Ensino jurídico, literatura e ética.pdf

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  • Ensino Jurd ico, L i teratura e tica

  • Paulo Roberto de Gouva Medina

    EDITORA

  • Roberto Antonio BusatoP re s id e n te da O A B e P res idente H ono r r io da O A B ED IT O R A

    Sergio FerrazP re s id e n te E xecu tivo ad lioc da O A B E D IT O R A

    Francisco Jos PereiraE d ito r

    Rodrigo Dias PereiraCapa e P ro je to G rfico

    Dacio Luiz OstiR ev iso

    Aiine IWachado Costa TimmSecre tr ia Execu tiva

    C on se ti io E d ito ria l Sergio Ferraz (P res iden te )

    Jefferson Luis Kravchychyn Aiberto de Paula Machado

    Ana Maria Morais Cesar Luiz Pasoid

    Hermann Assis Baeta Oscar Otvio Coimbra Argoiio

    Paulo Bonavides Rubens Approbato Machado

    M 491e M edina, P aulo Roberto de G ouva E nsino jurd ico, l ite ra tura e tica /

    Paulo R oberto de G ouva M edina. -

    B raslia ; O A B Editora, 2006.184 p,

    1. D ire ito 2. Ensino Ju rd ico I. Ttu lo

    ISBN - 85 -87260-69-3

    EDITORASAS Quadra 05 Lote 01 - Bloco M

    Edifcio Sede do Conselho Federal da OAB Braslia, OF - CEP 70070-050

    Tel. (61)3316-9600 www.oab.org.br

    e-mail: [email protected]

  • Aos Presidentes do Conselho Federal da ORDEM DOS A D VOGADOS DO BRASIL, que m e d istingu iram com a sua confiana, designando-m e para integrar a Com isso de Ensino Jurdico daquele rgo e - os dois ltim os - para presidi-la;

    JOS ROBERTO BATOCHIO,

    REGINALDO OSCAR DE CASTRO,

    RUBENS APPROBATO M ACHADO,

    ROBERTO AN T N IO BUSATO.

  • SUMARIO

    guisa de apresentao ............................................................................... 9

    O ensino jurd ico na literatura: testemunhos e c r t ic a s .......................15

    Formao e destino do bacharel em direito, luz da lite ra tu ra 26

    Do bacharelismo bacharelice: reflexos desses fenmenos

    nos cursos jurdicos, ao longo do te m p o .................................................39

    A aula no curso de direito: pedagogia e m em oria ls tica ..................... 60

    Bernardo Pereira de Vasconcelos e os cursos ju r d ic o s .................... 68

    Rui Barbosa e o ensino ju r d ic o ................................................................ 75

    Dois legados da reforma Francisco C a m p o s ........................................ 84

    A contribuio da faculdade de direito da UFJF para a advocacia ....92

    O ensino jurd ico na perspectiva do a d v o g a d o ...................................105

    Formao jurd ica e insero pro fiss iona l.............................................117

  • Advocacia crim inal e advocacia crim inosa ........................................... 126

    A proliferao dos cursos de direito e suas conseqncias para a cidadania, a tica e a atuao jurdica do e s ta d o .......................... 139

    Ensino jurd ico e formao t ic a .............................................................155

    Formao tica do professor de d ire ito ................................................. 168

  • ENSIN O JU RD ICO , L ITERATUR A E TICA 9

    GUISA DE APRESENTAO

    Os textos que com pem o presente volum e situam -se em trs vertentes: a do ensino jurdico, a da literatura e a da tica. A segunda converge, na verdade, para a anterior, am pliando o espao destinado abordagem de seus temas especficos. No se cuida, assim, da literatura isoladam ente, m as da literatura naquilo em que revela aspectos interessantes do ensino jurd ico. A terceira vertente tam bm envolve, na sua m aior parte, p roblem as de ensino jurdico, na m ed ida em que trata da tica aplicada ao magistrio do direito, apresentando, adem ais, um estudo de tica profissional, que o do trabalho Advocacia Criminal e Advocacia Criminosa.

    Os textos que versam sobre Ensino Jurdico e L iteratura su rg iram naturalm ente , a partir da publicao do prim eiro - O Ensino Jurdico na Literatura: Testemunhos e Crticas. Destinou- se este ao quin to volum e da srie O AB Ensino Jurdico, editado pelo Conselho Federal da O rdem dos A dvogados do Brasil, no ano 2000'. A lguns colegas que o leram expressaram de forma generosa suas im presses sobre o trabalho, sugerindo-m e que desse seqncia abordagem do ensino jurdico luz da lite-

    OAB Ensino Jurdico Balano de uma Expenncia. Edio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Braslia, 2000, pgs. 163/171.

  • 10 m P AU LO R O B ER TO DE G O U V A MEDINA

    ratura, ali iniciada. J havendo, ento, extrado notas de leituras sobre o tema, que, som adas a lembranas de outras tantas incurses pelo cam po da memorialstica, da fico, da sociologia e da histria, poderiam fornecer-me farto material para esse fim, a d miti, comigo mesm o, lanar-me, um dia, a tal em preitada. Os encargos profissionais e outros planos imediatos conspiraram, porm , contra a realizao do projeto. At que, algum tempo depois, fui convidado pelo Centro de Ensino Superior do Par- CESUPA a proferir palestra sobre tema correlato, para professores e alunos do curso de direito daquela instituio, cujos m todos de ensino j haviam includo a literatura entre as formas de motivao dos estudos jurdicos, com o escopo de, assim, conferir ao curso o desejvel enfoque humanstico.

    Em 24 de m aio de 2004, proferi, pois, em Belm, palestra sobre o tem a Formao e destino do Bacharel em Direito, luz da literatura, que m e deu ensejo de redigir o texto co rresponden te. Com o quase sem pre sucede em m inhas palestras, a reda o veio depois da exposio oral, de m odo que o texto respectivo no rep roduz , exatam ente, o teor daquela, mas, apenas, lhe segue as linhas estruturais.

    N o havendo esgotado, ali, m inhas elucubraes em torno do assunto, retom ei o tema, no am plo contexto histrico do bacharelism o, quando fui cham ado a partic ipar da Sem ana Jurdica em hom enagem ao saudoso Professor A riosvaldo de Cam pos Pires, p rom ovida pela Escola Superior de Advocacia da Seccional de M inas Gerais da O rdem dos A dvogados do Brasil. Surgiu, assim, o estudo Do bacharelismo bacharelice: reflexos desses fenmenos nos cursos jurdicos, ao longo do tempo, focalizado, prim eiram ente, na palestra proferida em Belo H orizonte, a 22 de junho de 2004 e depois traduz ido em texto, como no caso anterior.

  • E N S IN O j u r d i c o L ITERATUR A E ETICA 11

    Os quatro ensaios seguintes v ieram na esteira dos anterio res, j destinados, porm , especificamente, ao presente vo lu me. A aula no Curso de Direito: pedagogia e memorialstica, como o subttu lo revela, fruto da leitura das m em rias deixadas p o r alguns conhecidos professores de direito. Os trabalhos subseqentes tm natureza diferente dos que lhes antecedem; no enfocam, propriam ente , a literatura, m as, sim, a contribuio de destacados protagonistas do ensino do Direito, no pas, para a sua criao e o seu aperfeioamento. O escopo desses trs trabalhos no o de fazer histria ou o de esboar biografias, m as, sim, o de extrair da trajetria de a lguns vultos em inentes aspectos relevantes da criao dos cursos jurdicos no Brasil e da sua adequao aos novos tempos. Neles sobressaem, assim, as figuras de Bernardo Pereira de Vasconcelos, Rui Barbosa e Francisco Cam pos. Em Bernardo Pereira de Vasconcelos e os cursos jurdicos, faz-se um a anlise de discurso proferido pelo D eputado m ineiro na C m ara do Imprio, destacan do-se u m ponto de correlao entre o seu pensam ento e as d iretrizes seguidas, hoje, pela Comisso de Ensino Jurdico do Conselho Federal da OAB. R ui Barbosa e o ensino jurdico constitui estudo de sentido mais biogrfico, em bora de g rande a tu alidade, um a vez que algum as das preocupaes do patrono dos advogados brasileiros, como as que tinham em vista um ensino jurdico do tado de m aior sentido prtico, s recentem ente se to rnaram vitoriosas, entre ns. Dois legados da Reforma Francisco Cawpos o terceiro estudo dessa srie, tendo sido elaborado na perspectiva de quem usa u m argum ento de a u toridade, ao invocar o im portante trabalho do jurista e hom em pblico m ineiro para sugerir um retorno a duas de suas iniciativas, a prim eira no que tange concepo da Livre-Docncia e a segunda no que concerne m atria In troduo Cincia

  • 1 2 * PAULO R O B ER TO DE G O U V A MEDINA

    do Direito, cuja preservao, em face das atuais d iretrizes cu rriculares, se defende.

    Dois outros trabalhos que tam bm aqui se inserem j hav iam sido, antes, publicados, mas, um a vez que os tem as de que tratam , focalizando aspectos peculiares do ensino jurdico, in tegram -se harm oniosam ente no conjunto do livro, achei que deveriam ser trazidos para o bojo deste. O Ensino Jurdico na Perspectiva do Advogado o ttulo da palestra que proferi, a 27 de outubro de 2000, em Florianpolis, no V Seminrio de Ensino Jurdico p rom ovido pelo Conselho Federal da O rdem dos A dvogados do Brasil, po r iniciativa de sua Com isso de Ensino Jurdico^. Formao Jurdica e Insero Profissional foi escrito para o volum e editado pela Escola N acional de Advocacia, do Conselho Federal da OAB, sob o ttulo Poltica de Educao Continuada para a Advocacia^

    A esses textos se agrega outro em que o ensino do direito focalizado a p a rtir da experincia de um a faculdade do interior do pas que j firm ou posio no cenrio nacional. E a p a lestra que proferi, a 8 de junho de 2004, em evento com em orativo dos setenta anos da Faculdade de Direito da U niversidade Federal de Juiz de Fora - A contribuio da Faciddade de Direito da UFJF para a advocacia. A im portncia desse texto est na circunstncia de que ele procura m ostrar com o um a institu io orig inariam ente particular (mas, sem fins lucrativos), criada e m antida po r um grupo de profissionais do Direito, em cidade conhecida pelo seu pioneirism o, pde, superando to das as dificuldades iniciais, consolidar-se e progredir , ao lon-

    ^0 Ensino Jurdico na Perspectiva do Advogado, In Revisia da Ordem dos Advogados do Brasil. Conselho Federal, n- 74, janeiro/junho 2002, pg. 91, ^Poltica de Educao Continuada para a Advocacia. Brasilia, 2003, pg. 95.

  • ENSIN O JU RD ICO , L ITERATUR A E TiCA # 1 3

    go dos seus setenta anos de funcionam ento in in terrup to , conqu istando especial destaque nas avaliaes oficiais a que seus alunos tm sido subm etidos.

    Os trabalhos derradeiros compem o espao reservado, neste volum e, aos tem as de tica, seja a tica no ensino jurdico, seja a tica profissional do advogado. Todos eles j haviam sido, antes, publicados, quase sem pre em volum es distintos. Encontrando-se, assim, dispersos e v inculando-se ao tem a central deste livro, achei oportuno reuni-los, aqui, sem elhana do que fizera com dois outros j referidos. Advocacia Criminal e Advocacia Criminosa foi escrito para o 2" vo lum e de tica na Advocacia, da srie editada pelo Conselho Federal da O rdem dos A dvogados do Brasil, po r iniciativa de sua Segunda Cmara^ . A proliferao dos Cursos de Direito e suas conseqncias para a cidadania, a tica e a atuao jurdica do Estado corresponde tese que m e coube expor na XVIII Conferncia N acional dos A dvogados, realizada em Salvador, de 11 a 15 de novem bro de 2002^. Ensino Jurdico e Formao tica abre o volum e tica na Advocacia, j referido^. Formao tica do Professor de Direito o texto da conferncia que proferi no XVI Encontro Brasileiro de Faculdades de Direito, realizado em M ogi das Cruzes-SP, em ou tub ro de 1988, sob os auspcios do Colgio Brasileiro de Faculdades de Direito e que foi depois pub licada na Revista TABULAE, da Faculdade de Direito da U niversidade Federal de Juiz de Fora^.

