ENTRE A NORMATIVIDADE E A DESCRIÇÃO: UMA DISCUSSÃO …
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ENTRE A NORMATIVIDADE E A DESCRIÇÃO:
UMA DISCUSSÃO SOBRE NATURALISMO E
NÃO-NATURALISMO EM METAÉTICA1
Matheus de Mesquita Silveira
Universidade de Caxias do Sul
Luca Nogueira Igansi
PPGFil - Universidade Federal de Pelotas
Resumo: Este artigo visa compreender o estado da arte do naturalismo contemporâneo a partir da
discussão com posições não naturalistas, em especial as de Moore e Rawls. Parte-se da análise do
argumento central destas abordagens no contexto formal da metaética contemporânea, buscando aferir
a validade da falácia naturalista no contexto atual, bem como de seus limites na aplicação contra o
naturalismo moral. Apresenta-se a discussão entre o naturalismo e o não-naturalismo moral como,
respectivamente, estandartes das perspectivas descritivas e prescritivas da moralidade. O objetivo com
esta comparação é apresentar algumas posições em metaética a fim de melhor entender a situação
contemporânea do debate moral no que tange à naturalização da ética, contrastando teorias da ação e
do valor quanto ao tema da motivação e da normatividade morais.
Palavras-chave: Naturalismo moral, metaética, normatividade, motivação, valor.
Abstract: This article aims to understand the state of the art of contemporary naturalism from the
discussion with non-naturalist positions, especially those of Moore and Rawls. It begins with the analysis
of the central argument of those approaches in the formal context of contemporary metaethics, seeking to
gauge the validity of the naturalistic fallacy in today’s context, as well as its limits in the application
against moral naturalism. The discussion between moral naturalism and non-naturalism is presented as,
respectively, standard towards the descriptive and prescriptive perspectives of morality. This comparison
aims to present some metaethical positions in order to better understand the contemporary context of the
moral debate about the naturalization of ethics, contrasting theories of action and value with respect to
the theme of moral motivation and normativity.
Keywords: Moral naturalism, metaethics, normativity, motivation, value.
Introdução
Os problemas da normatividade e da motivação para a ação, assim
como o da legitimidade de regras são rastreáveis até as raízes da filosofia
antiga. Da mesma forma, teorias filosóficas preocupadas com a natureza da
ação humana como relevante para tais problemas permeiam a história da
1 O presente artigo foi desenvolvido com apoio da FAPERGS/CAPES, a partir do edital 03/2018.
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filosofia dos pré-socráticos até as investigações contemporâneas. Este artigo
inicia com a apresentação horizontal do argumento mooreano sobre a falácia
naturalista, tomando como base de investigação o comentário de Dall’Agnol
(2005), no qual formula a questão e assere conforme as críticas acerca de sua
validade e eficiência a partir de uma noção breve de naturalismo. As diferentes
concepções contemporâneas sobre o tema serão comparadas entre si, tendo
como foco os desenvolvimentos de argumentos como os da questão em
aberto, da dicotomia entre prescrição e descrição etc.
Tal empreendimento terá seu teste quando as posições não-
naturalistas são investigadas em contraponto as formulações atuais da moral
naturalizada, através da colocação de posições basilares do naturalismo em
diálogo com as ciências naturais e as neurociências. O ponto central do artigo
consiste em averiguar as possibilidades do empreendimento naturalista na
moral por um embasamento histórico pós-humeano e em seu
desenvolvimento em teorias cognitivistas e não-cognitivistas. Isto será
realizado em contraste com as teorias não-naturalistas de Moore (1959) e de
Rawls (2005a e 2005b), de modo que se obtenha as bases do contexto
metaético da temática em questão, para que seja possível apontar as diferenças
basilares entre estas teorias, a saber: o foco que dão ao valor ou à ação moral.
1. Não-naturalismo moral
De modo a trabalhar o não-naturalismo, serão apresentados o
conceitualismo de Moore (1959) e o coerentismo de Rawls (2005a). Apesar de serem
teorias com evidentes diferenças, o aspecto não-naturalista lhes é comum e,
neste sentido, são relevantes à discussão posterior acerca do naturalismo e do
não-naturalismo na moralidade. Ainda mais, ver-se-á duas formulações
diferentes de teorias de valor, o que permitirá a análise de pontos de vista
diferentes sobre posicionamentos semelhantes. A primeira parte deste artigo
focará na apresentação do conceitualismo, prosseguindo, na sequência, à
apresentação do coerentismo, que mostra outra faceta do não-naturalismo. O
coerentismo é muito valioso para um paralelo com teorias descritivas da ação,
uma vez que é um não-naturalismo atual que preza o âmbito político acima do
plano ético. Isto se dá pela defesa de que os juízos morais possuem o mesmo
valor objetivo – conforme concorda Prinz (2007) –, o que leva à uma posição
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wittgensteiniana2 da frivolidade do juízo moral, desencadeando na priorização
da análise da ação na esfera da filosofia política.
1.1 O conceitualismo de Moore
Em linhas gerais, a proposta original de Moore (1959) era investigar
as circunstâncias e as estruturas em que o fenômeno moral ocorre, no intuito
de identificar os aspectos mais importantes da motivação e do valor para
justificar uma teoria ética. Nesta sessão serão acrescentados a esta perspectiva
partes do argumento de Dall’Agnol (2005), nominalmente sua posição
aristotélica-mooreana que, apesar de ser fortemente relacionada a Moore,
também é constituída de outras formulações. Pode-se colocar que ela destoa
do conceitualismo tradicional de duas maneiras principais. A primeira consiste na
sustentação de uma posição aristotélica como concomitante à mooreana;
enquanto a segunda dispensa a concepção linguística atomista irredutível do
bem enquanto valor intrínseco, embora ainda sem comprometer-se com sua
realidade ontológica.
Pode ser verdade que todas as coisas que são boas são também outra coisa,
assim como é verdade que todas as coisas que são amarelas produzem certo tipo
de vibração na luz. E é um fato que a ética busca descobrir quais são as outras
propriedades pertencentes a todas as coisas que são boas. Mas, muitos filósofos
têm pensado que quando eles nomearam essas outras propriedades, eles estavam
realmente definindo o bem; que essas propriedades, na verdade, não eram
simplesmente outras, mas absolutamente e totalmente iguais a bondade. A esta
visão eu proponho chamar de falácia naturalista3 (MOORE, 1959, p.3 –
tradução dos autores).
A aproximação com a teoria aristotélica se dá na identificação de
aspectos cruciais, os quais se relacionam intimamente com a teoria mooreana.
De fato, Moore (1959) condenava Aristóteles como cometedor da falácia
2 Tractariana seria mais específico, uma vez que se faz referência a esta posição específica de Wittgenstein (2008). O leitor que desejar maior aprofundamento sobre a questão ética no Tractatus, encontrará em Igansi (2009). 3 It may be true that all things which are good are also something else, just as it is true that all things which are yellow produce a certain kind of vibration in the light. And it is a fact, that Ethics aims at discovering what are those other properties belonging to all things which are good. But far too many philosophers have thought that when they named those other properties, they were actually defining good; that these properties, in fact, were simply not other, but absolutely and entirely the same with goodness. This view I propose to call the naturalistic fallacy. (MOORE, 1959, p.3).
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naturalista, mas como o próprio observa, da mesma forma que há diferentes
usos de bvi, existe uma diferenciação entre juízos de cunho moral e de cunho
científico. À parte disto, Dall’Agnol (2005) realiza um diálogo extensivo entre
ambos autores4 e é pontual ao escopo deste trabalho tratar de tais. O viés da
correlação que interessa e esta discussão inicia no mesmo ponto da resposta à
crítica de Moore: a variabilidade das formas em que bvi é usado se dá de tal
forma que compromete sua universalidade. Portanto, assim como há
ocorrências variadas do uso de bvi, há inúmeras formas de análise e, assim,
várias ciências diferentes que o fazem. Outro ponto de aproximação apontado
por Dall’Agnol (2005) é como Aristóteles critica o sobrenatural ao versar
contra o platonismo na Ethica Nicomachea. Ele defenderia que, caso uma
ontologia metafísica, ou seja, sobrenatural, dependa do particular para sua
elaboração, então a formulação metafísica é inútil. Ora, caso bvi seja
sobrenatural, significaria que ele independeria da esfera sensível, e isto renderia
a frivolidade de bvi. Este ponto em particular é importante à apresentação feita
por Dall’Agnol (2005) da concepção de realismo.
Julgamentos éticos (sejam valorações ou enunciados normativos) são
categorialmente distintos das descrições. Identificar fatualidade com
normatividade é um erro categorial, pois elas possuem diferentes propriedades
(DALL’AGNOL, 2005, p. 174).
