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ENFOQUES EVOLUTIVOS DO TRABALHO
Glaubia Sales Silva Lima
(LATEC / UFF)
Resumo: Ao longo da história, o trabalho obteve sentidos variados num processo evolutivo de
crescente valorização. Atualmente é tema central de estudos e pesquisas por parte das mais
importantes ciências humanas, como a Filosofia, a Sociologia, a Economia e a Educação.
No presente trabalho, além do percurso histórico das principais conotações atribuídas ao
trabalho, serão abordados os mais relevantes aspectos que hoje envolvem a sua noção e a sua
prática. Inegáveis foram os avanços, ainda que lentos, mas significativos. No entanto ainda resta
muito caminho para o real reconhecimento deste excepcional componente da dignidade humana.
Palavras-chaves: Trabalho - enfoques evolutivos – deveres e direitos – avanços.
ISSN 1984-9354
X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014
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FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA
O trabalho tomado como uma questão social é sem dúvida um dos temas que mais tem sido
o foco de estudos, pesquisas e escritos, além de se constituir área de interesse de inúmeras ciências
humanas e campo de constante atuação e preocupação das políticas públicas. Foram muitas as
facetas dessa questão que foram e ainda são objeto de exaustivos e constantes estudos. No
presente texto, pretendemos fatiar este enorme campo de estudos e nele abordar apenas um
aspecto relacionado à questão da evolução histórica que o trabalho percorreu, até desembocar na
forma atual de se ver o trabalho e, sobre esta, analisar alguns traços que a caracterizam.
OBJETIVO
O objetivo do presente texto é demonstrar que o conceito atribuído ao trabalho foi se
modificando ao longo da história chegando ao conceito de trabalho que conhecemos hoje.
MÉTODO
O método adotado para a seguinte pesquisa será a bibliográfica, fazendo de recursos
autores de reconhecida competência e documentos pertinentes citados na bibliografia.
DEFINIÇÃO DE TRABALHO
De antemão é preciso reconhecer a amplitude dos conceitos do tema apresentado. Em
torno desta premissa já foram realizadas inúmeras tentativas de definição, geralmente diferentes
umas das outras. Na realidade, a questão fundamental das diferenças passa pela visão que se tem
do trabalho. Até mesmo a palavra trabalho sofre distorções de significado de acordo com o idioma
empregado.
Na definição marxista, trabalho é a atividade desenvolvida pelo homem, sob determinadas
formas, para produzir riqueza (Antunes, 2005, p.18). Segundo esta definição o trabalho é colocado
sob uma ótica excessivamente reducionista, na qual, pelo trabalho, o sujeito apenas realiza
movimentos mecânicos destinados à produção de riqueza.
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Na tentativa de enriquecer a definição marxista, Ricardo Antunes afirma que o ato de
produção e reprodução da vida humana se realiza pelo trabalho (Oliveira, 1987, p.5).
Na mesma linha de Antunes Friedmann afirma que é a dominação da natureza que
caracteriza o trabalho humano. Segundo ele o trabalho é a transformação, pelo homem, da
natureza que, por sua vez, reage sobre o homem modificando-o (Friedmann & Naville, 1973,
p.20).
A partir desta contribuição de Friedmann e no intuito de abreviar esta polêmica questão
relativa à definição de trabalho, adotamos para este texto a definição apresentada pelo mesmo
Friedmann
“O trabalho é um conjunto de ações que o homem, com uma finalidade prática, com ajuda
do cérebro, das mãos, de instrumentos ou de máquinas, exerce sobre a matéria, ações que, por sua
vez, reagindo sobre o homem o modificam.” (Friedmann & Naville, 1973, p.21).
