ENTRE AS IDEIAS PEDAGÓGICAS E AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS

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  • [ RESENHA ]

    ENTRE AS IDEIAS PEDAGGICAS E AS PRTICAS EDUCACIONAIS*

    Diogo da Silva Roiz1

    (Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul)

    Telma Faltz Valrio2

    (Universidade Federal do Paran)

    Referncia da obra:

    SAVIANI, Dermeval. Histria das Ideias Pedaggicas no Brasil. 2. ed. Campinas/SP: Autores Associados, 2008. 475p.

    A histria das ideias pedaggicas e a histria das instituies escolares, embora distintas e autnomas entre si, se entrelaam. (SAVIANI, 2008, p. 444).

    Em seu livro Histria das Ideias Pedaggicas no Brasil, Dermeval Saviani3 prope uma sntese sobre as ideias pedaggicas formuladas no pas, e que vieram a se tornar hegemnicas, em determinados perodos, justamente por tambm viabilizarem a sua conformao por meio de certas prticas educacionais. Nesse sentido, sua proposta foi a de expor as ideias pedaggicas em sua trajetria pela histria da educao brasileira (p. 1), de modo a compreender a evoluo do pensamento pedaggico brasileiro a partir da identificao, classificao e periodizao das principais concepes educacionais (p. 1-2). So assim fundamentais, em sua exposio, ao menos trs questionamentos: a) como certas ideias pedaggicas se tornam preponderantes num dado momento e no em outro?; b) qual o

    1 Mestre em Histria pela Unesp, Campus de Franca. Aluno do Curso de Doutorado em Histria da Universidade

    Federal do Paran. Bolsista do CNPq. Professor do Departamento de Histria da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul - Unidade de Amamba. E-mail: [email protected].

    2 Mestre em Educao. Aluna do Curso de Doutorado em Educao da Universidade Federal do Paran. E-mail:

    [email protected]. 3 Dermeval Saviani professor emrito da Unicamp. Formou-se em Filosofia pela PUC/SP, em 1966. Doutorou-

    se em Filosofia da Educao pela mesma instituio em 1971, com a tese: O conceito de Sistema na Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional. Em 1986, tornou-se livre docente com a tese: O Congresso Nacional e a Educao Brasileira. Tem mais de 30 livros publicados, entre os quais se destacam: Escola e Democracia (1983), Pedagogia histrico-crtica (1989), Histria das ideias pedaggicas no Brasil (2007) e A pedagogia no Brasil (2008).

  • Educere et Educare Revista de Educao ISSN: 1981-4712 (eletrnica) 1809-5208 (impressa)

    Vol. 5 N 10 2 Semestre de 2010

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    papel dos movimentos e dos intelectuais orgnicos nas sociedades do passado e do presente?; e c) por que a pedagogia histrico-crtica no se tornou hegemnica nos anos de 1980? A partir desses problemas, torna-se clara a tarefa a que se coloca o autor ao propor uma periodizao, com base em um projeto poltico e intelectual, e por meio de uma ao, para entender e inquirir a histria das ideias pedaggicas elaboradas no pas. Tendo em vista essas razes possvel compreender porque seu texto, a um s tempo, prope uma sntese sobre a trajetria da pedagogia histrico-crtica, de sua recepo no pas e das crticas que lhe foram dirigidas, sntese de outras obras e fontes oficiais, e do percurso tenso e complexo da histria das ideias pedaggicas no Brasil.

    Por essas caractersticas, o autor presume estar sanando uma lacuna, j antiga na histria das ideias pedaggicas no pas, em vista de empreendimentos semelhantes terem sido produzidos desde a dcada de 1950, para o caso da filosofia, da sociologia, do pensamento poltico, religioso e esttico, mas no para o pedaggico.4 Tambm por esse motivo sua obra voltada para o professor, o pesquisador e aos estudantes dos cursos universitrios das humanidades (e ao leitor culto) que devero encontrar nela subsdios para o entendimento das ideias pedaggicas e suas rearticulaes em prticas educacionais ao longo da histria do pas.

