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A trama cruzou-se com a urdidura: a ficção de José Saramago e o encontro com a história segundo
Georges Duby.
José Dércio Braúna1
Recebido em: 08/03/2019
Aceito em: 30/04/2019
RESUMO
Tendo declarado que sem Georges Duby e sem a “Nouvelle Histoire” não teria escrito
romances centrais em sua obra romanesca, o encontro do escritor português José Saramago
com o pensamento e a escrita dessa historiografia deu-se, todavia, por meio de uma faceta
pouco conhecida do Nobel de Literatura de 1998, a de tradutor. Foi por meio dessa atividade
que, em finais dos anos de 1970, José Saramago estabeleceu primeiros contatos com o fazer
historiográfico que o marcou de modo profundo. Este texto busca dar a ler alguns elementos
desse encontro, alguns modos como a trama da ficção de José Saramago cruzaram-se com a
urdidura da história segundo Georges Duby.
Palavras-chave: José Saramago. Georges Duby. Historiografia.
The plot crossed with the urdidure: the fiction of José Saramago and the meeting with
the history by Georges Duby.
ABSTRACT
Having declared that without Georges Duby and without the “Nouvelle Histoire” he would
not have written central novels in his romanesque work, the meeting of the portuguese writer
José Saramago with the thought and the writing of this historiography happened, however,
through a little facet known by the Nobel Literature Prize of 1998, the one of translator. It was
through this activity that, in the late 1970s, José Saramago established his first contacts with
the historiographic making that marked him profoundly. This text seeks to give read some
elements of this encounter, some ways as the plot of the fiction of José Saramago crossed with
the warp of the story according to Georges Duby.
Key-words: José Saramago. Georges Duby. Historiography.
1 Doutorando em História Social no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Ceará
(UFC). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Email: [email protected]. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1795426651523862.
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1 PRIMEIROS FIOS
o dia 15 de fevereiro de 1979 acabou-se de imprimir nas oficinas gráficas
da Livraria Bertrand, na freguesia portuguesa de Venda Nova (Amadora), a
quantidade de um mil, seiscentos e sessenta exemplares de uma obra de
ficção, sendo estes exemplares numerados de 1 a 1560, e uma sua centena numerados de I a
C, não destinados ao mercado e rubricados pelos autores. Poética dos cinco sentidos, eis a
obra. São seus autores, em conformidade com a ordem de disposição dos sentidos nas
páginas: Maria Velho da Costa (“A vista”), José Saramago (“O ouvido”), Augusto Abelaira
(“O olfato”), Nuno Bragança (“O gosto”), Ana Hatherly (“O tacto”) e Isabel da Nóbrega (“A
sexta”).
O exemplar de nº 1520 da obra, que aqui o tenho em mãos, em um breve texto de
abertura, informa-me que Poética dos cinco sentidos traz a percepção de seis escritores
portugueses a quem se pediu que “vivessem e dissessem, cada um sua, a aventura de viajar
pelo belo e misterioso universo da licorne”. La dame à la licorne, eis o fio urdidor da obra em
questão. Um conjunto de seis tapeçarias, que se crê serem obra datada de fins do século XV
ou princípios do XVI, e tidas como um dos grandes trabalhos da tapeçaria medieval em toda a
Europa, e assim nominadas (La dame à la licorne) no século XIX. “Diz-se que no seu
conjunto representam uma alegoria dos cinco sentidos”, sendo “a sexta” tapeçaria (“À mon
seul désir” – Ao meu único desejo) uma alegoria do amor ou da compreensão. Informa-me
ainda o texto diante de mim que muito se ignora acerca da composição destas tapeçarias, “a
começar pelo nome de quem as compôs e desenhou”, também quem as encomendou. Há
conjecturas, mas não certezas, todavia, “não é isso importante”, diz o texto, essas são
“questões de pequena ou grande história, que hão-de averiguar-se ou não”, importa mais
pensar nos “quantos milhares de pessoas [que] terão até hoje visto ‘La dame à la licorne’,
desde que, no ano de 1882, entrou no Museu de Cluny, em Paris”. Assim sendo, a ideia da
obra é, como dito, que seis escritores digam de suas experiências frente aos mistérios de A
dama e o unicórnio (HATHERLY et. al., 1979, p. 9).
Tomando em análise a contribuição de José Saramago à obra – “O ouvido” –,
cotejando-a a seu texto introdutório, o que se pode perceber é que o Nobel de Literatura de
1998 deu importância ao revés ao entendimento aí expressado. Se muito se ignora das
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tapeçarias, “a começar pelo nome de quem as compôs e desenhou”, sendo ciente da
impossibilidade de dizer isso de que não ficou registro (porque não há vestígios, porque são
buracos sem remendo possível no tecido do tempo), todavia Saramago optou justamente por
escrever sobre a feitura, sobre os árduos trabalhos de quem, ainda que inominados, legaram
algo ao tempo. Se a história não lhes registrou os nomes, isso só mais justifica dedicar-lhes
uma escrita que, ao menos, lhes dignifica o fruto de seus esforços no passado. Para Saramago,
como o leio, tão importante quanto se pensar nos milhares de pessoas que vão ao Museu de
Cluny apreciarem A dama e o unicórnio é o exercício da ficção em buscar “extrair a produção
artística do imaginário, ao mesmo tempo que do museu, e colocá-la na vida” do tempo
passado que a concebeu (o que for possível dele escriturar), aqui pensando com Georges
Duby e sua análise sobre a arte medieval (DUBY, 1993, p. 9).
Como dito, a edição da obra foi em 1979. No ano anterior, publicou-se em
Portugal a tradução de Le temps des cathédrales, de Duby. A assinar a tradução da obra, José
Saramago. Ao que tudo leva a crer, tratou-se do primeiro encontro de Saramago com a escrita
e o pensamento desse historiador – desse “homem dos Annales” – que tanto o marcará
(CARAVELA, 2012). A ponto de, em declaração dada ao jornalista brasileiro José Castello,
em abril de 1989, dizer que “o trabalho do Georges Duby me influencia muito mais, hoje, do
que a obra de qualquer romancista” (CASTELLO, 1989); e a lamentar, com imenso pesar,
quando da morte de Duby, a 03 de dezembro de 1996, cujo registro ficou assente num dos
volumes de seus diários, os Cadernos de Lanzarote:
Morreu George [sic] Duby. Ficaram de luto os historiadores de todo o mundo, mas
sem dúvida também alguns romancistas. Este português, por exemplo. Posso mesmo
dizer que sem Duby e a “Nouvelle Histoire” talvez o Memorial do Convento e a
História do Cerco de Lisboa não existissem... (SARAMAGO, 1999, p. 262).