Karl Marx formula um conceito ainda mais profundo de trabalho abarcando
ontologicamente o todo da existência do homem. Segundo ele,
“não se trata de uma atividade determinada, como no sentido econômico, mas a práxis
fundamental e específica da espécie humana, na qual há uma união essencial entre homem e a
realidade. O caráter de uma espécie qualquer reside no tipo de atividade vital que ela exerce, de
forma que o traço distintivo da humanidade seria o fato de o homem fazer de sua atividade vital um
projeto de sua vontade e de sua consciência. Dessa forma, enquanto o animal é idêntico à sua
atividade vital e sua produção não vai além do que necessita imediatamente para si e para sua prole,
o homem, por meio do trabalho, procede à construção prática de um mundo objetivo, através da
manipulação da natureza inorgânica. Isso é a afirmação do homem enquanto ser genérico
consciente”. (Marx, 1998)
ENFOQUES HISTÓRICOS DO TRABALHO
O trabalho foi visto ao longo da história das formas mais diferentes e até antagônicas. O
interessante neste processo histórico é que as modificações de que foi alvo evoluíram de uma
posição extremamente depreciativa para uma visão positiva e valorizadora.
Merecem destaque dois aspectos tipicamente indicadores desse processo de mudança com
o passar dos tempos.
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Da indignidade à dignidade
Antes de ingressarmos nas formas históricas de práticas laborais vale mencionar algumas
referências ao trabalho encontradas em fontes dos primórdios da humanidade. De forma geral,
nestas épocas o enfoque profundamente negativo do trabalho é marca constante. Este conceito
depreciativo se revela de várias formas e pode ser encontrado em diferentes fontes. Apenas para
destacar algumas, podemos mencionar o caráter punitivo atribuído ao trabalho. Uma fonte
explícita deste traço é a Bíblia. As páginas do primeiro livro bíblico, Gênesis, registram nítidas
afirmações deste gênero. Nelas se afirma que a condição de trabalhar é imposta pelo Criador como
castigo a Adão e Eva, por terem transgredido a ordem divina.
Assim, apenas mencionado um exemplo, nos remotos depoimentos bíblicos, a condição de
trabalhar é imposta pelo Criador como castigo a Adão e Eva, por terem transgredido a ordem
divina. A Adão foi lançada pelo Criador a sentença “Tirarás da terra com trabalhos penosos o teu
sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da
terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado porque
és pó e pó te hás de tornar."(Gen. 3:17-20). A Eva Deus decretou “Multiplicarei os sofrimentos de
teu parto; darás à luz com dores. "(Gen. 3;16). Cabe observar que atualmente o nascimento de uma
criança é denominado trabalho de parto. Nestas sentenças do Criador está claramente manifesta a
condição do trabalho como castigo.
Assim, nos termos da narrativa bíblica, a imposição aos pais originais da humanidade e
seus descendentes da necessidade de trabalhar decorreu de um ato punitivo de Deus, pela
transgressão às suas ordens. Se tivessem seguido as ordens do Criador, eles e seus descendentes
não apenas poderiam usufruir de um espaço físico paradisíaco, mas também teriam um estilo de
vida isento de preocupações, sofrimentos, doenças e trabalho, que até hoje se revela na correria do
dia a dia atrás pelo sustento, no estresse dos negócios, nos suores das lides de sol a sol em
atividades agrícolas, em trabalhos pesados e mil outras atividades. Fica a impressão que a proposta
do Criador era no sentido de dar à sua criatura uma situação de vida cômoda e confortável, ainda
que robotizada por depender da vontade divina ou então de uma criatura maldita e desgraçada,
caso não acatasse tal determinação. Como a opção de Adão e Eva foi pela segunda hipótese, o
castigo do trabalho caiu em cima deles e seus descendentes como um raio. A partir de então, no
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entendimento bíblico, o trabalho assume o caráter de sacrifício e punição ou até de uma missão
destinada a purificar, punir ou justificar a existência de um poder.
Outra fonte, já não de caráter religioso, caracterizando o trabalho como algo indigno é
encontrada nos primórdios do pensamento filosófico. Os antigos filósofos gregos excluíam o
trabalho da vida dos homens sábios (do grego sophos), por considerá-lo uma atividade indigna da
sua condição de pensadores. Atribui-se a Zenão (490-430 a.C.), fundador do estoicismo, a
sentença: “aos sábios cabe governar e pensar; aos ignorantes obedecer e trabalhar”. Platão,
expoente máximo do idealismo, defendia a atividade de pensar como a prerrogativa máxima do
ser humano. Segundo ele aos sábios (entenda-se pensadores) cabe a função de pensar o mundo, o
homem e o próprio pensamento. A eles também cabe governar a sociedade. Na “República”, um
diálogo socrático escrito por Platão, no século IV A.C., entre outras inúmeras ideias, o filósofo faz
a apologia do governo dos Filósofos, a quem caberia a administração da coisa pública (Res
pública), já que só eles têm o dom do discernimento e o conhecimento da verdade e da justiça.
