Erisipela
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ARTIGO REVISÃOActa Med Port 2005; 18: 385-394
ERISIPELA
MÓNICA CAETANO, ISABEL AMORIMServiço de Dermatovenereologia. Hospital Geral de Santo António, S. A., Porto.
Recebido para publicação: 16 de Dezembro de 2004
R E S U M O
S U M M A R Y
A erisipela é uma infecção dermo-hipodérmica aguda, não necrosante, geralmentecausada pelo estreptococo β –hemolítico do grupo A. Em mais de 80% dos casos situa-senos membros inferiores e são factores predisponentes a existência de solução decontinuidade na pele, o linfedema crónico e a obesidade. O seu diagnóstico éessencialmente clínico e baseia-se na presença de placa inflamatória associada a febre,linfangite, adenopatia e leucocitose. Os exames bacteriológicos têm baixa sensibilidadeou positividade tardia. Nos casos atípicos é importante o diagnóstico diferencial com afasceíte necrosante e a trombose venosa profunda. A penicilina continua a ser oantibiótico de referência, embora actualmente diversos fármacos, com propriedadesfarmacodinâmicas mais favoráveis, possam ser utilizados. A recidiva constitui acomplicação mais frequente, sendo fundamental o correcto tratamento dos factores derisco.
Palavras-Chave: Erisipela; Dermo-hipodermites infecciosas; Diagnóstico; Tratamento;
Prevenção.
ERYSIPELASErysipelas is an acute dermo-hypodermal infection (non necrotizing) of bacterial origin,mainly group A β- haemolytic streptococcus. The lower limbs are affected in more than80% of the cases and the identified risk factors are disruption of cutaneous barrier,lymphoedema and obesity. Diagnosis is clinical and based upon the association of anacute inflammatory plaque with fever, lymphangiitis, adenopathy and leukocytosis.Bacteriology is usually not helpful because of low sensitivity or delayed positivity. Inthe atypical forms erysipelas must be distinguished from necrotizing fasciitis and acutevein thrombosis. Penicillin remains the gold standard treatment, although new drugs,given their pharmacodynamic profile, may be used. Recurrence is the main complication,
being crucial the correct treatment of the risk factors.
Key-Words: Erysipelas; Dermo-hypodermic infections; Diagnosis; Treatment; Prevention.
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ERISIPELA CELULITE INFECCIOSA
Infecção dérmica Infecção dermo-hipodérmica
Lesões de bordos bem definidos Lesões mal delimitada
Linfedema Envolvimento linfático inconstante
Evolução curta Evolução prolongada
Complicações locais raras Complicações locais frequentes
(reproduzido da referência1)
QUADRO I – Aspectos diferenciais erisipela/celulite infecciosa
DEFINIÇÃO, ASPECTOS HISTÓRICOS ETERMINOLOGIA
A erisipela é uma infecção cutânea aguda de etio-logia essencialmente estreptocócica, por vezesrecidivante1,2. Antes da descoberta da penicilina,verificava-se geralmente uma evolução espontânea
para a cura em 1 a 3 semanas, mas associavam-se im- portantes sequelas e significativa taxa de mortalida-de. Com o advento da antibioterapia, registou-se oquase desaparecimento de casos fatais, orientando--se actualmente todos os esforços para o controlo efec-tivo dos factores de risco, responsáveis pela elevadataxa de recidiva, notável morbilidade e considerável
dispêndio de recursos económicos associados a estainfecção.