A partir deste paradigma aristotélico-mooreano, Dall’Agnol (2005)
defende uma posição conceitualista na moral. Ela consiste num
comprometimento com um realismo ontológico de cunho axiológico, ou seja,
independente de fatos naturais ou metafísicos. Em outras palavras, o autor
defende uma realidade ontológica de estados-de-coisas intrinsecamente
valiosos, mas não de coisas valiosas em si. Afinal, fazê-lo seria cometer a
falácia naturalista tal qual ele mesmo a formulou. O problema consiste em
como defender um realismo ontológico sem depender de propriedades
presentes no mundo, seja ele natural ou não. Dentro da compreensão de
realismo moral apresentada por Dall’Agnol (2005), a apofanticidade do juízo
moral é crucial, e tal se dá em âmbito público. Deste modo, para provar a
veracidade ou falsidade em uma afirmação de cunho moral, a posição
aristotélica-mooreana postula que se faz necessário somente uma prova
mostrativa. Uma prova deste cunho jaz em oposição à demonstração
4 Dall’Agnol dedica boa parte do segundo capítulo (2005, p.63-106) para estabelecer relações entre as teorias de Aristóteles e Moore, além de defender fortemente que o segundo já teria conhecimento do primeiro na escrita do livro Principia Ethica.
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matemática e faz referência ao famoso argumento mooreano, que para
comprovar a existência das mãos basta apenas movimentá-las ostensivamente.
Desta forma, o realismo seria provado, ipso facto, com a mostra ostensiva de
algum fato particular – e.g. o erro está aqui –, a partir de onde se assume uma
crença verdadeira justificada, i.e., conhecimento, da afirmação5.
O resultado desta posição é um realismo mitigado. A veracidade da
experiência empírica envolvida na aquisição de conhecimento moral não
implica necessariamente um comprometimento ontológico da realidade como
um todo. Isto implica num realismo fraco, sendo precisamente neste aspecto
que o viés conceitual axiológico entra. A existência de bvi se dá enquanto
operador de verdade em um juízo moral, ou seja, a bondade é um conceito e,
como tal, não existe no tempo ou no espaço. Apenas coisas boas existem no
tempo e no espaço, ao passo em que o valor intrínseco, apesar de não existir, é
– como termo de cópula –, enquanto operador apofântico.
A posição apresentada nesta sessão aponta, portanto, para um
internalismo perceptual. Afinal, a percepção de algo como intrinsecamente valioso
é per se uma motivação para a ação; e o desacordo moral ainda existe pela plena
multiplicidade de estados-de-casos bons. Assim, há objetivamente fatos morais
apofânticos, cuja relação com o valor intrínseco de estados-de-coisas depende
somente da atitude ou crença dos agentes; um tipo de preposição sui generis,
real epistemicamente, mas não no sentido metafísico. Em suma, há um
coerentismo das proposições de cunho moral com a posição do senso comum.
Rawls (2005a) apresenta uma concepção não-naturalista que reconhece a
veracidade e o valor de sentenças morais, mas que de forma pouco semelhante
prioriza a esfera pública para um coerentismo dos valores do Estado com os
valores públicos – juízos ponderados, como os chama. Diferentemente do
conceitualismo, o coerentismo prioriza a filosofia política, mas apenas porque a
alternativa seria um misto da posição de Prinz (2007) com a de Moore (1959),
como será exposto na sessão seguinte.
1.2 O coerentismo de Rawls
A concepção política não-naturalista sustentada pelo coerentismo
aufere que as teorias morais se comprometem com as capacidades éticas,
enquanto as teorias da justiça o fazem com os sensos de justiça. Em uma de
suas afirmações mais conhecidas, Rawls (2005a, p. 3 – tradução dos autores)
5 Ressalta-se o argumento de Dall’Agnol (2005) contra o ceticismo moral, uma vez que frente a este evento o ônus da prova caberia ao cético.
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coloca que “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a
verdade é dos sistemas de pensamento”6. Ressalta-se que a intenção do autor é
tratar prioritariamente da filosofia política, em não da moralidade; tomada por
ele um tanto superficialmente a fins justificacionais. O principal motivo para
tal priorização pode ser notado pelo fato de que o Rawls (2005b) salienta
veementemente o pluralismo razoável, ou seja, que a incompatibilidade existente
na multiplicidade de doutrinas razoáveis e amplas, seja o resultado natural da
deliberação racional em instituições livres em regimes democráticos. Desta
forma, a investigação desta sessão converge em torno do paradigma acerca das
concepções abrangentes individuais e de seu fundamento.
Isso sugere que vivemos de lado de como as doutrinas abrangentes das pessoas
se conectam com o conteúdo da concepção política de justiça, e consideram
esse conteúdo como resultante das várias ideias fundamentais extraídas da
cultura política pública de uma sociedade democrática. Nós as modelamos
colocando as doutrinas abrangentes das pessoas por trás do véu da ignorância7
(RAWLS, 2005b, p. 25 – tradução dos autores).
É baseado nesta questão de pluralidade subjetivista advinda de uma
democracia justa que Rawls (2005b) desenvolve os artifícios para a
possibilidade de uma teoria da justiça que resolva não apenas este, mas todos
os problemas relacionados à formulação e à aplicação da justiça sob a
perspectiva do liberalismo político – no caso, a justiça como equidade – nas
instituições da estrutura básica de uma sociedade. Mais especificamente,
instituições como a constituição, a propriedade particular e a família
monogâmica, são colocadas pelo autor como as mais importantes desta
estrutura, justamente por definirem as diferentes condições de vida que
influenciam o pensamento dos indivíduos, e, por conseguinte, sua concepção
de justiça. Assim, o âmbito dos princípios de justiça, que são elaborados por
Rawls (2005a) como exemplos resultantes de um processo artificial que garante
igualdade e direitos inalienáveis a todas as partes da sociedade – a saber, o da
posição original com o véu da ignorância – é principalmente o da desigualdade,
tal qual é encontrada na formulação aristotélica.
6 Justice is the first virtue of social institutions, as truth is of systems of thought (RAWLS, 2005a, p. 3). 7 This suggests we live aside how people’s comprehensive doctrines connect with the content of the political conception of justice and regard that content as arising from the various fundamental ideas drawn from the public political culture of a democratic society. We model by putting people’s comprehensive doctrines behind the veil of ignorance (RAWLS, 2005b, p. 25).
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O sentido mais específico que Aristóteles dá à justiça, e do qual derivam as
formulações mais familiares, é abster-se da pleonexia, isto é, ganhar alguma
vantagem para si mesmo agarrando o que pertence a outro, sua propriedade, sua
recompensa, seu cargo e coisas semelhantes, ou negando a uma pessoa aquilo
que se deve a ela, o cumprimento de uma promessa, o pagamento de uma
dívida, a demonstração de respeito adequado e assim por diante8 (RAWLS,
2005a, p. 9 – tradução dos autores).
Aqui fica clara a razão do uso que Rawls (2005a) faz do termo
equidade: similar a uma teoria dos jogos, a justiça é deflacionada de um teor
ontológico metafísico para o jogo limpo, como usado em jogos e outros
empreendimentos do cotidiano em que as regras são adaptadas ao contexto
dos participantes. Neste sentido, o senso de justiça é regido por convicções
ponderadas, opiniões pessoais tornadas públicas, que são reconhecidas como
aceitas por todos, como e.g. a tolerância religiosa e o repúdio à escravidão; em
oposição àquelas duvidosas ou inseguras. E é partindo desta base pública que
Rawls (2005a) desenvolve os princípios de justiça que regem a sociedade.
Segundo Silveira (2008, p. 87 “para ser aceitável uma concepção política de
justiça, deve estar de acordo com nossas convicções morais refletidas,
decorrendo da devida reflexão, ou do equilíbrio reflexivo”. Por sua vez, Rawls
(2005a) coloca que o equilíbrio reflexivo ocorre quando são tomadas as
convicções individuais de partes iguais (com os mesmos direitos por serem,
presumidamente, humanos dotados das mesmas capacidades), as quais são
aplicadas no âmbito da posição original com o véu da ignorância. Através desta
análise surgem os princípios de justiça, que ou conformam-se com as
convicções originais, ou são tão desejáveis em si pelo próprio processo que o
indivíduo adapta suas próprias convicções para conformarem-se a elas. Aqui
evidencia-se o coerentismo utilizado pelo autor.
Antes de prosseguir, faz-se necessário um maior esclarecimento dos
conceitos de posição original e véu da ignorância. Estes termos são de cunho
fulcral para a teoria de Rawls (2005b) e, por conseguinte, para o entendimento
do paradigma que se busca estabelecer; além de vítimas de uma série de
ataques mal informados apontados pelo próprio autor aponta. A posição
coerentista apresentada nesta sessão coloca que existem inúmeros fatores alheios
8 The more specific sense that Aristotle gives to justice, and from which the most familiar formulations derive, is that of refraining from pleonexia, that is, from gaining some advantage for oneself by seizing what belongs to another, his property, his reward, his office, and the like, or by denying a person that which is due to him, the fulfillment of a promise, the repayment of a debt, the showing of proper respect, and so on (RAWLS, 2005a, p. 9).
