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    28/11/2001 - 16h57

    Efeitos colaterais dificultam adesão ao

    coquetel anti-AidsROBERTO DE OLIVEIRAda Revista da Folha

    Responsável pela redução da velocidade crescente em que a Aids trafegava desdeos anos 80, o coquetel de medicamentos anti-HIV está longe de ser um parceiroconfortável. Embora sua eficiência seja indiscutível -desde 97, quando foi adotadopela rede pública, o número de mortes caiu 50% no Brasil-, a disciplina espartanaexigida pelo coquetel e os efeitos colaterais fazem com que cerca de 30% de seus

    usuários desistam ou levem o tratamento de forma irregular.

    No ano passado, o governo gastou US$ 319 milhões com o tratamento de 85 mildoentes. Este ano, a previsão é que custe US$ 260 milhões, com 110 mil portadoresusando o coquetel.

    De 97 para cá, as internações em consequência das doenças oportunistas caíram80% no Brasil, o que representa 235 mil internações a menos, uma economia deUS$ 677 milhões. Segundo o Ministério da Saúde, os casos de tuberculose caíram60%, os de citomegalovirose (que leva à cegueira), 54%, e de sarcoma de Kaposi(câncer mais comum em idosos), 38%.

    Se tomadas corretamente, as chamadas drogas anti-retrovirais podem controlar oHIV de cerca de 95% dos pacientes. Mas o benefício tem custo. Geralmente, osprimeiros efeitos colaterais surgem a partir de um ano de uso do coquetel.

    De tontura, náusea e inflamação do fígado, sintomas que podem ser imediatos, àlipodistrofia, que altera o metabolismo de gorduras e deforma o corpo, passando atépor delírios, os efeitos colaterais são variados e atingem , dependendo da reação doorganismo ao tipo de combinação, boa parte dos usuários.

    Contagem da tropa

     A fusão de drogas que o paciente vai usar depende de dois exames. O primeirodeles identifica o tamanho do exército inimigo, ou seja, a carga viral que definequantas cópias de HIV há no sangue. O segundo faz uma contagem das células dedefesa do organismo, CD4, as primeiras invadidas e destruídas pelo vírus.

     A artilharia do coquetel entra em campo quando a carga viral aponta mais de 100 milcópias de vírus por mililitro de sangue e o CD4 fica abaixo de 500 células por mililitro(a contagem de um não-infectado varia entre 500 e 900). Atualmente, são 16

    medicamentos que atuam em três fases diferentes; 15 estão no coquetel distribuídopelo governo e mais um deverá ser incorporado a partir do ano que vem.

    Com as drogas, a quantidade de HIV tende a diminuir, e o sistema imunológico, arecuperar-se. Mas nem sempre isso acontece. O vírus é um inimigo tão poderoso

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    que pode em um único dia sofrer milhares de mutações e escapar dosmedicamentos. A solução então é trocar o remédio.

     José Carlos Veloso, 33, por exemplo, já usou praticamente todos os tipos decombinações. A carga viral continua elevada (120 mil). Assistente social, José Carlosdescobriu que era soropositivo em 90. Seu namorado morreu em consequência dadoença dois anos depois. Em 97, ele começou a tomar três medicamentos.

     

     A resposta foi positiva, mas seis meses depois ele teve que reabastecer a artilhariacom mais um item do coquetel, um inibidor de protease, cuja função é bloquear aprodução da enzima que torna o vírus maduro e capaz de infectar novas células.

      Aí apareceram os efeitos colaterais. "Fiquei hospitalizado duas vezes por causa decólicas renais", lembra. O remédio foi mudado. A nova droga provocou uma criseconstante de diarréia, acompanhada de dores insuportáveis.

     Como essa classe de inibidores é a que provoca maiores efeitos, a tendênciaatualmente é de restringir sua adoção a situações de "resgate" -ou seja quando

    outras combinações não surtirem efeitos positivos. "O uso foi reduzido com o intuitode minorar os efeitos colaterais", explica o infectologista Caio Rosenthal, 52, doshospitais Emílio Ribas, Servidor Público Estadual e Albert Einstein.

     Férias arriscadas

     Sem doenças oportunistas, José Carlos foi liberado pela médica para tirar "fériasterapêuticas" e suspendeu o uso do coquetel por três meses. "O objetivo é deixar ovírus 'selvagem', para depois reiniciar o tratamento desde o começo com tudo denovo", explica.

     A chamada "drug holiday" é uma iniciativa adotada em diversos países do mundo,com o objetivo de "enganar" o vírus. "A grande vantagem é reduzir os efeitoscolaterais do medicamento. Por outro lado, o risco é tornar o vírus mais resistenteaos remédios", afirma Artur Timerman, 48, infectologista dos hospitais Heliópolis e

     Albert Einstein. 

    Timerman diz que a "drug holiday" é geralmente adotada em duas circunstâncias:quando há intolerância, e médico e paciente decidem correr o risco para ver o queacontece; ou quando a carga viral está em níveis indetectáveis e o CD4, estável."Deve-se ressaltar que a suspensão ocorre por dois a três meses, com um rigoroso

    acompanhamento clínico e laboratorial." 

    José Carlos está no primeiro caso: tem problemas sempre. "Às vezes, me sinto umpouco desamparado. Fico sempre temendo ser acometido por uma doençaoportunista", diz. "Mas é lógico que não tenho nenhuma dúvida de que essesmedicamentos me mantêm vivo."