    Com o, desde logo, se pode perceber, o lao da formao

    ' tica na Advocacia. 2- vol. Braslia: Editora OAB, 2004, pg. 339, Anais. vol. II. Brasilia, 2003, pg, 1441.

    ^Ob. cit,, pg. 9.

    ' TABULAE, n 19, maio-1989, pg. 273,

  • 1 4 " P AULO R O B ER TO DE G O U V A MEDINA

    jurdica que enfeixa, neste volum e, os quatorze trabalhos apre sentados, dando-lhes un idade e estabelecendo entre eles n a tu ral correlao.

    Em se tra tando de pginas escritas em pocas distintas e, s vezes, distantes um a da outra , notar-se- que reclam am atualizao, na leitura, dados estatsticos ou instrum entos norm ativos referidos nos respectivos textos. Assim, h que se ter em vista que as diretrizes curriculares para o curso de Direito a tu alm ente em vigor em anam da Resoluo n" 09, de 29 de setem bro de 2004, do Conselho Nacional de Educao. Os cursos de Direito au torizados a funcionar, no pas, g iram , hoje, em torno de 800, segundo os elementos fornecidos pelo Institu to N acio nal de Estudos e Pesquisas Educacionais-INEP. Em nm eros absolutos, que abrangem cursos oferecidos p o r instituies de educao superio r s vezes em mais de um turno, som am , no instante em que redigim os esta nota, 887.

    PAULO ROBERTO DE GOUVA M E D IN AN ovem bro de 2005.

  • E NS IN O j u r d i c o . L ITERATUR A E J IC A 1 5

    O ENSINO j u r d ic o NA LITERATURA: TESTEMUNHOS

    E CRTICAS

    A l i t e r a tu r a a p r p r ia h is t r ia de cada c o le t iv id a d e ; r e f le t e m -s e nela , c o m o n u m e s p e lh o p o l ido , as i m a g e n s t r i s t e s o u r i s o n h a s da a lm a h u

    m a n a . ela q u e a n u n c i a a s g r a n d e s re v o lu e s p o l t i c a s e re l ig iosas , c o m o n o caso d e L u t e r o f d o s e n c ic lo p e d is ta s d o s c u lo X V I I , o u q u e r e g is t ra os t r i u n f o s d e u m a raa q u e d e c l in a , c o m o n o caso d o s L u s a d a s . ( R o n a l d de C a r v a lh o , " P e q u e n a H i s t r ia da L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a " , 10. ed . , F. B r i g u i e t & Cia. E d i to r e s , R io d e Jane iro , 1 9 5 5 , p. 4 3 .)

    As palavras que tom o como epgrafe deste texto servem- lhe, ao m esm o tem po, de m otivao e justificativa. De um lado, sugerem a anlise de depoim entos deixados po r m em orialistas e inform aes registradas por bigrafos, assim com o a leitura de stiras colhidas em pginas de fico, com o fito de m ostrar com o era visto o curso jurdico pelos seus au tores e personagens, na poca em que estudaram ou no tem po em que se situ am. De outra parte, indicam a convenincia de traar um a linha evolutiva dos m todos e critrios que tm orien tado o ensino do direito, ao longo de diferentes pocas, a pa rtir desses registros e comentrios.

  • 1 6 * PAULO RO BER TO OE G O U V A MEDINA

    N o se trata, propriam ente , de fazer histria. A histria dos cursos jurdicos no Brasil j foi escrita, com proficincia, por Alberto Venncio Filho, em "Das Arcadas ao Bacharelismo" e por Aurlio Wander Bastos, em "O Ensino Jurdico no Brasil"^. Nosso propsito , apenas, o de anotar algum as impresses relevantes sobre a formao do bacharel em direito, no nosso pas e em Portugal, mais precisamente, quanto a este, em Coimbra - m a triz onde se p lasm ou o perfil dos prim eiros juristas brasileiros - e refletir sobre o sentido caricatural que se lhe em prestou na figura de um ou outro personagem da literatura.

    in te ressan te observar com o a m ono ton ia das au las, o alheamento dos professores aos m todos didticos, a inexistncia de um a viso crtica do direito, contriburam para afastar da seara jurdica talentos de escol ou levaram outros a valer-se, para o seu aprendizado, dos recursos do autodidatismo.

    N o prim eiro caso se enquadra, po r exemplo, E.a de Queirs, que optou pela carreira de Cnsul e pela a tiv idade literria, depois de um a rp ida e desalen tadora experincia na advocacia. Segundo o testem unho de Tefilo Braga, foi o m aior rom an cista portugus, em Coimbra, um "cbula", isto , u m estu dan te pouco assduo s aulas e desinteressado das lies. A isso, em com pensao, deveu-se o que o seu patrcio ilustre qualifica de a "sade cerebral" do escritor, ou seja, a capacidade desde logo dem onstrada para reagir "contra a violncia de velhos m todos do tem po do hum anism o jesutico, contra as doutrinas de um a cincia atrasada, onde a superstio do texto histrico nunca foi vivificada po r um raio de luz crtica ou

    "Das Arcadas ao Bachaelismo". So Paulo: Perspectiva, co-edio com a Secrelaria de Cultura, Cincia e Tecnologia de So Paulo, 1977,

    "0 Ensino Jurdico no Brasil". Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

  • ENSIN O JU RD ICO . L ITERATUR A E TiCA 1 7

    filosfica, em que a au toridade do mestre se im pe pelo entono do pedan tism o doutora i e pelo terror do apontam ento na p au ta escolar, que no fim do ano se traduz em reprovao". A concluso de Tefilo Braga custica, mas, antes de tudo, surpreendente: "Neste terrvel meio acadmico uns sucum bem e adap tam-se a tudo, outros reagem com pujana, como aconteceu a Antero de Qucntal e a jos Falco, mas, em geral, adquire-se no meio desta perverso intelectual hbitos p rofundos de ironia, e fica-se com um a tendncia para o sarcasmo, com um a hostilidade contra tudo o que medocre, vulgar e chato. E esse o carter de Ea de Queirs, e um dos seus poderes de estilo"" .

    C o in c id e com o c o m e n t r io de seu c o n te m p o r n e o e confrade o depo im ento do p rprio Ea. Descrevendo, em carta ao colega Carlos M ayer, o seu quarto de estudante , explica assim porque repelira a idia de um com panheiro de repblica para que, guisa de ornam entao, "forrasse o quarto com as folhas dos compndios": "eu opus-m e asperam ente a isso, dan do as m esm as dolorosas razes que daria u m preso, se lhe quisessem forrar as paredes da enxovia com u m tecido feito dos seus prprios rem orsos" .

    O tom satrico, o estilo alegrico dessa troca de correspondncia com um condiscpulo, assum e o carter de confisso refletida, em "Ultim as Pginas", neste trecho no qual Ea revela sua opo, em dado m om ento da v ida acadm ica, pela experincia do teatro, d izendo que "depressa com preendendo que p o r aquele m todo de decorar todas as noites, luz do azeite, u m papel litografado que se cham a a sebenta, eu nunca chegaria a poder distinguir, juridicam ente, o justo do injusto.

    ApuCaos Santarm Andrade. A Coimbra de Ea de Queirs". Coimbra: Minerva, 1995, pg. 15. " Apud Carlos Santarm Andrade, ob. cit,, pg. 16.

  • 1 8 PAU LO R O BER TO DE G O U V A MEDINA

    decidi aproveitar os m eus anos moos para m e relacionar com o m undo"^^

    O uso da apostila - a m alsinada "sebenta" em lugar dos livros, parecia ser com um em Coimbra, ao tem po de Ea de Queirs e ele, po r isso, o vergastou em pgina de fina ironia, concebida com o u m dos tpicos do 'T ro jeto de Reforma do Ensino", a tribudo ao C onde de A branhos - personagem que form a com o Conselheiro Accio (de "O P rim o Baslio")/ o Pacheco (da "C orrespondnc ia de F rad ique M endes") e o G ouvarinho (de "Os M aias") o quarte to dos tipos medocres, na obra queirosiana. Eis o saboroso trecho:

    T m a lg u n s esp r itos , v id o s d e in o va o , a in d a q u e no fu n d o

    s in c e ra m e n te a fe i o a d o s a o s p r in c p io s co n s e n /a d o re s , s u s te n

    ta d o q u e o s is te m a da s e b e n ta (com o , na s u a jo v ia l lin g u a ge m , lh e c h a m a a m o c id a d e e s tu d io sa ) a n t iq u a d o . E u cons ide ro , p o r m , a se b e n ta c o m o a m a is a d m ir v e l d isc ip l in a p a ra o s e s

    p r i to s m oos . O e s tu d a n te h a b itu a n d o -s e , d u ra n te c in c o anos .

    a d e c o ra r to d a s a s no ites , p a la v ra p o r p a la v ra , p a r g ra fo s q u e

    h q u a re n ta a n o s p e rm a n e c e m im u t ve is , s e m o s c r it ica r, s e m

    o s co m e n ta r, - g a n h a o h b ito s a lu ta r d e ace ita r, s e m d is c u s

    so , e c o m o b e d i n c ia , a s id ia s p re c o n c e b id a s , o s p r in c p io s

    a d o ta d o s , o s d o g m a s p ro va d o s , a s in s t itu i e s re co n h e c id a s .

    P e rd e a fu n e s ta te n d n c ia - q u e ta n to m a l p ro d u z - d e q u e re r

    in d a g a r a ra z o d a s co isas, e x a m in a r a ve rd a d e d o s fa to s ; p e r

    d e e n f im o fu n es to h b ito de e x e rc e r o l iv re -e x a m e - q u e no

    s e n /e s e n o p a ra i r fa z e r um p ro c e s s o c ie n t f ic o a v e n e ra n d a s

    in s titu i es , q u e s o a b a s e da so c ie d a d e . O liv re -e x a m e o

    p r in c ip io d a revo luo . A o rd e m o q u e ? - A a c e ita o o b e d ie n

    te d a s id ia s a d o ta d a s . S e s e a c o s tu m a a m o c id a d e - a n o

    re c e b e r n e n h u m a id ia d o s s e u s m es tre s , s e m v e r i f ic a r se

    'M pudC arlos Santarm Andrade, ob. cit., pg. 31

  • E NSIN O j u r d i c o , L ITERATUR A E TICA > 1 9

    exa ta - c o rre m o s o p e r ig o d e o s ver, m a is ta rde , n o a c e ita r

    n e n h u m a in s t itu i o d o s e u p a s s e m v e r i f ic a r s e ju s ta . Temos 0 e s p r i to da revo luo , - q u e te rm in a p e la s c a t s tro fe s soc ia is .

    H oje . d e s tru d o o re g im e ab so lu to , te m o s a c e rte z a q u e a C arta l ib e ra l ju s ta , sb ia , til, s. Q u e n e c e s s id a d e h de a exam ina r, d iscu tir, verificar, crit ica r, c o m p a ra r, p r e m d v id a ?

    O h b ito de d e c o ra r a se b e n ta - p ro d u z m a is ta rd e o h b ito de

    a c e i ta ra Carta . A s e b e n ta a p e d ra a n g u la r da C a r ta ! O B a c h a

    re l 0 g rm e n do C o n s titu c ion a P ^ .

