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EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA COMO LUGAR DA AUTORIA NA PRODUÇÃO DE SABERES NAS AULAS DE BIOLOGIA E FÍSICA ANA PAULA BATALHA RAMOS SOARES RAFAEL DOS ANJOS MENDES TAVARES LEADRO FABRÍCIO RIBEIRO Education and Technology as Place of Authorship in the Production of Knowledge in Biology and Physics Classes Resumo O trabalho se propõe a tecer algumas reflexões acerca do binômio Educação e Tecnologia procurando afastar-se de concepções que tratam essa expressão de forma invertida e por isso mesmo, tendem pensá-lo como sinônimo de inovação. Destacamos que ao entendê-los como campo de saberes articulados no contexto pedagógico da Educação Básica, podem conferir tanto ao professor quanto ao aluno a condição de autoria na produção de conhecimento trazendo outras nuances à epistemologia social escolar e a formação continuada do professor. As proposições deste texto estão ancoradas no trabalho realizado por uma escola do Rio de Janeiro, de forma específica, nas turmas da 2ª e 3ª série do Ensino Médio. As inspirações advindas do diálogos teórico-metodológicos com os saberes docentes (TARDIF, 2004), as diferentes formas de relação com o saber (CHARLOT, 2000) e as metodologias ativas (MORAN,2015) trazem às aulas de Biologia e Física do Ensino Médio, a constituição de “comunidades de aprendizagem” docente e discente movimentando as linhas que traçam o conhecimento escolar pautado na tradição disciplinar. Defendemos o argumento de que a lógica da utilização da tecnologia como ferramenta não é suficiente para promover outras relações com os conhecimentos que constituem os adjetivos “escolar” e “docente”. Palavras-chave: Educação e Tecnologia, saberes escolares, aprendizagem. Abstract The paper intends to weave some reflections about the binomial Education and Technology, trying to move away from conceptions that treat this expression in an inverted way and, therefore, tend to think of it as a synonym for innovation. We emphasize that by understanding them as a field of

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EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA COMO LUGAR DA

AUTORIA NA PRODUÇÃO DE SABERES NAS AULAS

DE BIOLOGIA E FÍSICA

ANA PAULA BATALHA RAMOS SOARES

RAFAEL DOS ANJOS MENDES TAVARES

LEADRO FABRÍCIO RIBEIRO

Education and Technology as Place of Authorship in the

Production of Knowledge in Biology and Physics Classes

Resumo

O trabalho se propõe a tecer algumas reflexões acerca do binômio Educação e Tecnologia

procurando afastar-se de concepções que tratam essa expressão de forma invertida e por isso

mesmo, tendem pensá-lo como sinônimo de inovação. Destacamos que ao entendê-los como

campo de saberes articulados no contexto pedagógico da Educação Básica, podem conferir tanto

ao professor quanto ao aluno a condição de autoria na produção de conhecimento trazendo

outras nuances à epistemologia social escolar e a formação continuada do professor. As

proposições deste texto estão ancoradas no trabalho realizado por uma escola do Rio de Janeiro,

de forma específica, nas turmas da 2ª e 3ª série do Ensino Médio. As inspirações advindas do

diálogos teórico-metodológicos com os saberes docentes (TARDIF, 2004), as diferentes formas

de relação com o saber (CHARLOT, 2000) e as metodologias ativas (MORAN,2015) trazem às

aulas de Biologia e Física do Ensino Médio, a constituição de “comunidades de aprendizagem”

docente e discente movimentando as linhas que traçam o conhecimento escolar pautado na

tradição disciplinar. Defendemos o argumento de que a lógica da utilização da tecnologia como

ferramenta não é suficiente para promover outras relações com os conhecimentos que

constituem os adjetivos “escolar” e “docente”.

Palavras-chave: Educação e Tecnologia, saberes escolares, aprendizagem.

Abstract

The paper intends to weave some reflections about the binomial Education and Technology, trying

to move away from conceptions that treat this expression in an inverted way and, therefore, tend

to think of it as a synonym for innovation. We emphasize that by understanding them as a field of

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knowledge articulated in the pedagogical context of Basic Education, they can give both the

teacher and the student the condition of authorship in the production of knowledge bringing other

nuances to the school social epistemology and the continuing education of the teacher. The

propositions of this text are anchored in the work done by a school in Rio de Janeiro, specifically,

in the 2nd and 3rd grade classes. Inspirations from theoreticalmethodological dialogues with

teaching knowledge (TARDIF, 2004), different forms of relationship with knowledge (CHARLOT,

2000) and active methodologies (MORAN, 2015) bring to Biology and Physics classes in high

school, the constitution of teaching and student “learning communities” moving the lines that

outline school knowledge based on the disciplinary tradition. We argue that the logic of using

technology as a tool is not sufficient to promote other relationships with the knowledge that

constitute the adjectives "school" and “teacher”.

Keywords: Education and Technology, school knowledge, learning.

Introdução

A inversão dos termos Educação e Tecnologia proposta no título do trabalho não é aleatória. Ela

já anuncia uma posição teórico-metodológica que sustenta este trabalho e talvez sim, esta possa

ser entendida como inovação no campo.