Na literatura, sobretudo a anglo-saxónica, é frequen-te o uso indiscriminado dos termos erisipela e celuli-
te para classificar diferentes processos inflamatóriosque afectam a pele. Classicamente o primeiro sugereuma localização mais superficial e uma etiologia exclu-sivamente infecciosa (bacteriana). O segundo aponta
para a localização no tecido celular subcutâneo e éutilizado para classificar diversas situações inflama-tórias dos tecidos moles, independentemente da suaetiologia: desde a inestética “celulite”, às celulites in-fecciosas (erisipela, fasceíte necrosante, celuliteestreptocócica peri-anal), às celulites assépticas (ce-lulite eosinofílica de Wells, celulite dissecante do cou-ro cabeludo) e a entidades ambíguas como a celulitede estase venosa e/ou linfática. Adicionalmente, a clás-sica separação semiológica entre erisipela e celuliteinfecciosa, assentando sobre critérios pouco precisose, muitas vezes, subtis (Quadro I), carece de relevân-cia clínica na abordagem prática desta patologia. Por este facto, e no contexto específico das infecções
bacterianas da pele, o termo celulite tem vindo a ser abandonado pelos dermatologistas. Recentemente,autores franceses1 propuseram a denominação geralde dermo-hipodermites agudas bacterianas (DHAB)e a adopção de uma nova classificação para as infec-ções bacterianas da pele, tendo em conta a localização
do processo patogénico, a presença de necrose e aabordagem terapêutica: DHAB não necrosantes ou
médicas (p. e. erisipela) e DHAB necrosantes oumédico-cirúrgicas (p. e. fasceíte necrosante).EPIDEMIOLOGIA
A erisipela é uma patologia frequente na práticaclínica, com uma incidência estimada de 10 a 100 casos
por 100.000 habitantes/ano. Algumas publicações su-gerem um aumento de incidência nas últimas décadas.O sexo feminino é o mais atingido e afecta sobretudoos adultos entre os 40 e 60 anos3-5.
A face constituía a localização típica da erisipela;actualmente, observa-se um predomínio dos membros
inferiores (85%), sendo a localização facial menos co-mum (10%)5,6.
BACTERIOLOGIAA erisipela é uma infecção bacteriana causada, em
regra, pelo estreptococo do grupo A (Streptococcus
pyogenes) . Em menor percentagem, outrosestreptococos ß-hemolíticos, nomeadamente dos gru-
pos B, C e G, podem estar na sua origem. Os estudosmicrobiológicos revelam uma incidência de 10-17%
para a etiologia estafilocócica (Staphylococcus
aureus), embora alguns autores questionem o carác-ter patogénico do seu isolamento, sobretudo quandoé obtido a partir de amostras de pele. Independente-mente destas considerações, os dados publicados in-dicam que a terapêutica antimicrobiana num doenteimunocompetente deve centrar-se, primariamente, noscocos gram positivos. Os bacilos gram negativos (no-meadamente Pseudomonas aeruginosa,
Acinectobacter calcoacet icus, Haemophilus
influenzae, enterobacteriáceas), de forma isolada ouassociados a outros agentes (cocos gram positivos)também podem ser responsáveis pela infecção, deven-do ter-se em conta esta possibilidade nos casos de pédiabético ou de úlceras de decúbito3,5,7,8.
Em termos práticos, podemos afirmar que a etiolo-gia não exclusivamente estreptocócica deve ser sus-
peitada quando se verifica a existência de soluções decontinuidade na pele, a permanência prolongada emambiente nosocomial e a existência de factores de co--morbilidade que condicionem um estado de imunode-
pressão. As frequências relativas aos diversos agen-
tes etiológicos das erisipelas são mostradas no Qua-dro II.
FACTORES DE RISCOA presença de condições e/ou patologias que fa-
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Agentes %
Cocos Gram+ Estreptococos
S. pyogenes (A)
S. agalactiae (B)
S. equisimilis (C)
S. grupo G
Estafilococos
S. aureus
58-67
3-9
5-7
14-25
10-17
Bacilos Gram - Pseudomonas aeruginosa,
Haemophilus influenza,
Enterobactérias
5-50
(reproduzido da referência7)
QUADRO II – Erisipela: etiologia
voreçam o desenvolvimento de uma infecção cutâneaconstitui um dado valioso para o diagnóstico diferen-cial e, dado o carácter potencialmente recidivante des-ta infecção, o seu reconhecimento é indispensável parauma eficaz prevenção.
Os principais factores de risco da erisipela dos mem- bros inferiores são os factores locais: o linfedema cró-nico e a existência de uma solução de continuidade na
pele (intertrigo interdigital de etiologia fúngica, úlceracrónica ou lesão traumática). Entre os factores gerais,só a obesidade é considerada um factor de predispo-sição; não se encontrou uma associação significativacom a diabetes, a insuficiência venosa crónica ou oalcoolismo crónico4,9.
