Em relação ao mesmo estabelecimento, o autor está · empregada nessa sociedade, pondo-se à...

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Cópia da sentença da 2.ª vara cível da comarca de Lis- boa que anulou o registo de nome de estabelecimento n.° 7143. António de Sousa Felgueira, escrivão de direito da 1.ª secção da 2.ª vara cível da comarca de Lisboa. Certifico que na secção a meu cargo existem uns autos de acção ordinária em que são autor Celestino de Oliveira e ré Josefa Manuela Fariñas Fernandez de Oliveira, dos quais consta o seguinte: Sentença de fl. 171: Autor, Celestino de Oliveira, casado, comerciante, residente em Lisboa; ré, Josefa Manuela Fariñas Fer- nandez de Oliveira, ou Manuela Fariñas Fernandez de Oliveira, casada com aquele e moradora na mesma cidade. Petição: em Julho de 1942 o autor fundou na Rua de Rodrigues Sampaio, 160, loja, em Lisboa, um esta- belecimento comercial de venda de peles de abafo, que, abrindo com o nome de fantasia «Casa Manolita», por ele criado, assim passou a ser identificado perante o público e fornecedores. Desse estabelecimento é o autor o único e exclusivo proprietário. Ao tempo da fundação do estabelecimento, o autor vivia maritalmente com a ré, mas casaram-se, segundo o regime de absoluta separação, posteriormente, em 23 de Dezembro de 1944. Separados de facto desde fins de 1960, pende de recurso suspensivo a sentença que em 19 de Julho de 1965 decretou a separação de pessoas e bens. Como só então o autor soube, a ré requereu e obteve, em 23 de Março de 1944, e sob o n.° 7143, o registo do nome do estabelecimento a seu favor. Tal só foi possível com violação do artigo 141.° do Código da Propriedade Industrial, artigos 1194.° e 1196.° do Código Civil e artigo 16.° do Código Comercial, visto que a ré, ao requerer o registo e posteriormente, jamais foi comerciante ou obteve do autor autorização para comerciar ou o seu suprimento judicial- simples doméstica, vivendo em mancebia com ele; e do ar- tigo 150.°, n.° 1.°, e 151.°, n.° 1.°, daquele primeiro diploma, por o estabelecimento sempre ter pertencido ao autor, cujo direito se mostra ofendido. Para tanto serviu-se a ré de um atestado falso sobre a propriedade do estabelecimento. Acresce que a ré não tem feito uso do nome «Casa Manolita» durante dezasseis anos consecutivos. Pede então o autor, ao abrigo dos artigos 159.°, n.° 3.°, 161.°, n.° 4.°, e 162.°, § 2.°, do mesmo diploma, a anulação do registo ou subsidiàriamente a declaração da sua caducidade. Contestação: sendo solteira e vivendo em mancebia com o autor, a ré requereu e obteve o registo do nome do estabelecimento, com os documentos necessários e sem qualquer oposição ou reclamação, nem do autor. Este, na véspera do requerimento, abonou, na aber- tura do sinal, a qualidade de comerciante da ré, que, não carecendo da sua autorização, conquistou na acti- vidade comercial (modas, artigos de vestuário, peles) notória reputação, mercê de notáveis qualidades de trabalho, gosto e conhecimentos técnicos. A autoridade administrativa, dentro da sua compe- tência, certificou autênticamente que a ré possuía o estabelecimento de modo real e efectivo. Desde a concessão e durante mais de vinte anos, o registo do nome a favor da ré tem-se mantido pacífica e ininterruptamente em pleno uso e vigor. Assim, não se cometeu nulidade, nem se verifica a caducidade Réplica : a ré nunca fez do comércio profissão e, por- tanto, jamais foi comerciante; após alguns anos de vida marital com o autor, a ré passou a auxiliá-lo na actividade comercial de venda de peles, que ele exercia no seu estabelecimento. Tal actividade auxiliar não lhe atribuia a qualidade de comerciante e só por inad- vertência e inconsciência do significado técnico-jurídico respectivo abonou na abertura do sinal. Certo isto: o estabelecimento sempre pertenceu exclu- sivamente ao autor e nem a ré o contraria. Acresce que a ré, após a separação, tem feito concor- rência desleal ao autor, causando-lhe prejuízos. Mancomunada com os sócios da sociedade Steffanina, L.da, estabelecida na mesma rua em porta contígua, n.° 162, levou-a a lançar-se no mesmo ramo de comér- cio (venda de peles de abafo), quando antes se dedicava a vestuário de criança, e a colocar uma tabuleta com o nome «Manolita», ao mesmo tempo que se tornava empregada nessa sociedade, pondo-se à testa do seu estabelecimento, e se esforçava por adquirir uma quota nela. Deste modo, e servindo-se do registo ilegalmente obtido, tem estabelecido confusão para desviar a clien- tela do autor, causando-lhe prejuízos, de montante ainda não determinável, pelos quais é responsável (ar- tigos 212.°, n.° 1.°, e 227.° do Código da Propriedade Industrial). Quanto à caducidade, salienta o autor que o nome em causa só individualiza o estabelecimento dele, sito no n.° 160 da Rua de Rodrigues Sampaio, e só o autor o tem usado. A ré jamais o usou aí, nem pode invocar a sua transmissão sem o estabelecimento (artigo 157.° do citado código).

Transcript of Em relação ao mesmo estabelecimento, o autor está · empregada nessa sociedade, pondo-se à...

Cópia da sentença da 2.ª vara cível da comarca de Lis- boa que anulou o registo de nome de estabelecimento n.° 7143.

