individualizao-imortalidade: a arte do pas das Duas Terras , no seu grau mais elevado, uma auto-tematizao. Esta preocupao de que o eu fosse preservado e/ou representado mediante formas escultricas e epigrficas determinava no s os contextos funcionais da arte egpcia mas tambm as suas linguagens e valores estticos. No Egipto faranico, os

J. Capart (cf. Leons sur lart gyptien, 1920, p. 226), A. Scharff (cf. On the Statuary of the Old Kingdom, JEA 26, 1940) e H. Schffer (cf. Das gyptische Bildnis, LS 5, 1936), foram alguns dos que rejeitaram liminarmente a ideia de retrato aplicvel s obras egpcias; outros, em contrapartida, demonstraram-se a favor do retrato, como Johansen (ZS 68, 1932, 105-108), S. Donadoni (ZS 97, 1971) ou K. Lange (gyptische Bildnisse, 1957). 107 A este respeito, remetemos para dois catlogos: Das Menschenbild im alten gypten. Portrts aus vier Jahrtausenden, 1982; D. SPANEL, Through Ancient Eyes: Egyptian Portraiture, 1988 108 Portrt, Lexikon der gyptologie, IV, 1982; Objectivit des portraits gyptiens, BSFE 73 (1975). 109 Revealing mans fate in mans face, Art News, 79, n 6 (1980); On Realism in Egyptian Funerary Sculpture of the Old Kingdom, The University Museum Magazine of Archaeology, 24/n2, Filadlfia (Winter/1982). 110 The Ideology of Old Kingdom Portrait, GM 117/118 (1990); Man and his Double in Egyptian Ideology of the Old Kingdom, 1996, pp. 254-260. 111 Sepulkrale Selbstthematisierung im alten gypten, in A. Hahn e V. Kapp (eds.), Selbstthematisierung und Selbstzeugnis: Bekenntnis und Gestndnis, 1987; Schrift, Tod und Identitt. Das Grab als Vorschule der Literatur, in Stein und Zeit, 1991; Preservation and Presentation of Self in Ancient Egyptian Portraiture, in Studies in Honor of William Kelly Simpson, I.

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conceitos de realismo112 e individualismo no se afiguram anacrnicos, at porque se captam na funo e na inteno artsticas. Subjacente a tais tendncias estava a firme crena numa existncia post mortem, no como sombra annima, mas num estado de completa conservao da identidade pessoal. Esta convico, que tanto se contrape s perspectivas sustentadas por civilizaes vizinhas (Mesopotmia, Israel, Grcia) sobre essa matria, marca toda a diferena, da que se possa encarar como algo tipicamente egpcio. No entanto, a referida convico fundamentava-se em duas ideias distintas de igual longevidade e providas de fora unitria, que parecem contraditrias: uma relacionava-se com a resistncia na terra, no mbito da memria social, a outra centrava-se numa vida eterna, no Alm, na transfigurao em esprito luminoso, o akh. Mas, note-se, ambas as ideias acentuam o indivduo. Era por causa do sucesso social que um alto funcionrio, por exemplo, podia aspirar a um lugar durvel na memria social. Em nenhuma delas se captam explcitas distines colectivas discriminatrias, como a ascendncia nobre ou o facto de se pertencer a determinado grupo social, etc. Neste caso, s contavam verdadeiramente os feitos ou realizaes pessoais. Consequentemente, a antropologia egpcia comportava toda uma diversidade de noes e ideais que se reportavam morte e existncia no outro mundo, nomeadamente o ka, o ba, o akh, entre outros. Assaz relevante na arte da representao humana a trs e duas dimenses era o papel do rosto (her) na antropologia egpcia. O ba, a forma pela qual o falecido transfigurado sobrevivia fora do corpo no Alm, representado iconograficamente como uma ave androcfala113: o corpo alado remete para a sua natureza celeste, a cabea para a sua identidade pessoal, enquanto ser humano, provido de nome, ttulos e, acima de tudo, com um passado terreno, no decursoAplicvel, sobretudo, na escultura real e privada da III dinastia e da IV, com alguns exemplos ainda na V: de entre os casos mais paradigmticos, nas esttuas privadas, sobressaem as de Rahotep e Hemiunu, o busto de Ankh-haf e a efgie de Kaaper, mais conhecido como Cheik el-Beled; na esfera rgia, importa tambm mencionar a conhecida esttua de Netjerijkhet sentado no trono e algumas de Seneferu, Djedefr, Khafr, Menkaur e Neferefr. Nestas, contudo, apenas o rosto aparece relativamente individualizado, obedecendo o corpo a um padro transmissor de uma aparncia fsica jovem e atltica (o que tambm se observa em muitas esculturas particulares). A partir da V dinastia, assiste-se a uma evoluo tendentes a um convencionalismo generalizado, que, na estaturia privada, veio a desembocar na emergncia do segundo estilo na estaturia privada. Nos relevos tumulares de dignitrios da III dinastia, sobretudo nos de Hesir e de Khabausokar, constata-se um realismo somtico deveras acentuado, que, no entanto, inclua um ideal de representao tpico do perodo, com rostos severos, tambm visvel nas imagens rgias. A partir da IV dinastia, verifica-se uma crescente introduo de correntes plsticas que privilegiaram uma estilizao idealizada das personagens privadas. 113 Este tipo de representao s se atesta a partir do Imprio Novo. Importa referir que o ba tambm podia ser figurado como uma ave, haja em vista o jabiru.112