Ao nível da face, a presença de um abcesso oufurúnculo manipulado e, nos casos específicos de lo-calização peri-orbitária ou orbitária, a existência de fe-rida traumática, infecção do trato respiratório superior ou, mais raramente, a bacteriemia podem ser a origemda infecção cutânea4,10.
QUADRO CLÍNICOClassicamente, o quadro clínico de erisipela carac-
teriza-se por um início súbito, com febre (38,5-40ºC) earrepios seguido, em 12-24 horas, pelo aparecimentode placa eritematosa (vermelha viva), edematosa, quen-te e dolorosa, de limites bem definidos e geralmentelocalizada a um membro inferior (Figura 1). A lesão
cutânea é, habitualmente, única e estende-se de formacentrífuga atingindo, em média, 10 a 15 cm no seu maior eixo. Podem observar-se vesículas e bolhas, geralmen-te flácidas, de conteúdo translúcido e, por vezes, comdimensões significativas (erisipela bolhosa) (Figura
Fig.1 - Erisipela do membro inferior [notar o aspecto
purpúrico do terço superior da perna e a existência de porta
de entrada (úlcera traumática)no dorso de pé].
2). Podem ocorrer uma discreta púrpura petéquial, massem necrose, e, mais raramente, pústulas. A existênciade adenopatia dolorosa e linfangite ipsilaterais, em-
bora inconstantes, favorecem o diagnóstico2,5,6
.Recentemente foi descrita uma variante clínica deer is ipela dos membros infer iores – eris ipelahemorrágica – caracterizada pela presença de intensoeritema, aspecto equimótico acentuado e bolhas em
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Fasceíte necrosante (FN)Trata-se de uma infecção rara, mas letal em cerca
de 30% dos casos. Caracteriza-se pela existência denecrose da hipoderme, presença de tromboses vascu-lares, necrose da aponevrose superficial (fasceíte) esecundariamente necrose da derme (Figura 3). Oestreptococo do grupo A é o agente mais frequente-mente implicado, mas não é rara a presença de umaflora pol imicrobiana (S. aureus , anaeróbios,enterobactérias)5,8,12. A dor local é, geralmente, umsintoma inicial proeminente; a presença de febre asso-ciada a alteração do estado geral e, na pele envolvida,o rápido desenvolvimento de bolhas, necrose cutânea
e crepitação são sugestivos. Constituem factores derisco: feridas traumáticas ou cirúrgicas, diabetes, obe-sidade, alcoolismo crónico, arteriopatia, imunodepres-são e terapêutica prévia com anti-inflamatórios13. Odiagnóstico diferencial entre erisipela e FN (QuadroIV) é crucial, já que a realização de desbridamento ci-rúrgico em tempo útil é essencial em termos de prog-nóstico. Wong CH et al propõem a utilização de uma
pontuação, baseada em indicadores laboratoriais derisco (proteína C reactiva, contagem de leucócitos,
A lista de diagnósticos diferenciais de um quadrode erisipela é extensa e inclui patologias infecciosas enão infecciosas (Quadro III).
PATOLOGIAS INFECCIOSAS PATOLOGIAS NÃO INFECCIOSASFasceíte necrosante
Osteomielite
Bursite
Miosite
Herpes Zoster (Zona)
Trombose venosa profunda
Síndrome de compartimento
Intolerância próteses ortopédicas
Celulite de Wells
Síndrome de Sweet
Febre mediterrânica familiar
Carcinomas inflamatórios
Dermite de contacto
QUADRO III – Erisipela: diagnóstico diferencial
Fig.2 - Erisipela bolhosa do membro inferior.
Do ponto de vista prático são essencialmente três
os diagnósticos diferenciais a considerar durante aavaliação inicial destes doentes: a fasceíte necrosan-te e a trombose venosa profunda, pelas as suas impor-tantes implicações terapêuticas; a dermite de contac-to, dada a sua elevada incidência na população geral.
Fig. 3 – Fasceíte
necrosante do
membro inferior
(aspecto de necrose).
