Ensino de ciências e matemática II

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CALDEIRA, AMA. org. Ensino de ciências e matemática, II: temas sobre a formação de conceitos [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 287 p. ISBN 978-85- 7983-041-9. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Ensino de ciências e matemática II temas sobre a formação de conceitos Ana Maria de Andrade Caldeira (org.)

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Ensino de ciências e matemática II:temas sobre a formação de conceitosAna Maria de Andrade Caldeira (org.)

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CALDEIRA, AMA. org. Ensino de cincias e matemtica, II: temas sobre a formao de conceitos [online]. So Paulo: Editora UNESP; So Paulo: Cultura Acadmica, 2009. 287 p. ISBN 978-85-7983-041-9. Available from SciELO Books . All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o contedo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Ensino de cincias e matemtica II temas sobre a formao de conceitos Ana Maria de Andrade Caldeira (org.) ENSINO DE CINCIASE MATEMTICA IIANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRA (ORG.)TEMAS SOBRE FORMAO DE CONCEITOSENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA IIANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRA (Org.)ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA IITEMAS SOBRE FORMAO DE CONCEITOSEditora aliada:CIP Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJE52v.2Ensino de cincias e matemtica, II : temas sobre a formao de conceitos / Ana Maria de Andrade Caldeira (org.). So Paulo : Cultura Acadmica, 2009. Inclui bibliograaISBN 978-85-7983-041-91. Cincia Estudo e ensino.2. Matemtica Estudo e ensino.3. Professores de cincia Formao.4. Cincia Estudo e ensino Filosoa.4. Cincia Aspectos sociais.I. Caldeira, Ana Maria de Andrade.09-6238.CDD: 507CDU: 5(07)Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria de Ps-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP) 2009 Editora UNESPCultura AcadmicaPraa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) 3242-7172www.editoraunesp.com.brfeu@editora.unesp.brSUMRIOApresentao7PARTE I A formao de conceitos no ensino de Biologia e Qumica1Ensino de Ecologia: diculdades conceituais e metodolgicas em alunos de iniciao cientca132A centralidade do conceito de organismo no conhecimento biolgico e no ensino de Biologia333Algumas interpretaes historiogrcas sobre a natureza qumica do princpio transformante no ensino534Corpo e vida nas representaes de estudantes do Ensino Fundamental755A atividade prtica no ensino de Biologia: uma possibilidade de unir motivao, cognio e interao916Experimentos de pensamento e o ensino de Cincias106PARTE II A formao de conceitos no ensino de Matemtica e Fsica7Um estudo esploratrio sobre a formao conceitual em geometria de alunos do Ensino Mdio1278Anlise semitica sobre a compreenso de conceitos matemticos na representao de espaos e signicao de fenmenos naturais1459As etapas do tempo crtico da psicanlise, o processo dialtico e o perl epistemolgico: estratgias de ensino que podem subsidiar o pesquisador na avaliao do processo de aprendizagem167 10Uma estratgia de ensino inspirada em Lakatos com orientao racional por meio de uma reconstruo racional didtica185 11Textos histricos de fonte primria contribuies para a aquisio de subsunores pelos estudantes para a formao do conceito de carga eltrica201PARTE III Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC) e Ensino de Cincias 12TV digital, t-learning e edutretenimento221 13A construo de um objeto de aprendizagem como exemplo de transposio didtica em um contedo de Cincias239Parte IV Formao de conceitos na perspectiva Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente CTS(A) 14Temas sociocientcos e a prtica discursiva em sala de aula: um estudo no Ensino Mdio255 15Ensino de Cincias para cidadania a partir do desenvolvimento de habilidades de negociao em estudantes de Ensino Mdio269APRESENTAOOProgramadePs-GraduaoemEducaoparaaCincia,sediadona Faculdade de Cincias da Unesp, iniciou suas atividades em 1997, sendo um dos primeiros a se credenciar junto Coordenao de Aperfeioamento de Pes-soal de Nvel Superior (Capes), na rea de ensino de Cincias e Matemtica. As primeirasdissertaesconcludasnoProgramaforamdefendidasapartirde 1999, tendo sido at hoje homologadas um total de 187 dissertaes de mestra-do e 25 teses de doutorado. Desde o seu incio, o Programa vem implementan-doparceriasnacionaiseinternacionaiscomgruposdepesquisaeinstituies diversas e programas interinstitucionais nanciados pela Capes, como o Pro-grama Nacional de Cooperao Acadmica (Procad) e os Programas de Dou-torado Interinstitucional (Dinter) e, em nvel internacional, com universidades da Frana, de Portugal e da Colmbia. O ncleo de pesquisa do Programa concentra-se em estudos sobre a Cin-cia,aeducaocientcaenasrelaesentreosabercientcoeseuensino. Assim,incentivaareexosobreosprocessosenvolvidosnaconstruodos conhecimentoscientcosetecnolgicos,almdecontribuirparaaproduo de um corpo de conhecimentos loscos, cientcos e pedaggicos destinados formao de professores e outros prossionais da rea. Seis linhas de pesquisa integram o Programa de Ps-Graduao em Educa-o para a Cincia: 1) Filosoa, Histria e Sociologia da Cincia no ensino de Cincias; 2) Ensino de Cincias em espaos no formais e divulgao cientca; 3) Fundamentos e modelos psicopedaggicos no ensino de Cincias e Matem-tica;4)InformticaemEducaoemCinciaseMatemtica;5)Linguagem, 8ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAdiscursoeensinodeCincias;6)Cincia,tecnologia,ambienteedesenvolvi-mento humano.Este livro compreende diversos resultados de pesquisas que fazem parte de dissertaes e teses desenvolvidas no Programa de Ps-Graduao sobre a te-mtica de formao de conceitos cientcos e matemticos. Paramelhorcompreensodaestruturadestelivro,oscaptulosforamor-ganizados em quatro partes, de acordo com a rea conceitual a que se referem. Naprimeiraparte,AformaodeconceitosnoensinodeBiologiaeQumica,o captulo1,EnsinodeEcologia:diculdadesconceituaisemetodolgicasem alunosdeiniciaocientca,apresentaumaanlisesobreaconstruode pesquisasdeiniciaocientcadesenvolvidasporalunasdocursodeLicen-ciatura em Cincias Biolgicas, envolvendo o conceito de sucesso ecolgica e seutratamentodidtico.Nocaptulo2,Acentralidadedoconceitodeorga-nismonoconhecimentobiolgicoenoensinodeBiologia,buscaelucidaro conceito de organismo por meio de discusses advindas da Filosoa da Biologia contemporneaepropeoconceitodeorganismocomoelementointegrador do conhecimento biolgico e do ensino de Biologia. Em relao ao contexto de ensino, busca-se mostrar que a compreenso do organismo a partir de uma re-presentao hierrquica escalar, na qual o organismo considerado o nvel focal das interaes entre ambiente externo e interno, permite relacionar conceitos de diferentes nveis, favorecendo a integrao do conhecimento biolgico escolar. Ocaptulo3,Algumasinterpretaeshistoriogrcassobreanaturezaqu-mica do princpio transformante no ensino, apresenta uma anlise referente abordagem histrica presente em alguns dos livros-texto de Gentica e Bioqu-mica utilizados no curso de Licenciatura em Cincias Biolgicas, bem como em publicaes de Histria da Biologia, acerca da natureza qumica do material ge-ntico. O captulo 4, Corpo e vida nas representaes de estudantes do Ensino Fundamental,discuteasrepresentaesdealunosdoEnsinoFundamental acerca do corpo humano e suas implicaes no contexto do Ensino de Cincias. O captulo 5, A atividade prtica no ensino de biologia: uma possibilidade de unir motivao, cognio e interao, apresenta uma anlise de duas atividades prticas que constituram uma sequncia didtica elaborada para o tratamento doconceitodeEnergia,nadisciplinaBiologia,aplicadaaalunosdo1oanodo EnsinoMdiodeumaescolapblicadacidadedeJa,interiordeSoPaulo. Procuraapontarpistassobrecomoousodeatividadesprticasnoensinode Biologia pode contemplar a relao cognio/motivao/interao, imprescin-ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II9dvel para uma aprendizagem efetiva e duradoura dos indivduos. O captulo 6, Experimentos de pensamento e o Ensino de Cincias, trata da anlise Expe-rimentos de Pensamento, EP, que nos coloca, no mnimo, algumas exigncias, como, por exemplo, a reorganizao das aulas, a discusso sobre os contedos como corpos signicativos de conhecimentos, alm de considerar que impe-rioso adotar nova postura de abertura frente aos fenmenos que nos cercam.Na segunda Parte, A Formao de conceitos no ensino de Matemtica e F-sica,ocaptulo7,Umestudoexploratriosobreaformaoconceitualem geometria de alunos do Ensino Mdio, investiga a formao conceitual sobre polgonos e poliedros de alunos do Ensino Mdio, em termos de atributos de-nidores, exemplos e no exemplos e das relaes subordinadas e supra-orde-nadas. O captulo 8, Anlise semitica sobre a compreenso de conceitos ma-temticos na representao de espaos e signicao de fenmenos naturais, investiga os signos matemticos apreendidos pelos alunos por meio de anlise e reexo dos conceitos que emergiram das situaes-problema desencadeadas das atividades envolvendo canteiros (I e II) de plantas. Esses espaos foram ele-mentos mediadores para a integrao dos conhecimentos da Matemtica e das Cincias da Natureza. O captulo 9, As etapas do tempo crtico da psicanlise, o processo dialtico e o perl epistemolgico: estratgias de ensino que podem subsidiar o pesquisador na avaliao do processo de aprendizagem, apresenta algumas estratgias de ensino que envolveram estudantes do curso de licencia-tura em Fsica da Unesp/Bauru em que foram estudados os principais tpicos do eletromagnetismo. O captulo 10, Uma estratgia de ensino inspirada em Lakatoscomorientaoracionalpormeiodeumareconstruoracionaldi-dtica,propeumanovaestratgiaparaoensinodeFsicaqueincluiaRe-construoRacionalDidtica(RRD)comvisoloscaimplcitainspirada na epistemologia e reconstruo racional de Lakatos. A incluso da RRD como um passo especco de uma estratgia de ensino lakatosiana tem a inteno de exemplicarsituaesracionaisdecomparaodeteoriasrivaise,comisso, preparar o aluno para posteriores debates entre concepes rivais alternativas e cientcas, de modo a auxiliar o aprendizado destas ltimas. O captulo 11, Textos histricos de fonte primria contribuies para a aquisio de sub-sunores pelos estudantes para a formao do conceito de carga eltrica, traa, por meio da insero da Histria da Cincia no ambiente escolar, algumas con-sideraes sobre como a discusso de textos histricos de fonte primria pode auxiliar os alunos na compreenso do conceito de carga eltrica.10ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRANa terceira parte, Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC) e ensino deCincias,ocaptulo12,TVdigital,t-learningeedutretenimento,apre-sentaparaaconsideraoediscussoumaconceituaobsicade TVdigital e edutretenimento e sua utilizao para a produo de contedos audiovisuais que compartilhem os conceitos e modelos propostos pelo t-learning como al-ternativavivelparaaproduodeprogramaseducativosvia TVdigital.O captulo13,Aconstruodeumobjetodeaprendizagemcomoexemplode