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do qual se engendrou e desenvolveu a sua personalidade especfica. Se bem que datando do Imprio Novo, existe um hino ao deus criador, em que se l uma passagem ilustrativa sobre este assunto: Tu construste tudo quanto existe com o labor das tuas mos; foste tu que criaste as suas formas / cada rosto singular sendo diferenciado do seu semelhante114. Das duas vertentes cruciais que determinavam e regiam as crenas funerrias o perdurar na memria social e o julgamento pstumo era ao conceito de memria social que o retrato se encontraria mais estreitamente ligado. O retrato egpcio afirmava-se como memria visualizada. Tal como o seu equivalente epigrfico nas inscries hieroglficas, a autobiografia, ele destinava-se a manter acesa a chama da lembrana da aparncia individual, do carcter do defunto e dos actos que empreendera em vida, tambm almejando proporcionar uma base de permanncia forma final, singular e indubitvel, que o ser humano (homem ou mulher) desenvolvera ao longo da existncia terrena115. Por fim, dediquemos mais umas palavras ao captulo I: neste, como dissemos, buscmos traar uma viso panormica das principais linhas de fora e caractersticas do Egipto durante o Imprio Antigo. Antes de tudo, procedemos a uma passagem em revista pelas fontes habitualmente utilizadas pelos historiadores para o estudo desta poca desde a Pedra de Palermo e o Fragmento Cairo, at ao Papiro Real de Turim e aos Aegyptiaca de Maneton fazendo uso de novas interpretaes sobre elas empreendidas. Na exposio das linhas evolutivas da poltica e da administrao do Estado nesta poca, tivemos especial ateno sequncia dos monarcas da III dinastia, apresentando argumentos (baseados sobretudo em fontes coevas compiladas por J. Kahl, N. Kloth e U. Zimmermann116 e nos estudos de Gnter Dreyer117, Toby A. H. Wilkinson118 e Michel Baud119) que parecem indicar ter sido Netjerikhet Djoser, e no Sanakht/Nebka, o primeiro rei, e Huni o ltimo. Alm disso, salientmos a ideia da existncia de uma continuidade sem rupturas entre o reinado de Khasekhemui, derradeiro soberano da II dinastia e o de Netjerikhet,Cf. J. ASSMANN, Sonnenhymnen in thebanischen Grbern, 1983, p. 206. Cf. IDEM, Tod und Jenseits im alten gypten, 2001, cap. 4 (alnea 4 A imagem e a morte; a esttua e a mmia). 116 Die Inschriften der 3.Dynastie. Eine Bestandsaufnahme, 1995. 117 Der erste Knig der 3. Dynastie, in Stationen. Beitrge zur Kulturgeschichte gyptens. R. Stadelmann gewidmet, 1998, pp. 31-34. 118 Early Dynastic Egypt, 1 edio, 1999, pp. 94-105. Esta obra abarca o Pr-Dinstico Recente/dinastia 0, a poca Arcaica ou Tinita e ainda a III dinastia, isto , a primeira do Imprio Antigo. 119 Djser et la IIIe dynastie, 2002.115 114

