Entrevista com n ilma lino

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Editorial A o poeta Elias José, É com saudades que nós, do Dimensão na Escola, lembramos e dedicamos esta edição ao escritor e professor Elias José. Há pouco mais de dois meses trocamos e-mails sobre um texto que ele iria fazer para o nosso jornal. “Como se toca se dança. Escreverei em prosa ou em verso – teórica ou literalmente, como você preferir” foi o que ele me escreveu, com a gentileza de sempre. No entanto, antes que o tão esperado texto pudesse chegar ao jornal, veio a notícia da despedida do escritor. Mas, como disse seu filho Érico, “as suas obras ficaram como mensagem de valorização da leitura, da literatura, dos livros e da poesia”. E isso jamais passará! Nesta edição reproduzimos um pequeno trecho do livro Literatura Infantil: ler, contar e encantar criança, em que Elias José fala da importância da história contada e lida de maneira mágica. E por falar em encanto e poesia, nesta oitava edição do jornal, o maestro e compositor Tom Jobim também comparece. Tom se inspirava na natureza para criar muitas de suas belas canções. O projeto Tom da Mata, do Instituto Antônio Carlos Jobim, foi criado para despertar nos alunos a responsabilidade individual em relação às questões ambientais e mobilizar escolas e comunidades. Leia e aproveite as dicas de atividades do projeto para serem realizadas na escola. Não deixe de ler também a entrevista que traz à tona um tema muito importante: a implementação da Lei Federal 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de ensino básico. A professora da Faculdade de Educação da UFMG Nilma Lino Gomes fala da importância de os professores se indagarem sobre qual tem sido a sua postura diante da questão racial na escola e na sociedade. Boa leitura! Renata Fabreti A falta que faz Uma professora muito maluquinha Sementinha na beira do rio Museu AfroBrasil é dez! Circuito de leitura Sons da vida Expediente/Espaço do professor E MAIS Os próprios alunos avaliam seu crescimento Isso que é bagagem Gustave Doré Ano II - n.8 - setembro/outubro 2008 - ISSN 1981-7037 Entrevista: Nilma Lino Gomes Foto de Priscila Borges

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Ao poeta Elias José,

É com saudades que nós, do Dimensão na Escola, lembramos e dedicamos esta edição ao escritor e professor Elias José. Há pouco mais de dois meses trocamos e-mails sobre um texto que ele iria fazer para o nosso jornal. “Como se toca se dança. Escreverei em prosa ou em verso – teórica ou literalmente, como você preferir” foi o que ele me escreveu, com a gentileza de sempre.

No entanto, antes que o tão esperado texto pudesse chegar ao jornal, veio a notícia da despedida do escritor. Mas, como disse seu filho Érico, “as suas obras ficaram como mensagem de valorização da leitura, da literatura, dos livros e da poesia”. E isso jamais passará!

Nesta edição reproduzimos um pequeno trecho do livro Literatura Infantil: ler, contar e encantar criança, em que Elias José fala da importância da história contada e lida de maneira mágica.

E por falar em encanto e poesia, nesta oitava edição do jornal, o maestro e compositor Tom Jobim também comparece. Tom se inspirava na natureza para criar muitas de suas belas canções. O projeto Tom da Mata, do Instituto Antônio Carlos Jobim, foi criado para despertar nos alunos a responsabilidade individual em relação às questões ambientais e mobilizar escolas e comunidades. Leia e aproveite as dicas de atividades do projeto para serem realizadas na escola.

Não deixe de ler também a entrevista que traz à tona um tema muito importante: a implementação da Lei Federal 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de ensino básico. A professora da Faculdade de Educação da UFMG Nilma Lino Gomes fala da importância de os professores se indagarem sobre qual tem sido a sua postura diante da questão racial na escola e na sociedade.

Boa leitura!Renata Fabreti

A falta que faz

Uma professora muito maluquinha

Sementinha na beira do rio

Museu AfroBrasil é dez!