Memorial do convento, obra que principiou a difusão da arte ficcional de
Saramago mundo a fora; História do cerco de Lisboa, obra em que as fronteiras entre
literatura e história são problematizadas desde a primeira linha: por que não teriam elas
existido sem Duby, a Nova História e os homens dos Annales? O que a concepção de história
aí fabricada trouxe ao fazer ficcional de Saramago? Trata-se de um interessante tema a ser
refletido.
Mas essas são obras dos anos de 1980 (1982 e 1989, respectivamente), um tempo
em que o interesse de Saramago pela história já era notório, comentado e já até estudado.
Todavia esse seu interesse não principia aí, na escrita desses êxitos literários. Trata-se de uma
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problemática que vem de antes, e que teve no encontro com Duby e os Annales, via ofício de
tradução, um lugar para elaboração de novos olhares e inquietações do ficcionista Saramago
ante a matéria histórica. Questões de ferramentas, de como fazer, de como operar com os
vestígios escritos do passado. Não se trata de colocar a questão em termos de que foi Duby e a
Nova História que deram a Saramago, em exclusivo, o seu modo de refletir sobre a história,
mas de pensar como esse modo de fazer história lhe trouxe contato com mecanismos,
ferramentas, com modos de fazer de que ele se valeu em seu fazer ficcional.
Assim, nessa escrita sobre uma tapeçaria medieval, sobre uma alegoria dos
sentidos, como Saramago pensará, sentirá e escreverá sobre o sentido que escolheu, o ouvido?
Como fará sua urdidura escritural? Um urdir em que, aliando-se a sua cosmovisão marxista do
mundo (que nunca abandonará), entendo insinuar-se também fios do proceder e do pensar de
Georges Duby. Não por acaso um historiador que fez questão de estabelecer uma distinção:
“entre o marxismo enquanto reflexão sobre a história e o marxismo ao serviço de um sistema
político”, o que lhe deu, segundo sua avaliação, “uma grande liberdade”: a de fazer dos
postulados marxistas “um utensílio de análise, entre outros” e não um “dogma intangível”
(DUBY; LARDEREAU, 1989, p. 99-100); uma perspectiva que, como percebo, muito
agradou a Saramago.
2 ESCUTAR O “MOVER DE FORMIGOS” QUE FAZ A HISTÓRIA
Figura 1: La dame à la licorne / A dama e o unicórnio – O ouvido (Museu de Cluny, Paris).
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Fonte: Reprodução a partir de: HATHERLY et. al., 1979, p. 23.
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Em sua ficção sobre a alegoria do ouvido, Saramago principia por indagações
sobre qual seria “o primeiro som, aquele de que todos os outros virão a nascer”. Algo a que
uma observação da tapeçaria levaria a considerar como sendo “o da corrente de ar que nos
foles do órgão se introduz”. Mas logo a seguir temos aquilo que será, ao longo do texto, como
que uma espécie de fio a ir urdindo as várias hipóteses pensadas pelo autor; temos um “talvez
não”. Saramago então pondera que o primeiro som há de ser “o da respiração necessária para
que a donzela aia faça o tão pouco esforço de levantar o punho do fole”. Assim sendo, nesse
princípio de seu texto, Saramago então consente que “esse, ou este, ou ambos [o respirar da
donzela e a corrente de ar nos foles] porque mutuamente se requerem, são o primeiro som”
(SARAMAGO, 1979, p. 21).
Mas, como disse, há um fio a urdir toda a concepção do texto, um “talvez não”
que vai tecendo uma compreensão mais profunda do que a tapeçaria dá a ver; um “talvez não”
que, em relação à hipótese exposta antes, vai fazendo o texto avançar num aprofundamento
reflexivo. Assim é que, após esse acatamento do que seria o primeiro som – requerimento
mútuo de um respirar humano e um trânsito de ar por um instrumento –, Saramago principia
um seu exercício humanizador da obra de arte que tem a descrever.
E aqui vejo urdirem-se fios desta sua escrita com fios de outra, pouco antes lida e
traduzida: a de Duby. Como leio a poética deste olhar sobre uma tapeçaria a alegorizar o
sentido da audição, vislumbro marcas do modo como Duby concebeu o seu trabalho sobre as
grandes obras de arte cujas análises constituem O tempo das catedrais. Para Duby,
é difícil – e quase sempre vão – falar das obras de arte, que são feitas para serem
vistas. [...] Restava-me tentar reconstituir em redor delas o conjunto cultural que
lhes dá plena significação. Os três ensaios que escrevi pretendem extrair a produção
artística do imaginário, ao mesmo tempo que do museu, e colocá-la na vida. Não a
nossa, mas a dos homens que sonharam esses objectos e foram os primeiros a
admirá-los. Estes livros falam portanto da Idade Média, em geral. (DUBY, 1993, p.
9) (Grifo meu)2.
“Reconstituir em redor”, eis o princípio de Duby. Historiador sensível que era,
sabia que, para uma época como a Idade Média a que dedicou seus estudos, a possibilidade de
deixar registros que tenham sobrevivido até o seu tempo de trabalho (segunda metade do
século XX) é privilégio de poucos. Nesse sentido, sabe ele que seu trabalho, em O tempo das
2 Ao registrar “os três ensaios que escrevi” e “estes livros”, Duby refere-se ao fato de Les temps des cathédrales
haver tido, inicialmente, uma edição nesse formato (de três álbuns), tendo sido uma encomenda do editor suíço
Albert Skira, que os publicou entre 1966 e 1967. A edição no formato de volume único somente ocorreu em
1976 (edição francesa, das edições Gallimard). Os três álbuns, no formato original, eram: “A adolescência da
cristandade ocidental, 980-1140”, “A Europa das catedrais, 1140-1280” e “Fundamentos de um novo
humanismo, 1280-1420”. Sobre o projeto, ver: DUBY, 1993a, p. 93-102.