Assumimos a posição de pensar a Tecnologia a partir das contribuições advindas do campo

da pedagogia e de forma mais adensada, da Didática para trazê-la não como recurso de

inovação, mas como elemento que pode reconfigurar as aprendizagens dos sujeitos que

compõem o espaço escolar e promover outras formas de relação com o saber.

A utilização de tecnologia como um recurso que auxilia os processos pedagógicos já não

representa mais uma grande inovação na área educacional. Embora a utilização da tecnologia

como uma ferramenta seja uma forte tendência, é importante ter clareza de que estamos diante

da geração digital. Uma geração nascida e criada em um mundo completamente digital e,

portanto, sensível à utilização de qualquer recurso que traga rapidez na resposta, facilidade e

eficiência. Sendo assim, apenas utilizar a tecnologia como ferramenta não traz,

necessariamente, qualidade à aprendizagem dos alunos, uma vez que não instiga à construção

de outras formas de relação com o saber e a autoria.

Assumimos como premissa que para haver reconfiguração nas formas de pensar e agir do

sujeito aprendente é importante que tenha um processo pedagógico cuidadosamente planejado

pelo professor para que a experiência em sala de aula seja ainda mais instigante, dinâmica e

interativa.

Nessa direção, o texto traz resultados do trabalho realizado em uma escola do Rio de Janeiro,

com alunos do Ensino Médio, nas aulas de Biologia e Física procurando operar na pauta da

epistemologia social escolar considerando que a tecnologia sob o olhar educação, pode

reconfigurar os processos de produção e circulação de saberes docentes (TARDIF,

2004), saberes escolares (GABRIEL, 2003; RAMOS, 2006) e as formas de relação com o saber

(CHARLOT, 2000).

O trabalho em pauta não trata de defender uma “nova pedagogia” que concebe a tecnologia

como linguagem ou técnica de ensino, mas se propõem por meio do pensamento reflexivo sob

a prática, posicioná-la por um lado com mobilizadora de iniciativa de formação continuada no

espaço escolar assegurando a integração crítica e reflexiva aos processos educacionais e por

outro, ressignificando os saberes docentes e escolares. Seguir nessa linha, parece-nos mais

interessante, na medida em que o processo de construção de conhecimento, do qual docentes

e alunos podem participar mobilizando saberes individuais de diferentes naturezas –

disciplinares, científicos, curriculares, culturais, entre outros – traz mobilidade às posições de

sujeito previamente definidas, bem como a relação entre os participantes do processo,

potencializando a condição de autoria individual e coletiva. E ainda, fomenta a utilização de

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recursos linguísticos e de auto-regulação da aprendizagem criando novas formas de convívio

social, afetivo e cultural.

Nas linhas deste traçado, a associação educação e tecnologia traz um espaço de produção

de saberes autorais, por meio da constituição de “comunidades de aprendizagem” docente e

discente movimentando as linhas que traçam o conhecimento escolar pautado na tradição

disciplinar. Ademais, desenvolvem esquemas mentais de seleção, análise, síntese, associação,

inferência, que será explorado mais adiante neste trabalho.

Ao tecer as reflexões ora propostas sem perder de vista a proposição anunciada de fazê-las

na pauta da epistemologia social escolar (GABRIEL, 2006) queremos marcar a posição de

reconhecimento da complexidade e da multidimensionalidade dos processos de seleção,

produção e circulação dos saberes escolares, nos aspectos epistemológicos, políticos e

pedagógicos que permeiam o processo de ensino-aprendizagem.

Tendo como foco de discussão o ensino de conteúdos disciplinares

específicos, torna-se difícil sustentar que no processo de produção de

conhecimento escolar não entrem em linha de conta critérios também

de ordem epistemológica. No campo pedagógico, a questão dos

valores é intrínseca à seleção dos conteúdos escolares e entre esses

valores, não é possível descartar o valor de verdade que se formula

também no terreno da epistemologia. (GABRIEL, 2006)

Na medida em que o trabalho é realizado por dois professores especialistas, nas áreas de

Biologia e Física, as ditas ”ciências duras”, não é demais lembrar que assim como o processo de

formação acadêmica, o processo de seleção de conteúdos didatizados, propostos como objeto

de ensino, são frutos de disputa entre interesses diversos advindos da ciência de referência, dos

saberes docente, das possibilidades de construções históricas, pela diversos; pela intenção de

'territorialização' do conhecimento, num movimento de legitimação de grupos, ideias e sujeitos.

Em outras palavras, não nos deixa perder de vista que há sempre uma disputa de sentidos de

conhecimento que confere a não neutralidade aos conhecimentos adjetivados “escolares” e

docentes.

Assumindo essa pauta como cenário das reflexões propostas por este trabalho, procurando

tecer apontamentos que indiquem pistas para pensar: em que medida o diálogo entre os saberes

docentes e os escolares podem criar condições de autoria para os sujeitos da/na escola? Que

possibilidades podem ser encontradas ao reinvestir de potencial os sentidos da expressão

“educação e tecnologia”?

As formulações de tais questões procuram marcar nosso entendimento de que a categorias:

saberes docentes e saberes escolares, têm configurações epistemológicas próprias ainda que

tenham pontos de aproximação. A articulação entre essas categorias de análise, corroboram

com o argumento de que apenas a ótica epistemológica não é suficiente para pensar no processo

de significação da produção de conhecimento escolar e da autoria, no contexto da sala de aula.