Circuito de leitura

Sons da vida

Expediente/Espaço do professor

E MAIS

Os próprios alunos avaliam seu crescimento

Isso que é bagagem

Gustave Doré

A n o I I - n . 8 - s e t e m b r o / o u t u b r o 2 0 0 8 - I S S N 1 9 8 1 - 7 0 3 7

Entrevista: Nilma Lino Gomes

Foto de Pr isc i la Borges

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“N a s o c i e d a d e e n a e s c o l a b r a s i l e i r a – d a E d u c a ç ã o B á s i c a a o E n s i n o S u p e r i o r – o s d o c e n t e s c o n s e g u e m , m u i t a s v e z e s , f i c a r

i n d ig n a d o s d i a n t e d o r a c i s m o , p o r é m , c o n t i n u a m i m ó v e i s . E s s a é u m a d a s m a n e i r a s p o r m e i o d a s q u a i s o m i t o d a d e m o c r a c i a r a c i a l o p e r a e m n o s s a s o c i e d a d e”, d i z a p r o fe s s o r a d a Fa c u l d a d e d e E d u -c a ç ã o d a U FMG e c o o r d e n a d o r a - ge r a l d o P r o g r a m a Aç õ e s A f i r m a t i v a s n a U FMG , N i l m a L i n o G o m e s . Ne s t a e n t r e v i s t a , e l a f a l a d a i m p o r t â n c i a d a L e i Fe d e r a l q u e t o r n a o b r ig a t ó r i o o e n s i n o d e Hi s t ó r i a e c u l t u r a a f r i c a n a e a f r o - b r a s i l e i r a n a E d u c a ç ã o B á s i c a

Entrevista

Nilma Lino Gomes

CONTINUA >

Qual a importância da Lei Federal 10.639/03?A lei é importante em vários aspec-tos. O primeiro ponto é que se trata de uma alteração da LDB (Lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional), que inclui artigos ligados à obrigato-riedade do ensino de História e cul-tura africana e afro-brasileira. Dessa forma, a Lei 10.639/03, que acaba de ser alterada para 11.645/08 (devido à inclusão da temática indígena), é uma lei nacional e por isso deve ser cumprida em todas as escolas públi-cas e privadas da Educação Básica do País. O segundo ponto é que essa Lei é uma medida de ação afirma-tiva. Ela é fruto da ação histórica do Movimento Negro e sua pressão em relação ao Estado. Antes mesmo de a Lei existir, várias ações nesse sen-tido já eram realizadas em diferentes partes do País, porém, como iniciati-vas isoladas do Movimento Negro ou de intelectuais interessados no tema. A Lei 10.639/03 é o reconhecimento do direito à diferença.

A Lei tem conseguido abrir o debate sobre a questão racial na educação?Aos poucos, os educadores e as edu-cadoras vão compreendendo que discutir a questão africana e afro-brasileira de maneira crítica, séria e pedagógica é um dever de todo e qualquer educador e não somente uma pauta de luta do Movimento Ne-gro. Ou seja, a questão racial atinge a todos nós, independentemente do nosso pertencimento étnico-racial. E se desejamos construir uma escola e uma sociedade mais democráticas te-mos que nos posicionar na luta contra o racismo e contribuir para a supera-ção de estereótipos e preconceitos raciais. É uma questão de cidadania, mas não de uma cidadania abstrata. Eu diria que é uma cidadania multi-cultural. Algo que no Brasil ainda tem sido muito pouco discutido.

E como tem sido a experiên-cia na formação inicial e con-tinuada de professores?Acho que na formação continuada te-mos mais experiências interessantes.

Lamentavelmente, na formação ini-cial, nos cursos de Pedagogia e Licen-ciatura e também nos Bacharelados, encontramos inúmeras resistências à inclusão da discussão sobre a África (de maneira crítica) e a questão afro-brasileira. De modo geral, tais dis-cussões ainda ficam restritas às dis-ciplinas optativas, ministradas pelos docentes interessados no tema. A África e a questão racial brasileira continuam invisíveis na grande maio-ria das grades curriculares dos cursos de graduação e pós-graduação, so-bretudo na área da educação. Se so-marmos a isso a questão de gênero e geracional, teremos um quadro ainda mais grave.

Por que as escolas de Edu-cação Básica têm dificuldades para aplicar a Lei?Os motivos são vários. Eu poderia destacar alguns. Acho que as esco-las, assim como a sociedade, vivem sob a égide do mito da democracia racial. Essa crença de que vivemos relações raciais harmoniosas, de que a miscigenação brasileira resolveu os problemas raciais no Brasil é algo

Cultura Negra na escola

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terrível! Ela desvia o nosso olhar das sérias conseqüências do racismo na nossa vida e embota o entendimen-to das pessoas. O currículo, os livros didáticos e a própria política educa-cional expressam de várias formas esse mito e ele ajuda a construir re-sistências ao debate, à discussão e à implementação de práticas pedagógi-cas voltadas para a diversidade étnico-racial. O que sabemos sobre a África? E sobre o negro brasileiro, suas histórias, suas lutas e conquistas? É forte ainda a presença de imagens estereotipadas e opiniões coladas no senso comum. As pessoas lêem pouco sobre o tema e repetem várias distorções do as-sunto realizadas pela mídia brasileira. Há também o desconhecimento do tema, o que acarreta dificuldades na implementação da Lei. Por isso, o in-vestimento na formação inicial e con-tinuada de professores é importante.

