EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: CONHECENDO AS ORIGENS DA … · Departamento de Educação Física e...
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EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: CONHECENDO AS ORIGENS DA
CAPOEIRA
MUNHOZ, Raquel Fantinelli – CEF/UFSCar
CARMO, Clayton da Silva – PPGE/UFSCar; NEFEF; SPQMH; SEESP
COLLOCA, Edson Aparecido – SEESP; NEFEF; SPQMH
Eixo Temático: Motricidade Escolar
Resumo
O presente estudo teve o objetivo de investigar a possibilidade da introdução do
conteúdo Capoeira nas aulas de Educação Física, particularmente identificar as
contribuições da abordagem do contexto histórico para o trabalho pedagógico com o
referido conteúdo. A abordagem utilizada é de cunho qualitativo e os procedimentos
metodológicos adotados foram intervenção em uma turma de 4ª série do Ensino
Fundamental de uma escola pública estadual com o conteúdo capoeira, e concomitantes
registros de observação em diários de aula. Os dados foram tratados em acordo com a
análise de conteúdo.
Palavras chave: Educação Física Escolar; Capoeira; Contexto Histórico.
Introdução
O presente estudo foi realizado em decorrência de uma solicitação da disciplina
curricular optativa de Fundamentos da Capoeira, do curso de Licenciatura em Educação
Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Esta disciplina, que teve
encontros semanais, indicou a realização de intervenção com o conteúdo capoeira em
um espaço educativo a fim de apresentar tal conteúdo aos interessados e observar como
seria o desenvolvimento do mesmo.
Salientamos que o grupo que frequentava as aulas da disciplina oferecida pelo
Departamento de Educação Física e Motricidade Humana era pequeno e composto
quase que totalmente por alunos da Educação Física. Fizemos jogos a respeito da
Capoeira, aprendemos diversos golpes, discutimos textos que diziam respeito à história
da Capoeira e como tem sido difícil a preservação de suas raízes. Tivemos também a
oportunidade de assistirmos a vídeos e filmes que complementaram a nossa formação.
Como parte da avaliação da disciplina deveríamos realizar uma intervenção sobre a
temática Capoeira em algum espaço educativo e a partir desta desenvolvemos este
estudo.
A presente pesquisa teve o objetivo de investigar a possibilidade da introdução
do conteúdo Capoeira nas aulas de Educação Física, particularmente identificar as
contribuições da abordagem do contexto histórico para o trabalho pedagógico com o
referido conteúdo.
Questão de pesquisa que orientou este estudo foi: Quais as contribuições da
abordagem do contexto histórico para o trabalho pedagógico com a Capoeira na
Educação Física escolar?
Um pouco sobre a história da capoeira
Zum, zum, zum, Besouro Magangá
Batendo nos soldados da polícia militar
Zum, zum, zum, Besouro magangá
Quem num pode com mandinga
não carrega patuá (...) 1
Considerada como luta, dança, esporte e jogo, a Capoeira tem suas origens
históricas imprecisas. A falta de documentação é a principal causa dessa imprecisão que
margeia o surgimento da Capoeira, o que é resultado da queima de documentos que se
referia à escravidão comandada por Ruy Barbosa, que era Ministro da Fazenda do
governo de Deodoro da Fonseca. Esse apagão na história foi justificado pelo governo de
então por ser vergonhoso ao país a tão extensa e intensa fase da escravidão
(GONÇALVES JUNIOR, 2009). Apesar de haver divergências sobre seu surgimento as
referências de Areias (1983) e Gonçalves Junior (2009), os quais defendem a ideia de
que a capoeira originou-se no Brasil a partir do povo africano e afro-brasileiro
escravizado pelos colonizadores, visando libertação.
Desenvolvida como forma dos negros combaterem a escravidão, esta prática era
a principal arma que os negros possuíam contra seus opressores, os colonizadores, que
principalmente através dos capitães de mato os vigiava, punia e caçava em caso de
fugas. Entende-se ai porque alguns autores a consideram como dança, pois os negros
não podiam praticá-la abertamente e executavam-na de forma velada, transformando os
golpes certeiros em aparentes passos de dança. Os escravos que conseguiam escapar das
fazendas em que eram tratados como mercadorias, se juntavam aos outros escravos
fugitivos e viviam em quilombos, lugares em que se organizavam de forma a viverem
de subsistência e para muitos fugitivos um lugar de liberdade (AREIAS, 1983).
