Entrevista com o presidente da

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RITOS REVISTA DA AMARN * ANO VII * Nº 7 * DEZEMBRO 2011 AMARN Entrevista com o presidente da ARTIGO A juíza Valéria Lacerda Rocha escreve sobre a magistratura e as mulheres PESQUISA Estudo revela estresse ocupacional em magistrados do RN

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RitosREVISTA DA AMARN * ANO VII * Nº 7 * DEZEMBRO 2011

AMARN Entrevista como presidente da

ARtiGo A juíza Valéria Lacerda Rocha escreve sobre a magistratura e as mulheresPEsquisA Estudo revela estresse ocupacional em magistrados do RN

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CONSELHO EXECUTIVO

PresidenteJuiz Azevêdo Hamilton CartaxoVice-Presidente InstitucionalJuiz Mádson Ottoni de A. RodriguesVice-Presidente AdministrativoJuiz Luciano dos Santos MendesVice-Presidente FinanceiroJuiz Marcelo Pinto VarellaVice-Presidente de ComunicaçãoJuiz Cleofas Coelho de A. JúniorVice-Presidente CulturalJuiz Odinei Wilson DraegerVice-Presidente SocialJuiz Jorge Carlos Meira SilvaVice-Presidente dos EsportesJuiz Cleanto Fortunato da SilvaVice-Presidente dos AposentadosJuiz Francisco Dantas PintoCoordenador da Região OesteJuiz Breno Valério F. de MedeirosCoordenadoria da Região SeridóJuiz André Melo Gomes Pereira

CONSELHO FISCAL

Juíza Denise Léa SacramentoJuiz Fábio Antônio C. FilfueiraJuiz Fábio Wellington Ataíde AlvesJuiz João Eduardo R. de OliveiraJuíza Leila N. de Sá Pereira NacreJuiz Luiz Alberto Dantas FilhoJuiz Marcus Vinicius P. JúniorJuíza Rossana Alzir D. MacêdoJuíza Sulamita Bezerra Pachecode Carvalho

EdITORA EXECUTIVAAdalgisa Emídia DRT/RN 784

PROjETO GRáFICO E dIAGRAmAçãOFirenzze Comunicação Estratégica(84) 3344-5240

FOTOSElpidio Júnior

FOTO CAPAFátima Melo

Associação dos magistradosdo Rio Grande do Norte

Condomínio Empresarial Torre Miguel Seabra Fagundes

R. Paulo B. de Góes, 1840Salas 1002, 1003 e 1004.Candelária - Natal-RN.CEP: 59064.460Telefones: (84) 3206.09423206.9132 | 3234.7770

CNPJ: 08.533.481/0001-02

Caros Colegas,

o ano de 2011 foi consolidado pela realização do Vi Congresso dos magistrados do RN, onde pudemos discutir questões importantes como a qualidade de vida, reportagem destacada nesta edição da Ritos.

A revista, sob os cuidados editoriais do incansável odinei Draeger vice--presidente cultural, traz ainda artigos da juíza tatiana socoloski, Assis Bra-sil e Paulo sérgio para uma leitura descontraída nos nossos momentos de lazer. tem ainda um artigo da juíza Valéria Lacerda sobre a magistratura e as mulheres e um ensaio fotográfico do juiz Sérgio Dantas, revelando talen-tos da arte da fotografia.

Na última edição como presidente da AMARN, o juiz Azevêdo Hamil-ton, em entrevista a jornalista Adalgisa Emídia, fala sobre a experiência em presidir a associação dos magistrados, as conquistas e desafios a seguir para o fortalecimento de todos os magistrados potiguares.

um dado importante, divulgado em reportagem especial, nos revela que 76,3% dos juízes do Rio Grande do Norte sofrem com sintomas de ansiedade e depressão, de acordo com uma pesquisa realizada pela uFPB. Uma informação importante, que serve como reflexão para se discutir o estresse ocupacional presente na vida dos nossos magistrados.

Na coluna sobre gastronomia, o presidente Azevêdo nos brinda com uma dica da praia de Pipa “Robalo em crosta de coco” um prato saboroso para quem gosta de uma culinária sofisticada.

A revista Ritos foi feita com todo carinho para trazer para cada um dos leitores momentos de prazer e deleite em cultura, arte, literatura e in-formação. obrigado a cada um que escreveu e fez desta edição mais uma publicação leve, informativa , descontraída e de muito bom gosto.

Chegamos ao fim deste ano, com o cumprimento de mais uma missão em colaborar para que tenhamos um judiciário cada vez mais fortalecido e comprometido com os anseios de justiça para todos.

um agradecimento especial a todos os associados e que em 2012 a AMARN possa seguir na sua missão de luta pela magistratura potiguar.

Boa leitura !

Cleofas Coelho de A. JúniorVice-presidente de comunicação da AMARN

// EDITORIAL

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Congresso dos magistrados do RN discute qualidade de vida

“Os dois anos foram dos mais felizes que vivi” revela presidente da AMARN em entrevista especial

Beleza em um ensaio fotográfico do juiz Sérgio Dantas

COngREssO CAPA

EnsAIO

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// sumário

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O charme e as delícias de Pipa

Pesquisa revela que 76,3% dos magistrados do RN têm sintomas de ansiedade e depressão

O juiz Odinei Draeger mostra a arte esquecida da educação

Julgar sem ser juiz: o lado dos jurados em um júri

gAsTROnOMIA

PEsQUIsA ARTIgO

EsPECIAL

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38 24

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Crônica do além juiz

Certo dia dr. Pedro de Alencar, renomado Juiz com aproximadamente 15 anos de magistratura e 45 de idade, chegou ao Fórum da Capital, como de costume, por volta das 08:30 horas, após deixar seus três filhos no colégio, e, ao entrar em seu gabinete, ao invés de proceder com a verificação prévia do que havia a ser feito, sentou em sua poltrona e passou a meditar.

se lembrou que há 15 anos iniciou sua carreira como magistrado, sempre se pautando pelo bom senso, pelo justo, coerente e razoável, e de lá para cá já havia percorrido 08 comarcas para só agora, depois de mais de uma década, ser agraciado com uma promoção para Capital.

se recordou também que apesar de ter sido criado em uma metrópole, não teve problemas para se adaptar às cidades do interior e à população local, ape-sar, de é claro, ter sua vida toda voltada para o grande centro, onde foi criado e educado.

E assim foi... Dois anos depois de ter entrado em exercício como juiz subs-tituto casou-se com dra. Ana Madalena, advogada experiente, na época com mais de cinco anos de profissão, com quem teve 03 filhos, Gabriel, Francisco e Josoniel, atualmente com 11, 09 e 06 anos, respectivamente.

Durante este tempo dr. Pedro sempre se dividia entre as atribuições de juiz, marido, pai de família, etc. Por muitas vezes colocou seu casamento e sua famí-lia em segundo plano em prol da comarca onde estava a jurisdicionar.

E os filhos foram sendo cuidados na grande e avassaladora parte das vezes por dra. Ana Madalena que, acima de tudo, tinha que igualmente dar conta da

// ARTIgO

Tatiana Socoloski

Juíza da comarca de Nova Cruz

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casa e do seu escritório particular.os anos foram passando e dr. Pedro jamais se questionou,

jamais se sentiu frustrado ou mesmo arrependido. só pensava em dar o seu melhor à sociedade e a sua família.

Dra. Ana Madalena, ao contrário, começou a dar sinais de cansaço e estafa, com mudanças de humor e ataques não raros de pânico e estress.

A essa altura Ana Madalena já não compreendia mais os reclames de seus filhos e nem de seus clientes.

Para ela, todos pareciam impacientes e injustos.Bom, de toda forma dr. Pedro de Alencar continuava nas

suas funções, trabalhando de sol à sol, varando madrugadas, tentando dar vazão à algo que, como já era do seu vasto conhe-cimento, jamais teria um fim, mas o fazia por amor à profissão que escolhera, para justificar o seu salário e para se dar ao luxo de voltar para o seio da sua família às quintas a noite, se deleitar em beijos, abraços e sorrisos.

Aos seus olhos, a troca era justa.Mas agora, tudo era diferente. Já estava na Capital.Contudo, a chegada do novo Corregedor de Justiça o fez

repensar.É que o novo Corregedor, com a melhor das boas intenções

(é claro), já chegou mostrando para que vinha. Espalhou aos quatro cantos que iria moralizar a instituição fazendo com que todos os juízes cumprissem expediente e morassem na cidade onde estivessem exercendo jurisdição.

Foi um alvoroço geral. o mal estar logo estava criado.Refletiu: expediente? O que é que ele está tentando dizer?

Que juiz trabalha menos do que deveria? Que juiz é preguiço-so? Egoísta? E o tempo que passamos enclausurados em nossos gabinetes e residências trabalhando até hora da madrugada? O que é isso? Passatempo?

E esta situação ficou insustentável.Pela primeira vez dr. Pedro se mostrou perplexo.se questionou e baixou de produtividade.Pensou: como pode uma situação como esta. Passei minha

vida em prol da comunidade e da família. Atualmente, final-mente posso, ajudo minha esposa nas obrigações da casa, re-tribuindo tudo o que ela fez por mim todos estes anos, levando meus filhos para colégio, médico, dentista e tudo o que for ne-cessário. Não me importo e nunca me importei em trabalhar o

tempo que for necessário, mas ter que cumprir rélis expediente? Eu? Que sempre me dei e me dou tanto para a magistratura e para a sociedade? Que sempre trabalhei não oito, mas mais que 10, 12 horas por dia?

Aliás, continuou, o que pensa de fato o nosso novo Corre-gedor? Que nós não temos vida privada? Que não podemos nos envolver com ninguém para ficarmos exclusivamente a tratar de assuntos da comunidade? E será que uma coisa tem a ver com a outra? Alias, Quem é que escolhe com quem vai casar? Por quem vai se apaixonar? É possível alguém em sã consciência escolher alguém (nos dias de hoje), com a certeza de que vai nos acompanhar por todos os interiores por onde teremos que passar? Será correto exigir dessa pessoa que abdique de seus estudos, de sua profissão?

As dúvidas de dr. Pedro tinham consistência.Na época do senhor Corregedor até que as cidades do in-

terior eram mais prósperas e ofereciam melhores oportunidades de vida.

Aliás, os casamentos eram mais fáceis. As esposas simples-mente seguiam os maridos e ponto final. Abriam simplesmente mão da sua vida privada.

Mas com o tempo tanto o ensino piorou de qualidade quan-to as oportunidades profissionais foram se tornando escassas.

A qualidade de vida então nem se fala.As esposas, por sua vez, passaram a ter direito de seguir

numa profissão.Em suma, antigamente o convívio social era mais fácil.Agora, quem tem oportunidade e condições financeiras

manda logo os filhos para estudar na Capital.Marido e mulher somam seus salários em benefício da

família.Não se cogita mais o contrário, salvo raríssimas exceções.E nenhuma mulher se submete mais a essa situação.E para a família do juiz, sobra o quê?Viver na solidão, enclausurada?É justo exigir de um companheiro que feche as portas do seu

escritório, da sua clínica, sua empresa, ou sei lá o quê mais, com clientela formada, para aventurar em outras terras?

É justo exigir que seus filhos sejam criados em instituições com qualidade de ensino muitas das vezes inferiores às dos gran-des centros?

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E no caso da minha esposa então, o quê falar? Seria justo exigir dela que fechasse as portas do seu escritório para se aven-turar fora do local onde já militava há cinco anos quando nos casamos? E ela iria trabalhar onde se eu mesmo estaria impedi-do de julgar os seus processos?

o que o cidadão quer mesmo é um juiz que julgue! isso é presença para ele! E não um juiz que ande pelas ruas assom-brando os outros com o poder que detém. isso é fácil – pensou dr. Pedro -, o difícil mesmo é finalizar um processo que, por sinal, pode acontecer de manhã, de tarde ou mesmo à noite, no fórum ou em outro local, até mesmo em casa, como acontece cotidianamente comigo e meus colegas.

Aliás hoje em dia dá até mesmo para trabalhar em um cy-ber café, que de fato será bem mais tranqüilo do que no próprio fórum onde o juiz é constantemente interrompido.

Dr. Pedro, que a essa altura já estava preocupado e abalado com a situação posta, bastante constrangedora por sinal, acabou se entregando ainda mais à decepção ao passar os olhos no jor-nal do dia e ler uma entrevista com o Corregedor que por sua vez dava a entender a todos que quisessem ler a matéria que o juiz hoje em dia só queria mesmo é aproveitar os benefícios da carreira deixando de lado suas obrigações para com a sociedade.

Dr. Pedro é um homem justo e apesar de já estar confor-tavelmente trabalhando na Capital e a rigor não estar mais so-frendo grandes pressões quanto às normas baixadas pelo novo Corregedor, se preocupava com seus colegas que ainda estavam vivendo esta rotina de viagens semanais e divisões de tarefas en-tre casa e comarca.

E aí então, quase que em topor, se lembrou dos anos que trabalhou no interior, até horas da noite, sem o mínimo de con-dições materiais, mas sempre com o intuito de oferecer o melhor aos seus jurisdicionados.

se lembrou da cadeira manca que utilizava, da iluminação precária que o servia, da falta de funcionários, das vezes que teve de assumir papel de meirinho, servidor e oficial de justiça, da falta de ventilação do gabinete e da sala de audiências, da falta de papel, da falta de caneta, da falta de clips, enfim, da falta de um tudo.

se lembrou também das poucas oportunidades que teve de se aperfeiçoar enquanto profissional exatamente por estar pre-ocupado em dar impulso aos processos e em pouco se ausentar

das comarcas.se recordou ainda de seus colegas dr. Coutinho, dra. Es-

mera, dr. Cônego, dr. Paulo Coelho, que ainda trabalhavam no interior, inobstante suas famílias residirem na Capital, todos pautados pela mesma conduta e agora à mercê de decisões que por si só, como era de conhecimento de todos, não moralizaria nada.

E logo se perguntou: para quê tanto esforço? Valeu à pena?Aliás, os magistrados começaram mesmo é ficar abatidos e

exaustos com tamanha pressão.Essa situação resvalou na produção pessoal de cada um.Não era para menos. os juizes estavam se sentido humilha-

dos publicamente com as colocações do sr. Corregedor.Dra. Esmera, mãe de uma menina de 15 anos e de outra

com 03 já estava freqüentando médicos psiquiatras face o estress que a estava assolando.

o marido já não agüentava mais ter de acumular o seu co-mércio com as responsabilidades de casa e já estava pedindo a separação.

Dra. Esmera, que era uma das magistradas que mais pro-duzia no Estado, não conseguia há um mês escrever uma única linha.

Estava atônita.seus problemas eram pesados e só conseguia lembrar que

há anos cumpria com suor e esforço o seu papel e nunca tinha recebido um elogio sequer.

Para quê tudo isso? Perguntou dr. Pedro. A Corregedoria já não tinha mecanismos para punir os maus juízes? Então para quê nivelar por baixo todos nós? Por que não punir os verda-deiros faltosos? Juiz tem que cumprir expediente? Juiz já não trabalha 24 horas por dia? O seu regime de trabalho já não é o de dedicação integral? Será que o Sr. Corregedor esqueceu disso quando foi promovido para Desembargador?

Aliás, pensou o experiente magistrado, se ele morou no in-terior todos os anos em que foi juiz é porque isso o satisfazia. Porque possivelmente sua família pôde acompanhá-lo. E, acima de tudo, é porque deu certo. Mas isso não serve de parâmetro para todos os demais. uma pessoa não entra para a magistratu-ra visando unicamente morar no interior. quem quer morar no interior vai ser fazendeiro, boiadeiro, comerciante, qualquer coi-sa. Mas quem quer ser juiz quer mesmo é contribuir para a so-

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ciedade e chegar à Capital onde as coisas acontecem e onde terá condições de criar e manter sua família com mais dignidade.

Quem é que não quer isso?Mas dr. Pedro que estava com os olhos fechados começou

a suar frio e sentiu seu coração palpitar mais forte. Pensou es-tar tendo um ataque cardíaco. se assombrou com todos esses pensamentos e deu um salto de inopino. Abriu os olhos e per-cebeu que estava em sua cama, deitado. sua esposa também se assustou com o movimento do seu marido e perguntou o que tinha acontecido. Dr. Pedro, após alguns instantes recobrando a memória, olhou para a esposa - que a essa altura, cerca de seis meses após a promoção que o levou de volta para o seio fami-liar, já demonstrava melhoras no seu humor -, respondeu: “nada meu amor, descanse em paz, foi só um pesadelo, amanhã estarei pronto para mais um dia de labor. E não se esqueça! Antes dei-xarei os meninos no colégio com o maior prazer. tudo para te ver mais tranqüila e pronta para impulsionar o seu escritório.” Dra. Ana Madalena assentiu com um gesto carinhoso, demons-trando alívio, e voltou a dormir, desta feita encostando seu rosto no ombro do seu amado. Já começava a se sentir segura, pois ele estava lá, ao lado dela, para o que der e vier.