Mas a diversidade cultural e étnico-racial brasileira ainda não se tornou um dos eixos orienta-dores das políticas, das práticas e dos currículos, não é?A Lei 10.639/03 é um passo impor-tante nesse sentido, mas para que ela realmente desencadeie uma políti-ca educacional efetiva há um longo caminho a percorrer. E para que o re-sultado desse percurso seja positivo é necessário que se criem condições concretas para tal. Penso que deveria haver maior preocupação pública e institucional do MEC, das secretarias estaduais e municipais de educação de todo o país em relação à superação de práticas preconceituosas, visões negativas do negro e de outros gru-pos étnico-raciais. E deveria haver maior inserção de uma discussão que privilegie a visão positiva e afirmativa sobre a história e cultura afro-brasilei-ra e africana. Para isso precisamos de financiamento, formação inicial e con-tinuada, material didático-pedagó-gico, pesquisas e monitoramento das ações. É preciso também criar espaços

de formação em serviço, no interior da escola, para que os docentes discutam coletivamente e pensem ações, pro-jetos e estratégias pedagógicas con-juntas. O trabalho com a diversidade cultural e étnico-racial não se faz no isolamento.

Na sua avaliação, estão sendo produzidos materiais que con-tribuem para o ensino da cultura negra e da história da África?Sim, aos poucos esses materiais vêm sendo produzidos tanto por parte do público quanto do privado. Digo isso porque, além do Ministério da Edu-cação e de ações de secretarias mu-nicipais e estaduais, a iniciativa pri-vada começa a investir também. Mas ainda é muito pouco, se comparado com a necessidade e com a demanda. E nem todo material é de boa quali-dade. É preciso avaliar com calma e criticidade.

Há experiências bem-suce-didas nas escolas de Educação Básica?Não temos ainda um mapeamento sistemático dessas ações. Pela minha experiência, vejo que os trabalhos bem-sucedidos dizem respeito mais aos processos de formação continu-ada. Eles acabam sendo experiências individuais de docentes ou coletivos de educadores interessados no tema, ou articulações entre algumas secre-tarias de educação, a universidade, a gestão da escola e professores e pro-fessoras. Há projetos de trabalho que articulam ações com alunos, comuni-dade e movimentos sociais, mas são pouco conhecidos. Por isso, agora é o momento de começarmos a pesquisar mais e avaliar as ações pedagógicas em sala de aula, os projetos pedagó-gicos interdisciplinares que vêm sen-do desenvolvidos e o impacto desse processo na formação dos alunos. Embora a Lei seja recente, já é hora de começarmos a pensar nesse aspecto.

Que sugestões você daria aos professores?Acho que os docentes deveriam en-tender o caráter da Lei 10.639/03 e aproveitar esse momento político e pedagógico que vivemos para se inda-garem sobre qual tem sido a sua pos-tura diante da questão racial na escola e na sociedade. A discussão crítica e pedagógica da questão racial e africa-na na escola é um direito. E, enquanto tal, deve ser garantida. Já é hora de os educadores superarem o discurso de que o negro é discriminado somente porque é pobre e de que as políticas universais atingem igualmente ne-gros e brancos. É preciso conhecer as pesquisas que nos ajudam a com-preender melhor essa situação. Se não tivermos ações afirmativas sérias no Brasil, as desigualdades raciais e o ra-cismo se arrastarão ainda por muitos anos. Outra sugestão é conhecer mais as lutas, os avanços, a resistência negra no Brasil. É importante também co-nhecer a História da África sob o pris-ma dos africanos e não somente dos colonizadores ou neocolonizadores. Há muita riqueza, sabedoria, beleza a descobrir. Não temos somente uma história de pobreza, racismo, coloni-zação e desigualdades quando fala-mos sobre o negro brasileiro e sobre a África. É preciso equilibrar a discussão com a denúncia do racismo (esse pon-to nunca deverá sair da nossa pauta!) e as vitórias e conquistas. O povo afri-cano e os negros brasileiros devem ser tratados, na educação, na sua di-mensão histórica, política, cultural e social. O conteúdo da Lei e suas dire-trizes curriculares nacionais devem ser entendidos como constituintes da nossa formação pedagógica e escolar, e não como uma questão à parte. A história do negro brasileiro faz parte da história do Brasil, e a história da África faz parte da história do mundo. Não podemos mais passar pela edu-cação básica e pela universidade sem compreender essas questões.