transposio didtica de um contedo de Cincias, traz o desenvolvimento do contedo do OA Do alimento digesto (Affonso, 2008), embasado na teo-ria da transposio didtica, utilizando-se para tal o design instrucional e a con-feco de um mapa conceitual, bem como o impacto do uso do OA na escola. Na quarta parte, Formao de conceitos na perspectiva Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente CTS(A), o captulo 14, Temas sociocientcos e a pr-tica discursiva em sala de aula: um estudo no Ensino Mdio, explora e analisa, asperspectivasecrticasdaabordagemCTS(A)defendendoumolharmais cuidadosoparaodesenvolvimentodashabilidadesdecriticidadeeleiturado mundo por meio da prtica discursiva em sala de aula. O captulo 15, Ensi-nodecinciasparacidadaniaapartirdodesenvolvimentodehabilidadesde negociao em estudantes de Ensino Mdio, descreve uma pesquisa sobre as habilidades de negociao desenvolvidas pelos estudantes de Ensino Mdio ao participaremdeumasimulaoeducativasobreasimplicaessociaiseam-bientais do uso de etanol como fonte de energia.PARTE IA FORMAO DE CONCEITOS NO ENSINO DE BIOLOGIA E QUMICA1ENSINO DE ECOLOGIA: DIFICULDADES CONCEITUAIS E METODOLGICAS EM ALUNOS DE INICIAO CIENTFICA* Fernanda da Rocha Brando1Osmar Cavassan2Ana Maria de Andrade Caldeira3IntroduoAEcologiaestudaasrelaesmtuasqueosseresvivosestabelecem entre si e com o ambiente fsico. Esse objeto de estudo, baseado nas intera-es que ocorrem no mundo natural, abarca uma grande gama de conceitos biolgicos e lhe confere um papel importante no ensino de conceitos cient-cos. O entendimento dos diferentes fenmenos que englobam essas rela-es e interaes entre seres vivos (incluindo o homem) e os componentes abiticos amplamente discutido luz de teorias ecolgicas.Nocontextoescolar,esseentendimentoimprescindvel.Oalunoem formao precisa apropriar-se da linguagem e dos conceitos cientcos para desenvolver atitudes responsveis e postura crtica frente s diferentes pro-blemticas ambientais, as quais vem confrontando diariamente (Fracalan-za, 1992). 1Unesp Universidade Estadual Paulista Faculdade de Cincias/campus de Bauru. Douto-randa do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia. E-mail: [email protected] Universidade Estadual Paulista Faculdade de Cincias/campus de Bauru. Docen-te do Departamento de Cincias Biolgicas e do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia. E-mail: [email protected]. 3UnespUniversidadeEstadualPaulistaFaculdadedeCincias/campusdeBauru.Do-cente do Departamento de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia. E-mail: [email protected].*Apoio nanceiro da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp Pro-jeto Biota).14ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAConsiderandoaimportnciaeanecessidadedeexplorarosconcei-tosecolgicosdemaneiraadequadanocontextodeensino,indispen-sveldiscutirmossobreopapeldolivrodidticocomorecursodeleitura inuenciadordaprticadeensinonasaladeaula,pelosprofessores,eda aprendizagemdeconceitos,pelosalunos.ParaKrasilchik(1996),olivro didticooprincipalinstrumentodetrabalhodoprofessor,emuitasve-zesacabadeterminandoocontedodoscursoseametodologiausadana saladeaula,pormvalorizandoumensinotcnicoeinformativo,com reforodeesteretipos,ausnciadecontextualizao,errosconceituaise outros. Weissmann(1998)ressaltaqueoensinodeEcologiatemsidose-riamentecomprometidopelasestratgiasmetodolgicasutilizadasem saladeaula,quetransformamoalunoemelementopassivo,dependen-tedeumasntesedeinformaes,contedosprejulgadosescolhidospelo professor atrelados a livros-textos que, alm de apresentarem os conceitos deformafragmentada,abordamosconhecimentoscientcostotalmen-tedesvinculadosdocotidianoedarealidadelocalnaqualosalunosesto inseridos. Oobjetivodopresentetrabalhofoiavaliaratrajetriapercorridapor alunasdocursodeLicenciaturaemCinciasBiolgicasnoprocessode iniciao cientca, envolvendo o conceito de sucesso ecolgica e seu tra-tamento didtico. A avaliao foi realizada por meio do acompanhamento dos projetos de pesquisa. O conceito de sucesso ecolgica O conceito de sucesso foi inicialmente desenvolvido pelo botnico Cle-ments (1916), que a deniu como sendo uma sequncia de comunidades de plantas marcadas por mudanas de formas de vida de simples para comple-xas. Ele considerava a comunidade como um superorganismo, e a sucesso ecolgicacomosendoumprocessodeterministaeorganizado,similarao desenvolvimento de um organismo, culminando no clmax ou estado nal. A teoria de Gleason, por sua vez, proposta em 1926, ressaltava que o pro-cessodesucessoseriamuitomenosdeterminista.Asespciessurgiriam independentemente umas das outras, sendo que a prpria ideia de um cl-max nal previsvel e imutvel era discutvel. Clements concebia os estados ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II15iniciais da sucesso ecolgica como modicadores do ambiente para que os estados posteriores pudessem estabelecer-se (Pit & Avelar,1996).Segundo Odum (1983), a sucesso ecolgica seria o desenvolvimento do ecossistema, envolvendo mudanas na estrutura de espcies e processos da comunidade ao longo do tempo. Para Pinto-Coelho (2002), corresponderia a uma sequncia de mudanas estruturais e funcionais na comunidade que seguiriam padres mais ou menos denidos, atingindo-se um equilbrio di-nmico (clmax).Asucessoecolgicapodeserclassicadaemsucessoprimriaesu-cessosecundria.SegundoPit&Avelar(1996),asucessoprimria compreendeumconjuntodeestados,envolvendolugaresondenoexis-tem seres vivos, mas que sero colonizados por estes, passando por estgios transitrios at atingir um estado mais durvel, que poder permanecer at umanovaperturbao.Asucessosecundriaaconteceriaemsubstratos que anteriormente j abrigaram uma comunidade, tendo consequentemen-te um solo estraticado, onde teria ocorrido alguma perturbao, como fogo ou enchente. A diferena entre as duas estaria no fato de, na sucesso secun-dria, ser mais provvel a presena de muitos dos seres vivos envolvidos sob a forma de sementes ou vindos de locais prximos. Ainda reforam que as comunidades no seriam estticas, mesmo que nos paream assim quando vistas nossa escala de tempo (Pit & Avelar, 1996, p.192). No contexto de ensino, o conceito de sucesso ecolgica seria muitas vezes difcil de imaginar, pois, geralmente, os livros didticos s contemplam exem-plos em que a varivel tempo apresenta-se de forma ampla, tal como: a expli-cao de sucesso a partir da rocha nua, a emergncia de uma ilha vulcnica do interior de um oceano, a areia de uma nova duna, entre outros. Se evidencia a predominncia de exemplos que exploram, na maioria das vezes, os fenme-nos que ocorrem principalmente durante o processo de sucesso primria. J exemplos em que o processo sucessional mais facilmente visualizado pelos alunos,comoasucessodeorganismosemumcadverouemumafruta, somuitasvezesdeixadosdeladopelosprofessores(Pit&Avelar,1996). Publicaesrecentes(Begonetal.,2007,p.479)consideramsucesso ecolgica como um padro de colonizao e extino de populaes de es-pciesnosazonal,direcionadoecontnuoemumdadolocal.Admitem serumprocessocomplexo,guiadoprincipalmenteporvriosfatoresque interagem simultaneamente. Deste modo, os efeitos de fatores como com-16ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRApetio, entrada de sementes, herbivoria de insetos e mamferos e eventos estocsticosvariamemimportnciadeacordocomoestgiosucessional. Acompetio,porexemplo,noseriamuitoimportantenosestgiosde colonizao,poishpoucoscompetidorespresentes.Noentanto,emco-munidades maduras, a competio pode ser uma fora importante. Similar-mente, eventos estocsticos, como fogo, podem devastar comunidades nos primeiros estgios sucessionais, mas tero um efeito bem menor em comu-nidadesmaduras,emqueasespciespodemsergrandesrvoresadapta-das a incndios peridicos, tais como algumas espcies vegetais do cerrado. Alm disso, em um hbitat que pega fogo frequentemente, muitas espcies tm sementes resistentes a ele ou coroas radiculares que germinam ou bro-tamlogoapsumincndioerapidamenterestabelecemsuaspopulaes (Ricklefs, 2003). O conceito de sucesso engloba toda dinmica que ocorre em um ecos-sistema, envolvendo as interaes entre os fatores biticos e abiticos, ciclos biogeoqumicos, fatores como tempo e espao dentro de um gradiente evo-lutivo, enm, a evoluo de organismos, levando em considerao todos os fatores que o inuenciam. Pit & Avelar (1996, p.199) reforam que todas ascomunidadeseguildassoconstitudasporvriasespcies,cadauma realizandooseunichoecolgico,ligadasporrelaescompetitivasepor relaes trcas e cuja presena pode mudar ao longo do tempo. Tais temas no so comumente abordados no contexto de ensino quan-do o conceito de sucesso ecolgica apresentado. Muitas vezes, explora-se oconceitoreferindo-seapenassubstituiodeespciesemumreferido local,semquesejaconsideradatodaadinmicaqueoconceitoenvolve. Essa forma de abordagem acarreta uma distoro conceitual, pois os alunos podem vir a compreender o conceito como um processo linear e esttico.Metodologia da pesquisaDuranteoprocessodeorientaodepesquisasdeiniciaocientca, realizadaporalunasdocursodegraduaoemLicenciaturaemCincias Biolgicas,queinvestigavamaapresentaodeconceitosecolgicosem manuais didticos para o Ensino Mdio, foram evidenciados alguns proble-mascomaabordagemdoconceitodesucessoecolgica.Asalunaseram ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II17integrantes do Grupo de Pesquisas em Epistemologia da Biologia, perten-cente ao Programa de Ps-graduao em Educao para a Cincia, Facul-dade de Cincias, Unesp, campus Bauru.As evidncias apontadas foram registradas por meio de gravaes auto-rizadas pelas alunas durante as reunies de orientao das pesquisas. Oobjetivoprincipaldaspesquisasdeiniciaocientcafoiestudara apresentaodoconceitodesucessoecolgicaemmanuaisdidticosde Biologia para o Ensino Mdio.A pesquisa da Aluna 1 teve como objetivos: investigar como esto apre-sentados os conceitos centrais da Ecologia em manuais didticos de Ensi-no Mdio, principalmente aqueles relacionados com a sucesso ecolgica; pesquisar se a forma de organizao desses conceitos permite a construo de uma noo integrada e interativa dos conceitos abordados; propor uma sequnciadidticaquepermitaoentendimentodosconceitosdemaneira integrada. A pesquisa de iniciao cientca da Aluna 2 teve como objetivos: inves-tigar a apresentao do conceito de sucesso ecolgica em um livro didtico de Biologia para o Ensino Mdio; aplicar e analisar questionrios referentes ao conceito de sucesso ecolgica em alunos de Ensino Mdio de uma esco-la pblica do municpio de Bauru SP.As pesquisas foram se desenvolvendo a partir de uma problematizao inicial, e as reunies de orientao foram auxiliando as coletas e as anlises de dados.Utilizamoscomodadosdopresentetrabalhoasfasesdoprocessode orientaodasduasmonograasdeiniciaocientcadesenvolvidas,a saber:problematizaoinicial;acompanhamentodapesquisaapartirdas reuniesdeorientaoeentrevistasnais.Paraanlisedosdados,foram evidenciadasasseguintescategorias:cumprimentodosobjetivospropos-tos, diculdades conceituais e metodolgicas e avanos conseguidos.A construo de projetos de pesquisa sobre o conceito de sucesso ecolgica Durante a primeira reunio, foi apresentada como proposta