    D iscorrendo sobre a concepo que o C onde de A branhos tinha do regim e ideal de relacionam ento "entre o estudan te e o lente", Ea deixa extravasar, mais um a vez, as decepes acum u la d a s no seu tem p o de e s tu d a n te , p o n d o n a boca do im pagvel Zagalo - o secretrio do Conde - esta observao repassada do mais vivo sarcasmo: "o hbito de depender absolutam ente do lente, de se curvar servilmente diante da sua austera figura, de obter p o r em penhos que a sua severidade se abrande- forma os espritos no salutar respeito da autoridade"^^.

    Ea traduzia , assim, a im presso que lhe ficara dos prprios m estres, que eram , segundo um de seus bigrafos - o brasileiro Vianna Moog -, "Cavalheiros solenes e enfticos, m ontonos e cansativos, a encher as horas de tdio, recitando o contedo das sebentas"^^

    O autoritarism o e a tendncia para a repetio de idias teriam m arcado a vida acadmica em Coim bra, ao tem po de Ea de Queirs.

    Ea de Queirs. "0 Conde de Abranhos, in Obra Completa", t. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S,A 1997, pgs. 956/957.

    Ob. cit., ibidem.

    Ea de Queiroz e o Sculo XIX". 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1945, pg. 25.

  • 20 PAULO RO BER TO DE G O U V A MEDINA

    N o Brasil, a herana coimbr revelou-se a tenuada quanto ao prim eiro aspecto, m as o clima nas Faculdades de Direito, em seus prim rdios, no era mais propcio ao debate e pesquisa.

    Por isso, dizia Joaquim Nabuco, em "U m Estadista do Im prio":

    A p l ia d e sa da , n o s p r im e iro s anos . dos n o s s o s c u rs o s ju r d i c o s p o d e -s e d iz e r q u e n o a p re n d e u ne les , m a s p o r s i m esm a ,

    0 q u e m a is ta rd e m o s tro u s a b e r (...) N e m Teixe ira de F re ita s n e m N a b u c o h a b il i ta ra m -s e e m O lin d a p a ra a p ro f is s o que

    e xe rce ra m . S ua b ib lio te ca d e e s tu d a n te p o u c o s e le m e n to s e n

    c e r r a v a q u e lh e s p u d e s s e m s e r te is . N o s s o s a n t ig o s

    ju r is c o n s u lto s fo rm a ra m -s e na p r t ica da m a g is tra tu ra , da a d vocac ia e a lg u n s da fu n o leg is la tiva .

    Particularm ente em relao ao pai - o Senador N abuco de Arajo -, u m dos mais conceituados advogados de seu tem po, observa Joaquim Nabuco que "ele nunca fez estudos sistem ticos ou gerais de direito, no esquadrinhou o direito com o cincia; v iveu o direito, se se pode assim dizer, com o juiz, como advogado, como legislador, como ministro. Essa falta de estu dos m etdicos na m ocidade - acrescenta Joaquim Nabuco - f- lo- at o fim tra tar o direito como um a srie de questes p r ticas e no abstratas. As vistas cientficas e evolutivas no ensino do direito, a nova terminologia, no o acharam preparado na velhice para as receber"^.

    A situao descrita por Joaquim Nabuco relativam ente po-

    Um Estadista do Imprio, Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1975, volume nico, pg. 51, Livro I, tpico Estudante em Olinda".

  • ENSIN O j u r d i c o , L ITERATUR A E TICA

    ca de seu pai na Faculdade (1831 a 1835), no se alterou ao longo de todo o Imprio.

    Em obra do m esm o gnero, "U m Estadista da Repblica" (''Afrnio de Melo Franco e seu Tem po"), vam os encontrar observaes de igual teor, feitas por Afonso Arinos de Melo Franco sobre o curso jurdico de seu pai, realizado bem m ais tarde, entre 1887 e 1891. N o tendo o Governo Im perial acolhido o projeto de reform a do ensino superior, de autoria de Rui Barbosa, o ensino jurdico seguia o m esm o ram erro de outrora, com disciplinas como Direito N atural e Direito Eclesistico, p rogram as e m todos superados^^.

    Talvez po r isso, as Faculdades de Direito fossem, quela poca, um esturio de vocaes indefinidas, pa ra onde conflu- am, em boa parte, jovens que no se sentiam atrados nem para a m edicina nem para a engenharia ou no hav iam recebido o cham ado interior para a v ida sacerdotal... Bem expressiva desse estado de esprito de m uitos moos de ento a passa gem do "D om C asm urro" em que o Bentinho, j enam orado de C apitu , apegando-se a qualquer alternativa que o livrasse da idia de m and-lo para o seminrio, tida com o promessa irrevogvel po r sua me, diz, pateticam ente, ao Jos Dias: "Estou p ron to para tudo; se ela quiser que eu estude leis, vou para S. Paulo..

    Mas, no Recife - impe-se ressalvar - j em 1882 o sol des pon tava no horizonte cultural: era o advento de Tobias Barreto. Conform e o relato de Cruz Costa, ao seu redor, a partir daquele ano, "agrupavam -se os moos que desejavam ouvir um a lin-

    "Um Estadista da Repblica . Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1976, volume nico, pg. 172,

    ASSIS, Machado de. "Dom Casmurro , in Obra Completa. Rio de Janeiro; Nova Aguilar S.A,, 1985, vol. I, pg. 836, Capitulo XXV.

  • 22 P AU LO R O BER TO DE G O U V A MEDINA

    guagem diferente daquela que os velhos lentes da Academ ia de Direito do Recife entoavam . E Tobias Barreto soube dizer algo de novo aos jovens estudantes do Recife"^ .

    O festejado m estre sergipano que pontificou na capital de Pernam buco preconizava am pla m udana de m todos no en sino jurdico. Em clebre discurso de paraninfo, advertia pa ra o fato de que, "pelo sistema que nos rege, ns ... correm os o risco ... de tornarm o-nos um povo de advogados, um povo de chicanistas, de fazedores de petio, sem critrio, sem cincia, sem ideal"^*^. E lembrava: "As Faculdades no so som ente estabelecimentos de instruo, mais ainda e principalmente, como diz H enrique von Sybel, verdadeiros laboratrios, oficinas de cincia. preciso tam bm pensar por nossa conta. Eis a tudo"^ '.

    N ove anos depois da poca recordada, em 1891, a Faculdade de So Paulo veria, do m esm o m odo, o arrebol de u m novo tempo, com a ascenso ctedra de Filosofia do Direito de outro m estre renovador: Pedro Lessa. significativo o depoim ento de u m de seus m ais ilustre alunos, o fu turo M inistro do Supre m o Carvalho Moiiro, sobre o m agistrio desse m ineiro do Serro, que So Paulo revelou ao pas e a nossa m ais alta Corte de Justia consagraria, depois, como o "M arshall brasileiro":

    P o d e -s e d iz e r q u e c o m e le p e n e tro u n o a d o rm e c id o re c in to da

    fa c u ld a d e p a u lis ta o e sp r ito d o scu lo , c o m to d a s a s s u a s n s i

    a s de a s p ira e s h u m a n a s e a s su a s la rg a s v is e s do fu tu ro ,

    p o is s e le in ic io u e c o m p le to u u m c u rs o a n im a d o , todo , p o r um

    s is te m a de id ia s m o d e rn a s e p ro g re s s is ta s . . . T inha , en to .

    ApudErnrii Donato, "Grandes Discursos da Histria. So Paulo: Cultrix, 1968, pg. 154, nota introdutria ao discurso de Tobias Barreto de Meneses, Idia do Direito".

    In Ernni Donato, ob. cit., pg. 161.

    Idem, ibidem, pg. 162.

  • ENSIN O JU RD ICO , L ITERATUR A E TICA 23

    P e d ro Lessa , v in te e o ito a n o s e d e s d e logo , f ico u c o n s a g ra d o

    m e s tre e ju r is c o n s u lto , p o rq u e ju r s c o n s u lto s o quem , co m e sp r ito de f ilso fo , v no D ire ito , n o u m c d ig o m is te r io s o de

    re g ra s h ie r tica s , m a s um a fo ra p ro p u ls o ra da v ida p a ra os

    s e u s fins id e a i^ ^ .

    Pedro Lessa, ao reunir em livro os estudos p roduz idos ao longo dos dezesseis anos em que lecionou Filosofia do Direito (de 1891 a 1907, ano em que se torna M inistro do Suprem o), fez, no prefcio, im portantes consideraes sobre as conseqncias do nosso descaso, no ensino do direito, em relao aos princpios, s ve rdades gerais, s leis fundam entais, "que constituem o supedneo do direito, que lhe explicam a razo de ser, revelam o quid constante, perm anente, in v a riv e l, que se nota em meio s transform aes das norm as jurdicas, e in fundem a convico da necessidade absoluta da justia". Por viverm os, ento, segundo o autor, um a ''fase em brionria da nossa cu ltu ra jurdico-filosfica", "no se deve estranhar que, com o conseqncias, logicam ente inevitveis, tenham os um a profuso de leis, irrefletidam ente feitas ao sabor dos interesses individuais do m om ento, e sem o complexo estudo das necessidades sociais, em que deviam ter os seus nicos alicerces; um a jurisp rudncia notvel pela instabilidade, e que j m ereceu de um dos m ais ilustres civilistas ptrios a censura candente, m as em parte justificada, de ser "o p rodu to do instinto cego, merc de influncias acidentais e passageiras"; e a profisso do advo gado, em geral, to prostitu da, que dificilmente se encontraro fora dela m ais perniciosos inimigos do d ire i to " ^ . Assim

    >4putf Alberto Venncio Filho, ob. cit., pg. 229. Ver tambm, sobre A presena de Pedro Lessa no ensino jurdico", Roberto Rosas, Pedro Lessa, o Marshall Brasileiro, Horizonte Editora Ltda., em convnio com o Instituto Nacional do Livro, Braslia, 1985, pg. 39 e segs.

    "Estudos de Philosofiado Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916. pgs. 9/ 10. Nota: colocou-se na orlografia atual o trecho transcrito.

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    escrevia Pedro Lessa em dezem bro de 1911, para a prim eira ed io de seu livro!

    As deficincias do ensino jurdico no Brasil decorreram sem pre, fundam entalm ente, das m esm as causas: o verbalismo, responsvel pelo estilo das aulas magistrais, no raro monologadas e tediosas; a exposio repetitiva do que os alunos poderiam encontrar, com m aior proveito, nos autores; a ausncia de incentivo pesquisa-"*; o sentido geralm ente acrtico com que os institutos jurdicos eram abordados^^ N os prim eiros tempos, a esses pontos negativos acrescentar-se-ia outra sria dificuldade: a escassa bibliografia nacionaP*^. Gilberto Amado, que estu d o u no Recife, de 1905 a 1909, d a d im enso desse p roble m a quando narra o que para ele representou, afinal, a descoberta de u m grande livro de au tor brasileiro: o "Direito das

    Ressalve-se, porm, que, nos primeiros tempos, sobretudo na Faculdade de So Paulo, as dissertaes exigidas dos estudantes preenchiam satisfatoriamente essa lacuna - como nota Afonso Arnos de Melo Franco, em Rodrigues Alves Apogeu e Declnio do Presidencialismo", vol. 1. Rio de Janeiro; Livraria Jos Olympic e Editora da Universidade de So Paulo, 1973, pg. 17.

    importante, a esse respeito, o testemunho de Miguel Reale sobre o ensino na Faculdade de Direito de So Paulo na dcada de trinta, que "no foi poca de esplendor na histria das Arcadas" (l^emrias". vol. I. Destinos Cruzados. So Paulo: Saraiva, 1986, pgs. 43 e segs.). No mesmo sentido, acerca do curso ministrado, quase mesma poca, na Faculdade Nacional de Direito, o depoimento de Plnio Doyle, em suas memrias ("Uma Vida". Rio de Janeiro: Edio da Casa de Rui Barbosa, Casa da Palavra, 1998, pgs. 30 e segs.). Narra este memorialista curioso episdio, com sabor anedtico: na disciplina Direito Romano, o ponto que o professor dava como sorteado" para a prova escrita era sempre o mesmo e os alunos, sabendo disso, adrede o decoravam na ocasio do exame. 0 episdio contado, do mesmo modo, por um contemporneo de estudos daquele autor, o ilustre Ministro Evandro Lins e Silva, em "0 Salo dos Passos Perdidos. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1997, pg. 62.

    de Ponies de Miranda esta assertiva: No chegam a quinze os bons volumes brasileiros sobre direito civil, publicados antes do Cdigo ("Fontes e Evoluo do Direito Civil Brasileiro". 2. ed., 1981, pg. 64, apud Pedro Dutra, Literatura Jurdica no Imprio". Rio de Janeiro; Topbooks, 1992, pg. 28). A fonte de onde extramos esta citao revela, certo, respeitvel produo doutrinria de juristas que se tornaram clssicos da nossa bibliografia, no Imprio. As obras que a compem, porm, no so, em geral, de leitura agradvel ou no apresentam feio didtica adequada. Dai, naturalmente, a considerao de Gilberto Amado referida no texto.

