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EQUAÇÕES DIFERENCIAIS NA MODELAGEM DE CHEIAS E INUNDAÇÕES
Gabriel Luiz Marques Filho1 [email protected]
Paulo Sérgio Gonçalves2 [email protected]
RESUMO
Neste artigo é relatado um estudo sobre a utilização de equações diferenciais para modelagem de cheias e inundações, com foco no modelo hidrodinâmico de células de escoamento. Para tanto, será apresentado uma breve síntese a respeito de equações diferenciais e métodos numéricos para resolução de tais equações. O modelo apresentado pode fornecer resultados satisfatórios, ou próximos de uma situação real, desde que não haja escassez de dados e muitas aproximações e estimativas na modelagem.
Palavras-chave
Equações diferenciais, células de escoamento
ABSTRACT
This article is a study on the use of differential equations for modeling of floods and flooding, focusing on the hydrodynamic 1odelo f flow cells. Therefore, a brief synthesis about differential equations and numerical methods for solving such equations will be presented. The model can provide satisfactory results, or close to a real situation, since there is no shortage of data and many approximations and estimates in modeling.
Keywords
Differential equations, Flow cells
1. INTRODUÇÃO
O homem sempre teve interesse em saber mais sobre as cheias. Isso decorre na necessidade
de proteger a si e a seus bens, ou aproveitá-la de alguma forma. Elas sempre interferiram na
vida das comunidades, onde eram benéficas e aproveitadas, por exemplo, na irrigação, ou
maléficas com efeitos desastrosos para a comunidade. Miguez (1999) afirma que as enchentes
1Pesquisador do Programa de Iniciação Científica do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé (UNIFEG). Discente do curso de Engenharia Civil. 2 Professor orientador da pesquisa. Mestre em Matemática Aplicada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Docente do curso de Engenharia Civil e Ciência da Computação do UNIFEG.
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urbanas vêm ocorrendo com maior frequência, devido ao processo de urbanização, onde a
população se ocupa das áreas urbanas de forma desordenada, gerando impactos no sistema
natural de drenagem e refletindo em problemas para populações que ocupam áreas alagáveis
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Conforme Miguez (1994), com o passar do tempo, passou-se a compreender melhor os fenômenos
hidrológicos e hidráulicos. No século XIX originaram-se os modelos matemáticos de escoamento
através dos trabalhos de Saint Venant e Boussinesq, em 1871. Na primeira metade do século XX,
estabeleceu-se vários conceitos teóricos, mas somente com o desenvolvimento dos computadores foi
possível aplica-los na engenharia. Foi aí que passaram a ser mais comuns os modelos matemáticos
bi-dimensionais, compostos por sistemas não lineares e derivadas parciais.
Cunge, Holly e Verwey apud Miguez (1994) enfatizam que os modelos matemáticos podem ser
utilizados em aplicações onde a cheia não é modificada por projetos ou estudos de engenharia como
as previsões de cheias, ou onde a influência de estudos ou projetos de engenharia possui interesse
como estudos de barragens.
Dentre os tipos de modelação matemática de cheias, destacam-se os modelos conceituais
chuva-vazão, o modelo Streamflow Synthesis And Reservoir Regulation (SSARR), e os modelos
matemáticos determinísticos constituídos por modelos unidirecionais ou bidirecionais.
Conforme Miguez (1999), o modelo bidimensional de células de escoamento é desenvolvido
focando no plano bidimensional de escoamento, com a vantagem de não ser necessariamente preciso
trabalhar com equações bimensionais, uma vez que fica difícil imaginar uma malha que possa
representar a topografia do terreno, as ruas, os canais e galerias de água e outros detalhes. O modelo
toma como ponto de partida a topografia, a vegetação, a rede fluvial, e outras características
importantes do terreno, onde esse é dividido em vários compartimentos chamados células, que servem
tanto para escoamento quanto para armazenamento. A partir desses dados, inicia-se a modelagem.
Este artigo pretende apresentar um estudo do modelo hidrodinâmico de células de escoamento
que utiliza equações diferenciais como modelo matemático e métodos numéricos para sua resolução.
2. MODELAGEM MATEMÁTICA
Um modelo matemático é uma descrição matemática de algum fenômeno ou sistema, levando
em consideração determinadas metas. “A modelação matemática de cheias consiste na simulação das
condições reais de escoamento, baseada na formulação e solução de relações matemáticas que
expressam os princípios que regem tal fenômeno.” (MIGUEZ, 1994, p. 7)
Para se compreender melhor a modelagem das cheias, faremos um breve resumo sobre
equações diferenciais e sistemas formados por estas, os métodos numéricos para resolvê-las e os
modelos matemáticos determinísticos, com enfoque na modelação de cheias.
2.1 – Equações Diferenciais
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Uma equação é denominada equação diferencial (ED) quando possui derivadas de uma ou
mais variáveis dependentes em relação a uma ou mais variáveis independentes. Quando se utiliza uma
equação diferencial para representar algum processo físico, diz que essa é um modelo matemático do
processo.