António de Sousa Felgueira, escrivão de direito da 1.ª secção da 2.ª vara cível da comarca de Lisboa. Certifico que na secção a meu cargo existem uns

autos de acção ordinária em que são autor Celestino de Oliveira e ré Josefa Manuela Fariñas Fernandez de Oliveira, dos quais consta o seguinte: Sentença de fl. 171: Autor, Celestino de Oliveira, casado, comerciante,

residente em Lisboa; ré, Josefa Manuela Fariñas Fer- nandez de Oliveira, ou Manuela Fariñas Fernandez de Oliveira, casada com aquele e moradora na mesma cidade. Petição: em Julho de 1942 o autor fundou na Rua

de Rodrigues Sampaio, 160, loja, em Lisboa, um esta- belecimento comercial de venda de peles de abafo, que, abrindo com o nome de fantasia «Casa Manolita», por ele criado, assim passou a ser identificado perante o público e fornecedores. Desse estabelecimento é o autor o único e exclusivo

proprietário. Ao tempo da fundação do estabelecimento, o autor

vivia maritalmente com a ré, mas casaram-se, segundo o regime de absoluta separação, posteriormente, em 23 de Dezembro de 1944. Separados de facto desde fins de 1960, pende de

recurso suspensivo a sentença que em 19 de Julho de 1965 decretou a separação de pessoas e bens. Como só então o autor soube, a ré requereu e obteve,

em 23 de Março de 1944, e sob o n.° 7143, o registo do nome do estabelecimento a seu favor.

Tal só foi possível com violação do artigo 141.° do Código da Propriedade Industrial, artigos 1194.° e 1196.° do Código Civil e artigo 16.° do Código Comercial, visto que a ré, ao requerer o registo e posteriormente, jamais foi comerciante ou obteve do autor autorização para comerciar ou o seu suprimento judicial - simples doméstica, vivendo em mancebia com ele; e do ar- tigo 150.°, n.° 1.°, e 151.°, n.° 1.°, daquele primeiro diploma, por o estabelecimento sempre ter pertencido ao autor, cujo direito se mostra ofendido. Para tanto serviu-se a ré de um atestado falso sobre

a propriedade do estabelecimento. Acresce que a ré não tem feito uso do nome «Casa

Manolita» durante dezasseis anos consecutivos. Pede então o autor, ao abrigo dos artigos 159.°,

n.° 3.°, 161.°, n.° 4.°, e 162.°, § 2.°, do mesmo diploma, a anulação do registo ou subsidiàriamente a declaração da sua caducidade. Contestação: sendo solteira e vivendo em mancebia

com o autor, a ré requereu e obteve o registo do nome do estabelecimento, com os documentos necessários e sem qualquer oposição ou reclamação, nem do autor. Este, na véspera do requerimento, abonou, na aber-

tura do sinal, a qualidade de comerciante da ré, que, não carecendo da sua autorização, conquistou na acti- vidade comercial (modas, artigos de vestuário, peles) notória reputação, mercê de notáveis qualidades de trabalho, gosto e conhecimentos técnicos. A autoridade administrativa, dentro da sua compe-

tência, certificou autênticamente que a ré possuía o estabelecimento de modo real e efectivo. Desde a concessão e durante mais de vinte anos,

o registo do nome a favor da ré tem-se mantido pacífica e ininterruptamente em pleno uso e vigor. Assim, não se cometeu nulidade, nem se verifica a

caducidade Réplica : a ré nunca fez do comércio profissão e, por-

tanto, jamais foi comerciante; após alguns anos de vida marital com o autor, a ré passou a auxiliá-lo na actividade comercial de venda de peles, que ele exercia no seu estabelecimento. Tal actividade auxiliar não lhe atribuia a qualidade de comerciante e só por inad- vertência e inconsciência do significado técnico-jurídico respectivo abonou na abertura do sinal. Certo isto: o estabelecimento sempre pertenceu exclu-

sivamente ao autor e nem a ré o contraria. Acresce que a ré, após a separação, tem feito concor-

rência desleal ao autor, causando-lhe prejuízos. Mancomunada com os sócios da sociedade Steffanina,

L.da, estabelecida na mesma rua em porta contígua, n.° 162, levou-a a lançar-se no mesmo ramo de comér- cio (venda de peles de abafo), quando antes se dedicava a vestuário de criança, e a colocar uma tabuleta com o nome «Manolita», ao mesmo tempo que se tornava empregada nessa sociedade, pondo-se à testa do seu estabelecimento, e se esforçava por adquirir uma quota nela. Deste modo, e servindo-se do registo ilegalmente

obtido, tem estabelecido confusão para desviar a clien- tela do autor, causando-lhe prejuízos, de montante ainda não determinável, pelos quais é responsável (ar- tigos 212.°, n.° 1.°, e 227.° do Código da Propriedade Industrial). Quanto à caducidade, salienta o autor que o nome

em causa só individualiza o estabelecimento dele, sito no n.° 160 da Rua de Rodrigues Sampaio, e só o autor o tem usado. A ré jamais o usou aí, nem pode invocar a sua transmissão sem o estabelecimento (artigo 157.° do citado código).