Aristóteles, em sua obra “Ética a Nicômano” afirma que “a felicidade consiste no ócio, por isto
nos esforçamos para repousar e guerreamos para estar em paz” (Aristóteles, 2002).
Se à elite do pensamento era atribuída a superioridade natural e social, aos demais era
reservada uma posição de inferioridade e servidão, em função da atividade física ou braçal que
desenvolviam.
Com o passar dos séculos, a concepção do trabalho foi sendo modificada a tal ponto que
atualmente assume um enfoque totalmente oposto. Hoje é consenso sustentar não apenas que todo
o trabalho é digno, mas que o trabalho é fator inalienável e indispensável da dignidade humana.
Em outros termos, sustenta-se que todo o ser humano é digno de ter um trabalho e este é parte
constituinte da sua dignidade.
Analisando o trabalho à luz destas concepções é possível entender as razões pelas quais os
escravos eram colocados em níveis tão degradantes da sociedade. Além de a eles serem reservados
os trabalhos mais pesados e “indignos”, os próprios agentes dessas tarefas (os escravos) não eram
dignos de qualquer valor humano. O único valor atribuído a essas criaturas era a quantia paga pelo
senhor na sua compra, valor esse que era estipulado levando em conta a condição física de idade,
força e saúde, fatores importantes para um trabalho lucrativo e consequente produção de riquezas,
as quais o proprietário (senhor dos escravos) sumariamente delas se apossava. Os escravos não
nasciam escravos (exceto os seus descendentes), nem eram simplesmente declarados escravos,
mas eram transformados em escravos pela usurpação da sua dignidade, da imposição de trabalhos
considerados inferiores e da total apropriação do produto de seu trabalho. Se lhes fosse permitido
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o acesso ao produto de seu trabalho eles se livrariam da sujeição aos senhores e da condição de
escravos.
Trabalho escravo
A prática do trabalho escravo, tanto nas sociedades antigas como nas modernas, sempre
esteve ligado à ideia de uma atividade indigna.
Essa visão pejorativa do trabalho, certamente, foi geradora e serviu como justificativa para
a implantação do trabalho escravo. A escravidão é a prática social em que um ser humano assume
direitos de propriedade sobre outro designado escravo, ao qual é imposta tal condição por meio da
força. Em algumas sociedades, desde os tempos mais remotos, os escravos eram legalmente
definidos como uma mercadoria. Os preços variavam conforme as condições físicas, habilidades
profissionais, a idade, a procedência e o destino. Em geral, o dono ou comerciante podia comprar,
vender, dar ou trocar por uma dívida, sem que o escravo pudesse exercer qualquer direito e
objeção pessoal ou legal.
Na era moderna a escravidão era baseada num forte preconceito racial, segundo o qual o
grupo étnico ao qual pertencia o comerciante era considerado superior e o do escravo inferior.
Na antiguidade também foi comum a escravização de povos conquistados em guerras entre
nações.
Enquanto modo de produção, a escravidão se assenta na exploração do trabalho. Os
senhores alimentam os seus escravos e apropriam-se de todo produto do trabalho destes.
Nas sociedades escravagistas, não era pela via do aperfeiçoamento técnico dos métodos de
produção (o que se verifica na Revolução Industrial) que os senhores procuravam aumentar a sua
riqueza, mas pela simples exploração do trabalho escravo.
Os escravos, além de condenados a executar toda a espécie de trabalho, eram considerados
seres inferiores, exclusivamente sujeitos a deveres, obrigações e tarefas, sem direito algum, nem
mesmo à própria vida. Eram simples objetos que pertenciam aos senhores, como qualquer outro
objeto inanimado.
