ENTRE CIDADES E PAÇOS: MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO DE … · como Princesa Imperial, e que se estendeu...
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 5266
ENTRE CIDADES E PAÇOS: MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO DE DUAS PRINCESAS BRASILEIRAS
Jaqueline Vieira de Aguiar1
Introdução
Meus Caros Paes Estimo que chegassem bem; eu estou boa, mas tenho tido muitas saudades suas. O Bevilacqua veiu hontem ás 9 horas, e sahiu á 1, e dice que tinhamos dado boa lição, e deixou-me uã -Air Suisse- para estudar toda para amanhan. [...] Esta cartinha não pôde ir hoje, porque a barca partiu às 11 ½, e nós esperámos pelo Valdetaro para corrigir os rascunhos e fazer–nos escrever. Adeus meus Caros Paes, recebam muitas saudades e deitem a sua benção à Sua filha affectuosa Isabel Christina. S. Christovão em 11 de abril de 1856. P.S. Saudades á Josefina; Minha Roza e Domitilia beijam a mão de Mamãe (ISABEL, 1856).
No ano de 1856, do Paço de São Cristóvão, localizado na província do Rio de Janeiro,
sede da Corte do Império do Brasil, Isabel, a Princesa carioca, escreve aos pais, o Imperador
D. Pedro II e a Imperatriz D. Teresa Cristina. A menina de nove anos faz uso de uma folha de
papel duplo, não pautado e da cor branca. O papel encontra-se amarelado, traz as marcas de
dobradura para acondicionamento em envelope e apresenta, na parte superior esquerda, o
desenho de um amor perfeito amarelo e preto preso a um caule e duas folhas. Há ainda a
presença de uma margem à esquerda, provavelmente realizada por sua autora. Com letra
cursiva e bem desenhada, Isabel descreve os principais fatos ocorridos no dia anterior, os
quais foram elegidos como dignos de serem informados aos pais. Ela escreve em primeira
pessoa do plural: “[...] O Bevilacqua veiu hontem [...] e dice que tinhamos dado boa lição...”
(ISABEL, 1856) e, ainda: “[...] nós esperámos pelo Valdetaro para corrigir os rascunhos e
fazer-nos escrever. [...]” (ISABEL, 1856). Assim, fica claro que estava acompanhada, e
provavelmente de sua irmã, Leopoldina, um ano mais nova, com a qual compartilhava as
lições diárias. Isabel também confirma que realizou as atividades educacionais com o mestre
de Música, Bevilacqua, e com o mestre Valdetaro, responsável pelo ensino de Instrução
1 Doutoranda em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Professora de História da SEEDUC/RJ. E-Mail: <[email protected]>.
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Elementar e História Sagrada2. No pós-escrito há menção a Rosa de Sant’Anna e Domitilia
Francisca, as damas, servidoras da Casa Imperial, que trabalhavam em seus quartos.
A carta da Princesa Isabel acima citada foi enviada aos pais com o objetivo principal de
informar as atividades desenvolvidas por ela e sua irmã no cotidiano das lições ao qual
estavam submetidas. Este artigo pretende analisar as especificidades da formação recebida
pelas Princesas Isabel e Leopoldina, duas mulheres educadas para governar (AGUIAR, 2015).
Para tanto, foram selecionados como fontes documentais de pesquisa o diário e as cartas das
meninas, cujos escritos apresentam relevantes informações sobre o processo de formação
educacional das Princesas, iniciado em 1850, logo após o reconhecimento oficial de Isabel
como Princesa Imperial, e que se estendeu até o ano de 1864, quando elas se preparavam
para o casamento.
O diário e as epístolas das Princesas, elegidos como fontes para o estudo em pauta,
pertencem ao Arquivo Grão Pará, porém, os demais documentos consultados integram o
acervo do Arquivo da Casa Imperial do Brasil, do Arquivo Nacional e da Biblioteca Nacional,
todos localizados no estado do Rio de Janeiro. Por meio desses objetos da cultura material
escrita é possível conhecer parte do que é vivido e ensinado às Princesas durante sua
trajetória educacional, assim como seus segredos, anseios, angústias e expectativas. Os
documentos foram lidos nessa perspectiva, utilizando-se as referências, métodos e conceitos
sugeridos nas obras organizadas pelas autoras que tratam da temática relativa à escrita
epistolar, entre elas, Bastos, Cunha e Mignot (2002), Gomes (2004) e Sierra Blas (2003).
Segundo Sierra Blas (2003, p. 28-29), para compreender a história da cultura escrita é
preciso avançar, ao mesmo tempo, em três histórias diferentes e complementares: “A história
da obra, como manuscritos e objetos impressos, a história de normas, recursos e usos da
escrita e a história da maneira como lemos”. Além disso, a história da cultura escrita abrange
o campo da história social, visto ser objeto de estudo das relações que se estabelecem em
diversas situações e tempos vividos, englobando “sistemas de escrita, formas gráficas e
processos de produção de testemunhos escritos, por um lado, e as estruturas
socioeconômicas das sociedades que por outro lado, elaboram, utilizam e manipulam estes
produtos culturais” (Idem, 2003, p. 29). Cunha corrobora os escritos de Sierra Blas ao
afirmar que “cartas e diários são tratados como práticas sociais que partilham da constituição
de um regime de sensibilidades, ou seja, da construção da história de indivíduos que, nos
2 Cf. Livro de Assentamento dos Mestres de Sua Majestade o Imperador e Sereníssimas Senhoras Princezas – 1833-64- Mordomia da Casa Imperial – Códice 01 – Volume 81- Arquivo Nacional; e diário da Princesa Isabel –Arquivo Grão Pará.
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segredos da intimidade, se inventam pela escrita de si e pela escrita para os outros” (2013, p.
115).
Durante a análise das cartas, principal meio de comunicação da população letrada
oitocentista, notou-se que elas carregam consigo aspectos intrínsecos e extrínsecos
relacionados a todo um protocolo epistolar da época. Nesse sentido, buscou-se analisar não
só o conteúdo, mas também as especificidades da materialidade das cartas.
