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1 ESCOLA SECUNDÁRIA DO MONTE DA CAPARICA 3267 - Saúde mental infantil Designação da UFCD: Saúde mental infantil Curso: Técnico/a de Ação Educativa (761175) Código: 3267 - Carga Horária: 25 horas (16 aulas de 90 m + 1 aula de 60 m) Objetivos: Identificar os conceitos básicos de saúde mental infantil. Desenvolver ações adequadas à promoção da saúde mental infantil. Conteúdos: Fundamentos de saúde mental Definição Conceitos básicos de saúde mental Perspetivas preventivas em saúde mental Normal e patológico Modelo preventivo fatores de equilíbrio e de risco Crises de desenvolvimento e crises acidentais Saúde mental na família Criança e família Importância da abordagem familiar Objetivos da perspetiva familiar Criança vulnerável e em risco Desenvolvimento e vulnerabilidade Algumas situações de risco Carência afetiva materna Criança prematura Criança hospitalizada Criança de família desmembrada Síndroma da criança negligenciada e batida Criança psicossomática

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ESCOLA SECUNDÁRIA DO MONTE DA CAPARICA

3267 - Saúde mental infantil

Designação da UFCD: Saúde mental infantil Curso: Técnico/a de Ação Educativa (761175) Código: 3267 - Carga Horária: 25 horas (16 aulas de 90 m + 1 aula de 60 m) Objetivos: Identificar os conceitos básicos de saúde mental infantil. Desenvolver ações adequadas à promoção da saúde mental infantil. Conteúdos:

Fundamentos de saúde mental Definição Conceitos básicos de saúde mental Perspetivas preventivas em saúde mental Normal e patológico Modelo preventivo fatores de equilíbrio e de risco Crises de desenvolvimento e crises acidentais Saúde mental na família Criança e família Importância da abordagem familiar Objetivos da perspetiva familiar Criança vulnerável e em risco Desenvolvimento e vulnerabilidade Algumas situações de risco Carência afetiva materna Criança prematura Criança hospitalizada Criança de família desmembrada Síndroma da criança negligenciada e batida Criança psicossomática

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1.Fundamentos de saúde mental 1.1 Definição

A OMS entende a Saúde «como um estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou dor».

Nesta definição, a saúde mental é entendida como um aspeto vinculado ao bem-estar, à qualidade de vida, à capacidade de amar, trabalhar e de se relacionar com os outros.

A saúde mental vai muito para além das doenças e das deficiências

mentais.

Medicamente, a doença mental pode ser entendida como uma variação mórbida do normal, variação esta capaz de produzir prejuízo no desempenho e bem-estar globais da pessoa (social, ocupacional, familiar e pessoal) e/ou das pessoas com quem convive.

O conceito de saúde mental deve envolver o homem no seu todo biopsicossocial, o contexto social em que está inserido assim como a fase de desenvolvimento em que se encontra.

Neste sentido, podemos considerar a saúde mental como um equilíbrio dinâmico que resulta da interação do indivíduo com os seus vários ecossistemas. (O seu meio interno e externo, as suas caraterísticas orgânicas e os seus antecedentes pessoais e familiares).

Numa abordagem à influência de fatores sociais na saúde mental, a saúde mental deixou de ser a ausência de doença, problemas mentais e psíquicos, mas sim a perceção e consciência dos mesmos, e a possibilidade pessoal e/ou coletiva de os solucionar, de os modificar, de intervir sobre eles.

Problemas de saúde mental mais frequentes:

- Ansiedade - Mal-estar psicológico ou stresse continuado - Depressão - Dependência de álcool e outras drogas - Perturbações psicóticas, como a esquizofrenia - Atraso mental - Demências (alzheimer, Parkison…)

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As pessoas afetadas por problemas de saúde mental são muitas vezes incompreendidas, estigmatizadas, excluídas ou marginalizadas, devido a falsos conceitos, tais como: - As doenças mentais são fruto da imaginação; - As doenças mentais não têm cura; - As pessoas com problemas mentais são pouco inteligentes, preguiçosas, imprevisíveis ou perigosas.

Estes mitos, a par do estigma e da discriminação associados à doença mental, fazem com que muitas pessoas tenham vergonha e medo de procurar apoio ou tratamento, ou não queiram reconhecer os primeiros sinais ou sintomas da doença, neles próprios ou numa pessoa próxima.

O tratamento deverá ser sempre procurado, uma vez que a recuperação é tanto mais eficaz quanto precoce for o tratamento. Mesmo nos quadros mais graves é possível controlar e reduzir os sintomas, desenvolver capacidades e melhorar a qualidade de vida.

Ao longo da vida, todos nós podemos ser afetados por algum problema

de saúde mental, de maior ou menor gravidade.

Algumas fases, como a entrada na escola, a adolescência, a menopausa e o envelhecimento, ou acontecimentos e dificuldades, tais como a perda de familiar próximo, o divórcio, o desemprego, a reforma e a pobreza podem ser causas de perturbações da saúde mental.

Fatores genéticos, infeciosos ou traumáticos podem também estar na origem de doenças mentais graves.

Os indivíduos afetados por problemas de saúde mental são cidadãos de pleno direito. Não deverão ser excluídos do resto da sociedade, mas antes apoiados no sentido da sua plena integração na família, na escola, nos locais de trabalho e na comunidade.

A escola deverá promover a integração das crianças com este tipo de perturbações no ensino regular.

Deverão ser criadas mais oportunidades no mundo laboral para as pessoas portadoras da doença.

O envolvimento das famílias nos cuidados e na reabilitação destas pessoas é reconhecido como fator chave no sucesso do tratamento.