    Para tanto, o autor estabelece cinco princpios metodolgicos: a) do carter concreto do conhecimento histrico-educacional, porque as ideias pedaggicas, expressam a complexidade das relaes e determinaes prprias da educao brasileira ao longo de sua histria; b) com uma perspectiva de longa durao, que alm de analisar a produo do pensamento pedaggico e de suas respectivas prticas educacionais, do perodo inicial da colonizao da Amrica Portuguesa at o final do sculo XX, quando haver uma diversidade significativa de posies em disputa no pas, tambm procurar registrar de que modo o movimento conjuntural se liga s ideias dos intelectuais tradicionais e estabelecem ideias pedaggicas e prticas educacionais, ao mesmo tempo em que se mantm em constante tenso junto aos movimentos e intelectuais orgnicos (tal como os define Gramsci); c) o olhar analtico-sinttico no trato com as fontes; d) a articulao do singular e do universal; e) e a atualidade da pesquisa histrica, que se detm na problematizao do presente, porque a prpria conscincia da historicidade humana , para ele, a percepo de que o presente se enraza no passado e se projeta no futuro (p. 4). Por isso mesmo, detm-se sobre livros, artigos e textos oficiais, no se preocupando com a descoberta de fontes primrias ou de

    4 Esse mesmo pioneirismo tambm tem sido ressaltado entre os resenhistas deste livro, a exemplo de Gilberto

    Luiz Alves, Jos Carlos Arajo, Sandino Hoff, Aline Perazzoli e Maristela Ferreira da Rocha, publicadas na: Revista Brasileira de Educao, v. 13, n. 37, 2008, p. 173-78; Presena Pedaggica, v. 14, n. 81, 2008, p. 66-70; Roteiro, v. 30, n. 2, 2007, p. 231-32.

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    horizontes interpretativos originais, no trato dos autores e das obras. Contudo, a periodizao tem sim um carter original, na anlise do conjunto. Desnecessrio acrescentar que o mtodo, nesse aspecto, de carter historiogrfico.

    Embora no tenha sido sua inteno entender por histria das ideias pedaggicas a histria do pensamento dos grandes pedagogos, tendo em vista sua abordagem ao mesmo tempo pautada na histria cultural, das formas de percepo das prticas educacionais, em vista da produo da histria intelectual das ideias pedaggicas, em certos momentos o autor acaba dando maior ateno aos grandes pedagogos de cada perodo. Mesmo considerando que entenda por ideias educacionais as ideias referidas educao, quer sejam elas decorrentes da anlise do fenmeno educativo visando a explic-lo, quer sejam elas derivadas de determinada concepo de homem, mundo ou sociedade sob cuja luz se interpreta o fenmeno educativo, e por ideias pedaggicas as ideias educacionais, no em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real da educao, orientando e, mais do que isso, constituindo a prpria substncia da prtica educativa (p. 6).

    Em razo deste procedimento, o autor pautou-se em trs princpios tericos, a saber: 1 apreender de que modo as ideias pedaggicas podem tambm se converter em prticas educacionais; 2 analisar de que modo as ideias pedaggicas so produzidas a partir de uma relao tensa e dialtica entre o contexto e os problemas a ele relacionados e a ao e a obra dos pedagogos; 3 construir snteses explicativas de amplo alcance, sem deter-se na anlise sistemtica de obras e autores, em cada perodo, por meio de fontes primrias inditas. Para operacionalizar esses princpios, o autor se apoiou na maneira como Fernand Braudel (1902-1985) apreendeu a passagem de tempos simultneos no processo histrico, numa sincronia entre tempo curto, mdio e longo, que definiriam os espaos das formaes estruturais, e na forma como Antnio Gramsci (1891-1937) percebeu a dialtica entre os movimentos e os intelectuais orgnicos, em tenso e contradio direta com os movimentos conjunturais e os intelectuais tradicionais. Por tratar-se de um estudo em que a maior preocupao foi a de analisar de que modo certas ideias pedaggicas se tornam hegemnicas (ainda que coexistindo com outras), em cada perodo, na medida em que se conformam as estruturas institucionais, de tal modo que propiciam a produo de prticas educacionais, o autor pautou-se mais em Gramsci, do que em Braudel.

