Educacao Superior Brasil 10 Anos

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Educação Superior no Brasil – 10 Anos Pós-LDB

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Organizador-geral e presidente da direção editorial:

 Mariluce Bittar (UCDB)

Comitê Científico:

Afrânio Catani Deise Mancebo (UERJ) João Ferreira de Oliveira (UFG) Maria de Lourdes Fávero (UFRJ/UCP) Maria das Graças Medeiros Tavares (Ufal) Maria do Carmo de Lacerda Peixoto (UFMG) Marilia Morosini (PUC-RS) Mariluce Bittar (UCDB) Valdemar Sguissardi (Unimep)

Auxiliares de Pesquisa:

Carina Elisabeth Maciel de Almeida (UFMS/UCDB)Suzanir Fernanda Maia (UCDB) Valquiria Allis Nantes (UCDB)

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Educação Superior no Brasil –10 Anos Pós-LDB

 Mariluce Bittar João Ferreira de Oliveira

 Marília Morosini(Organizadores)

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)/

Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior

 Brasília-DFInep

2008

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© Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.

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 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

 Educação superior no Brasil - 10 anos pós-LDB / Mariluce Bittar, João Ferreira de Oliveira, Marília Morosini (Organizadores). - Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

 Educacionais Anísio Teixeira, 2008.348 p.: il. – (Coleção Inep 70 anos, v. 2)

ISBN 978-85-86260-86-5

1. Educação superior. 2. Acesso à educação superior. 3. Política nacional da educaçãosuperior. 4. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. I. Bittar, Mariluce. II. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

CDU: 378(81)

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Apresentação ................................................................................................ 9 Mariluce Bittar, João Ferreira de Oliveira, Marília Costa Morosini

 I. DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PÓS-LDB ....................................................................................... 15

1. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB ............................................. 17Carlos Roberto Jamil Cury

2. Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB:da expansão à democratização ........................................................... 39 Dilvo Ristoff 

 II. A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM DEBATE 10 ANOS PÓS-LDB ........... 51

A) Acesso .................................................................................................... 53

3. Reforma da Educação Superior:o debate sobre a igualdade no acesso ............................................... 55 Deise Mancebo

4. Democratização do acesso e inclusão na educação superiorno Brasil .................................................................................................. 71 João Ferreira de Oliveira, Afrânio Mendes Catani, Ana Paula Hey, Mário Luiz Neves de Azevedo

Sumário

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

5. Ensino noturno e expansão do acessodos estudantes-trabalhadores à educação superior ....................... 89

 Mariluce Bittar, Carina Elisabeth Maciel de Almeida, Tereza Christina

 Mertens Aguiar Veloso6. A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:

considerações a partir do caso da UFMG ....................................... 111 Maria do Carmo de Lacerda Peixoto, Mauro Mendes Braga

7. Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:da intenção à realidade ..................................................................... 137Otília Maria Lúcia Barbosa Seiffert, Salomão Mufarej Haje

 B) Organização Acadêmica .................................................................... 163

8. Universidades e centros universitários pós-LDB/96:tendências e questões ....................................................................... 165 Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, Stella Cecília DuarteSegenreich

9. A Universidade Comunitária:forças e fragilidades ........................................................................... 183 Maria Estela Dal Pai Franco, Solange Maria Longhi

C) Formação ............................................................................................. 213

10. As mudanças no mundo do trabalho e a formação

dos profissionais da educação no contexto da LDB:o currículo em questão ................................................................... 215Arlete Camargo, Olgaíses Maués

11. Educação superior pública em Alagoas – 10 anos pós-LDBEN:da predominância da ação profissionalizante ao alargamentodas condições de produção e socialização do conhecimento ... 235 Elcio Gusmão Verçosa, Maria das Graças Medeiros Tavares

 D) Financiamento ................................................................................... 255

12. Financiamento da educação superior no Brasil:

gastos com as Ifes – de Fernando Collora Luiz Inácio Lula da Silva ............................................................. 257 Nelson Cardoso Amaral

 E) Internacionalização ............................................................................ 283

13. Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas ........... 285 Marília Costa Morosini

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 F) Trabalho Docente ............................................................................... 305

14. Universidade, sociedade do conhecimento, educação:

o trabalho docente em questão ..................................................... 307 Maria das Graças Martins da Silva, Tânia Maria Beraldo

G) Reforma ............................................................................................... 327

15. Reforma da educação superior brasileira – de Fernando HenriqueCardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:políticas de expansão, diversificação e privatizaçãoda educação superior brasileira .................................................... 329 Vera Lúcia Jacob Chaves, Rosângela Novaes Lima, Luciene Miranda Medeiros

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 Apresentação Mariluce Bittar

 João Ferreira de Oliveira

 Marília Costa Morosini

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 Este livro resulta da realização do XII Seminário Nacional Universitas/

 BR: Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB e Intercâmbio do

Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior da Associação Nacionalde Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), ocorrido nos dias 29

e 30 de novembro e 1° de dezembro de 2006, na Universidade Católica

 Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande, com o objetivo de discutir, anali-

sar e avaliar o impacto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(Lei nº 9.394/1996) na educação superior, na última década.