Termina como inicialmente e, ampliando o pedido, quer a condenação da ré em perdas e danos, a liquidar em execução de sentença. Tréplica: ao requerer o registo, vivendo embora ma-

ritalmente com o autor, trabalhava com ele no estabe- lecimento, sem receber qualquer ordenado, mas parti- cipando nos lucros ou nas perdas da casa: associados e pondo em comum ou bens ou trabalho, autor e ré constituíram-se em sociedade comercial irregular, supor- tando ambos o risco da empresa. A ré fazia de tal actividade o seu modo de vida:

como tal, e perante a falta de personalidade jurídica da sociedade, era comerciante. Daqui decorre também que o estabelecimento a ambos pertencia : aliás, a ré, com os seus reputados conhecimentos profissionais da técnica de tecidos e peles, foi a causa eficiente da pros- peridade do negócio, e no seu nome de baptismo se decalcou o do estabelecimento, tornando-se o polari- zador da clientela, o que explica a não oposição do autor no processo de registo. Nega a concorrência desleal, pois, em virtude das

desavenças conjugais, desligou-se da sociedade irregular e, enfrentando as dificuldades económicas consequentes, limitou-se a levar para a Steffanina, L.da, a sua entrada de capital: o seu trabalho e o nome do estabelecimento, de que é titular. E sobre a caducidade acentua que para a afastar

basta o uso feito, sem interessar por quem. O autor falta conscientemente à verdade e deve ser

condenado como litigante de má fé, em multa e indem- nização, improcedendo todos os pedidos. Com prévio visto do Ministério Público, saneou-se e

condensou-se o processo, sem questões obstativas e com reclamação desatendida. Aprontada a prova, procedeu-se a julgamento com

intervenção do colectivo, respondendo este aos quesi- tos. As partes alegaram por escrito e doutamente: com

alguma perplexidade nossa, chegaram às mesmas con- clusões que já nos articulados defenderam. A ré insurge-se agora contra a regularidade da ins-

tância no concernente à indemnização por concorrên- cia desleal: versando matéria criminal, é o tribunal civil absolutamente incompetente. Má fé não a indica aquele digno magistrado. Decidindo: conjugando a especificação com a decisão

do colectivo, são estes os factos : o autor celebrou em 1 de Julho de 1942 com o respectivo proprietário a escritura pública, certificada de fl. 12 a fl. 15 e aqui re- produzida, do arrendamento da loja n.° 160 do prédio urbano sito na Rua de Rodrigues Sampaio, desta cidade, destinando-se ela «uma parte a habitação do inquilino e sua família e outra parte a negócio de confec- ção e venda de peles de agasalho, modista e confecções para senhora». Este arrendamento ainda está em vigor. Nessa loja arrendada está instalado o estabelecimento

comercial de venda de peles de abafo, fundado pelo autor, com capital seu, em Junho de 1942, o qual, quando abriu as suas portas ao público, já tinha uma tabuleta onde se lia «Manolita». Desde sempre, e por esta razão, o público e os for-

necedores passaram a identificar o estabelecimento em causa por Casa Manolita. O autor, e só ele, fez a declaração fiscal de início de

actividade comercial, para efeitos de tributação, rela- tivamente ao seu comércio peleiro exercido naquele estabelecimento, e tem sido, desde 1942 até hoje, tributado em contribuição industrial por tal actividade exercida nele.

E m relação ao mesmo estabelecimento, o autor está inscrito na União de Grémios dos Lojistas de Lisboa e tem pago os impostos municipais respectivos e por ele foram feitos os seguros correspondentes. O autor e a ré viviam juntos ao tempo da fundação

do estabelecimento. A este foi, de acordo com a ré, dado o nome «Manolita», derivado do nome dela, ré, trabalhando esta no estabelecimento desde a fundação. E m 3 de Março de 1943, a ré abriu sinal no 2.° Car-

tório Notarial de Lisboa e no respectivo termo figurou ela como comerciante, tendo sido o autor um dos abonadores, mas não se provou que, ao abonar, o fizesse inadvertidamente, ignorando o verdadeiro significado técnico-jurídico da palavra «comerciante» e pensando que como tal podia ser considerada por o auxiliar no seu negócio de venda de peles. No dia seguinte, 4 de Março, a ré, sendo maior e

solteira, requereu o registo do nome «Casa Manolita» para o estabelecimento da Rua de Rodrigues Sampaio, 160, não tendo havido reclamação. Nessa data, a ré trabalhava com o autor nesse esta-

belecimento, não recebendo qualquer ordenado. O pedido de registo do nome foi acompanhado de

um atestado passado pelo regedor substituto da fre- guesia de Camões, desta cidade, conforme certidões de fls. 34 e 50, e nele se atestou segundo informações e para aquele fim «que existe um estabelecimento comercial de peles nesta freguesia, na Rua de Rodri- gues Sampaio, 160, do qual é proprietária Manuela Fariñas Fernandez, o qual é conhecido do público pelo nome de «Casa Manolita». Mas não se provou que esse regedor substituto, ao passar tal documento, atestou um facto de que se haja certificado. Ora, em 28 de Março de 1948, sob o n.° 7143, foi

registado o nome «Casa Manolita» como propriedade de Manuela Fariñas Fernandez, espanhola, comerciante, estabelecida em Lisboa, na Rua de Rodrigues Sampaio, 160, registo esse para vigorar pelo prazo de 30 anos, prorrogável. Certo é que o registo do nome n.° 7143 foi requerido

com conhecimento e autorização do autor. O autor e a ré casaram-se em 23 de Dezembro de