Entrevista

Nilma Lino GomesCONTINUAÇÃO:

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M u s e u A f r o B r a s i l é d e z !

N o Museu AfroBrasil, que fica no Portão 10 do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, há

muito o que se ver e aprender. Há um acervo interessante que mostra a importância da matriz negro-africana na constituição da história e cultura brasileiras. As exposições são criativas, como Formas e Pulos: o Saci no imaginário e Benin está vivo ainda lá – ancestralidade e contemporaneidade.

O museu tem a missão educativa de desconstruir e transformar o imaginário sobre a população negra, baseado na ótica da inferioridade. A equipe de profissionais do Núcleo de Educação promove oficinas, cursos, encontros, seminários e materiais destinados a educadores, crianças e jovens.

Visite o site: www.museuafrobrasil.com.br

Navegue

Gravura de Freder ico Gui lherme Br iggs. Rio de Janeiro, RJ, 1832-1836.

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Navegue

Alfabeto negroAutora: Rosa M. Carvalho RochaEditora: Mazza EdiçõesAno: 2001Número de páginas: 56

Ana e AnaAutora: Célia Cristina GodoyIlustrações: FêEditora: DCL Difusão CulturaAno: 2003Número de páginas: 24

Aquilo que a mãe não querAutora: Geni GuimarãesEditora: Mazza EdiçõesAno: 2004Número de páginas: 32

Coleção Bichos da África (4 volumes)Autor: Rogério A. BarbosaIlustrações: Ciça FittipaldiEditora: MelhoramentosAno: 2008Número de páginas: 16

Contando a história do sambaAutores: Marcos Cardoso, Elzelina Dóris e Edinéia FerreiraEditora: Mazza EdiçõesAno: 2008Número de páginas: 80

Dito, o negrinho da flautaAutor: Pedro BlochEditora: ModernaAno: 2004Número de páginas: 64

Felicidade não tem corAutor: Júlio Emílio BrazEditora: ModernaAno: 1994Número de páginas: 64

Histórias da PretaAutora: Heloísa Pires LimaIlustrações: LaurabeatrizEditora: Companhia das LetrasAno: 1998Número de páginas: 64

Luana – a menina que viu o Brasil nenémAutores: Aroldo Macedo e Oswaldo FaustinoEditora: FTDAno: 2000Número de páginas: 48

O Congado para Crianças (Coleção OLERÊ)Autor: Edimilson A. PereiraIlustrações: Rubem FilhoEditora: Mazza EdiçõesAno: 2006Número de páginas: 20

O filho do ventoAutor: Rogério Andrade BarbosaIlustrações: Graça LimaEditora: DCLAno: 2001Número de páginas: 40

O presente de OssanhaAutor: Joel Rufino dos SantosIlustrações: Mauricio VenezaEditora: GlobalAno: 2000Número de páginas: 16

Os comedores de palavrasAutores: Edimilson A. Pereira e Rosa Margarida RochaIlustrações: Rubem FilhoEditora: Mazza EdiçõesAno: 2003Número de páginas: 32

Pretinho, meu boneco queridoAutora: Maria Cristina FurtadoIlustrações: Carlos BritoEditora: Editora do BrasilAno: 1991Número de páginas: 56

Tanto, TantoAutora: Trish CookeIlustrações: Helen OxenburyEditora: ÁticaAno: 1997Número de páginas: 48

CONTINUA >

O ensino de História e cultura africana e afro-brasileira é o tema da vez do circuito de leitura. Confira os livros de literatura infantil e de formação de professores que podem auxiliar a discussão do tema em sala de aula.

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LITERATURA INFANTO-JUVENIL

Circuito de LeituraCultura Negra

Desenho aquarelado atr ibuído a Mar ia Cal lcot t , Bahia, c . 1810.