  • E NSIN O j u r d i c o , L ITERATUR A TICA 25

    Coisas", de Lafayette - "um a das mais perfeitas obras do ponto de vista literrio do nosso idiom a no Brasil", que dispensava "o estudan te de procurar livro estrangeiro". "S ento - confessa o em inente escritor, d iplom ata e internacionalista - vi que podia tornar-m e um jurista. Graas a ele que fui procurar Teixeira de Freitas, isto , galgar um H im alaia e ver a que a ltu ras podia subir o Brasil"^^.

    Diante das condies m uitas vezes precrias em que se de senvolveu o ensino jurdico no Brasil, at a prim eira m etade deste sculo, fica no ar um a indagao natural: como, a despeito disso, o pas p ro d u z iu to respeitveis juristas? S dois fatores, a nosso ver, podem dar resposta a essa instigante p e rg u n ta; a capacidade de au todidatism o e a slida form ao h u m a nistic a dos estudantes de ento.

    Hoje, se a lguns escolhos acham -se superados, m orm ente po rque se passou a da r m aior im portncia aos m todos d idticos e formao dos professores, defrontamo-nos, todavia, com outros graves problemas, o maior de todos, po r certo, o da massificao do ensino, resultante da proliferao indiscriminada- e, no raro, dom inada pelo esprito mercantilista - das nossas Faculdades de Direito.

    Mas, no h m elhor forma de corrigir os senes que ainda persistem e enfrentar as novas dificuldades que surgem do que a de refletir sobre as lies do passado. Historia magistra vitac - lem brava Ccero. E at os traos caricaturais de certos professores e estudantes, que a realidade dos fatos e a literatura de fico nos revelam , servem para evitar que incidam os nos erros satirizados, caindo no ridculo ou deixando-nos dom inar pelo com odism o ... Ridendo castigat mores - ponderava Horcio.

    "Minha Formao no Recife. Rio de Janeiro: Livraria Jos Oympio, 1958, pgs. 185/186.

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    FORMAO E DESTINO DO BACHAREL EM DIREITO,

    LUZ DA LITERATURA

    Sumrio: 1 Conhecendo o passado, para compreender o presente e preparar o futuro, 2 A aula magistral no curso de direito: registro de um bigrafo e testemunhos de alguns memorialistas. 3 O destino dos bacharis, uma vez formados, na perspectiva da obra de Machado de Assis. 4 Uma constante sintomtica nos bacharis de Machado de Assis: formao profissional precria.

    1 Conhecendo o passado, para compreender o presente e preparar o futuro

    A literatura, como a histria, pode proporcionar-nos o conhecim ento do passado - e isso no ocorre em vo. Q uando se procura fazer a retrospectiva de determ inadas instituies ou se busca saber com o certos m todos eram , antes, aplicados, o escopo o de aprim or-los, nos dias v indouros ou, pelo m enos, o de evitar que se incida novam ente nos m esm os erros.

    E com este esprito que se devem reler, hoje, a lgum as pg inas fundam entais sobre o ensino jurdico no pas, a p a rtir de sua instalao, no sculo XIX. O registro feito po r bigrafos e o testem unho deixado po r memorialistas, a esse respeito, convi

  • E NSIN O JU RD ICO , L ITERATUR A E TICA 27

    dam -nos a reflexes que s sero proveitosas se dom inadas pela inteno de reverter o quadro descrito, em vez de nele encontrar razes de conformismo. Por que as coisas, hoje, no vo bem , haverem os de consolar-nos com o fato de, ontem, terem sido piores? O u ser esse um m otivo especial pa ra iden tificar os pontos vulnerveis dc um antigo sistem a, a fim de que deles no fique seno a grave im presso causada ou a lem brana pitoresca que nos deixaram?

    A hora a de forjar u m futuro mais p rom issor pa ra o ensino do direito, no Brasil. Para tanto, til pe rqu irir com o foi ele, antes, praticado. E que reflexos h de ter acarretado no esprito de quem , p ro d u z in d o obras de fico, traou o perfil do ba charel em direito na figura de um ou de ou tro personagem , deixando transparecer, qui, no com portam ento deles como advogados, a idia que fazia da formao jurdica, sua poca.

    2 A aula magistral no curso de direito: registro de um bigrafo e testemunhos de alguns memorlalistas

    A aula m agistral prevaleceu no ensino jurdico, em todo o pas, desde o seu advento at, mais ou m enos, m eado do sculo passado. S em anos recentes, com a nova poltica de form ao de professores e o incentivo freqncia de cursos de d idtica do ensino superior, aquele m todo caiu de m oda. certo que a aula expositiva continua a ser um a praxe consagrada e dom inante , m as p e rd eu o carter de m agistra lidade, isto , deixou de confundir-se com a aula-conferncia, pa ra abrir espao ao debate em classe, na m ed ida em que os professores p assa ram a co m p reen d er a im portncia do an tigo m todo socrtico e p-lo em prtica, despertando , assim , a participao dos estudantes. J no h, hoje, via de regra, o distanciam ento entre docente e aluno, que era a tnica da aula magis-

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    trai de outrora. O discente j no vai aula apenas para ouvir o m estre, que seja capaz de m otivar-lhe o interesse ou para acom panhar a lio como quem assistisse a um a sesso de cinema...

    No tem po de Castro Alves (aluno de um a gerao que m arcou poca, condiscpulo de Rui, N abuco, R odrigues Alves, Afonso Pena), o curso de direito resum ia-se s aulas-confern- cia. E estas atra am a ateno dos alunos nos reduzidos casos em que o professor era capaz de conjugar a eloqncia ao saber. Logo ao chegar a So Paulo, transferido do Recife, em 1868, o poeta, com um ente pouco interessado nos estudos jurdicos, m ostrou-se en tusiasm ado com as aulas de um grande mestre; Jos Bonifcio de A n d ra d a e Silva, conhec ido com o Jos Bonifcio, "o M o o "^ . Por isso, diria, em carta a u m am igo da Bahia: Estou na Academia, ouvindo o grande jos Bonifcio^''^ A linguagem expressiva: o poeta no diz que tinha o tribuno com o professor ou que lhe assistia s aulas; inform a que o ou via, como que preso sua palavra de o rador consum ado.

    Joaquim N abuco, em Minha Formao, leva-nos a com preen der m elhor o entusiasm o de Castro Alves pelo Professor de Direito Civil. "Nesse tempo - relata o mem orialista - dom inava a Academ ia, com a seduo da sua palavra e de sua figura, o segundo Jos Bonifcio. Os lderes da Academ ia, Ferreira de

    Jos Bonifcio, o Moo", Proiessor de Direito Civil na Faculdade de Direito de So Paulo, Deputado em mais de uma legislatura. Senador e Ministro no segundo Imprio, era filho de Martim Francisco Ribeiro de Andrada, que se casara com uma sobrinha, Gabhela Frederica Ribeiro de Andrada, tilha de seu irmo Jos Bonicio, sendo, pois, o grande icone da gerao de Castro Alves, a um tempo, sobrinho e neto do Patriarca da Independncia (Cf. Ligia Maria Leite Pereira e Maria Auxiliadora de Faria: Presidente Antonio Carlos, um Andrada da repblica, o arquiteto da revoluo e 30- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pg. 3).

    PEIXOTO, Afrnio. Castro Alves, o poeta e o poema. Rio de Janeiro So Paulo - Porto Alegre: W, M. Jackson Inc. Editores, 1947, pg. 308. A carta era endereada a Lus Corniio.

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    Meneses, que, apesar de formado, continuava acadmico e chefe literrio da m ocidade. Castro Alves, o poeta republicano de Gonzaga, bebiam -lhe as palavras, absorviam -se nele em xtase"^. C uriosam ente, essa a nica referncia de N abuco ao seu curso^ iniciado em So Paulo e concludo no Recife. Causa espcie que o g rande escritor (segundo A gripino C heco, um dos dois ou trs maiores prosadores do pas, se isso no poiico^^ ), tendo ded icado um captulo de suas m em rias ao pensador ingls que tanto influiu em sua formao jurdica e poltica, Bagehot'^% no v alm dessa aluso a Jos Bonifcio, ao falar de sua passagem pela Faculdade de Direito do Largo de So Francisco.

    Passando de Joaquim N abuco ao seu filho m ais moo, Jos Thom az N abuco, que foi advogado de nom eada, no Rio de Janeiro, no sculo XX, ao longo de quase setenta anos, colhe-se interessante depo im ento sobre a qualidade e a regularidade do curso p o r ele feito, na antiga Faculdade de Cincias Ju rd icas e Sociais do Rio de Janeiro, hoje Faculdade de Direito da UFRJ, de 1919 a 1923. Em obra pstum a - O Arresto do Windhnk- Recordaes dc uma luta judiciria -, o Dr. Jos N abuco refere-se de form a pouco lisonjeira ao seu curso de bacharelado, d izen do que Naqueles tempos ningum era reprovado na Escola de Direito, sendo preciso pistolo, para ir ao pau. Referindo-se ao seu p ro fessor de Direito Industrial, diz que esse s dava d u as ou trs aulas p o r ano e que, na hora do exame escrito, abria um jornal, com entando: suponho que os senhores j estejam prevenidos. Depois, dava distino a todos os alunos.

    Minha (ormao- Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 1999, pg. 26.GRIECO, Agripino. Poetas e prosadores do Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1968, pg. 135.

    Ob, cit., Captulo 11.

    0 arresto do Windhuk - recordaes de uma luta Judiciria. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, pg. 30.

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    O depoim ento de Plnio Doyle, conhecido biblifilo e advo gado com intensa m ilitncia na advocacia, que e s tu d o u na m esm a Faculdade, pouco depois (1927/1931), no diferente. R ecordando os seus professores, observa que somente trs merecem ser destacados: Castro Rebelo (Direito Comercial e Falncias); Porto Carrero (Medicina Legal)... e Haroldo Valado (Direito Internacional Privado). Os demais - acrescenta - eram bastante fracos e as respectivas aulas apresentavam srios defeitos^"^. As deficincias do curso eram supridas pelo au todidatism o dos estudantes, no tadam ente aqueles que se reuniam no fam oso CAJU (Centro Acadmico de Estudos Jurdicos): San Tiago Dantas, Aroldo Azevedo, Amrico Lacombe, A ntonio Galotti, O tvio de Faria, C h erm o n t de M iranda, Thirs M artins M oreira , Hlio Viana, Gilson A m ado e o p rprio Plnio Doyle, entre outros^^.