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à vontade humana que influenciam tanto a capacidade de formulação de um
senso de justiça, quanto a posição arbitrária do indivíduo na sociedade – ou
seja, que ambas não podem simplesmente ser regidas por uma instituição. A
posição original é formulada justamente para colocar todos os cidadãos num
patamar de equidade, de forma a diminuir os efeitos das contingências com
relação à escolha dos princípios que atuam sobre a estrutura básica da
sociedade. Tomam-se todos os indivíduos hipotéticos que representam tanto
as partes menos favorecidas da sociedade, quanto as mais favorecidas. Neste
momento é aplicado o véu da ignorância, onde nenhum cidadão teria
conhecimento de seu gênero, raça, posição social ou qualquer outra
particularidade contingente, com o objetivo de prover igual poder de barganha
e possibilitar uma decisão imparcial, igualitária e equitativa. Segundo Rawls
(2005b), a raiz do desentendimento deste conceito seria a falha em interpretá-
lo enquanto um procedimento meramente representativo hipotético e a-
histórico, sem pretensões algumas além destes limites.
Os princípios gerados através do processo hipotético apresentado
anteriormente seriam subordinados a uma teoria da justiça mais abrangente,
que priorize os bens primários. Conforme Rawls (2005a), os bens básicos e
desejáveis por si mesmos independentes da intermediação de outros desejos,
como liberdade, oportunidade, renda, riqueza ou bases sociais da autoestima,
os quais devem ser distribuídos a todos igualmente, a não ser que uma
distribuição desigual traga vantagens a todos. Portanto, de acordo com o
contrato categórico da posição original, seriam estes princípios que todo
indivíduo, independentemente de suas particularidades, desejariam apoiar nas
instituições que participam, o que garantiria a permanência das instituições nas
gerações seguintes. Acerca deste ponto, é importante elucidar o conceito de
pessoa presente no coerentismo, ou seja, que todo indivíduo é racional, razoável,
igual e livre. Isto significa, respectivamente, que Rawls (2005a) possui tanto
uma concepção de bem próprio, quanto da capacidade de adequar-se à
publicidade de sua sociedade. Por sua vez, isso significa possuir as mesmas
capacidades intelectuais e morais de todos os outros indivíduos, os mesmos
direitos e deveres, além da liberdade de escolher e seguir o que quiser.
Devemos ver uma teoria da justiça como uma estrutura orientadora destinada a
enfocar nossas sensibilidades morais e colocar em frente às nossas capacidades
intuitivas questões mais limitadas e gerenciáveis para o julgamento. Os
princípios de justiça identificam certas considerações como moralmente
relevantes e as regras de prioridade indicam a precedência apropriada há
conflitos, enquanto a concepção da posição original define a ideia subjacente
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que é informar nossas deliberações9 (RAWLS, 2005a, p. 46 – tradução dos
autores).
Ficam estabelecidos dois conceitos centrais para o objetivo deste
artigo, que fazem jus à justificação moral coerentista: (i) a concepção de bem e
(ii) a concepção de pessoa. De fato, Rawls (2005a) possui muitas relações com
a teoria kantiana. O autor admite em várias passagens sua relação com uma
perspectiva deontológica, a qual falha em ser uma teoria naturalista, como o
termo é concebido contemporaneamente, por dois aspectos principais: seu
fundacionalismo e racionalismo. Contudo, este não é exatamente o motivo
pelo qual Rawls não é naturalista. Apenas em uma de suas obras o autor trata
da posição naturalista, especificamente ao tratar do véu da ignorância e suas
limitações quanto à concepção de pessoa.
A filosofia política é autônoma porque não precisamos explicar seu papel e
conteúdo cientificamente, em termos de seleção natural, por exemplo. Caso em
seu ambiente ela não seja destrutiva em si mesma, mas florescendo com a
permissão da natureza, isso novamente é suficiente. Nós nos esforçamos para o
melhor que podemos alcançar dentro do escopo que o mundo permite10
(RAWLS, 2005a, p. 88).
Esta colocação ocorre para tratar da priorização do tratamento da
esfera pública sobre a esfera individual e subjetiva. Este intuito de
independência da esfera pública sobre a natureza humana torna-se clara ao se
correlacionar a concepção de pessoa com a concepção de bem. Rawls (2005a)
postula que todo cidadão possui um caráter racional, ou seja, capaz de buscar
sua própria concepção de bem. Isto remete a um pluralismo razoável: dado o
fator de liberdade de uma democracia constitucional, é inevitável que as
concepções de bem sejam múltiplas, consequentemente resultando em
incompatibilidade. Ora, isto nada mais é do que afirmar que todo juízo moral é
verdadeiro. O autor assemelha-se aqui a Prinz (2007), mas num viés tractariano
9 We should view a theory of justice as a guiding framework designed to focus our moral sensibilities and to put before our intuitive capacities more limited and manageable questions for judgment. The principles of justice identify certain considerations as morally relevant and the priority rules indicate the appropriate precedence when these conflicts, while the conception of the original position defines the underlying idea which is to inform our deliberations (RAWLS, 2005a, p. 46). 10 Political philosophy is autonomous because we need not explain its role and content scientifically, in terms of natural selection, for instance. If in its environment it is not destructive of itself but flourishing and nature permits it, that again suffices. We strive for the best we can attain within the scope the world allows (RAWLS, 2005a, p. 88).
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do problema da ética: uma vez que todos os juízos morais particulares
possuem o mesmo peso, é inútil postular prescrições a partir deles.
A natureza humana e sua psicologia natural são permissivas: podem limitar as
concepções viáveis de pessoas e ideais de cidadania, e as psicologias morais
podem apoiá-las, mas não ditam as que devemos adotar11 (RAWLS, 2005a, p. 87
– tradução dos autores).
No entanto, no que Wittgenstein (2008) dispensaria a ética para
priorizar a filosofia da linguagem e o conhecimento científico, e Prinz (2007)
colocaria que o relativismo moral é inevitável, Rawls (2005a) apela a outra
capacidade, em particular no que tange a priorização da publicidade. Valendo-
se aqui de uma terminologia kantiana, o autor postula que a capacidade de
buscar o auto interesse remete a um imperativo hipotético, enquanto a
razoabilidade refere-se a um imperativo categórico, sendo a capacidade de
enunciar juízos ponderados baseados em convicções que são aceitas
publicamente. Esta capacidade resulta no processo hipotético da posição
original sob o véu da ignorância, em equilíbrio reflexivo com os princípios
gerais das instituições públicas da estrutura básica da sociedade. Rawls (2005a)
coloca que isto resolveria o problema de Moore, posto que modula o foco dos
particulares para o geral, mas sem perder o tato com o âmbito particular. Em
suma, o mesmo sistema de motivação pelo valor intrínseco ainda se encontra
lá, embora com outro foco.
Essa sociedade razoável não é nem uma sociedade de santos, nem uma
sociedade de egocêntricos. É uma parte muito importante do nosso mundo
humano comum, não um mundo em que pensamos de muita virtude, até que
nos encontramos sem ela. No entanto, o poder moral subjacente à capacidade
de propor, ou endossar, e depois ser levado a agir a partir de termos justos de
cooperação pelo seu próprio bem, é uma virtude social essencial o tempo todo12
(RAWLS, 2005b, p. 54).
11 Human nature and its natural psychology are permissive: they may limit the viable conceptions of persons and ideals of citizenship, and the moral psychologies that may support them, but do not dictate the ones we must adopt (RAWLS, 2005a, p. 87). 12 This reasonable society is neither a society of saints nor a society of the self-centered. It is very much a part of our ordinary human world, not a world we think of much virtue, until we found ourselves without it. Yet the moral power that underlies the capacity to propose, or to endorse, and then to be moved to act from fair terms of cooperation for their own sake is an essential social virtue all the time (RAWLS, 2005b, p. 54).
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Todavia, Rawls (2005b) destoa de uma posição deontológica no que
tange ao aspecto fundacionalista, especialmente por se basear no aspecto
coerentista dos juízos morais com os princípios normativos. O autor ressalta
que a fonte da motivação moral não está fundamentada na lógica ou em
definições e significados, mas em contingências e fatos genéricos. De fato,
Rawls (2005a, p. 44 – tradução dos autores) a define em termos de que “é uma
teoria dos sentimentos morais (...) estabelecendo os princípios que governam
nossos poderes morais, ou, mais especificamente, nosso senso de justiça”13.
Porém, apesar da nomenclatura anexada a sentimentos morais, o autor se
coloca longe do naturalismo.
