Ensino de Literatura e a Condição Humana
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O ENSINO DA LITERATURA E A CONDIO HUMANA
Jaquelnia Aristides Pereira
Maria Valdenia da Silva
Universidade Estadual do Cear UECE /FECLESC
RESUMO
Este artigo ressalta algumas reflexes sobre o ensino da literatura e a condio humana,
tendo como base terica, as ideias de Edgar Mirun, notadamente, as coligidas no livro
Os sete saberes necessrios Educao do Futuro, no qual a condio humana posta
como o ponto fulcral para a educao. Consideramos ainda como suporte, os estudos de
Antonio Candido relativos literatura como um direito e uma necessidade, ressaltando
o seu carter humanizador. O objetivo precpuo deste texto evidenciar a literatura
como uma das artes responsveis pela formao no apenas de leitores, todavia, de
seres conscientes de suas potencialidades humansticas. Nesse sentido, destacamos a
literatura infanto-juvenil brasileira que tem exercido essa funo humanizadora de
forma bastante expressiva.
Palavras-chave: ensino, literatura, humanizao
O processo de modernizao do mundo, a partir da Revoluo Industrial, e a
supremacia das altas tecnologias e das mercadorias sobre o humano tm despertado a
ateno de muitos intelectuais que se preocupam com o destino dos homens, com a
formao humana e com a educao. o caso do educador francs Edgar Morin, que
entre seus postulados para a educao de hoje defende o princpio de que deve ser
superado o problema da fragmentao dos saberes em funo da reintegrao humana:
Para a educao do futuro necessrio promover grande
remembramento das cincias naturais a fim de situar a condio
humana no mundo, (...) bem como integrar a contribuio
inestimvel das humanidades, no somente a filosofia, a histria,
mas tambm a literatura, a poesia, as artes (MORIN, 2000,
p.46).
Ao postular a valorizao de uma cultura humanstica, Morin a conceitua como
uma cultura que pela via da filosofia, do ensaio, do romance, alimenta a inteligncia
geral, enfrenta as grandes interrogaes, estimula a reflexo sobre o saber e favorece a
integrao pessoal dos acontecimentos (MORIN, 2005, p.17).
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Os estudos de Morin sobre a educao mostram tambm que as disciplinas
fechadas em si mesmas no do conta da circularidade inerente ao processo cognitivo e
de anlise. Ele prope, ento, que se caminhe no sentido de procurar sempre as
relaes e inter-retro-aes entre cada fenmeno e seu contexto, as relaes de
reciprocidade todo/partes.
Nesta perspectiva, a literatura apresenta essa particularidade de abertura, ao
promover a interseco com outras formas de arte ou conhecimento, abrindo-se para
outras formas de experincia humana. exatamente por isto que Morin a elege como a
arte que pode modificar o ensino e, conseqentemente, o conhecimento humano.
luz desse pensamento e ainda com base na formulao de Antonio Candido
(2004) sobre a literatura como fator de humanizao, notamos a necessidade premente
de valorizar o ensino da literatura, na Educao Bsica, atravs da leitura do texto
literrio, como requisito fundamental formao de leitores e formao humana
desses leitores, aspectos centrais da relao literatura e ensino. Isto porque fato
notrio que, na maioria das vezes, a escola trabalha a leitura literria, desvinculando-a
da realidade e das expectativas e necessidades dos alunos. Alm disso, as prticas de
ensino de literatura, por muito tempo, foram reduzidas viso historicista e/ou
biogrfica, concentrando-se no estudo de estilos literrios sem a vivncia com a obra
literria, quando muito, os alunos liam fragmentos trazidos pelos manuais didticos.
Este tipo de ensino privilegiou a informao em detrimento da formao, na linha do
que destaca Edgar Morin, quando retoma a assertiva de Montaigne a respeito de uma
cabea bem feita comparada a uma cabea bem cheia:
O significado de uma cabea bem cheia bvio: uma cabea
onde o saber acumulado, empilhado e no dispe de um
princpio de seleo e organizao que lhe d sentido. Uma
cabea bem feita significa que, em vez de acumular o saber,
mais importante dispor ao mesmo tempo de:-- uma aptido geral
para colocar e tratar os problemas; -- princpios organizadores
que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. (MORIN,
2005, p. 21)
As palavras de Morin possibilitam a reflexo sobre a situao em que muitas de
nossas escolas se encontram quando no atentam para a formao de seres pensantes e
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criativos, capazes de produzir sentidos ao que leem, capazes de articular a realidade do
texto lido vivncia com o real, ao mesmo tempo em que ignoram o potencial do texto
literrio para o desenvolvimento da educao para a sensibilidade.