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seu filho, o fundador da III, isto , entre a transio da poca Arcaica e o Imprio Antigo. No comeo da nova poca, todavia, registaram-se mudanas e inovaes, sendo a mais espectacular da pirmide escalonada, tpico da III dinastia, utilizado (ao que parece por todos os seus monarcas) analisando os seus elementos estruturais e simblicos. Foi tambm nesta dinastia que a escrita hieroglfica mais se desenvolveu e consolidou, denotando-se, da mesma forma, assinalveis progressos na arte da escultura, tanto rgia como privada. Constata-se que a mquina administrativa estatal egpcia se tornou, igualmente, mais complexa, facto que se atesta pelo nmero cada vez maior de funcionrios ao servio do poder central. Recorrendo a elementos arqueolgicos e epigrficos, tentmos oferecer um panorama mais ou menos elucidativo de vrios membros dessa burocracia (Hesir, Khabausokar, Ankh, Akheta, Metjen), rastreando o significado dos seus ttulos/funes120, bem como examinando os seus monumentos funerrios (sua evoluo e tipologia), dentro do contexto das necrpoles situadas em torno da capital, como provinciais. Quanto IV dinastia, adoptmos idntico esquema expositivo, apontando os eventos mais marcantes ocorridos desde o reinado de Seneferu, o seu fundador, at Chepseskaf. Se bem que em muito do que escrevemos se detecte uma histria vnementielle, no deixamos por isso de incluir perspectivas mais inovadoras e menos tradicionais, como, por exemplo, se pode observar no tratamento que conferimos ao reinado de Djedefr (seguindo o iderio de Vassil Dobrev, entre outros). Embora ainda hoje certos especialistas considerem que Djedefr ter sido um usurpador, na esteira das congeminaes de G. Reisner, o certo que vrios indcios recentemente estudados parecem arredar tal teoria e a subsequente damnatio memoriae que sobre ele, alegadamente, se teria abatido. No que respeita ao perodo situado entre Khufu e Menkaur, h menos dados pouco conhecidos exarados, mas, apesar disso, abordmos aspectos algo invulgares sobre a concepo (ou concepes) da realeza, a famlia real, alm de lanarmos vrias achegas sobre o ttulo filho(a) do rei/sa(t)-

Para o rastreio de carreiras de alguns funcionrios desse perodo, basemo-nos em W. HELCK, Untersuchungen der Thinitenzeit, pp. 244-286 (obra que no se cinge, contrariamente ao que deixa supor o ttulo, poca Arcaica, pois que tambm engloba dados sobre a III dinastia) e no corpus de inscries encerrado na colectnea compilada por J. KAHL, N. KLOTH e U. ZIMMERMANN, Die Inschriften der 3.Dynastie. Eine Bestandsaufnahme, 1995. Tambm recorremos a algumas monografias dedicadas a personagens especficas, por exemplo sobre o dignitrio Metjen: cf. K. B. GDECKEN, Eine Betrachtung der Inschriften des Meten im Rahmen der soziallen und rechtlichen Stellung von Privatleuten im gyptischen Alten Reich, 1976. Para o estudo dos ttulos e eptetos dos funcionrios (no s da III dinastia, mas das restantes dinastias do Imprio Antigo), recorremos tambm a Dilwyn JONES, An Index of Ancient Egyptian Titles, Epithets and Phrases of the Old Kingdom, 2 vol., 2000.

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nesut121. Novamente, as pirmides foram objecto de ateno, tanto na sua vertente formal como semntica122, bem como os seus respectivos complexos e estruturas adjacentes (baseando-nos em autores como I. E. S. Edwards, R. Stadelmann, M. Lehner, Z. Hawass, M. Verner e A. Labrousse). Alguns podero criticar o espao demasiado vasto que reservmos a este assunto. No entanto, julgamos essencial ter em conta o enquadramento arquitectnico e semntico onde se inseriam as obras escultricas. Obedecendo mesma lgica, fizemos algo de similar em relao aos monumentos tumulares privados da IV dinastia, no tomando apenas em considerao as suas caractersticas arquitectnicas, mas igualmente as dimenses sociais e ideolgicas dos mesmos. Sobre as V e VI dinastias, no incidimos tanto numa descrio reinado-areinado, mas explormos antes determinados blocos temticos, incluindo comentrios de ordem poltico-administrativa, social, religiosa e cultural. Entre outras, destacamos, por exemplo, as alneas dedicadas interaco rei-elite dirigente (com base nas inscries autobiogrficas123 de alguns dignitrios da V dinastia124) e indagao da problemtica sobre os altos funcionrios (nobreza hereditria ou nobreza de funo?)125, assim como a parcela reservada literatura sapiencial (Instrues de Hordjedef, Kaguemni e Ptah-hotep) ou a reconstituio que propusemos para a desagregao e colapso do Estado unitrio no fim do Imprio Antigo.