Independente do aspecto mencionado acima, o coerentismo possui uma
semelhança irremediável com o naturalismo descritivista: há uma tentativa de
ambos em elaborar uma concepção bem-informada do ser humano,
independentemente de justificações sobrenaturais. Em linhas gerais, a
divergência com a perspectiva naturalista consiste que o autor apela a um
racionalismo fundacionalista ontológico, em particular no que tange a
concepção de pessoa como algo dado, embora o mesmo se salve de um
fundacionalismo ético per se ao justificar a normatividade em uma concepção
coerentista principialista, na qual envolve o aspecto público cultural e não
somente o juízo moral. Rawls (2005b) evidencia isso ao reconhecer que seu
argumento anterior levava a uma concepção abrangente – ou seja, com
pretensão veritativa –, e procede para torná-la apenas uma das concepções
abrangentes compatíveis com um liberalismo político. Sendo assim, elas se
torna uma estrutura neutra – que não defende doutrinas metafísicas ou
epistemológicas –, que constrói um consenso sobreposto de doutrinas
religiosas e filosóficas abrangentes, para que haja uma concepção de justiça
compartilhável com os cidadãos como base de um acordo político racional
bem-informado e voluntário.
Mais do que por uma crítica do naturalismo per se, o não-naturalismo
da abordagem coerentista se dá mais por sua falta de comprometimento com
uma teoria da mente. Inclusive, Rawls (2005a) não teria objeções a uma
explicação naturalista de nossas faculdades morais, desde que não alterasse
crucialmente sua teoria. Neste sentido, o argumento do autor parece, de certa
forma, uma evolução do argumento mooreano. Não querendo comprometer-
se com aquilo que parece ser fonte de erro das teorias anteriores, procuram
princípios mais gerais e impessoais com uma justificação baseada no melhor
13 It is a theory of the moral sentiments (…) setting out the principles governing our moral powers, or, more specifically, our sense of justice (2005a, p. 44).
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para a maior quantidade de pessoas. De fato, Rawls (2005a) reconhece o apelo
do utilitarismo mooreano, mas critica suas bases intuicionistas de justificação,
pois gerariam muitos princípios subjetivistas. Além disso, a teleologia
perfeccionista do conceitualismo – apesar de ser semelhante ao coerentismo, por
consistir em um equilíbrio reflexivo entre senso comum e os princípios
vigentes sob a guisa de um princípio da utilidade unido a um princípio da
equidade – acaba priorizando o bem ao invés do justo. Tendo em vista a
variedade de autores e concepções naturalistas e não-naturalistas, na próxima
seção serão tratados os pontos em comum destas teorias. Discutir-se-á
algumas críticas, suas forças e fraquezas, de forma a estabelecer uma
investigação bem-informada dos motivos da diferença entre teorias da ação e
teorias do valor e do status quo da ética nestes quesitos.
2. Ação, valor e normatividade
A discussão apresentada até o momento oscilou entre as teorias do
valor e da ação. Nesta sessão, será necessário que a diferença entre ambas seja
elaborada mais explicitamente, de forma a proceder apropriadamente ao
tratamento da questão. Desta forma, será primeiramente realizado um
esclarecimento acerca da diferença das abordagens destes dois paradigmas
teóricos, para então proceder ao âmbito das críticas às posições expostas nas
partes anteriores deste artigo. Posteriormente, este cenário de argumentação
será concluído com algumas observações acerca da metaética atual
concernente ao naturalismo e às outras correntes com as quais dialoga.
2.1 Teorias da ação e teorias do valor
A esfera da moralidade jaz por excelência na análise da ação humana
em suas relações interpessoais, normas de conduta, hábitos e os sentimentos e
razões inerentes aos mesmos. Independente da teoria moral tratada e de
modos variados, estes aspectos são objetos de investigação. Em verdade, há
teorias que dão um enfoque maior ao teor pragmático da esfera moral, no que
tange à descrição dos fatos envolvidos nos eventos socialmente relevantes,
tanto como é auferido um valor a determinados estados-de-casos, quanto
como se formam as normas. Em linhas gerais, esta é a posição padrão da
metaética, caracterizada pelos fatores socioculturais e cognitivos que
constituem no pano de fundo da moralidade. Por outro lado, há teorias que
focam no viés do valor envolvido nos eventos da esfera moral, e assim têm
como objetivo investigar os melhores princípios, virtudes e regras, geralmente
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com base nos fatores que tornam determinadas ações ou ação mais valorosas
que outras. Nestes casos, os fatores principais das teorias anteriores são
secundários à escolha das normas, pois o foco está na prescrição das normas, e
não na descrição das características que as subjazem.
As teorias do primeiro tipo são neutras quanto ao valor e, numa clara
herança humeana, dependem do diálogo com as ciências em suas
investigações. Em outras palavras, a psicologia, biologia e as neurociências
consistem em guias empíricos que direcionam a reflexão filosófica sobre o
peso da natureza à ocorrência da ação moral e da norma. Este é o ponto fulcral
da diferença entre ambas as concepções teóricas, uma vez que teorias do
segundo tipo dependem crucialmente do valor como fonte de motivação para
a norma. Dito de outra forma, a concepção predominante é de que uma
descrição factual é fútil frente ao valor intrínseco de algo. O ponto de
divergência consiste em que a concepção de valor como algo meta-natural
implica em que o mesmo não possa ser reduzido a sua descrição científica.
Dall’Agnol (2005, p. 253) coloca que “os conceitos morais envolvem uma
dimensão normativa que os tornam categorialmente distintos das proposições
descritivas da ciência natural, isto é, das sentenças que expressam fatos
naturais”. Em geral, o único fato que interessa a posições deste tipo é que
humanos são capazes de distinções morais. Isto é, então, tomado como um
fato a partir do qual busca-se delinear que princípios possuem maior valor de
motivação de cunho intrínseco para que se derive o dever moral.
Para benefício do argumento, a tradição naturalista fora caracterizada
aqui predominantemente enquanto teoria da ação, enquanto as não-naturalistas
enquadram-se na definição de teoria do valor. Mesmo Prinz (2007) e Mackie
(1977) abstêm-se de delegar ou identificar alguma prescrição dos mesmos e
permanecem numa argumentação descritiva acerca das faculdades mentais
humanas e a normatividade gerada por elas14. Moore (1959) e Rawls (2005a)
claramente apresentam teorias que focam na questão do valor e das normas de
ação, ao invés de uma descrição delas. Inclusive, o segundo segue o caminho
kantiano de atribuir as capacidades intelectuais humanas o poder de identificar
e manter os princípios mais valorosos a serem seguidos, sem adentrar-se em
uma explicação mais completa para além das características-chave à esfera
pragmática. Em Moore (1959), assim como vimos em Dall’Agnol (2005), o
14 Uma exceção está em Spencer e no jusnaturalismo, que representam uma forma anômala de naturalismo e priorizam a legitimidade da norma sobre a descrição de sua origem. Por sua vez, estes se assemelham mais a uma posição deontológica ao defender que, ao utilizar a faculdade da razão para a análise da moralidade é invariável que se reconheça os princípios regidos pelo imperativo categórico, ou seja, o dever advindo da lei moral universalmente reconhecida – claramente uma teoria do valor.
Matheus de Mesquita Silveira; Lucas Nogueira Igansi
116
argumento é semelhante: têm-se um acesso epistêmico sui generis para a
identificação do que é valoroso, e às normas que devem se conformar à
impessoalidade geral daquilo que agrega maior valor – ou, na linguagem que
utilizada anteriormente, bvi. Em suma, a posição deontológica predomina nas
teorias do valor enquanto as naturalistas jazem na esfera das teorias da ação.
As abordagens das teorias da ação e das teorias do valor consistem
em diferentes perspectivas sobre a mesma esfera – ou seja, a moralidade.
Ambas reconhecem a importância da descrição e da normatividade na gama de
eventos incluídos na investigação ética, e elas se encontram em todas as
formulações éticas citadas até o momento. Assim, tem-se caracterizado
contemporaneamente um cenário da filosofia moral onde a ênfase é dada ora
na descrição motivacional para o valor, ora no valor que rege as normas que
surgem, se conformam ou guiam a motivação. Deste modo, a ação e o valor
estão estreitamente vinculados. Por este motivo, cabe analisar as críticas
naturalistas realizadas ao não-naturalismo, procurando evidenciar quais os
elementos destas teorias morais que as leva a destoar em suas interpretações
acerca do peso que o papel da motivação possui na dimensão da moralidade.
O objetivo visa a obtenção de um desenho mais claro do estado da metaética e
da filosofia moral em geral no âmbito contemporâneo.
