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A PALEOTOCA DO ARROIO DA BICA, NOVA HARTZ, RS, BRASIL. Heinrich Theodor Frank*, Loidemar Alff de Campos, Mário Guilherme Arnold, Aurélia
Arnold, Francisco Sekiguchi de Carvalho Buchmann, Milene Rodrigues, Leonardo Gonçalves de Lima, Felipe Caron, Renato Pereira Lopes.
*Contato: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências. Email: [email protected] ou fone 51.30320382 1. Introdução
O registro de faunas e floras pré-históricas no Rio Grande do Sul é bastante
diversificado, sendo bem conhecidos os ossos fossilizados de dinossauros que podem
ser encontrados na região de Santa Maria. Além desses registros diretos, há os
chamados icnofósseis, que são os registros indiretos como fezes fossilizadas
(coprólitos), pegadas preservadas nas rochas e outros. Os maiores e mais
impressionantes icnofósseis, entretanto, são os túneis que foram cavados por tatus
gigantes e por preguiças gigantes que viveram na América do Sul nas últimas dezenas
de milhões de anos. Os túneis que esses animais cavaram são chamados de paleotocas e
podem ser encontrados com freqüência em toda Região Sul do Brasil. Formam túneis
com larguras entre 80 centímetros e 4,0 metros, alturas entre 60 centímetros e 2,0
metros e comprimentos de até mais de 40 metros (Fig. 1).
Uma paleotoca de grande porte encontra-se preservada em Nova Hartz. É
conhecida há mais de um século e faz parte da história desse município e, por
conseguinte, do município original de Santo Antônio da Patrulha.
2. A Universidade encontra a Paleotoca de Nova Hartz
Há quase dez anos atrás se formou um grupo de pesquisa de paleotocas
congregando professores e estudantes de várias universidades do Sul do Brasil.
Formalizado em 2009 sob o nome de “Projeto Paleotocas”, o grupo realizou pesquisas
sistemáticas de paleotocas também na Região Metropolitana de Porto Alegre. A busca
de informações sobre as “cavernas”, como as paleotocas são conhecidas, incluiu um
sítio na internet (www.ufrgs.br/paleotocas), um email ([email protected]) e artigos
em diversos jornais. Uma dessas matérias em jornais chamou a atenção do Sr. Selson
Haag, morador de Campo Bom, que relatou à equipe uma visita que fez, em 1970, a
“uma caverna, atrás do Arroio da Bica, na subida do morro, em meio às bananeiras”.
Seguindo esta pista, a equipe do Projeto conseguiu localizar a paleotoca.
3. Características Gerais da Paleotoca
A paleotoca do Arroio da Bica situa-se em meio à floresta nativa, em uma
vertente bastante íngreme, a uma altitude de 335 metros. Foi escavada na rocha
conhecida popularmente como “pedra grês”, que é um arenito que na literatura
geológica é denominado de “Formação Botucatu”. Está localizada em uma propriedade
particular, não pode ser visitada sem autorização e sem o acompanhamento de um guia.
A entrada possui um teto em formato de meia lua, com uma largura de 2,2 metros e uma
altura máxima de 1,0 metro (Fig. 2). Relatam os moradores da região que há 50 anos
atrás a entrada era mais alta, e que um desmoronamento do terreno aterrou a entrada um
pouco.
A paleotoca forma um túnel levemente ascendente com um comprimento total
de 42 metros, uma largura máxima de 3,0 metros e uma altura máxima de 1,6 metros. É
possível dividir a paleotoca em três segmentos. O primeiro segmento, junto à entrada,
continua aproximadamente com o formato da própria entrada e se estende por 8 metros
perpendicularmente para dentro do morro. O segundo segmento, com 27 metros, faz um
ângulo de aproximadamente 50º para a direita (Norte), possui um perfil poligonal
complexo e apresenta as larguras e alturas máximas da paleotoca. É um verdadeiro salão
subterrâneo (Fig. 3), com água empoçada no fundo arenoso, obrigando os visitantes a
calçarem botas. O teto apresenta-se como um plano inclinado para a direita de quem
entra. O terceiro segmento, no final da paleotoca, possui uma extensão de 7 metros, com
um diâmetro de 80-90 centímetros e termina abruptamente contra a rocha, sem nenhuma
fresta ou abertura.