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1.2. Conceitos básicos de saúde mental

Do ponto de vista da saúde mental infantil, a compreensão das etapas de desenvolvimento do ciclo vital é fundamental, é nela que se estrutura o psiquismo e se constituem os recursos essenciais numa perspetiva de evolução.

Dentro deste âmbito, é necessário percebermos que se tornaram comuns os problemas infantis do foro psiquiátrico, que um número significativo destes problemas podem ter um mau prognóstico e que muitas das perturbações da idade adulta têm as suas raízes em fatores de risco da infância.

Uma intervenção inicial na promoção de competência que visem aumentar o bem-estar podem ter efeitos preventivos importantes, como é o caso do aumento da autoestima e da diminuição do comportamento antissocial.

O campo da psicopatologia desenvolvimental clarificou de que forma os aspetos do comportamento normativo, tais como as relações com o grupo ou a autoestima, podem estar ligados à propensão para problemas posteriores, como, por exemplo, a depressão e o comportamento antissocial.

Outros fatores de extrema importância são os fatores de risco familiar. As crianças cujos progenitores sofrem de problemas de saúde mental têm sido focos de considerável atenção.

Os mecanismos psicossociais por meio dos quais o distúrbio dos pais influencia o desenvolvimento das crianças parecem ser, principalmente, a discórdia familiar e a interferência com as funções parentais.

A maior possibilidade que as crianças com problemas de comportamento e perturbações emocionais (especialmente as que foram diagnosticadas numa idade precoce) têm de mudar o seu comportamento, reside, principalmente, na melhoria das circunstâncias familiares, nas relações positivas de grupos de pares e nas boas experiências escolares.

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Como observadores mais próximos da saúde e do bem-estar da criança, os pais devem estar atentos às suas dúvidas e intuições. (Se, por algum motivo, algum aspeto do desenvolvimento dos filhos - motor, cognitivo, emocional ou comportamental - os preocupa, deverão pedir ajuda).

A nível institucional, as políticas de saúde têm evoluído no sentido de reforçar a importância da saúde mental como uma prioridade de intervenção multimodal como prevenção, referente aos vários contextos onde a criança se insere (lamentavelmente, tem saído pouco do papel…).

O Conselho Nacional de Saúde Mental entende que deve ser adotada

um política integrada de promoção da saúde mental da infância e da adolescência, traduzida num plano de intervenção faseado e que congregue os diferentes domínios de atuação e respetivos agentes e estruturas responsáveis, junto da população infantil e juvenil.

O Conselho Nacional de Saúde Mental aprova ainda, nos termos do

artigo 3º nº1 do decreto-lei nº 35/99 de 5 de fevereiro alterado pelo decreto-lei 304/2009, de 22 de outubro, as seguintes recomendações:

- Seja reconhecida a necessidade de disponibilizar cuidados de saúde mental às crianças e jovens; - Seja garantida às crianças e jovens em situação de maior vulnerabilidade psicossocial a prioridade no acesso aos cuidados de saúde mental; - Seja assegurado que a vertente da saúde mental integre o projeto de vida destas crianças e jovens; - Seja assegurada uma intervenção integrada através da criação de uma plataforma transitória que abranja a áreas de Saúde, Segurança Social e Justiça; - Seja promovido um plano de formação em saúde mental, dirigido a todos os agentes educativos e sociais, que atuam junto das crianças e jovens alvo de medidas de proteção e medidas tutelares educativas; - Seja criada uma rede de serviços de saúde mental e psiquiatria infantil, e da adolescência, devidamente apetrechados, em ordem a facilitar o acesso aos cuidados de saúde e a garantir o apoio às famílias e estruturas de intervenção; - Seja criada uma unidade residencial de acolhimento para crianças e jovens que necessitem de acompanhamento de saúde mental;

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- Seja designada a entidade responsável pela criação de condições jurídicas, técnicas, orgânicas e funcionais que possibilitem a implementação das presentes recomendações; - Seja constituída uma comissão permanente de acompanhamento, composta por representantes dos ministérios envolvidos, destinada a monitorizar e avaliar o cumprimento das recomendações propostas.

2. Perspetivas preventivas em saúde mental

Como fazer essa delimitação? O critério estatístico é o mais frequente:

Assim, será normal o comportamento mais frequente e concordante com os valores estabelecidos e aceites em determinada sociedade. 2.1 Normal e patológico

A avaliação de normalidade ou patologia tem, pois, de ter em conta três aspetos fundamentais: - Fase de desenvolvimento em que se encontra a pessoa; - O local e a cultura, - A época e a circunstância histórica em que ela se situa.

Em saúde mental da infância e da adolescência é, por vezes, difícil traçar uma fronteira entre o normal e o patológico. - Um sintoma não é sinonimo de existência de patologia; - O mesmo sintoma aparece em diferentes quadros; - O ambiente familiar é determinante para a evolução destes sintomas (desaparecimento ou agravamento) e pode ser, por vezes, a causa do seu surgimento.

Sintomas normais (inerentes ao desenvolvimento)

Surgem no decurso de conflitos inevitáveis e necessários ao desenvolvimento psicológico da criança.

Características: - Transitórios; - Pouco intensos; - Restritos a uma área da vida da criança; - Sem repercussão sobre o desenvolvimento; - A criança fala neles com facilidade; - Sem disfunção familiar evidente.

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Sintomas Patológicos

Características: - Intensos e frequentes; - Persistam ao longo do desenvolvimento; - Causam grave restrição em diferentes áreas da vida da criança; - Repercussão no desenvolvimento psicológico normal; - Meio envolvente patológico; - Desadequados em relação à idade; - Associação de múltiplos sintomas.