Neste material, fundamentmo-nos principalmente em B. SCHMITZ, Untersuchungen zum Titel s3njswt Knigssohn, 1976, e M. BAUD, Famille royal et pouvoir sous lAncien Empire gyptien, I. 122 Para a explorao da vertente semntica, filimo-nos em larga medida no iderio de J. Assmann, designadamente na sua obra gypten. Ein Sinngeschichte, 2000. 123 Para as autobiografias do Imprio Antigo, basemo-nos na monografia de N. KLOTH, Die (auto-) biographischen Inschriften des gyptischen Alten Reiches: Untersuchungen zu Phraseologie und Entwicklung, 2002, em diversos estudos de J. BAINES designadamente, Forerunners of narrative biographies, in Studies on Ancient Egypt in Honour of H. S. Smith; Restricted Knowledge, Hierarchy and Decorum: Modern Perception and Ancient Institutions, JARCE 27, 1990) bem como nas colectneas documentais de A. ROCCATI, La littrature historique sous lAncien Empire gyptien, 1982, e de M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Literature: A Book of Readings. The Old and Middle Kingdoms, 1973; Ancient Egyptian Autobiographies chiefly of the Middle Kingdom: A Study and Anthology, 1988; Maat in Egyptian Autobiographies and Related Studies, 1992. 124 De entre os quais, Rauer: J. P. ALLEN, Rewers accident, in A. B. Lloyd (ed.), Studies in Pharaonic Religion and Society in Honour of J. Gwyn Griffiths, 1992, pp. 14-20. Quanto VI dinastia, compulsmos as autobiografias de Uni e Horkhuef. Para o caso de Uni, veja-se C. J. EYRE, Wenis Career and Old Kingdom Historiography, in C. J. Eyre, A. Leahy e L. Montagno Leahy (eds.), The Unbroken Reed. Studies in the Culture and Heritage of Ancient Egypt in Honour of A. F. Shore, 1994, pp. 107-124. 125 Para alm da recente obra de D. Jones, atrs citada, colhemos tambm muitos dados sobre as titulaturas e os cargos dos altos funcionrios do Imprio Antigo em de trs monografias fundamentais, consideradas j clssicas: W. HELCK, Untersuchungen zu den Beamtentiteln des gyptischen Alten Reiches, 1954; K. BAER, Rank and Title in the Old Kingdom: The Structure of the Egyptian Administration in the Fifth and Sixth Dynasties, 1960; N. STRUDWICK, The Administration of Egypt in the Old Kingdom. The Highest Titles and their Holders, 1985.