Ao tratar da cultura das humanidades, o estudioso francs afirma que o estudo da
linguagem, atravs das formas literrias, leva o homem diretamente ao carter mais
original da condio humana, pois, pelo poder da linguagem, a poesia pe o fruidor em
comunicao com o mistrio, que transcende a palavra, levando-o a experimentar a
dimenso esttica da existncia e a ver o mundo com um olhar inaugural.
Alm disso, no se ignora que pelas obras que lem, os leitores so influenciados
e influenciam a sociedade a partir das interpretaes que elaboram para as leituras,
configurando um processo dialtico, pois, como salienta Umberto Eco (1981, p.80),
um texto no apenas se apia numa competncia, mas tambm contribui para cri-la.
Antonio Candido no ensaio Direito literatura nos adverte que a fruio da
arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os nveis um direito
inalienvel (CANDIDO, 2004, p.191). Concebida tambm como fator indispensvel de
humanizao, a literatura se constitui no somente como um direito, mas como uma
necessidade de equilbrio do homem e da sociedade. Neste aspecto, vale destacarmos
que o conceito de humanizao, defendido por Candido, nos possibilita relacion-lo s
reflexes de Edgar Morin, das quais retiramos a sustentao terica para este trabalho:
Entendo por humanizao o processo que confirma no homem
aqueles traos que reputamos essenciais, como o exerccio da
reflexo, a aquisio do saber, a boa disposio para com o
prximo, o afinamento das emoes, a capacidade de penetrar nos
problemas da vida, o senso da beleza, a percepo da
complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A
literatura desenvolve em ns a quota de humanidade na medida
em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a
sociedade, o semelhante ( CANDIFO, 2004. p.180).
Analisando ainda o fenmeno literrio e seus efeitos, Antonio Candido expe a
complexidade advinda de sua natureza, distinguindo trs faces: (1) ela uma construo
de objetos autnomos como estrutura e significado; (2) ela uma forma de expresso,
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isto , manifesta emoes e a viso do mundo dos indivduos e dos grupos; (3) ela
uma forma de conhecimento, inclusive como incorporao difusa e inconsciente.
(CANDIDO, 2004, p.176).
O modo como as produes literrias atuam sobre o homem ocorre mediante a
juno das trs faces apontadas por Candido, isto , elas so construes, formas de
expresso e formas de conhecimento. Conforme ainda Antonio Candido, quando o
homem se apropria da poderosa fora da palavra organizada, ordena melhor sua mente e
seus sentimentos e, consequentemente, pode organizar melhor a viso de mundo que
tem.
Em A cabea bem-feita, Morin defende a literatura como uma das fontes de
experincias de verdade:
no romance, no filme, no poema, que a existncia revela sua
misria e sua grandeza trgica, com o risco de fracasso, de erro,
de loucura. na morte de nossos heris que temos nossas
primeiras experincias da morte. , pois, na literatura que o
ensino sobre a condio humana pode adquirir forma vvida e
ativa, para esclarecer cada um sobre sua prpria vida. (MORIN,
2005, p. 49)
Alm de propiciar certas experincias atravs da vida de um ser fictcio, a
literatura permite a vivncia com realidades que, muitas vezes, se afastam do rigor das
prticas desempenhadas socialmente. Essa vivncia de liberdade singular propicia ao
leitor certo estado de lucidez ou de devaneio que o aproxima da criana em seu olhar
inaugural das coisas, produzindo sentidos, que fogem lgica habitual, ao mesmo
tempo em que revela o lado oculto de certas verdades automatizadas.