2.1.1 – Classificação das Equações Diferenciais por Tipo
Uma equação diferencial é considerada ordinária (EDO) quando tem derivadas ordinárias de
uma ou mais variáveis dependentes relacionadas a uma única variável independente, podendo ser
escrita simbolicamente na forma geral:
𝐹(𝑥, 𝑦, 𝑦′, … , 𝑦(𝑛)) = 0 (2.1)
Para escrever as derivadas nas equações da forma (2.1), normalmente se utiliza a notação de
Leibniz ou a notação linha:
𝑑2𝑦
𝑑𝑥+
𝑑𝑦
𝑑𝑥+ 4𝑦 = 𝑒𝑥
(EDO com Notação de Leibniz)
𝑦′′ + 𝑦′ + 4𝑦 = 𝑒𝑥 (EDO com notação linha)
Quando uma equação usa derivadas parciais de uma ou mais variáveis dependentes com
relação a duas ou mais variáveis independentes, a equação diferencial é considerada parcial (EDP).
Para denotar as derivadas parciais na equação, utiliza-se a notação de Leibniz com a letra 𝜕 (Del):
𝜕2𝑢
𝜕𝑥2+
𝜕2𝑢
𝜕𝑦2= 0
2.1.2 – Classificação das Equações Diferenciais por Ordem
A ordem de uma EDO ou de uma EDP é a ordem da mais alta derivada na equação. Em
símbolos, podemos expressar uma EDO de ordem n em uma variável dependente na forma geral
𝐹(𝑥, 𝑦, 𝑦′, … , 𝑦𝑛) = 0 (2.2)
onde 𝐹 é uma função de valores reais de 𝑛 + 2 variáveis, 𝑥, 𝑦, 𝑦′, … , 𝑦𝑛, onde 𝑦𝑛=𝑑𝑛𝑦 𝑑𝑥𝑛⁄ .
Uma forma normal de (2.2) é
𝑑𝑛𝑦
𝑑𝑥𝑛 = 𝑓(𝑥, 𝑦, 𝑦′, … , 𝑦𝑛−1).
Neste trabalho, usaremos a forma normal para representar as EDOs.
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2.1.3 – Classificação das Equações Diferenciais por Linearidade
Uma EDO é dita linear se a função F for linear em 𝑦, 𝑦′, … 𝑦(𝑛−1), ou seja, uma EDO de ordem
qualquer é linear quando F for da forma
𝑎𝑛(𝑥)𝑑𝑛𝑦
𝑑𝑥𝑛 + 𝑎𝑛−1(𝑥)𝑑𝑛−1𝑦
𝑑𝑥𝑛−1 + ⋯ + 𝑎1(𝑥)𝑑𝑦
𝑑𝑥+ 𝑎0(𝑥)𝑦 = 𝑔(𝑥). (2.3)
Quando uma EDO não apresenta a forma (2.3), esta é chamada de não linear, ou seja, são
equações que apresentam funções não lineares da variável dependente como funções trigonométricas
ou exponenciais.
2.2 – Sistemas de Equações Diferenciais
Os sistemas de equações diferenciais são sistemas compostos por duas ou mais equações
diferenciais. As equações que formam o sistema podem ser de qualquer ordem, porém elas podem ser
escritas como equações de primeira ordem.
Para transformar uma equação diferencial qualquer de ordem n
𝑦(𝑛) = 𝐹(𝑡, 𝑦, 𝑦′, … , 𝑦(𝑛−1)) (2.4)
em um sistema com n equações de primeira ordem, definimos as variáveis 𝑥1, 𝑥2,..., 𝑥𝑛 como
𝑥1 = 𝑦, 𝑥2 = 𝑦′, 𝑥3 = 𝑦′′, ..., 𝑥𝑛 = 𝑦(𝑛−1),
então, temos de imediato que
𝑥1′ = 𝑥2 ,
𝑥2′ = 𝑥3 ,
⋮ 𝑥𝑛−1
′ = 𝑥𝑛
𝑥𝑛′ = 𝐹(𝑡, 𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑛)
(2.5)
O sistema (2.5) é um caso particular do sistema mais geral
𝑥1′ = 𝐹1(𝑡, 𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑛)
𝑥2′ = 𝐹2(𝑡, 𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑛)
⋮ 𝑥𝑛
′ = 𝐹𝑛(𝑡, 𝑥1, 𝑥2, … , 𝑥𝑛)
(2.6)
e uma solução do sistema (2.6) no intervalo 𝐼: 𝛼 < 𝑡 < 𝛽 é um conjunto de n funções
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𝑥1 = ∅1(𝑡), 𝑥2 = ∅2(𝑡), .., 𝑥𝑛 = ∅𝑛(𝑡)
diferenciáveis em todos os pontos do intervalo e que satisfazem o sistema de equações em todos os
pontos do intervalo. Ainda podem ser fornecidas condições iniciais da forma
𝑥1(𝑡0) = 𝑥10, 𝑥2(𝑡0) = 𝑥2
0, ..., 𝑥𝑛(𝑡0) = 𝑥𝑛0
onde 𝑡0 é um valor especificado de 𝑡 em 𝐼, e 𝑥10, ..., 𝑥𝑛
0 são números dados. Esse conjunto de equações
e condições iniciais formam um problema de valor inicial (PVI).