    Para proceder ao estudo das ideias pedaggicas no Brasil, o autor inicialmente elaborou a seguinte periodizao, em oito momentos: um primeiro perodo (1549-1759) de monoplio da vertente religiosa da pedagogia tradicional; um segundo perodo (1759-1932)

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    de coexistncia entre as vertentes religiosa e leiga da pedagogia tradicional; um terceiro perodo (1932-1947) de equilbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova; um quarto perodo (1947-1961) de predomnio da influncia da pedagogia nova; um quinto perodo (1961-1969) de crise da pedagogia nova e articulao da pedagogia tecnicista; um sexto perodo (1969-1980) de predomnio da pedagogia tecnicista, com manifestaes da concepo analtica de filosofia da educao e concomitante desenvolvimento da concepo crtico-reprodutivista; um stimo perodo (1980-1991) de emergncia da pedagogia histrico-crtica e de propostas alternativas; e, por fim, um oitavo perodo (1991-1996) de produo do neoconstrutivismo, do neotecnicismo e do neoescolanovismo. Esta proposta teve como base seus estudos dos anos de 1980. Na medida em que avanou em suas pesquisas (ao longo de sete anos, entre 1996 e 2003, que deu base a este livro), o autor reviu os oito perodos iniciais, e props em seu lugar quatro, ao manter os dois primeiros e subdividi-los (o primeiro em pedagogia braslica 1549-1599, e na institucionalizao da pedagogia jesutica com o Ratio Studiorum 1599-1759; e o segundo em pedagogia pombalina 1759-1827, e no desenvolvimento da pedagogia leiga, entre o ecletismo, o liberalismo e o positivismo, 1827-1932), e ao agrupar os seis ltimos, em outros dois (o primeiro de predomnio da pedagogia nova 1932-1969, e o segundo de configurao da concepo pedaggica produtivista 1969-2001), mantendo as subdivises, que os seis perodos iniciais propunham. Em resumo:

    [...] o primeiro perodo corresponde ao predomnio da concepo tradicional; o segundo compreende a predominncia da viso tradicional leiga; o terceiro perodo est referido concepo moderna; e no quarto perodo emerge a viso crtica que se expressa fundamentalmente nas concepes dialtica (histrico-crtica) e crtico-reprodutivista em contraposio concepo reprodutivista cuja expresso mais caracterstica pode ser encontrada na teoria do capital humano (p. 20).

    Com isso, cabe observar que o princpio de periodizao que guiou a distribuio das ideias pedaggicas nos perodos indicados se baseia na noo de predominncia ou hegemonia, que o autor tambm toma de emprstimo de Gramsci. Mas, a constatao de que o princpio de periodizao tem por base a noo de hegemonia permite explicar a falha da periodizao anterior, em vista do fato de que as pedagogias crticas lograram certa hegemonia na mobilizao dos educadores ao longo dos anos de 1980 conduziu ao equvoco de supor que se estava diante de um perodo diferenciado, porque tratava-se de uma hegemonia conjuntural e circunscrita ao processo de mobilizao, no chegando, em nenhum momento, a se impor, isto , a se encarnar na prtica educativa como forma dominante (p. 20). Diante do exposto, que resume os procedimentos tericos e metodolgicos elaborados

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    pelo autor para estudar a histria das ideias pedaggicas no Brasil, passamos agora a discutir de que modo tais pressupostos se conformaram na anlise de cada um dos quatro perodos. Em cada um deles, antes de expor as principais caractersticas das ideias pedaggicas, sintetiza o contexto.