Nesse sentido, a Literatura um dos objetos de conhecimento fundamentais ao
processo de formao humana, possibilitando, atravs de suas obras, a discusso, na
comunidade de leitores, de certos preconceitos e atitudes vigentes, numa dinmica em
que prevalece o sentimento de liberdade sobre o leitor, medida que lhe d o direito de
fazer seus prprios juzos sobre os fatos que apresenta e permite a criao de
suplementos de leitura, na acepo de Iser (1999).
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A literatura infanto-juvenil brasileira, desde Monteiro Lobato e Ceclia Meireles,
tem constitudo um bom exemplo de arte humanizadora, sendo um dos instrumentos
indispensveis ao desenvolvimento intelectual e afetivo de crianas e jovens,
alimentando os seus sonho e cultivando-lhes o esprito mgico e o poder e reflexo,
sufocados no mago das sociedades modernas, sociedades que assistem desintegrao
do sujeito, da arte e dos valores.
Materializada em diversas formas literrias, no gnero narrativo, lrico,
dramtico, entre outros, e inspirada nos clssicos universais e no legado da tradio oral,
a nossa literatura infanto-juvenil atravs de nomes como Ana Maria Machado, Lgia
Bojunga e Bartolomeu Campos de Queiroz, entre outros, tem dado a sua contribuio na
educao humanstica do homem, aos moldes do que propem Edgar Morin e Antonio
Candido, ajudando o infante a encontrar significados para a vida, conforme Betelheim
(1980), a transcender os seus retratos anteriores, e a participar efetivamente da
comunidade humana como homo ludens, aestticus, faber , do sonho e do delrio,
reintegrado nas teias de uma identidade plural, como acontece, no geral, com as
narrativas infantis de Ana Maria Machado, como De olhos nas penas, Bisa Bia Bisa Bel,
Raul da Ferrugem Azul, entre outras.
No entanto, para que as virtualidades das obras de Ana Maria Machado e de
outros escritores de literatura infantil sejam concretizadas, junto aos leitores,
imprescindvel que na sala de aula o professor conjugue os preceitos filosficos e
educacionais postulados por Edgar Morin, especialmente nas obras A cabea bem feita:
repensar a reforma, repensar o ensino e Os sete saberes necessrios Educao do
Futuro.
A leitura dessas duas obras possivelmente far o professor perceber que a
literatura, entre outros instrumentos de saber, deve ser levada a srio, na escola,
podendo participar, no apenas das aulas de Portugus e Literatura, porm de muitas
outras disciplinas, como Histria, Geografia, Artes, entre outras, promovendo a
integralizao dos conhecimentos, junto educao bsica, a formao humana e o
acesso das crianas e dos jovens aos bens culturais da humanidade, atravs da leitura do
texto literrio, concretizada como objeto ldico e esttico conforme exige a natureza da
arte literria.
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Referncias Bibliogrficas
BETTELHEIM, Bruno. A psicanlise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980.
CANDIDO, Antonio. O direito literatura. In: Vrios Escritos..Rio de Janeiro: Duas
cidades, 2004.
ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminao nas poticas
contemporneas.Traduo Giovanni Cutolo. So Paulo: Perspectiva, 1981 (Col.
Debates,4).
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito esttico. Traduo de Johannes
Kretschmer. So Paulo: Ed 34, 1999 (vol. 2).
MORIN, Edgar. A cabea bem feita: repensar a reforma, repensar o ensino. 11 ed.,
Trad. Elo Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
_________. Ensinar a Condio Humana. In: Os sete saberes necessrios Educao
do Futuro. So Paulo: Cortez, Braslia, DF, UNESCO, 2000.
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O ENSINO DA LITERATURA E A CONDIO HUMANA
EXPOSITORES: Jaquelnia Aristides Pereira
Maria Valdenia da Silva
1 Pensar a educao literria no contexto do mundo atual a partir de Edgar
Morin:
1.1. Superar o princpio da fragmentao:
O processo de modernizao do mundo, a partir da Revoluo Industrial, e a
supremacia das tecnologias e das mercadorias sobre o humano tem despertado a ateno
de muitos intelectuais que se preocupam com o destino dos homens, com a formao
humana e com a educao. o caso do educador francs Edgar Morin, que entre seus
postulados para a educao de hoje defende o princpio de que deve ser superado o
problema da fragmentao dos saberes em funo da reintegrao humana:
Para a educao do futuro necessrio promover grande
remembramento das cincias naturais a fim de situar a condio
humana no mundo, (...) bem como integrar a contribuio
inestimvel das humanidades, no somente a filosofia, a histria,
mas tambm a literatura, a poesia, as artes (MORIN, 2000,
p.46).