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catedrais, é um “esforço de explicação” incidente sobre obras de arte criadas “na proximidade
do poder e no universo estrito da alta cultura”, sabe que “essas formas foram praticamente as
únicas que duraram até nós”. E o foram justamente por fatores relacionados a essa
proximidade do poder, desde sua criação até sua conservação no tempo; sabe Duby que, “uma
vez que a criação artística é sempre governada pelas forças sociais dominantes, a invenção
situa-se quase por inteiro entre o que foi modelado para a glória de Deus, para o serviço dos
príncipes e para o prazer dos ricos.” E o que fazer ante essa certeza de que “partir das obras-
primas é um percurso obrigatório”, dado que quase somente elas “duraram até nós”? Para
Duby, essa constatação não se constitui em impedimento. Não é nem mesmo um “mau
percurso”. Para ele, a questão reside em uma condição: a de “nunca perder de vista o que as
rodeia [essas obras-primas] nem a diversidade obscura, fecunda, sobre que elas pairam”
(DUBY, 1993, p. 9).
Como podemos ler, eis aí mais uma vez reafirmado seu princípio (assim o
designarei) de “reconstituir em redor”. É assim procedendo que se poderá então tecer um fio a
enlaçar as grandes obras de arte àquilo sobre que elas “pairam”. Amarrar o suposto inefável
da criação ao “húmus da história” (DUBY, 1993, p. 9 e p. 72). Não obstante a beleza e o
encanto ante esses “objetos excepcionais”, nos quais ganharam forma a “sensibilidade pessoal
do artista”, suas “intervenções imprevisíveis”, “sua livre inspiração, em suma” – algo
“irredutível a qualquer explicação”, portanto –, para Duby, todavia, havia que separar esse
elemento intrínseco do fazer artístico de “todo o resto”, do “fundo geral” que é “o meio social
e cultural” do qual “se apoderam tanto os pequenos mestres quanto os grandes criadores”. Foi
esse o seu trabalho em O tempo das catedrais (DUBY, 1993a, p. 95).
E Duby segue seu princípio desde sua linha primeira. O tempo das catedrais
principia justamente com uma escrita que nos dá a ver o “mundo selvagem” que criou as
obras-primas de que ele se ocupará no livro. Diz da paisagem e da ação dos homens sobre ela:
Pouquíssimos homens – solidões que para o ocidente, para o norte, para o leste se
estendem, se tornam imensas e acabam por cobrir tudo – maninhos, brejos, rios
vagabundos, e as charnecas, as matas de corte, os pastos, todas as formas degradadas
da floresta que os fogos das brenhas e as semeaduras furtivas dos queimadores de
bosques deixam atrás de si – aqui e além clareiras, um solo conquistado desta vez,
mas apenas meio domado; sulcos ligeiros, irrisórios, traçados numa terra indócil por
alfaias de madeira arrastadas por magros bois;
diz das moradas e dos abrigos dessa gente rústica e dos bichos que criam (que muitas vezes
não guardam grandes diferenças); diz dos ofícios dessas gentes (“vinheteiros, tecelões,
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ferreiros, os artesãos domésticos”), quase todos exercidos sob o poder de senhores. Eis, pois,
no traço de Georges Duby, o mundo sobre o qual pairam as grandes obras-primas da arte
medieval: “tal é o ocidente do ano mil. Rústico, aparece, diante de Bizâncio, diante de
Córdova, pobríssimo e desamparado. Um mundo selvagem. Um mundo cercado pela fome.”
Olhada apenas em sua aura, a arte desse tempo não deixa suspeitar que “o século XI, para os
povos da Europa Ocidental, foi o momento duma lenta emersão fora da barbárie” (DUBY,
1993, p. 13-14).
Espiado este quadro traçado por Duby, voltemos olhos ao tramado de A dama e o
unicórnio. Espiando tal obra para dela dizer seu sentir, disse eu que Saramago havia
principiado por indagar sobre “o primeiro som” que a alegórica tapeçaria incitou-o a pensar (o
do respirar da dama imbricado à corrente de ar passando pelos foles), mas partindo daí para
um exercício humanizador. E tal como o proceder de Duby, o de Saramago foi justamente o
de “reconstituir em redor”. Para além da imagem dada a ver, Saramago quis perscrutar a mão
humana (as tantas delas) que foram necessárias para a urdidura de A dama e o unicórnio.
Saramago quis atar a aura da grande obra de arte ao “mover de formigos” (para usar
expressão sua) que a permitiu existir.
Um proceder em que se alia, saliento, a sua cosmovisão marxista de mundo (saber
quem fez, quem urdiu) e os modos de fazer (as ferramentas historiográficas, assim digamos)
encontradas em Duby. Não se pode esquecer que, além de Duby, Saramago traduziu outras
obras historiográficas, ou de caráter histórico e sociológico, concebidas sob um viés marxista
da história nas quais não identificou o refinamento reflexivo e a expressividade de escrita tal
como encontrado em Duby. Livros que traduziu porque os editores assim o queriam, e porque
precisava ganhar o pão. “Como comer era necessário”, então “fechava os olhos e fazia o
trabalho.” Um trabalho no qual tinha de ler “livros políticos, livros que tinham a ver com os
países de Leste muito chatos, sensaborões e com muitos lugares comuns ideológicos. Mas o
editor queria e eu precisava.”3 Então fazia o seu trabalho, traduzia (SILVA, 2009, p. 269).
3 Dentro dessa temática aludida, Saramago traduziu obras como: Sobre a ditadura do proletariado, de Étienne
Balibar (Moraes Editores, 1977), Destinos pessoais e estrutura de classe, de Daniel Bertaux (Moraes Editores,
1978), O sistema de organização e gestão socialista: análise crítica das teorias capitalistas de gestão, de
Germain Gvichiani (Moraes Editores, 1977); de Todor Jivkov, traduziu O Partido Comunista na sociedade
socialista (Estampa, 1979), Trabalho e economia, progresso e bem-estar (Estampa, 1980), A unidade popular
na luta pelo socialismo (Estampa, 1976); de Jean Michel Palmier, Lenine, a arte e a revolução (Moraes
Editores, 1976); de Ivan Pramov, A agricultura búlgara na etapa actual (Estampa, 1976). Não se pode aqui
afirmar, claro está, que sejam esses os (ou alguns dos) livros políticos “muito chatos, sensaborões e com
muitos lugares comuns ideológicos” aludidos por Saramago; trata-se, sim, de uma amostra de livros (pois que
há outros mais) por ele traduzidos e que “tinham a ver com os países de Leste”. Para relação das traduções
feitas por Saramago, ver: COSTA (1997, p. 363-367); FERRAZ (2012, p. 325-328); FLORES (1998).