A aprovação da LDB, em 1996, constituiu-se em um marco históri-

co importante na educação brasileira, uma vez que esta lei reestruturou a

educação escolar, reformulando os diferentes níveis e modalidades da edu-cação. Além disso, desencadeou um processo de implementação de refor-

mas, políticas e ações educacionais, na gestão do governo Fernando

 Henrique Cardoso (1995-2002), tendo por base as transformações em cur-

so na sociedade contemporânea.

A LDB, aprovada em 1996, revogou a primeira LDB (Lei nº 4.024/

61), bem como a Lei n° 5.540/68, que instituiu a reforma universitária,

que havia implementado alterações significativas no ensino superior

Apresentação

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

brasileiro. Outorgada no regime militar, a Lei nº 5.540/68 tinha como

propósito pautar as universidades brasileiras por parâmetros de efici-

ência, de eficácia e de modernização administrativa, em uma perspec-tiva racionalizadora e gerencialista da vida acadêmica. Entre os efeitos

dessa reforma encontra-se a expansão do ensino superior privado, de

caráter empresarial.

Após os anos de ditadura militar (1964-1984), o Brasil elegeu seu

primeiro Congresso Constituinte e aprovou a nova Constituição, em 1988.

 Esta Constituição, por sua vez, consolida a indissociabilidade entre o ensi-

no, a pesquisa e a extensão (art. 207) e estabeleceu, também, parâmetros

para a elaboração de uma nova LDB.

Somente após oito anos de intenso debate, em um ambiente dereconstrução democrática, a nova LDB foi aprovada (Lei nº 9.394/1996).

 No entanto, em vez de frear o processo expansionista privado e redefinir

os rumos da educação superior, contribuiu para que acontecesse exata-

mente o contrário: ampliou e instituiu um sistema diversificado e diferen-

ciado, por meio, sobretudo, dos mecanismos de acesso, da organização

acadêmica e dos cursos ofertados. Nesse contexto, criou os chamados

cursos seqüenciais e os centros universitários; instituiu a figura das uni-

 versidades especializadas por campo do saber; implantou Centros de Edu-

cação Tecnológica; substituiu o vestibular por processos seletivos; acabou

com os currículos mínimos e flexibilizou os currículos; criou os cursos de

tecnologia e os institutos superiores de educação, entre outras alterações.

 Passados dez anos de sua aprovação, a LDB ainda tem enormes

desafios para vencer, entre os quais se pode destacar: a ampliação do

acesso e da garantia da permanência dos estudantes na educação superi-

or; a desmercantilização da oferta desse nível de ensino; o estabelecimen-

to de mecanismos efetivos de aferição e controle da qualidade; a expan-

são da oferta por meio de instituições públicas. Embora complementadapor diferentes mecanismos legais (leis, decretos, portarias, resoluções, pa-

receres), a LDB deve ser tomada como um marco importante na configu-

ração da educação brasileira.

 Este livro é, assim, o resultado de um trabalho coletivo de reflexão,

consolidado em uma rede acadêmica de pesquisa e de interlocução entre

pares que têm em comum uma área de conhecimento: a educação supe-

rior. Nesse livro, em especial, a rede Universitas/BR e o GT Políticas de

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Apresentação

 Educação Superior da ANPEd desenvolvem reflexões específicas acerca do

acesso, organização acadêmica, formação, financiamento,

internacionalização, trabalho docente e reforma da educação superior,com o propósito de avaliar e refletir sobre o significado político e educaci-

onal desses dez anos de vigência da Carta Magna da educação brasileira.

O leitor encontrará, pois, uma análise crítica e embasada de temáticas

importantes da educação superior que poderão contribuir com as refle-

 xões e pesquisas da área.

Mariluce Bittar 

João Ferreira de Oliveira

Marília Costa Morosini 

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I – DESAFIOS DA EDUCAÇÃOE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

PÓS-LDB

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1Educação no Brasil:

10 anos pós-LDBCarlos Roberto Jamil Cury*

* Doutor em Educação e professor adjunto da PUC-MG; e-mail : [email protected]

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Introdução

Aos 20 de dezembro de 1996, o presidente Fernando Henrique

Cardoso sancionava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN), denominada oficialmente Lei Darcy Ribeiro, sob o nº 9.394/96.1

Assinou com o presidente, o ministro da Educação Paulo Renato Souza.2

O Diário Oficial da União  a fez publicar em 23 de dezembro de 1996.

