Enchente Alan

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*Alan Duarte do Esp. Santo

Nos últimos anos tenho constatado uma ocorrência impressionante de catástrofes naturais, em especial enchentes em vários cantos do mundo. Foi assim nos últimos anos na Índia, com um saldo de 150 mortos, no oeste Africano com cerce de 40 mortos, no Haiti onde deslizamentos e inundações resultaram na morte de centenas de pessoas e mais recentemente em alguns estados brasileiros como o município de Ponte Nova em Minas Gerais, São Paulo - sobretudo na região metropolitana - e principalmente o estado de Santa Catarina que quase foi varrido do mapa e ficou com um saldo de dezena de mortos e milhares de desabrigados.

Além de vidas humanas ceifadas de maneira trágica as conseqüências dessas catástrofes não param por aí: proliferação de doenças como cólera e leptospirose, destruição da infra-estrutura das cidades, perdas de habitações, campos agrícolas devastados e etc.

O que me assusta é a freqüência com que essas enchentes vêm ocorrendo, a cada ano que passam elas vão se tornando mais freqüentes. Veja o exemplo de minha cidade natal, Castelo no estado do Espírito Santo, a única grande enchente a atingir o município foi em 1979, quando na oportunidade o rio Castelo subiu mais ou menos 5 metros acima do seu nível normal. Entretanto, nos últimos 12 anos o município foi atingido por duas enchentes, sendo essa última, ocorrida em janeiro, histórica. O rio subiu mais ou menos 7 metros acima do seu nível normal, mas o mais impressionante e assustador foi vê-lo subir 5 metros em apenas duas horas. Nunca vi isso na minha vida! A cidade ficou com um saldo de três mil desabrigados e uma morte, e não estou mencionando as perdas dos comerciantes, pois muitos perderam praticamente tudo. Alguns jamais se levantaram!

A notícia ruim é que essa tendência de maior ocorrência de enchentes tende a se intensificar, pois segundo Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia dos Desastres (cuja sigla em francês é CRED) nos aos noventa ocorreram aproximadamente 90 grandes enchentes no mundo, e somente em 2007 correram 200. Segundo o mesmo centro de pesquisa essas catástrofes já acarretaram a morte de mais ou menos 8.500 pessoas, deixaram 177 milhões em situações críticas e provocaram perdas estimadas em cerca de 17 bilhões de euros.

Diante do exposto acima algumas perguntas se fazem necessária: quem são os responsáveis por essas catástrofes? O Homem ou a Natureza? Provavelmente os dois, pois diversos fatores explicam essa tendência. A mudança climática me parece ser o principal responsável, já que o ciclo da água é a parte mais sensível do sistema climático e em função do aquecimento global ele pode estar passando por uma acelerada mudança o que tem

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resultado em uma distribuição de precipitações bem irregulares com elevados índices pluviométricos onde antes chovia pouco e baixos índices onde antes chovia muito.

Além disso, as ações antrópicas também colaboram para produzir tal cenário. O caótico processo de urbanização ocorrido em muitos países, em especial no Brasil e suas conseqüências: impermeabilização dos solos, que é a substituição da vegetação, onde há infiltração de água, por concreto e asfalto, onde a água não infiltra. Essa por sua vez poderia seguir seu trajeto pelas galerias pluviais, mas em muitas cidades brasileiras não existe drenagem pluvial e quando existe é velha e obsoleta ou mesmo entupida pelo lixo, outra grave problema produzido pela ação humana. Ainda sobre o ambiente urbano não devemos esquecer-nos de mencionar as obras de canalização e retilinização de rios que associado ao assoreamento que os mesmos sofrem tem reduzido muito sua capacidade de drenagem.