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Dermite de contacto (DC)Surgindo geralmente como complicação da aplica-
ção de medicamentos tópicos (anti-sépticos ou anti-
microbianos) no contexto do tratamento de feridas trau-máticas ou úlceras crónicas, caracteriza-se, na fase agu-da, pela presença de prurido intenso e lesões cutâneaseritemato-vesico-exsudativas de limites imprecisos17
(Figura 5). Muitas vezes a erisipela e a DC coexistem,sendo necessário uma anamnese e um exame clínicocuidadosos para o diagnóstico correcto.
Fig. 4 – Trombose venosa profunda do membro inferior esquerdo.
ERISIPELA FASCEÍTE NECROSANTE
Início súbito (febre, arrepios)
Lesões com bordos bem definidosDor
Estase linfática e linfangite
Antibioterapia
Mortalidade 0,5%
Igual
Lesões mal delimitadasHipoestesia
Necrose e tromboses venosas
Antibioterapia e Cirurgia
Mortalidade 30%
QUADRO IV – Erisipela versus Fasceíte necrosante
Fig. 5 – Eczema de contacto bilateral dos membros inferiores.
hemoglobina, natremia, creatininemia e glicemia) parafacilitar o diagnóstico de FN, com um valor máximo de
13. Um valor ≥ 6 seria suspeito de FN e ≥ 8 fortemente preditor. Outros autores apresentam esquemas maissimplificados, incluindo apenas a leucocitose e ahiponatremia. Porém, estes esquemas de pontuação,exclusivamente laboratoriais, não entram em linha deconta com outros dados de natureza clínica, sempreindispensáveis na decisão diagnóstica14-16.
Trombose venosa profunda (TVP)Dentro das patologias não infecciosas é o diagnós-
tico diferencial mais frequentemente evocado6. A pre-sença de febre elevada associada a placa eritematosade limites bem definidos, característicos da erisipela,
contrasta geralmente com o aspecto pouco inflamató-rio da TVP ( phlegmasia alba dolens) (Figura 4); a pre-sença de linfangite e adenopatia associadas é tambémmenos frequente (Quadro V).
QUADRO V – Erisipela versus Trombose venosa profunda
ERISIPELA
TROMBOSE VENOSA
PROFUNDA
TEMPERATURA quente normal ou fria
COR eritema normal ou cianótica
SUPERFÍCIE “pele de laranja” lisa
ADENOPATIA frequente ausente
LINFANGITE frequente ausente
As demais entidades incluídas no diagnóstico di-ferencial de erisipela devem ser equacionados numquadro de resposta insatisfatória à terapêutica antibi-ótica inicial e, em alguns casos, quando na presença
de contexto clínico específico.
DIAGNÓSTICOO diagnóstico de uma erisipela é geralmente fácil e
essencialmente clínico. Os parâmetros clínicos e ana-
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líticos considerados encontram-se resumidos no Qua-dro VI.
O aumento significativo da velocidade de sedimen-tação e da proteína C reactiva são frequentes, mas des-
providos de especificidade e, geralmente, a sua deter-minação não está disponível no momento da avalia-ção inicial do doente.
Exame histopatológico de peleA realização de uma biópsia cutânea não está
indicada no contexto da investigação diagnóstica deum caso suspeito de erisipela. Em primeiro lugar, care-ce de especificidade, mostrando uma inflamaçãoneutrofílica intensa da derme e, em menor grau, dahipoderme com envolvimento linfático; é rara a obser-
vação dos agentes patogénicos. Por outro lado, a rea-lização desta técnica invasiva acarreta um riscoiatrogénico não desprezível em face da possibilidadede ulceração secundária em área de pele já severamen-te afectada.
Imagiologia Nos casos de apresentação atípica, em que o dia-
gnóstico diferencial com a TVP se coloque, pode ser útil a realização de ecodoppler venoso dos membrosinferiores. O risco de TVP é baixo em doentes hospita-lizados por erisipela e, na ausência de suspeita clínicadocumentada, não está indicada a sua pesquisa siste-mática através deste exame6,24.