Sinais de alerta para referenciação

Na primeira infância

- Dificuldade na relação mãe/bebé; - Dificuldade do bebé em se autorregular e mostrar interesse pelo mundo; - Dificuldade do bebé em envolver-se na relação com o outro e em estabelecer relações diferenciadas; - Ausência de reciprocidade interativa e da capacidade de iniciar interação; - Perturbações alimentares graves com cruzamento de percentis e sem causa orgânica aparente; - Insónia grave;

Na idade escolar

- Dificuldade de aprendizagem sem défice cognitivo e na ausência de fatores pedagógicos adversos; - Recusa escolar; - Hiperatividade/agitação (excessiva ou para além da idade normal e com práticas educativas parentais inadequadas); - Ansiedade, preocupações ou medos excessivos; - Dificuldade em adormecer, pesadelos muito frequentes; - Agressividade, violência, oposição persistente, birras inexplicáveis e desadequadas para a idade; - Dificuldades na socialização, com isolamento ou relacionamento desadequado com pares ou adultos; - Somatizações múltiplas ou persistentes.

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2.2 Modelo preventivo - fatores de equilíbrio e de risco

1) Planear intervenções visando a saúde mental da criança e do adolescente, incrementando serviços de atendimento nesta área; 2) Analisar a complexidade das situações adversas e de risco, identificando o seu reflexo nas trajetórias de desenvolvimento (individual, familiar, social e comunitário), são estratégias fundamentais tanto no âmbito da prevenção dos problemas como da intervenção.

Os fatores de risco

O risco é deste modo, o resultado da interação dos vários fatores vivenciados pela criança;

Fala-se em fatores de risco quando o desenvolvimento da criança pode ser afetado por um conjunto de causas de carater limitativo que originam situações desfavoráveis ao mesmo.

Existem duas categorias principais de “risco”: - No risco biológico incluem-se crianças com antecedentes pessoais e familiares preocupantes e que podem sugerir futuros défices. - A 2º categoria de risco, denominada de risco ambiental, é aquela em que se incluem as crianças cuja história pessoal e familiar inclui ambientes familiares alterados ou problemas sociais graves, que podem estruturar défices, sobretudo de natureza psicológica.

Centrados na criança (prematuridade, sofrimento neonatal, défice cognitivo, separação materna precoce.

Fatores socio-ambientais (pobreza, fragilidade socioeconómica, desemprego, habitação sobrelotada, isolamento relacional, internamento da criança numa instituição…)

Configuração familiar (separação dos pais, violência, alcoolismo, desentendimento crónico, doença crónica de um dos pais…)

Fatores de proteção

A OMS identificou, em estudos recentes, fatores que contribuem para aumentar a resiliência e as competências pessoais e sociais da criança, tais como o facto de possuir um vínculo forte com um membro adulto da família, o facto de ser alvo de níveis elevados de cuidados parentais e de possuir uma forte relação afetiva com os pais.

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Individuais (temperamento afetivo, afável, bom caráter, boas capacidades cognitivas, idade, autoeficácia e autoestima, competências sociais…) Familiares (pais calorosos e apoio paterno, boas relações entre pais e filhos, harmonia parental…) Extrafamiliares (rede de apoio social como por exemplo avós, pares e experiencia de sucesso escolar…)

Os fatores de proteção modificam a reação à situação que apresenta o risco, ao reduzir o efeito do risco a as suas reações negativas em cadeia.

A educação tem um papel fundamental na prevenção. Educar a criança num ambiente seguro, no qual ela se sinta protegida, diminuirá a probabilidade de comportamentos e situações de risco.

2.3 Crises de desenvolvimento e crises acidentais

A crise é precipitada por qualquer situação que perturbe a adaptação anterior e requer novas respostas, desafiando os indivíduos a alterações súbitas na sua conduta.

A crise é um período de transição na vida individual, familiar ou grupal, apresentando para os indivíduos um ponto de viragem, o que pode ser visto como um desafio ou uma ameaça, um “fazer ou quebrar”, nova possibilidade ou risco, um ganho ou perda, ou ambos simultaneamente.

A maioria das crises são parte da faixa normal de experiências de vida que a maioria das pessoas pode esperar, e a maioria vai ultrapassar a crise sem a ajuda de um profissional.

No entanto, existem crises fora dos limites da experiência quotidiana de uma pessoa ou a falta de recursos para a ultrapassar, pelo que pode ser necessária ajuda especializada para conseguir a recuperação.

Crises acidentais

Estas crises são desencadeadas por um episódio assustador ou perigosos em que a criança ou adolescente esteve envolvido diretamente ou a que assistiu: - Ser vitima ou testemunha de maus-tratos físicos, abuso sexual, violência doméstica, assalto, crime, acidente de viação… - Ser vítima ou testemunha de uma catástrofe como uma inundação, incêndio, terramoto, guerra…

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- Ser diagnosticado com uma doença grave de possível evolução mortal.

Causando medo, ansiedade, depressão, isolamento e maior dependência, estas situações se se prolongam sem tratamento, interferem e podem mesmo bloquear o desenvolvimento e vida social e escolar da criança ou do adolescente.

Crises desenvolvimentais

As crises de desenvolvimento acontecem no curso do desenvolvimento normal do ser humano, estando associadas a determinados momentos de transição.

Momentos nos quais sucedem crises de desenvolvimento na infância/adolescência.

- A criança já devia andar (12 a 15 meses); - Já devia falar (24 a 30 meses); - Início da escola; - Divergência entre aparência física e aptidões sociais/mentais; - Irmãos mais novos que ultrapassam a “criança-problema”; - A maioridade.

3.1 Criança e família

A família representa um grupo social primário que influencia e é influenciado por outras pessoas e instituições.