1.2 Evidenciar a literatura como provedora de uma cultura humanstica:
* A literatura, juntamente com outras cincias e outras artes, alimenta a inteligncia
geral, enfrenta as grandes interrogaes, estimula a reflexo sobre o saber e favorece a
integrao pessoal dos acontecimentos (MORIN, 2005, p.17).
* A literatura promove a interseco com outras formas de arte ou conhecimento,
abrindo-se para outras formas de experincia humana. exatamente por isto que
Morin a elege como a arte que pode modificar o ensino e, conseqentemente, o
conhecimento humano.
1.3. Destacar a leitura do texto literrio como objeto do ensino da literatura:
1.3.1 Condies sine qua non:
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* Evitar certos equvocos responsveis pela escolarizao negativa da literatura, isto :
a) Eleger o fragmento como substituto da obra;
b) trabalhar a leitura literria, desvinculando-a da realidade e das expectativas e
necessidades dos alunos.
c) Adoo de uma viso historicista e/ou biogrfica para o ensino da literatura: esse tipo
de ensino privilegiou a informao em detrimento de uma formao, na linha do que
destaca Edgar Morin, quando retoma a assertiva de Montaigne a respeito de uma cabea
bem feita comparada a uma cabea bem cheia.
1.3.2 Valorizar a leitura da leitura do texto literrio na escola:
* Para Morin, o texto literrio, especialmente a poesia, pode levar o homem diretamente
ao carter mais original da condio humana, pondo o fruidor em comunicao com o
mistrio, que transcende a palavra, levando-o a experimentar a dimenso esttica da
existncia e a ver o mundo com um olhar inaugural.
* os leitores so influenciados e influenciam a sociedade a partir das interpretaes que
elaboram para as leituras, configurando um processo dialtico, pois, como salienta
Umberto Eco (1981, p.80), um texto no apenas se apia numa competncia, mas
tambm contribui para cri-la.
* Conforme Candido, a leitura do texto literrio:
confirma no homem aqueles traos que reputamos
essenciais, como o exerccio da reflexo, a aquisio
do saber, a boa disposio para com o prximo, o
afinamento das emoes, a capacidade de penetrar
nos problemas da vida, o senso da beleza, a
percepo da complexidade do mundo e dos seres, o
cultivo do humor (CANDIDO, 2004. p.180).
* O texto literrio pode ser uma fonte de experincias de verdade:
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no romance, no filme, no poema, que a existncia revela sua
misria e sua grandeza trgica, com o risco de fracasso, de erro,
de loucura. na morte de nossos heris que temos nossas
primeiras experincias da morte. , pois, na literatura que o
ensino sobre a condio humana pode adquirir forma vvida e
ativa, para esclarecer cada um sobre sua prpria vida. (MORIN,
2005, p. 49)
* A Literatura pode possibilitar, atravs da leitura de suas obras, a reflexo sobre a
realidade, numa dinmica em que prevalece o sentimento de liberdade sobre o leitor,
medida que lhe d o direito de fazer seus prprios juzos sobre os fatos que apresenta e
permite a criao de suplementos de leitura, na acepo de Iser (1999).
2. A literatura infantil brasileira: uma arte humanizadora
* A literatura infantil brasileira, desde Monteiro Lobato e Ceclia Meireles, tem
constitudo um bom exemplo de arte humanizadora, sendo um dos instrumentos
indispensveis ao desenvolvimento intelectual e afetivo da criana, alimentando o seu
sonho e resgatando-lhe o esprito mgico e o poder de reflexo, sufocados no mago das
sociedades modernas, sociedades que assistem desintegrao do sujeito, da arte e dos
valores.
*escritores como Ana Maria Machado, Lgia Bojunga e Bartolomeu Campos de
Queiroz, entre outros, tem dado a sua contribuio na educao humanstica do homem,
aos moldes do que propem Edgar Morin e Antonio Candido.