1 Cantiga de domínio público.
Depois da libertação dos escravos, que ocorreu em 1888, os negros continuaram
a ser fortemente perseguidos pelo regime político da época (Brasil República,
instaurado em 1889), o que acarretava em punições severas para aqueles que
cultivassem a cultura negra no país, incluindo as rodas de capoeira (GONÇALVES
JUNIOR, 2009).
Nas palavras de Abib (2004):
Os castigos sofridos pelos capoeiras eram terríveis: centenas de chibatadas
aplicados em plena praça pública, para “servir de exemplo”. Isso, quando não
eram mandados ao “Calabouço”, um terrível presídio localizado no Morro do
Castelo, onde, além das chibatadas, os presidiários sofriam com a falta de
água, com a comida estragada e com as condições desumanas do cárcere
(p.101).
Essas punições se fizeram também porque, depois da libertação dos escravos, a
maioria dos negros não tinham trabalho e nenhuma forma de sustento, o que levou
muitos à marginalização. Foi nessa época também que os capoeiras, praticantes da
Capoeira, eram considerados ameaça à sociedade, decorrente das brigas em que se
envolviam e pelo preconceito racial (REIS, 2000).
Apenas no início do governo de Getúlio Vargas, na década de 1930, que são
extintas as leis contra a cultura afro-brasileira e é a partir dessa etapa histórica que a
Capoeira começa a poder ser livremente praticada. Em 1937, Mestre Bimba consegue o
alvará para o Centro da Cultura Física Regional, na Bahia, e é o primeiro mestre de
Capoeira a abrir uma academia da modalidade (GONÇALVES JUNIOR, 2009).
Capoeira como conteúdo da Educação Física Escolar
Para um melhor entendimento do termo conteúdo dentro da Educação Física
escolar tem-se como referência uma definição utilizada por Coll et. al (2000), que
define conteúdo como formas de saberes culturais, habilidades, linguagens, atitudes, ou
seja, características que, assimiladas são fundamentais para o desenvolvimento e
socialização do aluno.
Acrescentando à compreensão de conteúdo Darido (2005), a partir de Zabala
(1998) o aborda em três dimensões: procedimental, atitudinal e conceitual. A dimensão
procedimental esta ligada ao fazer relacionado às aulas de Educação Física; a dimensão
conceitual aborda o conceito desse fazer, seu entendimento, suas origens; por fim a
dimensão atitudinal relaciona as duas outras dimensões aos valores externos que o aluno
pode ter em função do conteúdo, discutindo temas sociais que surgem do mesmo.
A dimensão procedimental refere-se à prática da Capoeira, tanto se tratando dos
golpes quanto da musicalidade presente nas rodas e a dimensão atitudinal pode ser
trabalhada quanto aos aspectos culturais que margeiam o tema, tanto no berço da
Capoeira quanto nas mudanças que vem sofrendo com o passar do tempo (IORIO;
DARIDO, 2005).
Além das dimensões que são sugeridas à Educação Física no âmbito escolar,
para Iório e Rangel (2005), tal componente curricular deve apresentar o tema
pluralidade cultural, por abordar a partir desse termo diversas culturas inseridas na
sociedade e por poder através dessa apresentação lecionar aos alunos sobre a origem das
mesmas. A pluralidade cultural é também destacada pelo Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN (BRASIL, 1998) em dois pontos: primeiro - valorização da
diversidade de culturas; segundo – rejeição ao preconceito e discriminação de etnia,
gênero, religião. Conforme segue:
(...) valorizar as diversas culturas presentes na constituição do Brasil como
nação, reconhecendo sua contribuição no processo de constituição da
identidade nacional. (...) repudiar toda discriminação baseada nas diferenças
de raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e outras características
individuais e sócias (BRASIL, 1998, p.143).
A Educação Física, portanto tem o papel também de focar as diferenças
culturais. Percebe-se então que a Capoeira, além de proporcionar ricos conhecimentos
aos alunos dá margem às discussões relacionadas à pluralidade cultural, através de
abordagens sobre a origem da Capoeira, seus praticantes, sobre os instrumentos e as
músicas a serem tocadas na roda, à escravidão e a marginalização dos negros, dentre
outras vertentes que podem e devem ser discutidas nas aulas de Educação Física
(IORIO; RANGEL, 2005).