2.2 Críticas ao não-naturalismo
O objetivo desta sessão não é exaurir todas as críticas possíveis às
posições naturalistas e não-naturalistas. O ponto a ser discutido é menor e visa
apresentar algumas das principais críticas às teorias não-naturalistas. Num
escopo amplo, pode-se dizer que o contexto pós-humeano do debate
metaético retirou das teorias naturalistas a agenda prescritiva a partir de uma
perspectiva reducionista. Isto ocorre principalmente por sua identificação
enquanto teorias da ação, ao invés de teorias do valor. O seu foco, portanto,
está na importância de uma análise bem-informada dos processos fisiológicos e
sociais que culminam na normatividade e moralidade como um todo. Partindo
deste paradigma, o fio condutor das críticas ao não-naturalismo tornam-se
claras: ao focar em como se deve agir, elas ignoram as evidências e
circunstâncias de como a ação moral factualmente ocorre.
O fio condutor desta sessão reside na apresentação das críticas e
Prinz (2007), complementada pela posição de Churchland (2008), Greene
(2007) e Sayre-McCord (1994). Dado que o foco deste artigo não é apresentar
o panorama completo do naturalismo moral, será realizada uma apresentação
de tais críticas, não de forma a refutar esta posição, mas sim de auxiliar na
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ilustração das diferenças principais entre estas diferentes escolas de
pensamento, a fim de auxiliar a compreensão do naturalismo e do debate
metaético que o envolve.
A apresentação de Prinz (2007) é interessante, pois consiste num
modelo para o naturalismo contemporâneo. O autor se baseia em evidências
empíricas para debater qualquer tema que seja – de cunho filosófico ou não.
Isto é a característica central do naturalismo pós-humeano, como uma teoria
da ação em constante e dependente diálogo com as ciências naturais e as
neurociências, para realizar a análise mais informada possível dos fatores
envolvidos na esfera da moralidade humana. Fugiria do escopo deste artigo
fazer uma investigação casuística de cada uma das críticas elencadas em sua
obra, ainda mais considerando sua forte dependência dos estudos científicos
como fatores decisivos para o debate com as teorias em questão. Sendo assim,
proceder-se-á de maneira a colocar as críticas de uma forma horizontal para
cumprir com a finalidade exposta acima, mas reconhecendo o viés
experimental como fator de peso dentro do debate naturalista acerca da
moralidade. Elas se resumem em seis partes principais, nominalmente: (i), a
imparcialidade subjetiva, tanto no âmbito puramente subjetivista, quanto no
racionalista; (ii), o realismo transcendental da moralidade; (iii), as teorias da
virtude; (iv), as teorias consequencialistas; (v), o convencionalismo; e (vi) a
deontologia em geral enquanto racionalização post hoc.
Sobre (i), o contexto emotivista de Prinz (2007) apresenta uma crítica
direta. Teorias que pressupõe como necessárias algum tipo de imparcialidade à
avaliação moral estão fadadas à falha, pois estudos experimentais sobre a
moralidade apontam que a motivação emocional é central os juízos morais.
Isto se torna mais evidente quando tratamos de uma imparcialidade racional,
como em abordagens deontológicas tradicionais, em que a razão é capaz de
gerar normatividade a despeito das emoções. Conforme Prinz (2007), um
observador ideal subjetivamente imparcial e culturalmente independente seria
amoral15. Isto é contrário ao estado da arte científica, na qual natureza e cultura
são cruciais para a moralidade, o que solaparia qualquer pressuposto de
universalidade dos juízos morais. Churchland (2008) ainda acrescenta que uma
perspectiva inflacionada da razão, assim como a famosa regra de ouro, ao ser
posta à prova casuística – que conforme a autora é uma das bases centrais da
15 Prinz (2007) defende que um psicopata seria uma pessoa amoral. Caracterizados pela deficiência emocional, o autor aponta que eles estão cegos para as distinções morais, assim como deficientes visuais estão para a apreensão das cores, sendo esta a única instância onde a amoralidade poderia existir – o que não coloca está característica como exemplo de fonte da prescrição moral.
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118
psicologia moral – gera uma série de paradoxos conflitantes tanto entre si,
quanto com o senso comum.
Muitos teóricos identificam na filosofia humeana o observador ideal,
o que acarretaria num problema ao paradigma naturalista sustentado neste
artigo. Todavia, em momento algum o filósofo escocês se refere a algum
observador ideal, apenas a certo espectador geral ou senso comum. Segundo
Sayre-McCord (1994), ao defender que toda escolha moral possui uma raiz
emocional, a razão fica em segundo plano como uma forma de auxílio a
identificar e entender fatores que influenciam as avaliações morais. Assim,
mediante a razão é possível regular estes juízos utilizando um ponto de vista
geral, priorizando as consequências de nossas ações e o sentimento alheio
sobre os próprios interesses individuais – uma posição claramente anti-
idealista.
O argumento anterior ajuda a fornecer as bases para a crítica (ii).
Conforme é apresentado por Prinz (2007), o transcendentalismo é
caracterizado por um realismo moral forte que independem da mente. Esta
posição engloba teorias sobrenaturais, imanentes e outras que designam a
moralidade enquanto real no mundo e independente da humanidade como um
todo. O viés naturalista invariavelmente concebe a moralidade como um
fenômeno dependente das capacidades mentais da humanidade enquanto
espécie16. Mesmo o autor entendendo o juízo moral como equivalente ao
conceito de cor, onde há certa relação com um realismo ontológico, enquanto
propriedade secundária ele é crucialmente dependente das capacidades
fisiológicas humanas. Dito de outra forma, juízos morais dependem do viés
subjetivo e ocorre independentemente da existência de agentes morais.
Objetividade e subjetividade são compatíveis, mas a moralidade não é objetiva
(...) pode ser hora de abandonar a esperança pelo objetivismo ético. Concluirei
assinalando que uma fuga do objetivismo não precisa ser uma fuga do realismo.
Existem fatos morais; são apenas fatos puramente subjetivos17 (PRINZ, 2007, p.
138 – tradução dos autores).
Há uma crítica mais tradicional no que tange à existência sobrenatural
dos fatos morais como presente em Eutífron. Sayre-McCord (2012) aponta dois
problemas com relação a este ponto: primeiramente, enquanto comando
16 Independentemente do aceitar ou não da existência da moralidade em outras espécies de animais. 17 Objectivity and subjectivity are compatible, but morality is not objective (…) it may be time to abandon hope for ethical objectivism. I will conclude by pointing out that a flight from objectivism need not be a flight from realism. There are moral facts; they are just purely subjective facts (PRINZ, 2007, p. 138).
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divino, haveria problema em identificar a raiz da autoridade destes juízos
morais. Afinal, da atribuição de uma autoridade ao conhecimento ou à
moralidade perfeita ao divino, resta o problema de partir do pressuposto no
qual padrões de moralidade existiriam além da vontade divina, o que falha em
explicar sua natureza. Em segundo lugar, ainda que se confira tamanha
autoridade a algum poder de punição ou a um papel de criador, ainda assim
faltaria a legitimidade desta autoridade para o juízo moral. O ponto é que o
poder opressor não serve como justificação moral ou como base para um
direito de punição, assim como o fato de se criar algo não provê ao
responsável poder absoluto sobre sua criação.
Por outro lado, a crítica (iii) pressupõe a característica da ética das
virtudes de usualmente se basear em uma natureza humana, ao invés da
normatividade. Há exceções, mas Prinz (2007) usa o argumento aristotélico
enquanto padrão de argumentação, onde há uma tentativa de embasamento no
caráter humano e não na ação per se. Esta posição postula determinados traços
de caráter específicos que, hipoteticamente, seriam virtuosos e mais adequados
que outros para a ação. O autor defende que as evidências empíricas mostram
que a ação é mais dependente do contexto em que ela se dá do que de traços
de caráter específicos. As objeções são que, nesta perspectiva, não seria
possível alcançar a virtude e o raciocínio prático (o que não é empiricamente
relevante), desencadeando em crenças errôneas, como as presentes nos
pesquisadores envolvidos no experimento, poderiam levar a ações viciosas e
conclusões obscuras18. De fato, há estudos na psicologia que tratam de traços
de caráter, mas poucos são condizentes com a perspectiva aristotélica e a ética
das virtudes contemporânea parece ignorá-los. Assim, o problema desta
abordagem consiste que seus postulados e justificações são muito
problemáticos ao correlacioná-los com evidências empíricas da natureza
humana. A variedade é um fator crucial ao paradigma evolucionista – que
permeia o estado da arte das ciências naturais, e, portanto, é
contemporaneamente naturalista –, e concepções populares de virtude variam
de acordo com diferentes povos. Mesmo que traços virtuosos sejam tomados
como moralmente bons com base em sentimentos, a ética das virtudes é
menos eficaz que as teorias emotivistas na compatibilização de seus
pressupostos com as descobertas científicas. Churchland (2008) até aceita a
perspectiva que uma vida virtuosa geraria um governo virtuoso, mas salienta
18 Na verdade, estas postulações também contradizem evidências que corroboram a visão casuística da ação moral, como apresentada no Experimento de Milgram.