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// Homenagem

Esse texto, em forma de poema, foi escrito na ocasião da entrega do título de cidadão mossoroense ao juiz natural da Paraíba.

Peço permissão à mesa,Para o protocolo não honrar,Porque hoje é dia de festa E não protocolar,Como Juiz aqui não estou, mas como matuto potiguar,E por isso pouco vou falar, Para ninguém enfadar.Há três anos, do vale sagrado do Apodi, vim aqui pra Mossoró,Na terra de santa Luzia,o meu ofício judicante praticar, Buscando trazer para cá, A difícil arte de julgar.terra de povo valente,Corajoso e persistente,que sempre buscou na LiberdadeA sua pátria honrar.Auto da liberdade,Chuva de balas e Resistência à lampião,Motim das mulheres e antecipada AboliçãoCom Celina, a evidência da eleitora feminina.

Patrício Jorge Lobo VieiraJuiz de direito

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Teatro de Mossoró

MossoróJuiz Patrício Lobofaz homenagem a

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Com a ousadia do petróleo, da fruticultura e do sal, o desenvolvimento,sem qualquer lamentoÉ a Mossoró querida,Viva e abençoada,que cresce e se envaideceCom firmeza e destemor.Das minhas origens em Catolé do Rocha e Alexandria,Da serra da Barriguda,Venho viver esta nova alegria, sob as bênçãos de Deus, nos bra-ços de santa Luzia,E por isso aqui estou, feliz e agradecido, em nome da Justiça,Deveras comovido,Pela nobreza da homenagem,desta Casa Legislativa,Esperando que nesta Terra, com afinco e sem quiprocó,Comemoremos a nossa nova cidadania, No País de Mossoró.

Centro de Mossoró

Praça da Convivência

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// especial

A consciênciade cada um

“Muitas pessoas morreram em nome da honestidade, da responsabilidade e do resto do ‘pacote de virtudes’, mas eu não tenho nenhuma simpatia por elas. quero dizer, como Platão, que as vir-tudes não são muitas, mas uma, e seu nome é justiça (...) justiça não é uma re-gra concreta de ação como honestidade (...) justiça (...) é um princípio moral. Por princípio moral, quero dizer que é um modo de escolher o que é universal, um modo de escolher o que podemos desejar que todas as pessoas adotem sempre em

todas as situações” (Lawrence Kohlberg).Essa mensagem, retirada do blog do

juiz Rosivaldo toscano, foi deixada pelo psicólogo norte-americano e traz a tona o desejo da maioria das pessoas com re-lação ao sentido de justiça. Um significa-do amplo, que depende da visão e lado de cada pessoa. Diariamente, milhares de brasileiros entram com alguma ação na justiça em busca de direitos a serem preservados ou garantidos. os processos judiciais envolvem julgadores e julgados. Réus e autores. seres humanos em cons-

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tante busca pela valorização do que deveria ser o certo. A bancária Vanessa silva de Macêdo viveu essa expe-

riência há 4 anos, quando recebeu o valor de uma cau-sa trabalhista, depois de dois anos e meio. Ela trabalhou durante 12 anos num banco privado e ao sair resolveu entrar com uma ação pedindo horas extras trabalhadas ao longo desses anos. Após um processo penoso de idas e vin-das, ficou satisfeita com o andamento da ação trabalhista. “Com certeza, fiquei satisfeita com os resultados da ação. o juiz julga não só as causas, mas a vida das pessoas que só têm a justiça do trabalho para fazer valer seus direitos

estabelecidos pela CLt. A justiça é feita não só de leis, mas principalmente por juízes que são realmente comprome-tidos com a sua função de fazer com que as leis sejam res-peitadas”, conclui a bancária Vanessa silva de Macêdo.

Do outro lado, vivendo uma experiência diferente, a jornalista Angélica Hipólito participou de dois júris popu-lares e, segundo ela, a primeira sensação foi de apreensão, mas depois se sentiu a vontade pela maneira como os ju-ízes conduziram o julgamento. o primeiro foi em 2004 sobre o assassinato de uma mulher pelo marido na Rota do sol e ela lembra que foi uma semana inteira de julga-

Júri no Fórum Miguel Seabra Fagundes, em Natal

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mento. “quando participei dos conselhos de sentenças, fiz perguntas aos réus e as testemunhas. Dessa forma, me senti tranquila para tirar dúvidas e fazer uma aná-lise dos casos apresentados. os juízes procuram deixar os jurados muito bem esclarecidos sobre isso” afirma Angélica Hipólito.

A formalidade dos júris, a apreensão dos dois lados dos casos, as acusações, provas, discussões e principal-mente histórias de vida são alguns dos sentimentos que envolvem pessoas comuns escolhidas de forma aleatória para compor um corpo de jurados. “A emoção de se es-tar julgando uma pessoa é muito grande. Lembro que a minha primeira participação num conselho de senten-ça, foi nas vésperas de um Natal e eu olhava para o réu e via a família dele chorando. Na minha opinião ele era inocente, mas não sabia o que os colegas estavam pen-sando. No momento da sentença, o réu foi inocentado e todos os sete jurados se confraternizaram. sempre me emociono ao lembrar desse caso” revela a jornalista. A experiência vivida como jurado, muitas vezes, deixa marcas para o resto da vida, apesar do desgaste físico e emocional.

“No início, achei muito chato ficar ali sentado vendo juiz, promotores e advogados debaterem sobre crimes, assassinatos e leis. Mas, depois do primeiro jul-gamento, tudo ficou mais claro e terminei me empol-gando. Participei ativamente de todas as decisões e me senti, realmente, o máximo. A juíza ao chamar o meu nome já dava um ar de riso e os promotores também.

Angélica Hipólito, jornalista

Vanessa Silva de Macêdo, bancária

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Acho que eles acabaram gostando da minha participação como jurado” revela o radialista Abmael Filho.

“o jurado é o verdadeiro juiz no tri-bunal do Júri e antes de iniciar a sessão de julgamento é cobrado pelo juramento a examinar a causa com imparcialidade, sem preferências pessoais contra ou a favor do réu e a profira seu julgamento de acordo com a sua consciência, com a finalidade de fazer justiça. O juramento resume qual deve ser a postura de um jurado durante a sessão: reservado e contido, para evitar que haja antecipa-

ção de sua convicção; atento, para que não lhe escapem os fatos que usará para julgar e, principalmente, consciente de que aquele que está no banco dos réus é um de seus concidadãos que merece um julgamento justo, mesmo que desfavorá-vel. A experiência de ser jurado deve ser gratificante, apesar da angústia propor-cionada pelo peso da grave responsabi-lidade de julgar o próximo, pois não há honra maior do que colaborar para que se faça justiça” revela o juiz odinei Dra-eger da 1ª Vara Cível de são Gonçalo do Amarante.

Abmael Filho, radialista

O jurado é o verdadeiro juiz no Tribunal do Júri e antes de iniciar a sessão de julgamento é cobrado pelo juramento a examinar a causa com imparcialidade”

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Há muito já se sabe que não foi fácil para as mulheres abrirem as portas para o campo profissional. Árdua foi a tarefa de nossas ancestrais, na luta pela igualdade de direitos e oportunidades em se tratando de atividades laborativas, principalmente em face do sexo oposto.

Imaginem ter que deixar a casa, o marido e os filhos, para se aventura-rem nos escritórios, oficinas, hospitais, repartições públicas e etc., como uma pessoa produtiva e produtora de mão-de-obra especializada. Não é a toa que mesmo no século XXi ainda se encontram tantos obstáculos a serem venci-dos e desmistificados para a valorização do trabalho feminino, já que desde o início da história da humanidade a mulher foi vista como um ser inferior ao sexo masculino. Ademais, a sua condição de mãe e esposa por vezes dificulta a sua própria vida profissional, já que em alguns casos, infelizmente, necessita-se fazer uma opção.

Pensando em todas essas dificuldades e discriminações, pelas quais a mu-lher passou para conquistar seu espaço de trabalho, foi que surgiu a idéia de se escrever sobre o ingresso das mulheres na seara da magistratura. Diga-se de passagem, um campo dominado inteiramente pelo sexo oposto durante longos

// ARTIgO

Valéria Maria Lacerda Rocha

Juíza de Direito Auxiliar, Professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, mestre em Direito Constitucional

“A Magistratura e as Mulheres”

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anos da história da humanidade. Não se pretende aqui fazer um detalhado e profundo es-

tudo sobre o tema, até mesmo porque não se tem espaço para isso. Procurar-se-á abordar alguns fatos históricos interessantes sobre a assunção das mulheres a cargos públicos literalmente ocupados pelo sexo masculino durante quase toda a história da humanidade. Mostrar como as mulheres foram pouco a pouco abrindo caminho nos diversos ramos das carreiras jurídicas, em destaque para a magistratura.

Como já afirmado, a inferioridade feminina vem desde a antiguidade onde a mulher era vista como um ser biologicamen-te mais fraco que o homem. A incapacidade jurídica da mulher é uma herança do Direito Romano, onde esta da posse paterna passavam para a posse marital. A mulher era um ser totalmente submisso primeiramente ao pai, posteriormente ao marido. Esta tradição foi de certa forma adotada pelo sistema brasileiro, que desde sua origem até meados dos anos sessenta subordinava a capacidade feminina ao poder familiar e, posteriormente, ao esposo, já que o casamento a mulher ainda dependia relati-vamente do marido para a prática de certos atos da vida civil.

Para se ter uma idéia dessa condição de desigualdade social, somente com o Estatuto da Mulher Casada, em 1962, a mulher deixou de ser considerada relativamente incapaz, libertando-se definitivamente da dependência civil que tinha com o marido, para se tornar plenamente capaz após a maioridade civil.

Vale destacar que o matrimônio era indissolúvel, conforme preceito constitucional, e que divórcio só veio a ingressar no or-denamento jurídico em 1977, com uma Emenda Constitucional a então vigente Constituição Federal de 1967.

somente com a Constituição Federal de 1988 foi que se igualaram expressamente homens e mulheres em direitos e deveres, sendo a primeira Constituição brasileira a tratar do assunto.

Assim, dentro dessas conquistas sociais, as mulheres foram pouco a pouco conquistando seu espaço profissional, e dentro desse espaço conquistado foram optando por seguir as carreiras jurídicas existentes, entre elas a magistratura, atividade exercida desde os primórdios de sua existência predominantemente por homens.

Nesse cenário estritamente masculino a mulher veio con-

quistando aos poucos seu lugar no espaço, de forma a galgar lugares que até então seriam inimagináveis que pudesse ocupar, como, por exemplo, os cargos nas altas cortes de julgamento.

A função de julgar não é tão recente, quiçá seja uma das profissões mais antigas da sociedade. Não se sabe bem ao cer-to quando surgiu a profissão, porém onde existiu sociedade ou agrupamento humano organizado existiram normas e regras a serem aplicadas. E para sua aplicação exigiam-se pessoas espe-cializadas no assunto.

têm-se notícias da aplicação do termo “Juízes” ainda na Bí-blia sagrada, cujo livro intitulado com nome homônimo retrata a história de israel do período de 1380 a 1050 a. C. os juízes foram homens escolhidos por Deus para julgarem de acordo com as leis de Moisés, uma vez que após a morte de Josué e dos anciãos, instalou-se uma situação anárquica em israel, onde não se obedeciam mais os mandamentos divinos. Assim, os juízes foram escolhidos com a importante missão de fazer respeitar os mandamentos celestiais. os juízes da história bíblica exerciam uma função de governantes, entretanto, não podiam criar novas leis, apenas aplicar as já existentes regras sagradas. Foram quin-ze juízes que atuaram nesse período, tendo samuel se destacado como o mais notável.

Da história de israel à teoria da tripartição dos Poderes de Montesquieu, o Poder Judiciário veio se consolidar definiti-vamente como uma atividade estatal nos Estados Constitucio-nalistas da era moderna, surgidos principalmente após a Revo-lução Francesa e a independência das Colônias inglesas, onde se adotou de vez a teoria do mestre francês afirmando que os poderes do Estado seriam o Executivo, Legislativo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si.

Dos poderes estatais, ao Judiciário caberia a função de jul-gar de acordo com as leis criadas pelo Legislativo. Esse Poder estaria com a sublime e difícil tarefa de interpretar e aplicar a lei aos casos que lhes fossem apresentados, solucionando, assim, o conflito existente.

Na divisão de tarefas dentro do próprio Poder Judiciário, órgãos de julgamento foram sendo criados, estando na cúpula os altos tribunais de julgamento, últimas instâncias de apelação e pronunciamento judicial. Assim, somente para se ter uma idéia da divisão de tarefas, atualmente no Brasil tem-se a seguinte

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composição: os juízes de primeiro grau, os tribunais de Justiça, os tribunais superiores, entre eles o stJ, e o supremo tribunal Federal, órgão máximo da justiça brasileira, defensor e último intérprete da Constituição Federal.

o Judiciário brasileiro começou a ser instalado em 1530, quando D. João iii, Rei de Portugal, concedeu a Martin Afonso de souza amplos poderes para sentenciar, inclusive, à morte au-tores de delitos graves.

Com a declaração de independência o Brasil passou a con-tar com uma Constituição, outorgada em 1824 pelo imperador D. Pedro i . Essa Constituição Federal trouxe uma incipiente e modesta formação do Poder Judiciário, composta apenas de juízes e jurados. Aqueles com responsabilidade para os julga-mentos, estes responsáveis pela análise dos fatos apresentados a julgamento.

Em 1824 já havia a previsão de criação do supremo tri-bunal de Justiça, cuja competência limitava-se ao Recurso de Revista e a competência para julgar os conflitos de jurisdição e ações penais de determinados cargos públicos. o supremo tri-bunal de Justiça foi criado em 1828, e instalado em 1829, com a Constituição de 1891 receberia o nome de supremo tribunal Federal, conforme denominada até hoje.

Percebe-se que desde a colonização do Brasil já se traçava o perfil do Poder Judiciário no país, porém em quase quinhentos anos de história, a participação feminina no judiciário brasileiro é muito recente, datando os registros do início da década de 50.

A primeira Juíza Estadual que se tem registro, na história da magistratura brasileira, é a gaúcha thereza Grisólis tang, formada pela universidade Federal do Rio Grande do sul na turma de 1951. A Dra. thereza Grisólis tomou posse como juíza estadual em 1954, assumindo o cargo perante o tribunal de Justiça de santa Catarina, exerceu sua função durante 36 anos, tendo na instituição ocupado vários cargos de destaque, entre eles o de presidente do TJSC. Os registros também afir-mam ser a Dra. thereza a primeira mulher a ocupar o cargo de desembargadora no país.

Já na Justiça Federal, a primeira mulher a ocupar o cargo de Juíza Federal foi a sergipana Maria Rita soares de Andrade, no-meada em 1967 para ocupar o cargo no Estado da Guanabara, onde ficou até aposentar-se em 1974. Maria Rita Soares de An-

drade morreu aos 94 anos de idade, no ano de 1988, e marcou sua trajetória como feminista, jornalista, professora, escritora, juíza e advogada. Formada pela Faculdade Federal da Bahia, Maria Rita soares fundou seu primeiro escritório de advocacia em 1930, onde se tornou a primeira mulher advogada do Esta-do da Bahia e a terceira do Brasil.

Com relação aos tribunais superiores, vejam que a situa-ção é muito mais recente do que se imagina. o supremo tribu-nal Federal que conta com pouco mais de cento e oitenta anos, levando em consideração a instalação do supremo tribunal de Justiça em 1828, somente contou em seus bancos com uma mu-lher magistrada no ano de 2000, ou seja, pouco mais de onze anos, se tem na suprema Corte de Justiça do País uma mulher na composição. A Ministra Ellen Gracie Northfleet foi nomea-da para o cargo de Ministra do supremo tribunal Federal em 23 de novembro de 2000, pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, já se contam com a presença de outras duas mulheres, Carmem Lúcia e a recente nomeada Ministra Rosa Maria Weber.

o superior tribunal de Justiça, embora recente, haja vista que criado a partir da Constituição Federal de 1988, somen-te nomeou uma mulher para o cargo de Ministra da corte em 1999, posto ocupado pela, ainda, Ministra Eliana Calmon.