1944, segundo o regime de separação de bens, nos termos do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 30 615, por- tanto, posteriormente à obtenção daquele registo. E m fins de 1960, porém, separaram-se de facto, e

nesta situação se mantiveram até à propositura desta acção. A ré nunca esteve matriculada como comerciante

em nome individual, não se encontrando registada qual- quer autorização dada pelo autor, depois de com ela casado, para comerciar, e nunca existiu qualquer ins- crição dessa autorização. No entanto, ela, com notáveis qualidades de vendedora, contribuiu grandemente para a prosperidade do negócio e para a vasta clientela do estabelecimento. O nome «Casa Manolita» tem sido ininterruptamente

usado no estabelecimento comercial, sito na Rua de Rodrigues Sampaio, 160, desde a sua concessão até à propositura da presente acção. Após a separação de facto acima referida : a) A ré, em consequência das desavenças com o autor,

deixou o estabelecimento da Rua de Rodrigues Sam- paio, 160, pondo o seu trabalho e o nome que dera a esse estabelecimento à disposição de Steffanina, L.da; b) Passou ela a estar à testa do estabelecimento,

sito na Rua de Rodrigues Sampaio, 162, e pertencente àquela sociedade, só não sendo ainda sua sócia por o autor não a ter autorizado a praticar actos de comércio;

c) A ré induziu a sociedade Steffanina, L.da, a dedi- car-se ao comércio de peles e levou-a a pôr na tabuleta o nome de «Manolita», como se vê de fi. 10, e, em suma, fez colocar no estabelecimento comercial dessa socie- dade, sito na Rua de Rodrigues Sampaio, 162, onde ela trabalha agora e contiguo ao estabelecimento em causa, o nome «Manolita», acrescido da designação «peles», sendo certo que da semelhança de nomes tem resultado prejuízos para o autor, em virtude da con- fusão que se tem criado, e continua a criar, no espírito da clientela; d) Requereu e obteve o registo de marca n.° 111 667,

Manolita, destinada a artigos de vestuário, o qual registo veio a ser recusado por acórdão transitado do Supremo Tribunal de Justiça, aqui reproduzido pela sua certidão de fi. 36 a fl. 39. A actual atitude do autor é proveniente das desa-

venças familiares que levaram à separação de facto e à propositura de uma acção de separação judicial de pessoas e bens. A restante matéria de facto não se provou, designa-

damente e sem prejuízo do consignado : Que só algum tempo antes da separação de facto

haja o autor tido conhecimento de que a ré conseguira registar o nome «Casa Manolita»; Que só ao fim de alguns anos de vida em comum

com o autor passou a ré a auxiliá-lo na actividade comercial de venda de peles, que ele exercia no esta- belecimento em causa; Que a reputação e conhecimentos profissionais da ré,

na técnica de tecidos e peles, hajam sido a causa efi- ciente da prosperidade do negócio e de o nome do esta- belecimento se tornar o polarizador da vasta clientela; Que o autor e a ré se tenham associado, pondo em

comum ele o seu capital e ela o seu trabalho e o nome do estabelecimento (aliás derivado do seu) e suportando ambos o risco da empresa, e que ela participasse nos lucros ou nas perdas daquele e fizesse de tal actividade (trabalho) o seu modo de vida; E que, em virtude das desavenças e consequente

situação, a ré tenha deixado a associação com o autor, retirando o que para ela levara (o seu trabalho e o seu nome do estabelecimento). Cumpre então decidir. Inicialmente, o autor formulou dois pedidos: pri-

meiro, o de nulidade do registo do nome, ao abrigo do artigo 159.°, n.° 3.°, do Código da Propriedade Indus- trial, por efectuado com violação da lei e ofensa dos seus direitos; segundo, e subsidiàriamente, para o caso de aquele não proceder, o de caducidade do registo por falta de uso durante dez anos consecutivos do nome registado por parte da ré, conforme os arti- gos 161.°, n.° 4.°, e 162.°, § 2.°, do mesmo Código. Mas na réplica ampliou o pedido com o de condenação da ré em perdas e danos, a liquidar em execução, por actos de concorrência desleal que, localizados após a separação de facto, lhe imputa e integra nos arti- gos 212.°, n.° 1.°, e 227.° ainda desse Código. Ora a ré, que nos articulados se limitara a impugnar

tais pedidos, arguiu só na alegação escrita final a incom- petência absoluta deste tribunal civil para conhecer da responsabilidade civil por concorrência desleal, pois essa questão apenas podia ser debatida em processo criminal perante o respectivo tribunal. Conforme os artigos 660.°, n.° 1.°, e 288.° do Código

de Processo, por esta questão se terá de começar, conquanto o saneador, aliás em termos genéricos e com expressa referência à competência, haja estabelecido a regularidade da instância.

O artigo 102.°, n.° 1.°, desse Código claramente mos- tra que a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença transitada sobre o fundo da causa, exceptuando o caso de a acção ser da competência do tribunal espe- cial e ter sido proposta perante o tribunal de comarca, para o qual o n.° 2.° do mesmo artigo marca um limite temporal-o momento de ser proferido o despacho saneador.

Esta excepção não se verifica na hipótese sub judice, pois o tribunal criminal não pode considerar-se como especial em relação ao tribunal civil: ambos tribunais comuns de comarca pelos quais se reparte a jurisdição comum, com definição das respectivas competências normais em razão da matéria, criminal ou civil. Por outro lado, a prolação do despacho saneador,

que, referindo expressamente a competência, não a decidiu como questão concreta, não constitui caso jul- gado em relação a ela, nem impede a sua apreciação só agora (artigo 104.°, n.° 2.°). Nesta se entrará, pois, sem obstáculos de ordem formal. Na réplica o autor imputou à ré actos que qualifica

de concorrência desleal e dolosa, enquadrando-os no n.° 1.0 do artigo 212.° do Código da Propriedade Indus- trial, cuja punição este prevê no seu artigo 213.°. Assim, a responsabilidade civil que o autor, socor-