 Estamos, pois, perto de dez anos dessa LDB.

 Dez é um numeral cardinal redondo, tradicionalmente tornado um

número de referência para uma avaliação ou base de comemorações. E é

também um número que, na escola tradicional, remetia a uma nota máxi-ma para provas e resultados gerais.

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

1 A sanção presidencial representa a adesão do chefe do Executivo ao projeto já aprovado pela Câmara e pelo Senado. Amanifestação presidencial pela sanção positiva ou pela sanção negativa (veto) significa uma forma co-participada entre osdois poderes no processo legislativo. Nesse sentido, a sanção ratifica a lei fazendo-a entrar em vigor. Trata-se de umatradição no direito nacional e sua origem tem a ver com a passagem das monarquias absolutas para as monarquiasconstitucionais (cf. art. 66 da Constituição Federal, 1988; Carvalho Neto, 1992; Silva, 1964).2 De acordo, com o art. 87 da Constituição Federal, os ministros referendam atos presidenciais no âmbito de sua área.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Trata-se aqui de evocar não só conhecimentos relativos ao decê-

nio, mas também reconhecer, a partir desse texto legal, alguns dos cami-

nhos trilhados pela educação escolar brasileira. Longo e polêmico foi o processo de tramitação legal dos projetos

de LDBEN tanto no âmbito da sociedade civil, quanto no do Legislativo e

 Executivo para que se chegasse a termo o mandado constitucional do art.

22, XXIV. Muitas foram as vicissitudes sofridas pelos diferentes textos que

foram sendo escritos desde o início do processo legislativo por meio de

muitas e variadas emendas aos projetos. Isso evidencia, de novo, como

tem sido tradicional no Brasil, difícil e propriamente contencioso quando

o assunto é um marco regulatório da educação escolar.

 Muitas foram também as avaliações relativas ao texto final da leicom copiosa bibliografia a respeito (cf. Cury, 1997, 2006; Demo, 1997;

 Frauches, 2000; Catani, Oliveira, 2000, Brzezinski, 2000, entre outros).

Ao lado dessa literatura, seria importante analisar a atuação de

sujeitos coletivos, impossível no espaço desse esboço, como a do Conselho

dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), o da União dos Dirigen-

tes Municipais de Educação (Undime), o do Fórum dos Conselhos Estadu-

ais de Educação e a da União dos Conselhos Municipais de Educação não

só no processo de elaboração como também na efetivação da lei. Muitos

outros sujeitos também se puseram a campo a fim de discutir os projetose sugerir alternativas como é o caso de ocupantes de cargos no aparelho

de Estado, associações profissionais de docentes, associações científicas,

organizações não-governamentais e pessoas estratégicas.3

E houve um antes da contagem do decênio

O capítulo da educação na Constituição Federal de 1988 represen-

tou um significativo avanço para a área (cf. Maliska, 2001; Cury, 1989;

Cury, 1991, Farenzena, 2006). Por outro lado, como uma nova LDB era

mandato constitucional a ser efetivado, havia uma coexistência entre o

avanço propiciado pela Constituição e o texto da Lei nº 4.024/61 com a

redação dada pela Lei nº 7.044/82 e da Lei nº 5.540/68.

3 Entrevistas com atores privilegiados, nesse processo, ainda estão por ser feitas .

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Também há de assinalar a Lei nº 9.131/95, a Lei nº 9.192/95 e, de

modo especial, para a educação básica, a Lei nº 8.069/90, mais conhecida

como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A primeira (re)cria oConselho Nacional de Educação com suas atribuições e estabelece um siste-

ma nacional de avaliação da educação (cf. Belloni, 2003). A outra estabelece

procedimentos para eleições de dirigentes no sistema federal de educação. O

 ECA, enfim, contém uma retomada do capítulo de educação da Constitui-

ção Federal de 1988 nos princípios e em aspectos pedagógicos importantes

não explicitamente postos na LDBEN que viria a ser a Lei nº 9.394/96.

 Havia, pois, ante o capítulo constitucional da educação, uma coe-

 xistência formada por concepções, ao mesmo tempo distintas e conver-

gentes ou divergentes, resultando ora em recepções juridicamente válidas,ora em um hibridismo, ora em “buracos negros" e mesmo em revogações.

 De todo modo, havia uma coexistência entre o “novo e o velho" sugerindo

dificuldades de hermenêutica quanto a vários pontos na busca de uma

continuidade jurídica viável.