Funções familiares

Promover o afeto entre os membros da família;

Proporcionar segurança e aceitação pessoal promovendo o desenvolvimento pessoal;

Proporcionar satisfação e sentimentos de utilidade através das atividades que satisfazem os membros da família;

Assegurar a continuidade das relações proporcionando relações duradouras entre os familiares;

Proporcionar estabilidade e socialização assegurando a continuidade da cultura da sociedade correspondente;

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Geradora de autoridade e do sentimento do que é correto relacionado com a aprendizagem das regras, normas, direitos e obrigações caraterísticas das sociedades humanas;

Uma das suas principais responsabilidades é a educação e a formação das pessoas. Na família dão-se múltiplas e exclusivas aprendizagens estruturantes da personalidade, as quais são fundamentais para a aquisição de outros saberes mais formais.

A par disto tudo, está o desenvolvimento da segurança porque na rede de laços e de relações temos as experiencias de reencontro, aprendemos a responsabilidade e a interdependência.

O processo educativo familiar é composto por mitos e realidades, ideias, sentimentos e comportamentos, onde os pais tratam de facilitar o desenvolvimento pessoal e social dos seus filhos, numa missão 24h/dia, sem noites de descanso, sem férias e com uma duração legal de (pelo menos) 18 anos.

Entende-se por modelo educativo familiar o conjunto de crenças, valores, mitos e metas que fundamentam a educação dos filhos e que se manifestam em normas, estilos de comunicação, estratégias e regras de comportamento que regulam a interação dos pais com os seus filhos;

Para além destas funções, existe ainda uma função relativa à saúde, na medida, em que a família protege a saúde dos seus membros, dando a poio e resposta às necessidades básicas em situações de doença.

3.2 Importância da abordagem familiar

A influência da família e o desenvolvimento das suas crianças, dá-se, primordialmente, através das relações estabelecidas por meio de uma via fundamental: a comunicação, tanto verbal como não-verbal;

A gama de interações e relações desenvolvidas entre os membros familiares mostra que o desenvolvimento do indivíduo pode não ser isolado do desenvolvimento da família;

O envolvimento da família é crucial durante o tratamento, prática relativamente recente em saúde mental. Verificou-se que a implementação de programas de intervenção familiar ajuda a reduzir o número de recaídas, melhorando ainda a adesão à terapêutica;

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Geralmente, as famílias de pessoas com doenças mentais não sabem ou têm dificuldades em lidar com a sintomatologia e comportamento dos seus familiares doentes. - Exemplos: Alucinações, alterações de humor, comportamentos violentos, apatia, descuido com a higiene pessoal…

A partir do séc. XX, surge profissionalmente o objetivo de ajudar a família a encontrar soluções novas para os seus problemas internos, e assim, diminuir manifestações de sofrimento psicológico e responder às suas principais necessidades.

As metas dos cuidados consistem em identificar a doença o mais cedo possível, tratar os sintomas, conferir aptidões às pessoas doentes e aos seus familiares, manter a sua melhoria durante certo período de tempo, evitar recaídas e reintegrar as pessoas com doença mental na comunidade para que possam levar uma vida normal.

4. Criança vulnerável e em risco

4.1 Desenvolvimento e vulnerabilidade

Podemos definir vulnerabilidade como um fenómeno percetível, no qual um certo nível de stresse resulta em comportamentos desadaptados.

Esta condição reporta uma dimensão de continuidade do comportamento que se movimenta de uma adaptação com um maior êxito até uma adaptação com menor êxito, por crescentes níveis de stresse.

Como conceito, refere-se à caraterística ou caraterísticas de um sistema (indivíduo, família, escola, trabalho, comunidade) que o tornam mais suscetível a determinadas ameaças no desenvolvimento, como por exemplo, as práticas familiares ineficazes tornam a criança mais vulnerável a problemas em presença de stressores mais elevados.

O conceito de vulnerabilidade respeita uma intensificação da reação frente a estímulos que, em circunstâncias normais, conduzem a uma desadaptação. Neste contexto, o mecanismo protetor atua como fator de atenuação.

Este fator protetor traduz as influências que modificam, melhoram ou alteram a resposta de um indivíduo a algum perigo ou stresse e que predispõem a um resultado adaptativo,

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envolvendo variáveis genéticas, disposições pessoais, fatores psicológicos, situacionais e sociais.

A vulnerabilidade das crianças tem sido reconhecida em termos das suas necessidades de desenvolvimento e da importância de proteger a saúde global.

Vulnerabilidades que podem vir de várias formas… estas incluem a diversidade de estruturas familiares, das culturas, das práticas de educação, da influência das trajetórias de desenvolvimento, as experiências da doença e na deficiência do filho ou pai e forças múltiplas, resiliência e fatores de proteção.

À luz da Teoria da Vinculação, as primeiras experiências afetivas com os pais constituem a base para o desenvolvimento humano. A vinculação inicial estabelece o padrão e influencia relações futuras, sendo, deste modo, indiretamente responsável pela saúde mental do adulto.

As relações afetivas constituem-se como o contexto por excelência onde ocorre a socialização, possibilitando a aquisição de aptidões comunicacionais, a regulação das emoções e a construção do autoconceito e autoeficácia.

As relações afetivas impregnadas de apoio e suporte, afetividade, disponibilidade e segurança proporcionam um desenvolvimento adequado da criança, de uma forma autónoma e independente.

Por outro lado, as relações afetivas negativas, estabelecidas precocemente, representam uma contribuição para o desenvolvimento duma vulnerabilidade individual e problemas de saúde mental.