Num estádio inicial da infecção e nas situações emque estejam presentes, na admissão, sinais locais degravidade (sobretudo necrose e hipostesia) a distin-ção entre erisipela grave e FN pode ser difícil com baseexclusiva em critérios clínicos. A ressonância magné-tica nuclear (RMN) pode ser um exame de extrema uti-lidade, permitindo a identificação de alterações ao ní-vel do tecido adiposo da hipoderme e fáscias muscu-lares profundas (colecções líquidas, espessamento ecaptação de contraste)8,25. No entanto, a realizaçãode um estudo imagiológico não deve atrasar a atitudecirúrgica, fundamental quando a probabilidade de FNé elevada.
Testes epicutâneosA realização de provas epicutâneas pode justificar-
-se nos casos em que se verifica aplicação prévia detópicos, exis tência de prur ido e/ou resposta
insatisfatória à antibioterapia. A associação de umaDC é frequente no contexto das infecções cutâneasdevido à comercialização de diversos produtos comelevado potencial sensibilizante e aos marcados hábi-tos de auto-medicação da nossa população. Este tes-
Início súbito
Febre ≥ 38º C, arrepios, mal-estar
Placa eritematosa, edematosa, dolorosa e de limites bem definidos
Ausência de necrose
Adenopatia e/ou linfangite
Estado geral conservado
Leucocitose com neutrofilia
Hemoculturas positivas
QUADRO VI – Erisipela: critérios de diagnóstico
Nos casos em que a apresentação inicial é típica ena ausência de situações de co-morbilidade é desne-cessária a avaliação diagnóstica adicional e o doente
pode ser tratado em regime ambulatório2,18.
Exames bacteriológicosTal como em qualquer processo de natureza infec-
ciosa, o isolamento do agente responsável é o argu-mento definitivo para o diagnóstico. No entanto, naerisipela a contribuição diagnóstica da bacteriologia élimitada pela sua fraca sensibilidade ou positividadetardia7.
As hemoculturas são positivas em somente 5%dos casos3,5,7,19.
O isolamento do agente responsável através dacultura de amostras da pele afectada, obtidas por di-versos métodos (aspiração de bolhas, aspiração por agulha após injecção de soro fisiológico, biopsiacutânea) tem uma sensibilidade baixa (5-41%) e coloca
problemas de interpretação dada a possibilidade decontaminação por flora comensal7,20.
A pesquisa de antigénios por imunofluorescência di-recta21 ou pela técnica de aglutinação em látex22, a partir de amostras de pele, permite aumentar esta sensibilidade.
A serologia estreptocócica, que deve incluir a de-terminação seriada dos títulos de anti-estreptolisinaO e anti-desoxiribonuclease B, com 10 a 15 dias deintervalo para garantir a sua especificidade, só permi-te um diagnóstico retrospectivo23.
Hemograma e marcadores de fase aguda
A presença de leucocitose neutrofílica (geralmen-te entre 13000-15000 leucócitos µl) é o único exame biológico não bacteriológico considerado como crité-rio diagnóstico da erisipela; contudo está ausente emcerca de metade dos casos6.
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tes devem ser efectuados após a fase aguda, utilizan-do alergéneos padronizados e os medicamentos sus-
peitos.
TERAPÊUTICAO tratamento da erisipela é exclusivamente médico
e consiste, no essencial, na instituição de antibiotera- pia empírica tendo em conta a epidemiologia desta in-fecção18. Adicionalmente, devem ser instituídas me-didas de carácter geral (repouso com elevação do mem-
bro afectado, punção de bolhas sem retirar o tecto deforma a acelerar a re-epitelização, evitar a utilização deanti-sépticos com potencial sensibilizante e de pen-
sos compressivos). A utilização de anti-microbianostópicos (ácido fusídico a 2% ou sulfadiazina argênticaa 1%) pode ser útil nas formas bolhosas26.
Constitui um importante passo na delineação daabordagem terapêutica a avaliação da necessidade dehospitalização (Quadro VII).
oterapia empírica deverá incluir sempre um fármaco comactividade anti-estreptocócica, isolado ou em associ-
ação, de acordo com a situação e contexto clínicosespecíficos de cada doente. Em ambiente nosocomiale forte suspeita de infecção por Staphyloccocus
aureus meticilino-resis tente a vancomicina e, mais re-centemente, o linezolide27 são as opções indicadas.Perante uma evolução favorável (apirexia) a antibiote-rapia pode ser alterada para a via oral e a duração totaldo tratamento deve ser de 10-20 dias.