Tal é o caso da nomenclatura da organização da educação, como

ensino fundamental e médio versus ensino de 1º grau e de 2º grau; tam-

bém se apresentam questões relativas aos princípios da gratuidade, da

gestão democrática e do padrão de qualidade entre outros. Há que se

assinalar a imposição constitucional de novos deveres ao Estado como são

os casos da educação infantil, do direito público subjetivo e dos conteú-

dos curriculares mínimos (em vez de currículo mínimo) e do regime de

colaboração. Outros pontos importantes referem-se ao estatuto do siste-

ma privado, ao acolhimento de novidades como a distinção entre língua

oficial e língua materna no ensino, aos novos percentuais de vinculação e

ao acolhimento do sistema municipal de educação autônomo.

Sobre essas congruências e incongruências, Bobbio (1994, p. 177)

sustenta:

O fato de o novo ordenamento ser constituído em parte por normas do velho não ofende em nada o seu caráter de novidade: as normas comunsao velho e ao novo ordenamento pertencem apenas materialmente ao pri-meiro; formalmente, são todas normas do novo, no sentido de que elas são

 válidas não mais com base na norma fundamental do velho ordenamento,mas com base na norma fundamental do novo. Nesse sentido falamos derecepção, e não pura e simplesmente de permanência do velho no novo. Arecepção é um ato jurídico com o qual um ordenamento acolhe e tornasuas as normas de outro ordenamento, onde tais normas permanecemmaterialmente iguais, mas não são mais as mesmas com respeito à forma.

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Nessa situação, havia que fazer convergir “matéria e forma" em

razão do e em adequação ao novo ordenamento trazido pela Lei Maior.

Isso tudo, de um lado, criava a expectativa com relação a uma nova LDB e, de outro lado, por força do art. 25 do Ato das Disposições Consti-

tucionais Transitórias (ADCT), a partir de 180 dias da promulgação da

Constituição Federal de 1988, ficavam revogados “todos os dispositivos

legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competên-

cia assinalada na Constituição" (cf. Decreto nº 1.734/95).

Analisando esse artigo, diz Ranieri (2000, p. 163):

[...] o artigo 48, caput, da Constituição Federal determina que cabe aoCongresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União;e a Lei nº 4.024/61 atribuía, efetivamente, competências normativas aoCFE (artigo 9º). Não tendo sido tal prazo prorrogado por lei, nem editadanova lei específica atribuindo aquelas competências, o CFE até a sua extinção,provocada pela Lei nº 9.131/95, atuou sem competência legal, o que, arigor, implica a nulidade dos atos normativos praticados no período.

A chegada da Lei nº 4.024/61 com a redação dada pela Lei nº

9.131/95 formaliza o Conselho Nacional de Educação (CNE), dada a extinção

do Conselho Federal de Educação (cf. Medida Provisória nº 661 de 18/10/

1994 e seguintes até a MP nº 1.126 convertida na Lei nº 9.131/95), e

regulamenta a avaliação da educação escolar, em especial a da educaçãosuperior. Com isso, havia um órgão legal para interpretar as leis educacio-

nais e propiciar a continuidade da ordem jurídica e capaz de arbitrar o

andamento dos sistemas de educação.4

Ao mesmo tempo, estava em curso o processo de elaboração da

nova LDB, exigência constitucional, conducente à solução do caráter hí-

brido então existente, à conformação de coerência à Constituição da Re-

pública de 1988. E, nesse processo, projetos distintos disputavam a

hegemonia na explicitação de princípios gerais postos na Constituição.

Os projetos existentes disputaram acirradamente o campo parla-

mentar, sendo o projeto provindo da Câmara bem mais analítico e o outro,

originado no Senado, bastante sintético.5  O termômetro capaz de medir a

temperatura de ambos era dado pelo maior ou menor “calor" da intervenção

4 Menos do que antecipar a LDB, essa Lei foi uma espécie de lei-ponte do tipo regulamentação prévia dentro de umaprevisibilidade de que o projeto sintético seria aprovado.5 Além dos projetos do Legislativo, havia propostas advindas do CFE e de outros fóruns profissionais ou associativos.

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do Estado na educação escolar, seja na administração pública, seja no seg-

mento privado. E esse termômetro passou a subir quando o governo eleito

em 1994 e empossado em 1995 não só fez clara opção pelo projeto sintéti-co, como aderiu à vaga conservadora que perpassou vários regimes latino-

americanos.

Apesar dessa vaga governamental conservadora poder propor leis

regulamentadoras que contivessem dispositivos de igual natureza, há que

se assinalar o papel “amortecedor" de vários artigos da Constituição de

1988 cujo teor mais permanente tornou menor, no âmbito da educação

escolar, o impacto das políticas restritivas aos direitos sociais e de outras

tendentes à saída do Estado de atividades econômicas.