     Nesse período de "férias", se a carga viral subir acima de 30 mil e o CD4 estiver abaixo de 500, a "guerra" com o coquetel deve ser retomada imediatamente. "Hápacientes que estão de 'férias' há mais de um ano sem complicações, como há

    também aqueles que retomam o coquetel 15 dias depois", explica o infectologista. Nos EUA, há terapias que adotam a "drug holiday" a cada semana, intercalandodrogas e "férias", com resultados semelhantes aos de pacientes que usam acombinação de remédios ininterruptamente.

     

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    Por enquanto, a "drug holiday" ainda é um terapia vista com ressalvas, mas osinfectologistas concordam que é pior levar o tratamento de forma inadequada.

     Como são muitos remédios tomados à risca em diferentes horários, há pacientesque "pulam" horários, o que pode acabar diminuindo a eficácia e, mais grave,aumentar a resistência do vírus aos medicamentos. "Além dos efeitos colaterais, osproblemas da adesão são a quantidade de remédios e a ditadura dos horários",explica Caio Rosenthal.

     Memória seletiva

     Todo soropositivo sabe disso, mas, na prática, nem sempre funciona. A dona-de-casa Geralda Soares Paulista, 37, costuma "esquecer" de tomar o remédio noperíodo da tarde.

    Soropositiva há nove anos (o marido, assassinado em 94, era usuário de droga),descobriu que tinha o vírus quando foi fazer o pré-natal de seu filho mais novo, hojecom sete anos. A criança nasceu com anticorpos do HIV.

     Dependendo da carga viral e do CD4, as grávidas usam apenas um tipo demedicamento, o AZT, para proteger o bebê, e este, se necessário, tomará a versãoinfantil do remédio após o nascimento. Para evitar riscos, o parto é semprecesariana, e o bebê não é amamentado pela mãe.

     Geralda seguiu todos os procedimentos, e quando a criança completou um anohavia "negativado". Ela mesma, que teria que tomar nove comprimidos diários docoquetel, está longe disso. "Os de manhã, nunca esqueço. Nem os da noite, antesde deitar. Mas, à tarde, é horrível. Fico desanimada, perco a disposição", diz.

     Há três anos, Geralda teve problemas com o didanosina (ddI). "Atacou o pâncreas.

     Até hoje não me sinto muito bem. O médico trocou por outro da mesma família",lembra. No último exame, há oito meses, estava com uma carga viral de 7.000cópias do vírus por mililitro do sangue, e CD4, 500. "Sei que poderia estar maisbaixa, mas a vida regida por remédio é muito sofrida, complicada. Você vive o tempotodo atenta aos horários dos medicamentos", diz.

     Clubes de adesão

    Coordenador do programa estadual DST/Aids, Artur Kalichman, 41, diz que não há

    dúvida de que é importante lidar com os efeitos colaterais dos medicamentos, masque a adesão ao tratamento está acima de tudo. "É o nosso grande desafio", afirma.

     Kalichman conta que vem sendo desenvolvido em todo o país grupos de adesão,coordenados por profissionais de saúde e organizações não-governamentais, emque portadores que tomam os medicamentos há tempos relatam suas dificuldades eexperiências, ressaltando a importância de seguir à risca o uso do coquetel.

     "Tenho essa consciência, mas o que me preocupa é saber quais serão os efeitoscolaterais no futuro. Os remédios interferem totalmente na vida do portador", conta o

    assistente social José Carlos.  A preocupação não impede que ele siga à risca a "ditadura de horário" imposta pelouso dos medicamentos. "Está incorporado ao meu cotidiano. Se vou ao cinema,compro um copinho de água e tomo os comprimidos sem problema. No horário

     

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    certo", conta José Carlos, que toma 12 remédios pela manhã e repete a dose ànoite.

    Foi o uso irregular do coquetel que favoreceu o aparecimento de uma série dedoenças oportunistas no aposentado por invalidez Júlio Cesar Borges, 33. Já tevetuberculose, herpes, pneumonia, neurotoxoplasmose, hepatite. O aposentadoacredita ter contraído o vírus na metade da década de 80, quando compartilhouseringas com anabolizantes com um grupo de seis amigos que jogavam futebol

     juntos. Quatro deles morreram por causa da Aids; dois sobrevivem com o vírus. Além do HIV, pegou outro "aparentado", o HTLV, que provoca dificuldade em andar.

     Júlio ficou sabendo em 92, quando sua então mulher descobriu, no exame pré-natal,que era soropositiva. O teste dele também deu positivo. A criança "negativou" comum ano de idade. Somente dois anos depois, ele começou a tomar dois remédios.Chegou a interromper o tratamento por um ano e só retomou em 99, quando foiderrubado pela doença. Ficou oito meses de cama, com uma crise constante defebre, vômitos, e sua carga viral disparou.

     

    Há dois anos, vem seguindo uma rotina rígida com 13 comprimidos diários, quetrouxeram insônia, calafrios, náuseas, febre, vômitos, delírios. "Não consigo pregar os olhos. Dá uma sensação estranha, como se fosse um

    distúrbio na mente. Sinto como se estivesse me distanciando da cama. O estômagonão funciona às vezes. Fiquei internado duas semanas, um mês atrás, porque ofígado inchou. Volta e meia, um gosto amargo de borracha queimada vem à boca. Éhorrível, mas, se não fosse o coquetel, teria acompanhado meus amigos do futebol."

     O sacrifício diário de Júlio está valendo a pena. No mês passado, a carga viral, por incrível que pareça, havia "zerado". "Ele está mais responsável agora, tem noção da

    importância e da seriedade da adesão aos medicamentos", diz o infectologistaFrancisco Bonasser Filho, 44, do Emílio Ribas. 

    Ou seja: o uso correto do medicamento, apesar de tudo, não só vale a pena, como avida.

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