Os diferentes antibióticos e doses aconselhadasencontram-se resumidos no Quadro VIII.
Idade superior a 60 anos
Localização facial
Sinais de gravidade: locais (bolhas, púrpura, necrose, hipostesia)
gerais (confusão, agitação, oligúria, hipotensão)
Factores de co-morbilidade: imunodepressão, neutropenia, asplenia,
cirrose, insuficiência cardíaca ou renal
Terapêutica em ambulatório ineficaz
Quadro VII – Erisipela: critérios de internamento
AntibioterapiaA penicilina G é o antibiótico de referência. Dado a
sua prescrição implicar infusões endovenosas repeti-das e internamento hospitalar, tem vindo a ser preteri-da em favor de outros fármacos com perf i lfarmacodinâmico mais favorável e menos riscosiatrogénicos associados à sua administração. Nos ca-sos de alergia aos β-lactâmicos, os macrólidos ou aclindamicina são alternativas adequadas5,8,18. A as-sociação de antibióticos ou a utilização de fármacoscom espectro mais alargado pode ser justificada nassituações de provável etiologia polimicrobiana, comonos casos do pé diabético8.
Na prática, na ausência de sinais clínicos de gravi-dade, em indivíduo imunocompetente e sem patologi-
as coexistentes clinicamente significativas, o tratamen-to pode ser instituído em regime de ambulatório por via oral ou por via intramuscular. A duração do trata-mento deve ser 10-14 dias.
Quando a hospitalização estiver indicada, a antibi-
Quadro VIII– Erisipela: antibioterapia
AMBULATÓRIO INTERNAMENTO
Amoxicilina 1g 8/8h PO Penicilina G 10-20 MU/dia 4/4h ou 6/6h EV
Cefradina 500 mg 6/6h PO Ampicilina 1g 8/8h EV
Cefradoxil 1 g 12/12h PO Flucloxacilina 500 mg 6/6h EV
Ceftriaxone 1g/dia IM * Cefazolina 1g 6/6h EV
Ciprofloxacina 750 mg 12/12h PO ** Imipenem 1-2 g 8/8h EV**
S. aureus meticilino-resistente
Vancomicina 1-2 g/dia EV
Linezolide 0,6 g 12/12h EV
ALERGIA À PENICILINA
Eritromicina 500 mg 6/6h PO Claritromicina 500 mg 12/12h EV
Claritromicina 500 mg 12/12h PO Vancomicina 1-2 g/dia EVClindamicina 150 mg 6/6h PO
* Após resposta favorável pode ser alterado para penicilina ou macrólido via oral** Se suspeita de agentes mistos (p.e. diabéticos)(UM: milhões de unidades; PO: per os; IM: intra-muscular; EV: endovenosa)
Anti-inflamatórios não esteróides (AINE) e cor-ticosteróides
Nos últimos anos, diversas publicações, basea-das em estudos clínicos retrospectivos28,29, sugeremuma ligação potencial entre o tratamento de uma eri-sipela com AINE e a evolução para FN. As possíveisexplicações para este fenómeno são a possibilidadede atenuação dos sinais e sintomas clínicos retar-dando o momento do diagnóstico e de interferênciacom os mecanismos moleculares de combate à infec-ção (inibição das funções granulocitárias e aumentoda produção de citoquinas). No entanto, até à datanenhum estudo permitiu estabelecer uma relaçãocausa-efeito definitiva. Deste modo, parece ser mais
prudente evitar o uso de estes fármacos no contextodas dermo-hipodermites infecciosas. Nos casos defebre de difícil controlo ou queixas álgicas intensas,
o paracetamol é uma alternativa adequada.Pelo mesmo receio associado à utilização dosAINEs, o uso de corticosteróides não está indicadono tratamento da erisipela, exceptuando na forma par-ticular de erisipela hemorrágica, em que, de acordo
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com observações clínicas recentes11, os doentes be-neficiaram com a instituição de corticoterapia
sistémica em esquema adjuvante (prednisona 0,5 mg/kg/dia com redução rápida num total de oito dias).