Uma redação final apressada

A redação final da LDB, após oito anos de tramitação parlamentar,

teve uma solução com sua aprovação no Congresso por grande maioria e

sua sanção na Lei nº 9.394/96 tornando-se, de fato e de obrigação legal,

um campo obrigatório de referência educacional.

A opção pelo projeto sintético, ainda que jungido de aspectos pro-

 vindos do projeto analítico, deu-se também dentro de uma educação es-

colar nacional complexa (para efeito de sua administração, gestão, finan-

ciamento e controle).6 Imprecisões terminológicas reforçaram a necessida-

de de uma hermenêutica que viabilizasse o novo texto legal.7

 Essas dificuldades associadas à inevitável postulação de grupos in-

teressados em alterar aspectos específicos da lei, conduziram, nesses dez

anos, às seguintes mudanças no corpo legal da lei então sancionada:

1. Alterações legais: Lei nº 9.495/97: art. 33 Lei nº 10.328/01: art. 26, § 3º

 Lei nº 10.639/03: art. 26-A, §§ 1º e 2º; art. 79 B

 Lei nº 10.709/03: art. 10, VII e art. 11, VI

6 A referência aqui é à complexidade não só de um país continental e diverso, como também dos delineamentos do pactofederativo.7 Atribuem-se tais imprecisões ao afã de prestigiar em vida o antropólogo Darcy Ribeiro, autor do projeto do Senado.

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Lei nº 10.793/03: art. 26, § 3º, I, II, III, IV, V

 Lei nº 11.114/05: art. 6º

 Lei nº 11.183/05: art. 19, II Lei8 nº 11.274/06: art. 32; art. 87, § 2º, § 3º, I

 Lei nº 11.301/06: art. 67, §§ 1º e 2º

 Lei nº 11.330/06: art. 87, § 3º

 Lei nº 11.331/06: art. 44, § único

 Desse modo, no interior dessas 11 leis habitam 24 alterações inclu-

sive com alterações das alterações como o § 3º na Lei nº 10.328/01, o art.

32 na Lei nº 11.114/05 e o inciso I, letras a, b, c na Lei nº 11.114/05.9

 Exceto a alteração ocorrida no art. 44 (referente ao ensino superior)pela Lei nº 11.331, as outras 23 alterações pertencem ao campo da educa-

ção básica.10

2. Acréscimos legais: Lei nº 10.287/01: art. 12, VIII

 Esse acréscimo se refere também à educação básica.

3. Regulamentação por lei: Lei nº 9.536/97: art. 49

 Refere-se ao ensino superior (transferência ex-officio )

4. Regulamentações por decretos:

 Decreto nº 2.207/97: arts. 19, 20, 45, 46 e § 1º, 52, parágrafo

único, 54 e 88

 Decreto nº 2.208/97: art. 36, § 2º, arts. 39 a 42

 Decreto nº 2.306/97: arts. 16, 19, 20, 45, 46, § 1º, 52 § único,

54 e 88

 Decreto nº 2.494/98: art. 80

 Decreto nº 3.276/99: arts. 61 a 6311

 Decreto nº 3.860/01: Título V, Capítulo IV

 Decreto nº 5.154/04: § 2º, art. 36, arts. 39 a 41

8 Esta lei estatui o ensino obrigatório de nove anos iniciando-se aos 6 anos e prolongando-se até aos 14 anos.9 Note-se que são alterações provindas de leis específicas com força inovadora em relação à ordem jurídica. Ainda não se fezum estudo detalhado de quem são os atores manifestos e não-manifestos dessas alterações legais.10 É de se notar que, ao caráter impreciso de certos termos, se deve adicionar a natureza estrutural flexível no corpo da lei.11 Este Decreto foi retificado dias após.

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 Decreto nº 5.622/05: art. 80

 Decreto nº 5.773/06: art. 9º, incisos VI, VIII e IX, e 46.

 Decreto nº 5.786/06: art. 45

São dez decretos dos quais ao menos cinco são referentes ao ensi-

no superior, um decreto relativo à educação profissional é substituído por

outro, bem como houve substituição no decreto concernente à educação

a distância.12

Tal quantidade de alterações, praticamente 24% do texto, con-

quanto possível, em qualquer lei, é indicativo de que algo poderia ter sido

mais bem redigido na versão original.13

Além disso, há que se assinalar outras leis concorrentes e complemen-

tares à própria educação escolar derivadas ou não de emenda constitucional.