ALGUMAS SITUAÇÕES DE RISCO

CARÊNCIA AFETIVA MATERNA

A teoria do vínculo (Vinculação) afetivo foi desenvolvida pelo psicólogo John Bowlby (1907-1990 – Psiquiatra e Psicanalista Britânico) e encara o crescimento de uma criança como resultado do seu relacionamento com os pais.

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O conceito de vinculação designa o processo pelo qual o indivíduo estabelece uma ligação afetiva privilegiada e duradoura com a figura que habitualmente lhe dispensa os cuidados maternos.

Na ausência de uma relação próxima com uma figura adulta, as crianças desenvolvem um fenómeno designado por Hospitalismo (René Spitz – Psicanalista Austríaco).

O Hospitalismo é um conjunto de perturbações vividas por crianças institucionalizadas e privadas de cuidados maternos e caracteriza-se por: atraso no desenvolvimento corporal, dificuldades na habilidade manual e na adaptação ao meio ambiente, atraso na linguagem, menor resistência a doenças e apatia.

Contudo, o fenómeno de Hospitalismo não acontece a todas as crianças porque há crianças que, apesar das circunstâncias negativas, conseguem desenvolver-se equilibradamente.

As relações precoces do bebé são muito importantes porque os primeiros anos são decisivos, no sentido de que certos padrões sociais têm muito mais probabilidades de ser adquiridos nesta altura, como a capacidade de criar vínculos com outras pessoas. Crianças que nunca foram amadas pelos pais, terão dificuldades no futuro, no que respeita às suas relações íntimas.

Quando as crianças apresentam alterações de desenvolvimento tais como dificuldades no andar, na fala, na visão e na audição, entre outros aspetos, a melhor maneira de as ajudar é através da Intervenção Precoce.

O acompanhamento especializado destas crianças deve ser feito o mais rapidamente possível e deve ser adequado às características de cada criança.

CRIANÇA PREMATURA

No contexto de desenvolvimento normativo da criança, o nascimento prematuro tem sido destacado como um fator de elevado risco biológico, que pode comprometer o desenvolvimento da criança.

Os problemas podem fazer-se sentir logo no período neonatal, podendo ou não acompanhar a criança ao longo do seu percurso desenvolvimental, nomeadamente na idade pré-escolar e após a entrada na escola.

A maioria dos problemas apresentados nas idades pré-escolar e escolar consiste em dificuldades de aprendizagem, perturbação de hiperatividade com défice de atenção, dificuldades na linguagem, comprometimento neurológico e problemas escolares gerais.

O ambiente familiar e social, especialmente a interação com os pais e prestadores de cuidados, constituem preditores significativos do desenvolvimento.

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Contudo, em casos de nascimento prematuro, os próprios pais podem também ser afetados, acrescentando à situação novos fatores de risco relacionados com o seu próprio ajustamento psicológico e com as interações que estabelecem com a criança.

Com efeito, esta é uma situação que pode também constituir um risco para a saúde mental materna e para a dinâmica familiar. O nascimento prematuro de um filho representa uma situação imprevista e provocadora de elevados níveis de stresse para a família, incidindo principalmente na mãe, que muitas vezes passa a manifestar sintomas de ansiedade e depressão.

Assim, apesar de se demonstrar que o impacto da condição de prematuridade se pode prolongar ao longo da vida, encontrando-se associada à ocorrência de perturbação depressiva, baixa autoestima, agressividade e desajustamento social, prevalece a ideia de que um acompanhamento e intervenção precoces adequados durante o desenvolvimento destas crianças podem mudar este rumo e contrariar as consequências negativas da perturbação neurológica precoce.

CRIANÇA HOSPITALIZADA

A experiência de hospitalização é fonte de stresse e ansiedade para a maioria das crianças, podendo mesmo contribuir para um risco acrescido de perturbações de comportamento e de psicopatologia a médio e longo prazo.

No entanto, sabemos hoje que é possível reduzir os efeitos negativos dessa experiência, e mesmo potencializar os seus aspetos mais enriquecedores.

Vários estudos têm demonstrado que a hospitalização é uma experiência mais perturbadora durante a primeira infância e período pré-escolar, nomeadamente entre os 6 meses e os 4 anos. Estes estudos tendem a considerar este período como o mais problemático, e apontam como causas para este facto, o tratar-se de um período em que a separação dos pais, e a própria descontinuidade dos cuidados educativos, é mais perturbadora.

De igual modo, trata-se de uma idade onde os próprios tratamentos são, provavelmente, percecionados como mais assustadores.

Os bebés mais pequenos (antes dos 6 meses) estariam em menor risco por não terem ainda estabelecido relações de vinculação suficientemente fortes e seletivas que pudessem ser ameaçadas com uma separação relativamente breve.

As crianças mais velhas estariam mais protegidas pelas suas capacidades cognitivas para manter relações estáveis apesar da separação, mas também para compreender a necessidade de certos tratamentos e a possibilidade de algum controlo dos medos e ansiedade.

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Neste sentido, reconhece-se que as crianças mais novas têm menos competências para lidar com uma experiência perturbadora e incontrolável como a hospitalização. A criança mais pequena tem menos capacidade para compreender os procedimentos médicos e a situação de hospitalização, para fazer perguntas, para recordar o que ouviu durante a preparação (quando esta existiu), ou para compreender as explicações que lhe são dadas.

Como é evidente, a ansiedade e sofrimento associados ao internamento hospitalar dependem, em larga medida, das condições inerentes à própria doença, e aos procedimentos que seja necessário realizar.

Por outro lado, mesmo bastante jovem, a criança faz uma leitura do que sente, vê e ouve, do que lhe explicam e do que lhe escondem, daquilo que observa nos outros doentes, e retira as suas próprias conclusões.