Concordando com a utilização do conteúdo Capoeira à pluralidade cultural,
deve-se também apresentar as possíveis faces desse conteúdo nas dimensões abordadas
anteriormente. Dessa forma temos Soares et al. (1992) para sustentar a dimensão
conceitual da Capoeira, “(...) a Educação Física brasileira precisa, assim, resgatar a
capoeira enquanto manifestação cultural, ou seja, trabalhar com sua historicidade, não
desencarná-la do movimento cultural e político que a gerou” (p. 76).
Reforçando a importância da diversificação da cultura corporal, fugindo dos
esportes tradicionais, Gonçalves Junior (2007) afirma que os esportes, tais como
voleibol, futebol, handebol advém de uma cultura eurocêntrica e estadunidense e são
quase hegemônicos no contexto das aulas de Educação Física, deixando-se de lado
outras manifestações que se fazem presentes na cultura brasileira, tais como jogos,
danças, lutas e brincadeiras, inclusive provenientes de diferentes povos, como africanos,
indígenas e orientais.
Deste modo, nota-se que a presença da Capoeira na Educação Física escolar
pode proporcionar aos professores uma variedade grande de temas a serem discutidos e
trabalhados com os alunos, com a possibilidade de sempre relacionar este conteúdo a
vida social a qual os mesmos estão inseridos, aproximando a história da realidade
desses alunos que também recebem vantagem ao aprender a Capoeira, tanto em valores
socioculturais quanto à motricidade.
Metodologia
Contexto da Intervenção
A intervenção e coleta de dados dessa pesquisa ocorreu com uma turma de 4ª
série/5º ano de uma Escola Estadual localizada na cidade de São Carlos, interior do
estado de São Paulo. Sendo que participaram das aulas 18 alunos que tinham uma faixa
etária de aproximadamente 9, 10 anos.
As aulas abordaram o conteúdo Capoeira, com enfoque no contexto histórico da
origem desse conteúdo e foram planejadas com tempo para discussão do grupo, antes e
após a aula. Antes sempre com o objetivo de tratar do contexto histórico da Capoeira;
após a aula, o tempo de discussão tinha como objetivo analisar as dúvidas dos alunos e
também para que professora/pesquisadora pudesse compreender o que os alunos
assimilaram da aula. O Professor da turma também auxiliou na revisão dos planos de
aula com eventuais sugestões de modificações.
Vale ressaltar que o professor efetivo de Educação Física da turma em questão
esteve presente em todas as aulas da Escola Estadual em que se realizou o estudo, bem
como atuando como tutor da disciplina Fundamentos da Capoeira, do curso de
Licenciatura em Educação Física da UFSCar, de forma a compartilhar os vários
momentos da intervenção e coleta de dados dessa pesquisa.
Os alunos estavam cientes que as aulas faziam parte de um estudo acadêmico e
tanto ele como seus responsáveis permitiram a divulgação de dados coletados (registros
de observações e fotos) através de um termo de consentimento livre e esclarecido.
O bairro no qual se situa a instituição é localizado em uma área periférica da
cidade. A escola possui uma ampla estrutura que ocupa o espaço de quase um
quarteirão. O pátio interno (coberto) é amplo e com várias saídas que se iniciam nele
para as salas de aula, sala de vídeo, sala dos professores, banheiros, entrada e saída dos
alunos na escola, acesso ao pátio externo, quadras de areia, quadra coberta, um
parquinho recém construído que tem balanços, um escorregador e uma ponte de
madeira. Nas aulas de Educação Física são mais comumente utilizados a quadra coberta,
a quadra de areia, o pátio externo e, eventualmente, o parquinho. Nesse estudo
desenvolvemos a intervenção na quadra e na sala de vídeo.
Procedimentos Metodológicos
Para um melhor entendimento desse estudo esclarecemos que o mesmo é de
caráter qualitativo. A pesquisa qualitativa, segundo Lüdke e André (1986):
(...) tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o
pesquisador como seu principal instrumento. (...) 2. Os dados coletados
são predominantemente descritivos. (...) 3. A preocupação com o
processo é muito maior do que com o produto. (...) 4. O 'significado' que
as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo
pesquisador. (...) 5. A análise dos dados tende a seguir um processo
indutivo. Os pesquisadores não se preocupam em buscar evidências que
comprovem hipóteses definidas antes do início dos estudos. As
abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir da inspeção
dos dados num processo de baixo para cima (p. 11).