    No primeiro, de predomnio da vertente religiosa da pedagogia tradicional, havia um espao geogrfico tomado pelos portugueses no sculo XVI, fixando-o como uma das colnias do Imprio Portugus, cuja denominao de Amrica Portuguesa resume o empreendimento. O territrio era rico em reservas naturais, mas j estava sendo habitado por grupos tnicos, aos quais os portugueses denominaram de indgenas, em vista da preocupao em se encontrar novos caminhos martimos para as ndias. Na medida em que os portugueses foram se fixando ao novo territrio, explorando suas terras e suas riquezas naturais, este passou a usar no apenas a fora, mas tambm a persuaso, de modo a se apropriar do trabalho indgena (compulsrio, depois escravo). Para estabelecer essa rede de dominao foram fundamentais as estratgias utilizadas pelos jesutas, que comearam a desembarcar na Amrica Portuguesa j nas primeiras dcadas do sculo XVI. Ao resumir as contribuies dos padres Manuel da Nbrega (1517-1570) e de Jos de Anchieta (1534-1597), o primeiro fazendo mais uso do ensino da doutrina crist, por meio dos procedimentos jesutas, para efetuar o aprendizado do portugus e do indgena, e o segundo se pautando mais pela palavra dos povos nativos, de modo a alcanar maior persuaso sobre eles, no processo de sua catequizao, o autor indica as principais caractersticas da pedagogia braslica (1549-1599), e que:

    A principal estratgia utilizada para a organizao do ensino, tendo em vista o objetivo de atrair os gentios, foi agir sobre as crianas. Para isso se mandou de Lisboa meninos rfos, para os quais foi fundado o Colgio dos Meninos de Jesus da Bahia e, depois, o Colgio de Meninos de Jesus de So Vicente. Pretendia-se, pela mediao dos meninos brancos, atrair os meninos ndios e, por meio deles, agir sobre seus pais, em especial os caciques, convertendo toda a tribo para a f catlica (p. 43).

    Quando, em 1540, Incio de Loyola (1491-1556) iniciava a institucionalizao da doutrina catlica em vrios colgios europeus, junto a Companhia de Jesus, e que a partir de 1548 ficaria consagrada no Ratio Studiorum, que entrariam em vigor em 1552, o autor passa a historiar seu desenvolvimento, demonstrando que durante o perodo de 1599 a 1759, estas regras seriam a base das ideias pedaggicas postas em ao na Amrica Portuguesa, por meio de prticas educacionais ministradas pelos jesutas. Para ele, a institucionalizao da pedagogia jesuta, por meio do Ratio Studiorum, fixaria:

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    As ideias pedaggicas expressas no Ratio [que] corresponde[riam] ao que passou a ser conhecido na modernidade como pedagogia tradicional. Essa concepo pedaggica caracteriza-se por uma viso essencialista do homem, isto , o homem concebido como constitudo por uma essncia universal e imutvel. educao cumpre moldar a existncia particular e real de cada educando essncia universal e ideal que o define enquanto ser humano. Para a vertente religiosa, tendo sido o homem feito por Deus sua imagem e semelhana, a essncia humana considerada, pois, como criao divina. Em conseqncia, o homem deve empenhar-se em atingir a perfeio humana na vida natural para fazer por merecer a ddiva da vida sobrenatural (p. 58).

    Com a expulso dos jesutas em 1759, em funo do decreto do primeiro ministro portugus, o ento Marques de Pombal, iniciava-se na Amrica Portuguesa a configurao de um segundo perodo na histria das ideias pedaggicas, com o despotismo esclarecido, que para o autor, durou entre 1759 e 1827. Inicia a anlise deste momento descrevendo a atuao do padre jesuta Antnio Vieira (1608-1697) como intelectual, por defender o Imprio Portugus e dar-lhe condies de competitividade perante as potncias da Holanda e da Inglaterra. A partir do iluminismo portugus, destaca as aes de Pombal e das reformas por ele institudas, dos estudos maiores aos estudos menores, s escolas de primeiras letras. Descreve que aes educacionais de Pombal foram balizadas pelas ideias do padre oratoriano Luiz Antonio Verney (1713-1792) e de Ribeiro Sanches (1699-1783). Em seguida discute as aes de Dona Maria I que preconizou uma revanche da nobreza ao projeto pombalino e as reformas pombalinas na Amrica Portuguesa (a que o autor j caracteriza como Brasil) com a criao das escolas teis, e a pedagogia adotada por Azeredo Coutinho (1742-1821) no Seminrio de Olinda. Tais reformas comeavam a delinear o iderio de escola laica.