de pesquisa aelaboraodematerialdidtico,complementaroudeapoio,sobrecon-18ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAceitosecolgicos.Estapoderiaserdesenvolvidaapartirdolevantamento eanlisedeconceitosecolgicosemmanuaisdidticosdeBiologiaparao EnsinoMdio.Discutiu-secomasalunasaimportnciaeautilizaode livrosdidticosnasinstituiesescolareseaformacomoessesmateriais abordavam as questes e conceitos relacionados Ecologia. Problematizao inicial Partindo do princpio de que a Ecologia uma cincia que estuda as in-teraes e inter-relaes entre os indivduos e destes com o ambiente fsico, as seguintes questes foram abordadas: Comoosconceitosecolgicosestoorganizadosnoslivrosdidticos de Biologia para o Ensino Mdio? Essa organizao permite ao aluno uma viso integrada, interativa, dos conceitos abordados? Os exemplos utilizados para ilustrar ou representar os conceitos eco-lgicos esto de acordo com a realidade da vegetao brasileira? Eles ilustram ou representam efetivamente os conceitos apresentados? Os exemplos utilizados demonstram altrusmo, antropomorsmo nas relaes entre os seres vivos?Solicitou-se que as alunas escolhessem manuais didticos para levanta-mento e vericao das questes propostas. Diante do levantamento apre-sentado, estaramos discutindo suas implicaes para o ensino de Ecologia, podendo propor atividades didticas a partir de novas abordagens.Acompanhamento da pesquisa: as reunies de orientao As discusses acerca do levantamento inicial solicitado na primeira reu-nio e realizado pelas alunas so evidenciados a seguir:Aluna1:EuanaliseiumlivrodidticodoAUTOReumaapostiladeum cursinho. Eu constatei que os tpicos eram muito... Os conceitos eram passados deformamuitofragmentada,osexemploserammuitodistantesdosalunos, tipo girafa, coisas que no fazem parte do nosso ambiente.A pesquisadora explica a recorrente utilizao de animais exticos, pre-sentesprincipalmenteemformaesafricanas,paraexplicarosconceitos ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II19ecolgicos, em detrimento da utilizao de animais presentes na fauna bra-sileira.Ressaltaqueaoanalisaralgunsconceitosecolgicos,poderamos proporoutrasformasdeabordagem,amdeminimizaressadistoro presente nos manuais didticos. Enfatiza que conceitos como o de sucesso ecolgica geralmente so abordados de forma linear, apresentando suas fa-ses como sequncias de acontecimentos predeterminados e de forma est-tica, como se uma fase mudasse para outra de forma repentina, sem serem consideradostodososfenmenosqueocorremduranteessamodicao, ecomoseocorressememumcurtoespaodetempo.Asfalasdasalunas corroboram com o exposto: Aluna 1: At nos livros [de Ensino Mdio], eu fui ver agora, sucesso ecol-gica, os desenhos esto assim tambm. Passa do nada de uma forma para outra como se no houvesse muita coisa no meio.Aluna 2: De uma maneira rpida.Para contrastar essas ideias presentes nos manuais didticos analisados, que o fenmeno de sucesso ecolgica pudesse ser observado em um curto espao de tempo, a pesquisadora indaga como essa abordagem nos livros de Ecologia utilizados durante a graduao. Uma delas responde:Aluna1:Porexemplo,euvinolivro[degraduao]quedifcilestudar essesprocessospelofatodotempo.Entoelesseguemlugaresdistintospara conseguir dar uma sequncia. No bem assim, de uma hora para outra.A aluna tenta explicar que as referncias utilizadas no contexto de gra-duao ressaltam a diculdade de analisar empiricamente os processos que englobam a sucesso, por causa do fator tempo. Por isso, recorrente, em livros didticos, a utilizao de exemplos extremos para ilustrar as mudan-asqueocorrementreasdiferentesfasesouseresdasucesso,taiscomo uma pedra nua ou uma ilha na qual ocorreu uma erupo vulcnica. A outra aluna comenta o problema do livro didtico de Ensino Mdio:Aluna2:Quandoeuestavanaescola,erabemassim.Nodavaparaen-tender [...] eles [os professores] falavam de um jeito como se tudo fosse muito rpido.Masningumfalavademoramuitotempo,masvoccavacoma impresso de que rpido.20ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAA pesquisadora explica que, alm dos exemplos utilizados nos livros di-dticos de Ensino Mdio no se referirem ao fator tempo, as ilustraes uti-lizadas remetem ideia de um fenmeno rpido, no qual todas as fases do processo pudessem ser vista em curto espao de tempo em um determinado local.Pergunta,ento,seemumamata,assimcomoaencontradanaRe-serva Legal pertencente Unesp campus Bauru, caracterstica do bioma cerrado, o processo de sucesso ocorreria. As duas alunas respondem, de-pois de pensar um pouco, que sim. A pesquisadora volta a perguntar como e em que momento isso ocorre. Depois de mais algum tempo, as alunas no conseguem responder. A pesquisadora ressalta a diculdade para estabele-cer tal relao. Uma das alunas responde:Aluna2:Ah!Euachoqueatodomomentoestocorrendosucesso.No uma sucesso num sentido mais amplo, mas eu acho que vai...A pesquisadora interrompe pedindo para aluna explicar o que signica sentido mais amplo, e a aluna responde:Aluna2:Ah!Nosei.Achoquesemprecaessaimpressoque,sabe,a sucesso em grande escala.A aluna tenta explicar que a todo momento est ocorrendo a sucesso, masquenoparamosparapensardessaforma,poisquandoaprendemos esseconceitoduranteaescolaridadebsica,camoscomaimpressode que ela ocorre somente em grande escala visual. A pesquisadora questiona se,casoalgumarvorecassenamatacitadapormotivosnaturais,oque aconteceria. E a aluna responde:Aluna 2: Vai ter sol, as plantas vo crescer. Ela deixou, n, como fala?[...] um banco de sementes, essas coisas, vai nascer. [...] Aquilo mudou o ambiente, vai mudar todas a interaes ali.Iniciaram-seassimasdiscussesacercadascaractersticasdeplantas pioneirasounoequepodemsedesenvolverduranteoprocessosuces-sional. Mais adiante, a pesquisadora pergunta como poderamos trabalhar oconceitodesucessodemaneiraaminimizarasconcepesdistorcidas ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II21vericadas.AAluna1explicaqueserianecessrio,emumprimeiromo-mento, trabalhar com exemplos mais acessveis realidade do aluno, como a vegetao do cerrado, por exemplo. Chegamos ao ponto da discusso que abarcava os elementos inuencia-dores do processo de sucesso ecolgica, ao que uma das alunas responde:Aluna2:Osabiticos.[...] Temperatura,umidade,luminosidade,osoloe tambm as prprias plantas.A pesquisadora pergunta sobre os fatores biticos, e a aluna responde:Aluna 2: As formas de disperso de semente...Faz-se necessrio explicar s alunas que a partir do entendimento desses elementos ou fatores inuenciadores do processo de sucesso, poderamos entend-los de forma mais dinmica e menos linear. Mas transfere para as alunasoproblema:comopoderamostrabalhartaisconceitosnoEnsino Mdio?Em um primeiro momento, ocorre um grande silncio, quebrado poste-riormente por uma resposta tmida da aluna:Aluna 2: Por meio de aulas prticas, na escola...Ao perceber que as ideias das alunas no se desenvolveriam da manei-ra esperada, a pesquisadora interfere explicando que deveriam consultar e utilizar textos produzidos por pesquisas nas reas de Botnica ou Ecologia para subsidiar suas ideias na elaborao das pesquisas, sem, contudo, isto signicar que estariam fazendo pesquisas nessas reas especcas. neces-srio que se utilizem as pesquisas acadmicas dessas reas para amparar as pesquisasemensino.Pararespondersperguntasconceituaisqueforam feitas s alunas, era preciso o domnio dos conceitos cientcos, e as princi-pais fontes desses conceitos so as pesquisas realizadas nas diferentes reas especcas. Paraapresentaroandamentodosprojetos,reunimo-nosnovamentee discutimos o tema e as diculdades encontradas, a m de que pudssemos propor novas solues para san-las. Discutimos a proposta feita pelas alu-22ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAnas para a abordagem do conceito de sucesso ecolgica no Ensino Mdio a partir de um esquema e de um texto explicativo. A pesquisadora foi en-caminhandooandamentodoprojeto,dandonfaseaocumprimentodos objetivos propostos. Fez ressalvas em relao a um dos objetivos:Pesquisadora:Ento,terceiroobjetivoespecco:proporumasequn-ciadidticaqueproporcioneessaabordagemdeumamaneiraintegrada,que aquestoquevocsestocommaiordiculdade.Porquevocsestocom diculdade?Aluna 2: Porque no sei...Aluna 1: Eu acho que a parte artstica inuencia.Asalunassereferiamaodesenhoelaboradoporelas.Aideiadecriar um esquema em forma de desenho foi a mais propcia, diante dos proble-mas encontrados. Juntamente com o esquema gurativo e demonstrativo, foicriadoporelasumtextoexplicativoparafacilitaroentendimentodo processodesucessoecolgica,englobandoasvertentesqueesseconcei-to apresenta. Para a criao do esquema, foram utilizadas caractersticas e elementosdobiomacerrado,porconsideraremopblicoalvolocalizado na regio de Bauru SP, por que a vegetao predominante pertence a esse bioma torna o esquema mais prximo realidade desses alunos.Areunioprosseguiutendocomobaseasinformaescontidasnoes-quema e textos explicativos proposto pelas alunas. A pesquisadora discute questes pertinentes, aponta os erros e propem formas de corrigi-los:Pesquisadora: Quais so os processos ecolgicos necessrios para que ocor-ra a sucesso? Aluna 1: Condies favorveis, disperso de sementes ou frutos.Aluna 2: No cerrado, essas sementes podem estar no prprio solo, em situa-o de dormncia.Aluna 1: Podem.A pesquisadora ressalta que, por se tratar de temas que fazem parte do conceito de sucesso, as alunas deveriam referenci-los melhor: falar os ti-pos de disperso de sementes, condies favorveis e desfavorveis para a germinao e outros que forem requeridos. As alunas relatam que essa a parte mais difcil do projeto: elaborar uma proposta didtica que supere as crticas feitas por elas. ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II23Entrevistas individuais As entrevistas individuais, realizadas ao nal das pesquisas, foram nor-teadasporquestessemiestruturadas,explorandoprincipalmenteasim-presses das alunas quanto a elaborao da pesquisa de iniciao cientca easdiculdadesencontradas.Apresentamosaseguiralgumasquestese respostas pertinentes:Comente sobre a elaborao de um projeto de pesquisa.Aluna 1: [...] realizar, de pensar, de organizar as ideias, o texto explicativo, nossa, foi o mais complicado. Acompanhar as ideias do projeto, como seria fei-to, foi tranquilo. Mas, para desenvolver assim...Aluna 2: A elaborao de um projeto de pesquisa no uma tarefa simples. necessria muita leitura e reexo sobre o tema do projeto.Quais foram suas maiores diculdades durante a realizao da pesquisa?Aluna1:Foramosresultados.Porqueagentetinhaqueaprofundarmuito nos detalhes. Explicar bem detalhadamente [a explicao do processo de suces-so ecolgica] para que as outras pessoas pudessem entender, e melhorar aquilo que j tem. Para mim foi o mais difcil. Ir atrs disso e perceber esses detalhes. Tentar arranjar uma soluo para aquilo que eu estava propondo.Aluna2:Amaiordiculdadeemminhapesquisafoiafasedeanlisedos dados. [...] Por serem perguntas abertas, a anlise das respostas foi complicada, pois era necessrio muita ateno para que na leitura e separao das respostas emcategorias,osconceitosdadospelosalunosnofosseminterpretadospor mim de maneira diferente do que eles realmente quiseram explicar.Comente suas impresses sobre a pesquisa antes e depois de realiz-la.Aluna 1: Eu j achava que era uma coisa bem complicada. Assim, at pensar em uma coisa que eu quisesse resolver ou... Mas eu achei que possvel e no to assim um bicho de sete cabeas. Mas porque eu tive uma orientadora, certo? Que direcionou e tal...Aluna2:Antesdeiniciarapesquisa,eunotinhaideiadequefazeruma pesquisaqualitativaseriatocomplicado.Asubjetividadedasrespostasdos alunos acerca do tema, a maneira de confeccionar um questionrio claro e ob-jetivo, escrever artigos sobre a pesquisa, so coisas muito complicadas a prin-cpio, mas com uma boa explicao dada pelo orientador sobre como devemos proceder em cada um desses itens, essas tarefas cam mais fceis e compensa-doras, quando enm chegamos aos nossos objetivos.Voc fez uma anlise sobre a apresentao de conceitos ecolgicos em livros didticos para o Ensino Mdio. Em relao a esses conceitos, comente sobre:24ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAsuas concepes prvias (como voc entendia esses conceitos); suasconcepesapsapesquisa(comovocpassouaentenderesses conceitos).Aluna 1: Ento, a minha ideia praticamente igual da maioria. Para mim esse negcio mesmo: sucesso isso. Mas no entendendo como um todo as-sim, sabe, interligando com um monte de coisas, com outros tipos de interao. Para mim, era aquela coisa esttica mesmo. Tanto que eu nem entendia muito bem o que era a sucesso ecolgica [...] Agora, entender tudo... eu acho que no, mas deu para clarear bem mais [...]Aluna 2: Anteriormente pesquisa e ao grupo de estudos, eu no tinha no-o da maneira como os conceitos biolgicos so apresentados nos livros did-ticos. Aps a leitura de alguns trabalhos, comecei a olhar os livros didticos de outromodo.Otemadaminhapesquisa[sucessoecolgica],porexemplo, retratadoemmuitoslivrosdidticoscomosendoumfenmenosimples,com fases estanques, sem fazer relaes com outros processos que ocorrem em uma comunidade,comouxosdeenergia,arelaodasfasessucessionaiscomfa-tores abiticos, como a composio do solo, o regime climtico do local, a po-siogeogrca,afragmentaodolocal.Oslivrosnocitamaparticipao dos animais no processo. Os exemplos passados so, em sua maioria, interna-cionais.Porexemplo,sucessoecolgicaemorestasdeconferas.Anterior-mentepesquisa,essesconceitos,paramim,eramexatamenteosretratados nos livros, eu no tinha a viso de que existe uma interao entre muitas coisas doambiente,eutinhaaimpressodequeascoisasocorriamseparadamente, ouquandoeuachavaqueexistiarelaoentreosprocessos,eunoconseguia fazerextrapolaesquenoeramretratadasnoslivros.Ameuver,tudoque estava escrito nos livros eram verdades absolutas, assim eu no via o porqu de discordar de nada do que estava escrito. Depois da pesquisa, minha impresso sobre os conceitos mudou muito. [...] Agora eu vejo que muitos autores, para tentar facilitar a compreenso dos alunos, diminuem os conceitos ao mximo, simplicam muito, dividem os conceitos em fases que no existem na natureza, achando que a explicao car mais didtica. Jogam o contedo no livro sem explicar o porqu das teorias mais aceitas pelos pesquisadores serem a X e a Z, e no a Y, fazendo com que os alunos realmente no pensem sobre o assunto.Anlise dos dados A partir das fases descritas sobre as orientaes realizadas, estruturamos as categorias estabelecidas para anlise dos dados.ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II25Cumprimento dos objetivos propostosDeacordocomasdiscussescolocadasduranteasreunieseosresul-tados apresentados pela Aluna 1 em sua monograa de iniciao cientca, podemos considerar que os objetivos propostos foram realizados. A aluna apresentou anlise de dois manuais didticos de Ensino Mdio, sendo um livro didtico e uma apostila de cursinho. De acordo com sua anlise, os ma-nuais apresentavam os conceitos ecolgicos de forma fragmentada, e os con-ceitos, de maneira isolada, no permitindo que fossem entendidos de forma integrada. Alm disso, os exemplos que ilustravam tais conceitos no per-tenciam nossa ora ou fauna, muitas vezes reportando aos animais presen-tes nas savanas africanas, como girafas. Apresentou uma sequncia didtica com esquema ilustrativo e texto de apoio para seu entendimento. A presen-adeexemplosestrangeirosparailustrarfenmenosbiolgicosemlivros didticos brasileiros foi discutida por Pinheiro da Silva & Cavassan (2005).AAluna2apresentouanlisedeumlivrodidticoparaoEnsinoM-dio utilizado por alunos de uma escola pblica do municpio de Bauru SP, osquaisparticiparamdeumquestionrioqueexploravasuasconcepes acerca do conceito de sucesso. Fez apontamentos referentes aos esquemas etextosapresentados,ressaltandoqueessaapresentaopermiteaoaluno entender o conceito de sucesso ecolgica como um processo linear e estti-co determinado pelo clima. Alm disso, apontou que a falta de ilustraes e referncias aos animais pode permitir aos alunos entend-los como simples coadjuvantes do processo, e no como indivduos ativos na disperso de fru-tos e sementes, muitas vezes facilitadores do processo. Ao analisar as concep-es dos alunos sobre o conceito de sucesso, inferiu que a forma com que o livro didtico aborda o tema inuencia diretamente a concepes dos alunos. Ao estabelecer categorias para anlise dos dados, a aluna evidenciou que o entendimento do conceito como transformao que vai do simples para o complexooudeumlugarinspitoparaumlugarcomvidaapresenta correspondncianasgurasenasabordagenscontidasnolivrodidtico.Diculdades conceituais Durante as reunies de orientao, as alunas referiram-se apresentao do conceito de sucesso como uma abordagem estereotipada, visto que os 26ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAexemplosapresentadosexploravam,principalmente,oprocessodesuces-so que ocorre em lugares inspitos, como uma rocha nua, uma ilha depois de uma erupo vulcnica, a areia de uma duna. Pit & Avelar (1996) ex-plicamquemuitasvezesasucessoecolgicainferida,enoobservada diretamente,poisemalgunscasosoprocessopodedemoraralgunsanos para ocorrer, e em outros, como em sucesses primrias, mil anos:Nessescasos,assume-sequesepodeobservarosvriosestadosemlocais distintos,quecomearamoprocessoempocasdiferentes.Assim,omosaico espacialatualreproduz(teoricamente)asequnciatemporaldefases.Noutras situaes (sucesses em pequenos charcos, cadveres, rochas na zona interdital, frutos cados etc.) a sucesso decorre num perodo mais curto e pode ser observada diretamente e at manipulada experimentalmente (Pit & Avelar, 1996, p.192).Ofatodenopodermosobservardiretamenteoprocessodesucesso ecolgica, pelo fator tempo, salientado pelas autoras Pit & Avelar (1996), foi conitante para as alunas. Elas relatam:Aluna 1: Por exemplo, eu vi no livro [de graduao] que difcil estudar esses processos pelo fato do tempo. Ento eles seguem lugares distintos para conseguir dar uma sequncia. No bem assim, de uma hora para outra.Aluna2:Quandoeuestavanaescola,erabemassim.Nodavapara entender [...] eles [os professores] falavam de um jeito como se tudo fosse muito rpido. Mas ningum falava demora muito tempo, mas voc cava com a impresso de que rpido.Oentendimentodoconceitodesucessoecolgicacomoumprocesso de substituio de comunidades mais simples para comunidades mais com-plexas muito presente nas concepes de alunos, como evidenciou a pes-quisa da Aluna 2. Pit & Avelar (1996, p.193) explicam que:A noo de sucesso como um processo ordenado que tende para comuni-dades mais complexas, mais ecazes e mais estveis [...] so padres baseados nostiposdesucessoquedoorigemacomunidadescomplexascomoores-tas e no so aplicveis nem a sucesso secundrias em matria orgnica morta como frutos cados ou cadveres, nem a sucesses em pedras na zona das mars.Ao ser questionada a respeito de estar ou no ocorrendo sucesso na ve-getao local (cerrado) e como ela poderia ocorrer, uma das alunas eviden-ciou as mesmas diculdades, relatando que:ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II27Aluna2:Ah!Euachoqueatodomomentoestocorrendosucesso.No uma sucesso num sentido mais amplo, mas eu acho que vai...Edepois,aoserindagadapelapesquisadorasobreoquesignicaria sentido mais amplo, a aluna responde:Aluna2:Ah!Nosei.Achoquesemprecaessaimpressoque,sabe,a sucesso em grande escala.Ao comentarem que elas mesmas entendiam o conceito de sucesso ecolgicacomoumprocessolineareestanque,asalunasevidenciaramas diculdades para a compresso do conceito. As alunas discorreram:Aluna 1: Ento a minha ideia praticamente igual da maioria. Para mim esse negcio mesmo: sucesso isso, mas no entendendo como um todo assim, sabe, interligando com um monte de coisas, com outros tipos de interao. Para mim era aquela coisa esttica mesmo. Aluna 2: Anteriormente pesquisa, esses conceitos, para mim, eram exata-mente os retratados nos livros. Eu no tinha a viso de que existe uma interao entre muitas coisas do ambiente. Eu tinha a impresso de que as coisas ocorriam separadamente, ou quando eu achava que existia relao entre os processos, eu no conseguia fazer extrapolaes que no eram retratadas nos livros. Adiculdadeementenderosconceitosecolgicosquepodemserex-ploradosapartirdoconceitodesucessoestrelacionadaprincipalmen-teformacomosoabordadosnocontextodeensino,tantopeloslivros didticosquantopelosprofessoresdeEducaoBsica.Ficaaimpresso que a sucesso ecolgica um processo independente das interaes ecol-gicas, do uxo de energia que se distribui ao longo das cadeias alimentares, dosciclosbiogeoqumicos.Estessoabordadosemmomentosdistintos, epoucasvezesencontramosrefernciasqueressaltamainterdependncia entre eles. As distores conceituais vericadas esto entre as razes colocadas por Pit&Avelar(1996,p.195)pararessaltaremqueoconceitodesucesso ecolgica hoje encarado com mais reserva. Para as autoras, muitas vezes prefere-se a utilizao do termo dinmica da vegetao (ou da comunida-de, ou do ecossistema), por no carregar tantos pressupostos tericos, no 28ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAprocurandoteoriasglobalizantes,masexpondoosmecanismosdosvrios tipos de sucesso. Colocam que o processo da sucesso ecolgica depende de trs fatores principais que vo condicionar o resto:(1) um local onde possa ocorrer; (2) espcies que a possam surgir, ou porque j estavam presentes sob forma de sementes, ovos, etc., ou porque l conseguiram chegar; (3) caractersticas das espcies presentes, em termos de suas tolerncias fsicas,dosseuspadresdesobrevivnciaereproduo,dassuascapacidades competitivas, etc. Estes fatores determinaro quem substituir quem, quando e como (Pit & Avelar, 1996, p.195-196).A partir do momento que tais pressupostos no fazem parte do repert-rio conceitual de alunos em formao inicial, dicilmente sero explorados durante o ensino. Foi necessrio s alunas explorarem o conceito de sucesso ecolgica como objeto de pesquisa para que pudessem entend-lo melhor. Diculdades metodolgicasAsprincipaisdiculdadesencontradaspelasalunasaodesenvolverem suas pesquisas foram explanadas ao longo do processo e durante as entre-vistas individuais nais.Duranteoprocessodeorientaodaspesquisas,foirecorrenteapro-blemticadetrabalharesseconceitocomalunosdeEnsinoMdio,de