Hoje sabe-se como é importante conjugar esforços e combinar intervenções médicas e psicológicas para aliviar a dor associada a procedimentos de diagnóstico e de tratamento, ou à própria doença. As metodologias de distração, autocontrolo, inoculação de stresse, relaxamento, imaginação guiada têm demonstrado a sua eficácia em situações de dor aguda ou crónica.

Independentemente das condições gerais de hospitalização, é necessário que o psicólogo, em conjunto com os outros técnicos de saúde e com a educadora, esteja atento a estes problemas e disponibilize um atendimento individualizado a estas famílias.

Atualmente, apesar da evolução nos cuidados pediátricos e nas práticas de internamento, a implementação de programas de preparação para a hospitalização continua a ser considerada necessária para evitar manifestações de ansiedade durante e após o internamento, e para prevenir outro tipo de perturbações no desenvolvimento ou no relacionamento familiar a médio prazo.

A aproximação atual a esta problemática orienta-se para uma política que preconiza: Evitar o internamento hospital sempre que possível Reduzir o período de internamento ao mínimo necessário Organizar o espaço e serviço de pediatria em função das necessidades

globais da criança e da família Integrar os pais como participantes informados e ativos da equipa de saúde Preparar pais e criança para a hospitalização Incentivar a presença de um familiar e a sua participação ativa nos cuidados

à criança

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Acompanhar psicologicamente e educacionalmente a criança e a família, sempre que possível antes, durante e após o período de internamento.

CRIANÇA DE FAMÍLIA DESMEMBRADA

O divórcio determina sempre mudanças importantes no dia-a-dia da criança, gerando insegurança e fragilidades.

O efeito do divórcio sobre os filhos depende de vários fatores como por exemplo:

• O modo como decorre a separação e o divórcio. Quantos mais conflitos e pressões envolverem a criança (antes e durante o processo de separação e divórcio), mais negativo será o impacto e mais graves as consequências. Também um estado de indefinição prolongada (por exemplo pais separados mas a viver na mesma casa) é fonte de potenciais conflitos e de angústia para a criança.

A idade da criança: o A criança pequena tem mais dificuldade em perceber o que se passa mas

sente intensamente a tensão e os conflitos vividos pelos pais, reagindo-lhes de diversas formas: com comportamentos de oposição e agressividade, com atitudes regressivas (aumentando a dependência em relação aos pais, voltando a fazer chichi na cama) ou com medos, pesadelos, etc..

o A criança de idade escolar é capaz de compreender melhor a situação, tendendo a reagir com tristeza, sentimentos de perda ou diminuição do rendimento escolar.

o O adolescente sente-se muitas vezes dividido na sua lealdade face a cada um dos pais; por vezes revolta-se, isola-se ou, por outro lado tenta assumir a responsabilidade e proteger o pai / mãe que sente estar mais fragilizado.

• A forma como a criança compreende o divórcio dos pais e o significado que lhe atribui, podendo sentir-se culpada, revoltada ou assustada conforme os casos.

• O apoio que recebe dos pais ou outras pessoas próximas nesta fase. • O estado de saúde mental e a capacidade de adaptação anteriores da

criança. • A reconstrução de novas famílias e as relações mais ou menos

harmoniosas que se estabelecem entre os seus membros. Globalmente os sentimentos mais frequentes na criança são:

• Sentimento de perda (de um dos pais, da casa, do seu modo de vida). • Insegurança, medo de ficar só e de ser rejeitado ou abandonado.

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• Revolta ou agressividade contra um ou até contra ambos os pais. • Sentimentos de culpa, sentindo-se responsável pela separação. • Sentimento de estar “dividido por dentro”, tendo de tomar o partido de

um dos pais contra o outro. • Desejo de juntar novamente os pais e recuperar a segurança perdida. As crianças ou adolescentes mais frágeis correm o risco de

descompensar perante a experiência difícil do divórcio dos pais, em particular se este é litigioso e envolve a criança nos conflitos.

Numa situação de separação/divórcio os pais devem estar atentos às dificuldades necessidades e do(s) filho(s), tentando diminuir a pressão que sobre eles é exercida.

É fundamental garantir aos filhos que os pais continuarão sempre a ser os pais deles e gostarão e cuidarão sempre deles. O que quer que tenha acontecido no casal, ambos os pais continuarão a ter um papel muito importante na vida da criança.

Se a criança mantiver grandes dificuldades em adaptar-se à situação e mostrar sinais intensos e prolongados de sofrimento e mal-estar, devem ser encaminhados para o médico de família ou pediatra.

Só raramente é necessário um apoio especializado para a criança e, nessas situações, o seu médico assistente saberá orientá-lo para a consulta de saúde mental infantil e juvenil da sua área de residência.

Na maioria dos casos são os pais que precisam de ajuda para resolver problemas e conflitos e dar segurança à criança. A Mediação Familiar é um bom recurso nestas circunstâncias.

SÍNDROMA DA CRIANÇA NEGLIGENCIADA E BATIDA

Todos os pais necessitam de impor regras e podem desta forma intimidar por vezes a criança. Lidar com birras e comportamentos difíceis, dizer “não” e impor limites, são tarefas essenciais dos pais para a educação da criança.

Se os pais estão cansados, tensos ou irritados, podem por vezes perder o controlo, fazer ou dizer coisas de que se arrependem mais tarde ou até magoar a criança. Se isto acontece repetidamente, prejudica seriamente a criança e o seu desenvolvimento.

Os maus-tratos são assim definidos como situações em que alguém causa à criança um prejuízo grave para a sua saúde (incluindo saúde mental) ou para o seu desenvolvimento e incluem:

• Bater-lhe, “abaná-la” ou magoá-la (maus-tratos físicos). • Castigar a criança com demasiada frequência ou intensidade, ameaçá-

la, rejeitá-la ou criticá-la constantemente (maus-tratos psicológicos).