Se cada função 𝐹1, … , 𝐹𝑛 do sistema (2.6) for linear das variáveis dependentes, então o sistema
é dito linear, caso contrário, é dito não-linear. Então o sistema mais geral de n equações lineares tem
a forma
𝑥1
′ = 𝑝11(𝑡)𝑥1 + … + 𝑝1𝑛(𝑡)𝑥𝑛 + 𝑔1(𝑡)
𝑥2′ = 𝑝21(𝑡)𝑥1 + … + 𝑝2𝑛(𝑡)𝑥𝑛 + 𝑔2(𝑡)
⋮ 𝑥𝑛
′ = 𝑝𝑛1(𝑡)𝑥1 + … + 𝑝𝑛𝑛(𝑡)𝑥𝑛 + 𝑔𝑛(𝑡)
(2.7)
Se todas as funções 𝑔1(𝑡), … , 𝑔𝑛(𝑡) do sistema (2.7) forem nulas no intervalo 𝐼, o sistema é dito
homogêneo, caso contrário ele é não homogêneo.
Para analisar o sistema (2.7), vamos considerar 𝑥1 = ∅1(𝑡), … , 𝑥𝑛 = ∅𝑛(𝑡) como
componentes de um vetor 𝒙 = ∅ (𝑡), 𝑔1(𝑡), … , 𝑔𝑛(𝑡) como componentes de um vetor 𝒈(𝑡) e
𝑝11(𝑡), … , 𝑝𝑛𝑛(𝑡) como elementos de uma matriz 𝑛 𝑥 𝑛 𝑷(𝑡). Assim, o sistema (2.7) pode ser escrito
como
𝒙′ = 𝑷(𝑡)𝒙 + 𝒈(𝑡) (2.8)
Quando o sistema é homogêneo, segue que
𝒙′ = 𝑷(𝑡)𝒙 (2.9)
Diz-se que um vetor 𝒙 = ∅ (𝑡) é uma solução de (2.7) se suas componentes satisfazem o
sistema de equações (2.6). Se 𝑷 e 𝒈 são contínuas em um algum intervalo 𝛼 < 𝑡 < 𝛽, então existe
soluções de (2.7) nesse intervalo.
Para denotar soluções específicas de (2.8), utiliza-se a notação
𝒙(1)(𝑡) = (
𝑥11(𝑡)
𝑥21(𝑡)⋮
𝑥𝑛1(𝑡)
) , … , 𝒙(𝑘)(𝑡) = (
𝑥1𝑘(𝑡)
𝑥2𝑘(𝑡)⋮
𝑥𝑛𝑘(𝑡)
) (2.10)
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2.3 – Métodos Numéricos para Resolução de Sistemas de Equações Diferenciais
Em alguns casos, não é possível encontrar soluções de equações diferenciais de forma
explícita ou implícita. Porém, pode-se encontrar soluções aproximadas para estas. Para tanto, utiliza-
se os métodos numéricos.
Os métodos numéricos mais utilizados são:
• Método de Euler;
• Métodos de Runge Kutta;
• Métodos dos Passos Múltiplos;
Aqui abordaremos apenas o método de Runge-Kutta de quarta ordem, pois é um dos métodos
mais populares e mais precisos para encontrar soluções aproximadas de problemas de valor inicial.
O procedimento de Runge-Kutta de Quarta Ordem consiste em encontrar constantes
apropriadas de tal forma que a fórmula:
𝑦𝑛+1 = 𝑦𝑛 + ℎ(𝑤1𝑘1 + 𝑤2𝑘2 + 𝑤3𝑘3 + 𝑤4𝑘4) (2.11) onde
𝑘1 = 𝑓(𝑥𝑛, 𝑦𝑛)
𝑘2 = 𝑓(𝑥𝑛 + 𝛼1ℎ, 𝑦𝑛 + 𝛽1ℎ𝑘1) 𝑘3 = 𝑓(𝑥𝑛 + 𝛼2ℎ, 𝑦𝑛 + 𝛽2ℎ𝑘1 + 𝛽3ℎ𝑘2)
𝑘4 = 𝑓(𝑥𝑛 + 𝛼2ℎ, 𝑦𝑛 + 𝛽4ℎ𝑘1 + 𝛽5ℎ𝑘2 + 𝛽6ℎ𝑘3)
(2.12)
coincida com um polinômio de Taylor3 de grau quatro, resultando em 11 equações e 3 incógnitas. O
conjunto de valores mais comumente usado para os parâmetros dá lugar ao seguinte resultado:
𝑦𝑛+1 = 𝑦𝑛 +
ℎ
6(𝑘1 + 2𝑘2 + 2𝑘3 + 𝑘4)
𝑘1 = 𝑓(𝑥𝑛, 𝑦𝑛)
𝑘2 = 𝑓(𝑥𝑛 +1
2ℎ, 𝑦𝑛 +
1
2ℎ𝑘1)
𝑘3 = 𝑓(𝑥𝑛 +1
2ℎ, 𝑦𝑛 +
1
2ℎ𝑘2)
𝑘4 = 𝑓(𝑥𝑛 + ℎ, 𝑦𝑛 + ℎ𝑘3)
(2.13)
No algoritmo resumido em (2.13), 𝑘2 depende de 𝑘1, 𝑘3 depende de 𝑘2 e 𝑘4 depende de 𝑘3.