E este fato não é exclusivo dos tribunais superiores bra-sileiros, a suprema Corte Norte-americana, pertencente a um dos países cuja filosofia democrática tornou-se símbolo de sua existência, contou com a primeira mulher em sua composição no ano de 1981, com a nomeação de sandra Day o´Connor para a ocupação do cargo de Juíza da suprema Corte do país. E até hoje somente quatro mulheres ocuparam o cargo, tendo a última juíza sido nomeada em 4 de outubro do corrente ano. trata-se da ex-diretora da Faculdade de Direito de Harvard, Elena Kagan.

A situação norte-americana apresenta-se bem mais crítica que a brasileira veja que no próprio site do Consulado Norte--americano, há informações de que segundo um estudo reali-zado pela universidade Estadual de Nova York, nos EuA as mulheres representam apenas 22% do corpo de juízes federais e 26% de todas as posições em âmbito estadual. Acredita-se que no Brasil a força feminina a ocupar os cargos da Magistratura

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deve ultrapassar os índices norte-americanos, em que pese não haver estudo preciso sobre o tema.

Vale destacar que não só quanto ao gênero há desigualdade na ocupação dos cargos para juízes, mas também em relação à cor, haja vista que o título de primeira mulher negra está sendo conferido a baiana Luislinda Dias de Valois santos, que conta com apenas 26 anos de magistratura.

No tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, a primeira mulher a ocupar o cargo de Desembargadora foi a Juíza Eliana Amorim das Virgens de oliveira, em 1996, após quase cem anos de existência do tribunal.

Desta forma, muito ainda se tem que conquistar nesse uni-verso estritamente masculino, principalmente em se tratando da ocupação feminina nos tribunais superiores. Por outro lado, é sem sombra de dúvidas que as mulheres estão a cada dia con-quistando mais e mais o seu espaço nas áreas jurídicas, sejam como advogadas, promotoras, juízas, delegadas, professoras, doutrinadoras, e etc., em uma demonstração clara de que são capazes de atuarem e perceberem as dificuldades do mundo mo-derno tão bem quanto os homens, entretanto, não esquecendo de levar em consideração a sensibilidade feminina em sua forma de atuação. Assim, não se quer propagar a superioridade entre os sexos, mas a junção de forças opostas na solução dos confli-tos existentes, dando condições de igualdade de atuação entre homens e mulheres no desempenho de suas funções judicantes.

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// COngREssO

Congressodiscute qualidade de vida dos

magistradoso cenário de belezas naturais em tibau do sul, distante 80 qui-

lômetros de Natal, deu o toque diferente ao Vi Congresso Estadual de Magistrados do Rio Grande do Norte no início de novembro. Com a temática “Magistratura e qualidade de vida”, o evento reu-niu juízes potiguares, familiares e convidados de outros estados com o objetivo de se discutir temas atuais e também de se confraternizar juntos com os familiares.

A abertura do congresso foi feita pelo presidente da AMARN juiz Azevêdo Hamilton Cartaxo, que deu as boas-vindas aos partici-pantes e destacou a inovação em se fazer um evento, onde se aliasse trabalho e lazer. A presidente do tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte desembargadora Judite Nunes elogiou a escolha do local, o Girassóis Lagoa Resort em tibau do sul, sendo o ambiente propício para a reflexão do tema central sobre a qualidade de vida dos magis-trados potiguares. “saúdo a AMARN e os seus dirigentes pela feliz e corajosa escolha da temática debatida neste congresso”, afirmou a presidente do tJRN. Pres. da AMB Calandra e pres. da AMARN

Azevêdo Hamilton

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A palestra de abertura foi do advo-gado de Minas Gerais Antônio Loureiro sobre magistratura de qualidade de vida. No segundo dia do evento, a Mestre em Administração pela Fundação Getulio Vargas Maria Elisa Macieira falou sobre gestão de estresse, e depois o Professor doutor da universidade Federal da Para-íba (uFPB), Valdiney Gouveia divulgou a pesquisa realizada, de junho a agosto deste ano, sobre estresse ocupacional em Magistrados da Paraíba e do Rio Gran-de do Norte, feita pela uFPB, com o apoio da AMARN.

Congresso foi realizado em hotel de Tibau do Sul

“O congresso foi excelente, porque deu a oportunidade para juízes do Rio grande do norte olharem a magistratura de outra forma e também discutirem temas, que geralmente passam despercebidos no nosso cotidiano que é a questão do estresse. Isso é uma iniciativa pioneira da AMARn e espero que seja estendida a outros

estados, porque deu a oportunidade de juízes relaxarem e discutirem temas tão importantes como a qualidade de vida”

Antônio silveira - presidente da AMPB

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A palestra de encerramento foi do mi-nistro aposentado do stJ José Augusto Del-gado sobre a magistratura e sociedade, onde ele destacou a importância de se promover as coisas boas realizadas pela justiça para que a população tenha conhecimento e não faz apenas críticas.

o presidente da AMB – Associação de Magistrados do Brasil – desembargador Nel-son Calandra elogiou o congresso e a escolha do tema. Ele falou ainda, durante o discurso de abertura, sobre as lutas da magistratura neste ano, principalmente em relação às ne-gociações salariais de 14,75%.

Participantes assistem a palestra sobre gestão sem stress

Juíza Hadja Rayanne, pres. da AMPB, Pres. da AMARN e a palestrante Maria Elisa Macieira.

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“O cenário é absolutamente propício para a reflexão do tema central que é a magistratura e qualidade de vida. nos faz refletir que a trajetória e a atuação de um juiz não é apenas a aplicação de um emaranhado de conhecimentos jurídicos, mas se reveste da soma destes e de todas as diversas facetas do cotidiano de todo homem, como sua personalidade e seus valores. Para julgar o ser humano, o juiz precisa ser cada vez mais humano”

Desembargadora Judite nunes - presidente do Tribunal de Justiça do Rn

“O congresso foi muito bom. Um tema muito adequado, as palestras excelentes e o fechamento pelo meu amigo ministro José delgado, foi extraordinário”

Desembargado nelson Calandra - presidente da AMB

“O congresso teve uma característica muito interessante que foi fazer com que nós pudéssemos usufruir com a nossa família de um momento científico e também de lazer. O modelo desse congresso foi concebido com muita propriedade pela associação, porque quebra o paradigma de se participar de eventos dentro de auditórios usando paletó e gravata. Então, aqui, a gente se divertiu, curtiu as belezas da praia e participou de um congraçamento com os colegas e, acima de tudo, uniu a magistratura. Eu acho que esse modelo veio para ficar e a AMARn está de parabéns pela iniciativa”.

Juiz Mádson Ottoni - Vice-presidente da AMARn

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A arte esquecida da educação

Em 2009, o Brasil se posicionou em 53º lugar na avaliação do Programa internacional de Avaliação de Alunos (PisA), realizado pela organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (oECD). o exame testa as habilidades de estudantes nas áreas de leitura, matemática e ciências. Foram avaliados 65 países. O primeiro lugar ficou com a China. Desde 2001 não conseguimos sair dos últimos lugares.

Em 2010, a Folha de s. Paulo noticiou que o Brasil caiu da 76ª para a 88ª posição no ranking de cumprimento de metas para acesso à educação básica mantido pela organização das Nações unidas para a Educação, Ciência e Cultura (uNEsCo). Participam dele 128 países.

Não é incomum ver erros grosseiros de português, história e até matemá-tica nas classes ditas formadoras de opinião, egressas de cursos universitários ditos superiores. os sucessivos insucessos na aplicação do exame nacional do ensino médio (ENEM), que são somente uma extensão no campo adminis-trativo do fracasso geral da educação mesma. A lista é considerável.

Por fim, e mais grave em minha opinião, é a contaminação ideológica das escolas, que nas mãos de professores comprometidos com uma torpe noção de luta de classes, utilizam as salas de aula para reproduzir erros grosseiros de interpretação histórica, transformando o que seria educação em doutrinação política. Deste problema tivemos o recente exemplo com a invasão da reito-ria da universidade de são Paulo (usP) por algumas dezenas de, por assim dizer, estudantes que pretendiam ver fora do campus universitário a polícia militar, que dias antes havia abordado alguns alunos na posse de maconha.

uma das respostas para esta lamentável situação tende inevitavelmente a considerar que a esterilidade de nossa educação está ligada em proporção direta com a quantidade de recursos alocados no sistema de ensino. Mais re-cursos significariam, portanto, melhor desempenho nos testes. Arrisco dizer

// ARTIgO

Odinei W. Draeger

Juiz da 1ª Vara Cível de São Gonçalodo Amarante

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que esta é uma tentativa válida, mas o diagnóstico por ela obtido é completamente insuficiente para responder qual o motivo do desempenho sofrível de nossos alunos.

Não pretendo mostrar o quadro geral do problema, isso tra-ria sérias conseqüências de ordem psicológica, nem dar uma res-posta definitiva para qual seria a solução, mas faço uma reflexão que acho bastante útil para entender uma parte da questão: foi um erro substituir a educação clássica pela moderna. o método clássico por meio das artes liberais é consideravelmente melhor para o sucesso da educação.

O que são artes liberais? São sete disciplinas que foram usa-das como ferramenta de aprendizado na antigüidade, e foram posteriormente sistematizadas em seu modelo mais conhecido na idade Média, onde foram separadas em trivium (gramática, retórica e lógica) e quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia). o termo liberal não deve ser erroneamente com-preendido com uma noção de falta de limites, ou de falta de método. Liberal significa, no contexto educacional e no senti-do clássico, a contraposição aos conhecimentos que não eram livres porque ensinados por corporações de ofício para fins de profissão, mas eram antes de mais nada destinados à pessoa do estudante, para seu crescimento pessoal.

Durante a idade Média, equivocadamente chamada de Idade das Trevas por influência de alguns iluministas tão despro-vidos de conhecimentos históricos quanto dotados de malícia, as artes liberais conheceram tamanha estabilidade que culmi-naram com o imbatível edifício filosófico da escolástica. Isto é, por si só, sinal suficiente para encará-las com mais respeito do que a mera curiosidade sobre um evento dado em um passado distante. Não há dúvidas de que mestres como são tomás de Aquino e santo Alberto Magno, autores de verdadeiros tesou-ros da filosofia e da teologia, foram educados inicialmente nas artes liberais. Essa era a regra dos estudos superiores na época, para os quais as artes liberais representavam uma espécie de preparação.

Mas longe de ser somente uma etapa para os estudos su-periores universitários, que na época se limitavam a teologia, medicina e direito, o trivium e o quadrivium eram ferramentes verdadeiramente formadoras, que permitiam ao estudante do-minar a artes de compreender a realidade e de transmiti-la com

a maior exatidão possível. outras características peculiares para nós: a educação começava por volta dos quatorze anos de idade, não era compulsória e não era ministrada com exclusividade pelo estado. De modo geral, só estudava quem queria e só ensi-nava quem merecia.

No trivium, por exemplo, a gramática ensinava o estudante a se expressar e a entender os outros com correção, por meio do domínio dos símbolos da linguagem. A lógica apresentava-lhe os métodos de verificação do pensamento correto e, portanto, da investigação da verdade. A retórica permitia que ele, usando a linguagem correta e sabendo a verdade, se expressasse com o máximo de propriedade. Deste modo, a educação consistia inicialmente não em acúmulo irresponsável de conhecimento, mas na captura de uma espécie de cultura indispensável para que a investigação intelectual fosse possível. os debates lógicos medievais demonstram a força dessa formação: a argumentação erística, aquela pautada em manobras retóricas que buscam fu-gir da questão principal, era prontamente desmascarada pelos debatedores, que desde cedo eram treinados a identificar a pa-tifaria dos sofismas.

Essa noção, de que o estudante deveria primeiro ser apre-sentado às ferramentas que mais tarde lhe dariam condições de prosseguir na investigação de qualquer outro assunto, foi subs-tituída pela educação compulsória e universal e, por causa da

Alegoria da Gramática, por Laurent de la Hyre

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tendência à nivelação mais rasa, criou um obstáculo considerá-vel para que o estudante pudesse alcançar o melhor resultado possível. Além disso, a educação moderna prefere que sejam ministradas disciplinas que tenham alguma conotação prática ou social, em detrimento daquelas que realmente possuem valor intelectual. Não é incomum medir o valor de um currículo, por exemplo, com a quantidade de horas destinadas a aulas de infor-mática ou às terríveis “noções de cidadania”.

A burocracia prussiana criou, ainda no séc. XViii, a forma-tação básica da educação moderna, e que perdura até hoje: uma quantidade concentrada de conhecimento específico, ministra-da em módulos diários com não mais de uma hora de duração, compulsória e dirigida pelo estado. A ênfase era no adestramen-to dos alunos para matérias uteis ao estado. Não havia propria-mente uma preocupação com o aluno.

Dorothy sayers, em seu famoso livro the Lost tools of Le-

Ilustração das sete Artes Liberais, por Herrad Von Landsberg

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arning (as ferramentas esquecidas do aprendizado, numa tra-dução livre), defende que “muito embora nós freqüentemente tenhamos sucesso em ensinar matérias/assuntos aos alunos, nós falhamos lamentavelmente em ensiná-los a pensar”. Esta é a temática central da educação clássica. Ensinar a pensar, e não somente ensinar assuntos, tanto que inicialmente toda a atenção do estudante é dedicada ao aprendizado dos meios pelos quais posteriormente o conhecimento será adquirido.

No Brasil não é possível comparar as duas formas de educa-ção porque as artes liberais não são aplicadas, pelo menos não que eu saiba, em nenhum currículo escolar. Nos Estados uni-dos, entretanto, onde no séc. XX houve um renovado interesse pela cultura clássica, como provam obras como “o trivium” de Miriam Joseph e “Como Ler Livros” de Mortimer Adler, há experimentos muito bem sucedidos na aplicação da educação clássica. os resultados indicam não só que os estudantes inicia-dos nos estudos clássicos possuem melhor preparo intelectual, mas também que seu desempenho no mercado de trabalho é superior.

segundo a Association of Classical and Christian schools (Associação de Escolas Cristãs e Clássicas) dos Estados unidos, em 2010, escolas que adotaram o método clássico de ensino, usando as artes liberais, tiveram desempenho superior que a média nacional em testes de matemática, inglês, ciências, leitu-ra e redação. quando comparadas individualmente com outras categorias de escola (públicas, particulares, religiosas etc.), as es-colas clássicas também alcançam resultados superiores em todos os quesitos analisados.

Por exemplo, na pequena cidade de Moscow, no estado americano de idaho, inspirada pelo movimento de recuperação da educação clássica, foram fundadas a Logos school e o New saint Andrews College, onde são ensinados o trivium. Em uma reportagem da emissora CBN (vídeo disponível no site da escola www.logosschool.com), Kjell Christophersen, um dos empre-sários da pequena cidade, conta a história de como duvidava que aquela educação carente de aulas de informática e outras disciplinas práticas pudesse servir para algo, e de como foi con-vencido pelo diretor da New saint Andrews a contratar apenas um estudante formado pela educação clássica, como forma de avaliar seu desempenho. Depois de algum tempo, pela facilida-

de com que os estudantes aprendiam novas habilidades e conhe-cimentos, a maioria dos empregados (12 de 18) já era de egressos da New saint Andrews.

É notável que nestes casos, o sucesso da educação não de-pende da quantidade de recursos investidos ou da elitização das turmas. Melhor dizendo, não é somente a quantidade de investimento em material, salas, professores e equipamento que resultará na excelência de ensino. Nem obterá melhor proveito o estudante vindo de famílias mais abastadas. Antes disso, um comprometimento com o método adequado para que o conhe-cimento possa ser perseguido pelo estudante de forma espontâ-nea é que faz a diferença, não importa se a escola seja carente e seus alunos venham de famílias humildes.

Numa época em que se acredita piamente que o progresso da técnica e a simples passagem do tempo teriam a força mági-ca de sobrepujar todas as dificuldades existentes, apostando-se tudo numa vaga noção de progresso, constatar que a educação medieval, e todas suas conquistas no campo intelectual, foi pre-terida por um método que criou gerações de estudantes inca-pazes de ler um parágrafo de texto, e que preferem invadir os prédios dos locais onde supostamente estudam, somos forçados a nos perguntar qual é a verdadeira idade das trevas.