Para Mignot (2002, p. 115), as cartas “constituem-se em documentos que permitem
compreender itinerários pessoais e profissionais de formação, seguir a trama de afinidades
eletivas e penetrar em intimidades alheias”. Gomes (2004, p. 19) confirma que a escrita
epistolar “implica uma interlocução, uma troca, sendo um jogo interativo entre quem escreve
e quem lê — sujeitos que se revezam, ocupando os mesmos papéis através do tempo”.
É nesse universo que a pesquisa apresentada está inserida. Ela convida o leitor a “viajar
no tempo” e buscar indícios para compreender como ocorria a educação de mulheres
governantes, cujas pistas encontram-se presentes na própria expressão da cultura escrita
oitocentista: as cartas.
O cotidiano educativo das Princesas brasileiras
Figura 1 – Ferdinand Krumholz. Pedro Afonso, sentado no colo de sua mãe, a Imperatriz Teresa Cristina, e
cercado por suas duas irmãs, Isabel e Leopoldina, 1850. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro, Brasil.3
3Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Afonso_de_Bragan%C3%A7a_e_Bourbon#/media/File:A_imperatriz_e_filhos.jpg. Acesso em 21 mar. 2017.
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A vida das Princesas brasileiras Isabel e Leopoldina (Figura 1), passou a mudar
determinantemente após a perda do irmão, o Príncipe Imperial Pedro Afonso que falecera em
9 de janeiro de 1850, na Fazenda de Santa Cruz, uma das residências de verão da Família
Imperial. Na Figura 1, também é possível conhecer uma das últimas imagens de Pedro
Afonso ainda em vida, no colo de sua mãe, a Imperatriz D. Teresa Cristina, e ladeado pelas
irmãs, as Princesas Isabel (em pé) e Leopoldina (sentada).
Tudo indica que a imagem retratada na Figura 1 seja da Fazenda de Santa Cruz, onde a
Família Imperial havia passado o Natal e a chegada do “Ano Bom”, comemorações do fim do
ano de 1849. O fragmento abaixo é de uma epístola enviada do Paço de São Cristóvão, por D.
Pedro II, em resposta à tragédia do falecimento do Príncipe Imperial, informada pelo Senhor
Teixeira Macedo, responsável pela fazenda naquela semana. Na ocasião, encontravam-se na
residência de veraneio a Imperatriz D. Teresa Cristina e os três filhos do casal: Pedro Afonso,
Isabel e Leopoldina.
Senhor Macedo. Dê as ordens necessárias para que, com toda a comodidade, venham para S. Cristóvão esses filhos que me restam, e estimo mais que a vida... Foi o golpe o mais fatal que poderia receber, e decerto a ele não resistiria se não me ficassem ainda mulher e duas crianças, que tenho a educar para que possam fazer a felicidade do país que as viu nascer, e é [...] também uma de minhas consolações4.
Como se verifica na mensagem, Isabel e Leopoldina passaram a significar ainda mais
para seu pai, o Imperador do Brasil, afinal, foram as únicas herdeiras que lhe restaram. Na
carta o soberano confessa que, apesar do “golpe” recebido, precisaria resistir educando suas
filhas “para que possam fazer a felicidade do país que as viu nascer”. Ou seja, mesmo naquele
momento difícil, o Imperador se revelava preocupado com a educação das duas filhas. Ele
estava consciente de que a condição ocupada por Isabel como herdeira da Coroa brasileira
exigiria uma instrução à altura do cargo que ocuparia no futuro. Afinal, a ela não seriam
suficientes os ensinamentos das primeiras letras e das “prendas domésticas”, como
estabelecia a Constituição e permitiam os pais das meninas que estudavam no século XIX5.
No dia 10 agosto de 1850, no Paço do Senado, com a presença de 79 deputados e 31
senadores integrantes da Assembleia Geral Legislativa, ocorreu a solenidade do
reconhecimento de Isabel como sucessora de D. Pedro II ao Trono e à Coroa do Brasil, de
acordo com os artigos 116 e 117 da Constituição, dando continuação à dinastia fundada por D.
Pedro I. A Assembleia foi presidida pelo Barão de Monte Santo, que se incumbiu da tarefa de
4 Solicitação de D. Pedro II a Joaquim Teixeira Macedo, enviada em janeiro de 1850. MACEDO apud BARMAN, 2005, p. 45.
5 Cf. Decreto Imperial de 15 de outubro de 1827.
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explicar aos presentes o motivo daquela sessão. Ao consultar a opinião dos presentes sobre o
assunto, todos responderam ser favoráveis ao reconhecimento de Isabel como a Princesa
Imperial (VIEIRA, 1989, p. 21-22). Abaixo, encontra-se a redação dada ao Auto do
Reconhecimento, lavrado em duplicata e assinado por todos os presentes.
Saibam quantos este instrumento virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil oitocentos e cincoenta, vigésimo nono da Independência e do Império do Brasil, aos dez dias do mês de agosto, pelas onze horas da manhã, nesta mui leal e heróica cidade do Rio de Janeiro, no paço do senado, onde se reuniram as duas câmaras de que se compõe a assembléia geral legislativa do mesmo Império, estando presentes 31 senadores e 79 deputados, sob a presidência do Exmo. barão de Monte Santo, para se fazer o reconhecimento da Princesa Imperial, na conformidade da constituição, título quarto, capítulo primeiro, artigo quinze, parágrafo terceiro, se procedeu ao ato solene do dito Reconhecimento, e a Senhora Dona Isabel-Cristina-Leopoldina-Augusta-Micaela-Gabriela-Rafaela-Gonzaga, Princesa Imperial, Filha legítima e primeira Filha existente do Senhor Dom Pedro Segundo, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, e da Senhora Dona Teresa Cristina Maria, Imperatriz, Sua Mulher, nascida aos vinte e nove de julho de mil oitocentos e quarenta e seis, e Batizada aos quinze dias do mês de novembro do dito ano, na Imperial Capela desta Corte, pelo Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Dom Manoel do Monte Rodrigues de Araújo, bispo diocesano, capelão-mor de Sua Majestade Imperial, conde da Irajá; pela assembléia geral legislativa foi reconhecida por sucessora de Seu Augusto Pai no trono e na corôa do Império do Brasil, segundo a ordem de sucessão estabelecida na constituição, título quinto, capítulo quarto, artigo cento e dezessete, com todos os direitos e prerrogativas que pela mesma constituição competem ao Príncipe Sucessor do trono. E para perpétua memória se lavrou este Auto em duplicado, na conformidade da lei, para os fins nela declarados, o qual foi lido pelo Exmo. Snr. Manoel dos Santos Martins Vellasques, segundo secretário do senado, em voz inteligível, perante a assembléia geral legislativa, cujos membros abaixo vão assinados; e eu José da Silva Mafra, primeiro secretário do senado escrevi e subscrevi (a) — José da Silva Mafra — Barão de Monte Santo6 [Grifo meu].