Vale ressaltar ainda que 𝑘2 e 𝑘3 envolvem aproximações no ponto médio 𝑥𝑛 +1
2ℎ, no intervalo definido
por 𝑥𝑛 ≤ 𝑥 ≤ 𝑥𝑛+1.
2.4 – Modelos Matemáticos Determinísticos de Escoamento
3 Polinômio de Taylor é uma expressão que permite o cálculo do valor de uma função por aproximação local através de uma função polinomial.
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Segundo Miguez (1994), os modelos matemáticos que utilizam equações hidráulicas
determinísticas são denominados modelos matemáticos determinísticos4 de escoamento. Nesses
modelos, a representação das características tridimensionais do terreno é feita através de elementos
unidimensionais ou bidimensionais e considera-se que o escoamento é regido por equações
diferenciais que o representa.
A representação correta da realidade física do escoamento pelo modelo é função de dois níveis
de sua de construção, que são a discretização topológica e hidráulica. A discretização topológica é a
seleção da representação da natureza do escoamento. A discretização hidráulica se refere a descrever
detalhadamente os elementos hidráulicos e topográficos do modelo.
4 Um Modelo Matemático é Determinístico quando produz, para um mesmo parâmetro de entrada, uma mesma saída (com condições iniciais iguais).
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Os modelos unidimensionais puros são muito utilizados por vários fatores, dentre eles o motivo
de que a maioria dos rios seguem uma direção principal, e o fato de que, historicamente, os modelos
bidimensionais terem sido complexos e difícil de serem construídos. Apesar de não diferirem muito da
realidade, não conseguem representar detalhes mais complicados do escoamento.
Modelos bidimensionais devem ser utilizados nos casos em que o interesse principal é em
planícies de inundações, onde por exemplo, existem casas, plantações, diques, rodovias, galerias,
entre outros, que alteram os padrões de escoamento ao mesmo tempo que sofrem com as cheias. A
figura 1 representa uma região de modelo bidimensional.
O modelo bidimensional de células toma como ponto de partida as características do terreno
para realizar sua discretização. O modelo ainda leva em consideração a rede fluvial e suas planícies,
dividindo-as em células de escoamento e armazenamento, sendo que estas se comunicam com células
vizinhas através de leis hidráulicas de escoamento. A seguir, o modelo será abordado com mais
detalhes.
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Figura 1 – Discretização de uma planície de inundação.
Fonte: MIGUEZ (1994).
3. MODELO DE CÉLULAS DE ESCOAMENTO
Conforme citado por Miguez (1994), o modelo de células de escoamento teve sua primeira
aplicação por Zanobetti, Lorgeré, Preissman e Cunge no Delta do Rio Mekong, em 1968. No Brasil,
algumas aplicações conhecidas foram feitas por Miguez (1994) para o Pantanal Mato-Grossense, por
Miguez e Mascarenhas (1999) para a cidade de Joinvile, em Santa Catarina, por Amaral et. al (2000)
para o canal de Sernambetiba, no Rio de Janeiro, e por Rezende et. al (2009) para o valão Gaspar
Ventura, na Baixada Fluminense.
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Segundo Miguez (1999), na modelação matemática por células, é necessária uma boa
modelagem hidráulica e topográfica da bacia hidrográfica em estudo, principalmente em áreas urbanas,
onde deve haver maior diversidade de tipos de células e de suas ligações. Essa etapa da modelação
é fundamental para a obtenção de bons resultados.
Miguez (1999) afirma que a motivação para a utilização do modelo de células de escoamento
para a modelação de cheias, e principalmente as urbanas, é a introdução de qualquer tipo de lei
hidráulica no mesmo, ainda que com toda a sua diversidade e complexidade
3.1 – Hipóteses Básicas para o Modelo
As hipóteses básicas para o modelo de células de escoamento são as seguintes:
• Cada planície ou cidade podem serem divididos em compartimentos menores, chamados
células de escoamento;
• Os fenômenos físicos envolvidos no escoamento são representados basicamente pelos
princípios de conservação de massa e de quantidade de movimento;
• Em cada célula, o perfil da superfície livre é considerado horizontal e a área da superfície
depende da elevação do nível de água nesta contida;
• Cada célula se comunica com células vizinhas entre si, arranjadas num esquema de acordo a
topografia do terreno, formando grupos onde cada célula se comunica com as células deste
mesmo grupo ou dos grupos imediatamente anterior ou posterior;
• O escoamento entre as células pode ser calculado através de leis hidráulicas conhecidas como
a equação Dinâmica de Saint-Venant, a equação de escoamento uniforme de Manning-
Strickler, a equação de escoamento sobre vertedouros livres e afogados, a equação de
escoamento de orifícios, dentre outras, podendo ser ou não desprezados os efeitos de inércia;
• O escoamento entre as células pode ocorrer simultaneamente pela superfície da célula e
subterraneamente em galerias, desde que estas camadas de escoamento estejam ligadas
entre si;
• O volume de água na célula está relacionado diretamente com o nível de água 𝑍𝑖 no centro da
célula (𝑉𝑖 = 𝑉(𝑍𝑖) );
• Em qualquer tempo, a vazão entre duas células adjacentes é função apenas dos níveis d’água
no centro dessas células (𝑄𝑖,𝑘 = 𝑄(𝑍𝑖 , 𝑍𝑘) );
Conforme Miguez (1999) e Rezende (2009), para propiciar uma melhor representação da
realidade de drenagem, surgem os vários tipos de células que são usados nesse modelo, que são:
• Células tipo rio/canal: Compõem o sistema de macrodrenagem exceto pela falta dos trechos
em galeria, onde ocorre o escoamento principal da drenagem à céu aberto;
• Células tipo galeria: São formadas por galerias subterrâneas, e complementam a rede de
drenagem composta pelas células tipo rio/canal;
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• Células tipo planície natural: É onde ocorrem os escoamentos superficiais, com
armazenamento em toda a célula, sem levar em conta qualquer padrão de urbanização;
• Células tipo planície urbanizada: Representam escoamentos na superfície livre em planícies
alagáveis e em áreas de armazenamento, sendo associadas a um determinado padrão de
urbanização. Geralmente são ligadas umas às outras por ruas;
• Células de reservatório: Estas células cumprem o papel de amortecimento de grandes vazões.