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Na sombra da sentinela de pedra

Em 01 de maio de 2011, acompanhado de um grupo de amigos magistrados, parti-cipantes de um intercâmbio de Direito comparado Brasil/Argentina, fizemos o famoso passeio de alta montaña (circuito de alta montanha) na região fronteiriça da Argentina e Chile, porém apenas no território do primeiro. saímos de Mendoza pelo acesso sul, passando diante do magnífico vale vinícola chamado de Lujan de Cuyo, até chegarmos à vinícola Norton, onde, contornando-a, pegamos a Ruta nº 7, o verdadeiro caminho das altas montanhas. No início da autoestrada, sempre ladeada pelo rio Mendoza, já dá para sentir a dimensão da região desértica, rodeada de montanhas com sua mágica coloração cambiante. É incrível como não há, em todo o percurso, nenhum sinal de ser vivo na re-gião, seja vegetal, seja animal. É uma paisagem morta, porém escultural e enigmática, de onde emana uma intensa energia vibracional. Passamos pelas localidades de Vallecitos, uspallata, Punta vacas, Penitentes, até Puente del inca. Antes, porém, de chegar a Puente del inca, o ônibus estacionou às margens da estrada para contemplarmos o Aconcágua do mirante onde, por alguns minutos, observamos o cume gelado e tiramos algumas fotos. E só. No retorno fiquei com um certo sentimento de frustração, pois estivemos com o Acon-cágua ao alcance da vista, o gigante das Américas, no alto de seus 6.962 metros acima do nível do mar, e, no entanto, não podíamos sequer colocar o pé no início do caminho que poderia nos levar um pouco mais próximo do majestoso monte, tocando e sentindo o chão das cordilheiras, pois estava proibida a entrada naquele trecho do mirante, em razão de preservação da área. Segundo o programado o grupo ia ficar até o dia 07 de maio de 2011. Como seria um sábado, fiquei pensando: por que não permanecer nesse dia, fazer um trekking de um dia em meio às montanhas, em direção ao Aconcágua, e só voltar no domingo para o Brasil? Por que não? É intuitivo que minha resolução foi pela permanên-cia. o desejo de me integrar com aquelas montanhas, embrenhar-me naqueles imensos vales, não podia me deixar outra alternativa. Pus-me, então, a iniciar os procedimentos preparatórios. Procurei saber com o concierge do hotel em que eu estava hospedado, qual o guia mais habilitado para fazer o percurso comigo até a primeira base do Aconcágua, chamada Confluência. Tive, de pronto, uma resposta desanimadora:

– o acesso neste período do ano está proibido, pois está se aproximando o inverno e fica perigosa a escalada.

Foi um banho de água fria. todo o meu projeto de ter um contato com a “sentinela de pedra”, (significado do nome Aconcágua, de origem Quechua) estava se desmoronan-do. - Mas – continuou o concierge (e aí notei, com essa conjunção adversativa, que o

// ARTIgO

Paulo Sérgio da Silva Lima

Juiz da 2ª Vara Cível de Natal

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jeitinho brasileiro já ingressou no território de los hermanos) – vou lhe indicar um guia muito conceituado que poderá conseguir uma autorização especial.

Alívio. se existia a possibilidade de dar certo, então ia dar, uti-lizando a lei de Murphy invertida. À noite, recebi uma ligação no meu quarto do hotel. Deu certo!

No dia seguinte apressei-me a comprar todas as roupas e aces-sórios apropriados para montanhismo e para o frio.

No dia programado, o motorista veio me pegar no hotel, num C4 Palas, preto, por volta das 07:00h. Chamava-se Luis Figueroa, e usava um bigode à maneira mexicana. Era muito bem informado. Falava sobre política e economia com desenvoltura. informou-me, inclusive, que fazia pouco mais de uma semana, o Ministro do stF, Joaquim Barbosa, fez um percurso para as altas montanhas e vinhedos com ele, sempre, porém, com o banco bem reclinado em razão de seus problemas de coluna. Fez eloquentes elogios ao Ministro, adjetivando-o de grande humanista.

Na Ruta nacional nº 40 estava no acostamento nos esperan-do o guia Juan Araya, todo paramentado de montanhista e com um invejável porte atlético. Eu, de barriga um tanto saliente e sem preparo físico. o montanhês cumprimentou-me, fez uma rápida inspeção em meu porte, e lançou a pergunta já esperada:

– ¿usted está preparado?– Psicologicamente, sim. Respondi.– Non te preocupes. todo va a salir bien. Retorquiu Juan, ten-

tando me tranquilizar.– Espero, pensei.saimos da ruta nº 40 e entramos da ruta internacional nº 7,

o que me aprouve muito por me proporcionar o deleite das mes-mas deslumbrantes paisagens já desfrutadas ao lado de meus co-legas magistrados dias antes. No início, parreirais com suas cores laranja-amarelas outonais, e, depois, o caleidoscópio de rochas. No caminho passamos por lindas cabanas de madeiras na margem do rio Mendoza.

– Nessas cabanas – disse Luis – há muito conforto, inclusive banho de vinho em banheiras montadas especialmente para esse fim, de cuja posição se pode vislumbrar o rio e as montanhas.

um sonho. quem sabe da próxima vez... (é um perigo desejar!).

Paramos em uspallata, com seus belos álamos ladeando a es-

trada, cenário do filme sete anos no Tibet, estrelado por Brad Pitt, para tomarmos um café fumegante que caiu muito bem naquele frio matinal de 4ºC.

Aproveitamos para comprar água, chocolate, iogurte, cereais e sanduíche, necessários para a subida, e seguimos viagem, ouvin-do as observações sobre a região sempre pertinentes de Luis.

– onde pretende jantar hoje à noite – quis saber Luis– Em qualquer lugar que tenha um bom prato e um bom

vinho, respondi.– Então, sugiro-lhe o restaurante siete cocinas. É considerado

um dos melhores da Argentina, retratando as sete regiões do País, e conta com um sommelier que faz acompanhar os pratos com excelentes vinhos, numa boa relação custo-benefício.

– É justamente o perfil de restaurante que me apetece.– Posso fazer a sua reserva?– Por favor Em poucos minutos a reserva foi confirmada por telefone.

Luis era enófilo, e me relacionou vários vinhos desconhecidos do mercado exterior que são iguais ou até melhores do que os grandes vinhos exportados, porém, num preço pelo menos cinco vezes me-nor. Citou, dentre tais rótulos, o Branques, Pura sangre, Brujo e Judas. Fiquei curioso para conhecer essas raridades. Aguardemos, então, a noite chegar.

Após duas horas de viagem, chegamos finalmente no Parque Nacional do Aconcágua. Juan conhecia os guardas do Parque com grande familiaridade, o que ficou claro com os efusivos cum-primentos mútuos (daí o franqueamento da entrada).

Assinado o livro de entrada e paga a taxa, começamos a tão esperada jornada, caminhando cerca de vinte minutos até o lago Horcones, com suas águas verde-esmeralda, assomando como um oásis no meio do deserto, a uma altitude de 2.950 metros acima do nível do mar.

– são aproximadamente 16 kilômetros, ida e volta, Paulo – observou Juan – temos que manter um bom ritmo para chegar-mos de volta antes de escurecer.

Esses dezesseis quilômetros se traduzem, para iniciantes como eu, em mais de oito horas de caminhada, em razão de ser o per-curso naturalmente íngreme.

Começamos, então, a caminhada na imensidão do vale, so-zinhos em meio a montanhas circundantes. senti-me como uma

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formiguinha. As altas montanhas têm esse condão de nos fazer relembrar a pequenez do homem perante a grandiosidade infinita de Deus.

Passamos pela ponte pênsil, construída pela equipe holliwoo-diana quando da gravação do filme sete anos no Tibet, quando, então, começa efetivamente a linha da trilha em direção ao Acon-cágua, mantendo sempre à esquerda, ribanceira a baixo, o rio Horcones, com suas águas geladas provenientes da confluência (daí o nome do meu destino) do rio Horcones superior, vindo da Plaza de Mulas (uma das bases dos alpinistas) e outro do Horcones inferior, vindo da Plaza de Francia (outra base).

A pressão atmosférica baixa, o ar menos denso, diminuindo o oxigênio, aliados ao aclive do percurso, já de início estavam me fazendo perder o fôlego e ganhar aceleração nos batimentos cardíacos, de modo que passei a caminhar num passo ritmado, devagarzinho, e fazendo um exercício de respiração profunda e também ritmada, em busca de melhor adaptação dos sistemas circulatório e respiratório. o vento forte e frio (abaixo de zero), com velocidades que, de quando em quando, alcançava sessenta quilômetros por hora, castigava a nossa face. Não fossem os ócu-los apropriados, calças climatic, camisa segunda-pele, gorro com proteção das orelhas, e luvas, com certeza seria inviável a subida naquelas condições.

Caminhávamos em silêncio, Juan na frente, e eu o seguindo. o silêncio era quebrado apenas pelo sopro e rajadas do vento e pelo barulho do rio que margeávamos. o olhar na maior parte do tempo se dirigia para a trilha, ante o perigo de pisar em fal-so, tropeçar em alguma pedra ou mesmo deslizar em pequenas placas de gelo formadas durante a noite glacial. Afinal de contas, estávamos na margem de um precipício. De quando em quando, porém, instava levantar os olhos para apreciar e admirar a gran-deza e exuberância da montanhas, com suas formações e colora-ções espetaculares. A cada uma hora, Juan parava para tomarmos água, comer algo e descansar. Eu estava realmente cansado, mas a força de vontade de chegar na primeira base em que os alpinistas profissionais montam tenda para se aclimatarem me impelia para a frente, me motivava. Como diz um ditado chinês: “quando se busca o cume da montanha, não se dá importância às pedras do caminho”.

Após aproximadamente quatro horas de viagem, chegamos

no tão almejado objetivo: Confluência, a 3.400 metros. A base de aclimatação e preparação para subida ao topo do Aconcágua. A base, no entanto, estava totalmente vazia. Havia apenas uma ca-bana de madeira, onde ficam os profissionais do Parque nacional, e uma tenda de primeiros socorros, onde fica a equipe médica, no período em que é permitida a escalada ao Aconcágua.

Em frente à cabana de madeira fica cerro Tolosa, de 5.432m. Por trás o cerro Almacenes, de 5.162m, e na lateral direita o cerro Mirador, de 5.500m, por trás do qual despontava, de maneira ma-jestosa, o Aconcágua.

sentei-me na calçada de cabana para descansar quando vi movimentos entre as rochas. Ser vivo aqui? Pois é. Apareceram inacreditáveis duas raposas dos andes, de pelagem espessa cinza--avermelhada, conhecidas na região como “Zorro Culpeo” ou “Zorro Colorado”. Juan as viu e disse que estava surpreso, pois a aparição de raposas ali, diante de humanos, é coisa muito rara. As raposas foram se aproximando entre curiosas e ariscas. Como eu já tinha retirado o meu sanduíche de presunto e queijo para almoçar, aproveitei para tentar atraí-las, tornando-as mais amis-tosas, alimentando-as. Aliás, não se acalmam os animais sacian-do a sua fome? De longe, comecei a jogar pedaços de sanduíche. sempre com o olhar em mim, pegavam o pedaço e se afastavam. Fui jogando a uma distância mais aproximada. As raposas se ache-gavam. Fui diminuindo a distância e elas não se faziam de roga-das, se aprochegavam para comer. Já conseguia sentir o estado de amistosidade delas, tanto que ousei levar o sanduíche na mão a uma distância de um metro de uma delas, a qual não demonstrava nenhuma ameaça, pois seu sentido estava todo no alimento.

Retornei para o meu assento, para continuar a me alimentar. Juan, preocupado com as raposas passou a jogar pedra nas mes-mas. Não me agradava aquela atitude de Juan, e sutilmente pedi para que as deixasse.

Em seguida, abri uma barra de chocolate. Estava delicioso. Fiquei imaginando a sensação gustativa das raposas se comessem um produto tão agradável ao paladar. Lembrei-me da primeira vez em que chupei um abacaxi quando era criança. Foi uma sen-sação maravilhosa, e de um gosto tão surreal que nenhum sorver posterior dessa fruta conseguiu reproduzir aquela sensação única. É a novidade no paladar. Dentro dessa linha de pensamento foi que resolvi jogar pedaços de chocolate às raposas, as quais os en-

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goliram com grande deleite. Eu acho que, como eu, elas nunca vão esquecer.

Após a rápida e inusitada refeição junto com as raposas dos andes, sentei-me novamente na calçada da cabana de madeira para apreciar o Cerro tolosa, em cujo cume pontiagudo sopra-va a neve ao vento. uma imagem espetacular que me remetia à meditação da beleza da terra como manifestação divina. Como Juan via meu estado de arrebatamento, pegou o seu celular e pediu para eu ouvir uma música adequada àquele ambiente, enquan-to apreciava a natureza exuberante, deixando-me só em seguida. tratava-se da musica intitulada “society”, de autoria de Eddie Ve-dder, tema do filme “Na natureza selvagem”, retratando a vida de um viajante solitário em meio à – é intuitivo – natureza selvagem.

Ao iniciar a reprodução da música, fato curioso aconteceu. As raposas, como que tocadas, se aproximaram do local onde eu estava, deitaram-se e ficaram quietas, ouvindo a música. Ou-tra sensação maravilhosa e nova para aquelas raposas. Agora no plano da audição. A música era bonita e penosa, realçando essas qualidades diante do quadro em que eu estava imerso: no silêncio absoluto, na solidão, longe da civilização, em meio a uma imensi-dão de montanhas, como que me sentindo no seio de Deus, e com o vento soprando, a um só tempo, a neve do cume do Cerro que se agigantava à minha frente e os pelos felpudos das raposas. Diante daquela cena, com um inesperado fundo musical, fui tomado por um sentimento de êxtase que fez meus olhos umedecerem, e, como que ingressando em um estado de catarse, as minhas lágrimas ver-teram aos borbotões, lavando-me a alma. senti-me num estado de bem-aventurança, portanto mais perto de Deus. É coisa inefável.

Após uma hora de descanso e do leve almoço, despedi-me das raposas e começamos o trajeto de volta. Apesar de trilharmos ago-ra em declive não era menor o grau de dificuldade, mas apenas di-ferente, diante do caráter íngreme do caminho. Por estar na parte da tarde, o sol jogava os seus raios no lado oriental das montanhas, formando novo prisma de cores.

Após uma hora de trilha, as minhas pernas já começavam a dar sinais de fadiga. E após duas horas, o cansaço era total, com repercussão na mente. Caminhava por instinto de sobrevivência, seguindo lentamente o guia, pois se não conseguisse ir adiante a morte ia me perseguir durante a sua noite congelante, com suas temperaturas rondando os - 20ºC.

Aproximando-me do final da caminhada de volta, na hora

crepuscular, já não sentia mais as minhas pernas. Andava apenas com a força da mente, e talvez com a reserva de energia espiritu-al absorvida nas montanhas. Quando fiz o último contorno dos montes baixos dos vales e vi o Luis nos esperando, junto ao seu veículo, a sensação foi de alívio próprio de um moribundo que vê um resgate chegar já nos seus últimos estertores. Ao chegar no veículo fui saudado e festejado pela pequena conquista pessoal. Estava em frangalhos, porém reuni as minhas últimas forças para as congratulações do triunfo em meu teste psicofísico. A duras penas fui forçado por Juan a fazer um alongamento antes de entrar no carro, exercício que no dia seguinte me foi muito útil, pois, ao contrário do que imaginava, milagrosamente não amanheci com as “pernas quebradas”.

Após o alongamento, caí no banco traseiro do carro, parecen-do um queso molido, como bem me definiu Luis.

Partimos de volta à cidade de Mendoza. Caí imediatamente em sono profundo. Minutos após, já na Ruta internacional, o car-ro parou no acostamento, e fui sacudido de meu sono por Juan, sôfrego, chamando-me para ver o voo do condor. Juan, Luis e eu ficamos deslumbrados com a cena. O condor, o pássaro símbolo dos andes, estava voando numa altura estonteante. Era só um pon-tinho móvel na imensidão azul do céu do deserto de Mendoza. Era fascinante ver aquele pássaro de maior envergadura do mun-do planando numa altitude indizível, bailando para nós, como que nos convidando a elevar nossos pensamentos e nossas almas às alturas.