Com o reconhecimento de Isabel como herdeira presuntiva, a sucessão ao Trono e à
Coroa estava novamente assegurada. Na sua falta, Leopoldina assumiria a função de
Imperatriz do Brasil e, por esse motivo, também deveria estar apta a receber essa nobre
missão, razão pela qual as duas foram educadas da mesma forma.
Por ocupar a primeira posição na linha sucessória, Isabel era consideravelmente mais
cobrada em suas atitudes, conforme se verificará adiante. E após o seu reconhecimento
oficial como Princesa Imperial sua vida mudou significativamente, a começar pela
comemoração do seu aniversário que, a partir de então, se transformou numa grande
6Auto de Reconhecimento da Princesa Isabel, apud VIEIRA, 1989, p. 21.
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festividade ao receber o título de grande Gala7. A data do nascimento da Princesa herdeira
adquiriu maior importância no calendário oficial do Império, ganhando o status das festas
cívicas, como o dia do “Fico”, da maioridade de Pedro II e da abertura e encerramento da
Assembleia (DAIBERT JR, 2007, p. 60).
D. Pedro II, o “Monarca Educador”8, principiou pessoalmente o ensino das “primeiras
letras” às filhas e futuras soberanas, mas, com o passar do tempo, percebeu a importância da
contratação de alguns mestres, o que foi incentivado por sua madrasta, a Imperatriz viúva D.
Amélia, que morava no Palácio das Janelas Verdes, em Lisboa. A viúva de D. Pedro I - e IV de
Portugal - aconselhava o enteado, a quem tratava como filho, a dar instruções às filhas
contratando “mestres de Português, de Geografia, de Cálculo...” e advertindo que “ouviu
dizer” que no Rio havia mestres muito bem colocados, os quais poderiam “ir duas ou 3 vezes
por semana a S. Cristóvão para as diferentes lições.” (AMÉLIA, 1854). Na ocasião, ela
lembrava, ainda, que “uma das primeiras coisas a ensinar às crianças é o Catecismo,” o que
D. Pedro II deve ter ouvido com muita atenção. A educação religiosa certamente estava em
seus planos, pois confirmava os laços do Império com a Igreja Católica. Sobre a profissão de
professor ou mestre, Vasconcelos (2005) traz importantes considerações:
[...] também chamados de mestres particulares ou mestres que davam lições “por casas”, eram mestres específicos de primeiras letras, gramática, línguas, música, piano, artes e outros conhecimentos, que visitavam as casas ou fazendas sistematicamente, ministrando aulas a alunos membros da família, ou agregados, individualmente. Não habitavam nas casas. [...] Eram pagos pela família pelos cursos que ministravam (VASCONCELOS, 2005, p. 12-13).
Entre os primeiros mestres contratados por D. Pedro II, em 1850, para a missão de
educar suas filhas, estavam: Luiz Aleixo Boulanger, de Caligrafia e Geografia; Alexandre
Antonio Vandelli, de Botânica e Ciências Naturais; Candido José de Araújo Vianna, também
conhecido como “Mestre Sapucahy”, de Língua Portuguesa, Literatura e Latim; e Fortunato
Mazziotti, de Música. Em 1854, Francisco Crispiniano Valdetaro, de Instrução Elementar e
História Sagrada, passou a compor o quadro de professores (AGUIAR, 2015).
Mesmo contando com um seleto grupo de educadores, o Imperador não se conteve e
iniciou a busca por uma preceptora. Dessa forma, ele também estaria atendendo às tradições
da Corte portuguesa, cuja determinação era a de que, ao completar sete anos de idade, o
príncipe herdeiro tivesse um aio ou preceptor responsável por sua formação educacional
7 Cf. Decreto número 674 de 15 de julho de 1850, apud VIEIRA, 1989, p. 21. 8 Conceito apresentado em trabalho anterior disponível em: AGUIAR, Jaqueline Vieira de. D. Pedro II: o Monarca
Educador. In: XVII Encontro de História da ANPUH - Entre o Local e o Global. Nova Iguaçu: ANPUH RJ, 2016. v. 1. p. 1-13.
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(BARMAN, 2005, p. 57-58). A prática educativa de crianças nobres e principescas ocorria no
âmbito doméstico, afirma Vasconcelos (2005, p. 12-13). Em seus estudos, a autora explica as
especificidades da profissão de preceptor:
eram mestres ou mestras que moravam na residência da família, às vezes, estrangeiros, contratados para a educação das crianças e jovens da casa (filhos, sobrinhos, irmãos menores). Por vezes, encontram-se preceptores denominados de aios ou amos, aias ou amas, principalmente quando se trata da nobreza portuguesa. Ainda encontramos preceptoras atuando como governantas da casa, ou seja, não só administrando a educação das crianças, como administrando também a casa. Os mestres preceptores caracterizam-se pelo fato de viverem na mesma casa de seus alunos, constituindo-se, assim, dentro da realidade da educação doméstica, naqueles que parecem ter o maior custo para as famílias, sendo encontrados nas classes mais abastadas (VASCONCELOS, 2005, p. 12-13).