rendo-se do artigo 227.°, pretende efectivar nestes autos contra a ré é manifestamente a conexa com a criminal: a emergente daquele crime doloso que lhe atribui. Ora, e conforme a doutrina e jurisprudência domi-

nantes, que harmonizam o artigo 2373.° do Código Civil, na redacção da reforma de 1930, com o artigo 29.° do Código de Processo Penal, a responsabilidade civil conexa com a criminal efectiva-se: em princípio, só no processo penal perante o tribunal criminal; e, excepcio- nalmente, em acção autónoma perante o tribunal civil, artigos 30.° e 33.° do Código de Processo Penal (vide Doutor Patrício Paul, in Concorrência Desleal, pp. 212 e 213; Doutor Corte Real, in Código da Propriedade Industrial, p. 141). Deste modo, e não cabendo o caso que nos ocupa

em qualquer das excepções previstas nos aludidos pre- ceitos, das duas uma: ou há lei especial autorizando a acção cível de perdas e danos por actos de concorrência desleal dolosa fora do processo criminal, ou cai-se na regra geral da sujeição a este. E, na verdade, o Doutor Patrício Paul (obra citada,

pp. 217-219) vê no § 2.° do artigo 228.° do Código da Propriedade Industrial o preceito donde infere, sob pena de não ter qualquer conteúdo útil, a conclusão de que em nenhum caso de concorrência desleal está o lesado obrigado a requerer no processo penal a indemni- zação. Esse § 2.° estabelece que o arresto dos produtos ou

mercadorias, permitido pela alínea b) do corpo do artigo e com a função de caucionar as multas, despesas judiciais e as indemnizações, fique «nulo se o requerente não propuser acção ou fizer participação em juízo dentro de 30 dias, após a realização da diligência». Rejeita o entendimento que lhe deu o Acórdão da

Relação de Coimbra de 15 de Fevereiro de 1955, in Jurisprudência das Relações, ano I, p. 204: na concor- rência desleal dolosa ou fraudulenta a indemnização tem de ser pedida no processo penal; na concorrência desleal culposa, deve ser pedida em acção no tribunal civil. Os argumentos opostos pelo Doutor Patrício Paul

são válidos: a alínea b) do artigo 228.° mostra que se

trata do arresto dos produtos ou mercadorias «em que o delito se manifestar»; antes da reforma penal de 1954 (Decreto-Lei n.° 39 688) e perante o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1936 (punibilidade de culpa), toda a concorrência dolosa ou culposa constituía crime (doloso ou culposo), o que toma inadmissível a distribuição feita no acórdão cri- ticado; só a alteração do artigo 110.° do Código Penal, introduzida por aquela reforma (punibilidade da culpa apenas nos casos previstos), proporcionou a distribuição. Assim, tem de aceitar-se que o § 2.° do artigo 228.°

se referia tanto aos casos de dolo como aos casos de culpa - e não é a alteração do artigo 110.° do Código Penal que força a uma mudança de entendimento. É certo que os casos de culpa, deixando de ser cri-

minosos por impunibilidade dela, não suscitam já uma responsabilidade civil conexa com a criminal, mas apenas uma responsabilidade fundada no ilícito civil culposo, só efectivável em acção perante o tribunal civil. Mas a conclusão do Doutor Patrício Paul quanto à

concorrência desleal dolosa, portanto criminosa, além de oposta à corrente dominante, não tem justificação. Inexacto que o § 2.° do artigo 228.° não tenha con-

teúdo útil, senão o que lhe aponta: o de afastar a aplicação do princípio geral contido no artigo 29.° do Código de Processo Penal e artigo 2373.° do Código Civil, para se cair na não obrigatoriedade de deduzir a acção civil no processo penal. O preceito refere-se à propositura da acção ou à

participação em juízo, conforme ao caso couber. E exis- tem sempre hipóteses de responsabilidade civil conexa com a criminal em que esta só é efectivável em acção perante o tribunal civil, como sucede se a acção penal se extinguir (amnistia do crime; morte do lesante, etc.), ficando de pé aquela responsabilidade civil. Basta esta consideração para se atribuir ao preceito um entendimento útil, com a vantagem de ser conforme com a regra geral. Pelo exposto se demonstra que o autor não podia

ter formulado o pedido de indemnização sem prece- dência do processo penal. Fazendo-o, violou os arti- gos 29.° e 2373.° citados, o que se volve também numa infracção às regras da competência do tribunal civil. No âmbito da responsabilidade civil conexa com a

criminal, a competência normal pertence ao tribunal criminal que se exerce no respectivo processo. A do tribunal civil está condicionada a certos pressupostos. Da não verificação destes resulta a sua incompetência material. Mesmo tratando-se de questão prejudicial, o ar-

tigo 97.° do Código de Processo mostra que o tribunal civil não tem competência incondicionada. Depende ela: de o tribunal civil, como lhe é permitido, sobrestar na decisão para o tribunal competente (criminal ou administrativo) se pronunciar sobre a prejudicial; e de a suspensão da instância ficar sem efeito por negligência das partes no impulso processual. Portanto, uma com- petência de segunda linha, aliás, de efeitos limitados ao processo. Consequentemente, e nos termos do ar- tigo 105.°, n.° 1.°, do Código de Processo, julgo proce- dente a excepção da incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do pedido de indemnização formulado na réplica e, nessa parte, absolvo da instân- cia a ré. Agora, a nulidade do registo do nome do estabele-