    O utro biblifilo, que advogou du ran te a lgum tem po e to m ou-se depois em presrio de sucesso, Jos M indlin, tendo re a lizado seu curso nos anos seguintes ao do colega e confrade carioca (1932/1936), freqentando a tradicional Faculdade do Largo de So Francisco, em So Paulo, d pouca im portncia ao que ali aprendeu . Segundo ele, o aprendizado jurdico no foi 0 fa tor predominante, pois ele se fe z mais atravs de leitura, e do estgio de advocacia, do que de freqncia s aulas. Isso porque, naquela poca, raros eram os professores que prendiam a ateno dos alunos.

    A maior parte lia suas prelees - provavelmente as mesmas durante anos seguidos - sem nenhum contato ou dilogo com os estudantes, o que no estimulava a presena.

    Goffredo Telles Jnior, professor da m esm a Faculdade, que

    Urna v/da. Rio de Janeiro: Casa da Palavra; Fundao Casa de Rui Barbosa, 1999, pg. 30.DOYLE, Plnio, ob. cit., pg. 32.

    Uma Vida entre livros reencontros com o tempo. So Paulo: Edusp/Companhia das Letras, 1977, pgs. 68/69.

  • E N S IN O JU R D IC O , L ITERATUR A E ETICA 31

    se tom ou referncia entre os grandes nom es do m agistrio ju rdico, tendo feito o seu curso na m esm a poca (1933/1937), sobre esse fornece-nos testem unho que, se no oposto ao de seu contem porneo Jos M indlin, , pelo m enos, diferente, no tom e no enfoque. N o seu livro de m em rias - A Folha Dobrada- Lembranas de iim Estudante -, o professor Goffredo prefere destacar o que gu a rd o u de positivo dos seus tem pos de Academ ia, silenciando sobre eventuais falhas (se que as sentiu) ou p referindo atribuir a si m esm o o desinteresse pelas aulas, que no deixa de apontar... Confessa esse ilustre m em orialista que, em bora tenha tido notveis professores, no foi, como aluno, um bom ouvinte de suas prelees, faltando m uito e tendo, em certas aulas, a freqncia mnima exigida pelos regulamentos. Responsabiliza-se por isso, em vez de fazer qualquer apreciao crtica das aulas m inistradas, dizendo-se, por natureza, avesso a longas dissertaes orais. Por essa razo, acrescenta, A obrigao de ouvir quatro prelees seguidas, numa s manh, constitua, para mim, um flagelo insuportveP'^.

    O m esm o distanciam ento em relao aos professores, sentido por Jos M indlin, , no entanto, destacado po r Caio M rio da Silva Pereira, em inente professor e advogado, cujo curso, na Faculdade de Belo H orizonte (UFMG), decorreu entre os anos de 1931 a 1935. Depe o saudoso civilista: A convivncia com os professores era distante e poucos permitiam perguntas em aula ou mesmo ao seu final. Sentamo-nos privilegiados quando um luminar nos distinguia pelo nome, por alguma referncia acadmica ou familiar. Isso decorria no s dos hbitos de ento, mas, sob re tudo , do m todo de ensino adotado. N a seqncia de seu testem unho. Caio M rio pe nfase na seguin te afirmativa:

    ^^Ob. cit., pgs. 74/75. Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1999.

  • 32 PAULO RO BER TO DE G O U V A MEDINA

    Durante o tempo em que freqentei a Universidade, prevalecia o mtodo das chamadas "aulas-conferncias"^^.

    3 O destino dos bacharis, uma vez formados, na perspectiva da obra de Machado de Assis

    O quadro descrito po r quase todos esses m em orialistas acerca do curso que realizaram, entre a prim eira e a terceira dcadas do sculo XX, no era outro ao tem po em que viveu e escreveu M achado de Assis. O nosso m aior rom ancista, em bora no houvesse feito curso superior, pe o anel de doutor no dedo de m uitos dos seus personagens. M uitos desses so bacharis, com o era to com um naquela poca de apogeu do bacharelis- mo. A lguns se dedicaram , profissionalm ente, advocacia, vivendo do comrcio dos autos, para usar um a expresso m uito do agrado do escritor. Essa circunstncia d igna de nota, p o r que no vam os encontrar, talvez, tantos bacharis nas obras de outros escritores, nem m esm o na de u m Jos de Alencar, que foi advogado de grande conceito no Rio de Janeiro e P ro fessor de Direito Comercial.

    Bacharel era o Janjo, desde os vinte e um anos, contando, ento, no s com o diplom a, m as a lgum as aplices e boas possibilidades no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indiistria, no comrcio, nas letras ou nas artes, conform e o fu turo com que lhe acenava o pai, ao expor-lhe, aos p r i m eiros m inutos do dia em que adquiria m aioridade, a sua Teoria do Medalho. E para esse papel o jovem Janjo parecia p re destinado no em razo de talentos especiais, m as po rque o p rprio pai o considerava dotado da perfeita inpia mental, coni^e- niente ao uso deste nobre ofcio... de medalho!"'*^

    Algumas lembranas. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pg. 21.

    ^ Obra completa, vol. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1985, pgs. 288/290.

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    T am bm bacharel, sem nenhum a preocupao com as atividades profissionais prprias do seu grau, era o Azevedo, de Linha Reta e Linha Curva. Segundo no-lo descreve M achado de Assis, possua ele um diploma de bacharel em direito; mas esse diploma nunca lhe serviu; existe guardado no fundo da lata clssica em que 0 trouxe da Faculdade de So Paulo. De quando em quando A ze vedo fa z uma visita ao diploma, alis ganho legitimamente, mas para no se ver mais seno da a longo tempo. No um diploma, uma relquia-^^.

    Diferentemente do Azevedo, o Romualdo, de O Programa, estudara com dificuldade, ambicionando tomar-se um jurisconsulto como os Nabucos, os Zacarias, os Teixeira de Freitas. Acabou, contudo, melancolicamente, como um advogado da roa, labutando pela sobrevivncia, depois de um a experincia frustrada na poltica. Por fim, conjecturava, na altura dos seus 53 anos: Foi talvez o programa que me fez mal; se no pretendesse tanto .

    O Estvo, de A Mo e a Luva, posto fizesse boa figura na academia, mais prezava do que amava a cincia do direito. C erta feita, no jard im da casa de u m amigo, enquanto aguardava o m om ento em que, do ou tro lado, aparecesse a form osa G uiom ar (por quem ele se interessara, tendo com o rival, alis, o anfitrio, Lus Alves, que acabaria sendo o eleito), acendeu um charuto e abriu o livro que trazia consigo. O livro era uma Prtica forense. Demos-lhe razo - d iz o na rrado r do rom ance, com m uito esprito e senso potico - ao despeito com que o fechou e atirou ao cho, contentando-se com o canto dos pssaros e o cheiro das flores, e a sua imaginao tambm, que valia as flores e os pssaros"^^.

    Obra completa, vol. II, cit,, pg. 118.

    " Obra completa, vol. II, cit., pgs. 913/923.

    Obra completa, vol. I, pgs. 205/207.

  • 34 PAULO R O B ER TO DE G O U V A MEDINA

    A Prtica Forense, do m esm o modo, no interessava ao Jorge, de lai Garcia. Para esse, o praxista representava o brbaro. A me, Valria, percebeu, j por ocasio da form atura, que o filho no tinha queda para a profisso de advogado nem para a de juiz. Alis, Jorge no era profundo; abrangia mais do que penetrava. Sobretudo, era uma inteligncia terica. A despeito da falta de vocao e de interesse, no se afastou de todo da advocacia. Possuindo muitos bens, que lhe davam para viver farta, empregava uma partcula do tempo em advogar o menos que podia - apenas o bastante para ter 0 nome no portal do escritrio e no Almanaque Laemmert"^^.

    Figura curiosa era o Dr. Matos, do rom ance Helena. M achado o descreve como um velho advogado que em compensao da cincia do direito, que no sabia, possua noes muito apreciveis de meteorologia e botnica, da arte de comer, do voltarete, do gamo e da poltica. Era impossvel a ningum queixar-se do calor ou do frio, sem ouvir dele a causa e a natureza de um e outro, e logo a diviso das estaes, os ventos, a neve, as vazantes dos rios e suas enchentes, as mars e a pororoca. Ele falava com igual abundncia das qualidades teraputicas de uma erva, do nome cientfico de uma flor, da estrutura de certo vegetal e suas peculiaridades. Alheio s paixes da poltica, se abria a boca em tal assunto era para criticar igualmente de liberais e conservadores - os quais todos eles lhe pareciam abaixo do pas. O jogo e a comida achavam-no menos ctico; e nada lhe avivava tanto a fisionomia como um bom gamo depois de um bom jantar. Estas prendas faziam do Dr. Matos um conviva interessante nas noites que 0 no eram. Posto soubesse efetivamente alguma cousa dos assuntos que lhe eram mais prezados, no ganhou o peclio que possua professando a botnica ou a meteorologia, mas aplicando as regras do direito, que ignorou at a morte^^.

    Obra completa, vol. I, cit., pgs. 400/403.

    Obra completa, vol. I, cit., pg. 287,

  • ENSIN O JU RD ICO , L ITERATUR A E ETICA 35

    M enos desp ro v id o de noes jurd icas que o Dr. Matos, m as tam bm no conhecendo grandes cousas de direito, era o Dr. Cam acho, de Qiincas Borba. Formado em Direito em 1844, pela Faculdade do Recife, no era dado ao estudo da sua cincia. C onhecim ento do direito guardava algum do que lhe dera a academia, mais a legislao posterior e prticas forenses. Com isso ia arrazoando e ganhando^ .^

    O Brs Cubas, por sua vez, confessava, nas Memrias Pstumas, que fora um acadmico estrina, superficial, tumulturio e petulante, dado as aventuras, fazendo romantismo prtico e liberalismo terico, vivendo na pura f dos olhos pretos e das constituies escritas. Relem brando o grau de bacharel, obtido em Coimbra, no se pejava de dizer: No dia em que a Universidade me atestou, em pergaminho, uma cincia que eu estava longe de trazer arraigada no crebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso'^^''.

    Na verdade, dos m uitos bacharis que pe rpassam pela obra m achadiana, um dos poucos que parece haver alcanado xito na advocacia foi o Bentinho, de Dom Casmurro - ou m elhor, o p rprio D om Casm urro. Com efeito, era ele advogado de algumas casas ricas, e os processos vinham chegando, nos prim eiros tem pos, em boa parte, po r influncia do rival pstum o, o Escobar^'. E o Bentinho, como se sabe, op tou pelo curso de direito falta de ou tra escolha, como forma de livrar-se do Seminrio, a que um a prom essa de sua m e o destinava...

    4 Uma constante sintomtica nos bacharis de IVIachado de Assis: formao profissional precria

    A anlise desses personagens de M achado de Assis que ves-

    Obra completa, vol. I, cit., pgs. 690/691.

    Obra completa, vol. I, cit., pg. 542.

    Obra completa, vol. I, cit., pg. 910.

  • 36 PAULO R O B ER TO DE G O U V A MEDINA

    tiam a beca do advogado im pressiona po r um trao com um , que s no aparece em u m ou outro, como o Bentinho: a precria form ao profissional.

    M achado, como tantas vezes tem sido ressaltado, foi um escritor que parecia penetrar na alm a hum ana , no af de descrever e com preender o hom em com um . N o s nos rom ances como nos contos, traa, com maestria, o perfil psicolgico das figuras que com pem a tram a de seus enredos.