Para realizar a educação das Princesas no âmbito privado de sua residência e ainda
administrar os demais mestres, o Imperador precisava de uma preceptora habilitada,
também denominada aia ou governanta, que poderia até morar no local, se assim fosse
necessário. Todavia, um cargo de tão grande importância precisava ser ocupado por alguém
que inspirasse confiança e fosse capaz de exercê-lo, o que o levou a convidar D. Amélia, “sua
mãe”, em quem confiava e que já havia dado provas de sua capacidade ao educar a própria
filha, Maria Amélia9. Mas o convite feito à Imperatriz viúva não foi aceito, talvez porque
tenha chegado no momento em que ela estava sem condições físicas e psicológicas devido à
perda da única filha.
Não se sabe exatamente a data do primeiro convite feito pelo Imperador para que D.
Amélia se encarregasse da educação das Princesas, mas acredita-se que seja anterior ao mês
de setembro de 1853. Isso porque, em 13 de outubro do mesmo ano, em resposta a uma
missiva enviada por ele um mês antes, D. Amélia afirmou não poder aceitar o convite para
educar suas “netas” e sugeriu que D. Teresa Cristina, a mãe das meninas, se encarregasse da
função juntamente com as damas das duas Princesas, orientação não acatada pelo soberano,
ainda que, de acordo com os manuais de etiqueta da França, a educação das meninas fosse de
responsabilidade das mulheres e, de preferência, da mãe (BARMAN, 2005, p. 57-58).
Mesmo não aceitando o convite de D. Pedro II para educar as Princesas, D. Amélia
colocou-se à disposição dos pais das meninas para dar alguns conselhos gerais sobre
educação e enfatizou sua experiência no assunto. Porém, observou sabiamente que “a
maneira de aplicar os mesmos conselhos são diferentes segundo as individualidades das
crianças...” (AMÉLIA, 1853). Além disso, buscou tranquilizar o Imperador ao se incumbir da
9 Sobre o assunto ver BRAGANÇA, 2009.
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tarefa de “escolher na Europa uma dama capaz sob todos os aspectos de se encarregar da
educação de suas 2 filhas” (Idem), o que será tema de diversas missivas trocadas entre eles
durante aproximadamente três anos.
As qualidades da candidata a ocupar o cargo de preceptora das Princesas podem ser
conhecidas por meio de uma das primeiras cartas encontradas sobre o assunto e enviada pelo
soberano a sua “mãe”. Na missiva, D. Pedro II é enfático: aquela que ocuparia a função de
preceptora ou aia, deveria ser
[...] alemã, católica romana e religiosa, viúva, sem filhos menores, maior de quarenta annos, sem pretenção, nem direito a esses de qualidade nenhuma sem interesses na Europa sabendo bem as línguas mais usadas, também entendendo o portuguez ou que venha depois de saber alguma coisa d’elle, para não estar sem ocupação quando aqui chegar; tendo genio docil maneiras delicadas e conhecendo perfeitamente os diversos misteres em que as senhoras passão as suas horas vagas. Quanto á instrução não exijo muito porque as minhas filhas hão de ter os mestres [...] (PEDRO II, 1853).
A busca da Imperatriz viúva por uma preceptora parecia interminável, até que ela
resolveu pedir ao “filho” que encarregasse também sua irmã, a Princesa Francisca de
Joinville, a fazer essa procura, lembrando ainda que a Princesa poderia recorrer à sua sogra,
a “virtuosa Rainha Maria Amélia”10 e que, se não encontrasse uma alemã, como parecia ser a
preferência do Imperador, talvez na França fosse mais fácil essa escolha. E D. Amélia,
fazendo questão de advertir: “o que tu queres é uma senhora para ser aia e não uma simples
professora ou governanta”, pedia que ele orientasse a irmã na busca por uma candidata com
o perfil definido, acrescentando também que ambas deveriam se comunicar, em caso de
resposta positiva, para que, então, cessassem as buscas (AMÉLIA, 1854).
Francisca vivia na Inglaterra e era casada com o Príncipe de Joinville, filho do Rei
destronado Luís Felipe, da França. Quando solicitada, a irmã de D. Pedro II indicou sua
antiga dama, Luísa Margarida Portugal de Barros, a Viscondessa de Barral, que outrora a
auxiliara a se inserir na Corte francesa. Assim, a Princesa Francisca enviou uma carta ao
irmão informando as qualidades da Viscondessa e as possíveis exigências para que aceitasse o
cargo.
Ao tomar conhecimento das qualificações da candidata, D. Pedro II não hesitou em
entrar em contato com Luísa Margarida, por meio do mordomo Paulo Barbosa que
intermediou a contratação da futura aia das Princesas, a Viscondessa de Barral. Logo que
recebeu o convite, “Luísa Margarida, uma mulher à frente de seu tempo, não respondeu de
10Maria Amélia Teresa de Bourbon foi Rainha dos franceses entre 1830 e 1848. Após a Revolução de 1848, na França, exilou-se com sua família em um sítio na cidade de Claremont, região do sul da Inglaterra.
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imediato, preferindo negociar um excelente ordenado, casa e carruagem Imperial a sua
disposição” (AGUIAR, 2012, p. 248).
Após impor todas as condições necessárias à aceitação do cargo, a preceptora
respondeu afirmativamente e chegou ao Rio de Janeiro já na condição de Condessa de Barral,
título recebido por parte do marido com a morte do pai dele. Luísa Margarida Portugal de
Barros foi contratada por D. Pedro II como Encarregada da Educação das Princesas, em
setembro de 1856, passando a dirigir a formação educacional das Princesas herdeiras Isabel e
Leopoldina. Seu ordenado era de 1:000$000 réis mensais, com direito a casa alugada e
carruagem da Casa Imperial11. De acordo com estudo anterior, além de coordenar o trabalho
dos mestres, ela também ensinava Geografia, História, Literatura, Filosofia, Caligrafia,
Dança, Música e as Línguas francesa e inglesa (AGUIAR, 2015). A primeira semana de aula
das Princesas com a aia foi registrada no diário da Princesa Isabel e pode ser conhecida a
seguir:
9 de 7bro 1856 Veio hoje pela primeira vez minha aia a Condessa de Barral e dei com Ella principio ao estudo da lingua Franceza, dei lição de piano; as três horas fomos passear á quinta, e de tarde estudei a lição de piano” DIÁRIO DA PRINCESA ISABEL, 1856). 10 de 7bro 1856 Estudei piano, passiei na quinta e vendo uns pintinhos apoderei-me de um d’elles sem reflectir que não tenho direito sobre a propriedade alheia. Indagando, soube que pertencião a uã pobre preta, prometti-lhe 2$000, ella aceitou o negocio, e ficamos ambas satisfeitas. Chegando porem a caza, a Condessa tanto me fallou na afflição da pobre gallinha que ficou sem seus filhinhos, que interneceu meu coração, mandei levar os pintos à gallinha, 1$000 à preta e satisfeita e sem remorso vim contente do passeio (DIÁRIO DA PRINCESA ISABEL, 1856).