4. As marcas de garra
O que identifica essa “caverna” como uma paleotoca são as marcas de garra
impressas no teto inclinado do segundo segmento (Fig. 4). As marcas apresentam-se
como sulcos cuja largura pode chegar a 4 centímetros, com uma profundidade de até 2,0
centímetros e comprimentos de até 50 centímetros. Todo o plano inclinado do teto está
riscado, com marcas em todas as direções. Em muitos casos as marcas parecem ocorrer
em duplas ou trios, com vários sulcos paralelos, mas esse fato necessita de confirmação.
A quantidade de marcas de garra existentes no teto foi estimada, através da contagem de
marcas em uma série de fotografias com escala, em mais de 3.000. Além das marcas, há
rabiscos produzidos por visitantes nas últimas décadas (nomes, números, datas, etc.).
5. Quem cavou a Paleotoca ?
Nas últimas dezenas de milhões de anos, período geológico denominado de
Cenozóico, o Continente Sul-Americano foi habitado por uma fauna que continha
algumas espécies de grande porte, com pesos superiores a 200 – 300 quilogramas. Por
isso, essa fauna é denominada de Megafauna. Elefantes, tigres, ursos, animais
semelhantes a camelos (Macrauchenia), animais semelhantes a rinocerontes sem chifres
(Toxodon), animais que parecem um enorme tatu de carapaça rígida (Glyptodon), tatus
gigantes e preguiças gigantes. De todos esses, apenas os tatus e as preguiças tinham as
garras necessárias para cavar. Eram animais enormes: os tatus alcançavam pesos de até
400 quilogramas e as diversas espécies de preguiças gigantes tinham pesos entre 800
quilogramas e 5 toneladas. Suas garras eram poderosas, com tamanhos de uma picareta.
É possível compreender as paleotocas sabendo da existência desses animais, de suas
adaptações morfológicas que permitiam cavar e da necessidade de construir abrigos
subterrâneos devido a climas mais frios e secos. O tamanho da paleotoca de Nova Hartz
sugere que o túnel original foi escavado por uma preguiça gigante. Sua forma atual
deriva do lento escoamento da água infiltrada no arenito ao longo de muitos milhares de
anos.
6. Onde estão as outras paleotocas ?
Os mesmo animais pré-históricos que viviam em Nova Hartz podiam ser
encontrados em todo o original município de Santo Antônio da Patrulha. A mesma
rocha em que a paleotoca de Nova Hartz foi escavada – o arenito Botucatu – pode ser
encontrada em toda a região. Portanto, é muito elevada a possibilidade de existirem
outras paleotocas preservadas na região. Normalmente esquecidas e escondidas no meio
das matas, de conhecimento apenas dos proprietários, de suas famílias e de alguns
parentes. Como as paleotocas são objetos de grande interesse científico e podem se
tornar atrativos turísticos excepcionais, a equipe do Projeto Paleotocas solicita a quem
conhecer cavernas que entre em contato pelo email [email protected] ou pelo fone
51.3032.0382 para que essas ocorrências possam ser pesquisadas. Mais informações
sobre paleotocas estão disponíveis no sítio www.ufrgs.br/paleotocas, no qual é possível
fazer download de todos os trabalhos científicos produzidos pela equipe do Projeto
Paleotocas.
Figura 1: À esquerda, imagem da entrada de uma paleotoca em Bom Retiro do Sul. À
direita, aspecto do interior de uma paleotoca em Novo Hamburgo.
Figura 2: Aspecto da entrada da Paleotoca do Arroio da Bica, parcialmente soterrada.