Matheus de Mesquita Silveira; Lucas Nogueira Igansi
120
que as definições como virtude e vida virtuosa são vagas demais para auferir
qualquer validade ao mesmo.
Uma crítica semelhante surge com relação ao ponto (iv),
especialmente pelo fato das teorias consequencialistas também buscarem um
fundamento em fatos psicológicos como, por exemplo, a felicidade. Assim,
aquilo que leva à felicidade é bom e, consequentemente, sua maximização se
torna um dever. O problema é que a felicidade é colocada como boa
independente das convicções morais dos indivíduos. Esta alienação do bem e
do dever moral como algo acima dos sentimentos dos agentes envolvidos
remete à crítica tratada no ponto (iii), ou seja, que não é possível uma
moralidade independente de subjetividade psicológica. Além disso, existem
conflitos com relação a evidências empíricas no que tange a concepções de
justiça distributiva, de equidade econômica e cultural e acerca de condenações
individuais quanto a más intenções dos indivíduos, independente de quão
positivas sejam as consequências de suas ações. Neste sentido, o prognóstico é
que normas advindas de modelos consequencialistas trarão insatisfação a uma
considerável parcela, mesmo que seja uma minoria.
Churchland (2008) procede com uma linha crítica semelhante à de
Prinz (2007), mas acrescenta dois pontos interessantes ao analisar o
utilitarismo milliano. O primeiro consiste na crítica de que o filósofo inglês
baseia sua teoria na ideia de que a moralidade é relativa àquilo que é danoso,
mas não possui uma definição aprofundada do conceito de dano, contando
apenas com alguns exemplos superficiais. A segunda é que, apesar deste
problema, ela coloca a teoria milliana como um protótipo moral – em oposição
a um conjunto de regras – interessante para o naturalismo, pois reconhece o
grande valor da importância de prever as consequências das ações. Apesar
destas ressalvas, é importante salientar que a autora não abraça esta posição ou
sua prescritividade.
Com relação ao ponto (v), Prinz (2007) critica as teorias
contratualistas no que toca a concepção de regras morais enquanto leis com
valor normativo objetivo. Em outras palavras, elas foram criadas em
convenção pela sociedade, mas a partir disto ganham certa autonomia
enquanto leis. Considerando seu embasamento em convenções sociais, há duas
formas de fatos sociais importantes associados a elas. Os primeiros são de
caráter etiológico, onde através da história de determinada sociedade há uma
legitimação de determinadas normas e, como fatos sociais imanentes onde as
normas estão em constante relação à sociedade, eles são mantidos através de
práticas sociais constantes. Prinz (2007) e Sayre-McCord (1994) concordam
que estas perspectivas, apesar de fugirem de princípios universais, caem em
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uma contingência factual arbitrária. Deste modo, os fatos etiológicos não
possuiriam força ou autoridade necessária para justificar normas. A segunda
forma de compreender fatos sociais é mediante sua força normativa, a qual
ocorre através do embasamento emocional e cultural em que o agente está
inserido. Uma convenção por meio do equilíbrio reflexivo, como propõe o
coerentismo, cairia na mesma crítica realizada ao observador ideal; e uma
convenção imanente não excluiria o fato de que psicopatas poderiam viver sob
as mesmas convenções sociais, o que não atribuiria um caráter moral aos
mesmos.
O consenso não é um bem intrínseco em outras palavras. É bom porque
valorizamos isso. Ou, mais tipicamente, o consenso é derivado de outras coisas
que valorizamos, como a equidade. Caso não tivéssemos atitudes morais em
relação a estas coisas, poderíamos ainda obedecer pelas regras convencionais,
mas isso não teria significado moral19 (PRINZ, 2007, p. 164 – tradução dos
autores).
Por fim, a crítica (vi) tem como fundamento a concepção de Greene
(2007) quanto ao subjetivismo psicológico inerente as visões deontológicas e
consequencialistas. Na forma como é apresentado pelo autor, o
consequencialismo consiste na identificação predominantemente racional do
juízo moral, mas tendo como apoio as emoções – instrumentalizando a razão
numa perspectiva humeana. Por sua vez, a deontologia estaria baseada em
respostas emocionais imediatas, utilizando a razão como uma forma de
justificação a posteriori. De fato, Greene (2007, p. 77 – tradução dos autores)
defende o consequencialismo, pois seus “princípios, embora não sejam
verdadeiros, fornecem o melhor padrão disponível para a tomada de decisões
públicas e para determinar quais aspectos da natureza humana é razoável tentar
mudar e quais seria sensato deixarmos quietos20“. Desta forma, o autor
procede para argumentar contra o paradigma deontológico não apenas por
estar baseado em emoções prima facie, como também por suas racionalizações
post hoc estarem associadas com deficiências neurológicas, tais como o
19 Consensus is not an intrinsic good in other words. It’s good because we value it. Or, more typically, consensus is derived from other things we value, such as fairness. If we had no moral attitudes toward such things, we might still abide by conventional rules, but doing so would have no moral significance (PRINZ, 2007, p. 164). 20 principles, while not true, provide the best available standard for public decision making and for determining which aspects of human nature it is reasonable to try to change and which ones we would be wise to leave alone (GREENE, 2007, p. 77).
Matheus de Mesquita Silveira; Lucas Nogueira Igansi
122
funcionamento independente dos hemisférios cerebrais, a Síndrome de Korsakoff
e outras deficiências de memória relacionadas.
“Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que até o bem-estar
da sociedade como um todo não pode anular” e, “numa sociedade justa os
direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a barganha política ou ao
cálculo de interesses sociais”. Estas são linhas edificantes porque fazem sentido
emocional. A deontologia, acredito, é uma expressão “cognitiva” natural das
nossas emoções morais mais profundas21 (GREENE, 2007, p. 63 – tradução
dos autores).
Greene (2007) coloca as emoções como absolutas tanto no
consequencialismo, como na deontologia. Contudo, no segundo caso, a
formulação que o autor analisa é simplificada, e o motivo é que consiste numa
análise externa baseada em um ponto de vista específico, a saber, empírico e
psicológico. Ainda que estes sejam os pontos centrais da deontologia enquanto
objeto de análise empírica, Greene (2007) reconhece que nem sempre ações do
padrão do consequencialismo são predominantemente cognitivas, assim como
ações do padrão deontológicas não são completamente baseadas em respostas
emocionais imediatas. Para além de uma desconstrução do consequencialismo
ou da deontologia, sua crítica está dirigida a necessidade de uma prática
filosófica melhor informada quanto às raízes e inclinações fisiológicas humanas
na esfera moral. Todavia, de forma alguma o autor tem pretensão de refutar
teorias filosóficas com base nas evidências previstas, uma vez que a
identificação das bases evolutivas do comportamento social, como empatia e
instintos sociais, não constitui em si numa refutação acerca da legitimidade
destas teorias. O ponto em questão é o de tomar as evidências para questionar
e informar teorias, mas de forma alguma reduzi-las a isto. Por exemplo,
compreender que o coerentismo implica numa forte resposta emocional do leitor
é uma forma de ser cauteloso para não tomar seus argumentos como
pressupostos, e sim analisá-los com cautela analítica.
A posição de Rawls (2005a) é uma teoria frequentemente elogiada na
recente literatura naturalista. Ainda que o coerentismo procure evitar uma
explanação naturalista para as suas bases epistêmicas, vários autores colocam
21 “Each person possesses an inviolability founded on justice that even the welfare of society as a whole cannot override” and, “In a just society the rights secured by justice are not subject to political bargaining or to the calculus of social interests”. These are applause lines because they make emotional sense. Deontology, I believe, is a natural “cognitive” expression of our deepest moral emotions (GREENE, 2007, p. 63).
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esta posição como uma alternativa prescritiva compatível com um
entendimento naturalista do mundo. Indiretamente, Churchland (2008) e
Sturgeon (2006) fazem referências a um método de razão pública coerentista.
Como sugerido na crítica (i), Churchland (2008) critica o coerentismo apenas no
que tange à universalidade dos princípios que o endossam e a impessoalidade
do processo da posição original sob o véu da ignorância, apontando o resto
desta posição como razoável. Porém, a autora falha em perceber que os
princípios de justiça são endêmicos ao povo na qual estão inseridos, fazendo
com que sua prescritividade ocorra apenas em um regime democrático
específico. Da mesma forma, o processo da posição original é apenas uma
ferramenta hipotética representacional, que necessita do auto interesse racional
dos participantes. De modo semelhante, caso Sturgeon (2006) não auferisse os
juízos morais um caráter não-cognitivo, o coerentismo da veracidade, defendido
pelo autor como uma crença mantida e aprovada ao decorrer do tempo, teria
fortes semelhanças com a justificação moral do coerentismo.