    Em discurso na Academia Brasileira de Letras, Pedro Lessa destacou essa particu laridade do escritor, observando: O que fa z 0 constante objeto dos seus estudos o homem, todo o homem, a espcie humana, com os seus instintos, os seus sentimentos, as suas paixes e defeitos. Segundo o ilustre orador. M achado nos revela 0 homem com seus atributos, bons ou maus, suas qualidades e defeitos de sempre.

    Era natural, pois, que, n u m pas de tantos bacharis e num a fase de predom inncia desses em tantos setores da vida social. M achado de Assis pusesse em cena, com freqncia, os g rad u ados em direito e procurasse com por os respectivos persona gens feio dos equivalentes mais com uns do seu meio, d an do-lhes a conotao que tinham no im aginrio popular. Sucede que, na figura de um Dr. M atos ou de um Dr. Camacho, reflete-se, inevitavelm ente, o conceito que se fazia, ento, dos cursos jurdicos - cursos livres em que os estudantes no esta- vam obrigados freqncia e a que os prprios professores no davam , m uitas vezes, m aior im portncia. Por isso, saam d a Faculdade de Direito, espritos diletantes com o o Azevedo,

    Resposta a Alfredo Pujol, na sucesso de Lafayette Rodrigues Pereira, que fora o segundo ocupante da cadeira de Machado de Assis {CAMPOS, Humberto de. Antologia da Academia Brasileira de Letras, vol. 18. Rio de Janeiro So Paulo - Porto Alegre; Mrito S.A., pgs. 330/331).

  • ENSIN O j u r d i c o , l i t e r a t u r a e t i c a

    o Estvo e o Jorge, para os quais o d iplom a era apenas um ornam ento ou u m sinal de status, e no um ttulo que os hab ilitasse atuao profissional. Eram bacharis com o tantos o u tros ou como toda gente... O utros traziam do seu curso pouco m ais do que as hum anidades ap rendidas no colgio e que o tem po passado na Faculdade perm itira aprim orar, po r meio de boas leituras. Esses iriam ostentar os frutos de um a cultura m ais ilustrativa do que p rofunda, mais genrica do que especializada. O u seriam esses bacharis, com o se costum ava d izer, especialistas em idias gerais, hbeis no dom nio da pala vra, capazes de p render a ateno dos interlocutores em qualquer assunto , fosse a meteorologia, fosse a botnica e, at, em alguns casos, o p rprio direito...

    A realidade dos tem pos atuais j no com porta, todavia, ba charis desse jaez. Antes de tudo , porque a v ida m oderna no perm ite desperdcios. O tem po, cada vez m ais, deve ser ap ro veitado, pelo hom em , intensam ente. V-se o ind iv duo na contingncia de atualizar-se, a cada dia, d ian te das transform aes vertiginosas que a cincia e a tcnica vo im pondo ao m undo . Q uem se dirige U niversidade deve ter u m objetivo bem definido, consciente de que h de preparar-se para en frentar os desafios do futuro. Formao e destino so, para o estudan te universitrio, um binm io indissocivel, que h de dom inar-lhe as preocupaes.

    A lm disso, deve haver para o acadm ico - particularm ente para o acadm ico de direito - a conscincia de que as opo rtun idades que se lhe oferecero no cam po profissional sero m ltiplas, mas speras e difceis. O direito tom ou-se m ais com plexo, com o surg im ento de novos ram os do conhecim ento jurd ico. A um entou consideravelm ente a concorrncia, entre os p ro fissionais. N ovas exigncias no plano da form ao cultural se

  • 38 PAULO R O BER TO DE G O U V A MEDINA

    im puseram . J no basta conhecer o direito: preciso conjugar ao conhecim ento jurdico o dom nio de um a lngua estrangeira; ter noes de poltica e de econom ia; adestrar-se no uso da inform tica - tu d o isso sem desprezar a form ao hum ansti- ca, baseada no estudo da histria e da literatura. N u m a poca em que tan tos derivativos afastam o hom em dos instan tes de isolam ento e de reflexo, e em que, po r isso, o au tod ida tism o j no encontra am biente propcio, com o outro ra , cresce a im portncia dos estudos sistem atizados, que s as Faculdades p o d em proporcionar. A freqncia s aulas assum e, p o r isso, papel re levante no ap ren d izad o e as lies (as boas lies) dos professores passam a ser condio de xito da form ao jurdica.

    O m undo, hoje como nunca, tende a reservar espao aos mais qualificados. O bacharel do fu turo no ter, seguram ente, nada em com um com o perfil que dele traou M achado de Assis ou com os depoim entos deixados acerca de sua formao por grandes nom es do direito, em nosso pas. E na tu ra l que assim seja. O hom em cam inha sem pre no rum o do aperfeioam ento.

  • E NSIN O j u r d i c o , L ITERATUR A E TICA 39

    DO BACHARELISMO A BACHARELICE: REFLEXOS DESSES

    FENMENOS NOS CURSOS JURDICOS, AO LONGO DO TEMPO

    Sumrio: 1 O ba chare lism o e a bachare lice : conce iluao . 2 A s cen so e dec ln io do bachare l em dire ito no cenrio po l t ico e soc ial. 3 A bachare lice dos ternpos a tua is e suas conseq nc ias . 4 C ons ide raes finais.

    1 O bacharelismo e a bacharelice: conceituaoO bacharelism o , em geral, descrito com o o fenm eno soci

    al caracterizado pela predom inncia do bacharel na vida do pas, ocupando ele posio preem inente na a tiv idade poltica e absorvendo funes alheias sua especialidade, falta de profissionais qualificados para exerc-las. N a fase de apogeu do bacharel, que vai do Segundo Im prio Repblica Velha, esse fenm eno tornou-se responsvel pela crena de que o ho m em do direito fosse um a espcie de factotum , apto a exercer quaisquer a tiv idades para as quais os estudos sociais se m ostrassem teis. E pelo m ito de que n ingum m elhor do que ele achava-se p reparado para dirigir a poltica e exercer os cargos

  • 40 P AU LO R O BER TO DE G O U V A MEDINA

    pblicos m ais im portantes. O dip lom a de bacharel no habilitava, apenas, para a profisso de advogado e as carreiras ju rdicas: era o instrum ento prprio para ingresso num a srie de outras atividades, como o jornalismo; o m agistrio, em diferentes nveis e matrias, especialmente no ensino de lnguas, da histria ou da geografia; a chefia de rgos pblicos a que se atribussem tarefas de ordem econmica ou para os quais se requeresse formao no cam po da sociologia ou das cincias sociais. N a vida pblica, o prestgio do bacharel s era contrastado, nas com unidades do interior do pas, pelo do coronel, p rotagonista de fenm eno sem elhante em term os de influncia poltica, que foi o do coronelsmo.

    N u m sentido restrito, atribudo a um a forma de com porta m ento do bacharel na vida pblica, o bacharelism o j foi definido como a tcnica jurdica aplicada especialmente realidade po- ltica'^'^. O te rm o , a s s im , u s a d o em c o n t r a p o s i o ao jurisdicismo, que seria um a espcie do gnero, de caractersticas diversas do bacharelismo clssico, porque enquan to este tende a fazer da lei um instrum ento de atuao poltica, fada do a am oldar os fatos s norm as, aquele teria um a viso inovadora do ordenam ento jurdico, voltando-se preferentem ente para o direito e procurando, po r meio dos seus princpios, forjar as transform aes sociais. Da po r que o bacharel, p ro p ria m ente, seria um hom em mais da lei do que do direito, revelando, quase sem pre, um perfil conservador, ao passo que o jurista, a tuando no meio poltico ou pontificando na doutrina , revelaria m aior capacidade criativa e inovadora, a inda que nem sem pre no sentido progressista. Estabelecendo esse contraste entre o bacharelismo e o jurisdicismo, Afonso Arinos de Melo

    MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Escalada. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympio, 1965, pgs. 48/50,

  • E NSIN O JU RD ICO , L ITERATUR A E TICA 41

    Franco aponta como nom es que representariam a prim eira categoria Rui Barbosa, Epitcio Pessoa, Afrnio de Melo Franco, Prado Kelly e Pedro Aleixo, entre outros; e enquadra na segunda Tobias Barreto, Pedro Lessa, Pontes de M iranda, Gilberto A m ado e Francisco Campos^".

    N a sua acepo com um , no entanto, o bacharelism o indica, s im plesm ente, o p rim ado do bacharel no plano social, poltico e cultural. Sujeito a desvios e contrafaes, esse fenm eno pode tom ar um a form a caricatural, que a da bachardice. O termo, evidentem ente, tem sentido pejorativo^, defin indo a afetao de quem procura com portar-se como bacharel, valendo-se de um pa lavreado vazio e pretensioso, para dem onstra r falsa eloqncia. O registro desse term o no nosso lxico significativo, po rque ele d, em si m esm o, a d im enso da im portncia do bacharel, reconhecida como de tal o rdem que se fez m ister de finir o outro lado do bacharelismo, o reverso dessa m edalha de duas faces, que o do falso bacharel, o do ind iv duo em penhado em seguir-lhe o m odelo e levado, assim, a p ro tagonizar fenm eno diverso, de conotao ridcula.

    A partir do significado que lhe do os dicionrios, pode-se tom ar o term o bacharelice, pois, para definir tam bm o bacharel m al form ado, cujo artificialismo se revela na pose e na linguagem , podendo tornar-se, m esm o, um arqutipo imitado, ainda que inconscientemente, por aqueles que buscam formar- se de qualquer jeito, valendo-se das facilidades que tantas escolas para isso oferecem. O protagonista desse segundo fenm eno no deixar de trair, contudo, sua precria form ao cul-

    "O b. ct... 48 pg.

    V. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa, verbete bacharelice, como pejorativo de bacl^are- lismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

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    tural no prim eiro contato que m antiver ou no prim eiro ato que praticar, na condio de bacharel em direito. Logo se ver, en to, estar-se d iante de algum que representa a caricatura do bacharel em direito.

    Com o se ver, a seguir, se o bacharelism o influ iu na criao das nossas prim eiras Faculdades de Direito e na expanso inicial do ensino jurdico, em nosso pas, hoje, a proliferao indiscrim inada de cursos se d, em grande parte, ao influxo dessa tendncia de form ar bacharis outrance. O espectro da bacharelice , p o r isso, atualm ente, m uito m ais am eaador do que ter sido, no passado, ao ver de alguns, o im pacto do ba charelismo sobre a nossa sociedade.

    2 Ascenso e declnio do bacharel em direito no cenrio poltico e social

    N ingum m elhor do que Gilberto Freyre estudou a ascenso do bacharel na sociedade brasileira. Dedicou-lhe, alis, um captulo do seu livro Sobrados e Miicambos^^, onde m ostra que a form ao da sociedade urbana, no Brasil, com o surg im ento dos sobrados em contraposio s antigas casas-grandes, re velou tam bm o advento de uma nova nobreza: a dos doutores e bacharis, talvez mais que a dos negociantes ou industriais^^.

    Escreve, a esse respeito, o em inente socilogo:

    A a s c e n s o d o s b a c h a r is b ra n c o s s e fe z ra p id a m e n te n o m e io

    p o lt ico , e m pa rt icu la r, c o m o n o socia l, em ge ra l. O c o m e o do

    re in a d o d e P e d ro II o q u e m arca , e n tre o u tra s a lte ra e s na

    f is io n o m ia b ra s ile ira : o c o m e o do "ro m a n tism o ju r d ic o " n o B ra -

    Sobrados e i[/1ucambos. 2 ^tomo, Captulo XI - Ascenso do Bacharel e do Mulato, 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympio, 1977, pg. 573.

    Ob. e tomo cits,, pg. 574.

  • ENSIN O JU RD ICO . L ITERATUR A E ETtCA 43

    s//, a t e n t o g o v e rn a d o m a is p e lo b o m s e n s o dos ve lh o s que p e lo s e n s o ju r d ic o dos m o p o s * '.