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Trabalho servil
Esta forma de atividade laboral foi típica da Idade Média. Na Europa Ocidental, durante o
feudalismo (séculos IX – XII), o setor predominante da economia era a produção agrícola. As
classes governantes eram constituídas pelo clero e nobreza, que controlavam as terras, a produção
e o poder político. A Igreja Católica e que tinha o monopólio espiritual, enquanto a nobreza
encarregava-se da proteção militar. Mas quem realizava o trabalho na sociedade feudal para
manter estas classes? Havia os artesãos que andavam de uma região para outra, produzindo o
artesanato, em troca de casa, comida e algumas moedas, pois quase todo senhorio possuía sua
produção de artesanato. E havia os camponeses que eram obrigados a realizar o cultivo
primeiramente nos campos do senhor, a ele entregavam parte do que produziam e somente depois
podiam cuidar dos seus minguados campos. Nesta época os senhores feudais possuíam ao seu
dispor os servos, que residiam nas propriedades feudais e nelas trabalhavam, recebendo em troca o
sustento, a moradia e a proteção. Em geral todo o produto do trabalho servil pertencia aos
senhores feudais, havendo casos esparsos nos quais a alguns servos era concedido o beneficio de
usufruir de pequena parcela da produção, sobretudo em se tratando de produção agrícola.
A pergunta que se faz é: O servo era igual ao escravo?
O escravo podia ser comprado ou vendido em qualquer tempo, como ocorreu na
antiguidade e na África da época moderna. O servo tinha o status legal de homem livre, embora os
senhores o mantivessem preso às suas terras por meio de obrigações feudais. Portanto, os servos
não eram nem escravos, nem trabalhadores livres. A servidão era uma relação de trabalho no qual
uma pessoa (servo) devia obrigações a outra (senhor). Estas obrigações geralmente eram pagas em
forma de tributos, em troca de um pedaço de terra para produzir, de proteção e de segurança
militar, fornecidas por seus senhores feudais. Como os escravos, os servos deviam obediência e
lealdade ao seu senhor.
Na realidade o que diferenciava o trabalho escravo do trabalho servil era a condição de
propriedade do primeiro (o escravo) em relação ao senhor de escravos e a condição de
dependência do segundo (o servo) em relação ao senhor feudal ou à autoridade eclesiástica.
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Do dever ao direito de trabalhar
Tal como a passagem da noção de trabalho indigno para o trabalho digno, a ideia de dever
e direito de trabalhar evoluiu através dos tempos. Como já assinalamos anteriormente, nos tempos
mais remotos o trabalho foi visto como uma merecida punição por uma transgressão. Mais tarde,
um enfoque levemente abrandado ao da punição, porém não menos pernicioso, à ela sucedeu, ou
seja, o trabalho como uma obrigação ou um dever de alguns indivíduos, em consequência deles
serem ou propriedade de um senhor (como o caso dos escravos) ou viverem em total dependência
de senhores como os servos do período feudal. De forma simplificada, é possível deduzir que a
sociedade dessas épocas dividia os seus membros em duas distintas categorias: os que eram
detentores quase absolutos de direitos e os que eram condenados a cumprir deveres. Aos
poderosos, nobres e ao clero eram concedidos os direitos de governar, possuir bens, riquezas e
privilégios, viver uma vida de bem estar, estar dispensados de atividades físicas, da fadiga e do
suor. Eles não exerciam trabalhos braçais justamente porque entendiam que era uma prática
inferior, destinada aos menos afortunados. Aos escravos e servos eram reservados os deveres de
obedecer, não possuir bens, suportar uma vida de penúria e privação, exercer todo o tipo de
atividades pesadas e degradantes, derramar sangue, suor e lágrimas.
Com o passar dos tempos o aspecto do dever e do direito ao trabalho sofreu radical
mudança. Atualmente o trabalho passou a ser um direito e um dever de todos indistintamente.
Desta forma enquanto o trabalho que, em tempos anteriores, era visto como uma condição a que
alguns eram condenados, hoje se transformou num direito pleiteado e perseguido por todos. Não
significa que os detentores do direito ao trabalho não sejam igualmente sujeitos a deveres e
obrigações, mas a estes foi adicionado um direito inalienável, que, inclusive, as justifica e
sustenta. A partir do pleito do trabalho como um direito inerente à pessoa humana derivaram
outras reivindicações, como remuneração justa, condições adequadas e saudáveis, tratamento
respeitoso e tantas mais.