O fato relatado no dia 10 de setembro de 1856 ocorreu no contorno da Quinta da Boa
Vista, no Rio de Janeiro, residência das Princesas, onde circulavam pessoas pertencentes às
mais variadas classes sociais, inclusive às mais baixas. Quando fez o registro em seu diário, a
Princesa tinha dez anos e aprendeu, com a intervenção da preceptora, que ninguém deve
apropriar-se das “coisas alheias”, mesmo se esse alguém for a Princesa Imperial e herdeira de
todo um Império, como era o seu caso. Sua atitude inicial ao se deparar com o pintinho foi
ficar com a ave, o que é natural para qualquer criança. Mesmo assim, ela não se apropriou de
imediato – primeiro buscou saber quem era o proprietário do pintinho para então realizar o
negócio. Essa atitude da Princesa revela um pouco de sua personalidade em processo de
formação, demonstrando que, apesar da pouca idade, já era autônoma e decidida.
11 O vencimento mensal de Luísa Margarida era bastante superior ao de todos os mestres – ganhava num mês quase o que eles recebiam num ano.
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Mas, quando retornou ao Paço e informou à Condessa o ocorrido, a preceptora buscou
enternecer o coração de sua discípula, levando-a a refletir e a se preocupar com o pintinho
separado da mãe e, sobretudo, com a “pobre preta,” certamente oriunda das classes menos
favorecidas e que havia perdido seu bem. Isabel, então, acatou os ensinamentos da aia,
mostrando toda a sua obediência e desfez o negócio, como recomendou a Condessa de Barral.
Além de enobrecer o coração da Princesa, a aia também afastava qualquer indício de
tirania, tão nocivo a um monarca. Compreende-se, então, que a Condessa desempenhava seu
papel da melhor forma possível, moldando o caráter das Princesas e contribuindo
decisivamente com a formação das futuras soberanas.
Quando chegou ao palácio, em setembro de 1856, a Condessa de Barral recebeu o
manual de instruções intitulado: “Atribuições da Aia”. De acordo com esse documento, as
Princesas deveriam estudar durante todos os dias do ano e até nos feriados santos e festivos,
nos quais era solicitado que realizassem leituras “pias” e/ou “instrutivas”, o que pode ser
conferido no texto transcrito abaixo,
Levantar ás 7 no inverno e 6 no verão. Até as 7 ½, hora da missa, vestir, rezar e, no verão, enquanto não vão para a missa, ler cathecismo ou algum livro pio. 8 almoço; meio dia recordação do préparo das lições, leituras instructivas com a Aia e lições; descanso de meia hora conversando com a Aia, e continuação das lições até 2 horas; jantar; descanso como ao meio-dia até 3 ½; até 5 ½, nos mezes de Dezembro, Janeiro e Fevereiro, _ 5, nos de Março, Abril, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, e 4 ½ nos de Maio, Junho, e Julho _ preparo das lições; passeio d’ uma hora; descanso de meia hora; até as 8 preparo das lições, e leituras instructivas, ou conversa com a Aia, conforme chegar o tempo; ceia, e às 9 ½ devem estar deitadas. Nos domingos e dias santos de guarda, desde às 9 até a hora da missa, que ouvimos juntos, cathecismo e leituras pias, e depois do descanso que se segue ao passeio, o qual poderá começar mais cedo, contanto que o sol não esteja ainda ardente, ou saião de carro devendo também então ir a Aia em sua companhia, recordação do preparo das lições e leituras instructivas ou conversa com a Aia, conforme chegar o tempo. Desde ½ hora depois do jantar até o passeio brincarão e a Aia poderá não estar presente até chegar o tempo. Os [dias] de festa nacional serão empregados da mesma maneira, à exceção das leituras pias substituídas pelas outras. As leituras instructivas devem ter relação com as matérias ensinadas, sendo ora em portuguez, ora em qualquer das outras linguas. As visitas que (...) procurarem as princezas serão recebidas unicamente nos domingos; nas festas de guarda e nacionaes; nos dias dos seus annos; nos dos nossos; nos de seus nomes e nossos, e em qualquer outra ocasião que eu determinar, à excepção dos creados de honra e serviço. Só haverá férias em Petropolis, onde talvez seja alterada a distribuição do tempo. (ATRIBUIÇÕES DA AIA, [1857]).
O cotidiano educativo de Isabel e Leopoldina era intenso. Os horários de repouso e
lazer permitidos às Princesas foram constantemente incentivados pela tia das meninas, a
Princesa Francisca, mas esses momentos eram altamente controlados pela aia, ocorrendo
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geralmente em horários pré-estabelecidos e após o término de algumas lições, conforme
determinação de D. Pedro II no documento “Atribuições da Aia”.
Quando chegavam os meses mais quentes do ano, as Princesas viajavam de São
Cristóvão, residência oficial das meninas, para a moradia de verão, o Palácio Imperial de
Petrópolis. A estadia em Petrópolis também era marcada por dias inteiros de estudo, com
alguns intervalos para as brincadeiras. Abaixo, encontram-se trechos de três cartas de Isabel,
informando algumas das ocasiões de divertimentos com a irmã na serra petropolitana.