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Para Saramago, trata-se de uma questão que perpassa a diferença entre dizer e
sugerir, entre a forma e a quantidade do dizer, o que traz implicações na relação que, pelo ato
leitor, se estabelece entre as intencionalidades do autor e a inteligência do leitor. Em seu
entender, a percepção dessa questão poderia ser pensada a partir de uma frase que Engels
registrou numa carta-resposta a uma jovem escritora que lhe pediu aconselhamentos, na qual
escrevera que “quanto menos se notar a ideologia melhor”. Ocorre que, pondera Saramago,
grande parte dos escritores politicamente empenhados nas ideias socialistas ou
comunistas, ou coisa que o valha, não leram esta frase ou se a leram não lhe deram
importância nenhuma e em muitos casos, designadamente no chamado realismo
socialista – onde também há grandes obras –, a ideologia nota-se de uma forma e
quantidade que não é necessária.
“É muito transparente?”, pergunta o interlocutor de Saramago – o jornalista João Céu
e Silva – na (longa) entrevista em que fala dessas questões. “É demasiado óbvio”, responde-
lhe, complementando que:
é tão óbvio que dá vontade de dizer: “Não faças isso. Não digas, sugere”. A questão
tem de estar lá, no poder de sugestão que a história tenha, que permita ao leitor ir
mais além do que aquilo que parece estar dito, porque naquilo que está escrito há
implícito uma quantidade de coisas a que o leitor, que é inteligente, é capaz de
chegar por sua própria conta (SILVA, 2009, p. 53).
Para exemplificar o seu proceder nesse tocante, Saramago remete a seu romance
Levantado do chão, às cenas da narrativa da tortura e morte do personagem Germano Santos
Vidigal4. Para Saramago, há momentos em que é preciso dizer, ser explícito, como na
detenção de Germano, quando é levado à prisão de Caxias, em Lisboa; essa informação o
leitor carecerá de tê-la, de modo explícito. Todavia, há momentos em que, por se tratar de
uma obra de ficção, não poderia ele dizer tudo, mas apenas sugerir, confiando à inteligência
do leitor as conjecturas necessárias e à sua sensibilidade a identificação pretendida com a dor
e o sofrimento do preso torturado e morto. Para tal sugestão, por se tratar de obra de ficção,
recorreu a ferramentas que só a ficção poderia oferecer: relatar a tortura e morte de Germano
Santos Vidigal pelo olhar das formigas que carreiravam pelo chão e paredes da cela – “mas só
à passagem”, pois afinal têm elas “suas obrigações, horários a cumprir, já muito fazem
4 Germano Santos Vidigal (1910-1945), foi operário da construção civil, dirigente sindical, responsável local
pelo Partido Comunista Português (PCP) em Montemor-o-Novo, em 1945. Foi preso e torturado até a morte, em
28 de maio de 1945, pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). À sua memória, e também à de
José Adelino dos Santos (também membro do PCP, morto com um tiro, quando em uma manifestação grevista,
junto ao prédio da Câmara municipal de Montemor-o-Novo, em 23 de junho de 1958) é dedicado Levantado do
chão. Observe-se que, na primeira edição, de 1980, havia outros nomes na dedicatória (de gentes de Lavre, onde
Saramago realizou suas pesquisas), que foram suprimidos em edições subsequentes.
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quando levantam a cabeça como os cães e firmam a fraca vista para se certificarem se o
homem caído é o mesmo ou se se introduziu na história alguma variante” (SARAMAGO,
2013, p. 184). As formigas vão e vêm, do formigueiro à cela. De passagem, espiam. Por se
tratar de uma prática da ditadura estadonovista portuguesa (1926-1974), efetuada sob as
sombras das masmorras das prisões, como poderia tudo isto ser dito de forma clara e
excessiva? Seria óbvio demais. Se a realidade foi obscura, cabe à ficção que a deseje tratar a
invenção de ferramentas que possibilitem sugerir a obscuridade dessa realidade passada.
Germano Santos Vidigal foi torturado e morto. “Já levaram o corpo.” Sobre o fato
da história, muito será dito. Porém, de sua verdade (afora os torturadores, por óbvio), só as
formigas são sabedoras. E “sobre estes casos [a tortura e morte de Germano e muitos outros,
tantos!] hão-de pesar o silêncio até que as formigas tomem o dom da palavra e digam a
verdade, toda a verdade e só a verdade.” Só elas foram testemunhas de que a declaração
firmada pelo senhor doutor e delegado de saúde (de seu nome Romano), de que o preso
Germano Santos Vidigal havia se enforcado, não corresponde à verdade. Só elas podem
indagar-lhe sobre sua declaração, técnica, de que “se alguém tem um arame enrolado duas
vezes no seu próprio pescoço, com uma ponta presa no prego acima da cabeça, e se o arame
está tenso por causa do peso mesmo que parcial do corpo, trata-se, sem dúvida nenhuma,
tecnicamente, de enforcamento”. Só elas podem, diante de tal aferição profissional, técnica,
questionar ao senhor doutor “se não viu o corpo do homem, se não viu os vergões, as nódoas
negras, o aparelho genital rebentado, o sangue”. Só elas, as formigas, podem testemunhar o
que ninguém testemunhou. Mas, como se sabe, as formigas ainda não tomaram o dom da
palavra (SARAMAGO, 2013, p. 183-192). Trata-se aqui, neste caso de ficção, assim como no
caso da historiografia de que se falava, do como se faz, da habilidade no manejo das
ferramentas de escrita, e não apenas do que (ficcionar ou historiografar). Trata-se de sugerir
(insinuar) mais do dizer (em excesso).
Isto dito, tornemos às linhas de escrita de “O ouvido”. Em que Saramago começou
por escrever sobre “a ponta-de-prata que traçou todas as figuras do cartão” (a mão que
desenhou); começou por lembrar que “muito antes da tapeçaria houve um primeiro som, este
da ponta-de-prata vincando o desenho”; uma mão que depois do desenho pousará a ponta-de-
prata e passará ao trabalho com as cores, “para que o cartão apareça enfim na sua glória de
vermelhos e azuis de chumbo”.