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Tambm aflormos certas vertentes da sociedade egpcia do Imprio Antigo, principalmente as associadas ao grupo dirigente, j que as obras escultricas aqui examinadas procedem quase todas de membros da elite. Nas ltimas dcadas, diversas misses arqueolgicas vieram a descobrir acervos documentais de grande relevncia, nomeadamente em Guebelein, Balat (osis de Dakhla) e Elefantina, que permitem redimensionar determinadas teorias organicistas ideadas por alguns estudiosos. Actualmente, j no restam grandes dvidas de que a sociedade egpcia do Imprio Antigo no foi esttica nem isenta de metamorfoses ao longo desse meio sculo. Pelo contrrio, pautou-se por forte dinamismo e revestiu-se de uma complexidade bem maior do que at h pouco se supunha, aspectos que foram circunstanciadamente estudados por Juan Carlos Moreno Garca126, entre outros. A par da famlia real (tema da dissertao de doutoramento de Michel Baud127) e dos notveis que ocupavam a cpula hierrquica, havia toda uma srie de funcionrios que velava pelos interesses da coroa nas provncias do Alto e do Baixo Egipto, alm de chefes de aldeias e magnatas locais. Os ltimos chegaram a formar famlias com poder e influncia regional, por vezes no decurso de seis ou sete geraes, pelo menos, mas, durante bastante tempo, sobretudo na III dinastia e na IV, no foram portadores de ttulos ou cargos oficiais associados ao Estado. No entanto, nem por isso deixaram de representar agentes activos que colaboravam com a monarquia na gesto dos domnios fundirios e no fornecimento de recursos materiais e humanos para a realizao de obras edificatrias e outras. A partir da V dinastia e ao longo da VI, diversas famlias de grandes locais (atestadas em Abido, Copto e Akhmim) acabaram por receber dos soberanos ttulos de altos funcionrios, dada a sua importncia efectiva para o adequado funcionamento das sepaut do Egipto, especialmente no Sul, formalizando uma realidade j vigente. Por sua vez, desenvolveram-se gradualmente redes clientelares em torno dos plos de poder mais sigificativos. Quanto esmagadora maioria da populao egpcia, constituda por camponeses, obreiros e artesos, tambm se encontraram novos elementos em fontesHwt et le milieu rural gyptien du IIIe milnnaire av. J. C.,1999; IDEM, tudes sur ladministration, le pouvoir et lideologie en gypte, de lAncien au Moyen Empire, 1997; IDEM, Egipto en el Imperio Antiguo, 2004. O autor, sempre alicerado em documentao da poca, desenvolveu novas perspectivas sobre aspectos tais como as dicotomias cidade-campo, templo urbano-templo provincial, a sociedade, desde a cpula do poder central, passando de permeio por notveis locais e agentes da coroa nas provncias at s camadas mais amplas constitudas por camponeses, criadores de gado, artfices e, at, de comerciantes (grupo sobre o qual subsistem diversas dvidas quanto sua existncia). 127 Famille royale et pouvoir sous lAncien Empire gyptien, 2 vol., 2 edio, 2005. Consultmos mais obras sobre a famlia real, mas seria fastidioso aqui enumer-las (cf. captulo I)126

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que derramam alguma luz sobre a sua vivncia nesta poca, mas ainda insuficiente o quadro que se nos oferece sobre as camadas inferiores da sociedade egpcia durante o III milnio a. C. Por seu turno, a prpria conjuntura poltica do Imprio Antigo esteve longe de ser um processo feito de total continuidade e harmonia: com efeito, existem numerosos indcios que apontam para lutas entre faces e para a maquinao de intrigas e conspiraes no meio palaciano, algumas das quais tero mesmo conduzido a atentados contra a vida dos monarcas, haja em vista o perodo de transio entre a IV dinastia e a V e, principalmente, entre esta e a VI. No ltimo momento histrico, tero ocorrido graves problemas a partir do final do reinado de Unas e o incio do de Teti, sendo este, e provavelmente Merenr, seu filho, alvos de tentativas de magnicdio, o mesmo tendo sucedido, qui, a Pepi I, nos primeiros tempos da sua governao. Acerca desta matria, Zahi Hawass e Audran Labrousse foram os primeiros a debruar-se sobre os vestgios de contrariedades internas, mas quem se abalanou a um exame mais pormenorizado foi Naguib Kanawati128, que publicou os resultados numa recente monografia. Se restringssemos a nossa investigao ao fenmeno escultrico egpcio, sem o contextualizar no seu espao temporal, o resultado da investigao saldar-se-ia certamente num conjunto de elementos superficiais que ofereceriam ao leitor uma imagem simplista e redutora do que foi e significou, verdadeiramente, a chamada era das pirmides. Tentmos, acima de tudo, abordar a matria atravs de perspectivas diversas e interdisciplinares, recorrendo ao auxlio de outras cincias sociais humanas como a antropologia, a etnologia ou a sociologia, a fim de melhor captar a essncia da estaturia e dos relevos e da ubrrima civilizao que produziu tais obras. Por ltimo, no Apndice, a par de inserir imagens das esttuas e relevos analisadas no nosso trabalho, tambm foram includas vrias alneas complementares tese propriamente dita. No projecto inicial, estava prevista a incluso de mais dois captulos, consagrados histria e arte desde finais do Pr-Dinstico Recente at ao final da poca Arcaica. Chegmos mesmo a ultim-los, ascendendo a um total de 265 pginas, mas, medida que as restantes parcelas da tese se foram dilatando, tivemos que optar pela sua supresso. Efectivamente, foi ao longo da denominada dinastia 0 e das duas primeiras dinastias que se esboaram muitas das caractersticas peculiares do Imprio

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Conspiracies in the Egyptian Palace.Unis to Pepi I, 2003.