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LIVROS PARA PROFESSORES

Alfabeto Negro – ManualAutora: Rosa M. Carvalho RochaEditora: Mazza EdiçõesAno: 2000Número de páginas: 20

A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiroAutor: Carlos MooreEditora: NandyalaAno: 2008Número de páginas: 217

A cor ausenteAutora: Wilma Baía CoelhoEditora: Mazza EdiçõesAno: 2006Número de páginas: 280

A mulher negra que vi de pertoAutora: Nilma Lino GomesEditora: Mazza EdiçõesAno: 2003Número de páginas: 128

Igualdade das relações étnico-raciais na escola: possibilidades e desafios para a im-plementação da Lei 10.639/03Autoras: Ana Lucia S. de Souza e Camila Croso (Orgs.)Editoras: Pierópolis, Ação Educativa, Ceafro, CeertAno: 2007Número de páginas: 96

Literaturas africanas e afro-brasileiras na prática pedagógicaAutoras: Íris Amâncio, Nilma Lino Gomese Miriam Lúcia dos Santos JorgeEditora: AutênticaAno: 2008Número de páginas: 166

Negritude, cinema e educaçãoOrganização: Edileuza Penha de SouzaEditora: Mazza EdiçõesAno: 2006Número de páginas: 182

Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negraAutora: Nilma Lino GomesEditora: AutênticaAno: 2008Número de páginas: 416

CONTINUAÇÃO:

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Circuito de LeituraCultura Negra

Desenho aquarelado atr ibuído a Mar ia Cal lcot t , Bahia, c . 1810.

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Perto das 16 horas, a reportagem do Di-mensão na Escola se esconde debaixo de uma rara sombra na rua de paralelepípe-

dos em Arcos, cidade mineira a 210 km de Belo Horizonte. Calor há de sobra naquela sexta-feira, mas vale a pena esperar. É que dali a pouco chegarão alguns agentes de leitura do Projeto Bagagem: a leitura salta os muros da Universidade.

A Universidade, diga-se de uma vez, é a PUC Minas em Arcos, e o Bagagem é um projeto de extensão, iniciado em 2003, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do municí-pio e despertar nos estudantes postura ativa diante da realidade em que estão inseridos.

Os agentes de leitura do Bagagem são crianças e adolescentes que, sob orientação de moni-tores da Universidade, se dispõem a espa-lhar livros e histórias junto às pessoas de seu convívio. Eles combinaram de se reunir mais

uma vez na sede da Associação Comunitária do Bairro Novo Cruzeiro, onde vão discutir o desempenho de cada um desde o último en-contro.

Não demora aponta lá embaixo a turma, e vêm animados à contraluz, nem aí para o sol. Na mão, cada qual traz sua maleta marrom: dez livros de bagagem. Humberto Lima, 14 anos, é quem tem a chave da As-sociação. Após um lance de escada, bem ao lado da quadra onde uma turma joga bola, o cômodo. Dentro, alguns bancos compridos e um painel com a imagem de São Fran-cisco de Assis.

Todos assentados, o monitor Rodrigo Gui-marães observa: “Eles são muito indepen-dentes”. De fato os agentes logo tomam a iniciativa e resolvem entre si as pendências relativas à função que exercem.

No interior de Minas, crianças e adolescentes atendidos por extensão universitária descobrem prazer na leitura e difundem a literatura na comunidade

Isso que é bagagem

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Agentes de leitura do projeto Bagagem

CONTINUA >

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Guilherme Amorim

ReportagemLeitura

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Literatura em trânsitoMas, afinal, que faz um agente de leitura? Em resumo: lê, escreve e difunde a lite-ratura. “Cada agente tem um grupo de leitura, com o qual se reúne para empres-tar livros e recolher resenhas produzidas por essas pessoas, além de sugestões de histórias que elas gostariam de ler”, ex-plica Humberto. Pode ser criança, adulto, idoso – o importante é despertar e incen-tivar o gosto pelas letras. “Em casa tem a minha tia”, conta Mariana Castro, 13 anos, sobre a participação de adultos em seu grupo.

E o que leva esses meninos a perambular pelas ruas com maletas em punho? Alguns se tornam agentes por simpatizar com a idéia, como Victor Valadão, também de 13 anos: “Já gostava de ler e escrever, e achei legal o projeto”. Outros desco-brem prazer na leitura a partir do envolvi-mento com o Bagagem, caso de Amilton Junior de Almeida, 12 anos, ao revelar que não gostava, mas pouco a pouco passou a se interessar por livros.