Para tecer as reflexões ora propostas organizamos esse trabalho da seguinte forma: na

primeira parte, nos dedicamos a articulação entre as categorias saberes escolares e docentes,

a segunda contextualizamos a proposta de Educação e Tecnologia desenvolvida na escola

analisada e por fim, trazemos as narrativas de professores e alunos que participam desse

trabalho.

A articulação entre os saberes

No campo educacional, o reconhecimento de que existem diferentes saberes no espaço escolar

marcou as pesquisas no final da década de 80. As categorias “saberes escolares” e “saberes

docentes” tem permitido dar visibilidade e problematizar os espaços de construção desses

saberes. Nos últimos anos, esforços têm sido realizados por pesquisadores em educação, com

o objetivo de refinar o instrumental teórico disponível e nesse contexto, a categoria "saber

docente" ganha destaque, pois permite tratar das relações dos professores com os saberes que

reúnem e que os conferem a condição de ensinar e aqueles que ensinam, sob uma nova ótica,

ou seja, mediadas por criadoras de saberes práticos, que passam a ser considerados

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fundamentais para a configuração da identidade e competência profissionais (TARDIF,

LESSARD E LAHAYE, 1991; TARDIF, 2004).

Na obra “Saberes Docentes e Formação Profissional”, Maurice Tardif se dedica a

problematizar os elementos que compõem os chamados “saberes docentes” e a sua relação com

a formação profissional dos professores com o próprio exercício da docência. Seus estudos

oferecem grandes contribuições a partir da provocação feita pelo autor em lançar olhar sobre o

que pensam os professores sobre sua formação. Ao desenvolver esse trabalho, o autor defende

que o saber docente é um “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das

instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (p.54).

Tomando como pressuposto a ideia de pluralidade, o autor afirma que a possibilidade de uma

classificação coerente dos saberes docentes só existe quando associada à natureza diversa de

suas origens, às diferentes fontes de sua aquisição, bem como as relações que estabelecem

entre/com os saberes.

Para constituir a categoria “saberes docentes” o autor tece a afirmação a respeito da

existência de quatro tipos diferentes de saberes que configuram a atividade docente: os saberes

da formação profissional (das ciências da educação); os saberes disciplinares; os saberes

curriculares e, por fim, os saberes da experiência.

Ainda que não haja nas considerações do autor nenhuma intenção de hierarquizá-los e

mesmo argumentando que há diversos saberes que compõem essa categoria, o autor chama

atenção para o lugar que os saberes da experiência tendem a ocupar na trajetória profissional.

Essa tendência é defendida por Tardif (2004) sob o argumento da relação de exterioridade que

em geral, o professor mantém com os demais saberes, pois entende que não controlam sua

produção e sua circulação. Essa relação de exterioridade mantida pelos professores com os

saberes curriculares, disciplinares e da formação pedagógica faz com que valorizem ainda mais

os saberes experienciais. Este em geral, o professor mantém o controle, tanto no que diz respeito

a sua produção quanto a sua legitimação reforçando ainda mais a dicotomia teoria- prática,

universidade-escola.

No exercício cotidiano de sua função os professores vivem situações que consideram mais

concretas a partir das quais se faz necessário atuar com habilidade, capacidade de interpretação

e tomada de decisão para agir e escolher qual estratégia ou intervenção deverá fazer para

resolver tal situação. Ainda que cada situação seja única, tendem a guardar entre si certas

aproximações que permitem ao professor, então, transformar algumas das suas estratégias,

trazer a sensação de autoria e promover uma aprendizagem significativa. Esta experiência,

representa concretamente uma conquista e tende a ser utilizada em situações similares, no

sentido de desenvolver um habitus específico a sua profissão.

Considerando que o campo da tecnologia educacional constructo teórico é relativamente

novo, que a tecnologia chega às escolas como um elemento incontornável e ainda que, os

demais saberes (disciplinares, curriculares e da formação) não são possíveis de mobilizar para

oferecer um arcabouço para o professor, é no contexto da prática e da experiência que esse

saber é construído.

A categoria “saber escolar” surge no contexto dos estudos que investigam a relação escola e

cultura, bem como lugar de relevância da escola como espaço de produção da memória coletiva,

de identidades sociais, das tensões que tangenciam os mecanismos de seleção, distribuição e

circulação dos diferentes saberes que habitam à escola.

Entendemos, portanto, que há a especificidade do adjetivo “escolar” e afirmamos que este

não é sinônimo de conhecimento acadêmico ou conhecimento disciplinar, ainda que os demais

sejam elementos que o constituem Com isso, evidenciamos a não neutralidade do conhecimento

escolar que é produto de hibridizações, de seleções, das subjetivações presentes nas tradições

disciplinares, de marcas da ciência de referência e que ainda são reelaborados didaticamente

em objetos de ensino.

Assim, consideramos que o conhecimento escolar é fruto de diferentes demandas que são

endereçadas às escolas, objetivos e finalidades pedagógicas que articulam das dimensões do

ensino e da aprendizagem. Tendo sua configuração enredada no conhecimento cientifico

advindo do contexto de produção da ciência, ganha legitimidade e validade para ser ensinado

no espaço escola.