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Depois será o tempo de descerem “os rebanhos da montanha”, dia em que se
“hão-de desprender do corpo das ovelhas os flocos espessos e crespos da lã” (a mão que
tosquiou). E bem pode que não muito longe dali, quiçá “do outro lado das árvores”, estejam a
balançar flores de linho em seus caules e que em breve serão derrubados – “entrará o gadanho
no linho ou a foicinha” (a mão que ceifará) –, para que, tempo adiante, se possam juntar
“estas fibras e estes pêlos”.
Mas ainda antes desta união do animal e do vegetal, haverá que se ouvir “o bater
da espadela na cortiça, surdo bater” que faz com que “os fios do linho nasçam do
envolvimento dos tomentos” (a mão que bateu, separou os fios).
E feito todo esse material, obra do labor de tantos homens e mulheres, como se
leu, haverá outro rumor, um que “mais profundamente fez estremecer a terra desde sempre: o
passo do homem.” E Saramago o imagina: vindo por margens de rios, entre sombras de
árvores, cruzando charnecas e colinas, pisando a lama fétida das cidades e o alagado de
campos naturais até chegar à porta de “casas ruidosas, onde há gaiolas de madeiras erguidas
no ar, com prumos e varas que a cada pancada abanam. São os teares.” É aqui que então se
unirá linho e lã, que o cartão com o desenho concebido pelo debuxador, em todo o seu
esplendor de cores, ganhará sua trama pela arte do tecelão. “Passa as pontas dos dedos pela
urdidura, avalia a tensão dos fios. As madeiras rangem quando se mexe.” São os sons do
ofício de tecer.
Mas esse, por certo, houve de ser um trabalho de muitos dias. Que terá feito o
tecelão nos intervalos do trabalho? Pergunta despicienda? Não para quem procede
reconstituindo em redor, porque imagina esse pedaço do viver do tecelão como parte do
tramado da própria obra:
Nos intervalos do trabalho, o tecelão não pode esquecer a tapeçaria. Já se
embriagou, já se bateu em rixa, e um dia foi ao campo só para se deitar debaixo
duma árvore e dormir sem sonhar, e quando acordou viu que uma mulher se
estendera ao seu lado, e aconteceu. Esse foi o dia em que fez todo o rosto da aia da
donzela que com a mão direita levanta o punho do fole [...]. E numa outra vez viu
saírem para a caça cavalgadas e matilhas, e voltarem com animais mortos que
escorriam sangue sobre a garupa das mulas ou pendurados de varas que servos
transportavam ao ombro. Esse foi, provavelmente, o dia do lobo.
Na imaginação de Saramago, para a nascença da tapeçaria, “a trama cruzou-se
com a urdidura” – uma ordinária necessidade instrumental no ofício de tecer, como se sabe.
Mas este dizer pode, indo-se mais além (tornando-o metáfora), ser tomado no sentido de que o
viver do tecelão cruzou-se com a obra de seu ofício, que a ordinariedade da experiência
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passada é também ela fio constituinte da obra-prima de arte que, no tempo presente, encanta e
enternece olhos num museu parisiense. A vida é fio da obra, a urdidura de ambas é que se
constitui no som essencial. O atento olho observador de Saramago sobre a alegoria da
audição, ao se fazer escritura, propõe ao leitor que veja “em redor”, que atente ao ausente que
aí se trama: o “mover de formigos”, o mundo cotidiano do viver das gentes que não deixaram
registros de suas existências, mas sem o qual, não obstante, não haveria obra qualquer. Para
Saramago, todo o sentido da alegoria está em verdade aí: no que não pode ser visto porque
não deixou registro. Daí o socorrer-se da imaginação-pensadora. Porque “forçoso é juntar
tudo quanto apareceu disperso, ressuscitar, reunir o que é material ao que com outros nomes
também o é, e, pensando, encontrar o meio de chegar a uma coisa só”, a uma trama que
também faça ver o que é ausente: a mão humana que a concebeu. É “sempre a respiração”,
sempre o humano, escreveu Saramago. Para ele, e em suma, “é destas simples coisas que se
fazem as tapeçarias” (SARAMAGO, 1979, p. 21-26).
“Simples coisas” que, para serem percebidas, carecem do trabalho de “reconstituir
em redor” para que, ante a obra-prima magnificamente exposta no museu, se perceba do
mundo social sobre que ela “paira” e que a concebeu num tempo passado. Escusado será dizer
que estou aqui a pensar com Georges Duby.
3 LEVANTAR UMA ESCRITA DO CHÃO (OU LAVRAR O COMO DIZER)
E foi também por esses finais dos anos de 1970 que Saramago começou a escrita
do que veio a ser seu primeiro êxito literário, o romance Levantado do chão (1980)5. Assim,
temos que o principiar desse romance, tido como um marco de passagem na sua obra – uma
“prova de exame”, no entender de um crítico, a escrever logo a seguir a sua publicação
(PACHECO, 1980) –, foi contemporâneo do contato com a história feita por Duby em O
tempo das catedrais e mais outros “homens dos Annales”. Falemos, pois, dessa “outra gente,
[...] solta e miúda”, que faz multiplicar o latifúndio (SARAMAGO, 2013, p. 12).
“Um livro ‘levantado do chão’”, foi esse o título escolhido para encimar uma
entrevista concedida por José Saramago ao jornalista Ernesto Sampaio, publicada no
semanário Diário de Lisboa (nº 707, de 8 a 14 de março de 1980), um pouco depois do
lançamento de Levantado do chão, ocorrido em 22 de fevereiro desse 1980, na Casa do
5 O romance recebeu o Prêmio Cidade de Lisboa (1980).
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Alentejo, em Lisboa. O título alude ao processo de concepção e escrita do livro, a seu caráter
de demorada construção, que, depois da limpeza do chão, teve de ser erguido a partir de um
primeiro alicerce até sua arquitetura final, num longo processo de aprendizado do autor sobre
como levantar no papel uma escrita que fizesse ressoar uma voz própria. Houve uma
demorada busca pelo como no parto do que foi dito nas linhas desse romance.