Dispondo de uma curva cota x área superficial, simulam o armazenamento d’água em
reservatórios temporários;
• Células tipo encosta: representam áreas elevadas em termos de cotas topográficas, onde toda
água das chuvas que cai sobre elas é conduzida ao modelo. Estas células não interagem com
as células do modelo, pois as próprias cotas elevadas conduzem as águas pluviais em um
único sentido. Normalmente se situam nas bordas da bacia em estudo.
Após a definição do conjunto de células na bacia e sua representação, dá-se início a
interrelação entre as células e a estrutura matemática do modelo.
3.2 – Estudo do Modelo
A equação da continuidade para uma célula 𝑖, em um dado intervalo de tempo, pode ser escrita
como:
∆𝑉𝑖 = ∑
𝑘
∫ 𝑄𝑖,𝑘𝑑𝑡𝑡+∆𝑡
𝑡
+ ∫ 𝑃𝑖𝑑𝑡𝑡+∆𝑡
𝑡
(3.1)
Onde:
∆𝑉𝑖: Variação do volume da água na célula i;
∑ : 𝑘 Somatório sobre todas as células k ligadas à célula i;
𝑄𝑖,𝑘: Vazão entre a célula i e uma célula k adjacente a ela, considerada positiva da célula k para a i;
𝑃𝑖: vazão decorrente da precipitação sobre a célula i;
𝑡: tempo;
∆𝑡: intervalo de tempo.
A variação do volume em determinada célula i, num certo intervalo de tempo t, é dada pelo
balanço de entrada e saída d’agua na célula, de acordo com a precipitação que ocorre sobre sua
superfície e das vazões de troca com todas as células k.
Expressando o volume armazenado como uma função da área superficial 𝐴𝑠𝑖 da célula i, tem-
se:
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∆𝑉𝑖 = ∫ 𝐴𝑠𝑖
𝑍𝑖(𝑡+∆𝑡)
𝑍𝑖(𝑡)
𝑑𝑍𝑖 (3.2)
Considerando apenas os termos de primeira ordem e que a seguinte relação é válida:
𝜕𝐴𝑆𝑖
𝜕𝑍𝑖∆𝑍𝑖 ≪ 𝐴𝑆𝑖
(3.3)
A equação da Pode-se usando as expressões (3.1), (3.2) e (3.3), fazendo os limites ∆𝑍𝑖 e ∆𝑡 tenderem
a zero continuidade de massa pode ser escrita na forma diferencial:
𝐴𝑆𝑖
𝑑𝑧𝑖
𝑑𝑡= 𝑃𝑖 + ∑𝑘 𝑄𝑖,𝑘
(3.4)
No caso de cheias, a inundação de planícies ocorre de maneira lenta. Nesse caso, assume-se
que a descarga 𝑄𝑖,𝑘 entre duas células é função apenas do nível d’água dentro destas células, ou seja,
𝑄𝑖,𝑘 = 𝑄(𝑍𝑖 , 𝑍𝑘) (3.5)
Para cada uma das células que compõem a bacia deve-se escrever a equação (3.4), formando
um sistema com N equações diferenciais ordinárias não-lineares. As variáveis dependentes do sistema
são os N níveis d’agua 𝑍𝑖 (𝑡). De acordo com cada caso em particular, utiliza-se uma fórmula hidráulica
de descarga para a relação (3.5), apropriada para a situação física da bacia. O sistema de equações
gerado pelas N equações é parabólico quando não se considera os termos de inércia, e então se torna
necessário definir os níveis 𝑍(𝑡) ao longo do tempo em todo o contorno. Em alguns casos, é mais
conveniente definir vazões 𝑄(𝑡) também ao longo do tempo para partes do contorno, ou até mesmo
definir relações entre níveis e vazões 𝑄(𝑍). Também deve-se definir os níveis d’agua no instante inicial
da modelação matemática.