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Neste trabalho pensamento ganha destaque na medida em que o tomamos não só como

objeto de análise, mas procuramos pensá-lo de forma específica no contexto de duas disciplinas

escolares e portanto concordamos com Gabriel:

Tendo como foco de discussão o ensino de conteúdos disciplinares

específicos, torna-se difícil sustentar que no processo de produção de

conhecimento escolar não entrem em linha de conta critérios também

de ordem epistemológica. No campo pedagógico, a questão dos

valores é intrínseca à seleção dos conteúdos escolares e, entre esses

valores, não é possível descartar o valor de verdade que se formula

também no terreno da epistemologia. A verdade e validade de um

saber se, por um lado, não são mais vistas como definitivas e

absolutas, por outro, continuam a ter sua pertinência baseada em

regimes de verdades construídos e legitimados também no seio da

comunidade científica produtora dos saberes acadêmicos, que servem,

entre outros, de referência para os saberes escolares. (GABRIEL, 2017

p.11)

A proposta da escola

A escola que tem suscitado as reflexões aqui compartilhadas, vem ao longo de três anos

investindo cada vez mais em reflexões e estudos acerca do tema tecnologia e educação. Para

iniciar o trabalho, no ano de 2017, buscou pensá-lo de forma colaborativa. Reuniu com uma

equipe multidisciplinar, composta por professores de diferentes áreas e segmentos,

coordenadores pedagógicos, técnicos e analistas de tecnologia da informação. Essa equipe,

orientada pela Direção Pedagógica participou de reuniões, pesquisas de campo e iniciativas de

formação continuada ao longo de 2 meses. Após implantação do projeto–piloto no primeiro

semestre com o professor de Biologia somou –se a este grupo o professor de Física.

Ao final deste ano, disponibilizou à comunidade escolar recursos de formação e

compartilhamento de experiências advindas do contexto de prática dos professores de Biologia

e Física a fim de oferecer possibilidades de reflexão a respeito do processo pedagógico com

vistas à aprendizagem significativa de docentes e alunos.

Nessa direção, com dois anos de trabalho 267 alunos, distribuídos em 7 turmas da 2ª e 3ª

série do Ensino Médio já estão totalmente inseridos no trabalho.

Atualmente, uma equipe de nove profissionais da área de Tecnologia da Informação atuando

em parceria com a área Pedagógica nas duas unidades da Instituição, desenvolve projetos que

auxiliam professores a criar conteúdo e materiais para suas aulas, bem como oferece recursos

que possam ser utilizados como forma de avaliação.

Os projetos de Educação e Tecnologia, na referida escola, têm como uma das principais

funções ressignificar as relações que o aluno estabelece com suas dúvidas, entre a elaboração

e a resolução de problemas, desejos e necessidades de pesquisa e qualificação de seus estudos

em sala de aula. A ideia é que o aluno encontre uma abertura maior nas interações que

estabelece com seu aprendizado e, do mesmo modo, uma forma consciente e ética de usar a

tecnologia, inclusive no cotidiano. Nessa direção, assume-se a posição de entender que a

tecnologia associada à educação não se resume a utilização de uma ferramenta. Essa

associação traz consigo uma concepção metodológica, materializada por instrumentos e

procedimentos de problematização e criação.

Com esse cenário, a tecnologia representa hoje nessa escola a possiblidade de integração

de espaços-tempos de aprendizagem. O ensinar e o aprender acontece mediante a articulações

simbióticas, constantes entre os “mundos” físico, digital, ético e emocional. São espaços

estendidos, uma sala de aula ampliada que se hibridiza constantemente e oferece múltiplas

possibilidades.

A escola adota como premissa a autoria tanto de professores quanto de alunos. Ainda que as

duas disciplinas Biologia e Física tenham convergências teóricas calcadas nos saberes

disciplinares e acadêmicos das “ciências duras, cada professor, cria seu planejamento para

desenvolver seu trabalho de forma autônoma com vistas ao alcance dos objetivos estabelecidos.

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Contudo, preservam o diálogo, pois reconhecem a potencialidade de compartilhar seus saberes

advindo da experiência.

Nesta escola, os componentes curriculares que correspondem à área de Ciências da

Natureza (Química, Física e Biologia) tem carga horária diferenciada preservando dois tempos

semanais dedicados à pratica de investigação científica realizada em laboratório especifico,

conforme tabela a seguir.

Tabela 1 - Carga horária dos componentes curriculares de Ciências da Natureza.

Componentes curriculares Química Física Biologia

Aulas em Laboratório 2 2 2

Aulas em outros espaços 4 4 3

Essa distribuição nos trouxe uma pista interessante para pensar em que medida a educação

e tecnologia pode representar uma ruptura com o modelo clássico do ensino das Ciências.

Em geral, produções do Ensino de Ciências apontam para o entendimento de que a forma de

aprender “Ciência é fazer ciência” para que seja afastada a condição de mera repetição

formalística ou apoio na indagação e experimentação para estabelecer comprovação.