Após esse fecho de ouro do trekking das altas montanhas deitei novamente no banco traseiro do carro para retornar ao meu sono restaurador, agora com a mente embalada pelos pensamentos das maravilhas recém-apreciadas, os quais se viram, de repente, mes-clados com as palavras poéticas de thomas Mann:

“segue-nos através dos campos,Vai conosco às montanhasComo é bela a vida erranteo universo por país; tua vontade por lei,E sobretudo aquela coisa inebrianteque é a liberdade, a liberdade!”Em estado de torpor onírico, ainda ouvi, ao longe, a voz fugi-

dia de Luis Figueroa ao celular antes de cair em sono profundo:- Buenas tardes, ¿es el restaurante siete cocinas? Yo quería can-

celar una reservación a nombre del sr. Paulo sérgio, por favor...

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“Esses dois anosforam dos mais felizes”

// CAPA

Foram dois anos de dedicação integral a associação dos magistrados do Rio Gran-de do Norte. Experiência profissional e de vida que o presidente da AMARN juiz Azevêdo Hamilton Cartaxo levará para sempre. Desafios e conquistas fizeram parte da gestão desse homem apaixonado pelo Direito, nascido em Juazeiro do Norte, no Ceará, tendo sua formação educacional e profissional toda segmentada em Natal.

Nessa entrevista à revista Ritos, ele fala da sua atuação, metas e sonhos realizados à frente da AMARN.

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Foram dois anos de de-dicação à presidência da AMARN. O que o senhor destaca de conquistas da magistratura potiguar?

Penso que nossa maior conquista é termos contribu-ído para o crescimento insti-tucional do Poder Judiciário. A AMARN se propôs a ser-vir de porta-voz do desejo da magistratura de ser respeitada em sua dignidade e indepen-dência, tanto externa, quanto internamente. Além disso, a Associação se credenciou de-finitivamente como interlocu-tora institucional da primeira instância com o tribunal de Justiça, num diálogo franco, respeitoso e mais horizontal. Não posso deixar de destacar a forte atuação desta gestão em questões importantes, como a imagem externa da magistra-tura, implantação da Comis-são de segurança para magis-trados, acompanhamento de movimentações na carreira, viabilização local do Auxílio--Alimentação, negociações bem sucedidas para estabili-zação dos pagamentos e qui-tação de PAE e Diferença de Entrância.

Quais foram os momen-tos mais importantes e os mais difíceis?

Fiquei muito emocionado com o apoio e solidariedade

rio. os momentos tristes nestes dois anos, que eu não gostaria de ter vivido, foram a prisão de um colega e a colocação de ou-tro em disponibilidade.

A AMARN tem conseguido despertar nos magistra-dos a importância para as questões associativas?

Não tenho nenhuma dúvi-da que sim. Hoje percebemos que a postura adotada pela Associação, de defesa incon-dicional da impessoalidade e objetividade no dia-a-dia das movimentações na carreira ga-nhou uma legitimação muito maior, a partir da constatação do bem que elas trazem para todos. Afinal, todos ganham com regras justas e transparen-tes. Mais ainda, os juízes con-fiam na disposição da Asso-ciação para encampar pleitos coletivos e a defendê-los em benefício de todos. Ao longo desta gestão, a AMARN se credenciou como representan-te isenta de toda a magistratu-ra, sem qualquer distinção en-tre instâncias ou preferências políticas internas.

Durante a sua gestão, o Tri-bunal de Justiça deu posse a primeira mulher na pre-sidência do órgão. Essa é uma conquista importante para todos os magistrados?

Tenho muito orgulho de relatar que de todas as propostas que fizemos durante a campanha em que fomos eleitos e que dependiam exclusivamente da atuação da AMARn, 100% foram cumpridas”.

dos colegas à nossa defesa da independência dos juízes de Mossoró em seus conflitos com alguns advogados. Nossa sustentação oral perante o plenário do CNJ também con-tribuiu para o reconhecimento de que a voz da Associação de Magistrados deve sempre ser ouvida pelo Poder Judiciá-

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Com toda certeza, nossa magistratu-ra tem orgulho de ter a Desa. Judite Nu-nes presidindo nosso tribunal. Além da sua condição de mulher, ela é um exem-plo de honradez. sua posse é um ato de reconhecimento ao importante papel da mulher em nossa sociedade e no merca-do de trabalho.

Qual a imagem do Judiciário poti-guar?

Ainda longe do ideal, acompanhando um fenômeno que acontece nacional-mente. De forma geral, nossa comuni-cação com a sociedade é muito ruim, já que trabalhamos e produzimos muito e ainda assim não conseguimos demonstrar ao cidadão comum tudo que vem sendo feito em benefício dele. Mas parte desse fenômeno é que não conseguimos mos-trar a revolução interna que aconteceu nos últimos dez anos, com sistemas infor-matizados, processos digitais, audiências gravadas, modernização de gestão etc. A imagem que existe na cabeça das pessoas é a de processos empoeirados e máquinas de escrever, algo que não corresponde à realidade. isso tende a melhorar com o tempo, mas poderá não acontecer se continuarmos a sermos soterrados com a demanda de 24 milhões de processos por ano que entram anualmente no Brasil.

O excesso de trabalho, a pressão e as metas a serem atingidas são alguns dos temas que mais preocu-pam os magistrados no Brasil?

um juiz brasileiro julga em média seis processos por dia e ainda decide várias liminares, faz audiências e toma

conta de tarefas burocráticas e de admi-nistração. o número de processos cres-ce em média 3% ao ano e o número de juízes e funcionários não acompanha. o Judiciário chegou hoje ao limite da responsabilidade e, realmente, são ne-cessárias outras medidas para impedir que processos desnecessários sejam ajui-zados, sob pena de vermos problemas importantes deixarem de ter a devida atenção, devido ao excesso de trabalho a que os magistrados estão submetidos.

Neste ano, infelizmente, tivemos o caso da juíza assassinada no RJ. Ser juiz é uma profissão de risco? E aqui no RN?

Assassinatos de juízes são fatos gra-víssimos que atentam contra o próprio estado de direito. Apesar de convivermos necessariamente com algum grau de ris-co, a magistratura precisa ser adequada-mente protegida, porque é o braço forte da sociedade na punição do crime, seja em que esfera social ele estiver. Longe de se buscar um privilégio para os juízes, se busca um tratamento adequado, para garantia do bom desempenho da função de proteger a comunidade. Como disse Coutoure “onde se matam juízes, ne-nhum cidadão está seguro”. Apesar de tudo isso, não há motivo para pânico, nem no Brasil e nem no RN, pois estão sendo tomadas medidas adequadas para proteção de juízes em situação de risco.

Quais foram as principais realiza-ções da AMARN durante a sua ges-tão?

Considero que contribuímos para

um relacionamento mais próximo com a sociedade e uma melhoria da imagem do Poder Judiciário, através de uma boa comunicação com a imprensa. Melhora-mos o diálogo e hoje contamos com uma relação muito cordial com o tribunal de Justiça. o fundamental é que o foco institucional foi mantido, com avanços conquistados pela AMARN na questão da inamovibilidade dos Juízes Auxiliares e substitutos, objetividade e impessoalida-de nos critérios para abertura de comar-cas e substituição de Desembargadores. também no plano institucional tivemos sucesso no CNJ com a fixação da regra de que as nomeações por merecimento para as turmas Recursais devem ser fun-damentadas e obedecer aos quintos suces-sivos na lista de antiguidade. Além disso, trabalhamos ativamente pela melhoria das condições de trabalho dos colegas, buscando o aperfeiçoamento dos sistemas de informática e a expansão do quadro de assistentes, com boas perspectivas de im-plantação para o ano que vem. quanto à gestão da AMARN, entregamos a As-sociação com as finanças equilibradas, graças à “responsabilidade” fiscal que adotamos em toda a gestão e estamos em fase final de implementação do plano de investimentos imobiliários da AMARN, que deverá assegurar o patrimônio da as-sociação no logo prazo. Do ponto de vista da integração, realizamos um Congresso Estadual de Magistrados inovador focado em qualidade de vida e que teve aprova-ção entusiasmada dos colegas que parti-ciparam e dos visitantes. Como se pode perceber, é apenas um pequeno resumo, foi uma gestão de muito trabalho, bem

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sucedido graças a nossa diretoria. tenho muito orgulho de relatar que de todas as propostas que fizemos durante a campanha em que fomos eleitos e que dependiam exclusi-vamente da atuação da AMARN, 100% foram cumpridas.

O que mudou, na sua vida profissional, a experiência de ser presidente da AMARN?

Hoje sou mais paciente e capaz de negociar soluções. o exercício do cargo de Presidente, que nesta gestão funciona mais como um co-ordenador com dedicação integral, foi um exercício prático de demo-cracia e me fez aprender muito com os meus colegas. Nossa direto-ria é de uma qualidade extraordi-nária e seu comprometimento com o trabalho é inspirador. trabalhar ao lado deles foi uma honra.

Qual a lição que fica? sem dúvida, aceitar o convite

dos colegas de chapa para disputar a Presidência foi uma das melho-res decisões que já tomei. Estes dois anos foram dos mais felizes que vivi. quando assumi eu disse que a AMARN não era para mim um projeto de engrandecimento pessoal e prometi servir aos co-legas na Presidência com meus melhores esforços. sei que honrei essa promessa e agradeço a minha magistratura pela oportunidade. Como grupo, tenho certeza de que lutamos o bom combate e fizemos

por merecer a confiança deposita-da em nós pelos colegas que nos elegeram.

O que o senhor vai fazer de-pois que deixar a presidência da associação?

Como não vinha tirando fé-rias durante o mandato, pretendo descansar um pouco. Depois, é voltar a fazer o que amo, ser Juiz (risos), possivelmente no sistema dos Juizados Especiais. Ainda não é possível saber, porque integro o quadro de Juízes Auxiliares. No plano pessoal, pretendo continuar a participar ativamente da política associativa e ajudar a próxima ges-tão da AMARN em tudo que eu puder.

Um sonho de gestão não re-alizado?

No âmbito das conquistas fi-

nanceiras, ainda não desisti de ver realizada a redução da diferença entre as entrâncias, como já acon-teceu em 15 outros Estados do Brasil. também não conseguimos viabilizar a contratação de assis-tentes para todos os juízes, devido a problemas orçamentários no tJ. Lutaremos até o último dia destes três meses que restam no manda-to para conquistar esses objetivos. se ainda assim não tiver sucesso, pretendo ajudar a próxima ges-tão a concluir esses projetos que iniciamos.

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Sérgio Dantas

// Ensaio

o juiz

revela talentos na arte da fotografia

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01. Ponte Newton Navarro, vista a partirda rampa de acesso ao Forte dos Reis Magos.02. Juiz sérgio Dantas - juiz auxiliar da 1ª Vara Cível de Natal.03. Árvore do amor, em Barra de Maxaranguape.04. Barco pesqueiro encalhado na Praiade Búzios.05. sertão – Fazenda Lajes, Marcelino Vieira/RN.06. Vista parcial noturna do elevador Lacerda, em salvador, com Baía de todosos santos em segundo plano.

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76,3% Entre os meses de junho e agosto deste ano, os pesquisadores Valdiney

Gouveia e Nilse Chiapetti junto com a psicóloga Giovanna Petruci realiza-ram uma pesquisa com magistrados do Rio Grande do Norte com o objetivo de investigar a incidência de estresse ocupacional e suas implicações para a saúde mental e bem-estar dos juízes estaduais.

A pesquisa, com o apoio da AMARN, foi feita através de questionários na internet sobre condições de trabalho, quantidade e qualificação de servi-dores, estrutura física dos ambientes de trabalho, segurança e área de traba-

// Pesquisa

dos magistrados do RN têm sintomas de ansiedade e depressão

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lho. 118 magistrados responderam ao questioná-rio, sendo 50,8% do sexo feminino, casada ou em união estável 72% das juízas pesquisadas.

De acordo com os resultados da pesquisa, 76,3% dos magistrados do Rio Grande do Norte apresentam sintomas de ansiedade e depressão. o que significa que os profissionais estão submetidos a níveis inadequados de saúde psicológica, o que está associado ao estresse ocupacional. o tema vem sendo discutido e pesquisado em diversas áre-as profissionais a partir de modelos teóricos e está relacionado às exigências psicológicas enfrentadas por profissionais como pressões quantitativas( tem-po e velocidade na realização do trabalho) ou qua-litativas (conflitos entre demandas contraditórias).

A categoria alta exigência, segundo a metodo-logia da pesquisa, indica alto estresse ocupacional e o trabalho passivo, a presença de estresse interme-diário. Já a categoria trabalho ativo indica estresse positivo e baixa exigência, condições de trabalho adequadas.

De acordo com os resultados da pesquisa, os juízes do Rio Grande do Norte têm problemas com o estresse ocupacional e as consequências podem afetar a sua qualidade de vida. quanto maior o es-tresse ocupacional, menor a satisfação com a vida e maiores os sintomas de ansiedade e depressão.

Quanto às condições de trabalho:38,6% - totalmente insatisfatório;33,7% - insatisfatório.

segurança no trabalho:37% - totalmente insatisfatória;32% - insatisfatória;11% - satisfatória;5% - totalmente satisfatória.

satisfação no trabalho:35,7% - totalmente satisfeitos;41,6% - Mais ou menos satisfeitos;20,8% - insatisfeitos.

Área de trabalho:44,1% - Varas Cíveis;15,3% - Varas Criminais;26,3% - Varas Cíveis e Criminais;14,4% - Não informaram.

número de processos sob a responsabilidade de cada magistrado:De 150 a 9.000 processos, sendo o valor médio de 2,400 processos por juízes.

Estresse ocupacional:34,8% - Alta exigência (indicadora de alto estresse ocupacional)23,7% - trabalho passivo;24,6% - trabalho ativo;16,9% - Baixa exigência.

Dados da pesquisa:

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será que o ministro torquemada conseguiu alguma sinecura no reino dos céus?

o ministro Alcindo torquemada era um homem com muito prestígio dentre os seus pares, tendo sido durante dez anos ininterruptos presidente do tribunal de Contas do Estado, quando a lei determinava que o mandato do presidente fosse de dois anos, não permitindo a reeleição. o Dr. Alcindo, quando estava chegando ao término do seu mandato legalmente estabelecido em dois anos, deu um golpe na lei, a exemplo das forças armadas que golpearam o estado democrático de direito do Brasil em 1964, argumentando que como a redentora salvara o Brasil do comunismo, a sua permanência na presidência daquele areópago de contas salvá-lo-ia de uma bancarrota institucional. Então, após uma década presidindo o tribunal de Contas estadual, o ministro Alcindo torquemada foi defenestrado do cargo que foi entregue ao general Pantaleão, um mi-litar recentemente aposentado, nascido lá nos pampas do Rio Grande, que comandara uma unidade do exército aqui em Natal, o qual, tendo se apaixonado pela capital potiguar mas não desejando ficar em casa levando os netos para a escola e fazendo pa-lavras cruzadas, fora condecorado pelo Governador do Estado com a toga presidencial daquela corte, significando um prêmio para aquele democrata que devotara toda sua vida castrense pelo amor à pátria.

trabalhando como secretária do ministro torquemada, Ana Júlia começou a namorá-lo, o qual terminou se apaixonando por ela, tendo se separado de sua esposa que padecia, naquela época, de um câncer incurável. Ele abandonou o seu lar e os seus filhos e comprou um apartamento para morar com Ana Júlia, satisfazendo-lhe todos os gostos mais bizarros, a qual aprendera a explorar financeiramente aquele velhote endinheirado que estava por completo enrabichado por ela. De uma mulher de origem humilde que sempre exercera a profissão de manicure, Ana Júlia se transformou em uma dondoca ociosa e fútil, figurando com freqüência nas colunas sociais dos jornais da cidade, renegando todos os parentes pertencentes à sua família de origem modes-ta, inclusive escondendo de todos que residira no passado à Rua Américo Barbalho

// ARTIgO

Francisco de Assis Brasil Queiroz e Silva

Juiz de Direito titular da 3ª Vara Criminal do Fórum Varella Barca da Zona Norte de Natal, RN e Professor de Direito Penal da UNP

(Qualquer semelhança com algumas pessoas vivas ou mortas trata-se de mera coincidência)

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no Alecrim, pois passando a residir com o Dr. Alcindo em um condomínio de luxo no Alto da Candelária, passara sua infância e juventude no aristocrático Bairro do Tirol, estudando na refi-nada Escola Doméstica de Natal.