E tudo começou no “‘verão quente’ de 75”, “naqueles difíceis dias, que foram
longas semanas e meses”, escreve Saramago num prefácio a um texto que só mais adiante
explicitarei. A expressão – “verão quente” – consagrou-se como modo de dizer de uma
“ampla vaga de assaltos a sedes de partidos e sindicatos que varreu quase todo o Norte de
Portugal”, a partir de 13 de julho de 1975, iniciado em Rio Maior, município de Santarém.
Nos meses de julho e agosto, contabilizaram-se mais de 80 ataques a sedes do Partido
Comunista Português (PCP), de sindicatos e outros partidos “de forte vocação
revolucionária”. Nesse “verão quente”, “produziram-se tensos cercos de várias horas e
tiroteios com militantes comunistas”. Nos casos de “assaltos vitoriosos”, deu-se a “tomada da
sede e a defenestração dos documentos, da propaganda e do mobiliário” dos locais tomados.
“Para culminar a acção, retirava-se do mastro a bandeira vermelha com a foice e o martelo e,
por fim, celebrava-se a façanha com a queima purificadora de todo o material ‘comunista’.” A
“densidade” dessas atividades foi tal que os serviços de inteligência das Forças Armadas a
elas se referiram como se tratando da “criação de verdadeiras zonas de poder reaccionário”,
zonas essas onde “o poder irradiado de Lisboa não conseguia chegar”. A partir destas ações
no norte, desencadearam-se movimentos de âmbito nacional que levaram ao questionamento
do governo de Vasco Gonçalves. O tempo era “quente” ao ponto de se temer por uma guerra
civil “entre o Portugal do Sul e o do Norte, o da ‘revolução’ e o da ‘reacção’” (CEREZALES,
2003, p. 1127-1128).
Foi neste tempo “quente’ que, em Lisboa, Saramago participou de encontros de
um certo Movimento Unitário de Trabalhadores Intelectuais, que se reunia no teatro Vasco
Santana. Num desses encontros, a memória de Saramago, trinta e cinco anos depois
(estejamos sempre atentos a esse tempo gastado), na escrita do prefácio ao livro referido mas
ainda não explicitado, registra o acaso de um homem, um advogado, de seu nome Bernardino
Barba Pires, haver pedido a palavra e declarado que ali vinha fazer um pedido: livros.
Colaboro profissionalmente com a Cooperativa de Consumo Vento de Leste e a
Unidade Colectiva de Produção Boa Esperança, ambas do Lavre, no concelho de
Monte Mor-o-Novo. Sendo os senhores trabalhadores intelectuais, pessoas de
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leitura, com livros em casa, pensei que talvez estivessem dispostos a oferecer alguns
desses livros para que comecemos a formar uma biblioteca, que é coisa que não
existe em Lavre.
Em sendo palavras filhas de uma memória de trinta e cinco anos, há de ser certo
que tais palavras, uma a uma ajuntada e todas elas reunidas não tenham sido ditas neste exato
encadear que acima ficou expresso. A memória, bem se sabe, tem suas artes e artimanhas. De
todo modo, se não foram exatamente ditas como ficaram escritas acima, importa o que
quiseram expressar: um homem, numa reunião de intelectuais, pedia livros para a implantação
de uma biblioteca num lugar rural de Portugal em meados de 1975.
E foi uma intervenção “aplaudidíssima”, registrou Saramago (sua memória).
Todavia, em pouco resultou. Ao cabo de alguns dias, registra ter sido a única pessoa das
presentes ao ato do pedido que “meteu na mala do carro umas quantas dezenas de livros
cuidadosamente escolhidos em atenção às decerto limitadas luzes dos seus destinatários” e
dirigiu-se a Lavre. Diz tê-lo feito num final de semana. Que lá chegando encontrou o senhor
advogado Bernardino. Que também ali se encontrava uma jovem estudante liceal, de nome
Maria João Morgado. Ela “viria a converter-se na mais sólida ponte entre a vila do Lavre e a
Rua da Esperança, onde eu então residia.” Uma ponte que terá haver com o livro ainda não
explicitado que leva em sua porta de entrada o prefácio que ora ando a citar. Mas ainda não é
hora de aqui registrar o título e o nome autoral que leva. Que se aguarde ainda uns parágrafos.
E cumprida a sua missão, Saramago retorna a Lisboa, a sua rotina no jornal Diário
de Notícias, onde então trabalhava. Mas não o mesmo que fora. Se a esse tempo era ele ainda
autor de “uns quantos poemas e umas quantas crónicas, obra limpa sem dúvida”, todavia, a
partir daquela ida a Lavre, foi o tempo de lhe começar na cabeça “a dar voltas a uma ideia
ambiciosa, nada menos, imagine-se, que uma história sobre o campo e quem lá trabalha e
malvive.”
Mas como contá-la? Por primeiro, veio-lhe a ideia de situar sua história numa
quinta (a “Cruz da Légua”), em Santarém, onde certa feita foi com seu tio acompanhar a
venda de porcos. O que há de ter impressionado ao moço Saramago nessa terra-grande do
norte? (Essa mesma do desencadear do “verão quente” de 1975, não nos esqueçamos.) Disto
não sabemos, não ficaram registros, não sobreviveram vestígios com que hoje contar o que ali
se passara. E ponderando que não lhe permitiriam andar por ali a escrever sobre
trabalhadores, ventilou então a possibilidade de falar de sua aldeia, a Azinhaga, e “a sua gente
popular que era a minha [de Saramago] gente, os latifundiários da terra, os Veigas, os
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Coimbras, os Serrões de Faria, que dariam panos para mangas”. Mas também a ideia não
vingou, “reteve-me uma espécie de pudor que ainda hoje nem a mim próprio sou capaz de
explicar”, escreveu.
E enquanto as ideias lhe davam voltas à cabeça, veio mais um desdobrar do
“verão quente”: o caso do “saneamento dos 24” (demissão de jornalistas) no jornal Diário de
Notícias, episódio ocorrido em 25 de novembro de 1975, e do qual decorreu sua demissão do
jornal.6 E que fez Saramago? “Engoli a desfeita e em pouco tempo tinha tomado duas
decisões”: não procuraria emprego e saber se poderia ir e ficar em Lavre para trabalhar no
livro “que pensava escrever”. Disseram sim. Saramago foi. No princípio de março de 1976 já
lá estava “instalado”. Ficou a viver, juntamente com outras “famílias necessitadas”, numa
casa de um “fugido latifundiário da terra”. Levou cadernos para notas, equipamentos para
gravação, máquina para fotografar, e ouvidos para ouvir, diz ele. Fazia as refeições na casa de
uma família dali próxima, os Besugas. Seu “plano” era conhecer a vila e os arredores, “enfim,
pôr a mão em cima das coisas como me habituei a dizer”. Conversou com muitos, alguns
cujos nomes registra. Um desses, João Domingos Serra.