Há também autores como Dennett (2004) e Pinker (2003) que
reconhecem o coerentismo como plenamente compatível com o paradigma da
variabilidade de uma mesma espécie em termos fisiológicos e culturais, lidando
adequadamente com o respeito e manutenção de valores que se mostraram
deveras úteis através dos milênios de evolução da espécie humana. De fato,
Dennett (2004) compara diretamente a posição original sob o véu da
ignorância com a aleatoriedade do fator gênico, o qual pode originar uma
pessoa no processo meiótico de desenvolvimento celular e, posteriormente,
sugere um equilíbrio reflexivo para a manutenção da liberdade enquanto produto
cultural da evolução. De forma semelhante, Pinker (2003) abraça a posição
coerentista, porém com vigor muito mais evidente, defendendo que a concepção
de justiça apresentada pela referida abordagem possibilita justificar políticas
sociais compensatórias, mesmo com base num reducionismo genético.
Ele [Rawls] argumenta que uma sociedade justa é aquela com a qual essas almas
desencarnadas concordariam em nascer, sabendo que elas poderiam receber
uma posição social ou genética ruim. Se você concorda que essa é uma
concepção razoável de justiça, e que os agentes insistiriam em uma ampla rede
de proteção social e tributação redistributiva (além de eliminar os incentivos que
melhorem a situação de todos), então você pode justificar políticas sociais
compensatórias mesmo se pensar que as diferenças na posição social são 100
por cento genéticas. As políticas seriam, literalmente, uma questão de justiça,
Matheus de Mesquita Silveira; Lucas Nogueira Igansi
124
não uma consequência da indistinguibilidade dos indivíduos22 (PINKER, 2003,
p. 150-151 – tradução dos autores).
O objetivo desta sessão consistiu em apresentar ilustrativamente
críticas horizontais realizadas por autores naturalistas a posições opostas, de
modo a evidenciar os aspectos destoantes entre ambos os lados do debate.
Estas diferenças são claras, uma vez que o naturalismo tem em sua gênese a
cautela humeana no que tange a diferença entre a descrição e a prescrição
moral, optando em geral por teorias da ação bem-informadas, ainda que isso
acarrete em menor valor normativo. Em suma, o foco nas estruturas naturais e
culturais aponta para uma miríade de fatores presentes na esfera das distinções
morais, de forma que é, no mínimo, difícil apontar causas específicas que se
sobressaiam às outras para uma determinada prescritividade do juízo moral.
Mesmo que os fatores prescritivos possam ser reconhecidos, como indica
Prinz (2007), ainda não passam de uma descrição do fenômeno moral, e não
possuem caráter normativo. Na próxima seção deste artigo, serão apresentadas
algumas conclusões comparativas concernentes a investigação apresentada até
aqui. Após análises de defesas e críticas de ambos os lados da discussão,
nominalmente o naturalismo e o não-naturalismo, serão explicados os pontos
em comum apresentados por ambos à análise moral, de forma a concluir o
mapeamento do debate moral contemporâneo.
3. O naturalismo moral a partir de perspectivas descritivas e normativas
Embora os supracitados paradigmas teóricos da ética tenham um
cunho dicotômico intransponível no que tange ao papel da normatividade, é
inegável que compartilhem semelhanças metodológicas e conceituais no
tratamento da moralidade. Porém, uma das principais semelhanças entre o
naturalismo e o não-naturalismo se dá no tratamento da falácia naturalista. A
guilhotina humeana, a questão em aberto, o problema ser-dever ou a falácia
naturalista, independente da interpretação, formulação ou correlação,
consistem num ponto de convergência contemporâneo tanto com relação as
22 He [Rawls] argues that a just society is one that these disembodied souls would agree to be born into, knowing that they might be dealt a lousy social or genetic hand. If you agree that this is a reasonable conception of justice, and that the agents would insist on a broad social safety net and redistributive taxation (short of eliminating incentives that make everyone better off), then you can justify compensatory social policies even if you think differences in social status are 100 percent genetic. The policies would be, quite literally, a matter of justice, not a consequence of the indistinguishability of individuals (PINKER, 2003, p. 150-151).
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teorias da ação, quanto as teorias do valor. Frente a este ponto, as teorias
morais estão baseadas ou na descrição, evitando desenvolver qualquer
argumento normativo, ou na prescrição, colocando-se como independentes
das descrições factuais do mundo. Independente de existir crédito real de
formulação ou de efetividade prática ou teórica, as perspectivas humeana e
mooreana mantêm-se vivas na filosofia moral contemporânea, posto que a
maioria da literatura atual procura, de uma forma ou de outra, responder a
estes problemas. Embora a falácia naturalista tenha sido refutada ou
reconhecida como deveras limitada por muitos autores, acredita-se que a
reformulação contida neste artigo a identifica como um obstáculo
metodológico digno de atenção para qualquer teoria moral.
No entanto, o problema é que a falácia naturalista per se se resume a
um tipo de obstáculo metodológico. Isto permite que diversas teorias desviem
de tal objeção, como fora apresentado ao longo deste artigo. Em suma, a
falácia naturalista se posiciona como uma bifurcação na trilha do caminho
metaético: ou segue-se no caminho descritivo do fenômeno moral enquanto
um agregado de fatos observáveis, ou segue-se no caminho prescritivo onde
princípios e normas dependem somente de seu valor intrínseco para constituir
seu caráter normativo. Como resultado, assume-se uma dicotomia de modo
prima facie.
Do ponto de vista normativo, se colocamos o acento nos valores, ganhamos
objetividade para nossas avaliações e demandas morais, mas perdemos em
eficácia normativa, ou seja, em capacidade de dirigir os comportamentos dos
envolvidos. Esta é a situação dos normativistas. Se, ao invés disso, colocamos o
acento na ação, o que se perde, então, é um ponto arquimediano a partir do qual
se possa julgar as ações dos indivíduos de modo independente de suas
preferências e, como isso, perde-se, aparentemente, a própria moralidade
(BRITO, 2014, p. 12).
O segundo ponto de convergência entre teorias naturalistas e não-
naturalistas é o da motivação. De não-cognitivistas aos racionalistas mais
radicais, o critério da motivação é central para a análise do juízo moral – seja
ela de cunho descritivo ou prescritivo. Afinal, o exemplo bvi apresentado no
início deste artigo nada mais é do que a fonte de normatividade dos não-
naturalistas em geral. Dall’Agnol (2005, p. 249) coloca que “se alguém
considera uma atividade valiosa de desempenhar-se por si mesma, ele/a está
imediatamente motivado/a para fazê-la”. Por outro lado, condizente com seu
viés de análise, teorias descritivistas reconhecem quase invariavelmente que
Matheus de Mesquita Silveira; Lucas Nogueira Igansi
126
para que exista a normatividade é necessária a motivação, de uma forma ou de
outra, do agente moral.
Os indivíduos agem de um certo modo e julgam suas ações mutuamente
também de um modo determinado. Quando esse fenômeno é escrutinado e
visto em sobrevoo, pode-se constatar padrões de comportamento, verbal ou
não, que correspondem às exigências morais ordinárias. Isso significa que
mesmo sem uma solução para a questão vero-funcional da normatividade dos
valores, é evidente que a moral obriga e isso é um fato. O descritivismo é um
factualismo para o qual a normatividade se põe como um fato verificável
mediante a descrição do comportamento dos indivíduos em suas relações uns
com os outros (BRITO, 2014, p. 15-6).
Entretanto, o impasse acerca de qual visão adotar, por mais próximas
que possam estar, acaba intransponível entre si no que tange ao valor e à ação
– não pertencendo ao escopo deste artigo apontar uma opção superior,
qualquer que seja a ótica, à outra. A humanidade vive no eterno requerimento
cotidiano de normas e leis nos mais diversos âmbitos, da bioética à política
internacional, e escolhas errôneas constituem, em pequena escala, injustiças
como a liberdade de um criminoso ou a morte de um paciente e, em grande
escala, em leis injustas ou tiranias opressivas. Conforme apontam Pinker
(2003) e Brito (2014), a cautela naturalistas jaz aqui na alcunha negativa que a
história lhes deu.
(...) na teoria de Spencer, no projeto político marxista-leninista, ou no nazismo,
e, antes de todos eles, nas teses sobre a inexistência de alma nos índios e
escravos como justificativa para o uso de seus corpos como mera força de
trabalho ou para a sua simples aniquilação, ou ainda na classificação do
homossexualismo como doença em bases alegadamente científicas (BRITO,
2014, p. 18).