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• Interferir de modo intrusivo, seduzir, abusar ou atacar sexualmente a criança (abusos sexuais).

• Não tratar adequadamente da criança, quer a nível dos cuidados básicos (alimentação, higiene, repouso, proteção, educação, saúde), quer nos aspetos afetivos e emocionais (ignorá-la, não a estimular, conversar ou brincar com ela), (negligência).

O autor (ou autores) dos maus-tratos é quase sempre alguém próximo e conhecido da criança, geralmente alguém da família: pai/mãe, padrasto/madrasta, avós, tios, irmãos, amas ou respetivos familiares, educadores, professores. É muito raro o mau trato ser causado por estranhos.

Quando a criança é maltratada por alguém próximo, como acontece na grande maioria dos casos, é-lhe muito difícil contar o sucedido. Por um lado o adulto abusador pode tê-la ameaçado mas por outro pode ser a própria criança que se sente culpada, tem vergonha ou medo que não acreditem nela ou receio de ser castigada (Represálias…).

Além disso, a criança gosta muitas vezes do adulto que a maltrata e portanto quer que ele deixe de a maltratar mas não quer que ele seja preso ou que a família seja destruída.

Os sinais de sofrimento e mal-estar que estas situações causam à criança não são muitas vezes evidentes ou específicos (podem também surgir em situações muito diferentes). É portanto necessário estar atento para os reconhecer e valorizar.

Uma criança maltratada fisicamente pode:

• Mostrar-se atenta, constantemente alerta, cautelosa e desconfiada em relação aos adultos.

• Ter dificuldade em confiar nos outros e fazer amigos. • Ser inibida, incapaz de brincar ou expressar-se espontaneamente,

colocar-se em posição de ser ameaçada ou agredida. • Fazer birras, ser agressiva, violenta e ameaçar ou maltratar outros. • Mentir, roubar, faltar às aulas e até envolver-se em problemas com a

polícia. • Ter mau rendimento escolar, falta de concentração e evitar as atividades

em que tem de tirar a roupa (por exemplo ginástica). Quando abusada sexualmente, a criança pode:

• Mudar subitamente o seu modo de agir (quando o abuso começa). • Mostrar-se receosa ou assustada perante os contactos físicos.

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• Usar uma linguagem ou ideias sexualizadas nos jogos e brincadeiras, o que normalmente só acontece em crianças mais velhas ou adolescentes ou mostrar-se excessivamente sedutora ou provocadora.

• Recomeçar a urinar ou defecar nas calças ou na cama. • Ter dificuldade em dormir ou pesadelos frequentes. • Desenvolver uma doença do comportamento alimentar como uma

anorexia ou bulimia nervosa. • Deixar de cuidar de si, ter uma má imagem de si própria, deprimir-se ou

auto-agredir-se (magoar-se a si própria, pensar ou tentar suicidar-se). • Ter comportamentos de risco, tais como: fugir de casa, ter

comportamentos promíscuos, prostituir-se, consumir álcool ou drogas. A criança negligenciada ou vítima de maus-tratos psicológicos, tende

a:

• Ter um atraso no seu desenvolvimento (andar, falar e controlar a urina e fezes tardiamente e ter dificuldade em aprender).

• Ter problemas alimentares e um atraso de crescimento. • Ser passiva, apática e pouco espontânea; o seu jogo é pobre e pouco

imaginativo. • Ter carência de afeto: ser demasiado próxima e até sedutora com

estranhos mas ter dificuldade em estabelecer e manter relações mais próximas e estáveis.

• Ser agressiva e conflituosa nas brincadeiras com outras crianças da sua idade.

• Ter dificuldade de concentração e aprendizagem na escola. Mesmo a longo prazo, os efeitos negativos continuam a manifestar-se:

• Muitas das crianças abusadas e maltratadas podem tornar-se mais tarde pais maltratantes para os próprios filhos.

• Quando chegam a adultos, têm grandes dificuldades no relacionamento com outros, em particular nas relações mais próximas, íntimas e de confiança.

• Existe um risco elevado de perturbações tardias: ansiedade, depressão, abuso de substâncias, doenças médicas e problemas no meio escolar ou laboral.

Como podem ser prevenidas ou diminuídas estas situações e os seus

efeitos negativos para a criança?

A identificação e tratamento precoces destes casos são fundamentais para diminuir os seus efeitos negativos a longo prazo.

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Os maus-tratos tendem a repetir-se de geração em geração e, de facto, o tratamento atempado das situações atuais vai ter um efeito preventivo na geração seguinte, diminuindo o risco de maus-tratos dos futuros filhos das crianças atualmente abusadas.

Se suspeita que uma criança está a ser abusada ou maltratada, ajude-a a contar o sucedido e a expressar os seus sentimentos. Ouça-a mas não a pressione, não a critique ou castigue e acredite nela. Estas são situações delicadas, complexas e de difícil intervenção, pelo que não deve tentar resolve-las sozinho(a).

Mantenha a calma e assegure a proteção das crianças. Não deixe nunca de contactar os serviços competentes e qualquer pessoa pode fazê-lo para que estes orientem e resolvam a situação e mantenha-se disponível para fornecer o apoio necessário.

Perante uma situação de suspeita de maus-tratos à criança, a prioridade será protegê-la de mais abusos e esclarecer a situação:

• O que aconteceu? • Poderá acontecer de novo? • O que tem de ser feito para proteger a criança? Assim, se uma criança manifestar alguns dos sinais atrás mencionados,

sugerindo a possibilidade de estar a ser maltratada, contacte a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) ou os serviços sociais da área, para que estudem e se ocupem da situação.