    Para isso tero contribudo o feitio e as inclinaes intelectuais do Im perador, a cujo estmulo m uito deve, sem dv ida , o prestgio granjeado pelo bacharel. Basta recordar que foi nos prim eiros tem pos de seu reinado que su rg iu o Instituto dos A dvogados Brasileiros, criado por Aviso do M inistro da Justia, de 7 de agosto de 1843 e instalado solenem ente a 7 de setem bro do m esm o ano, no salo nobre do Im perial Colgio Pedro II, no Rio de Janeiro^^. Nos anos seguintes, m ostrando a im portncia que atribua aos trabalhos do Instituto, Dom Pedro II, po r m ais de um a vez, com pareceu a sesses da en tidade dos advogados - mais tarde, alis, transform ada em Instituto da O rdem dos A dvogados Brasileiros e tornando-se, assim, o em brio da O rdem dos A dvogados do Brasil. A inda hoje se conserva, na sede do lAB, no Rio de Janeiro, a cadeira im perial, ali reservada a Pedro II. Razes no faltavam, pois, para que Gilberto Freyre afirm asse que ningum foi mais bacharel nem mais doutor neste Pas que Dom Pedro II. Nem menos indgena e mais europeu. Seu reinado fo i o reinado dos Bacharis^^'.

    R eproduzindo trechos das M em rias de D om R om ualdo Seixas, conta o m aior dos nossos socilogos curioso episdio m otivado po r grave crise que atravessava, em determ inada poca, a provncia do Par, quando certo D eputado props que para l se m andassem carne, farinha e Bacharis. A duziu , a esse propsito , 0 citado memorialista expressivo comentrio:

    Ob. e tomo cits., pg. 574.

    Histria da Ordem dos Advogados do Brasil, vol. ^ - O l A B e os Advogados no Imprio, pgs. 20/ 21. Edio do Conseltio Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Coordenador Hermann Assis Baeta; Pesquisadoras Lcia Maria Paschoal Guimares e Tnia Bessone.

    Ob. e tomo cits., pg. 575.

  • 44 PAULO R O BER TO DE G O U V A MEDINA

    P a re c e u c o m e fe ito irr is r ia a m e d id a ; m a s re f le t in d o -s e um

    p o u c o v -se q u e o s do is p r im e iro s so c o rro s e ra m o s m a is p r

    p r io s p a ra c o n te n ta r o s p o v o s o p r im id o s d e fo m e e m is ria e o

    te rce iro n o m e n o s va lio so p e la m g ic a v ir tu d e q u e te m u m a

    c a r ta d e B a c h a re l q u e tra n s fo rm a o s q u e t m a fo r tu n a de

    a lc a n - la e m h o m e n s e n c ic lo p d ic o s e a p to s p a ra tudcf'' .

    Nesse contexto, com preensvel que, m esm o nos prim eiros tem pos da Repblica, m uitas famlias m antivessem a tradio de enviar seus filhos para as escolas de direito como forma de permitir-lhes ascenso social ou criar para eles um veculo de prestgio o que com o tempo se estendeu aos demais cursos de nvel superior no Brasil - os de medicina e engenharia embora em menor escala^^. Gilberto A m ado, em inente d iplom ata e professor de direito^ revela, em suas M emrias, em tom bastante significativo, que, tendo concludo o curso de Farmcia, na Bahia, a inda adolescente, sua famlia, depois de a lgum a hesitao quanto a faz-lo estabelecer-se com o boticrio, em Sergipe, resolveu m and-lo para o Recife, "para estudar direito e ... ser Deputado FederaP'^ Cuidava-se de descortinar-lhe futuro certam ente m ais prom issor, assegurando-lhe, por meio do diplom a de bacharel, a chave que lhe abriria o cam inho da vida pblica. E isso, efetivam ente, se verificou, porquan to o intelectual sergipano tornar- se-ia, sucessivam ente. D eputado e Senador pelo seu estado, depois de conquistar, m uito jovem, a ctedra de Direito Penal, na Faculdade em que se formara.

    Bem se com preende esse projeto de vida de Gilberto A m ado quando se tem em vista a observao feita p o r Joaquim

    Ob. e tomo cits,, pg. bidem.

    Tnia Bessone, in Dicionrio do Brasil Imperial, direo de Ronaldo Vanfas, verbete bacharehs- mo, pgs. 68/69. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

    Histria da Minha infncia, 226 pg.

  • ENSIN O j u r d i c o , L ITERATUR A E TICA 45

    N abuco sobre a poca em que o C onselheiro jos Thom az N abuco de Arajo, seu pai, estudara, no Recife, m uitos anos antes. J ento - diz o filho ilustre e bigrafo do eminente jurista e hom em pblico do Imprio - as faculdades de direito eram ante- salas da Cmara^^. A carreira poltica foi, de fato, po r m uito tempo, um a opo natural para os bacharis em direito, como um a das vertentes de sua atuao, ao lado da advocacia, da m agistratura e do ministrio pblico. Estas ltim as representavam , no raro, o estdio inicial de um a trajetria cujo escopo era, na verdade, o exerccio do m andato parlamentar. Joo Neves da Fontoura - exemplo tpico dobacharel-poltico -, d izendo que os advogados, por essa poca, formavam uma espcie de patriciado intelectual, aduz, a esse respeito, expressiva observao:

    O d ip lo m a de b a c h a re l e m D ire ito ab ria to d as a s po rtas , s o b re tu

    do q u a n d o o va lo rizavam p re d ica d o s de c a p a c id a d e e m s e u p o r

    ta d o r e q u a nd o es te e xe rce ra co m d e s ta q u e a p ro f is s o de a d v o

    gado. A linha q u a se inva rive l p a rt ia do fo ro p a ra a p o l i t ic s ^ ' .

    A presena dom inante do bacharel em m ltip los setores j era um a realidade, no Imprio, m uitas vezes transposta para pginas de fico literria, como aconteceu, sobretudo, na obra d e M a c h a d o d e A ssis . O b se rv o u -o , co m p r o p r ie d a d e , R aim undo Faoro, ao com entar a presena do bacharel nos ro m ances e contos do grande escritor:

    O b a c h a re l es t em toda p a rte : p o lt ico , jo rn a lis ta , o rador, a d vo -

    NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Imprio. Volume nico. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975, pg. 52.

    Wemdrs, volume Borges de Medeiros e seu Tempo. Rio de Janeiro-Porto Alegre-So Paulo: Globo, 1958, pg. 139.

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    g a d o p ro f is s io n a l, e m p re g a d o p b lico . D o m tn a -o u m a a u r o la

    supe rio r, de a s p ira n te c re d e n c ia d o m o de u m a h e rd e ira rica

    ou a um a ca d e ira o p a ria m e n to . O b a c h a re l p o b re , e m p re g a d o

    n u m a re p a r t i o p b lic a o u e n tre g u e a um a p ro m o to r ia , g u a r

    da. ju n to c o m o d ip lo m a , o b a s t o do fu tu ro , n o h ip o t t ic o e c o b i a d o m i n i s t r ^ .

    O perfil do bacharel em direito como protagonista do fenm eno social do bacharelism o era, pois, o de um cidado ap to a exercer no s as atividades de natureza jurdica, m as tam bm as concernentes ao exerccio de m andatos parlam entares e de cargos pblicos, em geral. C orrespondia esse tipo de bacharel aos objetivos traados para os nossos prim eiros cursos jurd icos pelos estatu tos do Visconde da Cachoeira, Jos Lus de C arvalho e Melo. Segundo tais estatutos - e laborados, em 1825, para um curso que se p retendia instalar no Rio de Janeiro, mas que acabaram adotados, provisoriam ente, para as Faculdades de So Paulo e O linda, criadas em 1827 os cursos de direito destinavam -se a form ar homens hbeis para serem um dia sbios magistrados e peritos advogados de qiie tanto se carece e ou tros que possam vir a ser dignos Deputados e Senadores [ou] para ocuparem os lugares diplomticos e mais empregos do Estado^^.

    C om preende-se que isso ocorresse num a poca em que a formao de nvel superior era, ainda, m uito restrita e o curso de direito tinha a m isso de cobrir toda a rea dos estudos sociais, habilitando os seus g raduados a a tuar em diferentes setores ou, m esm o, a lecionar disciplinas que com o seu feitio cultural guardavam , apenas, vagas afinidades. Era natural.

    f^^achado de Assis: a pirmide e o trapzio. 4. ed, So Paulo: Globo, 2001, pg. 326.

    Alberto Venncio Filho. Das Arcadas ao Bacharelismo. So Paulo: Perspectiva, em co-edio com a Secretaria da Cultura, Cincia e Tecnologia do Estado de So Paulo, s/d., pgs. 30/31.

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    assim, que m uitos acorressem aos cursos jurdicos sem um a vocao definida ou m ovidos por interesses estranhos formao profissional. Havia aqueles que estavam em busca de um dip lom a que lhes desse certo status social; outros, p rova velm ente vocacionados para o estudo da cincia poltica, da histria, da filosofia ou da sociologia, dirigiam -se s faculdades de direito com o simples intuito de obter, ao m enos, a base d isponvel que a cincia jurdica lhes poderia proporcionar para, sobre ela, erguer, m ais tarde, num esforo de au to d id a tas, o arcabouo de sua formao cultural. Isso explica porque tantos egressos dos cursos jurdicos se desviavam dos cam inhos profissionais que o direito lhes descortinava.

    M esm o em relao a esse perodo inicial - que foi o do apo geu do bacharelism o -, a m uitos parecia ociosa a form ao de u m grande nm ero de bacharis em direito, quando era sabido que boa parte deles no iria aplicar a cincia ap rend ida nas faculdades de direito. Um dos crticos m ais ferinos desse p a noram a que se estendeu desde o Segundo Im prio at, pelo m enos, a Prim eira Repblica, foi um bacharel cujo perfil bem se am oldava ao segundo tipo de no vocacionados pa ra o direito, acima referido - o historiador Srgio Buarque de Holanda. Escreveu o au tor de Razes do Brasil, obra cuja prim eira edio data de 1936;

    A s n o s s a s a c a d e m ia s d ip lo m a m to d o s o s a n o s c e n te n a s de

    n o v o s b a ch a r is , q u e s e x c e p c io n a lm e n te fa r o uso, na vida

    p r tica , d o s e n s in a m e n to s re c e b id o s d u ra n te o c u rs o ^ .

    Talvez p o r isso - ou por no perceber bem a m isso cum pri-

    Raizes do Brasil. 26. ed, So Paulo: Companhia das Letras, 1995, pg. 156.

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    da pelos nossos cursos de direito, no prim eiro sculo de sua existncia no Brasil o citado escritor m anifestou ponto de vista extrem am ente negativo com relao ao fenm eno social de que estam os tratando, a ponto de qualific-lo como a praga do bacharelsmo^^.

    Mais sensvel a essa realidade e com um juzo crtico mais com preensivo em relao ao bacharelismo, no Imprio, m ostrou-se R aim undo Faoro, na seguinte anlise que desenvolve:

    0 b achare l, o p r - ju iz , o p r -p ro m o to r, o p r -e m p re g a d o , a v s p e ra do de p u ta d o , s e n a d o r e m in is tro n o c r ia m a o rd e m s o c ia l

    e p o lt ica , m a s s o s e u filho leg tim o . O s is te m a p re p a ra e s c o

    la s p a ra g e ra r le tra d o s e bachar is , n e c e s s r io s bu ro c ra c ia ,

    re g u la n d o a e d u c a o de a c o rd o c o m s u a s e x ig n c ia s soc ia is .