Petropolis, 15 de março de 1855. Minha cara Maman [...] Dei bem minha lição do Valdetaro, só me falta escrever. Volhe contar o que fiz hontem, joguei o jogo do tocador, da varinha do desparate, da brazinha, com a Totonia, D. Maria e a Chica. Comemos peru, e fizemos a saude a Maman com champanha [...] Isabel Christina (ISABEL, 1855). Petropolis, 14 de março de 1859. Meus Caros Paes. Estimarei muito saber como estão. Eu estou boa mas não fui ao banho. Agora está trovejando. Não recebi ainda a sua carta porque ainda é cedo. Hoje fizemos um arco, e quem é vencedor das argolhinhas, passa por baixo do arco com os outros e tem 1 bocado de açucar em pedra [...] Isabel Christina (ISABEL, 1859). [Petropolis] 29, de Xbro de 1859. Meu querido Papae. Passei bem o dia. De manhaã fomos ao banho. De tarde no jardim dei uã queda, mas não tenho nada, senão uma arranhadura na cabeça [...]Isabel Christina (ISABEL, 1859).
Nessas missivas escritas por Isabel aos pais, em papéis ornados com ramos e flores em
alto relevo e personalizadas com seu nome e Coroa, é possível conhecer um pouco das
brincadeiras ocorridas no cotidiano das Princesas, quase sempre no jardim do Palácio.
Sempre havia alguma criança para brincar com as filhas do Imperador e, em meio a uma
travessura e outra, também se machucavam, mas, no caso acima citado, sem graves
ferimentos. Na fotografia a seguir, encontram-se a Princesa Isabel, em um dos momentos de
lazer ao ar livre e rodeada por meninas; e Dominique, o único menino sentado no galho da
árvore, filho da preceptora, a Condessa de Barral.
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Figura 2 – Princesa Isabel no jardim, rodeada por crianças –C. 1860. Fotografia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Brasil.
As atividades determinadas no documento “Atribuições da Aia” deveriam ser realizadas
pelas filhas do soberano sob a orientação da Condessa de Barral, “pois o sucesso do roteiro
educativo, dependia de sua atuação como preceptora. Ela precisava cuidar para que todas as
tarefas estabelecidas fossem realmente desempenhadas pelas Princesas” (AGUIAR, 2015, p.
113). Muitas eram as atividades da Condessa de Barral que, desde o início, já havia solicitado
uma auxiliar, também chamada institutrice, que chegou da Europa no ano seguinte à sua
contratação. A institutrice havia sido indicada pela Rainha Maria Amélia Teresa de Bourbon,
conforme fragmento da epístola abaixo transcrita.
Claremont, 7 de fevereiro de 1857. Meu caro sobrinho, Devo lhe dizer que segundo o desejo que você me exprimiu em sua carta de 15 de dezembro de 1856, Madame Templier aceita o posto que você a propõe e tendo alguns arranjos de família a terminar antes de se expatriar por muitos anos, ela só partirá pelo navio em 9 de maio, para se colocar à disposição da Condessa de Barral para a ajudá-la a preencher a importante tarefa de educar suas caras filhas. A partir do que você me escreveu eu a assegurei que você teve a bondade de pagar sua viagem [...]. De sua dedicada santa e amada Maria Amélia (MARIA AMÉLIA, 1857).
A carta da Rainha Maria Amélia, enviada em 7 de fevereiro de 1857, foi escrita com
tinta preta numa folha de papel duplo na cor branca. A missivista não obedeceu a margem
esquerda e ocupou aproximadamente 90% do papel da carta, que foi assinada. Em seu
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conteúdo encontram-se detalhes sobre a futura institutrice, que já tinha data marcada para
tomar o navio (pago pelo Imperador) e colocar-se à disposição da Condessa de Barral.
Segundo Lacombe (1989, p. 33), a Rainha exilada também escreveu para Luísa Margarida a
respeito da auxiliar, afirmando “[...] ela sabe muito bem que lhe será subordinada em tudo
que lhe for indicado e pedido”12. Na mesma carta, descreve a candidata dizendo “ela tem um
rosto regular, sem ser bonita, é piedosa, bem instruída, simples em suas maneiras e sem
pretensões”13.
A chegada da institutrice francesa ao Brasil foi registrada no diário da Imperatriz D.
Teresa Cristina, em 3 de junho de 1857: “Chegou [...] La Templier” (DIÁRIO DA
IMPERATRIZ D. TERESA CRISTINA). Assim, Mlle Victorine Templier tornou-se “empregada
na educação das Princesas”, auxiliando a preceptora em tudo o que fosse necessário e ainda
ministrando lições de Francês, Dança e Música. Seu vencimento era de 350$00014 réis
mensais.
De acordo com Vieira (1989, p. 27), a Condessa de Barral dedicava-se mais à Princesa
Isabel, e Mlle Templier, à Princesa Leopoldina, informação não confirmada nas cartas
consultadas. Todavia, encontrou-se uma missiva de Luísa Margarida à Imperatriz, enviada
em janeiro de 1860, na qual a preceptora faz reclamações sobre o mau comportamento da
Princesa Leopoldina com todos, mas principalmente com a auxiliar francesa. A carta, escrita
com tinta preta em folha de papel duplo na cor branca, encontra-se visivelmente amarelada
devido à ação do tempo.
7 de Janeiro de 1860 Senhora, Eu não queria hoje escrever a Vossa Majestade porque não desejava causar-lhe o desprazer de Lhe dizer que não estou contente do comportamento de sua Alteza a Senhora Princesa D. Leopoldina, mas por outro lado julgo do meu dever prevenir Vossa Majestade do que se passa e devo dizer que Ella tem tratado mal a todos, principalmente á pobre Mlle Templier que sem o mais leve motivo incorreu a sua aversão como Ella o diz. Fique Vossa Majestade bem persuadida que a pobre senhora não faz nada pª merecer isso, e que até é mais paciente do que eu. [...] São horas de fechar esta carta beijo com todo o respeito a mão de Vossa Majestade. Condessa de Barral Mtas saudades à Snra D. Josefina (CONDESSA DE BARRAL, 1860).