 Em virtude da emenda nº 14/96, foram modificados artigos im-

portantes do capítulo da educação da Constituição Federal, no caso,

os arts. 34, 208, 211, 212. Foi também alterado, por 10 anos, o art. 60

do ADCT, artigo importante do financiamento. Esse artigo faz, com a

 LDB, 10 anos de funcionamento e terá, pois, seu prazo de validade

esgotado.

 Do conjunto dessa emenda procedeu a Lei nº 9.424/96 sancio-nada a 24 de dezembro de 1996, publicada no Diário Oficial  de 26/12/

1996, mais conhecida como a Lei do Fundo de Manutenção e Desen-

 volvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

(Fundef). Essa lei nasceu de um projeto do Executivo: PL nº 2.380 (cf.

Oliveira, 2000).

A lei do Fundef, para efeito de políticas educacionais do ensino

fundamental, em matéria de financiamento, tem um impacto tão grande

ou maior do que a própria LDB. Afinal, ela tange ao mesmo tempo o pactofederativo e o sistema de financiamento do ensino obrigatório seja pela

subvinculação, seja pelo controle dos recursos.

12 Os decretos visam apenas regulamentar o fiel cumprimento  das leis quando essas não são auto-executáveis preenchendoeventuais lacunas ou explicitando aspectos da aplicação da lei.13 Esse volume de alterações parece indicar um processo contínuo, quase que permanente, de atividade propriamentelegiferante de educação devido ao próprio caráter sintético da LDBEN aprovada. Isso obriga os executivos, em rotatividadepolítica, a alterar o ordenamento legal para poder levar adiante programas de governo (cf. Couto, 1997).

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Já em respeito ao art. 214 da Constituição, tem-se a Lei nº 10.172/

01, mais conhecida como Plano Nacional de Educação (PNE). Sua

tramitação revela a reedição entre dois projetos: o do Executivo, maissintético e menos abrangente, e o da sociedade civil, mais analítico e

mais abrangente. A lei aprovada e sancionada, a rigor uma expressão

continuada da LDBEN em matéria de metas e objetivos, apresenta um

realismo no diagnóstico da educação nacional e tem sua eficácia depen-

dente, em maior parte, do financiamento. Contudo, esse último sofreu

 vetos presidenciais em todos os itens relativos ao financiamento. Não há

dúvida que tal mutilação significou uma perda substantiva quanto ao

caráter obrigatório do Plano podendo-se dizer que ele, praticamente, se

tornou um Plano declaratório. Pode-se citar também, como paralelas e concorrentes à LDBEN, as

leis nº 10.436/02 (língua de libras) e nº 11.161/05 (língua espanhola).

 Relativamente ao ensino superior, temos o Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior, Lei nº 10.861/04 (Lei do Sinaes) que

redefine artigos da Lei nº 9.131/95 e tem o seu complemento na Portaria

 MEC nº 2.051/04 regulamentando a figura do Conselho Nacional da Ava-

liação da Educação Superior (Conaes). A Lei nº 11.096/2005 do Programa

 Universidade para Todos (ProUni) e suas respectivas regulamentações, por

portaria ou decreto, também representam uma alteração significativa nas

relações público/privado. A Portaria MEC nº 2.051/04 regulamenta a lei do

Sinaes e o Decreto nº 5.245/04 regulamenta o ProUni. Não se pode esque-

cer a existência de um projeto de lei relativo a ações afirmativas e de outro

projeto – em parte antecipado pelo Decreto nº 5.773/06 –, que traduzem

ampla reorganização do ensino superior especialmente quanto à regula-

mentação e avaliação dessa etapa de ensino.

 Paralelamente, um esforço para criar um marco regulatório no âmbito

da inovação tecnológica, por meio de incentivos relativos ao ambienteprodutivo, foi a aprovação da Lei nº 10.973/04.14

Tangente à pós-graduação, deve-se destacar a existência do Plano

 Nacional de Pós-Graduação: 2005-2010.

14 Em 15/10/06, o Executivo encaminhou ao Congresso projeto de lei que altera e promove a lei de incentivos fiscais, leinº 11.196/05, beneficiando as pessoas jurídicas que aplicarem em pesquisas científicas e tecnológicas de acordo com a

 Lei nº 10 .973/04.

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 A atividade normativa

A esses constrangimentos legais deve-se apontar a existência demúltiplas Portarias15  do Ministério e, sobretudo, a atuação normativa do

Conselho Nacional de Educação, órgão público criado por lei, por meio de

pareceres e resoluções.