    E le s n o s o f lo re s d e es tu fa de um a v o n ta d e e x tra va g a n te ,

    m a s a s p la n ta s q u e a p a is a g e m requer, a te s ta n d o p e lo p re s t

    g io q u e lh e s p ro d ig a liza , s u a a d e q u a o a o te m p c ^^ .

    A despeito do g rande prestgio dos bacharis no Imprio, o ensino jurdico, nessa fase de nossa histria, perm aneceu concentrado nas Faculdades de So Paulo e de Recife (esta, origi- nariam ente, instalada em Olinda e transferida para a capital de Pernam buco em 1854), som ente se expandindo aps a p ro clamao da Repblica, quando, dos prim eiros anos do novo regim e at 1910, se criaram as Faculdades d a Bahia, do Rio de Janeiro, de M inas Gerais, do Rio G rande do Sul, do Par e do A m azonas, nas respectivas capitais^^. O bacharelism o, po rtan to, no fom entou a expanso dos cursos jurdicos, que foram

    Ob. e pg. cits.

    0$ Donos do Poder vol. 1.4. ed. Porto Alegre: Globo, 1977, pg. 388. Cf. Alberto Venncio Filho, ob. cit.. pgs. 185/208.

  • ENSIN O JURDICO , L ITERATUR A E TICA

    surg indo em ritm o norm al, na proporo que as condies locais ensejavam a criao de novas Faculdades.

    A influncia dessas prim eiras instituies de ensino jurd ico sobre a vida do pas foi, contudo, m arcante, a revelar a im portncia do bacharel ao longo da nossa histria, desde o Segundo Im prio at os prim eiros cinqenta ou sessenta anos da Repblica. Isso levaria Pedro Lessa, a inda em 1896, a proclam ar, enfaticam ente, em discurso de paraninfo:

    A p a g u e -s e a h is t r ia d a s a c a d e m ia s ju r d ic a s do B ra s il e a h is t ria do B ra s il se r u m enigme^ ^ .

    Costum a-se apon tar a Revoluo de 1930 como m arco a p a r tir do qual comea a manifestar-se o declnio do bacharelis- mo^^. E certo, porm , que, durante alguns anos, aps a queda da Primeira Repblica, a influncia dom inante do bacharel ainda subsistiu e o seu prestgio no meio social e poltico pe rm a neceu. U m dos partidos polticos mais fortes da Segunda Repblica - a Unio Democrtica Nacional (UDN) -, criado em 1943, ficou, alis, conhecido como o "partido dos bacharis"^'.

    Apud Alberto Venncio Filho, ob. cit., pg. 164, nofa n - 1.

    Afonso Arinos de Melo Franco, no entanto, fixa o termo da predominncia do bacharelismo na vida do pas em anos bem anteriores. Segundo o eminente constitucionalista e historiador, essa predominncia se deu At o principio do sculo, digamos al o governo Afonso Pena, quando o bacharelismo realmente vigorou na vida do pas e, por conseqncia e com maioria de razo, dentro das Faculdades de Direito (A Alma do Tempo. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympic, 1961, pgs. 78/80).^A UDN reunia em seus quadros advogados de nomeada, como Milton Campos {ex-Presidente da Seccional de Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil}, Pedro Aleixo, Valdemar Ferreira (os trs foram tambm professores de direito}, Raul Fernandes (ex-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), Prado Kelly (tambm ex-Presidente do Conselho Federal da OAB), Adauto Lcio Cardoso, Clio Borja (os trs ltimos, depois. Ministros do Supremo Tribunal Federal); eminentes professores de direito, como Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Oscar Dias Corra (tambm esses trs foram Ministros do Supremo); Afonso Arinos de Melo Franco, Alosio de Carvalho Filho, Alberto Deodato; bacharis que se destacaram como juristas, a exemplo de Oswaldo Trigueiro (que veio a ser Procurador-Geral da Repblica e Ministro do Supremo) e Odilon Braga,

  • 50 P AU LO R O BER TO DE G O U V A MEDINA

    Fora dos quadros da U D N vrios outros bacharis em inentes, que a tuaram como advogados ou professores de direito, contribu ram para p reservar o esprito do bacharelism o, no regim e da Constituio de 1946, que foi aquele em que a vida poltica do pas teve m ais brilho e os partidos polticos revelaram maior representatividade^^. C om a crescente influncia de p ro fissionais de outras reas, sobretudo os econom istas, e especialm ente a partir do governo de Juscelino Kubitschek, o bacharelismo acabou perdendo o seu prim ado. Essa situao se refletiria, at m esm o, na perda de im portncia do M inistrio da Justia em favor do M inistrio da Fazenda, com o anotou o historiador e jornalista Luiz Felipe de Alencastro em prim oroso artigo, ''Elogio do Bacharelismo''^^.

    O bacharelism o deixou sua m arca no ensino jurdico. As Facu ldades de Direito foram as m atrizes desse fenm eno social caracterizado pelo predom nio do bacharel. E isso s ocorreu porque elas souberam criar, quela poca, o am biente cultural e poltico indispensvel a que ele florescesse. D ando aos es tu dantes form ao em cincias jurdicas e sociais, no se limitan-

    Assim, exemplificativamente, no Partido Social Democrtico (PSD); Fernando de Mello Vianna (que foi 0 segundo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), Nereu Ramos (professor de direito), Gustavo Capanema, Tancredo Neves, Jos Maria Alkmin, Vieira de Melo, Cirilo Jnior (professor de direito), Ulisses Guimares; no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB): Alberto Pasqualini e San Tiago Dantas (professor de direito); no Partido Socialista Brasileiro (PSB); Joo Mangabeira e Hermes Lima (que, depois, se transferiu para o PTB; professor de direito, o segundo veio a ser, subseqentemente, Ministro do Supremo Tribunal Federal); no Partido Democrata Cristo (PDC): Andr Franco Montoro (professor de direito); no Partido Liberal (PL): Lus Viana Filho (professor de direito). Sem ntida vinculao partidria, mas de meritria atuao na poltica, merecem lembrados os nomes de Joo Neves da Fontoura, Oswaldo Aranha e Carvalho Pinto (professor de direito).As referncias feitas nesta e na nota anterior podem ser conferidas no Dicionrio Histrico-Biogr- fico Brasileiro (1930-1983), editado sob a coordenao de Isabel Beloh e Alzira Alves de Abreu. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas-Cpdoc/Forense Universitria, 1984.

    Artigo publicado na revista Veja, de 17/2/1999 e reproduzido no livro Ponto de Vista, de Luiz Felipe de Alencastro et alii. So Paulo: SENAC, 2000, pg. 133.

  • ENSIN O JU RD ICO , L ITERATURA E ETICA 51

    do a a tua r com o instituies destinadas ao ensino das leis, mas, ao revs, assegurando, alm do espao das salas de aulas, oportun idade de livre debate dos grandes tem as nacionais, as nossas instituies de ensino jurdico foram o cenrio em que ju ristas e polticos da poca ensaiaram os passos que os transform ariam em pro tagonistas do bacharelism o - fenm eno po r vezes to estigm atizado, mas que, sem dv ida , tanta im portncia teve para o pas. E sobre a poltica de ensino, no cam po jurdico, no deixou de exercer influncia o bacharelism o, na m ed ida em que fez com que aquele se desenvolvesse em consonncia com o prestgio desfrutado pelo grau de bacharel, cuja vulgarizao teve o mrito de evitar.

    3 A bacharelice dos tempos atuais e suas conseqncias

    Bem ao contrrio do bacharelism o, as conseqncias da bacharelice que grassa pelo pas tm sido extrem am ente nocivas ao ensino jurdico.

    A proliferao indiscrim inada de cursos jurdicos motivo de sria preocupao, pelo ritm o em que se processa e pelas causas que a determ inam . Em 1994 - inform a Aurlio W ander Bastos - 0 Brasil tinha cerca de 220 cursos (20% em escolas pblicas e 80% em particulares) de direito~K De ento pa ra c, esse n m ero triplicou. So, hoje, 828 os cursos jurdicos em funcionam ento, em todo o territrio nacional. A lguns deles acham-se instalados em cidades com populao inferior a 30.000 habitantes, que no oferecem a infra-estrutura m nim a para as atividades de um curso de direito. Outros multiplicam-se em grandes centros urbanos, m uito alm da dem anda que neles possa

    0 ens/no jurdico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, pg. 304,

  • 52 PAULO RO BER TO DE G O U V A MEDINA

    existir, oferecendo vagas num erosas, para cujo preenchim ento as instituies responsveis so levadas a afrouxar os critrios de seleo dos candidatos. O excesso de cursos e de vagas gera um a concorrncia entre as escolas que, no raro, extrapola os limites da p ro p ag an d a e com prom ete os princpios ticos que deveriam presid ir o ensino. As instalaes fsicas nem sem pre se m ostram adequadas m inistrao do curso, havendo notcias de alguns que convivem, no m esm o local, com atividades de outra natureza, incom patveis com a austeridade do ensino. Im provisam -se professores para suprir a regncia de certas disciplinas, porque aqueles que figuram no quad ro docente oficial, m uitas vezes, esto vinculados a outra instituio, em cidade distante, lim itando-se, assim, a dar nome m atria, sem elhana do regim e outrora adotado para as farmcias.

    M uitas razes se buscam para justificar essa expanso de sordenada dos cursos jurdicos: a) a livre iniciativa no cam po do ensino, que a Constituio assegura; b) a circunstncia de os cursos jurdicos no se destinarem form ao especfica de advogados ou m esm o ao exerccio de carreiras jurdicas, mas, sim, g raduao de bacharis em direito; c) a m otivao espe cial que a Constituio de 1988 atribuiu ao estudo do direito, na m ed ida em que valorizou a cidadania; d) o fato social hoje verificado com o ingresso de pessoas da terceira idade nas instituies de ensino superior.

    Essas razes ou so falaciosas ou no tm, po r si ss, a relevncia pretendida.

    Realmente, a Constituio proclam a que O ensino livre iniciativa privada (art. 209), mas logo acrescenta: atendidas as condies estabelecidas no referido artigo, a primeira das quais a do "cumprimento das normas gerais da educao nacional". O ra, estas podem - e devem - fixar critrios para a autorizao dos cursos

  • ENSIN O j u r d i c o . L ITERATUR A E TICA 53

    pelo Poder Pblico - autorizao essa que constitui a segunda condio prevista, no m esm o artigo, para o adven to de novos cursos. E entre esses critrios no pode deixar de figurar o da necessidade social. Esta h de ser aferida no propriam en te em funo da dem anda do m ercado, m as das condies socioeco- nm icas existentes na cidade em que se p re tenda instalar de term inado curso de direito. Im porta verificar, antes de tudo, se, sob esse aspecto, a regio em que se localizar o curso, pe las suas peculiaridades, estaria, efetivamente, a reclam ar a instalao de u m curso de direito ou se, p a ra o seu desenvolvim ento e de acordo com sua vocao econmica, m ais recom endvel seria a abertura, ali, de um curso superio r de outra rea do conhecim ento (agronomia, por exemplo) ou m esm o de um curso tecnolgico. C um pre, em seguida, ap u ra r se, na cidade, h j instalada um a rede de ensino m dio satisfatria. E mais: se o Foro local apresenta d im enso com patvel com o novo curso; se poder-se- contar, ali, com suficientes cam pos de estgio; se a cidade dispe de livrarias e bibliotecas especializadas. Em se tra tando de um grande centro, onde j haja outros cursos em funcionam ento, ser preciso aferir a relao candid a to /v a g a nos ltim os vestibulares abertos pelos cursos existentes, verificando-se, depois, conform e o caso, se o novo curso trar um trao diferencial no respectivo currculo capaz de justificar-lhe a criao. Tudo isso com pe o que, no m bito da Com isso de Ensino Jurdico do Conselho Federal da OAB, se qualifica de necess