Esta nova concepção do trabalho significa uma superação e um enorme avanço em relação
às propostas anteriores, que viam o trabalho apenas como um dever de alguns ou considerava o
trabalhador como um sujeito indigno (escravidão), ou um sujeito inferior e dependente
(servilismo), ou um sujeito que podia ser explorado (trabalho assalariado).
A partir desta nova concepção do trabalho surgiram novas aspirações do ser humano, dele
fazendo parte o pleito por:
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Oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa;
Segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias;
Melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social;
Liberdade para expressar as suas preocupações;
Organização e participação nas decisões que afetam a vida do trabalhador;
Igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens.
O direito ao trabalho ocupa o centro das estratégias globais, nacionais e locais que visam o
progresso econômico e social. Desempenha um papel fundamental no processo de respeito e
defesa da dignidade e da igualdade humana nos esforços de redução da pobreza e constitui um
meio de alcançar um desenvolvimento equitativo, inclusivo e sustentável.
É claro que ainda hoje em todo o mundo, subsistem situações de trabalho com déficits, lacunas e
exclusões sob a forma de desemprego e subemprego, empregos de baixa qualidade e
improdutivos, falta de segurança no trabalho e na remuneração, violação das leis, desigualdades
entre os sexos, exploração de trabalhadores migrantes, falta de representação e de expressão,
proteção e solidariedade insuficientes face à doença, às deficiências e ao envelhecimento.
Certamente que a implementação da concepção do trabalho como condição da dignidade humana
e um direito de todos será resultado de uma construção, que se concretizará lenta e
gradativamente, nela implicando uma tomada de ação a nível global e nacional, passando pela
mobilização de toda a sociedade, em especial pelos responsáveis da economia global.
Anos e séculos se passaram para que a sociedade alcançasse a nova e atual visão do
trabalho. Inúmeros embates e debates ocorreram. Filósofos, políticos, cientistas sociais, lideranças
e instituições nacionais e internacionais se empenharam decisivamente nesta ingente tarefa. Sem
subestimar a valiosa contribuição de tantos, cabe destacar a importância de um personagem do
nosso tempo, Karl Marx.
MARX E O TRABALHO
Karl Marx (1818-1883), economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista é
certamente uma das figuras mais importantes de todos os tempos e de decisiva influência nos
rumos dos tempos atuais. Incansável batalhador pela causa operária, exuberante e profícuo gerador
de ideias, incansável crítico de sua época, pensou, pregou e escreveu sobre temas variados e
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polêmicos. Engels, seu companheiro de jornadas, no discurso por ocasião sepultamento de Marx,
também o qualificou de “incansável revolucionário”.
Certamente um dos temas mais desenvolvido por Marx foi a respeito do mundo do
trabalho, este abordado, sobretudo em dois aspectos: a) conceitual, definindo sua natureza e
importância para o ser humano e b) crítico, desferindo ataques ao sistema capitalista de exploração
da mão de obra trabalhadora.
A parte conceitual do trabalho é um dos pilares da obra de Marx. Sustenta que é a partir do
trabalho que se define a concepção materialista de história. É também do trabalho (ou da divisão
deste) que surge a propriedade privada e a alienação. Marx entende que
“O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua
própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. O trabalho faz parte da
essência do homem e esta essência não é algo dado anteriormente, mas algo construído pelo
próprio homem”. (Marx & Engels, 1977)
Numa magistral síntese sobre a importância atribuída por Marx ao trabalho, Senatore diz:
“Karl Marx compreende o trabalho como atividade fundamental da humanidade. E o trabalho,
sendo a centralidade da atividade humana, se desenvolve socialmente, sendo o homem um ser
social. Sendo os homens seres sociais, a História, isto é, suas relações de produção e suas relações
sociais fundam todo processo de formação da humanidade. Esta compreensão e concepção do
homem é radicalmente revolucionária em todos os sentidos, pois é a partir dela que Marx irá
identificar a alienação do trabalho como a alienação fundamental das demais.” E acrescenta: “O
próprio desenvolvimento do psiquismo humano se dá a partir do processo do trabalho que envolve
a transformação da natureza pelo homem ao mesmo tempo em que ele próprio é transformado por
sua ação. Portanto, a relação do homem com trabalho é um dos determinantes de sua formação
humana” (Senarote, Revista da UNESP, v.1, n1, p.8).