Escrevendo a equação (3.4) em termos discretos, tem-se:
𝐴𝑆𝑖
∆𝑍𝑖
∆𝑡= 𝑃𝑖 + ∑𝑘 𝑄𝑖,𝑘
(3.6)
Por convenção, adota-se que o intervalo de tempo (𝑛 + 1)∆𝑡 corresponde ao tempo de cálculo
onde as variáveis são desconhecidas, de forma que o intervalo de tempo ∆𝑡 indicará o intervalo anterior,
onde todas as variáveis já foram calculadas.
No primeiro membro da equação (3.6), ∆𝑍𝑖 é a variável que se deseja conhecer. Conhecendo
o valor de ∆𝑍𝑖𝑛+1, automaticamente obtém-se o valor de 𝑍𝑖
𝑛+1, pois 𝑍𝑖𝑛+1 = 𝑍𝑖
𝑛 + ∆𝑍𝑖𝑛+1. A área
superficial do espelho d’água, 𝐴𝑆𝑖 , dentro de uma célula, é considerada como função do nível 𝑍𝑖
𝑛 .
Esta consideração corresponde a uma aproximação de 1ª ordem, onde se considera ∆𝐴𝑆𝑖
𝐴𝑆𝑖
≪ 1.
No segundo membro da equação (3.6), 𝑃𝑖 é considerado um dado de entrada, pois a chuva é
considerada conhecida em todos os intervalos de tempo. No somatório das vazões entre as células
vizinhas e a célula considerada, a vazão 𝑄𝑖,𝑘 é escrita no tempo (𝑛 + 1)∆𝑡 de forma que tem-se um
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esquema totalmente implícito, sendo a computação incondicionalmente estável, sob o ponto de vista
formalmente numérico. Porém, para evitar a introdução de um termo não-linear na Equação (3.6), pode-
se desenvolver a vazão 𝑄𝑖,𝑘𝑛+1em série de Taylor e desprezar os termos de maior ordem:
𝑄𝑖,𝑘
𝑛+1 = 𝑄𝑖,𝑘𝑛 +
𝜕𝑄𝑖,𝑘𝑛
𝜕𝑍𝑖 ∆𝑍𝑖
𝑛+1 +𝜕𝑄𝑖,𝑘
𝑛
𝜕𝑍𝑘∆𝑍𝑘
𝑛+1 (3.7)
Reescrevendo a equação (3.6) de acordo com a discussão feita acima, tem-se:
𝐴𝑆𝑖
𝑛∆𝑍𝑖
𝑛+1
∆𝑡= 𝑃𝑖
𝑛 + ∑𝑘 𝑄𝑖,𝑘𝑛 + ∑𝑘
𝜕𝑄𝑖,𝑘𝑛
𝜕𝑍𝑖 ∆𝑍𝑖
𝑛+1 + ∑𝑘 𝜕𝑄𝑖,𝑘
𝑛
𝜕𝑍𝑘∆𝑍𝑘
𝑛+1 (3.8)
As únicas incógnitas dessa equação, que devem ser escritas para cada célula, são as variáveis
relativas aos níveis de água 𝑍𝑖𝑛+1 e 𝑍𝑘
𝑛+1, relacionadas com a própria célula e suas adjacentes.
3.3 – Solução Numérica do Sistema de Equações
Zanobetti e Lorgeré (1968) e Zanobetti, Lorgeré, Preissman e Cunge (1970) apud Miguez
(1994), com base na esparsidade da matriz de coeficientes e como cada equação carrega como
incógnitas apenas o nível d’agua da célula em que se refere e das células vizinhas, propuseram o
método da dupla varredura para a resolução do modelo, pelo fato de que os computadores na época
tinham grande limitação de espaço e memória. Atualmente ainda se faz justo a utilização desse modelo,
já que a maioria dos computadores atuais ainda tem certa limitação de memória em função da
praticidade. Este será o método aqui demonstrado.
O método consiste em se formar grupos numerados de células a partir da jusante, de forma
que a célula de um grupo central esteja ligada apenas a células deste mesmo grupo ou a células do
grupo imediatamente posterior ou anterior. Faz-se a primeira varredura de jusante para montante com
o objetivo de agrupar o sistema em submatrizes. A segunda varredura vai resolvendo os subsistemas
resultantes da primeira varredura, de montante para jusante.
Reorganizando a equação (3.8), temos para uma célula:
∆𝑍𝑖
𝑛+1 (−𝐴𝑆𝑖
𝑛
∆𝑡+ ∑𝑘
𝜕𝑄𝑖,𝑘𝑛
𝜕𝑍𝑖) + ∑𝑘 (
𝜕𝑄𝑖,𝑘𝑛
𝜕𝑍𝑘∆𝑍𝑘
𝑛+1) + 𝐿𝑖𝑛 = 0 (3.9)
Onde:
𝐿𝑖𝑛 = 𝑃𝑖
𝑛 + 𝑄𝑖,𝑘𝑛
(3.10)
Escrevendo a equação (3.9) para cada célula de um grupo j, tem-se a equação matricial para o grupo,
sendo as incógnitas os vetores de incrementos do nível do grupo central para a equação montada do
grupo anterior e posterior.