    Aps se tornar independente de Portugal, o imprio brasileiro possibilitaria o desenvolvimento de ideias pedaggicas leigas, com o ecletismo, o liberalismo e o positivismo (entre 1827 e 1932). Tais ideias forma difundidas principalmente pelo filsofo Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), que tinha como orientao terica o ecletismo. Seu sistema foi adotado pelo Colgio Pedro II e o pedagogo Ablio Csar Borges Baro de Macahubas (1824-1891); suas ideias preconizavam a mundividncia catlica. Mas apesar dessa preleo laica, seu mtodo centrava-se na pedagogia moderna. Dessa forma, vrias reformas foram estruturadas. Muitas, porm, no efetivadas, dadas as condies sociais, econmicas e

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    polticas do pas.5 Com o advento dos grupos escolares as escolas no isoladas passaram a ser graduadas e a adotar o mtodo intuitivo de ensino.

    Diferente dos dois primeiros perodos, o terceiro e o quarto perodo alm de produzirem ideias pedaggicas, que tambm se converteriam em prticas educacionais, as fizeram mediante uma disputa mais acirrada com outras vertentes, e por meio de uma autoavaliao das vertentes anteriores. Ao invs de partir da maneira como o movimento conjuntural configuraria entre seus intelectuais, formas de produo de ideias pedaggicas, o autor passa a discorrer de que modo os intelectuais tradicionais (no terceiro, 1932-1969, e no quarto perodo, 1969-2001), em tenses com outros movimentos e intelectuais orgnicos, por meio de uma insero institucional junto ao estado brasileiro, alm de elaborarem ideias pedaggicas tambm as converteriam em prticas educacionais, que se tornariam hegemnicas em cada um dos perodos.

    Para efetuar sua demonstrao o autor toma como base as trajetrias de Loureno Filho (1897-1970), que deu bases psicolgicas ao movimento da escola nova no pas, de Fernando de Azevedo (1894-1974), que lhe deu base sociolgica, e de Ansio Teixeira (1900-1971), que lhe deu base filosfica. Por meio de suas obras e aes, o autor demonstra como se desenvolveu a pedagogia nova no Brasil, inicialmente convivendo com a pedagogia tradicional (1932-1947), e depois se tornando o movimento preponderante (1947-1961). Evidentemente, para que isso fosse possvel, o autor destaca que foi fundamental a participao desses intelectuais junto ao Estado, e a prpria ao deliberada pelo Estado, por meio de Getlio Vargas (1882-1954), ento presidente da repblica, e da atuao de Francisco Campos (1891-1968) e, depois, de Gustavo Capanema (1900-1985), junto ao Ministrio da Educao, criado durante o primeiro perodo em que Vargas esteve no poder (entre 1930 e 1945). Todavia, o movimento da escola nova tambm produziu a reao da vertente catlica, que acabou se manifestando por meio da ao de Alceu Amoroso Lima (1893-1983), do padre Leonel Franca (1893-1948) e do Cardeal Leme (1882-1942), que em vista da preponderncia da vertente escolanovista, nos anos de 1940 reagiu a ela, na medida em que foi se apropriando de parte de seus mtodos e de suas prticas educacionais.

    Deste modo, ao analisar a trindade de autores escolanovistas, a trindade governamental e a trindade catlica, para o autor possvel se acompanhar de que modo se desenrolaram os debates do perodo sobre a escola pblica e a escola privada, e de que modo

    5 A Reforma Couto Ferraz (de 17 de fevereiro de 1854) considerada de cunho tradicional possua como ideal o

    ensino prtico. A Reforma Lencio de Carvalho (de 19 de abril de 1879) era baseada nos princpios da moral e higiene. Seguem-se ainda os Pareceres de Rui Barbosa e as Reformas republicanas de Instruo Pblica.

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    esses debates foram incorporados quando ocorreu a aprovao da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educao no pas em 1961. Para ele, os catlicos defendiam a posio das escolas particulares, e os liberais-idealistas (centralizada junto ao jornal O Estado de S. Paulo, sob a direo de Jlio de Mesquita Filho, que no por acaso tambm estava associado ao movimento da escola nova) a posio da escola pblica. Ao lado desta posio, tambm estavam os liberais-pragmatistas, compostos pelos educadores do movimento renovador. Uma terceira corrente, de posio socialista, que no alcanaria uma posio hegemnica no debate, tambm defendia a escola pblica. Seu principal lder, Florestan Fernandes (1920-1995), emergiria como intelectual orgnico, engajado na defesa das massas annimas e de seus direitos junto ao Estado. Aps a aprovao da LDB em 1961, o autor destaca que se formaria um momento (entre 1961 e 1969) de crise da pedagogia nova e de configurao da pedagogia tecnicista, cujas caractersticas j apareceriam em algumas das disposies desta LDB.