E é então aqui altura de chamar à escrita Maria João Morgado (como antes foi dito
que se faria), a jovem que estava em Lavre no dia da entrega dos livros por Saramago quando
de sua primeira ida ali. É ela a certa feita dizer a ele, em palavras da memória deste
(lembremos sempre): “E está aí o João Serra, de quem se diz que escreveu a sua vida, nunca
vi, mas deve ser certo.” Ante tal anúncio, “imagina-se o meu [de Saramago] alvoroço, um
camponês escritor”. “Uns apontamentos, não?”, teria perguntado à jovem Maria João
Morgado. Não, não era. Confirmou isto no dia seguinte ao ir à casa do dito senhor João
Domingos Serra. Que aí não estava, pois que se encontrava hospitalizado. Ficou para algum
tempo depois o contato com a escrita da história de vida desse camponês alentejano. Mas não
foi tanta a demora. Apenas “uns quantos dias depois, recebia das mãos do próprio João
Domingos Serra o fruto de seu labor.” E mal pode se conter Saramago:
Com o caderno debaixo do braço corri para o meu refúgio e pus-me a ler, com a
ideia de ir copiando à mão as passagens mais interessantes, mas rapidamente
compreendi que nenhuma só daquelas palavras poderia perder-se. Não terminei a
leitura. Meti uma folha de papel na máquina e comecei a trasladar, com todos os
seus pontos e vírgulas, incluindo algum erro de ortografia, o escrito de João Serra.
Tinha enfim livro. Ainda tive de esperar três anos para que a história amadurecesse
6 De modo sumário, tratou-se da demissão de jornalistas, havendo-se acusado Saramago de ter responsabilidade
no caso. Para sua versão sobre o episódio (uma das mais circunstanciadas), ver MENDES (2011, p. 23-26);
também em SILVA (2009, p. 54-56).
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na minha cabeça, mas o Levantado do Chão começou por ser escrito nesse dia,
quando contraí uma dívida que nunca poderei pagar.
Uma família do Alentejo, é assim que foi intitulado, ao ser editado, o livro da vida
de João Domingos Serra – o manuscrito da narrativa intitula-se “Datas e Factos, duma
História Familiar e, Mistérios da Natureza e, Política”. Uma edição da Fundação José
Saramago, de fevereiro de 2010, que leva à sua porta de entrada este prefácio que andou aqui
a ser citado. (SARAMAGO, 2010, p. 7-13)
Figura 2: Fotografias de João Domingos Serra e página do original de seu Datas e Factos,
duma História Familiar e, Mistérios da natureza e, Política.
Fonte: SERRA (2010, p. 23-24).
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É nesse livro que temos confessada essa dívida da história inventada de Domingos
Mau-Tempo e Sara da Conceição e suas gentes em Levantado do chão para com a história de
vida segundo o contar de João Domingos Serra. É nele que vamos ler linhas da história de
vida desse camponês, mas também da história de Portugal, escrita sob um outro viés. A
história de um homem popular que soube olhar em redor de si e de seu tempo e por em
palavras seu entendimento.
Considerando-se o tempo que em Portugal se vivia – de contrarrevolução, de
aparas aos ideários revolucionários do 25 de abril de 1974 –, cabe aqui o exercício
imaginativo e reflexivo de como a leitura da história de vida de um camponês, escrita de
próprio punho, fez inquietar, “tremer de comoção” (SAMPAIO, 1980, p. 6), a um escritor que
buscava então escrever a sua ficção sobre essa gente da qual João Domingos Serra era parte.
Mas a essa comovente história de João Domingos Serra juntaram-se outros tantos
registros. Ao voltar de Lavre, Saramago diz haver trazido consigo “uma montanha de
apontamentos, notas, registros vários, gravações, documentos. Não seria difícil fazer disso um
livro. Bastaria arrumar um pouco”. Mas residia aí o fundamental: não se tratava de apenas
“arrumar um pouco”. Havia a certa decisão de escrever um romance.
“Mas que romance? Modelos, se eu os quisesse tomar, não faltavam, e ilustres.”
Sendo já, nesse 1976, um homem com duas décadas de afazeres ligados à escrita (em editora,
em jornais), não lhe havia de ser difícil “assentar os pés nas pegadas marcadas pelos colegas
já provados pela crítica, seguir o itinerário”, os caminhos já traçados e consolidados pelo Neo-
realismo.7 Mas não era esse seu intento. Penso aqui que a Saramago incomodava a
possibilidade de que sua escrita pudesse ser tomada como um falar em nome daquela gente;
penso que sua inquietude passou pela decisão de que sua escrita não poderia ser uma qualquer
espécie que fosse de representação (no sentido de retrato fiel do real). É como leio, a
exemplo, sua declaração de haver rejeitado “sem piedade qualquer tentação de transcrição
fonética” do falar popular que ouvira no Lavre. Neste seu proceder, leio o imperativo ético
pessoal de não falar em nome de (SAMPAIO, 1980, p. 6). O caminho que buscava, o como
dizer o viver dessa gente teria de ser inventado, dado que não havia modelos prontos tal como
desejado.
7 Segundo Carlos Reis, “em termos genéricos, o Neo-Realismo português constitui um movimento literário
desenvolvido entre finais dos anos 30 e finais dos anos 50 do século XX, num contexto particular: vivia-se então
o tempo histórico-político do salazarismo, ao mesmo tempo que o Neo-Realismo se colocava sob o signo
ideológico e cultural do marxismo”. Buscava a expressão literária por meio de uma “linguagem artística
comprometida e anti-esteticista”. Também foi designado por outros termos, como “realismo sociológico,
realismo humanista e novo humanismo” (REIS, 2005, p. 13-36).