Se, apesar de todos os argumentos fa-voráveis ao sucesso da proposta, ainda restar dúvida quanto aos resultados práti-cos, a turma trata de mostrar que sim, funciona. Isis Fernanda, 16 anos, relata que a professora de português notou sig-nificativa melhora na produção de textos depois que ela entrou no Bagagem.

Desempenho não por acaso: nos encon-tros quinzenais, quando recebem as-sistência dos monitores da Universidade, os agentes trocam livros e participam de ditados, dinâmicas e outras atividades que são, ao mesmo tempo, educativas e recreativas.

ExpansãoNo início, o Bagagem atendia a apenas um bairro de Arcos, o Calcita, um dos mais pobres da cidade e que abriga também um

campus da PUC. As reuniões ocorriam so-mente nas dependências da Universidade, e por isso não era, nem é, difícil ver a ga-rotada à vontade em meio aos estudantes de graduação.

Concebida no curso de Comunicação So-cial, a idéia era desenvolver um projeto voltado para a comunidade, mas, por ou-tro lado, familiarizar os universitários com os livros. “Percebi a carência de hábito de leitura entre os estudantes”, conta a pro-fessora Júlia Freitas, idealizadora e co-ordenadora do Bagagem.

Para ela, um trabalho assim pode levar o aluno a contribuir para a sociedade en-quanto ele próprio adquire conhecimento. Como? Por meio de resenhas que os es-tudantes escrevem depois de ler as histó- rias, por exemplo. Os textos são aprimora-dos e, em seguida, colocados nas maletas junto com as obras.

Cinco anos depois de sua criação, o pro-jeto se estendeu para outros sete bairros de Arcos, além de contar com um núcleo em Japaraíba, município vizinho. Os en-contros não mais se realizam apenas no campus, o que, na opinião de Júlia, tem de positivo deixar os participantes mais à vontade.

Atualmente são em torno de cinqüenta agentes de leitura e quatro monitores re-munerados, além dos estudantes que se oferecem para participar sem receber por isso – cerca de cinco. O acervo é quase todo formado por doações e já ultrapas-sa mil livros. Mesmo com a boa vontade de pessoas e instituições interessadas em colaborar, o desafio não é dos menores.

Há, por exemplo, agentes que deixam de participar porque arranjam trabalho, ain-da que sequer tenham saído da infância. “Às vezes bate um desânimo, mas vou indo, faço minha parte”, diz Júlia, com a persistência de quem assiste de perto aos meninos e meninas com suas maletas pelas ruas, convidando outras pessoas para com eles viajar.

CONTINUAÇÃO:

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ReportagemLeitura

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“[...] O jornal, a revista e o livro contam histórias. O rádio, a TV e a internet con-tam histórias. As letras de música con-tam histórias, quase sempre de amor. Num quadro de pintura sem se perceber uma narrativa, com pessoas, tempo e es-paço, há uma história feita de imagens, sem palavras. Os discos, filmes e peças de teatro contam histórias. Os quadri-nhos e as propagandas contam histórias. Há belos livros, feitos só de narrativas através de imagens.

O que nos falta, que parece estar voltan-do nas melhores escolas, mas que ainda está desaparecida da vida familiar, é a história contada e lida de maneira mágica, feita para encantar as crianças. Histórias que não querem vender nada, como nas narrativas da publicidade. Histórias sem vontade de passar lições religiosas e mo-rais, sem vontade de ensinar nada, mas lidas ou contadas pelo simples prazer de envolver nas tramas das narrativas. Pelo afeto e pelas palavras e gestos, criam-se e recriam-se mundos e seus habitantes fantásticos. Histórias contadas pelo que tem o homem de inventar, de ficcionar poética e teatralmente. [...]”

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Texto de Elias José em seu livro Literatura Infantil: ler, contar e encantar crianças. Porto Alegre: Editora Mediação, 2007.

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Manhã de segunda-feira na comu-nidade Fazenda Velha, zona rural de Araçuaí, em Minas Gerais.

Participantes do projeto Sementinha, desenvolvido pela ONG Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), se encontram diariamente na pequena capela do lugar. Ali, uma turma de 15 crianças na faixa de 4 a 6 anos ajuda a professora Maristane Oliveira Carvalho a afastar os bancos usados pelos fiéis no domingo e colocam no lugar pequenas cadeiras de plástico colorido, formando uma grande roda.