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Antigo. Nessa pesquisa, alm de nos debruarmos sobre aspectos como a unificao do Egipto, a realeza e as instituies arcaicas, analismos e interpretmos a tipologia e o significado de paletas e cabeas de maas votivas (as do rei Narmer e de Escorpio), bem como esttuas e relevos rgios e privados dos primrdios da civilizao egpcia. Deste labor s aproveitmos para a dissertao alguns comentrios sobre as efgies de vulto redondo de Khasekhem/Khasekhemui, derradeiro monarca da II dinastia, com o intento de se estabelecer um nexo de evoluo e continuidade iconogrfica face III dinastia, em regra considerada como a primeira do Imprio Antigo. Resta agora saber qual o grau de mrito ou valor cientfico que esta volumosa investigao encerra. Certamente que existem deficincias na nesta abordagem, mas fica-nos a tranquilidade de esprito de ter aplicado todo o esforo, honestidade, rigor e entusiasmo nos diversos estdios da pesquisa.

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CAPTULO I CARACTERIZAO DO IMPRIO ANTIGO

Prembulo

Habitualmente, os especialistas fazem principiar o Imprio Antigo com a III dinastia. No entanto, uma tendncia historiogrfica relativamente recente defende um prolongamento da poca Arcaica at ao final da referida dinastia (representada, entre outros, por Rainer Stadelmann, Toby A. H. Wilkinson, Hourig Sourouzian, A. Jeffrey Spencer e Michael Rice). A principal razo para esta compartimentao radica na indigncia textual da documentao anterior IV dinastia. Seja como for, a evoluo do poder central e das suas instituies parece remeter-nos para um retorno diviso tradicional. Com efeito, as III e IV dinastias formam um conjunto relativamente coerente, antes da ocorrncia das grandes modificaes observveis nas V e VI dinastias. Esta apresentao no certamente incontestvel, uma vez que se registaram j importantes transformaes na sociedade egpcia ao longo da IV dinastia. Mas a cadeia das manifestaes em jogo desenrolou-se progressivamente de um reinado para outro, com avanos, recuos e hesitaes, acerca dos quais apenas se conservaram alguns aspectos. Consequentemente, torna-se necessrio procurar definir as linhas de fora mais significativas e situ-las com a devida preciso no mbito cronolgico, tendo em conta que nenhum fenmeno verdadeiramente inovador representa a consequncia de um s evento poltico, mas, acima de tudo, se afirma como resultado da confluncia de diversos factores reflectidos, gradualmente, pelos principais actores do momento129.Para uma viso genrica da poca do Imprio Antigo, consultem-se: W. HELCK, Die Beziehungen gyptens und Vorderasiens des 3. und 2. Jahrtausends v. Ch, 2 edio, revista e aumentada; J. MLEK, In the Shadow of the Pyramids. Egypt during the Old Kingdom; IDEM, The Old Kingdom (c. 2686-2160 BC), in I. Shaw (ed.), The Oxford History of Ancient Egypt, pp. 83-107; J. LECLANT, LAncien Empire, prsentation historique, in C. Ziegler (ed.), Lart gyptien au temps des pyramides, pp. 23-31; KAMIL, The Ancient Egyptians Life in the Old Kingdom, pp. 71-186; G. HART, Pharaohs and Pyramids. A Guide through Old Kingdom Egypt; J. VERCOUTTER, LEgypte et la valle du Nil: Tome 1 Des origines la fin de lAncien Empire, pp. 245-353; G. ANDREU, Lgypte au temps des pyramides.Troisime millnaire avant J. C.; R. FREED, Egypt in the Age of the Pyramids, in Y. J. Markowitz, J. L. Haynes e R. Freed, Egypt in the Age of the Pyramids, pp. 17-31; M. RICE, Egypts Making.The Origins of Ancient Egypt, pp. 169-290 (obra que encerra algumas teorias controversas, apesar de se mostrar meritria noutros aspectos); A. M. Donadoni ROVERI e F. TIRADRITTI (eds.), Kemet: alle sorgenti dell tempo. Lantico Egitto dalla prehistoria alle piramidi; J. PADR, El Egipto del Imperio Antiguo; A. PREZ LARGACHA, Egipto en la poca de las pirmides. El Reino Antiguo; J. C. MORENO GARCIA, Egipto en el Imperio Antiguo (2650-2150 antes de Cristo); por ltimo, M. VERNER, Old Kingdom: An Overview, in D. P. Redford (ed.), The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt, pp. 577-589.129