No decorrer das intervenções foram feitos diários de aula, para registrar os
acontecimentos da aula segundo visão da pesquisadora, de forma que essas anotações
nos ajudaram nos processos didáticos das aulas seguintes, pois segundo Zabalza (2004),
o diário de aula além de ser utilizado como recurso para registrar o curso das aulas,
também é utilizado como recurso para que o professor possa analisar e avaliar seus
processos pedagógicos. Nesse estudo os registros realizados nos diários de aula foram
prioritariamente utilizados como material de análise de dados.
Os dados obtidos em tal registro foram submetidos a análise de conteúdo,
conforme propõe Bardin (2002), que a considera como: “(...) um conjunto de técnicas
de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição de conteúdos” (p.31). Bardin (2002) categoriza os dados a partir de seu
contexto escrito, ou seja, são investigados de acordo com o texto obtido. Após essa
categorização dos dados é previsto que também exista uma análise documental, que
auxilie o pesquisador na organização das classificações que surgiram da categorização.
Por fim, Bardin (2002) expõe a técnica de codificação dos dados, onde as informações
coletadas já desmembradas e organizadas oferecem a possibilidade de construir
resultados.
Análise dos dados
Os dados foram organizados em categorias temáticas que, segundo Bardin
(2002, p.153):
Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em
categorias segundo reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes
possibilidades de categorização, a investigação de temas, ou análise temática,
é rápida e eficaz de se aplicar a discursos diretos (significações manifestas) e
simples.
Com tal procedimento, foram elencadas quatro categorias de análise (quadro 1) a
partir de unidades de contexto identificadas nos diários de aula construídos. Assim: “As
categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de
registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico” (BARDIN, 2002,
p.117).
Prossegue o autor afirmando que as unidades de contexto: (...) serve de unidade
de compreensão para codificar a unidade de registro e corresponde ao segmento da
mensagem, cujas dimensões (superiores a unidade de registro) são ótimas para que
possa compreender a significação exata da unidade de registro (BARDIN, 2002, p.107).
As quatro categorias são: A) Contextualização histórica da Capoeira; B)
Percepções de ensino e aprendizagem; C) Participação do professor titular de Educação
Física; D) Envolvimento dos alunos em relação ao conteúdo Capoeira.
Para facilitar a identificação dos dados na análise dos dados, em cada unidade de
contexto extraída dos diários de campo, apresentaremos a expressão DIÁRIO, seguida
de número romano do respectivo diário, vírgula e número arábico da unidade de
significado, associado a letra maiúscula da respectiva categoria temática, por exemplo
“DIÁRIO I, 10A”, correspondendo ao diário de campo “I”, unidade de contexto “10”,
categoria “A”. No caso da unidade de contexto referir-se não a uma convergência, mas a
uma divergência acrescentaremos a letra “d” minúscula.
Quadro 1: Categorias temáticas relacionadas com as unidades de contexto
Diários de aula
Categorias I II III IV
A) Contextualização da Capoeira 2, 4, 5, 8 5, 6 3, 9, 12,
15, 21
1, 5, 6, 15,
17
B) Percepções de ensino e
aprendizagem
3, 6, 9, 10,
12, 15, 16,
18
2, 7, 9, 12,
14, 15, 17,
22
1, 2, 5, 6,
8, 11, 19
3, 7, 9, 12,
13, 20
C) Participação do professor
titular de Educação Física
11 1, 10, 20,
21
16, 17 14, 21
D) Interesse dos alunos em
relação ao conteúdo Capoeira
1, 7, 13,
14, 17
3, 4, 8, 11,
13, 16, 18,
19
4, 7, 10,
13, 14, 18,
20, 22
2, 4, 8, 10,
11, 16, 18,
19, 22d
A) Contextualização da Capoeira
Essa categoria envolve momentos onde buscamos situar os alunos em relação ao
tempo histórico de origem e desenvolvimento do conteúdo Capoeira através do diálogo,
de jogos e também da apresentação de instrumentos característicos, como o berimbau.
Seguindo com a aula, fizemos mais uma questão aos alunos antes de passar
um vídeo sobre a Capoeira e a questão foi se eles sabiam alguma coisa sobre
a origem da Capoeira e sem exceções eles me afirmaram: “foram os
indígenas” (DIÁRIO I, 2A).