Pouco tempo antes do Dr. Alcindo se aposentar, Ana Ju-lia, antevendo que não iria desfrutar das regalias que gozava quando o mesmo fosse defenestrado do serviço público, resolveu terminar com este casamento que não era mais do seu interes-se. Então, resolveu amancebar-se com alguém que lhe pudesse bancar a sua frívola existência, pescando desta vez o deputado Amarildo Mariz, conhecido como o protetor dos pobres, o qual era um médico idoso e rico que se elegera parlamentar consultando e distribuindo remédios de graça para a população pobre do Estado. sempre depois das sessões da Assembléia Legislativa, ao entardecer, ele caminhava invariavelmente para o Grande Pon-to para conquistar jovens empregadas domésticas, pois o velho tinha uma tara especial por essas modestas profissionais do lar. Dalí ele e a sua seduzida rumavam para o bordel dos coqueiros que ficava entre a Ribeira e as Rocas, já que naquela época ain-da não tinham chegado em Natal os denominados motéis para abrigar tais encontros clandestinos, e lá o médico da pobreza,

exímio caçador preferencialmente de graciosas antílopes, aba-tia com avidez aquela assustada gazela que houvera caçado em pleno centro de Natal. se algum amigo do deputado Amarildo Mariz se aproximasse dele, por eventualidade, durante a inves-tida que ele estivesse realizando contra alguma operária do lar, acolá no denominado Grande Ponto, ele mudava repentinamente de assunto, fingindo que estivesse prescrevendo algum medica-mento para aquela pobre eleitora que o consultara em plena via púbica.

A comborçaria de Ana Júlia com o deputado Amarildo du-rou pouco tempo, pois ele teve uma trombose que lhe mutilou a vida, prendendo-o a uma cadeira de rodas, ficando impedido de comparecer às sessões do parlamento onde ele representava os seus eleitores, ao seu consultório onde clinicava de graça para seus pacientes e, obviamente, ao Grande Ponto, onde exercia todas as tardes sua arte venatória. Ana Júlia, diante da situação, lhe foi categórica:

- Amarildo, eu vou me mandar atrás de outro bofe novo e rico que me sustente, pois agora você é um velho imprestável, entravado em uma cadeira de rodas e sexualmente borocoxô que deveria ir para o asilo.

Centro da Ribeira

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- Mas como você pode me abandonar neste momento de minha vida em que eu mais preciso de você!

- Não nasci para ser enfermeira de velho paralítico. - Você não tem medo de ser castigada por Deus por ser tão

mal agradecida, desumana e cruel?- que nada, ainda sou coco que dá bastante leite! Mas Ana Julia, tempos depois, não teve destino muito di-

ferente do fado do Dr. Amarildo porquanto, no final da vida, tendo ficado sem eira e nem beira pois não tinha mais idade para seduzir os homens, foi recolhida ao Retiro das Enjeitadas, uma oNG que recolhia órfãs, moradoras de rua e pistoleiras cujas pólvoras das respectivas pistolas não mais queimavam...

Rosenildo que era o marido de Ana Julia antes desta trocá--lo pelo ministro, trabalhara durante vinte anos para o Dr. os-valdo Farildo, mas fora demitido pelo mesmo, recebera todos os seus direitos trabalhistas, mudando-se para a Zona Norte de Natal onde montou seu próprio negócio, exercendo com esmero a técnica de converter a farinha de trigo em pão que aprendera na empresa do seu antigo patrão. Passou a conviver com salésia, uma prima neurótica que migrara de são Paulo para Natal, a qual houvera se divorciado do seu marido, bissexual assumido, que deixara salésia para conviver com o seu namorado, porta--bandeira da escola de samba do salgueiro da cidade do Rio de Janeiro, tendo-o conhecido no carnaval daquela cidade mara-vilhosa. um certo dia, quando salésia retornava para a cidade de são Paulo, depois de passar umas férias de janeiro com sua família aqui em Natal, encontrou na cabeceira do leito nupcial do casal, dentro do seu lar naquela capital paulista, uma carta de adeus do seu marido, revelando-lhe que houvera se apaixonado perdidamente pelo seu namorado carnavalesco, com quem iria convolar bodas, edificando assim a sua nova família.

Rosenildo manteve a pequena padaria na Zona Norte de Natal sempre com ajuda de salésia que era uma mulher dili-gente até que, não suportando os freqüentes assaltos de que era vítima sem que a incompetência dos agentes de segurança públi-ca do Estado resolvesse o problema, decidiu vender o seu fundo de comércio aposentando-se da atividade de padeiro. Ainda continuou residindo algum tempo em Natal, convivendo com salésia, tolerando com uma paciência monástica a sua persona-lidade psicopática que antes de se unir a ela a desconhecia por Rua Chile, na Ribeira

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completo, caracterizada dentre outros sintomas pela repentina variação de humor, constante agitação psicomotora e fácil ir-ritabilidade. um dia, foi embora com ela para o sertão onde herdaram uma fazenda, fixando residência na terra natal de Sa-lesia, uma média cidade do alto-oeste potiguar de onde ela saíra há muitos anos atrás para a capital paulista com o objetivo de morar com um seu irmão que lá se estabelecera. Rosenildo e sua mulher assumiram uma vida tipicamente rural, sentando todas às tardes na calçada da residência para jogar conversa fora com os vizinhos, ou seja, para satisfazer o desejo mórbido de salésia em saber da vida alheia, ocupação que ela exercia com sofregui-dão desde a época em que residia em são Paulo quando sempre sabia dos escândalos envolvendo as pessoas que morassem aqui no Estado antes dos próprios potiguares residentes cá no Rio Grande do Norte.

quanto ao ministro, este, coitado, já vestido de pijama, amargando uma viuvez já bem antiga de sua primeira virtuo-sa esposa e o repentino desprezo da sua fútil segunda mulher, além de queda, coice, porquanto também foi rebaixado de pa-tente, tendo perdido o status de ministro que sempre ostentou com muita vaidade durante toda sua vida, sendo agora rotulado de conselheiro, posto que, com a nova Constituição Estadual de 1989, os membros titulares do tribunal de Contas do Estado passaram a receber tal denominação. Por conta disto, o porteiro do edifício onde ele morava, tomando conhecimento que o mi-nistro agora era conselheiro, certa tarde de domingo o procurou falando-lhe o seguinte:

- Doutor, desculpe lhe incomodar, mas resolvi pedir-lhe um conselho pois estou com a intenção de abandonar a minha pa-troa com quem sou casado há trinta anos, sendo a mãe dos meus dez filhos, por uma menina novinha que arranjei, ainda chei-rando a leite, pois, o Sr. sabe, o cavalo quando fica velho gosta mesmo é de capim novo.

o Dr. Alcindo, que nem ao menos o mandara entrar em seu apartamento, diante de tamanha estultice do pobre homem, o fuzilou com os olhos, dizendo-lhe de dedo em riste o seguinte: -- Retire-se imediatamente de minha residência e me respeite porque quem um dia foi rei como eu nunca perde a majestade.

o coitado do porteiro, tal qual um cão que foge com o rabo entre as pernas, desceu as escadas do prédio em desabalada car-

reira com a cabeça mais confusa do que nunca, pois o doutor que fora ministro e virara conselheiro agora lhe dissera, furioso, que também fora rei...

A rigor, o conselheiro Alcindo torquemada não seria a pessoa certa para dar conselhos desta natureza a ninguém, pois quando era da idade do porteiro resolvera aventurar-se em se-melhante epopéia, tendo dado com os burros nágua, encontran-do-se ali, suportando a sua velhice, morando sozinho naquele apartamento. Ele fora esquecido por todos, até pelos seus pró-prios filhos, que nunca lhe perdoaram o fato de ter abandonado Dona solange, mãe dos mesmos, quando esta se encontrava em estado terminal apodrecendo gradativamente em razão da me-tástase de natureza cancerosa que já lhe devorara quase todos os tecidos do seu organismo.

Como se fora um castigo que sofrera pelo fato de tanto mal-versar o numerário público, seja como secretário de finanças do Estado quando o desviava para sua conta pessoal, seja como membro da corte de contas estadual quando condescendia com os alcances praticados pelos agentes públicos, o Dr. Alcindo ter-minou a vida praticamente sem fundos, tendo apostatado a fé da igreja Católica Apostólica Romana na qual tinha sido edu-cado para desgosto de sua santa mãezinha que há muito tempo estava no céu e professou a seita da igreja universal do Reino dos Céus. o ministro desta última onde ele começou a freqüen-tar, aproveitando-se que o mesmo estava decrépito, o convenceu a vender os seus bens e doar todo o dinheiro auferido para as obras sociais da igreja, prometendo-lhe que esta sua caridosa ação lhe renderia um ministério no reino dos céus quando o mesmo vestisse o paletó de madeira, visto que aquele pastor loteava cargos no céu. Por óbvio, torna-se humanamente im-possível saber-se nesta vida terrena se a promessa do ministro religioso foi cumprida quando o Dr. Alcindo pagou o tributo à natureza, tornando-se evidente que os seus fundos não foram para nenhuma obra social da mencionada igreja, mas serviram para vitaminar significativamente a conta bancária e pessoal da-quele sacripanta que o engabelara em vida, o qual sabia como tantos outros daquela mesma seita evangélica, trapacear os ingê-nuos fieis da mistificadora Igreja Universal do Reino dos Céus.

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uma caricaturada politizaçãono judiciário

A segunda metade do século passado assinalou um interesse científico pela compreensão das atividades humanas em grupo. Estabelece-se assim um novo método para entender não a apenas a relação indivíduo-sociedade, mas as situações que levam indivíduos a se unirem em torno de um objetivo comum. os pequenos grupos são dessa forma estudados como uma unidade de aproximação dos seres sociais, firmando complexos processos de compor-tamentos, regras e valores.

Nessa linha de raciocínio, vem a propósito um acontecimento cuja es-pecialidade se destaca como um bom modelo de hipótese-problema para estudo das variantes deontológicas que determinam a carreira de um magis-trado. Refiro-me ao caso de um advogado que, antes do término do biênio eleitoral, teria se desligado do tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte para assumir o comando de um partido local. Depois de avisar que tomo a narrativa do episódio apenas para refletir sobre ética e legalidade, inquieta-nos saber da permissão normativa para que ex-juízes eleitorais pas-sem a realizar o papel partidário durante o período do biênio, logo após o afastamento das funções.

será útil examinar que a Constituição veda aos juízes (art. 95) dedicar-

// ARTIgO

Fábio Ataíde

Juiz de DireitoConselheiro da AMARN

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-se à atividade político-partidária ou exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. Em tese, a assunção das funções eleitorais não inviabiliza que o advogado exerça futuros projetos partidários depois de terminado o biênio eleitoral.

No entanto, espera-se que o juiz eleito-ral não seja inclinado às paixões partidárias, do contrário não confiaremos na veracidade de qualquer de seus veredictos. A vedação à atividade partidária trata-se de uma regra com ampla aplicação a qualquer participan-te do Judiciário. Por isso, Mário Guimarães explicara que esta vedação abrange inclusive qualquer manifestação de simpatia política (1958, p. 206).

Fachada do Fórum

Miguel Seabra Fagundes,em Natal

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A despeito da falta de uma regra específica de controle, a análise teleológica do sistema constitucional não permite que juízes eleitoras advindos da classe dos advogados possam exer-cer livremente a atividade partidária durante o período do bi-ênio para o qual foram convocados. Ao mesmo passo, faz-se urgente ainda uma reforma política para vedar o alistamento partidário do juiz até três anos depois do afastamento da função eleitoral, guardando-se simetria com a regra que veda o exercí-cio da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou.

seja como for, na ótica deontológica, magistrados eleitorais, ainda que desligados de suas funções, não deveriam assumir qualquer atividade partidária durante o biênio de nomeação. A troca antecipada de papéis bloqueia a credibilidade de todo um sistema jurídico. isso não somente causa uma inevitável queda de confiança nas decisões judiciais, mas, acrescento ainda, abre larga possibilidade para uma crise do governo judiciário. uma crise que somente apressa a ideia de desgoverno nas instituições eleitorais do País.

sob vários aspectos, impõe-se fazer uma dedicada inspeção na atitude de quem se torna juiz jurando a defesa imparcial de uma ordem eleitoral durante dois anos. o caso em análise re-alça os aspectos de um juiz incapaz de perceber o conflito do mundo em que vive. Nesse exótico não-mundo, parece estranho que poucos entendam que o juiz não vive no próprio mundo, mas no dos outros. É crucial este problema para compreender a crise entre o ato aparentemente permitido e ontologicamente proibido em face da neutralidade judicial.

Com isso, pretendo dizer que a questão reside no fato de o juiz não poder entender o seu mundo segundo algo dado e pronto (o mundo jurídico vigente). o mundo do juiz se recons-trói por meio de suas ações e assim ele nem sempre está livre para esquecer qual é ou foi o seu papel e que nem sempre lhe é permitido mudá-lo aleatoriamente durante o jogo adversarial do processo eleitoral.

Vale dizer, no entanto, que procuro dar peso aos meus argumentos fundado numa reflexão livre dos estreitos limites normativos. Para este efeito, na melhor ou pior das hipóteses, o juiz não pode ser esse sujeito desgovernado. torna-se assim urgente explicar que ele pode até acreditar no seu desgoverno, mas sempre que tomar sozinho a opção pela desgovernança de

suas ações, acaba é decidindo o destino de todos os outros juízes. indo assim, já posso dizer que se trata o juiz de um ente muito vulnerável.

E talvez nem fosse preciso completar que, entendido nesses termos, o juiz ainda não encontrou o seu mundo; simplesmente porque o mundo onde ele está não lhe pertence. A análise da atuação judicial não deve ignorar este problema. E se um novo pensar veio para tentar recompor os pedaços desse magistrado quebradiço, não posso avaliar a questão da politização do Ju-diciário como uma equação singela, ignorando a pobreza dos métodos lançados até hoje para entender este fenômeno. Muito estranho saber que antes do término natural de seu período de atuação no tribunal Eleitoral, o juiz venha a abandonar a apre-ciação imparcial das contraditas dos atores partidários para ele mesmo integrar um partido.

A sociologia dos pequenos grupos pode ajudar a compre-ender o tema. Nessa linha, explica MiLLs que quem participa de um grupo tende a esconder seus desejos particulares (1970, p. 140) e, de certa forma, muitas predisposições particulares co-lidem com os interesses de lealdade ao grupo. se pararmos para pensar, é possível considerar que os juízes do tribunal Regional Eleitoral formam um grupo transitório orientado por compor-tamentos regulados em torno de um objetivo comum que im-pede o envolvimento emocional com questões partidárias, pelo menos durante o período para o qual foram nomeados. Assim, como explica aquele sociólogo, quando o grupo está integrado por agentes com personalidades em crise, há uma significativa queda de produtividade. Digo, queda de credibilidade.

Em Nietzsche, encontramos um homem que vive para si mesmo, sem ouvintes, narcisista. É justamente com este homem que deparamos no episódio tomado para estudo, que nos revela um juiz livre para guiar o seu destino em várias direções, cum-prindo papéis contraditórios. sob o olhar da teoria dos peque-nos grupos, o juiz não deve produzir sozinho a sua vontade, sob pena de seu mundo inverter o nosso; o mundo invertido é o pre-ço que paga o homem por olhar no espelho (CARNELutti, 2001, p. 101). Aquele juiz que não se olha permanentemente no espelho nunca será tal, porque nunca enxergará quem ele não deve ser.

Afinal, a ação de nenhum juiz passa despercebida ao olhar

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dos outros (juízes). Isso apenas mostra que o significado do que ele fez ou disse depende do papel que ele representa e repre-sentará mesmo após o fim de suas funções. Junte-se a isso o fato de que a contemporaneidade abalou decisivamente a convicção acerca do homem perfeito, de um juiz naturalmente sacralizado. o juiz não decide sozinho e tampouco toma decisões ignoran-do os outros. os membros da comunidade podem até estar em silêncio a este respeito, mas aqui assumo a palavra isolada para falar por eles, para que nenhum inocente seja culpado.

Vale dizer que este século começou trazendo um programa teórico político muito amplo para o Judiciário, mas esse projeto de justiça não se confunde com a atuação partidária. o juiz elei-toral não é neste aspecto igual a qualquer servidor, justamente porque é ele o defensor da igualdade eleitoral. quem realiza o papel de intercessor da liberdade eleitoral se contamina com esta condição.

A troca abrupta de papéis simplesmente instaura uma incer-teza primeira sobre o grau de independência judicial e ninguém será capaz de restaurar o ambiente de dúvida sobre o papel do Judiciário. No processo eleitoral, juízes devem ser e parecer dig-nos e convincentes. A bem dizer, o juiz eleitoral não pode perder ou esvaziar o sentido do que é ser juiz. temo já não saber quem serão os juízes daqui para frente, se os juízes de hoje tornarem--se de uma hora para outra o partido de amanhã. quero dizer que o caso em estudo antecipa a caricatura antropofágica da politização no Judiciário ou, melhor dizendo, da judicialização do partido.