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Nestes comentrios preliminares, destaquemos outro aspecto: ainda hoje, certas assunes de cariz genrico, observveis em diversos livros e artigos especializados, transmitem a impresso de que o Imprio Antigo parece ter sido bastante diferente dos perodos e pocas subsequentes da civilizao faranica. No entanto, esse tipo de interpretao foi rebatido por reputados egiptlogos como Georges Posener e Hans Goedicke, que tentaram colocar limites to propalada divindade rgia, mas o certo que os antigos esteretipos conceptuais ainda teimam em persistir nas mentes de diversos especialistas actuais. Curiosamente, alguns deles perfilham quase na ntegra a prpria viso que os Egpcios de tempos mais tardios tinham do Imprio Antigo, perspectivando-o como uma poca pristina130, em que no existiria ainda grande complexidade nem fortes contrariedades, como as que viriam a ocorrer no Primeiro Perodo Intermedirio. A este respeito, certas interpretaes formuladas por Jan Assmann131, no obstante o seu elevado grau de sofisticao conceptual, reflectem um pouco dessa concepo sobre o Imprio Antigo. Acontece que uma abordagem sobre esta poca norteada pelos parmetros referidos pode ver-se afectada pela metfora orgnica da sociedade: como o Imprio Antigo despontou nos primrdios da histria egpcia (apesar de ser, na realidade, o corolrio de um processo estrutural e conjuntural assaz longo), muitos autores visualizam-no geralmente como um estdio jovem, ainda no atreito nem submetido aos problemas que mais tarde iriam surgir no pas das Duas Terras. Trata-se de uma viso histrica aparentemente inadequada e refutvel, dado que subsistem testemunhos concretos do Imprio Antigo que provam, em certa medida, que os actores da poca no a entendiam como o marco de um verdadeiro comeo, aspecto que John Baines salientou num dos seus estudos132. Actualmente, no restam dvidas de que o Estado133 egpcio resultou de uma coalescncia pautada por conflitos intermitentes ao130

Aqui utilizamos este vocbulo num sentido distinto ao conceito antropolgico de civilizaes pristinas (tambm aplicado na etnologia), que se reporta a grupos humanos (povos, tribos) cujas manifestaes civilizacionais se traduzem em conjuntos de elementos rudimentares, onde no h lugar, ainda, para o florescimento da chamada alta cultura e o desenvolvimento de instituies complexas. 131 O que se observa, por exemplo na sua obra titulada gypten: Theologie und Frmmigkeit einer frhen Hochkultur. 132 Cf. Ancient Egyptian Concepts and uses of the past: 3rd to 2nd millenium BC evidence, in R. Layton (ed.), Who needs the past? Indigenous values and archaeology, pp. 133-135. 133 Como sabido, na antiga lngua egpcia no h termo correspondente nem conceito anlogo a Estado, semelhana do que acontece, por exemplo, com as palavras Religio e Arte. Assim, quando aplicamos o vocbulo Estado, obedecemos a uma mera conveno: aludimos a um poder central institucionalizado, provido de um conjunto bem articulado de rgos poltico-administrativos e econmicos j complexos. No entanto, estamos bem cientes que Em relao ao antigo Egipto, Estado e Religio so termos anacrnicos. O sistema poltico da realeza faranica uma espcie de religio, do

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longo do seu desenvolvimento (mas no ao jeito da simplista teoria tradicional da oposio belicosa entre um reino do Delta e outro do Alto Egipto) nas derradeiras etapas do Pr-Dinstico Recente, sobretudo durante a Dinastia 0, fenmeno igualmente verificvel noutros perodos da histria faranica: a ordem foi quase sempre obtida custa da supresso da desordem, isto , daqueles que foram excludos ou derrotados. Apesar de engendrarem uma ideologia que apresentava o Egipto como um cosmos perfeito, pristino, no h motivos para se acreditar que os Egpcios do Imprio Antigo compreendessem esta imagem como uma realidade em vez de um ideal. Com efeito, numerosos indcios apontam para a existncia de uma percepo mais matizada do mundo, o que, alis, seria de esperar de um grupo humano complexo (talvez especialmente uma elite dirigente) que pertencia a uma tradio j h muito estabelecida. Outro problema nesse tipo de abordagens radic