No campo da crítica, Marx desferiu seus golpes contra exploração do trabalho pelo
capitalismo, a falta de condições mínimas e, sobretudo, a usurpação de parte da riqueza produzida
pelo trabalhador por parte do capitalista, por ele denominada “mais valia”. Os maiores ataques
foram dirigidos ao sistema capitalista, sendo famosa sua sentença: “O capitalismo gera o seu
próprio coveiro”.
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ATUAL POSIÇÃO DE IMPORTÂNCIA DO TRABALHO
Na atualidade, a questão do trabalho ocupa especial posição de destaque e importância,
tanto no plano individual quanto no social e político. Destacaremos apenas alguns aspectos e
fenômenos que comprovam tal relevância atribuída ao trabalho.
No plano conceitual
Julgamos que a mais profunda mudança ocorrida em relação ao conceito do trabalho foi o
fato de ter superado a condição de dever para ser considerado um direito. Enquanto, em tempos
passados, era adotado o princípio discricionário de que o trabalho era um dever de alguns
desventurados e não trabalhar era um direito de outros privilegiados, atualmente o trabalho é
considerado um direito inerente a todo e qualquer ser humano.
No plano individual
Hoje o indivíduo pleiteia o direito ao trabalho por atribuir a ele a dupla função de garantia
da subsistência e de valorização pessoal.
É natural que, em termos imediatos e práticos, o trabalho deve garantir a subsistência ao
homem. Obviamente, a questão da sobrevivência material é relevante. Impelido pelas
necessidades básicas como comer, morar e locomover-se, o homem trabalha, o que se constitui
elemento da própria condição humana. A distorção ocorre a partir do momento em que os
indivíduos trabalham compelidos unicamente pela necessidade. Ou quando os que, diante da
precariedade em que vivem, executam quaisquer funções que não consideram como exercício de
uma atividade inerente à dignidade humana, mas tão somente porque precisam sobreviver.
Giovanni Vismara a este respeito diz “Quem se encontra premido pela urgência de satisfazer a
necessidade prioritária da sobrevivência e não pode fazê-lo de outro modo acaba por aceitar
qualquer condição de trabalho” (Vismara, 1999, p.331).
Esta situação é considerada degradante e destituída do verdadeiro sentido do trabalho como
fator de promoção e libertação humana. Uma das formas concretas desta degradação é o trabalho
alienado, em que o trabalhador, submetido ao domínio do mais forte (geralmente o empresário ou
dono do capital), é obrigado a realizar atividades repetitivas, monótonas, em linhas de montagem.
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Este tipo de atividade, além de robotizar o trabalhador, retira dele toda a satisfação ou prazer pelas
horas de trabalho. Neste tipo de economia completamente mecanizada, o trabalho pelo qual um ser
humano ganha a vida está divorciado do estímulo sem o qual a vida não merece ser vivida e, na
verdade, é impossível viver. Toynbee afirma que, “quando a vida é totalmente regulada, ela se
torna monótona e insípida, porque é destituída da liberdade de criar” (Toynbee, 1981, p. 216).
Marx identificou essa expropriação de massa da capacidade criativa individual como um
dos crimes da sociedade industrial.
A este respeito, Brocchieri diz:
“No limiar da sociedade pós-industrial nos damos conta de que a obtenção de um maior bem-estar
econômico não eliminou a alienação do trabalhador, não valorizou os valores interiores do homem,
sobretudo não tornou o homem livre nas suas escolhas de vida” (Brochieri, 1999, p.431).
Em relação a essas situações desviantes do verdadeiro sentido do trabalho, o homem
trabalhador atual se coloca frente ao dilema de escolher entre dois caminhos: trabalhar para viver,
ou viver para trabalhar? Qual o sentido do trabalho? Trabalhar apenas para ganhar dinheiro, pagar
as contas, comprar o necessário? Hoje, o homem trabalhador entende que o trabalho, além da
subsistência, deve ser a garantia de sua realização e dignificação pessoal e a expressão de sua
capacidade de criação. Neste sentido, o trabalho confere ao homem a condição de “ser em
realização”, contribuindo para o seu desenvolvimento pessoal, melhoria de vida e construção da
ordem social. O homem que não trabalha constrói um autoconceito e um conceito social
depreciativo. O homem que trabalha não se considera apenas um produtor de riquezas, mas um
construtor de si mesmo e um criador do mundo.