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De março de 1976 a fevereiro de 1980: esse é o tempo que vai da primeira visita
de Saramago a Lavre, à Unidade de Produção Cooperativa Boa Esperança, até o lançamento
de Levantado do chão. Temos aí praticamente quatro anos, sendo dois de maturação sobre o
que fazer, sobre como pegar em todo o material que reunira; só em 04 de abril de 1978 é que
começa a escrita, terminada em 25 de julho de 1979 (AGUILERA, 2008, p. 84). Em verdade,
“o livro foi escrito, por assim dizer, em dois períodos: o primeiro de dois dias, para as quatro
páginas iniciais; o segundo de alguns meses [cinco, segundo Fernando Gómez Aguilera] para
o resto. Entre esses dois períodos tão desiguais, decorreu muito tempo.” (SAMPAIO, 1980, p.
6)
Tempo em que traduziu para ganhar o pão, como sabemos; tempo em que, pelos
indícios, teve então contato com a escrita e o pensamento da Nova História, e, de modo muito
especial, de Georges Duby, um historiador praticante do princípio de “reconstituir em redor”
– esse que faz juntar numa mesma trama a invenção e a vivência.
4 IMAGINEMOS QUE... (DERRADEIRAS CONSIDERAÇÕES)
“Não estaria muito longe deste sentimento, suponho eu, o grande George [sic]
Duby”. Assim colocada, amputada de seu antes e de seu depois, bem se poderá pensar que a
frase capturada entre as garras que as aspas são tenha sido presa agarrada à escrita de algum
historiador, com boa probabilidade de ser um dedicado aos ditos tempos medievos, para os
quais os trabalhos de Georges Duby muito contribuíram. Mas não. O “eu” que supõe um
“sentimento” ao “grande George [sic] Duby” não é um oficiante da história, mas da ficção.
Quem supõe algo a Duby é Saramago.
Mas que “sentimento” foi o suposto? Em relação a que? Que ele o diga:
Um historiador como Max Gallo começou a escrever romances para equilibrar pela
Ficção a insatisfação que lhe causava o que considerava uma impotência real para
expressar na História o Passado inteiro. Foi buscar às possibilidades da Ficção, à
imaginação, à elaboração sobre um tecido histórico definido, o que sentira faltar-lhe
como historiador: a complementaridade duma realidade.
A ficção como modo de escrita que traz complementaridade à escrita da história,
dada sua impossibilidade de “expressar na História o Passado inteiro”: eis o “sentimento” a
que se refere Saramago.
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Mas a frase com que aqui se principiou a escrita, dada a amputação sofrida,
deixou ficar ainda uma ponta solta. Já sabemos a que sentimento ela alude. “Não estaria muito
longe deste sentimento, suponho eu, o grande George [sic] Duby”. Mas em relação a que
sentimento não estaria muito longe? Em relação a que pensamento, que prática, que ideia de
Georges Duby? Para responder a tal indagação e, assim, complementar o entendimento da
proposição, há que aqui então trazer a derradeira parte amputada ao raciocínio de Saramago.
E é ele o seguinte:
Não estaria muito longe deste sentimento, suponho eu, o grande George [sic] Duby
quando, na primeira linha de um dos seus livros, escreveu: Imaginemos que...
Precisamente aquele imaginar que antes havia sido considerado pecado mortal pelos
historiadores positivistas e seus continuadores de diferentes tendências.
Imaginação como ferramenta de uso pelo historiador, como possibilidade de
complementaridade da realidade passada registrada na escrita da história: eis, pois,
desamputada, a argumentação/suposição de Saramago em relação ao trabalho de Georges
Duby (SARAMAGO, 2000).
Não obstante o acautelador “suponho eu”, penso que seja fundamental a uma
melhor compreensão de tal argumentação irmos àquele que suposto foi, senhor Duby:
Imaginemos. É o que os historiadores sempre se vêem obrigados a fazer. Seu papel é
o de recolher vestígios, os traços deixados pelos homens do passado, de estabelecer,
de criticar escrupulosamente um testemunho. Esses traços, contudo, principalmente
aqueles deixados pelos pobres, pelo cotidiano da vida, são tênues, descontínuos.
Para tempos muito remotos, como o de que tratamos aqui, eles são raríssimos. Sobre
eles podemos construir uma armadura, que no entanto é muito frágil. Entre esses
poucos esteios permanece aberta a incerteza. A Europa do ano mil, portanto, é
preciso imaginá-la (DUBY, 1988, p. 1).
Essas são as palavras primeiras de Duby em A Europa na Idade Média; foi o
“imaginemos” aí escriturado que despertou a atenção de Saramago. A imaginação que, via de
regra, é posta para bem além da fronteira da história, em Duby e seu fazer historiográfico ela é
pensada sob outra ótica; em Duby, temos a imaginação como constituinte da realidade: “estou
convencido de que o imaginário tem tanta realidade como o material”; “o vestígio de um
sonho não é menos ‘real’ que o de um passo” (DUBY; LARDREAU, 1989, p. 38).
Como no caso da referência acima, em relação à “Europa do ano mil” (a realidade
de estudo de Duby nessa obra), como explicitamente escreveu, “é preciso imaginá-la”. “Isso
não quer dizer que não faça tudo o que posso para estar o mais perto possível daquilo a que se
pode chamar ‘a realidade’, relativamente a essa imaginária construção mental que é o nosso
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discurso”, declara Duby numa sua longa entrevista. “Invento”, diz ele, “mas preocupo-me em
fundamentar a minha invenção nas mais firmes bases, em edificar a partir de vestígios
rigorosamente criticados”. Para Duby, é obrigação do historiador “insinuar a sua invenção, a
sua parte de imaginação e de criação” (DUBY; LARDREAU, 1989, p. 38).
Consideradas a admiração de Saramago ante a presença da imaginação na escrita
de um historiador (Duby) e as ponderações desse historiador sobre os usos dessa imaginação
na história, creio poderem elas dar a dimensão da importância do encontro desse escritor com
o pensar e o fazer do historiador. Que, pelo que aqui se escreveu, não se tratou de uma
questão de temática histórica (proximidade por conta de um dado assunto), mas antes de uma
questão de ferramentas de trabalho, de modos de fazer usados por Duby na sua operação de
fazer história e que Saramago compreendeu como úteis na sua operação de fazer ficção.
Entendo haver sido sob essa perspectiva que a trama do ficcionista tenha se cruzado com a
urdidura do historiador. Imagino que tenha sido assim.
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