AnticoagulantesTendo em conta o baixo risco de ocorrência de
TVP (4,9%), o uso sistemático de anti-coagulação profilática não está indicado no tratamento da erisi- pela. Somente a existência de contexto clínico quecondicione um risco trombo-embólico moderado a alto
justificam a sua utilização 24.
COMPLICAÇÕESCom a instituição de terapêutica adequada a evo-
lução de uma erisipela é geralmente favorável (80%),observando-se apirexia nas 48-72h após início da an-tibioterapia, seguida pela melhoria progressiva dossinais locais (geralmente entre 4º e 6º dia) e resolu-ção completa em duas semanas. Nas formas de erisi-
pela bolhosa a evolução pode ser mais lenta, sendonecessário, em média, 20 dias para a completa re--epitelização ser atingida30.
As complicações dividem-se em precoces, obser-vadas à data do diagnóstico ou nos primeiros dias dehospitalização, e tardias, do tipo recidiva ou seque-las (Quadro IX).
A taxa de mortalidade é de 0,5% e, na grande mai-oria dos casos, resulta da descompensação irreversí-
vel de patologias crónicas apresentadas pelo doen-te30.
As recidivas representam a complicação tardiamais frequente (25%), sendo responsáveis pela ele-vada taxa de morbilidade. Alguns estudos apontam a
persistência do intertrigo interdigital, o linfedemacrónico, a presença de agente que não o estreptococodo grupo A e a terapêutica antibiótica insuficientecomo os factores responsáveis30,31.
PREVENÇÃO
São escassos os trabalhos que estudam o interes-se ou a eficácia de eventuais medidas preventivas
primárias no contexto das dermo-hipodermites agu-das bacterianas. Tratando-se, na actualidade , de umainfecção bacteriana com prognóstico imediato extre-mamente favorável, a principal preocupação na abor-dagem de uma erisipela reside no efect ivo controlo etratamento dos factores que condicionam a sua ele-vada taxa de recidivas (prevenção primária). Em pri-meiro lugar deve assegurar-se o rigoroso cumprimen-to do tratamento, estimando-se que a insuficienteduração da antibioterapia é responsável pela recidi-va em 65% dos casos32.
A redução de peso, o tratamento adequado das patologias cardiovasculares que condicionamlinfedema crónico (insuficiência cardíaca congestiva,insuficiência venosa crónica, etc.) e a identificação etratamento adequado de soluções de continuidadena pele constituem as medidas a considerar, de acor-do com cada caso específico.
A correcta abordagem terapêutica do intertrigointerdigital de etiologia fúngica, infecção com eleva-da prevalência na população geral, assume particular importância uma vez que a sua erradicação permitiriaevitar cerca de 60% das erisipelas4. Na grande maio-ria dos casos a etiologia é dermatofítica e o seu trata-mento inclui: medidas de higiene (secagem dos espa-ços interdigitais, uso de calçado arejado e meias dealgodão), eliminação dos reservatórios de der-matófitos (unhas) e tratamento antifúngico tópico ousistémico2,4,8.
Por fim, em doentes com múltiplas recidivas, pode
estar indicada a inst i tu ição de ant ibioterapia profiláctica (penicilina benzatínica 2.4 UM 3/3 sema-nas via intramuscular ou eritromicina 250 mg 12/12hvia oral). Esta profilaxia deve ser prolongada, dadoque o seu efeito é unicamente supressivo33.
Quadro IX- Erisipela: complicações
PRECOCES TARDIAS
Locais
Abcesso e/ou necrose
TVP
Gerais
Bacteriemia/SepticemiaToxidermia
Descompensação de doença crónica
Morte
Recidiva
Linfedema crónico
As complicações precoces são raras e a nível lo-cal destacam-se o abcesso e/ou necrose (3-12%), cujoreconhecimento é importante por requerer frequente-mente tratamento cirúrgico, e a TVP que, embora rara(2-7,8%), deve ser considerada quando a resposta àantibioterapia não for favorável. Entre as complica-ções de carácter geral são de referir a toxidermia (5%),a bacteriemia/septicemia (2%) e agravamento de do-enças associadas (0,6%): alcoolismo, diabetes, insu-ficiência renal ou cardíaca2,30.
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ERISIPELA
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