No plano das políticas públicas
Atualmente o poder público vê-se compelido a dar especial atenção ao setor do trabalho.
Haja vista as inúmeras providências que diariamente precisa tomar nesta área, relacionadas com
salários, emprego, desemprego, aposentadorias, greves, etc. Em todos os níveis da administração
pública, - federal, estadual e municipal, - são mantidos órgãos destinados exclusivamente às
questões do trabalho.
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Cabe aqui mencionar a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITO HUMANOS,
importante documento da ONU, publicado em 10 de dezembro de 1950, contendo explícitos e
incisivos artigos sobre a defesa do direito ao trabalho e a condenação de suas formas injustas. Dos
artigos deste documento merecem destaque:
Art. 4º.
Ninguém pode ser mantido em escravidão ou em servidão; a escravatura e o comércio de
escravos, sob qualquer forma, são proibidos.
O artigo 23º.
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições
equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e
à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por
todos os outros meios de proteção social.
4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em
sindicatos para defesa dos seus interesses. (ONU, 2008)
Mais tarde a OIT (Organização Internacional do Trabalho), órgão da ONU, criado em
1919, frente aos desafios da globalização e dos déficits das políticas em matéria de crescimento e
emprego, instituiu o Trabalho Decente como o objetivo central de todas as suas políticas e
programas. A noção de Trabalho Decente abrange a promoção de oportunidades para mulheres e
homens do mundo para conseguir um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido
em condições de liberdade, equidade e segurança e capaz de garantir uma vida digna. O Trabalho
Decente é o eixo central para onde convergem os quatro objetivos estratégicos da OIT:
a) Respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos
fundamentais do trabalho;
b) Promoção do emprego de qualidade;
c) Extensão da proteção social;
d) Fortalecimento do diálogo social (OIT, 2012).
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Em tempos passados, o homem sentia o trabalho como uma obrigação e até uma
condenação ou castigo. Atualmente pleiteia esta situação como um direito, uma demanda e uma
afirmação de sua própria dignidade. Isto não significa que trabalhar não seja oneroso ou, como
registra a própria Bíblia, não exija “o suor do próprio rosto”, mas todo o ser humano faz questão
de pagar o preço por este direito.
No Brasil cabe destacar como uma das grandes conquistas em prol do trabalho a
promulgação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º. de
maio de 1943, unificando toda legislação trabalhista existente no Brasil e a constante revisão e
atualização destas mesmas leis que asseguram ao trabalhador direitos, proteção e dignidade.
No plano da inserção da mulher no trabalho
Um dos aspectos mais distintivos do mundo atual é certamente a crescente valorização da
mulher no mundo do trabalho formal. Milenarmente (e ainda hoje em algumas culturas islâmicas)
submetida à figura masculina, a mulher viveu cercada de preconceitos, discriminações e
desvalorizações. Um dos setores que a mantinham presa à situação de inferioridade era a
interdição à atividade produtiva, ficando confinada entre as paredes “do lar” e dedicada
exclusivamente às atividades domésticas, que, aliás, nem eram consideradas trabalho.
Profissionalizar-se, então, não passava de um sonho.
O movimento feminista, iniciado no século passado e ainda hoje muito vigoroso, logo
entendeu que um dos grandes pilares que devia sustentar a causa da emancipação da mulher é o
trabalho. Desde o início, o feminismo lutou em prol da mulher em diversas áreas da sociedade
ocidental, que vão da cultura ao direito. Alem dos direitos legais das mulheres (direitos de
contrato, direitos de propriedade, direitos ao voto), do direito à sua autonomia e à integridade de
seu corpo, dos direitos ao aborto e da livre atividade reprodutiva (incluindo o acesso à
contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), a proteção de mulheres e garotas contra a
violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, o movimento feminista sempre deu especial
importância e atenção aos direitos trabalhistas, incluindo a licença-maternidade, a igualdade de
salários e a condenação de toda as formas de discriminação profissional. Nestes pleitos apostou
todos os seus esforços e certamente através deste empenho conseguiu os resultados que hoje já
pode usufruir. Com isto, além de se libertar do jugo econômico e social do homem, a mulher
respira os ares prazerosos da independência e da realização pessoal.