Antes de iniciar as atividades ficamos ali mesmo e sentados, começamos a
conversar novamente a respeito da origem da Capoeira e alguns disseram ter
sido na África, sendo que a maioria comentou que os escravos provenientes
da África que criaram a Capoeira no Brasil (DIÁRIO II, 5A). A partir disso
comentamos mais um pouco sobre a história dos escravos, sobre os
quilombos, e sobre o processo de abolição da escravidão, sendo que o Brasil
foi um dos últimos países a realizá-la (DIÁRIO II, 6A).
A atividade seguinte foi um pega-pega, onde os pegadores eram os policiais
do período da primeira república e os fugitivos os capoeiras que eram
proibidos de praticar Capoeira (DIÁRIO III, 12A).
Para que as crianças também pudessem entender o contexto da música,
enquanto gingavam explicamos que ao som do berimbau eram cantadas
algumas cantigas que diziam respeito aos personagens da Capoeira, mas que
também cantaríamos outras músicas (DIÁRIO IV, 17A).
A partir destas unidades de contexto que compõe essa categoria percebe-se que
houve contextualização histórica, seja retomando em diálogo o que já se tinha visto em
outras aulas, seja acrescentando novas informações.
B) Percepções de ensino e aprendizagem
Essa categoria se refere às percepções de ensino e aprendizagem observadas
durante a intervenção e registradas em diários de aula, ou seja, relatos acerca da didática
de ensino, da compreensão dos alunos, das situações de aula vivenciadas.
Foi a partir de então que nos sentimos mais confortáveis nas aulas, ao saber
que eles estavam demonstrando compreensão das atividades e das conversas
que tivemos (DIÁRIO I, 9B).
Durante a primeira aula notamos que os alunos gostaram da temática e todos
quiseram participar da mesma. Mostraram-se interessados na história, mas o
que pareceu mais fasciná-los foram os golpes executados durante a prática da
Capoeira (DIÁRIO I, 18B).
Pedimos para que interrompessem a ginga (ver Fig. 1) e explicamos como
fazer o golpe meia lua de frente com ambas as pernas e fizemos o movimento
para que eles pudessem visualizar. Dissemos que nossos pés deveriam
realizar uma trajetória que desenhasse uma meia lua no espaço, o que pareceu
facilitar o entendimento deles quanto à realização do movimento e quanto ao
nome do golpe (DIÁRIO II, 12B).
O jogo “pique capoeira”, em que os capoeiras deveriam pegar a chave da
senzala e os capitães de mato pegar o chicote, ambos passando pelo campo
de jogo do grupo oposto, nos pareceu simples e pensamos que eles o
executariam facilmente, mas não foi isso que aconteceu (DIÁRIO III, 6B).
Fig. 1: Alunos realizando a ginga da Capoeira
Com base nestas unidades de contexto nota-se que, embora tenha ocorrido
compreensão e aprendizagem dos alunos de vários movimentos característicos da
Capoeira e interesse no conhecimento da história desta prática, ocorreram também
dificuldades, particularmente em relação a dinâmica de jogos.
C) Participação do professor titular de Educação Física
Essa categoria refere-se a efetiva participação do professor titular de Educação
Física da escola com a qual realizamos a intervenção nessa escola pública. As unidades
de contexto nos mostram que o professor da escola e os pesquisadores não precisam
exercer funções segmentadas, mas podem e devem ser complementares, a fim de
melhorar a prática profissional e acadêmica de ambos, ganhando com isso a área de
Educação Física (intervenção e pesquisa), a escola, a universidade e os alunos de ambas
instituições.
O professor titular da escola nos trouxe alguns gizes para que os alunos
pudessem desenhar um triângulo para servir de processo educativo ao
aprendizado da ginga da Capoeira e, nesse momento, comentou com os
alunos que desenhassem um rosto, dando destaque aos olhos – base do
triângulo – e a boca – outro vértice (DIÁRIO I, 11C).
Durante a aula, o professor titular da escola providenciou um rádio e algumas
músicas típicas de Capoeira, o que facilitou o envolvimento dos alunos na
aula e o aprendizado rítmico das palmas durante a realização da roda de
Capoeira (DIÁRIO II, 20C).
(...) pretendíamos demonstrar a defesa de Capoeira denominada negativa,
mas em conversa com o professor titular da escola ele sugeriu uma defesa
mais simples, resolvemos conjuntamente então explicar e demonstrar a
esquiva e então professor titular da escola contou história relacionada ao
golpe benção que seria feito de modo combinado àquela defesa (DIÁRIO III,
16C).