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[𝑀𝑗]{∆𝑍𝑗} + [𝑀𝑗+1]{∆𝑍𝑗+1} + [𝑀𝑗−1]{∆𝑍𝑗−1} + {𝐿𝑗} = 0 (3.11)
Onde:
[𝑀𝑗]: Matriz quadrada de coeficientes para os incrementos de nível das células do grupo central
j, com dimensão 𝑚𝑗 𝑥 𝑚𝑗;
[𝑀𝑗+1]: Matriz de coeficientes para os incrementos de nível das células do grupo posterior j+1,
com dimensão 𝑚𝑗 𝑥 𝑚𝑗+1;
[𝑀𝑗−1]: Matriz de coeficientes para os incrementos de nível das células do grupo anterior j-1,
com dimensão 𝑚𝑗 𝑥 𝑚𝑗−1;
{∆𝑍𝑗}: vetor de incógnitas dos incrementos de nível do grupo central j;
{∆𝑍𝑗+1}: vetor de incógnitas dos incrementos de nível do grupo posterior j+1;
{∆𝑍𝑗−1}: vetor de incógnitas dos incrementos de nível do grupo anterior j-1;
{𝐿𝑗}: vetor dos termos livres.
Com os grupos numerados de 1 a l, de jusante para montante, pode-se escrever um total de l
equações do tipo (3.11) em uma primeira varredura. Iniciando pelo grupo 1, considerando-o central,
tem-se:
[𝑀1]{∆𝑍1} + [𝑀2]{∆𝑍2} + {𝐿1} = 0 (3.12)
Para os demais grupos:
[𝑀2]{∆𝑍2} + [𝑀3]{∆𝑍3} + [𝑀1]{∆𝑍1}{𝐿2} = 0 [𝑀3]{∆𝑍3} + [𝑀4]{∆𝑍4} + [𝑀2]{∆𝑍2}{𝐿3} = 0
⋮ [𝑀𝑙]{∆𝑍𝑙} + [𝑀𝑙−1]{∆𝑍𝑙−1} + {𝐿𝑙} = 0
(3.13)
O sistema de equações resultante de (3.12) e (3.13) tem l equações e l incógnitas, devendo
ser incorporadas nos demais termos da equação as condições de contorno, haja vista que são
conhecidas.
Na equação (3.12), os incrementos de nível incógnitos do grupo central podem ser escritos em
função dos incrementos de nível do grupo posterior quando não há grupo anterior. Tem-se então, a
partir da equação (3.12):
{∆𝑍1} = −[𝑀1]−1[𝑀2]{∆𝑍2}−[𝑀1]−1{𝐿1} (3.14)
Genericamente, tem-se:
{∆𝑍1} = [𝐸1]{∆𝑍2} + {𝐹1} (3.15)
Onde:
[𝐸1]: Matriz resultante da operação de termos conhecidos;
{𝐹1}: Vetor Resultante da operação de termos conhecidos.
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Sendo que [𝐸1] e {𝐹1} definem uma relação linear entre os incrementos {∆𝑍1} e {∆𝑍2}.
Reescrevendo a primeira equação de (3.13) com a relação da última equação de (3.13), tem-se:
[𝑀2]{∆𝑍2} + [𝑀3]{∆𝑍3} + [𝑀1]([𝐸1]{∆𝑍2} + {𝐹1} + {𝐿2} = 0 (3.16)
Pode-se expressar novamente os incrementos de nível incógnitos do grupo central {∆𝑍2} como
função dos incrementos de nível do grupo posterior {∆𝑍3}:
{∆𝑍2} = −([𝑀2] + [𝑀1][𝐸1])−1[𝑀3]{∆𝑍3}−([𝑀2] + [𝑀1][𝐸1])−1([𝑀1]{𝐹1}+ {𝐿2})
(3.17)
ou
{∆𝑍2} = [𝐸2]{∆𝑍3} + {𝐹2} (3.18)
Comparando as equações (3.14) e (3.17), percebe-se que existe entre elas uma relação de
recorrência que relaciona os incrementos de nível do grupo central aos do grupo posterior, que se
repete em todos os grupos, de modo linear. Isso nos permite escrever uma relação genérica:
{∆𝑍𝑗} = [𝐸𝑗]{∆𝑍𝑗+1} + {𝐹𝑗} (3.19)
sendo que as expressões para [𝐸𝑗] e {𝐹𝑗} podem ser generalizadas da seguinte forma:
[𝐸𝑗] = −([𝑀𝑗] + [𝑀𝑗−1][𝐸𝑗−1])−1
[𝑀𝑗+1]
{𝐹𝑗} = −([𝑀𝑗] + [𝑀𝑗−1][𝐸𝑗−1])−1
([𝑀𝑗−1]{𝐹𝑗−1} + {𝐿𝑗})
(3.20) (3.21)
Não há grupo posterior ao grupo de montante l, ou seja, não existe {∆𝑍𝑙+1} e [𝑀𝑙+1] é nulo, o
que torna [𝐸𝑙] também nulo. Introduz-se diretamente as condições de contorno. Temos então a
seguinte equação:
{∆𝑍𝑙} = {𝐹𝑙}=−([𝑀𝑙] + [𝑀𝑙−1][𝐸𝑙−1])−1([𝑀𝑙−1]{𝐹𝑙−1} + {𝐿𝑙}) (3.22)
A partir do momento em que os valores dos incrementos de nível do grupo de montante l está
determinado, inicia-se a segunda varredura de montante para jusante, determinando os valores de
todos incrementos {∆𝑍𝑗} em sequência, com o auxílio dos valores [𝐸𝑗] e {𝐹𝑗} armazenados na primeira
varredura, e dos valores {∆𝑍𝑗+1} que foram recém-calculados. Os valores já computados de {∆𝑍𝑗}
devem ser adicionados aos níveis {𝑍𝑗𝑛}, conhecidos no tempo 𝑛∆𝑡 para determinar a situação da
planície modelada no tempo (𝑛 + 1)∆𝑡. Esse processo é sempre repetido para o próximo período de
tempo.