Lembro-me, que quando aluno de graduação em 2000 no Rio de Janeiro, e estagiário do IBAMA na Floresta Nacional da Tijuca, fiz uma pesquisa para a produção do trabalho monográfico correlacionando os processos erosivos ocorridos nas encostas do Maciço da tijuca (conseqüência do processo de favelização), e as obras de canalização e retilinização do Rio Maracanã, que nasce nesse maciço com a maior ocorrência de enchentes. Minhas conclusões foram obvias: a impermeabilização do rio produzido pelas obras de canalização/retilinização e seu assoreamento resultante do acúmulo de sedimentos oriundos do processo erosivo a montante reduziram em muito sua capacidade de drenagem, acarretando em enchentes freqüentes mesmo sem elevação nos índices pluviométricos na cidade. Ou seja, as enchentes tratadas como um problema de São Pedro ou da Zona de Convergência do Atlântico Sul são, na verdade, resultado de ação antrópicas irresponsáveis ligadas a uma modelo capitalista predatório, perdulário e de falso desenvolvimento.

Há também o desmatamento de áreas agrícolas, o crescimento demográfico nas chamadas áreas de risco que são várzea de rios, ou seja, áreas temporariamente inundáveis e encostas íngremes o que acaba agravando as enchentes e aumentando os impactos das catástrofes naturais.

Reverter essa realidade perversa e cruel é difícil, mas não impossível. Para começar é necessário um esforço coletivo, onde a sociedade civil organizada e os poderes constituídos possam se articular na elaboração de políticas públicas que visam minimizar ou mesmo evitar tais catástrofes. Um bom começo é a criação das Coordenadorias Municipais de Defesa Civil (COMDECs). Esses seriam criados por iniciativa da prefeitura municipal em parceria com a comunidade, associação de moradores e qualquer outra entidade social que queira participar. Dessa maneira, dotando a população de conhecimentos de como proceder diante desses quadros de catástrofes naturais, muitas tragédias podem ser diminuídas ou mesmo evitadas.

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Há ainda ações efetivas de controle e proteção contra enchentes, como por exemplo, a construção de reservatórios subterrâneos ou barragens, desde que construídos para esse fim, como na Europa, pois o que vemos no Brasil é construção de barragens para produção de energia elétrica em usinas hidroelétricas e que acabam agravando as enchentes nos períodos de chuva.

Além disso, o reflorestamento de encostas e de solos nus diminui o escoamento superficial e por conseqüente a erosão; a difusão de revestimentos permeáveis e a produção de mais áreas verdes são ações que aumentariam a permeabilidade do solo contribuindo para uma maior infiltração da água no mesmo o que resultaria em um duplo benefício: redução das enchentes e aumento das reservas de água subterrânea.

E não podemos nos esquecer do Estatuto da Cidade, Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que veio contribuir para uma política urbana mais justa e eficiente na medida em que torna obrigatória a construção do Plano Diretor Urbano, conhecido como PDU, para municípios com mais de 20 mil habitantes e procura dificultar a especulação imobiliária e regulamentar o uso e ocupação do solo definindo o zoneamento urbano, ou seja, determinando dentro da cidade as áreas residenciais, comerciais, industriais, bem como as áreas destinadas a expansão urbana e aquelas restritas a expansão.

Em fim, alternativas há e aos montes. Basta que haja vontade política, que governo e empresários sejam menos gananciosos, que enxerguem menos cifrões, que o fator econômico não seja o único critério ou o critério determinante no direcionamento de seus investimentos em detrimento dos critérios ambientais e sociais. E que possam seguir a constituição federal, governando para todos indistintamente, inclusive para os mais pobres, pois eles são a parcela da população mais vulneráveis a enchentes e as catástrofes naturais e não possuem o peso político necessário para fazerem com que suas demandas sejam ouvidas. Mas eles votam! E isso os políticos não esquecem.

*Professor da Rede Estadual de Rondônia e da Rede municipal de Ariquemes, graduado em Geografia pelo Centro Universitário Moacyr Bastos - RJ e Pós-Graduando em Gestão e Manejo Ambiental de Sistemas Agrícolas pela Universidade Federal de Lavras - MG.