cimento. Dispõe o artigo 159.°, n.° 3.°, do Código da Proprie-

dade Industrial que o registo do nome do estabeleci-

mento (ou da sua insígnia) pode ser anulado nos casos e termos seguintes e o seu n.° 3.° especifica este: «se o registo tiver sido efectuado com infracção de disposi- ções legais ou ofensa de direitos de terceiro». Logo o artigo 160.° mostra o interesse de ordem pública que a nulidade de um registo envolve ao determinar que só possa resultar da sentença judicial, sujeita a registo e a publicação, e acção intentada ou com a intervenção do Ministério Público - reflexo da igual natureza de interesse e ordem pública que têm as disposições regu- ladoras da criação do nome e da concessão do seu registo. Compreende-se que assim seja. De entre os sinais distintivos que, como modalidade

de propriedade industrial, esse Código prevê, o nome de estabelecimento (ou a insígnia) -tal como a firma ou nome comercial em relação ao comerciante no exercício do seu comércio - tem esta função, que pode consti- tuir um facto muito importante de angariação de clientela e revestir um valor patrimonial do maior relevo: a função de designar ou tornar conhecido o estabelecimento, individualizando-o (artigos 141.° e 145.°), o que equivale a realçar perante a clientela a organização do empresário (comerciante, industrial, agricultor ou criador), corporizada no seu estabeleci- mento. Por outro lado, o Código, que parece aceitar a orien-

tação de ter o nome a natureza de um direito real sobre coisa incorpórea ou imaterial, acentua no seu artigo 146.° que a propriedade e o uso exclusivo do nome do esta- belecimento são garantidos pelo seu registo, salvo o caso de aplicabilidade do artigo 8.° da Convenção da União de Paris, de 20 de Março de 1883, e suas revisões, onde se dispensa o registo. Assim, a criação de um nome de estabelecimento e a

concessão do seu registo transcendem a esfera jurídica dos seus titulares e põem em jogo os interesses de outros empresários concorrentes e da clientela em geral. Daí a natureza injuntiva e da ordem pública da res- pectiva disciplina jurídica. Acresce que o estabelecimento comercial, coisa com-

posta ou complexa, uma universalidade e como tal considerado pela própria lei em muitos casos, com maior ou menor âmbito, máxime em matéria de traspasse (artigos 118.°, 157.° e 158.° do Código da Propriedade Industrial), embora se discuta a natureza do direito ou de facto dessa universalidade, é essencial- mente um objecto de direitos [Prof. Ferrer Correia, Lições, p. 200, e, antes de mais, direitos reais (proprie- dade, usufruto, posse), Prof. Barbosa de Magalhães, Do Estabelecimento Comercial, pp. 157 e seguintes]. E aquele artigo 118.°, § 3.°, inclui expressamente o

direito ao nome e à insígnia na universalidade - esta- belecimento-, o que os artigos 157.° e 158.°, com reser- vas, também confirmam. Do exposto resulta com toda a evidência que a

constituição do nome do estabelecimento e o seu registo a favor de certa pessoa pressupõem nesta a titularidade do próprio estabelecimento - que tenha um direito sobre este, um direito real de gozo compatível com a natureza dele (propriedade, usufruto ou posse). Esta relação real de pertença, em sentido lato, do

estabelecimento ao titular do seu nome é realçada em vários preceitos: O artigo 141.° reconhece a quem tenha certa quali-

dade (agricultor, criador, industrial ou comerciante) o direito de adoptar um nome para designar ou tornar conhecidos os seus estabelecimentos, e tanto vale dizer

que ninguém pode adoptar um nome para um estabe- lecimento que não seja seu; O artigo 142.°, n.° 1.0 e § único, e o artigo 144.°,

n.° 1.° e § único, raciocinam na base daquela relação de pertença; E, se o artigo 150.°, n.° 1.°, exigindo a menção no

requerimento para registo do nome, firma ou deno- minação social do proprietário, consente dúvida sobre se se reporta ao proprietário do estabelecimento ou do nome registando, já o artigo 151.°, n.° 1.°, impondo a necessidade de instruir o requerimento com atestado comprovativo de o requerente possuir o estabelecimen- to, de modo efectivo e não fictício, constitui um coro- lário do preceito do artigo 141.°; Ainda os artigos 157.° e 158.° assentam na mesma

base, pois, aquele, sobre a transmissão da propriedade do nome, pressupõe que a disponibilidade do estabe- lecimento e a do seu nome se concentrou necessària- mente na pessoa do transmitente; E o outro preceito, sobre as formalidades da trans-

missão, considera o nome (como a insígnia) um aces- sório do estabelecimento. Inaceitável, portanto, que o estabelecimento per-

tença a uma pessoa e o nome desse estabelecimento a outra pessoa. E não colhe a objecção que, na reserva do nome

consentida no § 1.° do artigo 157.°, busca argumento para alicerçar a dissociação da titularidade do estabe- lecimento e do seu nome. Na verdade, este é facultativo, podendo existir esta-

belecimento sem nome. Contràriamente ao regime das marcas (artigo 118.°,

§ 1.°), a propriedade do nome do estabelecimento só pode transmitir-se com este (artigo 157.°). E a presun- ção, tal como em matéria de marca (artigo 118.°, § 2.°), é a transmissão do estabelecimento abranger o respec- tivo nome (artigo 157.°, § 1.°). Ora a reserva do nome, aquando da transmissão do

estabelecimento, que o citado preceito prevê, consti- tui uma emanação do poder da disposição do transmi- tente em relação a ambos, que se coaduna com o carácter facultativo do nome e se justifica pelo fim (reserva do nome para outro estabelecimento, presente ou futuro, do transmitente). Mas o nome reservado, enquanto não aderente a