A introdução de condições de contorno do tipo 𝑍(𝑡), ou seja, de níveis de água, é feito
considerando-se uma célula imaginária k contornando uma célula i, ligadas entre si por uma lei
hidráulica, com níveis 𝑍𝑘conhecidos ao longo do tempo. Calcula-se então as vazões e suas derivadas
parciais necessárias para resolver as equações.
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Já a introdução de condições do tipo 𝑄(𝑡), ou seja, de vazão, é apenas um acréscimo do
escoamento imposto ∆𝑄 = 𝑄𝑛+1 − 𝑄𝑛, ao termo livre L na equação de continuidade para a célula.
Em aplicações de condições de contorno do tipo 𝑄(𝑍) volta-se a introduzir uma célula k
imaginária no contorno da célula i. Nessa condição, a relação 𝑄𝑖,𝑘 = 𝑓(𝑍𝑖) é conhecida e usada na
equação, sendo que 𝑄𝑖,𝑘 não depende de 𝑍𝑘 , e as derivadas parciais são calculadas a partir dessa
relação. Porém, esta condição só pode ser utilizada se o sentido de escoamento for da célula i para a
célula k.
É possível ver na figura 2 uma suposta modelação de uma área, indo da topografia até a divisão
por grupos.
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Figura 2 – Fases de modelação de uma suposta região.
Fonte: MIGUEZ (1994).
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entendimento do modelo de células de escoamento e da equação diferencial que rege o
modelo depende de um estudo aprofundado de equações diferenciais ordinárias e sistemas de
equações diferenciais. Para a resolução do modelo, é necessário um estudo profundo sobre os
métodos numéricos para EDOs e sistemas de equações lineares.
A equação diferencial proposta para resolução do modelo irá apresentar resultados
satisfatórios, ou próximos de uma situação real, mas depende inicialmente de uma modelação criteriosa
da topografia do local e da divisão da região em células, principalmente se o modelo for aplicado a
enchentes urbanas. Contudo, além da divisão da região em células, é essencial que se tenha dados
pluviométricos da região em estudo para o ajuste dos coeficientes de escoamento entre as células.
Por outro lado, caso haja escassez de dados e muitas aproximações e estimativas na
discretização topológica e nos coeficientes de escoamento, a calibração do modelo pode ser trabalhosa
e lenta, devido as diferentes possibilidades de efeitos combinados.
O modelo mostra-se capaz de reproduzir cheias, mesmo em planícies inicialmente secas que
passam por inundações ao longo do tempo, podendo essas inundações serem mapeadas de acordo
com a evolução da cheia.
5. REFERÊNCIAS
AMARAL, Daniele Pereira Batista; SILVA, Luciene Pimentel da; MIGUEZ, Marcelo Gomes; FONSECA, Paulo Luiz da. Estudos de Simulação Hidrodinâmica do Canal de Sernambetiba no Rio De Janeiro Sob Efeitos de Maré. In: XX SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 20., 2013, Bento Gonçalves. Anais do XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos. Bento Gonçalves: ABRH, 2013.
BOYCE, Willian. E.; DIPRIMA, Richard. C. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Contorno. 9. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2014.
MIGUEZ, Marcelo Gomes. Modelação Matemática de Grandes Planícies de Inundação, através de um Modelo de Células de Escoamento, com Aplicação ao Pantanal MatoGrossense.1994. 121 f. Dissertação (Mestrado em Ciências em Engenharia Civil) - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPEE), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 1994.
MIGUEZ, Marcelo Gomes; MASCARENHAS, Flávio César Borba. Modelação Matemática de Cheias Urbanas Através de um Esquema de Células de Escoamento. Revista Brasileira de Recursos Hídricos. V.4 n. 1 p. 119-140, jan./mar. 1999.
REZENDE, Osvaldo Moura; FILHO, Luiz Alberto Arend; SOUSA, Matheus Martins de; MIGUEZ, Marcelo Gomes; MAGALHÃES, Paulo Canedo de. Projetos para Controle de Inundações: Conceito de Reservação x Conceito de Canalização. In: XVIII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 20., 2009 Anais do XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos. Campo Grande: ABRH, 2009.
ZILL, Dennis G. Equações Diferenciais com Aplicações em Modelagem. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2012.