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DUAS OBSERVAÇÕES
Lançando um olhar sobre o enfoque evolutivo do trabalho acima exposto, dois aspectos são
facilmente vislumbrados:
A evolução positiva
Observando a trajetória histórica percorrida pelo conceito do trabalho, transparece de
forma imediata o caráter positivo que gradativamente ele vai assumindo. Com efeito, da
concepção de punição e indignidade passa a ser cada vez mais reconhecido como um valor e uma
prerrogativa do ser humano, de uma atividade a ser exercida por seres humanos inferiores passa a
ser um pleito perseguido por todo o homem, de um atividade estigmatizada como indigna passa a
ser a chancela e a garantia da dignidade humana. Enquanto no inicio desta trajetória o homem
trabalhador era excluído do círculo dos seus semelhantes, atualmente o homem que não trabalho é
alvo desta exclusão. Foi um longo percurso que o trabalho atravessou por séculos e milênios, até
alcançar o status privilegiado que hoje ocupa. Certamente não alcançou o ápice de sua conotação
positiva, mas sem dúvida grande parte do caminho foi trilhada.
A superposição dos enfoques do trabalho
Embora, para fins de compreensão e brevidade, tenham sido apresentadas acima as
diversas formas de trabalho adotadas em diversas épocas, cabe observar que o surgimento de uma
nova forma não significou a extinção da anterior. Pelo contrário, em várias épocas algumas destas
práticas conviveram simultaneamente. Apenas para exemplificar, o trabalho escravo se fez
presente em todas as formas de trabalho acima mencionadas e, sabe-se que, em países do
continente africano persiste até hoje. No Brasil, somente em 1888, este tipo de trabalho
escravagista foi oficialmente abolido. Apesar do decreto abolicionista, neste mesmo país ainda são
notificadas pontuais praticas de trabalho escravo, algumas até infringidas sobre crianças e
adolescentes.
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RESULTADO
O resultado final deste estudo aponta claramente para uma evolução altamente positiva do
conceito de trabalho que, de uma atividade anteriormente considerada punitiva, indigna e imposta,
passou a ser visto como um elemento constituinte da dignidade humana e um direito de todos. A
conclusão é no sentido de que, embora se deva reconhecer como válidos os avanços obtidos neste
campo, no entanto ainda resta muito caminho para o real reconhecimento deste excepcional
componente da dignidade humana.
CONCLUSÃO
Ao longo desta breve explanação sobre a evolução histórica do conceito do trabalho,
podemos dizer que, embora de forma lenta e gradativa, este importante componente da condição
humana percorreu um trajeto ascendente e positivo, firmando-se cada vez como um elemento
constituinte da dignidade humana.
Atualmente, o trabalho ocupa um lugar de destaque e primazia na vida humana, bem
diferente de épocas em que era relegado à condição de desprestígio, desonra e aviltamento. Se este
avanço pode ser comemorado com júbilo pela sociedade contemporânea, no entanto não deve ser
considerado como a etapa final ou ideal deste processo de resgate do valor da atividade laboral.
Melhorias, ainda, devem ser introduzidas tanto no enfoque conceitual do trabalho como e,
sobretudo, nas condições concretas em que ele é realizado. Estas condições dizem respeito em
especial às situações do trabalho nas empresas, que em sua maior parte ainda adotam o modelo do
sistema capitalista, com a primazia do capital e consequente exclusão ou secundarização da mão
de obra trabalhadora na gestão da empresa e na participação efetiva dos seus lucros. Sem esquecer
que ainda persistem tristes manchas negras nas situações de exploração do trabalho infantil e do
adulto.
Assim sendo, entendemos que é significativo e importante o trecho do caminho já
percorrido, mas outro não menos relevante resta percorrer. De acordo com Fernando Pessoa
“navegar é preciso, viver não é preciso”, diríamos que “avançar é preciso, permanecer não é
preciso (...)”.
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