Nesse espaço, elas cantam canções populares que aprenderam com pessoas da comunidade, formada por 30 famílias de lavradores. A cantoria atrai alguns moradores. Adolescentes, mães com bebês no colo e avós deixam seus afa-zeres e sentam-se também na roda para acompanhar as atividades do Semen-tinha.

Uma mãe da comunidade ajuda a improvisar uma mesa para que meninos e meninas tomem a sopa de legumes. Eles mergulham a concha na panela e se servem com autonomia. Depois, recolhem pratos e talheres e pegam as escovas de dente, que ficam guardadas num porta-escova criativo feito com uma garrafa descartável.

Lobos banguelasA atividade seguinte acontece nas mar-gens do rio Piauí. Durante o caminho, são relembrados os passeios feitos na comunidade e também ao centro da cidade, que muitas crianças até então não conheciam. “A gente foi no aeroporto, na praça...”, diz Milena Dias Rosa, 5 anos. Numa pedra à beira do rio fazem uma roda para ouvir um conto da tradição regional. “É a história da menina que esqueceu os brincos de ouro na pedra do rio”, explica Maristane. Todos adoram ouvir histórias. A professora reinventa os contos de fadas e estimula a meninada a criar o final. A imaginação voa, e é assim que surgem lobos banguelas e vovozinhas espertas nas histórias dessa turma.

A professora conta que as crianças descobriram as letras brincando. Um dia, Taís Amorim de Oliveira, 5 anos, disse, na roda, que achou a letra “T” numa caixa de sabão em pó. Depois disso, todos queriam encontrar a inicial do próprio nome. Maristane teve, então, a idéia de fazer um jogo, com letras recortadas das embalagens. A brincadeira não parou aí: as crianças passaram a modelar as letras do alfabeto na argila retirada das margens do rio.

Sementinha na beira do rio

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Rosangela Guerra Jornalista

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Relato de experiênciaLeitura

Foto de Rosangela Guerra

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M eados da década de 40, a guerra acabando e o mundo girando nas ondas do rádio. Enquanto isso,

numa pequena cidade do interior de Minas, Ziraldo e seus colegas do Grupo Escolar andavam perdidos de amores por Uma professora muito maluquinha. Ziraldo é o autor do texto, mas escreveu na primeira pessoa do plural como se estivesse contando a história junto com os colegas de turma.

Sim, ela era maluquinha. Numa época em que alfabetizar era seguir a cartilha, a professora escandalizava. Criava jogos e brincadeiras para sala de aula e demonstrava seu amor pelo que existia muito além da escola: música, rádio, cinema, quadrinhos, poesias e viagens pelo mundo.

Nenhum aluno queria saber de perder aquelas aulas movimentadas e alegres. Um dia, a diretora abriu a porta de repente e disse: “Vamos parar com essa felicidade aí?”. Os pais também andaram reclamando: as lições de casa eram poucas. A professora começou então a inventar lições bem maluquinhas que envolviam a família toda numa grande brincadeira de aprender.

A professora inesquecível deixou de ensinar muitos conteúdos escolares daquele tempo. O autor fez uma

lista enorme com alguns deles: os afluentes da margem esquerda do rio São Francisco, o dia de nascimento e morte do Duque de Caxias, o nome completo do Conde D’Eu, marido da princesa Isabel, os países independen-tes da África e muitos outros que a vida mostrou depois que não tinham mesmo a menor importância.

E o que foi feito da professora maluqui-nha? Bem, o final da história não pode ser contado aqui para não tirar a surpresa deste livro divertido que nos faz refletir sobre educação de crianças e jovens.

Informações:Uma professora muito maluquinhaAutor: ZiraldoEditora: MelhoramentosNúmero de páginas: 120

Uma professora muito maluquinha

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Resenha

Rosangela Guerra Jornalista

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A seleção e organização de trabalhos dos alunos realizados num período determinado de tempo, estratégia

utilizada por várias escolas, é uma forma adequada para que as crianças visualizem seu processo particular de aprender. Com a ajuda do professor e refletindo sobre sua própria produção, a criança pode perceber seus pontos fortes, suas dificuldades, tornando-se mais consciente de seu processo de aprendizagem.