REFERÊNCiAsCARNELutti, Francesco. Arte do Direito. trad. Hebe A.

M. Caletti Marenco. são Paulo: Edicamp, 2001.GuiMARÃEs, Mário. o Juiz e a Função Jurisdicional. Rio

de Janeiro: Forense, 1958.MiLLs, theodore M. sociologia dos Pequenos Grupos.

trad. Dante Moreira Leite. são Paulo: Livraria Pioneira, 1970.

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Comédia para gostar de rir

No interior, tudo é muito engraçado! Acontece de tudo que a gente possa imaginar. o caso mais interessante, dentre tantos, aconteceu em 1869 e é o caso do doutor Arrancatudo. o cara recém-formado, tendo em mãos ape-nas o diploma, via a possibilidade de ganhar dinheiro “rápido” somente no interior. De preferência, interior pobre, com pessoas pobres e ignorantes. ig-norantes mesmo, no sentido mais puro da palavra. Então, o dentista recém--formado compra uma cadeira, uma bacia (para lavar as mãos), um alicate, uma agulha, eu diria super-agulha, daquelas que perfura toda cavidade do dente indo até o final da raiz. É uma agulha de aproximadamente 30 cm de comprimento. Vejam bem, é só a agulha, sem falar no suporte onde se coloca a xilocaína. Compra, também, alguns tubos de xilocaína, rolo de papel (não sei que papel é aquele, não dá para identificar de tão escuro que é), alguns comprimidos para aliviar a dor do paciente no pós-extração, uma espécie de massa para fazer molde para dentadura e outra para fazer a dentadura e dentes para enfeitar.

E tudo é calculado nos mínimos detalhes, tudo para se dar bem e ganhar muito dinheiro em cima dos menos favorecidos.

Nesse ínterim, lá se vai o nosso “doutor” instalar-se no interior, distante da capital, centenas de quilômetros, sem nenhuma experiência profissional e nem rural. Às vezes, o nosso “doutor” tem algum apadrinhamento po-lítico, nesse caso fica mais fácil, o Governo local faz parceria com o mes-mo, o instala em espaço cedido pelo Governo, sem nenhuma despesa, tendo

// ARTIgO

Maria Cláudia de Brito Alves Feld

Administradora de empresa [email protected]

Doutor Arrancatudo!

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como responsabilidade e obrigação apenas cuidar dos dentes da população.

O governo local faz campanha, desfile em carro aberto, pas-seata, coloca carro de som na pequena cidade, nos arrabaldes, informando do bem adquirido à população, ou seja, a contrata-ção de uma profissional, qual seja, o dentista e convidam todos a procurar cuidar da saúde dentaria.

No primeiro dia, lá o está o “doutor”, em sua sala à espera do primeiro paciente. Chega senhor oximetro e diz que sente dor de dente há mais de ano. o “doutor” escuta e pede para ele sentar na cadeira. o senhor oximetro vê o doutor se aproxi-mar dele com uma baita agulha, tem vontade de sair correndo e pergunta: “doutor essa bicha aí não vai doer mais que a dor que sinto hoje?” O doutor responde: “só no começo, depois vai diminuindo, à medida que ela foi deixando esse líquido dentro da sua gengiva”. O Paciente fica tranquilo; após meia hora, o doutor libera o paciente e dá-lhe um picolé de cortesia. segundo a teoria do “doutor”, era para estancar o sangue, parar de san-grar, pois muitas vezes causava hemorragia. quando o senhor oximetro chegou em casa, não conseguiu comer, “era normal, pois tinha levado uma baita agulhada na boca, estava incha-do”, pensou ele. No dia seguinte, a dor havia passado, ele tinha tomado 2 comprimidos de tetramicina, prescritos pelo médico. No terceiro dia, ele sentiu um buraco na boca, não conseguia mastigar o feijão, a rapadura, pegou um caco de vidro, e viu que tinha se livrado da maldita dor. Ah! Esse doutor é mesmo muito bom, vou voltar logo, logo e ficar livre deste também que já começa a me dar pontadas na boca. Deixa cá, que me livro de você também. Depois do senhor oximetro, veio o senhor Acrílico, a sra. shanaia, o pequeno tontoim, e outros. todos os dias, o consultório do dentista estava cheio. Ele exigiu da pre-feitura local uma secretária, pois não estava tendo tempo para fazer as anotações e precisava fazer agendamento. A prefeitura não questionou, fez ir para lá uma secretaria, que, agora, agen-dava as pessoas por dia, mas também identificava a queixa do paciente e passava tudo para o doutor Arrancatudo no final da de cada expediente.

Certo dia, chegou lá o pequeno querubim de apenas 14 anos de idade, juntamente com sua genitora, que por sua vez já era paciente do doutor Arrancatudo, bem como os demais

membros da família. Ela disse: Doutor Arrancatudo, meu filho faz três dias que não dorme e não trabalha, sente dor na boca toda, eu acho que são os dentes dele pedindo para ser levados da boca, falou a mãe. o doutor Arrancatudo olha e fala à mãe de querubim: a senhora tem razão, ele está em fase terminal, sou obrigado a arrancar tudo. A mãe fica feliz e diz: meu filho, este doutor é mesmo um santo, depois de Deus, só ele aqui na terra e o Prefeito que fez esse milagre, trazendo o doutor Arrancatudo, aqui, por sítio donde a gente mora.

Alguns anos depois, na cidade e seus arrabaldes, não havia nenhuma queixa de dor de dente. A população sofria, agora, de outro mal, dor de cabeça. o doutor Arrancatudo teve uma idéia: candidatar-se a Prefeito da cidade que tão bem o acolheu. Em sua campanha política, ele prometia instalar um médico na cidade para curar da dor de cabeça da população. Alguns meses depois, o doutor Arrancatudo era eleito o novo Prefeito da cida-de, mandou buscar um médico recém-formado na cidade, filho de um velho conhecido dele, instalou um consultório e mandou o povo ir se curar da maldita dor. o primeiro paciente chegou, sentou-se e disse: seu doutor de cabeça, faz 10 anos que eu me li-vrei da dor de dente, e faz exatamente 10 anos que sofro de dor de cabeça. o doutor de cabeça examinou a boca do paciente e viu que ele usava uma chapa (prótese), com os dentes já bastante gastos e folgada e falou: “é, meu caro: não tem outra solução, o jeito é arrancar a cabeça também!”

* Advertência legal: esta é uma obra de ficção; qualquer semelhança com fatos reais ou atuais terá sido mera coincidência.

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o segredo

da Toca

// gastronomia

Por Azevêdo Hamilton Cartaxo

Fachada da pousada Toca da Coruja em Pipa.

um vai-e-vem intenso de pessoas em ruas estreitas, música alta e um ambiente bem descontraído. Barzinhos, sorveterias e restaurantes são complementadas por lojas que misturam da sofisticação ao rústico. Essa combinação, uma beleza extraordi-nária e uma atmosfera bem diferenciada, atrai, pessoas do Brasil e do mundo intei-ro para a Praia da Pipa, no município de

tibau do sul, distante 80 quilômetros de Natal.

Apesar de toda essa badalação em um lugar tão conhecido e que fica bem próxi-mo de nós, nem todos conhecem um dos melhores restaurantes do nosso Estado, o discreto oca toca, situado no interior da Pousada toca da Coruja, mas com acesso permitido ao público externo.

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Imagem externa do bangalô

Imagem interna do bangalô

Prato: Robalo em crosta de coco

A Pousada toca da Coruja faz parte dos Roteiros de Charme e está situada numa área de dez mil metros quadrados de mata nativa. A pousada obedece ao padrão rústico-sofisticado, com muito mais do último. Durante minha visita aos bangalôs de hospedagem, não pude deixar de ter a impressão de ter visto aco-modações daquela qualidade apenas em revistas sobre o estilo de vida de estrelas internacionais. inclusive, a pousada já hospedou a modelo internacional Nao-mi Campbell e outras personalidades.

Deixando a hotelaria de lado, va-mos à parte boa, comer bem. E amigos,

ali se come muito bem. o oca toca fica de frente para um gramado que se integra com a mata. A sensação que o lugar passa é de tranquilidade e rela-xamento, bem diferente do burburinho da rua próxima. Ao iniciar sua refeição, sugerimos que experimente o couvert da casa, composto de ratatouille de berinjela, cream cheese, brochette de tomate cereja com queijo, salame e manjericão, acom-panhado de deliciosas torradinhas feitas na hora. Para acompanhar, vale escolher entre os sucos de fruta da região ou sele-cionar um vinho da carta bem completa, com opções a partir de R$60,00, ficando a ideia do Artero Rosé tempranillo, vinho versátil que acompanha bem boa parte do cardápio principal e também a suges-tão de refeição desta coluna.

o restante do cardápio também é bastante original, com opções de pes-cados e carnes bem ecléticas, ousadas ou mais tradicionais, privilegiando in-gredientes regionais mas sem cair na mesmice. Recomendamos sem reservas o robalo em crosta de coco, com molho de castanhas, prato delicioso que valeu

ao oca toca merecida vitória em uma das edições do Festival Gastronômico da Pipa. se estiver em Pipa, vale a pena alongar a fome, estacionar na área in-terna da pousada (é permitido aos clien-tes do restaurante) e fazer um almoço tranquilo de fim de tarde. Estando por lá, não deixe de pedir para visitar as acomodações, uma ótima opção de hos-pedagem para um casal num fim de se-mana especial. Mas tome cuidado, você pode ser fotografado ao lado de algum hóspede famoso e ir parar na capa de uma revista.

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1. Introdução:o desenvolvimento econômico tem sido amplamente discutido e perseguido

pela sociedade brasileira, principalmente após a estabilização político-econômica do País. Nos últimos anos essa discussão ganhou força em virtude de uma maior inserção do Brasil no cenário mundial e das recentes crises econômicas que se abateram nos Estados unidos e na Europa.

uma das questões importantes no debate é a capacidade do Brasil para aten-der as necessidades crescentes de sua população de forma sustentável, e sem perder de vista sua competitividade perante outros países. A relevância da discussão ga-nha força ao se verificar a forte expansão do nível de atividade econômica domés-tica no ano de 2010 e as perspectivas de crescimento para os próximos anos, tendo em vista as metas estabelecidas pelo Governo Federal.

É sabido que as complexas interações do mundo moderno condicionam o desenvolvimento à conjugação eficiente de variáveis tais como política econômica, política fiscal, câmbio, taxas de investimento, acesso ao crédito, níveis de emprego, disponibilidade de recursos naturais, mercado interno e externo, estabilidade das instituições, dentre outras. A taxa de investimento é uma variável relevante para materializar qualquer pretensão de um país obter crescimento econômico de longo prazo, e, juntamente com o crédito, permitir a ampliação e modernização do par-que produtivo, garantindo uma expansão econômica e bem estar social constantes.

Mesmo após a crise econômica mundial de 2008 e seus atuais reflexos na Eu-ropa, há a uma expectativa de manutenção do crescimento econômico nos pró-ximos anos, devendo o Brasil apresentar taxas de crescimento acima da média mundial, conforme tabela 1.

Para que esta expectativa se confirme será preciso manter elevadas taxas de investimento em relação ao PiB, principalmente em de infra-estrutura. A tabela 2 mostra as taxas de investimento históricas e a expectativa para os próximos nove anos.

observando-se os dados da tabela 2, a partir de 2010 a taxa de investimento em relação ao PIB aumenta significativamente em relação aos anos anteriores (o aumento é ainda maior em termos de valores absolutos já que o próprio PiB tem crescido ano a ano). É também relevante destacar que apenas uma pequena par-cela dessa taxa de investimento tem origem no setor público, cabendo à iniciativa

investimentos no setor Elétrico e a segurança jurídica

// ARTIgO

Roberto Medeiros dos Santos

Advogado, pós-graduado em administração de empresas e gerente jurídico da COSERN.

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tabela 1: taxas de crescImento do nível de atIvIdade (médIas do período)

tabela 2: taxas de crescImento do nível de atIvIdade (médIas do período)

privada a maior parcela desses investimentos. Esse é um dado relevante pois mostra a impor-tância do setor privado para que o Brasil possa alcançar seus objetivos e indica a necessidade de políticas e comportamentos institucionais que possam ser catalisadores de investimentos.

2. InvestImentos em energIa elétrIca:

Dentre os investimentos prioritários para o Brasil estão os destinados à geração, trans-missão e distribuição de energia elétrica, com predominância para as fontes renováveis, considerando a perspectiva atual de desen-volvimento sustentável. uma das caracterís-ticas desse investimento é o longo tempo de maturação e retorno do capital investido pelo empreendedor. A existência de instrumentos regulatórios e contratuais que garantam a pre-

visibilidade e estabilidade necessárias a condu-ção de negócios desse porte é fundamental.

um efeito importante percebido ao longo dos anos é o fato de o uso da energia elétrica, além de representar maior desenvolvimento e conforto para as famílias, tem contribuído para a sustentabilidade ambiental.

observe-se que a medida que cresce o uso da energia elétrica reduz-se o uso da le-nha como fonte energética. Nos últimos anos, por conta dos programas governamentais de universalização da energia elétrica, concreti-zados através das concessionárias de distribui-ção de energia, esse efeito substitutivo é mais expressivo.

Fundamental também é entender que há uma correlação entre o crescimento do PiB e o consumo de energia elétrica. As projeções indicam que a demanda por energia crescerá

em média 5% nos próximos anos.Atualmente esta energia tem sido obtida

através da utilização de várias fontes, confor-me gráfico 1. É relevante observar que a maior parte dessa energia é renovável, com predo-minância da energia elétrica obtida de fontes hidráulicas.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética – EPE (fonte: www.epe.gov.br/im-prensa), os investimentos para o decênio 2010 – 2019 em geração e transmissão de energia deverão atingir a soma de 214 bilhões de reais. Esses investimentos são necessários para que se possa garantir um crescimento de 5,0% ao ano da economia brasileira nos próximos 10 anos. Para isso, foi fundamental a estruturação jurídica de um modelo que permitisse a esta-bilidade dos contratos e das regras, através do instrumento da concessão, com a garantia da

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gráfIco 1: oferta Interna de energIa elétrIca por fonte - 2010.(fonte: epe - balanço energétIco nacIonal 2011)

observância do equilíbrio econômico financei-ro dos contratos.

o Governo Federal, após graves proble-mas de escassez energética em anos interiores, lançou as bases de um novo modelo para o setor Elétrico Brasileiro, sustentado pelas Leis nº 10.847/04 e 10.848/04, e pelo Decreto nº 5.163/04, que somaram-se às leis n° 8.987/95 (lei das concessões) e Lei n° 9.427/96 (criação da ANEEL) com o objetivo de garantir a se-gurança do suprimento de energia elétrica; promover a modicidade tarifária e promover a inserção social no setor Elétrico Brasileiro, em particular pelos programas de universalização de atendimento.

um marco regulatório estável certamen-te contribui para uma maior confiança dos investidores privados, de forma que as taxas de investimento previstas e necessárias para os próximos anos se concretizem. E são investi-mentos consideráveis e que uma vez realiza-dos repercutem em toda a economia. Veja-se

como exemplo, na distribuição de energia, os investimentos realizados pela CosERN nos últimos cinco anos e total de iCMs recolhido ao Estado. No período de 2007 a 2011 foram investidos mais de R$ 628 milhões, e recolhi-dos cerca de R$ 1,027 bilhão em iCMs.

3. o dIreIto e os InvestImentos:

Como visto alhures, a garantia de dispo-nibilidade energética exige elevados investi-mentos. o investimento privado é mais sen-sível ao risco, principalmente em se tratando de empreendimentos cujo retorno do capital investido ocorra em longo prazo, como ocorre com as concessões de serviços públicos. A mo-delagem do setor elétrico adotada pelo Brasil buscou a redução desses riscos na tentativa de atrair investimentos, dando a necessária segu-rança aos investidores. Contudo, alguns fatores ligados ao ambiente legal não tem contribuído com os objetivos originalmente traçados.