A atuação normativa desse Conselho, órgão colegiado por lei, si-

tua-se no âmbito da interpretação da legislação sabendo não ser um

legislativo no sentido próprio do termo. Isto é: um conselheiro não é de-

putado, senador ou vereador que têm delegação popular para inovar a

ordem jurídica. Ele também não dispõe de autoridade para decretos ou

medidas provisórias. A capacidade legal atribuída de normatizar ou disci-plinar assuntos infraconstitucionais da educação escolar não pode e nem

deve significar iniciativas pontuais incertas quanto à jurisdicidade consti-

tucional ou legal desses mesmos assuntos. Nesse sentido, importa não

confundir o uso interpretativo, legal e legítimo da lei com o abuso de

poder legal.

 Um parecer e uma resolução, como atos administrativos, emanados

de um órgão colegiado normativo criado por lei, ligado à administração

pública, de acordo com o art. 1º da Lei nº 9.131/95, ligam-se às atribui-

ções normativas, deliberativas e de assessoramento ao ministro de Estado 

da Educação , do Conselho, dentro do assunto ou matéria de sua compe-

tência, respeitada a hierarquia das leis.

Conseqüentes a tais atribuições, as Câmaras do CNE e seu Conselho

 Pleno buscaram exercê-las. A Câmara de Educação Básica (CEB) exarou,

em 10 anos, 327 pareceres e 26 resoluções; a Câmara de Educação Supe-

rior (CES) emitiu 7.357 pareceres16  e 69 resoluções e o Conselho Pleno

(CP) aprovou 372 pareceres e 11 resoluções.17

 Muitos desses pareceres foram esclarecedores de situações duvido-sas, mas alguns foram rigorosamente interpretativos no sentido de

explicitação específica do caráter genérico da lei. É o caso das Diretrizes

15 Portarias são expedidas por escalões abaixo do chefe do Executivo para efeito de decisões de efeito interno relativas aobom andamento funcional de processos administrativos.16 Deve-se observar que a maior parte desses pareceres refere-se a processos de autorização e de credenciamento.17 Esses dados foram retirados da página oficial do CNE no Portal MEC www.mec.gov.br.

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Nacionais Curriculares que cobriram toda a educação básica, bem como o

das Diretrizes do Plano de Carreira do Magistério do Ensino Público –

ensino fundamental. Mais ainda: devem-se consultar as DiretrizesCurriculares Nacionais das áreas de conhecimento do ensino superior. Tais

diretrizes, em que pese a necessidade de sua constante avaliação periódi-

ca, viabilizaram a LDB por serem um marco regulatório da educação naci-

onal, especialmente quando os currículos mínimos deixaram de ser esta-

belecidos pela União.18

 Não é fácil atravessar esse denso e emaranhado caminho de tantos

diplomas legais ordenadores da educação escolar como também não se pode

ser simplista na avaliação dessa atuação. E há que se considerar a ação

similar dos Conselhos Estaduais, Municipais que estão desenhando aspectosde um padrão federativo da educação nacional ainda pouco conhecido.

Um pequeno balanço

O que se pode dizer, preliminarmente, é que a Lei nº 9.394/96

enquanto lei nacional teve um impacto tanto na educação superior quan-

to na educação básica. Repare-se que o art. 92 já revogava expressamente

as leis de educação anteriores.19  Mas como lei específica, o maior impacto

deu-se na educação superior cuja expansão, mercê da flexibilidade posta

na lei, foi espetacular. Já as alterações fundantes da educação básica fo-

ram prefiguradas na Constituição e, em certa medida, antecipadas pelo

 ECA. Além da regulamentação nacional, a lei deveria ser aclimatada pelos

sistemas de ensino.

 No caso da educação básica, a CF/1988 criava os sistemas de ensino

por colaboração recíproca, a gestão democrática, a gratuidade em todo o

ensino público, o financiamento vinculado, o direito público subjetivo, o en-sino obrigatório, a autonomia dos sistemas e o Plano Nacional de Educação.

A LDBEN fará a importante distinção entre educação e educação

escolar. A primeira expressando-se por uma grande abertura para processos

18 Sobre a tensão entre Diretrizes Curriculares e Parâmetros Curriculares, cf. Parecer CNE/CEB nº 03/97.19 Restaram preservados poucos artigos da Lei nº 4.024/61 e da Lei nº 5.540/68.

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formativos, sobretudo extra-escolares e gozando de alto grau de liberdade.

 Já a segunda é propriamente a educação escolar e que é disciplinada pelo

próprio emergir da LDB. Isso pode ser verificado logo no artigo 1º da LDB eseus respectivos parágrafos. O acolhimento dessa distinção permite que haja,

na educação escolar, a valorização seletiva de dimensões educativas trazidas

por processos educativos mais amplos do que a escola.