Entendemos que a educação e tecnologia como aqui propomos, pode trazer ao ensino de

Ciências a possiblidade desenvolver nos alunos uma atitude curiosa, criativa e que opera com

as ideias teoria e prática como sinônimos, não sendo mais possível pensá-las de forma separada.

Na medida em que essas atitudes passam a ser condição de pensamento do ensino de Ciências,

permite-se que o aluno passe não só a formular perguntas, mas sobretudo, passe a entendê-las

como parte do seu processo individual e coletivo de aprendizagem. Cada vez que um professor

se permite enredar pelo viés da Educação e Tecnologia como posição teórico-metodológica para

lançar um olhar sobre seu objeto de ensino, estaremos fazendo Ciência, sem a necessidade

premente de placa protoboard ou microscópios eletrônicos. Isso não significa abrir mão dos

experimentos, mas sim ampliar olhar permitindo o entendimento de que estes não são apenas

os únicos meios para ensinar a pensar cientificamente. Sabemos que as Ciências têm uma lógica

própria quanto a seus processos de produção do conhecimento, inclusive do valor de verdade

desse conhecimento quando adjetivado “científico”. Por isso mesmo, assumimos como

pressuposto que o pensar cientificamente requer resolver problemas, perguntar, construir

possiblidades de solução e realizar registros como forma de memória da aprendizagem.

No contexto específico das aulas de Biologia e Física, os professores envolvidos com o

trabalho adotam esse pressuposto como condição de pensamento para compartilhar com seus

alunos as intencionalidades do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, insistem trazer a

problematização como mobilizadora da produção autoral do conhecimento, estimulando a

colaboração e aplicabilidade dos conhecimentos construídos.

Uma das possiblidades vislumbradas é o ensino por problematização e colaboração, em que

inspirados nas etapas do pensamento cientifico, os alunos se tornam mais ativos no processo na

geração de conhecimento.

Na 2ª série do Ensino Médio, as aulas de Biologia acontecem semanalmente nessa lógica,

para tal, os alunos são deslocados para um ambiente em que o mobiliário é diferenciado e

permite diversas configurações: individual, duplas, grupos, plenária.... Cada aluno tem acesso

ao computador para fazer seus registros em ambiente virtual dedicado à produção da turma, as

telas de LCD localizadas em ilhas de produção, permitem que cada grupo possa visualizar e

colaborar com a produção dos demais. Esse ambiente favorece a colaboração, coautoria e

ampliação das conexões entre conhecimentos construídos individual e coletivamente.

As aulas de Física, não necessariamente, utilizam esse espaço com a mesma frequência,

entretanto, os cromebooks vão até as salas de aula para que o trabalho seja desenvolvido com

a mesma finalidade.

É importante destacar que a condição de autoria do professor é também preservada, na justa

medida em que cabe a ele o diálogo entre os elementos que compõem os saberes docente,

reconfigurado por meio dos saberes da experiência adquirida com essa prática. Os excertos a

seguir evidenciam a reconfiguração dos saberes ora anunciada:

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“O projeto me foi inicialmente muito desafiador e intrigante, pois me

fazia repensar a minha forma de dar aula, o meu tratamento dos

conteúdos e o meu papel como professor.

Me deparei com uma total mudança de postura profissional, que por

vezes, me via sim colocando em prática a questão do professor como

um mediador e orientador para a construção do aprendizado dos meus

alunos, várias vezes tivemos que adaptar o tradicional programa, aos

conteúdos correlacionados a matéria trazidos por eles durante as suas

discussões prévias e as suas pesquisas na internet, dessa forma vi

como eles podem ser autores dos seus aprendizados e como aprendi

com esta troca.

As ferramentas digitais facilitaram muito o dia-dia, bem como tornaram

as aulas mais dinâmicas e atrativas, não deixando parecer para eles

maçante. ” (Professor de Biologia)

“Trabalhar com educação e tecnologia me fez repensar na forma de

como eu posso ensinar física e buscar formação continuada na área

de educação e tecnologia.

Usando a tecnologia foi possível trabalhar muito mais como orientador,

mediador e incentivador para o aprendizado do aluno. A dinâmica das

aulas mudou muito com o uso de ferramentas digitais, ao invés de

simplesmente transmitir o conteúdo, planejo as aulas pensando em

situações/problemas para que o aluno possa buscar suas respostas e

entender o conteúdo de diferentes formas. ” (Professor de Física)

Ao reconhecer o impacto dessa experiência na sua ação pedagógica os professores passam

a estabelecer outra relação com seus conhecimentos, considerando que a informação está

apenas sob a primazia da objetividade e o conhecimento é consolidado por meio da experiência

pessoal que traz a marca de apropriação do sujeito. Nas palavras do autor “não há saber senão

para um sujeito[..] não há saber em si mesmo” (CHARLOT,2000 p. 62), pois implica o

conhecimento e requer a relação consigo mesmo, com os outros e com a atividade desenvolvida.

E, assim, estabelecem outras ações que hibridizam diferentes saberes: escolares, docentes,

disciplinares e tantos outros não necessariamente categorizados, que trazem a marca de

significação e de relação de cada sujeito com “o saber”.