A tendência é que quanto maior o risco menor a motivação do investidor para a alo-cação de capital em volumes elevados e por prazos mais longos. Como o setor de infra--estrutura não se presta ao uso de capitais especulativos, os modelos de atração de inves-timento precisam, necessariamente, incentivar o investimento de longo prazo.

sob esta ótica, o ambiente legal exerce uma influência relevante já que, estabelecen-do as regras do jogo, pode mitigar os riscos e estimular a atração de capital de longo prazo. Na verdade, a atuação do direito equivale a de um indutor de condutas, podendo ser um aliado às políticas públicas de desenvolvimen-to, conferindo eficácia, garantia de segurança e estabilidade ao sistema.

uma empresa está sujeita a muitas vari-áveis, sendo que as econômicas apresentam maior grau de incerteza e representam maio-res riscos. Além disso, a economia age como um fator condicionante ao comportamento e à

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capacidade de investimento da empresa.Já o ambiente legal permite, através de

suas normas e regulamentos, a previsibilida-de necessária para garantir a estabilidade das relações da empresa com o ambiente na qual está inserida. são essas normas que balizam os contratos que regulam toda a vida empresa-rial. E o papel do Judiciário, ao aplicar no caso concreto as normas pré-definidas, transmite a necessária segurança jurídica que norteará o comportamento dos agentes econômicos em situações similares. observe-se que o ambiente legal exerce dupla função, podendo limitar ou incentivar comportamentos.

Considerando que o Estado não consegue acompanhar a evolução dos fatos econômicos, na maioria das vezes irá se utilizar de normas com conceitos abertos e de caráter programá-tico. tal comportamento aumenta a discricio-nariedade deixada aos intérpretes que, então, irão suprir as lacunas deixadas pela lei. tal atividade, contudo, por vezes traz problemas exatamente naquilo em que deveria garantir: a segurança jurídica.

4. o problema da Insegurança jurídIca:

Cada vez mais o direito positivo adquire características programáticas, com normas que estabelecem apenas premissas, o que aca-ba por ampliar a responsabilidade de quem aplica a lei e faz surgir os riscos inerentes à in-terpretação. A razão para isso está no fato de que nem sempre os intérpretes são unânimes em captar determinado sentido da norma, ou tem a mesma orientação político-ideológica, ou ainda, possui conhecimentos técnicos sufi-cientes para compreender a extensão do pro-blema posto à análise e decisão. Em muitos casos, o respeito aos contratos sucumbe frente

a uma visão diferenciada do que vem a ser a distribuição da justiça, ou por uma visão limi-tada do problema a despeito de toda a com-plexidade de interações econômicas e técnicas envolvidas.

o resultado disso é o aumento da incer-teza jurídica introduzindo fatores adicionais de risco nos negócios, provocando o aumen-to de spreads bancários, encarecendo o custo do dinheiro, desestimulando as aplicações não-especulativas, principalmente os investi-mentos de longo prazo. Há ainda o impacto mediato no próprio mercado consumidor, que pagará a mais pelo produto por conta da precificação do risco. Este problema torna-se mais danoso nas situações em que há contratos de longo prazo cujos efeitos se estendem por muitos anos, obrigando o investidor a atribuir um prêmio de risco, para compensar eventuais quebras de regras legais e contratuais.

Veja-se como exemplo a concessão de liminares, em ações movidas pelo Ministé-rio Público ou por oNG´s, que impedem a construção de usinas hidroelétricas. Apesar de um leilão de energia só ocorrer após as análises e licenças ambientais pertinentes, é comum o empreendedor, após vencer o lei-lão e celebrados os contratos de fornecimen-to e de garantias bancárias, ser surpreendido por tais decisões. É óbvio o impacto negativo para o investidor e também para o próprio mercado consumidor. o atraso na obra im-pedirá o cumprimento dos prazos de forne-cimento acordados. Além disso, a energia que seria gerada não mais estará disponível, obrigando o sistema tentar suprir a demanda de outra forma. Muitas vezes a alternativa é suprir essa demanda através de energia pro-duzida por centrais termoelétricas, que tem custo mais elevado e poluem mais.

E aí vem a ironia do problema. uma de-cisão judicial que pretendeu evitar um suposto dano ambiental para uma pequena comu-nidade provoca um dano ambiental maior, com o acionamento de usinas termoelétricas em vários pontos do território nacional, e um dano ao consumidor, que pagará mais caro pela sua tarifa de energia.

5. conclusão:A segurança jurídica é fundamental

para que as taxas de investimento em infra--estrutura se mantenham em níveis adequa-dos e suficientes para garantir o crescimento econômico de longo prazo. o investimen-to privado é incoercível e sempre buscará compatibilizar a estabilidade jurídica com o retorno do capital investido. Não encontran-do um ambiente legal adequado no Brasil, certamente buscará outras opções em uma economia globalizada. o Brasil, no passado, já enfrentou esse problema por conta de sua instabilidade política e econômica. Agora, não é razoável repetir o problema, desta fei-ta, com a instabilidade no ambiente legal, seja por conta de legislação ambígua, seja em virtude de atuação de instituições que levem à quebra de contratos ou ao seu equilíbrio econômico financeiro.

Nesse sentido, sábias as palavras do Mi-nistro Marco Aurélio, em voto proferido no julgamento do Ms 24.872, em 30-6-05, pu-blicado no DJ de 30-9-05:

“A Administração Pública é norteada por princípios conducentes à segurança jurí-dica — da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A variação de enfoques, seja qual for a justi-ficativa, não se coaduna com os citados prin-cípios, sob pena de grassar a insegurança.” .

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Page 56: Entrevista com o presidente da

É a modernidade...

Estávamos em um fim de tarde à beira-mar, buscando conchas para fa-bricarmos as setas das flechas. Vimos, ao longe, umas três mãos de canoas que possuíam troncos muito altos e retilíneos, com umas grandes folhas brancas. tais canoas eram muito maiores do que as que produzíamos para a pesca ou para os festejos da tribo. Preocupamo-nos. Seria alguma tribo inimiga? Prova-velmente não, pois não era possível navegar no mar. Seriam deuses? Talvez.

Fizemos uma reunião naquela noite, em torno da fogueira. Rogamos aos deuses da natureza para que nos protegessem. Perguntávamos se algo de erra-do havia ocorrido, se o totem havia sido violado. Estávamos apreensivos.

Logo pela manhã, escondemo-nos na orla e observamos. De dentro das gigantescas canoas paradas na entrada da baía, outras saíam, menores, mais ainda muito maiores que as nossas. Homens grandes e cobertos de algo que parecia peles bem finas, carregando cajados reluzentes na cintura e outros ob-jetos que nunca havíamos visto, entraram nas canoas. E remaram. Remaram. Remaram. Desembarcaram na praia.

Esses homens que incrivelmente tinham pelos no rosto e peles da cor do miolo da mandioca, aproximaram-se da mata costeira. Contamos umas três mãos e meia de homens, apenas. Estávamos em maior número, pintados para a guerra. Resolvemos nos impor, saindo da mata ao mesmo tempo cinquenta mãos de homens armados de tacapes e flechas.

Eles pararam e até recuaram um pouco em direção às canoas.um deles se encheu de objetos e se aproximou lentamente até uma certa

distância que nos permitiu ver que seus olhos eram da cor do céu. Ele sorriu com aquela boca coberta de pelos e deixou na areia da praia tais objetos, retornando à canoa.

Esperamos. o pajé então deu ordem ao mais destemido dos guerreiros para que capturasse os objetos e os trouxesse até a linha onde começava a mata fechada. o guerreiro caminhou vinte braças, catou tudo e voltou correndo.

Havia objetos brilhantes, de cores nunca vistas. um deles mostrava a face de quem lhe ficasse na frente, como se vê nas águas de uma nascente de rio, mas muito melhor. Ficamos maravilhados com esses seres. seriam deuses tão bons que nos presenteavam sem que nada pedíssemos? Provavelmente sim.

// ARTIgO

Rosivaldo Toscano

Juiz da vara criminal do Fórum Varela Barca

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Page 57: Entrevista com o presidente da

Ainda nos perguntávamos.Com os presentes, tivemos certeza de que viriam em paz. Pu-

demos nos aproximar. Eles então nos perguntaram, com gestos, onde conseguir água e um pouco de comida. Mostramos uma nascente próxima.

Logo depois, mais homens desceram das canoas imensas. Eram umas cem mãos de homens. Gente demais cabia naquelas canoas imensas. Não havia mulheres.

Com o passar dos dias, porém, descobrimos algumas peculia-ridades deles. Eles tinham um cheiro muito ruim e não tomavam banho. seus dentes, ao contrário dos nossos, eram doentes e tam-bém exalavam mau-cheiro suas bocas. uns insetos pequeninos viviam em suas cabeças e lhes sugavam sangue e logo também começaram a empestar nossa tribo. Eles trouxeram doenças que para nós eram muito perigosas, pois não estávamos acostumados a elas e nossas raízes conhecidas não as combatiam. Eles também veneravam uns totens coloridos e uma imagem de um homem com os braços pregados entre dois troncos cruzados que eles nos sinalizaram ser um deus. Perguntamo-nos: como pode ser um deus um homem amarrado a dois troncos?

Eles nos mostraram umas pedras douradas e perguntaram onde achar mais. Havia muitas daquelas pedras nas áreas onde ficava nossa tribo. Para nós essas pedras nada valiam, mas per-cebemos que eles ficavam muito contentes quando encontravam uma e nos retribuíam com objetos coloridos.

Eles tinham um comportamento estranho. Não respeitavam a floresta e nem temiam os nossos deuses. Tinham objetos relu-zentes que cortavam as árvores e o que mais fosse, sem dó. ti-nham outros que pareciam um pequeno tronco, onde inseriam um pó preto e que de onde saía um barulho de trovão, fumaça e fogo e eram capazes de matar cotias e outros animais. Pare-ciam se divertir em matar macacos que depois sequer comiam. Não entendíamos como se podia matar um ser sem uma razão. Logo nós que, quando matávamos algum animal, pedíamos per-dão à alma dele, explicando que aquilo era necessário para nossa sobrevivência.

sem que percebêssemos, em poucos meses esses bárbaros fo-ram nos tomando tudo. Aí já conseguíamos nos comunicar, ain-da que com dificuldade, com aqueles homens que falavam uma língua tão estranha e nos chamavam de índios. Eles se diziam

ser europeus, uma terra distante e que, segundo eles, era muito próspera, mas que lá não mais havia tantas florestas e nem pe-dras amarelas porque eles as destruíram. Perguntamo-nos: será que agora virão destruir as nossas florestas como fizeram com as deles? Só assim percebemos o quanto eles eram maus e bárbaros. Mas já era tarde demais.

Apesar de tanta maldade, eles faziam rituais em torno da-quela grande imagem do homem pregado na cruz, obrigavam--nos a nos ajoelharmos para aquele totem de pau e nos proibiram de professar nossas crenças nos deuses da natureza. seus pajés e feiticeiros, em roupas coloridas, diziam que seria melhor assim e que eles eram os portadores da bondade e da verdade. teríamos, segundo esses bárbaros, que aceitar a verdade deles. quem não aceitasse seria punido ou morto, pois tudo aquilo era para o nosso bem. Dentro em pouco, começaram também a tomar à força e a praticar coitos com nossas mulheres. Esses usurpadores fizeram com que muitos de nossas tribos e das tribos vizinhas fossem tor-turados e depois mortos.

impuseram, na força, sua vontade. Muitos de nós foram pre-sos pelos pés e colocados para serviços pesados. Nossos guerreiros morriam porque se recusavam a comer, pois não pode existir vida sem liberdade. Aguentamos o quanto foi possível, ou ainda mais além. Revoltamo-nos, mesmo sabendo de nosso destino cruel, pois nascemos ou para sermos livres ou morrermos pela liberda-de. Houve guerra.

Em nome da bondade, fizeram-nos tanto mal. Em nome da esperança, tiraram-nos o que havia dela em nós. Em nome da paz, obrigaram-nos a guerra. Em nome da felicidade, trouxeram--nos tristeza e dor. Em nome do amor, despejaram um ódio inex-plicável contra nós.

Para cada bárbaro que matávamos, eles conseguiam matar vinte dos nossos guerreiros com suas armas de trovão e seus ca-jados feitos de um material duro e cortante. Eles tomaram nossa aldeia e mataram os curumins. os guerreiros que restaram en-traram mata adentro. Famílias foram destruídas. A taba foi total-mente devastada. E o mal prevaleceu.

Em busca de nossas riquezas, esses opressores que nos invadi-ram se alastraram como pragas e se impuseram em todos os locais que chegaram, do estuário do Amazonas às cordilheiras andinas. Jês, tupis, caetés, guaianases, potiguaras, tamoios, timbiras, tupi-

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nambás e tupiniquins, todos sucumbiram.Antes de seu último suspiro, diz a lenda, o pajé de nossa tribo,

já vencido e mortalmente ferido, perguntou a um dos bárbaros:- O que é tudo isso?E ele respondeu:- É a modernidade.

A audiência demorava, mas já se aproximava do fim. O caso: réu que havia subtraído seis barras de chocolate, avaliadas em R$ 31,80, e as trocado por crack. Era a vez das alegações finais da defesa. o defensor público pediu a aplicação do princípio da insignificância. O acusado, um jovem mulato magricela e tatua-do, trajando roupas surradas, ouvia tudo de cabeça baixa e olhar perdido. Algemas.

- Bira, é um idiota esse defensor público. Você tá vendo? Por isso que esse país não vai pra frente. Levanta a cabeça, vagabun-do! Com esses bandidos não se pode alisar. - comentou em voz baixa um colega acadêmico de direito que assistia à audiência para efeito de prática judiciária. - E Bira sussurrou, reforçando:

- É um bandido safado, Miguel. Já pensou? Furtar chocolates pra trocar por crack? O negócio dele é tirar as coisas dos outros. Mas largar o vício que é bom, nada! Viciado sem-vergonha! - Logo depois, Bira olhou para o relógio. Faria isso umas dez vezes em poucos minutos. Começou a bater com a caixinha em uma das pernas. olhou para o maço e salivou. Mas não podia sair da sala no meio da audiência, sob pena do juiz não assinar sua ficha de comparecimento.

Alguns minutos depois, a sentença. Já era hora. Condenação por furto. o juiz disse que “a consideração isolada do valor da res furtiva não é suficiente para não se aplicar a lei penal, pois o fato típico existiu, embora envolvendo seis barras de chocolate que seriam vendidas para comprar drogas (o que afasta o furto

Viciado éo Distante -

uma história

famélico) e porque se trata de réu useiro e vezeiro na prática de furtos, o que impede o reconhecimento da bagatela para não se estimular a profissão de furtador contumaz.”.

- isso é que é Justiça. só assim esse país tem jeito. - comemo-rou Bira, enquanto batia a caixinha compulsivamente na coxa.

Colhida a rubrica do juiz na ficha de comparecimento da prática forense da faculdade, Bira saiu apressadamente. Ainda no corredor, finalmente pôde matar o desejo. Abriu a caixinha de Free, pegou o isqueiro e acendeu um. Deu um trago longo. olhos fechados por uns segundos. Alívio... trajeto até o estacio-namento. Entrou no carro. Ligou o rádio. Jingle de uma marca de cerveja. Ao final, a famosa frase, dita apressadamente, “beba com moderação”.

- Beba com moderação, beba com moderação... - Bira bal-buciou. Riu de tudo aquilo, afinal, era quinta-feira. Happy hour com amigos da faculdade.

Na mesa do bar, assuntos triviais. observaram um homem de meia-idade bêbado que quase caiu por sobre a mesa. Foi-se, trôpego, amparado por um constrangido garçom.

Assuntos do papo: mulheres, próximas provas da faculdade e fatos engraçados da última balada. Como eram todos amigos de longas datas, lembraram momentos bons vividos juntos, e outros nem tanto:

- E o Marcelo Pezão? Dona Dora ligou lá pra casa e pediu que fôssemos vê-lo. Amigos, temos que visitá-lo. É como irmão, cara. irmão é irmão. - apontou Lucas. Bira acendeu outro cigarro.

- Caraca! Nunca fui numa clínica de reabilitação de depen-dentes químicos. - exclamou Joaquim.

- quinho, Pezão precisa é de apoio. E amigo é pra essas coisas, não é? Soube que ele fumou até aquele violão que tanto amava. Fumou quase todas as roupas. Fumou até jóias de Dona Dora e um relógio de seu Rafael. o crack não perdoa, amigos. ou interna ou morre. - lastimou Bira.

- Pobre Pezão. Pobre Pezão... - lamentavam. De repente, uma angústia, uma dor. o abismo. silêncio na mesa. Bira, de mãos suadas, rapidamente acende outro cigarro. Lucas - consternado - acena ao garçom:

- Por favor, traz mais uma cerveja.o próximo é dependente químico. Viciado é o distante. sem-

-vergonha é sempre o outro.

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