Ainda assim, a aposta em abordagens prescritivas não parece o
melhor caminho. Por mais que a apresentação de Dall’Agnol (2005) seja quase
impecável em seu viés metaético, disto não decorre que se deva basear a
normatividade em excursões acerca da filosofia da linguagem. Uma grande
gama de autores não-cognitivistas reconhecem que a motivação não se dá e
nem gera, necessariamente, juízos morais apofânticos. A considerável literatura
experimental, conforme vista em Prinz (2007), Greene (2007) e Churchland
(2008), não pressupõe a objetividade da asserção moral, por mais que possam
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se comprometer com posições realistas. Ainda que uma teoria como o
coerentismo seja plenamente compatível com um viés naturalista, é no mínimo
imprudente ignorar a miríade de evidências acerca da natureza humana acerca
da moralidade e partir de aspectos dotados de força dogmática. O que salva
Rawls (2005a) de um racionalismo desenfreado é sua saída da esfera moral para
a esfera pública da justiça, ainda que ele arrisque um fundacionalismo em sua
concepção de pessoa, na qual justifica de forma coerentista os princípios das
instituições da estrutura básica da sociedade.
Conforme apresentado no início deste artigo, as posições naturalistas
pautam suas investigações nos sistemas psicobiológicos envolvidos no
fenômeno moral, e isto só é possível mediante o diálogo com as neurociências
e as ciências naturais. Da genética e microbiologia até embriologia e psicologia
moral, a gama de fatores que consistem em um indivíduo realizar uma ação
moral não se resume à tarefa da filosofia. Evidentemente que a investigação
filosófica é importante, em particular para auxiliar o pesquisador a não realizar
o mesmo erro de Spencer e suas demais vítimas que, conforme Brito (2014, p.
19), foi o de “esposar um reducionismo obtuso que o impeça de atentar para
as nuanças da dinâmica dos valores morais”. Da mesma forma, a literatura
naturalista contemporânea mostra que a filosofia por si só não é capaz de
prover a humanidade com informações adequadas acerca da própria espécie,
seja no tocante a ter um domínio bem-informado das próprias faculdades
mentais, seja dos comportamentos morais ou de qualquer outra área do
conhecimento. Por mais que Rawls (2005a) ou Dall’Agnol (2005) tenham, de
fato, encontrado aquilo que seja de valor intrínseco, a descoberta será inútil
sem a compreensão das capacidades humanas de identificá-lo, o que clama por
um diálogo com outras ciências que tratam da espécie humana enquanto apenas
outra espécie animal em um mundo baseado numa causalidade empírica23.
Um exemplo de evidência empírica que influencia a discussão acerca
da moralidade consiste na descobertas dos neurônios espelho. Segundo Hari e
Kujala (2007), estes neurônios ativam áreas cerebrais no observador quase
23 Darwin (1876) pela primeira vez, identificou o princípio do desenvolvimento biológico da seleção natural, em que todas as espécies possuem um ancestral comum cuja prole fora desenvolvendo variações que predominaram ou se extinguiram de acordo com sua adaptabilidade com o ambiente em questão. Conforme Allen (2009), isto revoluciona a teleologia biológica em que a vida não mais obedece necessariamente à uma consciência ou design maior, eliminando a noção de finalidade em uma teleologia mecânica deflacionada, que caracteriza o paradigma animalista que é caro ao naturalismo contemporâneo. Prinz (2007), Greene (2007) e Churchland (2008), assim como Pinker (2003) e Dennett (2004), dentre muitos outros, estão engajados na investigação filosófica através da participação direta em experimentos empíricos com especialistas de outras áreas do conhecimento, frequentemente encontrando pistas cruciais à compreensão do fenômeno moral.
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idênticas às do observado ao realizar determinadas ações socialmente
relevantes. Suzuki et al. (2011) aponta que os testes com ressonância magnética
sobre o Paradigma de Trivers mostram a ausência de motivação à cooperação
com contrapartes através da inibição de respostas prepotentes do córtex
frontal dorsolateral direito. Nesta linha, Vieira et al. (2014) coloca que a
aceitação de ofertas injustas em psicopatas está mais relacionada à baixa
atividade no córtex pré-frontal ventromedial, a qual está associada com a
frustração. Danzigera et al. (2011) verificou que o julgamento de juízes é
diretamente influenciado por sua qualidade de sono ou distância temporal de
sua última refeição; enquanto Davidson et al. (2000) descobriu que a injeção
natural irregular de serotonina no córtex pré-frontal, causada tanto por raízes
naturais como culturais, gera uma disfunção no sistema de circuitos
relacionados ao controle emocional. Este fenômeno está fortemente presente
na população carcerária e acarreta num aumento do risco de violência e
agressão. Tanto Ridley (2006), que trata especificamente da serotonina, quanto
Dennett (2004), que aborda este tópico de forma mais ampla, colocam que a
resposta não está em remédios ou inculpabilidade, mas sim em criar atividades
e formas de ensino para capacitar os indivíduos a lidarem e contornarem tais
deficiências, de modo que possam adquirir a plenitude de faculdades como
qualquer outro indivíduo. A questão é que nenhuma destas evidências
empíricas, por si só, implicam em normas ou leis, mas formular estas últimas
sem tomar conhecimento de tamanhos fatores envolvidos no comportamento
humano é, no mínimo, imprudente. Por outro lado, nenhuma destas
descobertas encerra a questão metaética sobre a moral factual e aquela que
deve ser almejada, necessitando da reflexão filosófica para compreender as
possibilidades e limites destas abordagens.
O pêndulo entre o foco de teorias da ação e do valor não parece dar
feição de parar. De desenvolturas de cunho descritivista não é possível a
inferência direta da normatividade prescritiva, mas a prescrição é perigosa
quando ausente de um entendimento factual das razões para o agir. O debate
continua, mas mesmo este impasse é importante à compreensão do estado-da-
arte da filosofia moral contemporânea, onde se percebe a urgência da
priorização do diálogo interdisciplinar para deliberações bem-informadas
acerca do comportamento humano dentro das esferas éticas e políticas.
Conclusão
O presente artigo procurou investigar as diferenças entre o
naturalismo e o não-naturalismo moral a partir de suas principais críticas, de
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forma a reconhecer cada posição no debate metaético contemporâneo. O fio
condutor inicial foi a interpretação da falácia naturalista baseado na formulação
de Moore (1959), defendendo que, para o naturalismo pós-humeano ela
consiste numa ferramenta, por um lado inútil, uma vez que o mesmo não
busca a prescrição moral e, por outro lado útil, pois em parte apoia a posição
descritivista – o que provavelmente não era a intenção inicial de Moore – ao
afrontar prescrições apressadas ou geradas por fatos empíricos. Em suma, o
naturalismo enquanto teoria da ação reconhece o sucesso do empreendimento
filosófico apenas na interdisciplinaridade e no diálogo consciente com outras
ciências, mas não se reduzindo a elas.
Desta forma, vemos que o estado-da-arte da ética contemporânea jaz
em um pêndulo entre o foco em teorias prescritivas do valor e teorias
descritivas da ação. Ambos os escopos possuem seu mérito justificado no
debate atual, em que o pêndulo pende para o lado do não-naturalismo com a
perda do poder prescritivo na medida em que o naturalismo foca em teorias
puramente descritivas. Entretanto, o mesmo acontece com o naturalismo,
quando as posições contrárias ficam alheias a uma compreensão bem-
informada dos comportamentos sociais e focam em princípios, deveres e
prescrições per se. Ainda assim, salienta-se que não é o objetivo do naturalismo
moral atual formular normas universais ou princípios de ação normativos
fundamentados em descrições factuais. Disso não decorre que esta perspectiva
não se preocupe com a normatividade e reconheça sua importância. É por isto
que uma série de filósofos se engajam a obter um panorama bem-informado
da natureza do comportamento social: não para realizar inferências apressadas
sobre o dever, mas para compreender as bases da ação normativa. O objetivo
parece ser entender como os indivíduos agem e saber como lidar com sua
natureza, para então formular regras de convívio bem-informadas e, portanto,
justas.
Em conclusão, este artigo reafirma que o fenômeno moral não é mais
um mistério além de qualquer compreensão empírica. Pelo contrário, está cada
vez mais vinculado as bases biológicas da espécie em interação com o
ambiente físico e cultural no qual se desenvolveu e vive. A normatividade,
como parte deste fenômeno, se dá da mesma forma, mas disto não decorre
nem um determinismo genético, nem um social que dite como se deve aprovar
ou censurar determinados comportamentos. Juízes não são maus ou fazem
uma ação moralmente condenável por variarem seu julgamento de acordo com
o quanto descansaram ou comeram nas últimas horas, assim como pessoas
com deficiência na regulação de serotonina não são más pessoas: isto apenas
os faz humanos. Em suma, apenas recentemente têm sido possível identificar e
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compreender as minúcias da base naturais deste fenômeno tão caro e
problemático no desenvolvimento filosófico ao decorrer do tempo, a saber, o
fenômeno da moralidade. Portanto, uma vez que as regras morais e políticas
são feitas, invariavelmente, de humanos para humanos, é crucial o
entendimento desta natureza, que é suscetível a juízos de cunho puramente
emocional, ações morais como fruto de elementos não-morais e outra miríade
de fatores contingentes.
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Recebido: Maio/2019
Aprovado: Setembro/2020