outro estabelecimento de quem o reservar, é em si mesmo intransmissível. Aliás, é inconcebível a trans- missão isolada do nome sem o estabelecimento, tal como a existência de um nome de estabelecimento sem este. Paul Roubier, Le Droit de Propriété Industrielle, II,

p. 695, é incisivo a este respeito : «À plus forte raison est-il impossible d'admettre, à notre soin, une trans- mission du nom commercial isolément, en dehors de la transmission du fonds. Le principe même qui a entrainé la transmission du nom avec celle du fonds ne permet pas une solution contraire: si ce nom se trouve transmis de plein droit, c'est parce qu'il constitue la désignation du fonds, son individualisation. On peut sans doute avoir des raisons d'exclure cette transmission du nom, et on limite alors le contenu de la cession. Mais on ne peut pas, procédant inversement, exclure de la trans- mission du fonds tous les éléments autres que le nom, parce qu'alors il ne resterait rien à désigner ou indivi- dualiser et que le nom n'aurait plus d'objet commercial: de la même manière que le nom commercial disparaît lorsque le fonds lui-même disparait.» Abordando a natureza jurídica do nome, este autor

vê nele, não um direito de personalidade, nem um direito

de propriedade, mas um valor incorporal do estabele- cimento (p. 674), o que não está longe da tese de Rotondi quando o considera como um direito acessório ao direito do titular do estabelecimento (vide Sergio Boutet e Mario Duni, in Brevetti industriali, Marchio, Ditta, Insi- gna, edição de 1966, pp. 10 e 444). E também o artigo 158.° do nosso Código acentua

este aspecto da acessoriedade. Assim, e tratando-se do estabelecimento comercial,

viola o artigo 141.° quem, não sendo comerciante nem titular do estabelecimento, adopta para o designar e tornar conhecido um nome: e o seu registo a seu favor será nulo nos termos do artigo 159.°, n.° 3.° Correlacionando estes preceitos com os artigos 151.°,

n.° 1.°, e 221.°, n.° 1.°, o Doutor Patrício Paul (obra citada, p. 67) pronuncia-se abertamente no sentido exposto. E a própria ré pressente as dificuldades da sua posi-

ção quando defende a validade do registo na base de uma sociedade irregular, da compropriedade ou da c o m p o s s e . Então, e ainda que houvesse apoio na prova, o

registo feito em exclusivo benefício da ré estaria ferido de nulidade: a contitularidade do estabeleci- mento (compropriedade ou composse) impunha o re- gisto do nome a seu favor de todos os contitulares daquele (autor e ré), sob pena de, tendo embora ambos direitos qualitativamente iguais, se privar o autor, quer do uso do nome registado, só exclusivo para a ré, quer de adoptar e registar para o estabelecimento outro nome, o que, como se infere do n.° 1.° do ar- tigo 159.°, não seria permitido; a pertença do estabe- lecimento a uma sociedade irregular entre autor e ré só justificaria o registo a favor da própria sociedade ou de todos os associados, nunca apenas a favor de um deles com exclusão do outro. Deste modo, nem na tese da ré o registo espelha a

verdadeira situação, pois é a primeira a admitir que o autor fundou o estabelecimento e tem, ao menos, algum direito a ele. O nome do estabelecimento é que teria pertencido

sempre e exclusivamente a ela ré, o que desde logo se mostra inconcebível pela contradictio in terminis que envolve. Aliás, os factos provados não corroboram as conclusões a que chega a ré, antes confirmam a posição do autor. Na verdade, este, que então vivia junto com a ré,

só mais tarde, vindo a casar com ela, fundou em 1942 o estabelecimento comercial com capital seu e para o efeito arrendou a loja onde está instalado, arrendamento ainda vigente. Perante as entidades oficiais (corporativas e fiscais),

seguradores e senhorio, só o autor tem aparecido como proprietário do estabelecimento e como exercendo nele o respectivo comércio. Desde a fundação, antes e depois do casamento com

o autor, e até à separação em 1960, a ré limitou-se a trabalhar com ele no estabelecimento, aliás sem receber ordenado, e, com notáveis qualidades de vendedeira, contribuiu grandemente para a prosperidade do negócio e para a vasta clientela. Mas esta actividade de colaboração, que a inicial

mancebia e depois o casamento, com suas vantagens indirectas para a ré, tornaram fàcilmente compreen- sível, não constituiu um exercício profissional de um comércio seu por parte da ré e em seu nome, como seria necessário para se lhe atribuir a qualidade de comer- ciante à luz do preceito do artigo 13.°, n.° 1.°, do Código Comercial, antes se aproxima muito (se é que não se

identifica) com a colaboração dos caixeiros e auxiliares, não considerados comerciantes (Prof. Ferrer Correia, Lições, pp. 212 e 213; Prof. Pinto Coelho, Lições, pp. 170-172), nem podia ter a virtualidade de investir a ré num direito sobre o estabelecimento comercial que o autor fundou com capital seu, passando a exercer nele um comércio seu, por si próprio e através da colaboração da ré (se não também de outros propostos). O autor, que não a ré, era o comerciante e o dono do

estabelecimento. A ré nem sequer pode abonar-se com o registo comercial, mudo na matéria. Agora como surgiu e se criou o nome «Casa Mano-

lita». Fundado o estabelecimento pelo autor com capital

seu, quando abriu as portas ao público, já tinha uma tabuleta com aquele nome. Desde sempre, e por essa razão, o público e os fornece-

dores passaram a identificá-lo por esse nome. Ao estabelecimento foi, de acordo com a ré, dado o