Formamos a roda de Capoeira e o professor titular da escola representou a
figura do “Mestre” (ver Fig. 2), posicionando-se com o berimbau na
“entrada” da roda, onde os capoeiras se cumprimentam e entram para realizar
o jogo. Explicou aos alunos o porquê dos Mestres preferirem se posicionar de
frente para a porta dos recintos onde se encontram, evitando serem
surpreendidos sem visualização do acesso de outras pessoas no local
(DIÁRIO IV, 14C).
Fig. 2: Professor titular de Educação Física da escola representando o “Mestre” de Capoeira e explicando
aos alunos a formação da roda.
A partir destas unidades de contexto observa-se que o envolvimento do professor
titular da escola foi efetivo.
D) Interesse dos alunos em relação ao conteúdo Capoeira
Por fim temos nessa categoria demonstração de interesse dos alunos nas aulas
realizadas durante a intervenção com o conteúdo Capoeira, a efetiva participação, as
curiosidades e dúvidas que apresentaram, bem como aprendizagens demonstradas.
Conforme as unidades de contexto extraídas dos diários de campo que seguem:
Alguns mencionaram ser difícil relacionar o braço com a perna no momento
de realizar a ginga, movimento característico do conteúdo Capoeira (DIÁRIO
I, 14D).
Os alunos demonstraram interesse em conhecer o contexto histórico da
Capoeira e também queriam saber como realmente ela era praticada e
utilizada na época em que surgiu (Diário I, 7D).
Quando o sinal tocou, eles não perceberam e continuaram na roda de
Capoeira (ver Fig. 3), até mesmo alguns acompanhando com as palmas
(DIÁRIO II, 18D).
Enquanto todos estavam tentando fazer o aú, uma dupla de alunos, Robson e
Renan, estavam jogando Capoeira com fluência, realizando a ginga,
movimentos de ataque e de defesa, sem que indicássemos isso na aula
(DIÁRIO IV, 10D).
Alguns minutos antes do sinal tocar encerramos a roda e sentemos com os
alunos para saber o que mais gostaram das aulas e o que não gostaram
também. A maioria disse em coro: “gostei dos golpes”; Mário: “eu gostei da
história da polícia”; Renato: “gostei de a estrelinha ser aú” (DIÁRIO IV,
19D).
Fig. 3: Alunos praticando Capoeira em roda.
O interesse demonstrado pelos alunos durante as aulas foi bastante positivo, mas
ocorreu também, em alguns momentos desinteresse por parte de alguns, os quais se
dispersaram, no diário de campo 4, por exemplo, há registro de observação em que
pedimos aos alunos que praticassem movimentos de ataque e defesa de modo
combinado, porém duas alunas faziam outros movimentos não relacionados a atividade
proposta (DIÁRIO IV, 22Dd).
Considerações
Retomando o objetivo desse estudo, o de investigar a possibilidade da
introdução do conteúdo Capoeira nas aulas de Educação Física, particularmente
identificar as contribuições da abordagem do contexto histórico para o trabalho
pedagógico com o referido conteúdo, consideramos, a partir da análise de dados
anteriormente realizada, que a introdução do conteúdo Capoeira foi bem aceita pelos
alunos, os quais demonstraram interesse, inclusive a contextualização histórica daquilo
que é praticado, no caso, a Capoeira, favoreceu a introdução de tal conteúdo.
Quando, por exemplo, o professor titular de Educação Física da turma conta a
história de um golpe de Capoeira para depois os alunos o realizarem, notamos que os
alunos fizeram mais facilmente o movimento, pois compreenderam sua origem e
atribuíram significado.
Consideramos também que a participação efetiva do professor titular da turma
foi um fator positivo durante as aulas, pois os alunos se envolviam mais com a aula
percebendo que o próprio professor deles participava ativamente da mesma.
Acreditamos, como Freire (2005), que o ato de educar envolve necessariamente
o de educar-se, sendo necessária a afetividade, a humildade, o gosto pelo ensinar e
aprender, a busca incansável pela competência e pela esperança engajada na
transformação nossa (somos seres inconclusos, condicionados, mas não determinados),
da Educação Física, da Educação em geral e do mundo.
Entendemos que nossa intervenção e pesquisa foi uma aproximação inicial do
conteúdo Capoeira nas aulas de Educação Física junto a uma turma de alunos do Ensino
Fundamental – Ciclo I, e que há necessidade de trabalhos e estudos mais prolongados,
efetivos e aprofundados, nossa e de outros colegas educadores.
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