    Inicia o quarto perodo (1969-2001) abordando de que modo a Escola Superior de Guerra (ESG) foi assumida como a ideologia por excelncia, para imprimir os novos rumos econmicos do pas. Entre 1969 e 1980 trs concepes pedaggicas se ressaltaram: a primeira, a tecnicista que se utilizou do movimento editorial para difundir as novas prticas pedaggicas que deveriam ser adotadas, tendo em vista os novos contornos econmicos que o pas vinha tomando. Aprofunda tal constatao na figura de Valnir Chagas (1921-2006), que a partir da reforma educacional por ele estruturada, procurava justificar intelectualmente as opes polticas adotadas, em que o interesse estava em mecanizar o processo. Dessa forma, se na escola nova a relao se baseava no professor-aluno, agora os professores foram relegados a meros executores do processo. Para a segunda, a concepo analtica, a linguagem, a lgica do discurso, que passariam a ser privilegiados. O que vai reverberar na terceira concepo, a viso crtico-reprodutivista, que objetivou fazer a crtica da educao dominante, pondo em evidncia as funes reais da poltica educacional, que, entretanto, eram acobertadas pelo discurso-poltico-pedaggico oficial (p. 392). Nesse sentido, aponta os estudos de Vincent Petit e George Snyders; Althusser; Baudelot/Establet; Bourdieu/Passeron; que passaram a fazer a crtica reproduo das instituies e dos sistemas de ensino. No Brasil, o autor foi o pioneiro desta critica, ao desenvolver sua teoria histrico-crtica. Destacou que esta uma teoria sobre a educao e no da educao, uma vez que seu objetivo o de compreender e explicar o modo de funcionamento da educao e no orientar a forma de realizao da prtica educativa.

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    J nos anos de 1980 a 1991 abordou a luta dos intelectuais na busca de uma educao de qualidade para todos. Nesse processo destacou as associaes de professores, bem como os peridicos criados por tais instituies6. Nesse contexto surgiram as pedagogias contra-hegemnicas que fizeram a crtica s prticas escolares institudas: Pedagogia popular uma educao do povo para o povo; Pedagogias da prtica mudar a prtica educativa vigente; Pedagogia crtico-social dos contedos critica ao currculo conteudista; Pedagogia histrico-crtica educao entendida como mediao no seio da prtica social global (p. 422).

    Num terceiro momento entre 1991 e 2001, marcado pela transio do Fordismo para o Toyotismo, entrou em cena o sufixo neo: neoescolavismo, neoconstrutivismo, neotecnicismo.

    Descreve que tais teorias tiveram as mesmas bases das antigas: tradicional, tecnicista, escola nova, que em 1970 foram inspiradas na teoria do Capital Humano. Estas, por sua vez, foram ressignificadas na dcada de 1990, adquirindo nova roupagem com prticas baseadas na excluso. Para tanto, o Estado lana mo de jarges como aprender a aprender, imputando ao indivduo toda a responsabilidade por sua sobrevivncia, sucesso ou insucesso. Perante esse quadro catico Saviani termina fazendo apelo aos intelectuais orgnicos:

    Nesse contexto, seria bem vinda a reorganizao do movimento dos educadores que permitisse, a par do aprofundamento da anlise da situao, arregimentar foras para uma grande mobilizao nacional capaz de traduzir em propostas concretas a defesa de uma educao pblica de qualidade acessvel a toda populao brasileira (p. 451).