No cotidiano da sala de aula, é importante que os alunos sejam estimulados e ajudados a refletir sobre a maneira como estão realizando cada tarefa e como podem melhorar suas competências num determinado tipo de aprendizagem. A auto-avaliação coloca o aluno na condição de olhar criticamente não só o resultado de seu trabalho, mas também o que aconteceu no caminho percorrido. Um roteiro pode ajudar a pensar sobre:

• As condições em que a tarefa foi feita: quando? Onde? Em que tempo?

• O material utilizado: anotações, documentos, livros.

• Como foi feito o trabalho: o que se fez primeiro, o que facilitou, o que dificultou.

Outro procedimento capaz de enriquecer a percepção de si próprio é levar o aluno a “ver” seu trabalho pelo olhar do outro. As crianças de uma classe não são iguais e essa diversidade é fundamental para a interação e para a melhoria do desempenho individual. Ao final das atividades, cada uma pode fazer apreciações sobre os trabalhos dos colegas:

A parte que mais gostei do trabalho é...O que não ficou claro para mim é...Acho que o jeito como apresentou foi...Você poderia melhorar seu trabalho se...

Os próprios alunos avaliam seu crescimento

Ava

liaç

ão

Arquivo Rosangela Guerra

Texto retirado de Raízes e Asas, publicação do Cenpec (Centro de Pesquisas para Educação e Cultura)

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O maestro e compositor Tom Jobim era um observador atento da natureza. Amava e defendia a Mata Atlântica,

fazia músicas inspiradas no canto dos pássaros e dizia que a gente deve sentir “a perna do vento”. O projeto Tom da Mata*, do Instituto Antônio Carlos Jobim, foi criado para despertar nos alunos a responsabilidade individual em relação às questões ambientais e mobilizar escolas e comunidades. Leia abaixo algumas atividades do projeto para serem realizadas na escola.

Ouvir a naturezaA turma aproveita um dos passeios na floresta, campo, plantação, rio, praia etc. Em alguns momentos, o professor pode sugerir que os alunos se coloquem abertos e receptivos para ouvir os sons da natureza. Depois de um tempo, devem escolher um dos sons e procurar imitá-lo e/ou interagir com ele. Se quiserem, podem levar lápis para escrever ou desenhar. Peça aos alunos que registrem que emoções o som provocou.

Ouvir a própria vozSentados em suas carteiras, os alunos podem falar para si mesmos e pensar no que ouvem quando falam. Também podem emitir sons, como o balbuciar de bebês, sons graves, agudos, longos e curtos. Esse exercício resgata um pouco a caminhada da criança até a fala completa. É também importante que as crianças gravem e ouçam a própria voz.

Ouvir os sons do ambientePropor à turma que exercite essa atividade fora da escola, individualmente. Em silêncio, prestar atenção aos sons do ambiente no ônibus, na sala de aula, no recreio, em casa (de manhã, à tarde, à noite, depois de deitar-se), na rua, numa festa, durante um jogo. Por um minuto, o aluno deve colocar-se nesta atitude: postura de entrega para recebimento de sons. Na escola, as crianças escrevem no caderno a resposta para esta questão: quais os sons que lhe fazem bem? Quais os que lhe provocam tensão?

Ouvir e pesquisar músicasDepois desses exercícios, a música deve ser incluída nas atividades. O professor escolhe cinco tipos de música (pode ser um rock, um samba, uma música orquestral etc.). A cada dia de aula, a turma escuta uma dessas músicas e registra no caderno as suas sensações.

O professor pode propor aos alunos que desenvolvam um projeto de coleta e registro de músicas que falam da natureza. Podem ser músicas folclóricas ou da MPB. Pedir sugestões aos pais e avós sobre músicas antigas.

Depois de realizar esse projeto, escreva para o jornal: [email protected]

Sons da vida

Edu

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Arquivo Rosangela Guerra

* O projeto Tom da Mata é fruto da parceria do Instituto Antônio Carlos Jobim, Fundação Roberto Marinho e Furnas Centrais Elétricas.

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Temos recebido o jornal Dimensão na Escola no Colégio Logosófico e gostado demais! É muito bom podermos conhecer o trabalho que nossos queridos professores realizam com os alunos. Ao ler o jornal, fica claro que há muitos profissionais empenhados em fazer educação de verdade em nosso país.

Parabéns pelo trabalho!

Marise Alencar - Coordenadora da Educação Infantil do Colégio Logosófico/BH.

Gostei muito do jornal. A linguagem é simples, sem ser simplista, e o jornal tem um formato muito interessante para a web. Parabéns.

Priscila Borges - Arcos/MG

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