nome derivado do nome dela, que nele trabalhava desde a fundação. Obtido o registo a favor da ré, sendo esta ainda sol-

teira, mas com conhecimento e autorização do autor, o nome tem sido ininterruptamente usado naquele estabelecimento, desde a sua concessão até à proposi- tura desta acção. Trata-se assim de um nome que não se identifica

com o nome civil da ré, nem tinha existência a se antes de aparecer na tabuleta do estabelecimento fundado. Quando muito, e como o termo de abertura do sinal

em 3 de Março de 1943, fl. 49, poderá induzir, era um nome que correspondia a um pseudónimo ou alcunha da ré («Manolita», variante de «Manuela»). Mas a criação do nome do estabelecimento, como

realidade relevante no âmbito da propriedade indus- trial, é do autor, que também o tem usado enquanto vem exercendo naquele o seu comércio, e partiu dele a fundação do estabelecimento. A ré limitou-se a dar o seu acordo para o autor criar

um nome para o seu estabelecimento que derivava do nome individual dela, não dona do estabelecimento, certamente tendo-se em vista o preceito do artigo 144.°, n.° 1.°, que proibia que o nome individual dela fizesse parte do estabelecimento, salvo provando-se a legiti- midade do seu uso. Assim, a criação do nome do estabelecimento em

causa não serve útilmente a tese da ré ou para revelar a pretensa sociedade irregular ou compropriedade e composse do estabelecimento, que aliás não encontram apoio no conjunto dos factos provados, ou para afirmar que esse nome lhe pertence em exclusivo. O autor fundou o estabelecimento com capital seu:

pertence-lhe e na sua posse tem estado. O autor criou para o seu estabelecimento um nome,

derivado do nome individual da ré, mas com o acordo desta, e tem estado no seu uso: se não pode obter a garantia da propriedade e do uso exclusivo desse nome, por falta de registo a seu favor (artigo 146.° do Código), a ré só pode contar com o registo. De sociedade irregular entre autor e ré, pertencendo-

-lhe o estabelecimento ou para exploração deste, não pode falar-se, pois nem se mostra existente um acordo de vontade de ambos nesse sentido, claramente mani- festado ou dedutível dos factos : a resposta ao quesito 3.° matou a questão, além de que era inconcebível um apport constituído por nome criado pelo autor e antes inexistente no âmbito da propriedade industrial, e a colaboração da ré no exercício do comércio pelo autor já acima ficou delineada.

E outro tanto se dirá da compropriedade ou da composse do estabelecimento, que, criado pelo autor com capital seu, só este nele tem exercido o respectivo comércio. Resta abordar como foi obtido o registo do nome a

favor da ré, que é aquilo com que ela ùnicamente pode contar. Pelo menos, com manifesta violação dos arti- gos 141.° e 151.°, n.° 1.°, seu corolário, se não também do artigo 150.°, n.° 1.°, do Código. Na verdade, a ré nem era comerciante, nem possuia

o estabelecimento de modo efectivo, e só afirmando-se o contrário no requerimento para registo e no atestado com que foi instruído se tornou possível o registo do nome do estabelecimento a favor da ré, como proprie- dade dela. E não o possuía por qualquer título legítimo de

propriedade, compropriedade, posse ou composse ou requer como associada nessa sociedade irregular: ape- nas nela trabalhava colaborando com o autor, único dono do estabelecimento onde exercia o respectivo comércio. Este aspecto da posse do estabelecimento é tão im-

portante que a sua falsa alegação para obter um re- gisto do nome pode constituir um crime, se feita com fins especulativos ou de concorrência desleal (ar- tigo 221.°, n.° 1.0). Aquele atestado, única prova sumária da posse que

se exigia, não tem valor inatacável: o contrário consta do atestado de fl. 11 e o tribunal colectivo foi incisivo no sentido de que aquele não certificava a realidade. Certo que o registo foi requerido com conhecimento

e autorização do autor, que até abonou a abertura do sinal no notário, constando do respectivo termo a qua- lidade de comerciante da ré, que ela não tinha. A vontade do autor, porém, quiçá com outros efeitos,

era impotente perante disposições de interesse e ordem pública como as respeitantes ao nome do estabeleci- mento e seu registo. Procede, consequentemente, o pedido de nulidade do

registo n.° 7143, nos termos do artigo 159.°, n.° 3.°, referido aos artigos 141.° e 151.°, n.° 1.°, do Código da Propriedade Industrial, o que prejudica o subsidiària- mente formulado para a declaração da sua caducidade. Pelo exposto, julgo nesta parte procedente a acção

e declaro nulo o dito registo do nome «Casa Manolita». Considerando a alínea b) do n.° 1 do artigo 8.° do

Código das Custas e a ampliação do pedido genérico formulado na réplica, fixo ao processo o valor de 120 000$, correspondendo 80 000$ aos pedidos iniciais e 40 000$ à ampliação. Custas proporcionais, com procuradoria de 1000$

acima do mínimo legal, pelo autor e pela ré, vencidos aquele no pedido ampliado, em razão da incompetên- cia absoluta, e ela no restante. Registe e notifique.

Lisboa, 31 de Julho de 1967. - António Pereira de Miranda.

Mais certifico que esta douta sentença foi devida- mente notificada e transitou em julgado em 17 de Outubro do ano findo. É o que me cumpre certificar em face dos próprio?

autos a que me reporto. Para constar se passou a presente, que, depois de

conferida, assino.

Lisboa, 8 de Janeiro de 1968. - O Escrivão de Direito, António de Sousa Felgueira.