Na carta, a preceptora participa à Imperatriz D. Teresa Cristina sobre o mau
comportamento da Princesa Leopoldina, que estava com seus treze anos de idade, e, em
plena adolescência, vivia seu momento “rebelde” como qualquer outra menina de sua faixa
etária. Os Imperadores eram bem rígidos tanto na educação moral como na educação
12 Carta da Rainha Maria Amélia (França) à Condessa de Barral (Apud LACOMBE, 1989, p. 33). 13 Idem. 14 Cf. Livro de Pagamentos dos Servidores da Casa Imperial. AGP - L. 110 - 1858-1859.
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intelectual das Princesas. Em três epístolas enviadas pelo monarca às filhas, no período de
1859 a 1862, são encontrados alguns exemplos de como ele dirigia a educação de Isabel e
Leopoldina.
Recife 18 de 10bro de 1859 1 da madrugada. Cara Izabel [...] Mande me dizer o que indica que uma equação é do 2º grau, e qual a formula de resolvel-a. Fale-me também dos logaritimos dizendo-me o que são e para que servem. Quando responderes não entraves senão contigo mesma, tendo-me escrito o Candido Baptista que já lhe explicou estas matérias [...] (PEDRO II, 1859). Rio 28 de março de 1861 Minhas Caras Filhas [...] Ahi vae um abraço por boas festas e domingo terão as caixinhas de amêndoas que eu mesmo escolherei para serem bonitas. Não me conterão só com a figura geometrica; quero também uma semana, pelo menos, de lições muito bem dadas [...] (PEDRO II, 1861).
Rio, 17 de Janeiro de 1862 Isabel, As suas notas não forão como desejo que ellas sejão sempre. Já encomendei o livro botanico que talvez possa ir amanhaã. Mando-lhe os jornais francezes para lerem as noticcias científicas. [...] Ainda não tive tempo opportuno para ver a sua resolução do problema algébrico; mas hei de talvez mandar-lhe até sábado as minhas observações esperando que não se descuide dos problemas que lá deixei. Attente sua Mana para também procurar resolvêl-os, e quando ella o peça não lhe negue as explicações que julgue poder dar. Adeus! Mando-te a benção de seu Pae extremoso. Lembranças a seus creados. Pedro (PEDRO II, 1862).
Nesse primeiro extrato de carta, observa-se que D. Pedro II estava em viagem às
províncias do “Norte”, realizada entre os meses de outubro de 1859 e janeiro de 1860. Mesmo
estando distante, ele procurava educar as Princesas enviando-lhes questões de Matemática e
ainda conferindo se a disciplina ministrada pelo mestre Candido Baptista havia sido bem
sucedida.
Dois anos depois, mais uma vez ele cobra as lições de Matemática por meio de epístola.
A cobrança agora voltava-se para o ensino da Geometria. Nessa correspondência, D. Pedro II
,o “Pai/Mestre”,15 ensina e exige como um mestre, mas também deixa transparecer o amor e
o carinho de um pai que não se importava em perder alguns momentos de seu precioso
tempo ao se dignar a comprar pessoalmente as “caixinhas de amêndoas”, com o objetivo de
presentear as filhas - e também alunas - no domingo próximo.
No terceiro fragmento de carta, enviado no ano de 1862, D. Pedro II menciona
novamente o ensino da Matemática e também fala do livro de Botânica que havia
encomendado. Além disso, dava exemplos da importância de se estar bem informado. Ele lia
15 Sobre o assunto ver: AGUIAR, Jaqueline Vieira de. D. Pedro II: o pai/mestre das Princesas. Encontros (Rio de Janeiro), v. Ano 10, p. 59-72, 2012.
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os jornais franceses e enviava-os à filha, para que ela também se informasse sobre os avanços
científicos. Afinal, como futura sucessora, precisava estar atenta ao que acontecia no Brasil e
no mundo. Também nessa correspondência o Imperador solicitava à Isabel para que
ajudasse sua irmã, Leopoldina, na resolução dos “problemas algébricos”. Mas Isabel e
Leopoldina não se ocupavam apenas do ensino de Matemática, Biologia e outras disciplinas
voltadas para as “ciências e letras”. Elas também eram educadas com as “prendas
domésticas”, como a música, a dança, a pintura, a costura e o bordado, posto que fosse
valorizada a mulher oitocentista que dominasse tais conhecimentos. Em algumas cartas de
Isabel encontram-se comentários sobre alguns trabalhos manuais confeccionados por ela em
sua casa, no Paço de São Cristóvão:
SC. 3 de Outubro de 1859. [...] Minha Querida Mamãe, Eu passei bem o dia. O Borges foi quem veiu, mas o Valadão não. Eu acho que elle disse hontem que não vinha senão amanhãa. E Mamãe eu lhe peço perdão se fiz mal. Hoje eu Cortei um cueiro de flanella para os ingeitados. Como eu o queria fazer de noite pensei que mamãe não se zangaria ao menos muito, de que eu cozesse uns pontos grandes (ISABEL, 1859). SC. 4 de Outubro de 1859. “Minha querida Mamãe. [...] Eu passei bem o dia. O Valadão veiu hoje. Eu já dei hontem e hoje o pão-de-ló aos seus meninos canarios e já tem para amnhãa. Hontem eu comecei o trabalho para o Monsenhor Narciso. É um véo para o calyse. A marqueza e o maquez de’Itanhaem esteve hoje aqui e viu-nos dansar a varsovianna e a Polka [...] Eu hontem já dei as minhas lições. No sábado eu hei de ver se arranjo um mappa das notas da semana para lhe mandar e tambem do Papae. Tomára não mandar mais mappas porque He sinal que Meus Caros Paes já estão de volta. Hoje a noite alinhavei uã touca, Cortei um roupão, alinhaveil-o um pouco, como não estava bem cortado, Cortei um outro, mas não tive tempo de alinhaval-o. Tenho medo de que mamãe se zangue d’isto porque eu lhe prometti que não cozia de noite. Mas hontem foi com pontos não pequenos e hoje alinhavei. Perdoe-me a letra e a ortographia” (ISABEL, 1859). SC. 8 de 8bro de 1859. “Minha querida Mamãe. [...] eu me esqueci de lhe dizer uã cousa no outro dia, eu tive mamãe, uã vontade tal de cozer de noite que não pude cozi. No outro dia eu ia cozer mas a Condessa não quis que eu cozesse porque mamãe tinha prohibido. Esperarei que Mamãe me perdoará. Estes dias eu tenho só alinhavado. Isso eu acho que não é máo” (ISABEL, 1859). SC. 11 de Outubro de 1859. “Minha querida Mamãe. [...] Hoje alinhavei uã coisinha e chuliei um vestidinho d’uma bonequinha” (ISABEL, 1859). SC. 17 de Outubro de 1859. “Minha querida Mamãe. [...] “Hoje bordei com a Madame Diémert” (ISABEL, 1859).