Nesse sentido, as aulas destas disciplinas oferecem tanto para professores quanto para

alunos oportunidades de estabelecer uma relação diferenciada com o conhecimento.

Chamo relação com o saber o conjunto de imagens, de expectativas e

de juízos que concernem ao mesmo tempo ao sentido e à função social

do saber e da escola, à disciplina ensinada, à situação de aprendizado

e a nós mesmos" (CHARLOT, 2000, p. 80).

Optamos por dar ênfase ao conceito de relação com o saber quando tratamos de pensar

educação e tecnologia, pois consideramos que esta é também uma forma de relação com o

mundo, que se caracteriza por ser, ao mesmo tempo, simbólica, ativa e temporal, definindo-a,

assim nuclearmente como conjunto de significados e espaço de atividades, inscritos num tempo

(CHARLOT, 2000, p. 78) em que a aprendizagem do sujeito acontece.

As ações pedagógicas dos professores se desdobram em diferentes atividades propostas que

abarcam a ludicidade, a construção de pesquisas, a elaboração de registros colaborativas e

multidisciplinares. À guisa de exemplificar o trabalho realizado, a seguir apresentamos algumas

produções dos alunos como forma de registro de aprendizagem.

Os alunos fizeram a proposta ao professor de Biologia que pudessem registrar suas

aprendizagens por meio de vídeos. Inspirados nos modelos do FameLab, o mais popular

concurso internacional de comunicação científica em que cada participante tem o limite de três

minutos para comunicar suas construções teóricas a respeito do tema recorrendo apenas à

palavra e ao gesto sem a ajuda de audiovisuais, se lançaram neste desafio.

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A medida em que o professor articula seus saberes docentes e permite que os saberes

escolares possam ser produzidos de forma a mobilizar a condição de autoria dos atores que com

ele, estão ali na condição de aprendentes, amplia-se as possibilidades de aprendizagem de

ambos.

No espaço dialogal da sala de aula, o planejamento foi feito de forma colaborativa entre

professor e alunos. Os alunos trouxeram a “novidade” desta forma de comunicação e o professor,

sugeriu que cada grupo pudesse escolher um tema de interesse já estudado que pudesse ter

maior significado para cada grupo. Esta proposição revela a intencionalidade docente em tornar

significativa e visível a aprendizagem para o aluno. Além disso, promove a ampliação das

aprendizagens individuais na medida em que os vídeos produzidos são também compartilhados

e exibidos aos demais tornando-se também material de consulta para estudos realizados em

casa.

Figura 1 - Registro elaborado por grupo de alunos de 16 anos como registros da aprendizagem

a respeito do sistema respiratório.

Coube a cada grupo eleger, além do tema, que recortes ou ênfases seriam dadas a fim de

garantir a cientificidade do conhecimento a ser compartilhado. A figura 2 refere-se a um grupo

que selecionou a partir do tema mais amplo: “sistema digestório”, trazer como acontece a ação

hormonal no sistema digestório. Este grupo teve ao longo do estudo interesse em saber o porquê

umas pessoas tinham mais fome do que outras e se era possível controlar o apetite. Tal

interesse, não necessariamente, estaria descrito no planejamento inicial do professor. Contudo

essa ampliação foi possível a partir do arcabouço que compõem o saber docente deste professor

ao trazer metodologicamente a proposta de indagação e curiosidade ao Ensino de Ciências.

Figura 2 - Registro elaborado por grupo de alunos de 16 anos como registros da aprendizagem

a respeito do controle hormonal no sistema digestório.

Foi interessante perceber como mobilizaram as habilidades de análise e síntese, bem como acionaram a criatividade para elaborar tais registros. Um dos grupos associou conhecimentos adquiridos em games e trouxe o minecraf para seu registro sobre o sistema digestório conforme mostra a figura 3.

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Figura 3 - Registro elaborado por grupo de alunos de 16 anos como registros da aprendizagem

a respeito do sistema digestório.

Outra possiblidade de registro da produção da aprendizagem acontece por meio da

elaboração de resumos colaborativos. A proposta é que o aluno faça primeiro o exercício de

elaboração da sua síntese pessoal e depois compartilha com seus colegas para que os mesmos

possam colaborar.

Nas aulas de Física, a dinâmica embora diferente, tem a mesma finalidade. O professor

propõe um tema ou uma situação problema e é dado um tempo para que os alunos pesquisem

na rede o conteúdo ou possíveis respostas para a problemática. Após a pesquisa, apresentam

suas respostas e o professor assume a condição de mediador provocando novas discussões,

problematizando os apontamentos feitos pelos alunos e orientando os registros apresentados.

Desse modo, além de possíveis respostas ou problema, o chamado conteúdo programático

descrito no planejamento, é naturalmente trazido pelos próprios alunos.

Os alunos escolhem como seus registros terão maior significado entendendo a forma como

funciona sua aprendizagem e a formular seus registros em caderno digital ou no caderno físico.