    Aps apresentar cada um dos quatro perodos, que circunscreveriam a histria das ideias pedaggicas no Brasil, o autor retoma, em sua concluso, alguns dos principais pontos discutidos, encadeando de que modo foram impostas certas prticas educacionais. No primeiro momento, os jesutas se pautaram por uma educao voltada para as elites. Quando se deu a independncia, no houve alteraes significativas, uma vez que se entendia que a populao no necessitava nem saber ler e escrever. Tal situao s comearia a se alterar no incio do terceiro perodo, quando houve o projeto de centralizao de todos os nveis de ensino e a sua ampliao em nvel nacional. Contudo, somente a partir dos anos de 1990 que o nmero de alunos matriculados ultrapassar a marca dos 40 milhes. Igualmente importante que durante os anos de 1970 e de 1980, os prprios docentes estariam s voltas com quatro dramas: 1 sua cabea era escolanovista, mas as condies em que teria de atuar eram as da

    6 Entre os quais, os da: Associao Nacional de Educao (ANDE); Associao Nacional de Ps-graduao e

    Pesquisa em Educao (Anped) Centro de Estudos Educao e Sociedade.

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    escola tradicional (p. 446); 2 deveria se adequar aos pressupostos reprodutivistas e tecnicistas, na medida em que passou a ser cobrado em termos de eficincia e produtividade, almejando atingir o maior resultado, com o mnimo de dispndio; 3 quando a tendncia crtico-reprodutivista vislumbrou que a escola era uma mera reprodutora do sistema, o docente passou de vtima a ru; 4 uma vez que sua formao era incompleta, este deveria se aperfeioar continuamente num eterno processo de aprender a aprender (p. 449). Por fim, demarca suas expectativas com o PT antes da vitria de Lula nas eleies de 2002, tendo em vista a atuao do partido junto reviso da LDB de 1996, e que seriam frustradas aps 2003, quando o partido adere ao movimento conjuntural, e, em suas linhas gerais, manteria as mesmas caractersticas do governo de FHC, em todos os setores, inclusive na educao. Neste ponto fica implcita a vontade poltica do autor com este livro, na medida em que lana suas expectativas no mais para um partido e a suas aes, mas sim para seus leitores, professores e alunos, almejando que estes sejam os elaboradores de uma nova prtica educacional, que vise emancipao humana e a construo da democracia.

    Depois de situarmos o projeto poltico e intelectual do autor, resumirmos seus procedimentos tericos e metodolgicos, e suas principais teses no livro, convm nos voltarmos com um pouco mais de ateno a sua exposio. Que, embora coerente e muito bem feita, carrega certas fragilidades, das quais passamos a resumir: a) ainda que olhe criticamente ao papel do grande pedagogo, e sobre as ideias de progresso, evoluo, sentido, esprito (tal como o entende Hegel) e teleologia, implicitamente o autor assume tais prognsticos ao analisar a histria das ideias pedaggicas, em especial, ao avaliar a trajetria que desencadeou o desenvolvimento da pedagogia histrico-crtica; b) mesmo considerando o cuidadoso trabalho de reviso da obra, alguns pequenos erros tipogrficos lhe escaparam (a ex. de os portugueses desde a recuperao da autonomia, em 1640, depois de oitenta anos de domnio espanhol, p. 115, quando, de fato, este durou sessenta anos, entre 1580 e 1640); c) embora lance mo de procedimentos em comum para estabelecer a interpretao da histria das ideias pedaggicas, nos dois primeiros perodos faz mais uso de uma periodizao que toma como base a poltica, e nos dois ltimos, a periodizao se d mais em funo do movimento de hegemonia e preponderncia das ideias pedaggicas e das prticas educacionais.

    Feitas essas observaes, que no tiram nem um pouco os inegveis mritos desta obra pioneira, fica aqui o desafio lanado pelo autor de que sejamos sujeitos de nossa prpria ao, movidos por um ideal de emancipao social, na medida em que passarmos a apreender os

  • Educere et Educare Revista de Educao ISSN: 1981-4712 (eletrnica) 1809-5208 (impressa)

    Vol. 5 N 10 2 Semestre de 2010

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    movimentos conjunturais e orgnicos, das elites e das pessoas comuns, das ideias e das prticas, e tomarmos uma posio nessas contendas, com vistas a multiplic-las em novas prticas educacionais.