Nas cartas acima citadas, Isabel mostra seu talento para as “prendas domésticas” e
parece gostar do que faz, apresentando-se como uma “costureira perfeccionista”. Na carta ela
informa que não estava satisfeita com a peça cortada e, por esse motivo, decidiu cortá-la
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novamente, comprovando sua dedicação e preocupação com a qualidade do trabalho
realizado. Em alguns trechos das cartas ela pede perdão à mãe por “coser” à noite. Em
muitos dos casos a costura/bordado era uma doação de caridade, o que pode parecer um
gesto pequeno, mas é nobre, afinal, a Princesa Imperial arranjava tempo durante a noite -
provavelmente para não atrapalhar as lições diárias - e colocava seu conhecimento à
disposição dos mais necessitados, ao cortar um cueiro para um bebê enjeitado. Um gesto de
amor e preocupação com o próximo, qualidade que deve ter um governante, por ser
responsável por reger vidas das mais diferentes classes sociais e pertencentes a uma mesma
nação.
Conclusão
Quando viajavam ou estavam envolvidos com os compromissos administrativos do
Império do Brasil, era por meio de cartas que os soberanos, D. Pedro II e D. Teresa Cristina,
tomavam ciência da vida cotidiana de suas filhas, Isabel e Leopoldina, principalmente sobre o
que era ensinado às meninas, já que, após a perda do Príncipe Imperial Pedro Afonso, elas se
tornaram as únicas herdeiras da Coroa e do Trono do Brasil e precisavam ser preparadas
para um dia assumirem tais responsabilidades com o seu país.
D. Pedro II contratou mestres das mais complexas disciplinas para instruir suas filhas.
As Princesas foram educadas durante quatorze anos com diversas disciplinas voltadas para as
“ciências e letras”, comumente proporcionadas aos homens, e com “prendas domésticas”,
destinadas às mulheres. A formação educacional das Princesas ocorreu na “casa”, ou seja, no
espaço doméstico do Paço de São e do Palácio Imperial de Petrópolis. Foram de grande
relevância as atuações da preceptora e do Imperador, empenhados em transformar as
Princesas em futuras soberanas.
As memórias das Princesas Isabel e Leopoldina, registradas em diário e cartas das
próprias meninas, falam do processo educacional ao qual estiveram submetidas entre 1850 e
1864. E, de acordo com esses escritos, ainda que as Princesas tenham recebido a mesma
educação, Isabel sempre se destacava nas lições diárias, em relação à irmã Leopoldina. Como
Princesa Imperial também era a mais comprometida em informar o seu cotidiano educativo,
a mais cobrada pelo Imperador, a mais dedicada nas lições e, consequentemente, a mais bem
preparada para assumir a monarquia brasileira.
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Referências
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CARTA da Princesa Isabel a D. Teresa Cristina. São Cristóvão, 4 de outubro de 1859. AGP- XLI-4. CARTA da Princesa Isabel a D. Teresa Cristina. São Cristóvão, 8 de outubro de 1859. AGP- XLI-4. CARTA da Princesa Isabel a D. Teresa Cristina. São Cristóvão, 11de outubro de 1859. AGP- XLI-4. CARTA da Princesa Isabel a D. Teresa Cristina. São Cristóvão, 17 de outubro de 1859. AGP- XLI-4. CARTA da Rainha Maria Amélia (França) a D. Pedro II. Claremont, 7 de fevereiro de 1857. CCXIX-1. AGP. CARTA da Viscondessa de Barral a Paulo Barbosa - Mordomo da Casa Imperial do Brasil. São João (Bahia), 26 de março de 1856. Arquivo Paulo Barbosa -Tombo 2861/97. DAIBERT JR, Robert. Princesa Isabel (1846-1921); a política do coração entre o Trono e o altar. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. Tese de Doutorado em História Social. DECRETO IMPERIAL DE 15 DE OUTUBRO DE 1827. DIÁRIO da Imperatriz D. Teresa Cristina. POB- Maço 38 Doc. 1058. Museu Imperial/Ibram/MinC. DIÁRIO da Princesa Isabel. Relativo ao período de 1856-1857. AGP GOMES, Angela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. LACOMBE, Lourenço Luiz. Isabel: a Princesa redentora. Petrópolis: Instituto Histórico de Petrópolis, 1989. LIVRO DE ASSENTAMENTO DOS MESTRES DE SUA MAJESTADE O IMPERADOR E SERENÍSSIMAS SENHORAS PRINCEZAS – 1833-64- Mordomia da Casa Imperial – Códice 01 – Volume 81- Arquivo Nacional –AGP. LIVRO DE PAGAMENTO DOS SERVIDORES DA CASA IMPERIAL DO BRASIL. Com a identificação de alguns mestres das Princesas. L. 110 – 1858-1859. AGP. SIERRA BLAS, Verónica. Aprender a escribir cartas: Los manuales epistolares en la España contemporânea (1927-1945). Gijón: Ediciones Treal, S. L., 2003. VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A casa e seus mestres: a educação no Brasil de oitocentos. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. VIEIRA, Hermes. A Princesa Isabel, uma vida de luzes e sombras. São Paulo: GRD, 1989.