As linhas telefónicas de apoio à criança (SOS Criança, Criança Maltratada) também podem ser utilizadas para aconselhamento e orientação.

A intervenção será sempre tentada com a colaboração da família. Se os maus-tratos ocorreram no meio familiar e o adulto maltratante

reconhece o problema e as suas dificuldades e aceita ajuda, o responsável poderá ser tratado e a família apoiada para cuidar e proteger melhor a criança.

Se tal não for possível e a criança continuar em risco, pode ser necessário retirá-la do meio familiar para a proteger, e tentar mais uma vez uma intervenção familiar que possibilite a mudança do contexto e o regresso seguro da criança.

Só quando esta mudança é impossível e se mantém um risco grave para a criança, se propõe a retirada permanente desta do meio familiar.

Além destas intervenções sócio-familiares, muitas crianças necessitam de um tratamento especializado devido aos abusos sofridos. Nesses casos as CPCJ, o centro de saúde ou os serviços sociais poderão orientá-las para a consulta de saúde mental infantil e juvenil da área de residência, onde serão ajudadas a ultrapassar as consequências psicológicas dos maus-tratos.

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Nalguns casos também a família poderá ser alvo de uma intervenção especializada.

As crianças gravemente e prolongadamente maltratadas têm por vezes comportamentos e relacionamentos muito difíceis, sendo também necessária uma ajuda aos pais ou outros dadores de cuidados para lidarem com a situação.

CRIANÇA PSICOSSOMÁTICA

As queixas físicas, sem que seja possível detetar uma causa médica, são muito frequentes na criança que assim expressa o seu mal-estar psicológico (dores psicossomáticas). Os sintomas mais frequentes são as dores de barriga, dores de cabeça, enjoos e vómitos, dores musculares (nos membros ou nas costas) e cansaço.

Muitas vezes estas queixas agravam-se devido a medos, preocupações ou outros fatores emocionais relacionados com a escola, os amigos ou a vida familiar.

As perturbações psicossomáticas traduzem queixas físicas (dores, mal estar, desconforto), sem uma causa orgânica detetável, mas que são realmente sentidas e reais para a criança.

Estes sintomas são muitas vezes determinados por situações de stresse ou tensão emocional que afetam tanto o corpo como a mente e contribuem para a origem e evolução de algumas doenças e sintomas.

O stresse intervém também na forma como a criança sente e reage às manifestações da doença e até na própria evolução da doença.

Por vezes existe inicialmente uma doença física ou um traumatismo que desencadeia o início das queixas mas, quando não se encontra uma explicação médica para os sintomas, deve também pensar-se na possibilidade que fatores psicológicos e emocionais possam estar a contribuir para o problema.

Estas queixas são mais frequentes em crianças e adolescentes que:

• Estão nervosos e angustiados, por qualquer motivo. • São muito sensíveis e preocupam-se com os sintomas físicos e a dor. • São hipersensíveis, ansiosos, preocupados e perfeccionistas. • Têm tendência para problemas emocionais como a ansiedade e a

depressão. Os sintomas físicos sem causa orgânica podem fazer parte dos sintomas

das perturbações de ansiedade ou perturbações depressivas.

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Estes sintomas interferem com a vida quotidiana tornando-a difícil, desconfortável e preocupante para a criança e para a família. Geralmente a criança acaba por ultrapassar a situação e resolver o stresse e a preocupação que lhe deram origem.

No entanto, nalguns casos, os sintomas podem causar:

• Faltas frequentes à escola, levando a situações de insucesso escolar. • Diminuição da participação em atividades de lazer e no convívio com

amigos. • Manutenção de situações de dependência em relação à família e

atrasos na aquisição da autonomia e maturidade. Algumas estratégias podem ser desenvolvidas na família e na escola

para ajudar a criança a ultrapassar estes sintomas:

• Tentar não dar tanta atenção ou importância aos sintomas. • Aumentar gradualmente mas continuamente a participação da criança

nas atividades diárias e nos contactos sociais. • Encorajar a criança a ser mais autónoma e a readquirir autoconfiança,

valorizando os seus esforços e tentativas nesse sentido. • Pedir a colaboração dos professores e educadores para ajudarem a

criança a ultrapassar os problemas escolares. Tanto os pais como os professores/educadores têm muitas vezes

dificuldade em lidar com estas situações. Sentem-se inquietos e preocupados com o problema e a vida familiar pode ser totalmente dominada pelas queixas da criança.

É importante que os pais sejam próximos e compreensivos com a criança mas também firmes e positivos mesmo em situações de maior tensão e incerteza.

Em certos momentos é provavelmente difícil para os pais saberem qual a atitude mais correta e sensata:

• Quando encorajar ou quando confortar. • Quando insistir ou quando aliviar a pressão. O aconselhamento e apoio dos profissionais nestas circunstâncias é

importante. As investigações e exames complementares devem ser realizados

quando necessário mas, se se prolongam indefinidamente, correm o risco de

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preocupar a criança e a família ainda mais, contribuindo até para manter ou aumentar as queixas.

Se necessário, a criança poderá também ser orientado para uma consulta

de Pediatria ou de saúde mental infantil e juvenil. Os Pedopsiquiatras e Psicólogos poderão identificar os fatores psicológicos que contribuem para os sintomas e eventuais perturbações de ansiedade ou depressivas associadas.

Pode ser necessário um apoio psicoterapêutico à criança ou uma intervenção familiar. Por vezes, os exercícios de relaxamento podem também ajudar a resolver a situação.

A articulação entre os vários intervenientes no apoio à criança e à família é também importante para otimizar os esforços e recursos.