No contexto específico desta disciplina há uma dificuldade ferramental que por vezes é

representa um entrave na utilização de um caderno virtual em função da forma de registro das

fórmulas e resolução de exercícios. Sendo fiel às palavras do professor: ”escrever fórmulas e

equações no computador requer muito tempo e destreza, não é um registro rápido. Por isso

alguns alunos preferem buscar imagens de fórmulas e equações na internet para colocar no

caderno digital, outros fazem suas anotações no caderno físico mesmo”

Uma das propostas feitas aos alunos partiu da questão: motores a combustão, solução ou

problema? Em busca de possíveis respostas para a questão levantada pelo professor, os alunos

passaram a levantar hipóteses que pudessem defender uma primeira posição a respeito do tema.

Enveredaram no processo de pesquisa para tratar do tema considerando termodinâmica como

conceitos chave para pensar em alternativas.

A materialidade da produção dos saberes escolares ao longo do processo de estudos, foi

registrada em sites criados pelos alunos. Ao longo do processo de pesquisa, ultrapassaram os

limites do que habitualmente seria categorizado como conhecimento específico de uma ou outra

disciplina. Foram buscar o diálogo com a História, Geografia e Química elementos que pudessem

auxiliá-los nas construções e conceitos. O que dizem os atores

Nesta seção, trazemos a voz de professores e alunos, envolvidos com o trabalho de educação

e tecnologia. Como aporte metodológico, lançamos mão de uma pergunta para suscitar a

reflexão acerca do trabalho realizado e dos sentidos que essa prática vem assumindo no

contexto de aprendizagem dos diferentes atores. A escolha metodológica de trazer as narrativas

e pensar sobre elas, considerando as categorias de análise “saberes docentes e saberes

escolares” permitiu fazer alguns apontamentos em defesa de dois argumentos: a condição de

autoria emerge das tensões e diálogos entre os saberes. O processo de ressignificação da

expressão educação e tecnologia está intimamente ligada com o processo de formação do

professor decorrente da sua trajetória profissional e dos saberes da experiência.

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O segundo argumento defendido é evidenciado a seguir nas narrativas dos professores que

reconhecem a importância da formação continuada suscitada no espaço escolar em virtude de

situações que são endereçadas a eles em sala de aula:

Na minha graduação não existiu nenhuma ligação com tecnologia, mas

no mestrado pude desenvolver aplicativos para visualização de

fenômenos físicos e entender como ferramentas digitais podem

impactar o aprendizado dos alunos. O uso de tecnologia na educação

não é a revolução educacional que as pessoas relatam, ela é sim um

grande facilitador no dia a dia, mas trabalhar com uso de ferramentas

digitais requer pensar em novos métodos pedagógicos e novas formas

de fazer o aluno pensar e ter uma postura mais ativa durante as aulas.

(Professor de Física)

O projeto me fez buscar uma formação continuada, na área das

ferramentas digitais facilitadoras do aprendizado, pois na minha

formação profissional a tecnologia que me foi apresentada era muito

limitada. Sendo um desafio profissional, pois durante muito tempo me

questionava sobre alguns pontos, pois via alguns profissionais

indicando que a tecnologia seria a revolução da educação e a solução

de todos os problemas, hoje vejo que esta pode ser vista como um

agente facilitador do cotidiano dos professores, na verdade me vi

realmente tendo que ter uma mudança postural e metodológica, tendo

que instigar o meu aluno a investigar ao invés de ser um agente passivo

do seu aprendizado. (Professor de Biologia)

Os impactos gerados pelos sabres da experiência ampliam o espaço autoral e por um lado

trazem movimento à aprendizagem do professor e por outro mobilizam saberes disciplinares e

curriculares. "Mobilizar-se é pôr-se em movimento", é acionar recursos; é tanto preliminar à

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ação, quanto seu primeiro momento (CHARLOT, 2000, p. 55). O conceito de mobilização aponta,

por sua vez, para os conceitos de móbil e de recursos. Entende-se por móbil a razão para agir

(distinguindo-se de meta, que está vinculado a resultados esperados). Recursos seriam, então,

os trunfos, as forças de diferentes ordens, de que se dispõe e que são atualizados, acionados.

Nessa linha:

“(...) qualquer relação com o saber comporta também uma dimensão

de identidade: aprender faz sentido por referência à história do sujeito,

às suas expectativas, às suas referências, à sua concepção de vida,

às suas relações com os outros, à imagem que tem de si e à que quer

dar de si “ (p. 72).

Me fez questionar alguns conteúdos clássicos da disciplina, pois as

propostas trazidas pelos alunos nas aulas invertidas extrapolaram

estes limites, trazendo um enriquecimento da disciplina e buscando

uma aplicabilidade no cotidiano. Em alguns momentos vi que a falta de

interesse de alguns alunos se explicava por não se sentir atraído pelos

tópicos mais clássicos da disciplina, pois os mesmos quando foram

trazidos pela investigação prévia do aluno, podia ser trabalhado de

forma menos engessada. (Professor de Biologia)

No excerto que representa a voz do professor, referenda a mobilização do saber disciplinares

e curriculares para oferecer subsídios no contexto de prática e, ao mesmo tempo a mudança do

olhar para esses saberes na medida em que são incorporadas as experiências vividas.

O olhar reflexivo do aluno tanto para prática docente, quanto para sua aprendizagem indica

que binômio educação e tecnologia representa uma mudança significativa na forma de relação

como conhecimento das Ciências.