maneiraaminimizarasconcepesdistorcidasapresentadas.Asalunas evidenciavam diculdades em propor algo que suprisse as distores con-ceituais apontadas nos livros didticos, e assim foi necessria uma interven-omaisenfticadaorientadora,sugerindoaelaboraodeumesquema interpretativo. Percebemos que as diculdades metodolgicas esto relacionadas or-ganizaoeanlisedosdadosdapesquisaqualitativa,buscandocumprir os objetivos propostos. A colocao sobre a pertinncia de uma orientao dirigida, ressaltando seus pontos positivos, refora a necessidade desse pro-ssional durante a elaborao de pesquisas, ainda mais quando nos referi-mos s pesquisas qualitativas que exploram o contexto educacional e que se referemaumainterfacemetodologia/conceitoscientcos.Amaioriados alunos se engaja em pesquisas laboratoriais quantitativas logo no incio do curso, e as poucas oportunidades de desenvolverem pesquisas sobre ensino ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II29acabam sendo desperdiadas. O aluno que frequenta um curso de Licencia-tura em Cincias Biolgicas deve, alm de dominar os conceitos especcos dessacincia,saberexplorarasdiversasformasdetransposiodidtica, pois sero futuros professores. Avanos conseguidos Percebemos na anlise dessa categoria que avanos conseguidos, ou no, estorelacionadosscategoriasDiculdadesConceituaiseDiculdades Metodolgicas. Percebemos que Aluna 1 apresentou durante todo o proces-so diculdades em relao compresso do conceito de sucesso ecolgica. Pareceu muito difcil aluna desenvolver a parte terica e prtica da pesqui-sa, que consistia na explorao do conceito teoricamente, no levantamento de dados da vegetao especca (cerrado) e principalmente na organizao desses elementos em um esquema e texto explicativo sob nova abordagem. Neste contexto, o material didtico apresentado em cumprimento dos obje-tivos propostos pela Aluna 1 teve efetiva participao da Aluna 2. Esse tra-balho foi relevante para o trabalho de ambas, pois durante sua elaborao, asalunasdiscutiramquestespertinentesparaaproposiodoesquema que pudesse minimizar as crticas feitas por elas nos exemplos analisados. Ao realizar pesquisa com os alunos do Ensino Mdio, a Aluna 2 colocou prova suas prprias concepes e teve que recorrer teoria para embasar as hipteses levantadas acerca das concepes dos alunos. possvel perceber que a Aluna 1 apresentou, ainda na entrevista indi-vidual nal, restries ao entendimento do conceito de sucesso. J a Aluna 2 se colocou com maior entendimento do conceito, mesmo sobre sua inter-dependncia com outros conceitos ecolgicos e biolgicos, sua abordagem no contexto de ensino, arriscando at uma reexo a cerca da epistemologia da ecologia, referindo-se s diversas teorias defendidas pelos pesquisadores da rea. Concluses A pesquisa realizada permite-nos tecer algumas concluses sobre a for-mao de professores de Biologia.30ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRA Percebemos que o ensino de Ecologia tal como vem sendo ensinado na escolaridade bsica no facilita a compreenso conceitual, pois os conceitos so abordados isoladamente, e no so dadas aos alunos possibilidades de os reagruparem em uma rede conceitual mais complexa, caractersticas de processos ecolgicos e biolgicos. Os alunos devem ser expostos a situaes que permitam, ao nal do estudo de um conceito que lhes foi apresentado por partes ou fases, o entendimento do processo como um todo. Se os prin-cipais meios dessa formao conceitual, isto , os professores e os manuais didticos, no lhes derem essa orientao, dicilmente conseguiro estipu-lar relaes mais complexas entre os fenmenos apresentados. Ao longo das orientaes, nos deparamos com as diculdades metodo-lgicas das alunas, como, por exemplo, ao propor um esquema e texto ex-plicativoparaoprocessodesucessoecolgica.Foipossvelperceberque ascrticasfeitasporelasaosmanuaisdidticosanalisadostinhamproce-dncia, e realmente poderiam causar distores conceituais. Mas, medida queprecisavamdiscutirteoricamenteoconceito,faltavamsubsdiospara apresentao de propostas que suprissem essa distoro. Assim, evidencia-ram-se as diculdades conceituais, remetidas s prprias falhas de forma-o conceitual. Apesar das diculdades apontadas, podemos vericar que o trabalho de iniciao cientca permitiu um exerccio terico metodolgico importante na formao inicial dessas alunas. Entendemos que houve um avano, prin-cipalmenteporqueasalunasobjetivaramtrabalharconceitosecolgicos juntamente com a avaliao de materiais didticos e a proposio de outras formas de ensinar. Tal conjunto de fatores deve servir de base para outros trabalhos da mesma natureza, pois demonstram uma potencialidade de ar-ticular elementos fundamentais para o exerccio de transposio didtica.Referncias bibliogrcasBEGON, M.; TOWNSEND, C. R.; HARPER, J. L. Ecologia: De Indivduos a Ecossistemas. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. 740p.FRACALANZA, D. C. Crise ambiental e ensino de Ecologia: o conito na relao homememundonatural.1992. Tese(doutorado).UniversidadeEstadualde Campinas Faculdade de Educao. Campinas, SP, 1992.ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II31KRASILCHIK, M. Prtica de Ensino de Biologia. So Paulo: Harbra ltda., 1996. 267p.ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983, 434p.PINHEIRO da SILVA, P. G.;CAVASSAN, O. Ainuncia da imagem estran-geira para o estudo da Botnica no Ensino Fundamental. Revista Brasileira de Pesquisa em Educao em Cincias, Porto Alegre, v.5, n.1, 2005.PINTO-COELHO, R. M. Fundamentos em Ecologia. Porto Alegre: Artes Mdi-cas, 2002.PIT, M. T.; AVELAR, T. Ecologia das populaes e das comunidades. Uma abor-dagem evolutiva do estudo da biodiversidade. Lisboa: Edio da Fundao Ca-louste Gulbenkian, 1996. 315p.RICKLEFS, R. E. A economia da natureza. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-gan, 2003. 503p.WEISSMANN, H. Didtica das cincias naturais: contribuies e reexes. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 244p.2A CENTRALIDADE DO CONCEITO DE ORGANISMO NO CONHECIMENTO BIOLGICO E NO ENSINO DE BIOLOGIA*Fernanda Aparecida Meglhioratti1Charbel N. El-Hani2Ana Maria de Andrade Caldeira3IntroduoApesar de parecer bvio para o senso comum que a Biologia tem como umdeseusprincipaisobjetosdeestudooorganismo,vriosautorestm argumentado que, de forma geral, este perdeu seu papel central nessa nessa Cinciadevidocrescentenfasenosaspectosmoleculareseaofatodea Biologia Evolutiva darwinista no ter atribudo, desde Darwin e pela maior parte do sculo XX, um papel explicativo claro ao organismo em sua estru-tura conceitual (Lewontin, 1978, 2002; Goodwin, 1994; Feltz, 1995; Webs-ter e Goodwin, 1999; El-Hani e Emmeche, 2000; Ruiz-Mirazo et al., 2000; Gutmann e Neumann-Held, 2000; El-Hani, 2002; Seplveda, Meyer e El-Hani, no prelo). Segundo Ruiz-Mirazo et al. (2000), as pesquisas biolgicas atuais esto focalizadas em nveis mais restritos que o organismo, tais como aBiologiaMoleculareateoriaevolutivagenecntrica,ouemnveismais globais, como em algumas partes da Biologia Evolutiva e da Ecologia.1Unioeste Universidade Estadual do Oeste do Paran. Docente do Centro de Cincias Bio-lgicas e da Sade. E-mail: [email protected] Universidade Federal da Bahia. Coorientador e Docente do Instituto de Biologia. E-mail: charbel.el-hani@pesquisador.cnpq.br.3UnespUniversidadeEstadualPaulistaFaculdadedeCincias/campusdeBauru.Do-cente do Departamento de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia. E-mail: [email protected]. *ApoionanceirodoConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientcoeTecnolgico (CNPq).34ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAA Biologia Molecular tem sido caracterizada, na maior parte de sua his-tria, por um esforo em explicar os fenmenos orgnicos com base apenas em mecanismos moleculares, alm de apoiar-se na noo de informao ge-ntica para compreender processos evolutivos e de desenvolvimento, sobre-tudo em termos do papel dos genes (Etxeberri e Umerez, 2006). Dessa pers-pectiva, o sucesso da Biologia Molecular na segunda metade do s culo XX terminou por criar a impresso de que todos os fenmenos biolgicos pode-riam ser sucientemente compreendidos por meio de explicaes molecu-lares, conduzindo, assim, a uma via pela qual a biologia deixou de ser uma cincia do organismo. NocomeodosculoXXI,aBiologiaMolecularpareceestarseafas-tando,contudo,davisoreducionistaqueacaracterizoudesdeseunasci-mento.AvanosrecentesnaBiologiaMoleculareemoutroscamposque nasceramdela,comoagenmicaeaprotomica,tmlevadoaumacom-preensodossistemasbiolgicoscomoredesinformacionaiscomplexas, que demandam, para sua compreenso, a adoo de uma perspectiva sis-tmica. Da a onda atual de biologia de sistemas nesses campos (Ideker et al., 2001), frequentemente descrita como uma abordagem no reducio-nista (e.g., Chong e Ray, 2002; Kitano, 2002), ainda que um determinismo e reducionismo envergonhados possam ser ainda detectados em trabalhos ditos sistmicos (cf. Leite, 2007) e no seja muito claro o que signica, de fato, a chamada biologia de sistemas, que tem ganhado atualmente tanta prevalncia(Keller,2005).Emboraasinvestigaessobresistemasmole-cularesecelularestenhamdefatoaumentadosuaescalaespacial,traba-lhando em nveis mais elevados de organizao, no parece haver qualquer tendnciaclaranabiologiadesistemasderetomadadoorganismocomo objeto prioritrio de estudo.Atmesmoateoriasintticadaevoluomarcadapelatendnciade veroorganismocomoumobjetomeramentepassivo,semqualquerin-unciaativasobreomundofsicoexterno(El-Hani,2002;Lewontin, 2000;Lewontin,2002).Lewontindiscutecomoaadesodabiologiamo-dernaaumacompreensodaadaptaobaseadaemumavisounilateral da relao entre organismo e ambiente contribuiu para o deslocamento do organismodofocodeestudodaBiologiaEvolutiva.Oprocessodemu-danaevolutivatemsidousualmenteconcebidodetalmaneiraqueoor-ganismoapresentasoluesquenosoproduzidasporelesprprios, ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II35maspormecanismosdeorigemdevariaesquesocegosssuasneces-sidades,paraproblemasproduzidosporumambienteexterno,cujadi-nmicatambmnodependedoorganismo.Nasnteseevolucionista,a importnciadosorganismosestrelacionadaaofatodequeelesvariam. Oorganismosetornaumpontodeencontropassivodeforasalheiasa eleprprio.Essemododecompreenderaadaptaoimplicaa(na)viso simplistadequeoambientesemodicaporumadinmicaprpria,sem que sejam levados em conta os efeitos das atividades das formas vivas, que modicam o prprio ambiente em que vivem de maneira tanto a promover como a inibir sua prpria vida e a de outros organismos. Pode-se entender, ento,como,deacordocomavisoquetemsidodominantenaBiologia Evolutiva, o organismo constitui o nexo passivo de foras externas (as con-dies ambientais que estabelecem presses seletivas) e internas (os meca-nismos de produo de variao), independentes umas das outras. Esse foi outrocaminhopeloqualaBiologiaperdeuseucarterdeumacinciado organismo. Lewontin considera que as interaes entre organismos e ambiente so muito mais complexas do que proposto nessa viso dominante. Elas apre-sentam, em sua viso, um carter dialtico, ou seja, organismos e ambiente exercem uma inuncia recproca sobre suas dinmicas. Para esse autor, a evoluo pode ser mais adequadamente descrita como um processo no qual aevoluodosorganismosconduzresoluodeproblemasqueso,em certa medida, postos pelos prprios organismos ao modicarem o ambiente em que vivem, o que faz com que os problemas que necessitam de soluo mudemgradualmentemedidaqueosorganismosevoluem. Trata-sede umprocessodecoevoluodosorganismosedeseusambientes.Apartir de tal viso sobre o processo evolutivo, os organismos adquirem um papel central na construo das explicaes sobre sua evoluo.NavisodeLewontin(2000,2002),paracompreenderoorganismo, devem-se considerar fatores internos a ele que no esto restritos aos genes. Aontogeniadeumorganismoconsequnciadeumainteraosingular entreseusgenes,asequnciatemporaldosambientesexternosaosquais est sujeito durante a vida e eventos aleatrios que tm lugar em interaes molecularesecelularesaolongodoprocessoontogentico.Dessaforma, existem situaes em que as caractersticas apresentadas pelos organismos no so consequncia nem da variao gentica nem do ambiente externo. 36ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRALewontin(2002)tambmteceinteressantesconsideraessobreade-nio de ambiente. Para esse autor, existe uma confuso entre a assertiva correta da existncia de um mundo fsico externo a um organismo (que con-tinuaria a existir mesmo na ausncia de vida) e a armao incorreta de que existe ambiente sem organismo. Em sua viso, o ambiente de um organis-mo formado pelas condies externas que so para ele relevantes. Portan-to, no existe ambiente sem organismo nem organismo sem ambiente. Os organismos, alm de determinarem os fatores relevantes de seu ambiente, tambm constroem ativamente um mundo sua volta, alterando constan-temente o prprio ambiente.WebstereGoodwin(1999,p.495,traduonossa)destacamaimpor-tncia de se pensar o organismo a partir de suas prprias caractersticas:Uma das maiores consequncias de uma conceituao de organismos como estruturasoutotalidadesauto-organizadas[...]arearmaodoorganismo como o prprio objeto da pesquisa biolgica: um objeto real, existindo em seu prprio modo e explicado em seus prprios termos.Dessemodo,elesenfatizamaimportnciadeseternadevidacontao organismo como um elemento central do conhecimento biolgico. A redu-odasexplicaesbiolgicasaexplicaespuramentequmicasefsicas faz com que a Biologia perca seu status de campo de conhecimento espec-co. H, contudo, boas razes para defender a autonomia epistemolgica e metodolgicadaBiologia(aindaquenosuacompletaindependnciaem relao Fsica e Qumica) (Mayr, 1982). Explicaes fsicas e qumicas so necessrias, mas no sucientes para a compreenso dos fenmenos vi-tais,emvistadaorganizaodossistemasbiolgicos.Paracompreender adinmicadossistemasvivos,precisoconsiderarsuaorganizao,que comportavriosnveisdecomplexidadehierrquica,assimcomoaexis-tncia de propriedades que emergem no organismo devido a certos tipos de padres organizacionais. Quanto abordagem do conhecimento biolgico no contexto do ensino, pesquisas sobre o Ensino de Biologia tm apontado uma tendncia de enfa-tizaraspectosmoleculares. Temsidomostradaemalgunsestudosaexis-tncia de uma tendncia reducionista no conhecimento escolar de Biologia, noqualgeralmenteseenfatizaaunidadedavidaemnveismolecularese celulares,semesforosimilarparaaconstruodeumacompreensoin-ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II37tegradadosseresvivosemnveisacimadocelular(KawasakieEl-Hani, 2002a;KawasakieEl-Hani,2002b;Coutinho,2005;Silva,2006).Diante dessa situao, vale a pena investigar se o Ensino de Biologia pode bene-ciar-se da explicitao do conceito de organismo como elemento central no conhecimento biolgico.Apartirdastesesdequeoconceitodeorganismotempapelcentral, estruturador do conhecimento biolgico, e de que a compreenso dos siste-mas vivos demanda abordagens no reducionistas, uma vez que explicaes moleculares no so sucientes para dar conta da compreenso dos fenme-nos biolgicos, este artigo se prope a: 1) elucidar o conceito de organismo pormeiodediscussesadvindasdaFilosoadaBiologiacontempornea, por meio da integrao dos conceitos de nveis hierrquicos de organizao, sistemasauto-organizveis,autonomiaagencialepropriedadesemergen-tes;2)discutiroconceitodeorganismocomoelementointegradordoco-nhecimento biolgico e do ensino de Biologia.O organismo como unidade autnoma, coletiva e evolutivamente construdaSegundo Ruiz-Mirazo et al. (2000, p.210), o termo organismo expres-saaideiadeseresvivosemoposioaumavisoglobaldevida,enfati-zando aspectos de autonomia e a capacidade do sistema biolgico de criar signicado. Esse termo faz referncia ao tipo de organizao encontrada em seres vivos, cando nele subentendido que os seres vivos se diferenciam da matria inanimada pela forma como seus componentes esto organizados, e no pelos tipos de componentes. Comoformadeexplicitarumconceitodeorganismoquesejacondi-zente com os debates contemporneos na Biologia Terica ou Filosoa da Biologia e que indique um padro organizativo do ser vivo, ressalta-se neste artigoacentralidadedesseconceitopormeiodeumaabordagemhierr-quica das estruturas e dos processos biolgicos. O entendimento dos seres vivosmediantenveishierrquicosdecomplexidadecomumnasCin-cias Biolgicas (Ruiz-Mirazo et al., 2000). Entre outros fatores, isso ocorre devidoaofatodeessascinciasestenderemsuasinvestigaesdesdeuma perspectivamicro(porexemplo,doambientecelularegentico)atas 38ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAdimensesmacro(comonocasodepopulaeseecossistemas).Entreos conceitos mobilizados por essa abordagem hierrquica, temos os de fecha-mento organizacional, autonomia agencial e propriedades emergentes, que constituem, juntos, uma base heuristicamente poderosa para a compreen-so do organismo.Conceitos fundamentais na compreenso do organismoO organismo como um sistema organizacionalmente fechado O organismo pode ser concebido como um sistema que possui um fecha-mento organizacional. Dessa forma, a elucidao do conceito de organismo estrelacionadacompreensodoconceitodesistema,oqualserefere percepoe/ouformaodeumlimitequedeterminaoscomponentes, detalmaneiraquepossamosindividuarosistemacomoumconjuntode componentes que estabelecem certa estrutura de relaes e so por ela esta-belecidos, diferenciando-se de um ambiente externo ao sistema.Aexistnciadeumfechamentoorganizacionalpodeserpercebidapor meio da manuteno de relaes circulares entre as partes do sistema, que se sustentam mutuamente. a manuteno desse fechamento organizacional que permite reconhecer cada ser vivo como nico. Por exemplo, um animal se modica durante sua vida, mas existem relaes organizacionais que per-mitem no s distingui-lo do ambiente externo como tambm reconhec-lo, apesar das transformaes, como sendo o mesmo organismo. Portanto, reconhece-se cada organismo como um sistema parcialmente aberto a tro-cas de energia, matria e informao, mas que se caracteriza pela manuten-odecertasrelaesdeorganizao.Nossistemasvivos,fazpartedesse padro organizacional a existncia de uma barreira dinmica que separa o organismodeseuambiente.Nosorganismosunicelulares,essabarreira a membrana celular e, em muitos deles, tambm uma parede celular. Nos multicelulares, apesar da existncia da membrana celular delimitando cada clula que o constitui, a separao do organismo em relao ao seu ambiente ocorre por meio da formao de outras barreiras, como, por exemplo, a pele (que, obviamente, tambm formada por clulas)4. 4No se pode deixar de mencionar, entretanto, que existem diculdades no reconhecimento de casos fronteirios, por exemplo, no caso dos organismos coloniais.ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II39Umavezdelimitadooorganismo,pode-sedeniremtermosgeraiso que faz parte de sua constituio e o que no faz. Trs nveis hierrquicos podemserassimreconhecidos:oambienteexterno(ecolgico-evolutivo); oorganismo;oambienteinterno(componentestissularesecelularesno caso de organismos multicelulares e tambm moleculares). Da auto-organizao autonomia agencialOfechamentoorganizacionalestrelacionadoaoconceitodeauto-or-ganizao, ou seja, formao e organizao de uma estrutura ordenada a partir da interao das partes do prprio sistema. Moreno (2004) distingue trs sentidos para o conceito de auto-organizao: a) geral, designando con-juntamente os fenmenos de formao espontnea de ordem dinmica; b) autonomia, quando o sistema capaz de ser mantido de forma adaptativa, exercendosuasaesfuncionaisdentrodeumambientevarivel;ec)au-tonomia coletivamente organizada, ou seja, os sistemas biolgicos inseridos em nveis superiores de organizao, tais como populaes e comunidades. Moreno(2004)destacaque,nosentidogeral,aauto-organizaopode ser entendida como um fenmeno resultante da emergncia de uma estru-tura global e sistemtica por meio de interconexes de unidades simples. No sentido da autonomia, trata-se da capacidade do sistema de agir se-gundo leis e regras prprias. A ideia de autonomia requer uma identidade distinta, pressupondo no somente a distino entre sistema e ambiente, mas tambm a possibilidade de essa distino ser realizada pelo prprio sistema. Moreno (2004) d como exemplo hipottico de autonomia o aparecimento de sistemas autnomos mnimos no ambiente pr-bitico da Terra, ou seja, de sistemas que seriam capazes de se autogerar recursivamente, formando umlimitequeosseparavadoambiente,possibilitandoaautomanuteno dos sistemas em um entorno varivel. Nesse ambiente pr-bitico, o grau de autonomia individual era maior do que aquele encontrado em qualquer um dos seres vivos que posteriormente surgiram no ambiente terrestre, j que os sistemas autnomos no ambiente pr-bitico no estavam inseridos em redes de relaes com outros sistemas autnomos. Portanto, as primei-ras formas autnomas, ao mesmo tempo em que tinham um grau elevado de autonomia,apresentavamtambm,porseremsistemasextremamentefe-chados em si mesmos, uma limitao quanto possibilidade de aumento de complexidade. Dessa forma, para que fosse possvel a evoluo de sistemas 40ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAvivos diversicados, foi necessria a insero de sistemas autnomos indi-viduais em redes de conexo com outros indivduos, da emergindo nveis superiores da organizao biolgica, como comunidades e ecossistemas. Especicando o conceito de autonomia para representar os sistemas vi-vos que se encontram integrados em nveis superiores de organizao biol-gica, Moreno (2004) arma que os seres vivos constituem um tipo especial de autonomia, aberta evolutivamente, e no restrita ao mbito individual: a autonomia coletivamente organizada. Os organismos vivos so formados por meiodaconexohistrico-coletivaeinseridosemummetassistemamais amplo, em uma escala tanto espacial quanto temporal, permitindo a origem de sistemas ecolgicos capazes de reciclar componentes necessrios sus-tentao da organizao individual de base. Assim, ao preo da perda de uma autonomia completa no nvel individual, a metaorganizao biolgica per-mitiu a articulao de formas de vida de modo indenidamente sustentvel. Etxeberria e Moreno (2007, p.30) renam o conceito de autonomia nos seres vivos mediante a associao da autonomia com a capacidade de agn-cia.Essesautoresprocuramdiferenciaroqueosistema,oser,eoque sua agncia, o fazer. Para eles, a identidade do sistema deve aparecer como uma organizao estvel da qual derivam aes para o exterior do sistema, devendo-sedistinguirentreprocessosconstitutivoseinterativos.Essadis-tinoexemplicadapormeiodofenmenodebombeamentoativode ons nas clulas:[...] o bombeamento ativo de ons necessrio para manter o funcionamento da clula (que, do contrrio, explodiria como consequncia de uma crise osmti-ca).Masestebombeamento,queimplicaumaformadetrabalho,porque um transporte para a clula cont ra um gradiente de concentrao, requer uma sub-organizaointernadediferentesreaesencadeadas.Aclulamantm seufuncionamentograasaobombeamentodeons(processointerativo),o qualrequerummecanismointerno(processoconstitutivo),que,porsuavez, em escala temporal mais ampla, depende indiretamente da correta realizao do processo de bombeamento. Em outras palavras, ainda que, em ltima instncia, o fazer do sistema (re)genere recursivamente seu ser, tem de haver uma dupla escala temporal no processo, que permita falar de um sistema com identidade agencial.Estedeveaparecercomoumaformadeorganizaomaiscomplexa do que as aes que se produzem a cada momento. Se no for assim, estaramos diante de um processo meramente automantido, mais do que frente a um ver-dadeiro caso de autonomia (Etxeberria e Moreno, 2007, p.31, traduo nossa). ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II41Etxeberria e Moreno (2007) consideram, ainda, que um sistema autno-modevepossuiralgumtipodesuborganizaocapazderegularosuxos de matria e energia entre o sistema e seu entorno, ou seja, para um sistema ser considerado autnomo, devem existir aes deste sobre o meio externo. AnoodeautonomiaagencialdesenvolvidaporEtxeberriaeMoreno auxilianadelimitaodeorganismosemcasosfronteirios.Porexemplo, comocariaadeniodeorganismosemsistemasquesoformadospor unidades (indivduos) de diferentes gentipos, mas que possuem um alto grau de integrao, como o caso da caravela-portuguesa (Physalia physalis) (Sterelny e Grifths, 1999; Ruiz-Mirazo et al., 2000; Etxeberria e Moreno, 2007) ou de insetos sociais como as abelhas, no qual o conjunto de indivduos poderia ser considerado um superorganismo, j que cada indivduo tem uma funo especca e h, inclusive, em muitas espcies uma separao entre or-ganismos reprodutivos e organismos no reprodutivos, de modo similar se-parao entre germoplasma e somatoplasma em organismos multicelulares? A identicao do organismo nesses casos associaria a perspectiva da agen-cialidade organizao hierrquica dos processos biolgicos. Os organismos seriam identicados como aqueles sistemas nos quais as relaes funcionais de suas partes integrantes formam um todo com um maior grau de integra-ofuncionaldoqueaexistenteentreossistemasqueformamaunidade superior(EtxerrebiaeMoreno,2007,p.34,traduonossa).Nocasodos insetos sociais, por exemplo, possvel perceber maior integrao funcional entreoscomponentesqueconstituemaabelhadoqueentreasdiferentes abelhas da colmeia. Portanto, o ncleo da autonomia agencial estaria no n-vel da abelha individual, podendo esta ser considerada como o organismo. O caso da caravela de anlise mais complexa, porque no to evidente que a coeso das clulas na colnia seja menor do que a coeso dos compo-nentes das clulas individuais. Contudo, a prpria qualicao da caravela como uma colnia decorre do fato de que as clulas que a constituem no exibem tanta coeso entre si quanto temos nos organismos multicelulares. Parece, assim, que o ncleo da autonomia agencial est ao nvel das clulas, enodacolnia,apesardeocasodacaravelaser,defato,maisdifcildo que o das colmeias. A noo de autonomia agencial certamente no resolve todos os problemas na delimitao dos organismos, mesmo porque a pr-pria descrio e delimitao de nveis de organizao dependem no s da integrao entre componentes, mas tambm da atuao de um observador 42ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAexterno. No entanto, a noo de autonomia agencial parece ser de fato um critrio til na delimitao de organismos.Uma abordagem hierrquica do conceito de organismoA concepo de uma autonomia agencial relativa ao nvel do organismo individualedesuainseroemnveissuperioresdeorganizaopodeser modelada por meio de uma hierarquia escalar. Noestudodoorganismo,importantecompreendertantosuaconsti-tuio como os nveis superiores no qual se insere. Um estudo local e restri-to da constituio e dos mecanismos fsico-qumicos de um organismo vivo permite aprofundar o conhecimento por meio de uma riqueza de detalhes, permitindoadescriodasinteraesedosmecanismosgenerativosque permitem a emergncia das caractersticas descritas em um nvel hierrqui-co mais complexo, como o nvel orgnico. Entretanto, compreender o am-biente externo, por exemplo, as comunidades ecolgicas e os ecossistemas nosquaisosorganismosseinseremeinteragemcomoutrosorganismos, tambm necessrio. Comoasentidadeseosprocessosbiolgicospodemserdescritosem diferentesnveisdecomplexidadeeemdiferentesintervalosdetempo, torna-senecessriomodelarescalasespaciaisetemporaisnosquaiseles sesituam,nocontextodemodeloshierrquicos.Ummodelohierrquico interessante, heuristicamente poderoso, encontrado na hierarquia escalar proposta por Salthe (1985; 2001). Esse autor prope que, por razes prag-mticas,devemostrabalharcomtrsnveisdeorganizao:onvelsupe-rior (que estabelece condies de contorno para as entidades e os processos no nvel focal e, desse modo, restringe suas dinmicas por meio de efeitos seletivos),onvelfocal(noqualseencontraofenmenodeinteresse)eo nvel inferior (que gera as interaes das quais emergem as entidades e os processos envolvidos no fenmeno de interesse, ou seja, as condies inicia-doras de tais processos e entidades, tambm restringindo suas dinmicas)5. 5Adeniodosnveisdeummodelohierrquicoestrelacionadaquestodepesquisa que se est buscando responder (Queiroz e El-Hani, 2006). Como discute ONeill (1988), possvel estabelecer diferentes hierarquias dirigidas a enfrentar problemas distintos de uma rea. A representao hierrquica se constitui a partir de uma abordagem pragmtica, como uma ferramenta epistemolgica para organizar e representar o mundo de acordo com deter-minadosobjetivos(Meglhiorattietal.,2008).Poressarazo,apropostahierrquicaaqui discutida destaca o organismo, que o objeto de interesse do presente trabalho.ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II43De acordo com esse modelo, as dinmicas dos processos e das entidades no nvel focal resultam, ento, da interao de restries que operam de baixo para cima (bottom-up) e de cima para baixo (top-down). Pararepresentaressaestruturahierrquica,pode-seutilizaraseguinte notao: [nvel superior [nvel focal [nvel inferior]]]6. A representao hie-rrquica de Salthe (1985) foi utilizada como base para o estabelecimento de trsnveisdeorganizaorelativosestruturaeaosprocessosbiolgicos, tomando-seoorganismocomonvelfocal,oambienteexternocomonvel superior(entendendocomoambienteosfatoresdomeioexternoqueso relevantes para determinado organismo, no sentido proposto por Lewontin, 2002)eoambienteinternocomonvelinferior(elementostissulares,celu-laresemoleculares).Dessaforma,considera-seoorganismocomoponto central da discusso, assumindo sua unidade e autonomia por meio das re-laesengendradaspelosseguintesnveis:[ambienteexterno(ecolgico/ evolutivo) [organismo [ambiente interno (tissular/celular/molecular)]]]. A colocao do organismo no nvel focal desse modelo hierrquico reete um posicionamento a favor de uma compreenso da Biologia como uma cincia do organismo, ressaltando-se, ainda, a autonomia da Biologia em relao a outras reas do conhecimento cientco, em particular, Qumica e Fsica. Relacionada estrutura hierrquica da organizao biolgica est a ideia de propriedades emergentes, ou seja, de propriedades observadas ao nvel deumsistemacomoumtodo,que,emborarelacionadasmicroestrutu-radosistema,nosoredutveisspropriedadeserelaesdaspartesdo sistema.Assim,emumsistemacomplexocomooorganismo,novaspro-priedades surgem especicamente no nvel do sistema como um todo, por exemplo,umdeterminadocomportamentoanimal,nopodendoesteser explicado apenas pela anlise da constituio e dos mecanismos molecula-res. Tomandocomoexemploumorganismounicelular,seupadroorga-nizacional emergente depende das interaes ocorridas no nvel imediata-mente inferior (interaes moleculares) e no nvel imediatamente superior (restries impostas pelo ambiente ao longo da evoluo do organismo e, no tempo ecolgico, nas interaes que ele estabelece com outros organismos). Oorganismounicelularnodevesercompreendido,pois,apenascomo 6So utilizados colchetes como representao grca da hierarquia escalar, no qual um deter-minado nvel focal incorpora um nvel inferior e est imerso em um nvel superior. 44ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAponto de encontro entre os nveis inferior e superior. Deve-se considerar a sua histria evolutiva e a insero em um metassistema ecolgico mais am-plo. O organismo caracterizado por sua autonomia agencial, o que implica que ele tem regras prprias e exibilidade na interao com o meio externo, agindosobreesteemodicando-o,nopodendoserconsideradoapenas um ente passivo.Explicitando o conceito de organismoApartirdoquefoidiscutidoanteriormente,podemosdestacarasse-guintes ideias centrais para a elucidao do conceito de organismo:a.Sistema complexo, com fechamento organizacional resultante de rela-es circulares entre as partes do sistema, conferindo coeso ao siste-ma e gerando um limite dinmico que separa o sistema do ambiente externo. b.Asrelaescirculareseofechamentoorganizacionalgeradosdentro do prprio sistema so tratados como parte de um processo auto-or-ganizado.Umsistemaauto-organizadosemantmlongedoequil-brio termodinmico, mantendo vias de estabilidades e regras geradas dentro do prprio sistema.c.Osseresvivosapresentamumtipoparticulardeauto-organizao chamadadeautonomiaagencial,ouseja,aidentidadedosistema aparececomoumaorganizaoestveldaqualderivamaespara oexteriordosistema.Oagenteautnomo,ouseja,oorganismo, denidomedianteumaperspectivahierrquica,sendoconsiderado nvel do organismo aquele que apresenta maior integrao funcional quando comparado aos nveis superiores de organizao.d.Nonvelorgnico,aparecempropriedadesirredutveissproprie-dades e relaes de suas partes. Portanto, os organismos apresentam propriedades emergentes, cuja irredutibilidade deve ser entendida em termosdesuanodedutibilidadedaspropriedadesqueaspartes exibem em estruturas relacionais mais simples (El-Hani e Queiroz, 2005). As prprias aes dos organismos acontecem no nvel orgni-co, portanto, a capacidade de agncia pode ser considerada uma pro-priedade emergente desse nvel de organizao hierrquica.ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II45e.Os organismos esto integrados em nveis hierrquicos superiores de organizao,taiscomopopulaes,comunidadeseecossistemas.A insero nesses nveis tem grande inuncia sobre a manuteno do nvelorgnico.Umexemplodaocorrnciadaorganizaocoletiva ededependnciaentreosseresvivos,emumcicloderelaesau-tossustentadas,podeservistonociclodonitrognio.Onitrognio encontradonaatmosferaemgrandequantidadenaformadegs nitrognio.Noentanto,amaiorpartedosseresvivosnoconsegue utilizar o nitrognio na forma encontrada na atmosfera e depende de bactrias que xam o nitrognio incorporando este elemento em suas molculas orgnicas. A associao de bactrias xadoras de nitrog-nio com plantas (como o caso das leguminosas) permite que as l-timas obtenham compostos nitrogenados. Quando plantas e animais morrem, o nitrognio presente em seus protoplasmas decomposto emcompostosdeamnia,quefertilizamosolo.Algumasplantas conseguemutilizaraamnia,masocompostoutilizadocommaior facilidade o nitrato. A amnia presente no solo oxidada pela ao de bactrias do gnero Nitrossomonas, levando formao de nitrito. Porsuavez,onitritooxidadoporbactriasdogneroNitrobac-ter, levando formao de nitrato. O nitrato absorvido e utilizado comfacilidadepelamaiorpartedasplantasverdesnaproduode matria orgnica, principalmente de protenas e cidos nucleicos. As plantas, ao servirem de alimento para animais, passam o nitrognio orgnico ao longo da cadeia alimentar. Parte dos compostos nitroge-nados presentes no solo utilizada por bactrias desnitricantes, que acabamporproduzirgsnitrognio,quenovamenteincorporado atmosfera, fechando-se, assim, um ciclo de relaes biolgicas que permite a manuteno de organismos de diferentes espcies (Odum, 2004).nessestermosqueorganismospodemserconcebidos comounidadesautnomascoletivamenteorganizadas,inseridosem processosecolgicoseevolutivosquesofundamentaisparaasua manuteno.Alguns termos foram destacados nas consideraes acima para eviden-ciararelaoconceitualentreelesecomoelesacabamporsejusticarem mutuamente,dandoindicaesdaconsistnciatericadetalperspectiva 46ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAsobre o organismo. Esses diferentes conceitos podem ser integrados na se-guinte formulao do conceito de organismo: um organismo uma unidade autnoma, coletiva e evolutivamente construda, possuindo propriedades que emergem no nvel orgnico. Essa explicao de organismo engloba os concei-tos de nveis hierrquicos, auto-organizao, autonomia, agncia, evoluo epropriedadesemergentesdiscutidosanteriormente.Odestaquedado capacidade de agncia permite compreender o organismo como tendo um papelativonoseuambiente,contrapondo-sevisodoorganismocomo ente passivo, tal como encontramos tanto em uma abordagem reducionista da Biologia quanto na teoria sinttica da evoluo. O conceito de organismo como integrador do conhecimento biolgico e do ensino de BiologiaA explicitao do conceito de organismo dentro do conhecimento bio-lgiconecessria,umavezqueesseconceitotemsidopoucodebatido. ComoRuiz-Mirazoetal.(2000)armam,oorganismotemsidotratado de forma marginal dentro da Biologia. Alm disso, mediante uma aborda-gemhierrquicaqueassumaoorganismocomonvelfocaldediscusso, esseconceitopassaaserreconhecidocomoelementointegradordecon-ceitosreferentesanveisinferioresdeorganizao(aspectosmoleculares, celulares e tissulares) e nveis superiores (como populaes, comunidades e ecossistemas).Acompreensodoorganismocomounidadeautnoma,coletivaeevo-lutivamenteconstruda,possuindopropriedadesqueemergemnonvelorg-nicomaisadequadaaoEnsinoSuperior,umavezqueexigealtograude abstrao.Entretanto,podem-sedestacardoispontosquesereetemna educao bsica: 1) o estudo desse conceito um importante elemento para a formao de um corpo conceitual sistmico na formao de professores de biologia. Dessa forma, a compreenso da natureza do conhecimento biol-gico tendo como ponto focal o organismo pode auxiliar os futuros professo-res a relacionar conceitos nas situaes de ensino de Biologia; 2) o conceito de organismo proposto pode ser recontextualizado didaticamente para uso no Ensino Mdio mediante a utilizao das ideias de nveis hierrquicos de organizaoepropriedadesemergentes.Issopodeserfeitoindiretamente ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II47com base no estudo de casos exemplares de organismos em seus contextos siolgicos, comportamentais e ecolgicos. Para exemplicar de que forma o conceito de organismo pode ser inte-grador no conhecimento biolgico, pode-se pensar, por exemplo, na nutri-o de um determinado animal. Para obter alimento, um mamfero estabe-lecer inmeros tipos de comportamentos e interaes ecolgicas: ele pode, porexemplo,competirporalimentoe/ouutilizarestratgiasdearmaze-namentoparatemposescassos.Emumacompetioporalimentoden-trodeumamesmaespcie,asdiferenasindividuaisserofundamentais paraasobrevivnciaeareproduo.Assim,quandoumorganismoatua noambienteparaaobtenodealimento,eleacabapormodicaroam-biente para outros indivduos da mesma espcie ou de outras (isso se refere, portanto,formacomooorganismodeterminaedeterminadoporseu ambiente).Obtidooalimento,osnutrientesadquiridosentraronarede metablica daquele organismo e passaro a fazer parte de sua constituio e/ou de seu metabolismo. A qualidade e quantidade dos nutrientes obtidos inuenciaro nas condies fsicas do organismo e na forma como este atua noambienteexterno.Nesseexemplo,caemevidnciaaimportnciade se relacionar os aspectos do comportamento, as interaes ecolgicas com outros organismos e os fatores morfolgicos e siolgicos na explicao de determinado fenmeno biolgico. ProvenzaeLaunchbaugh(1999)destacam,porexemplo,queanimais herbvorosapresentamcomportamentosmuitocomplexoseenfrentam inmerosdesaosnasuainteraocomoambienteparaobteralimentos. Segundo os autores, a necessidade nutricional muda constantemente como consequnciadaidade,doestadosiolgicoedascondiesambientais. Almdisso,aquantidadedeenergia,minerais,protenaseatmesmo toxinasnasplantasvarianoespaoenotempo.Assim,quandoanimais herbvoros se inserem em um novo ambiente, os animais que avaliam seus recursos alimentcios de forma mais apropriada tm vantagem em termos desobrevivnciaereproduo.Essecomportamentonutricionalextre-mamente complexo e pode inclusive ser aprendido pelo convvio em grupo. Os autores ainda destacam que qualquer mudana em nveis hierrquicos internos ao organismo (clulas, tecidos ou rgos) ou no ambiente externo (mudananaalimentao,competiocomoutrasespcieseconvvioem um grupo de determinada populao) inuenciar o comportamento de um 48ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAorganismo individual, ressaltando, assim, o carter complexo das relaes entre nveis.Em relao ao contexto de ensino, a centralidade do organismo permite a integrao de diferentes nveis de organizao e um ensino mais signica-tivo. No ensino de Biologia em geral, os contedos so vistos de modo des-contextualizado.Naorganizaodoconhecimentobiolgiconaeducao bsica, mesmo seguindo uma abordagem hierrquica, os nveis de organi-zao so vistos como unidades isoladas, no se enfatizando suas relaes. Dessa forma, a organizao do conhecimento biolgico ou ocorre partindo dos aspectos microscpicos para os macroscpicos ou, ao contrrio, dos ma-croscpicos para os microscpicos. Por exemplo, aborda-se a constituio qumica celular sem enfatizar como ocorrem as reaes qumicas dentro de clulas especcas. Em seguida, so estudadas a estrutura celular e suas or-ganelas, depois, enfatiza-se a formao de tecidos e sistemas, e, por ltimo, os tipos de seres vivos e as relaes ecolgicas. Segue-se essa sequncia do micro para o macro ou a sequncia inversa. O importante a ser ressaltado que, em geral, o estudo desses diferentes nveis de organizao, no contexto de ensino, no contextualizado mediante exemplos de situaes reais que ocorrem com os organismos. Alm disso, a integrao dos vrios nveis de processoseentidadesbiolgicasnofeita.Ouseja,muitasvezesosalu-nos no conseguem integrar os conceitos estudados em diferentes nveis e podem,porexemplo,noreconhecerqueoorganismoconstitudopor clulas ou no compreender a posio espacial do DNA dentro da estrutura celular (Caballer e Gimenez, 1992; Pedrancini et al., 2007).Uma alternativa de ensino mais integradora seria contextualizar os dife-rentes nveis hierrquicos da organizao do conhecimento biolgico a par-tir do estudo de um tipo de organismo particular. No contexto da educao superior, por exemplo, El-Hani (2002) se refere a um curso de herpetologia7 do Departamento de Zoologia da Universidade do Texas, em que se segue uma metodologia de ensino que aborda diferentes nveis de organizao a partir do organismo. A equipe responsvel pelo curso inclui um sistemata molecular, um curador de museu, um morfologista funcional, um eclogo comportamental, um eclogo de comunidades e um sistemata morfologis-ta, o que torna possvel uma abordagem interdisciplinar. Ou seja, ao invs 7Herpetologia o ramo da Biologia que estuda os rpteis e os anfbios.ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA II49de cada rea abordar os contedos em separado, eles so vistos a partir da contextualizao em um tipo de organismo especco. Essa forma de ensi-no, contextualizada a partir de um determinado organismo, pode ser traba-lhada na educao bsica por meio de situaes e relaes de contedos que sejam coerentes ao Ensino Fundamental e ao Ensino Mdio. Consideraes naisAretomadadoconceitodoorganismocomoumelementointegrador do conhecimento biolgico permite tanto caracterizar a Biologia como uma cinciaautnomaquantoauxiliarnarelaoentreconceitosdediferentes nveis de organizao. O enfoque no organismo ajuda a caracterizar a Biologia como uma cin-cia autnoma, visto que delineia seus contornos em relao aos outros do-mnios cientcos. Por exemplo, pode-se questionar como a Biologia se dis-tingue da Qumica. Apesar da nfase atual nos componentes moleculares, dadooimpactodaBiologiaMolecular(porexemplo,apreocupaocom assequnciasdenucleotdeoseaexpressognica),aBiologiatemcomo centro de estudo (ou deveria ter) o organismo, ou seja, como o organismo implicadoporsuaconstituiomolecular.NaQumica,porsuavez,o cerne da preocupao diz respeito s molculas, como elas se constituem e interagem umas com as outras. Ou seja, os diferentes domnios cientcos tm como objetos de pesquisa diferentes nveis de organizao.A compreenso do organismo a partir de uma representao hierrquica escalar,naqualoorganismoonvelfocaldasinteraesentreambiente externoeinterno,permiterelacionarconceitosdediferentesnveis,favo-recendoaintegraodocontedobiolgico.Essaformadecompreender oconhecimentobiolgicopodeauxiliartambmnoscontextosdeEnsino Superior e na educao bsica. Apesardeosconceitosbiolgicosseremrecontextualizadosnassitua-esdeensino,oquelhesconferecaractersticasprpriasemcadanvel de ensino, a utilizao de organismos reais para explicar os diferentes con-ceitos biolgicos parece ser uma estratgia de ensino capaz de aproximar a Biologia e o conhecimento cotidiano do aluno e de integrar contedos que normalmente tm sido vistos de forma fragmentada no ensino de Biologia. 50ANA MARIA DE ANDRADE CALDEIRAEntende-se, portanto, que a retomada do conceito de organismo na aborda-gem dos fenmenos vitais pode auxiliar tanto a construo do conhecimen-to biolgico quanto o ensino de Biologia. Referncias bibliogrcasCABALLER, M.; GIMNEZ, I. Las ideas de los alumnos y alumnas acerca de la estructura celular de los seres vivos. Enseanza de las ciencias, Barcelona, v.10, n.2, pp.170-180, 1992.CHONG, L.; RAY, L. B. Whole-istic biology. Science, v.295, pp.1661, 2002.COUTINHO, F. A. A construo de um perl conceitual de vida. 2005. 180f. 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