A grande vantagem desse método é expandir as possibilidades de se

aprender o mesmo conteúdo de diferentes formas. Não precisa ficar

preso a explicação do professor, podendo buscar outas formas de

explicação para o mesmo assunto. Um dos pontos fortes desse método

é conseguir visualizar exemplos e fenômenos de forma mais clara

através de imagens, simuladores e vídeos. (Pedro, 2ªsérie do

EM)

Senti diferença nas aulas usando tecnologia, me senti mais estimulado

por ter mudado o ambiente tradicional da sala de aula. Senti dificuldade

em adaptação para esse novo método e gostaria que outras disciplinas

adotassem esse método. (João Victor, 2ªsérie do EM)

As aulas na sala de educação e tecnologia foram mais interessantes

pois minha postura era mais ativa durante as aulas. Uma das

vantagens foi o fato de aprender novas ferramentas que considero

importante para meu futuro. Destaco que as visualizações de exemplos

e fenômenos foram bem melhores. (Lauris, 3ª série do EM)

As experiências de estudo fomentadas com essa prática foram transpostas pelos alunos para

auxiliá-los na compreensão e estudo em outras disciplinas. Sendo assim é possível afirmar que

esse espaço autoral também suscita auto-regulação do estudo redimensionando a relação do

estudante com objeto de ensino. Para alguns alunos, encontrar uma situação escolar “mais

favorável” torna ativo o processo de produção de saberes “Aprender é para eles apropriar-se dos

objetos de saber, ter acesso a um mundo de saber organizado em disciplinas (...); eles exprimem

aprendizados em termos de conteúdos de pensamento descontextualizados, de objetos

pensáveis em si mesmos, sem referência direta a um Eu em situação" (CHARLOT, 1996, P. 59).

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A curiosidade de usar a tecnologia para pesquisar em outras disciplinas

aumentou. (Nicole, 3ª série do EM)

Uso a ferramenta para elaboração de resumos, para qualquer

disciplina, com links de sites, fotos e vídeos. Os resumos podem ser

compartilhados com colegas de turma, onde cada aluno tem a

possibilidade de acrescentar a sua visão sobre o conteúdo. (Lauris, 3ª

série do EM)

Considerações finais

Considerando as afirmações feitas a partir da experiência relatada, nos permite defender o

argumento de que nesse ambiente os movimentos de significação de conceitos da área permitem

a transformação da informação em conhecimento e redimensionam a relação com o saber

disciplinarizado.

O diálogo entre os saberes docentes e escolares são permeados por uma relação pedagógica

tecida no espaço escolar que concede autoria à aprendizagem de professores e alunos.

As proposições feitas no espaço da Educação e Tecnologia oferece a possibilidade de

promover um espaço educativo cujo, o ambiente problematizador torna-se instigante tanto para

os alunos quanto para o professor.

Em nosso trabalho investigamos essa produção de conhecimento disciplinarizado,

observando as relações entre os sujeitos envolvidos no processo de Educação e Tecnologia, os

conteúdos selecionados para o ensino e o modo como, dessa relação, emergem o que

poderíamos configurar como conhecimento escolar, com uma linguagem singular e com a

intencionalidade pedagógica que traz a marca dos espaços escolares. Estudar essa produção

não tem sido uma tarefa fácil, pois os limites não são bem definidos, as ações dos sujeitos não

são necessariamente claras e, aquilo que é efetivamente ensinado ou aprendido nem sempre

são facilmente percebidos. O desafio, portanto, ocorre no cotidiano das relações no espaço

escolar com a tecnologia, com toda a complexidade que este espaço abriga e ainda com toda a

diversidade de demandas que tem atravessado a Educação Básica.

Referências

CHARLOT, B.. Relação com o saber e com a escola entre estudantes de periferia. Cadernos de

Pesquisa. São Paulo, n. 97, 1996

_____________. Da relação com o saber - Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Editora

Artmed, 2000.

GABRIEL, Carmen Teresa. Um Objeto de Ensino Chamado História: a disciplina de História nas

tramas da didatização. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PUC, 2003

________________. O processo de produção dos saberes escolares no âmbito da disciplina História: tensões e perspectivas. In: XIII Reunião do ENDIPE, 2006, Rio de Janeiro. Anais da XIII Reunião do ENDIPE, 2006.

_________________O Processo de produção dos saberes escolares no âmbito da disciplina de

História: tensões e perspectivas. EBR – Educação Básica Revista, vol.3, n.2, 2017.

MORAN, José. Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção Mídias

Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens. Vol.

II Carlos Alberto de Souza e Ofelia Elisa Torres Morales (orgs.). PG: Foca Foto-PROEX/UEPG,

2015.

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RAMOS, Ana Paula Batalha. Projeto político pedagógico como espaço de disputa e negociação de sentidos de saberes escolares: um olhar a partir do campo do currículo. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ. 2006

TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários. Revista Brasileira de Educação, v. 1, n. 13, p. 5-24, 2000. Disponível em:

< http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n13/n13a02.pdf>. Acesso em: agosto 2019

TARDIF, M., LESSARD, C. e LAHAYE, L. Os professores face ao saber. Esboço de uma

problemática do saber docente. Teoria e Educação nº 4, Porto Alegre: Pannônica, 1991