 Por sua vez, a LDB, na condição de lei específica da educação

escolar e dentro dela o ensino, terá grande impacto na relação com os

estabelecimentos, seja pela abertura propiciada pelas Diretrizes Curriculares

 Nacionais via Lei nº 9.131/95 associada à flexibilidade da Lei nº 9.394/96,

seja pela liberdade na organização pedagógica dos estabelecimentos,20

com o acolhimento dos projetos pedagógicos, com a extensão de diasletivos de 180 para 200 dias, com a determinação da hora como direito do

aluno e com o enfoque no direito do aluno a ter uma aprendizagem com

padrão de qualidade e, mais recentemente, com o ensino obrigatório de

nove anos.

Outro momento significativo da LDB é o do acolhimento do con-

ceito de educação básica como seqüenciação articulada das etapas da

educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio como direito

da cidadania.

Se o princípio da instauração da educação pública repousa no

direito de todo aluno em ter uma aprendizagem qualificada, então a

educação pública tem suas matrizes no princípio da igualdade, do ensi-

no comum e da busca de uma qualidade contemporânea às urgências do

conhecimento.

 Já o direito relativo à iniciativa privada oferecer educação escolar

se apóia na liberdade de ensino, garantida a presença legal do Estado

nessa matéria. E o princípio de liberdade de ensinar algo diferente, expres-

so no ato autorizativo, é garantido uma vez que estejam presentes oselementos comuns da organização da educação nacional e desde que esse

diferencial seja conseqüente com os princípios de uma sociedade demo-

crática e plural.

20 Uma parte dos sistemas públicos adotou o regime de ciclos, enquanto as redes privadas dos sistemas preferiram continu-ar com a seriação (cf. Negreiros, 2004).

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

As alterações na lei, relativas à educação escolar e anteriormente

sinalizadas, devem ser contextualizadas, analisadas caso a caso e avalia-

das pelo grau de aproximação com os critérios clássicos do acesso, perma-nência e qualidade.

Além disso, há que se verificar o impacto dessas leis nos sistemas de

ensino que, por lei, são responsáveis pela oferta do conjunto das etapas da

educação básica.

E chega o Fundef 

 Dado o padrão federativo da República e o regime de autonomiados entes federativos, o impacto maior sobre a educação básica advirá da

 Emenda Constitucional nº 14/96 e da Lei nº 9.424/96 (lei do Fundef).

O Fundef representa a chegada (polêmica) de uma longa trajetória

na busca de uma vinculação financeira para a educação obrigatória no

regime federativo republicano cujo disciplinamento em matéria de

destinação sempre esteve na pauta de educadores. A figura de um Plano

 Nacional de Educação, já em 1934, e o custo-aluno-ano posto no salário-

educação representam iniciativas de expansão planejada das etapas do

ensino e o apoio de recursos a serem bem administrados.

 Esse custo e essa expansão se cruzam com a demanda histórica dos

entes federativos pela complementação financeira da União para com os

ônus do ensino obrigatório. Tal demanda se refere à efetivação

implementadora de fundos para a educação. Pode-se afirmar que tal de-

manda é nítida no regime da Constituição de 1934 e vai tomando figura

no regime estadonovista, desde a Conferência Nacional de Educação de

1941 até a redemocratização em 1946.21

Os cálculos do custo do então ensino primário explicitam-se em sualigação com os estudos relativos à figura do salário-educação. O então Insti-

tuto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) foi acionado para realizar estu-

dos com esse fim, nos quais foi ativa a participação do professor Carlos Pasquale.

21 Se no salário-educação deve-se destacar a figura de Carlos Pasquale, no caso da efetivação dos fundos deve-se afirmara presença de Teixeira de Freitas. Para a biografia de ambos, ver Fávero e Britto, 2002.

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Anísio Teixeira, em seu clássico Educação é Direito , é o ponto de

encontro desses dois projetos com vistas a um financiamento sólido do

ensino fundamental (cf. Amaral, 2001),22

síntese que terá seu ápice em1994 com a Conferência Nacional de Educação (cf. Vieira, 2000).

O governo Fernando Henrique Cardoso tomará os projetos nasci-

dos dessa Conferência e dar-lhes-á um rumo peculiar em conjunto com

sua política descentralizante. Não fora a grave omissão desse mesmo

governo em cumprir a equação aritmética por ele mesmo defendida na

 Lei nº 9.424/96 para o valor do custo-aluno-ano e o Fundef, mesmo

remodelado conservadoramente, poderia ter tido uma efetivação muito

mais conseqüente.23

 Essa efetivação se deu pela clara subvinculação de impostos para o

ensino fundamental; pelo disciplinamento dos recursos mediante meca-

nismos de financiamento significando uma minirreforma tributária; pela

maior clareza quanto às responsabilidades dos governos na oferta desse

ensino e pela constituição de conselhos de controle social e financeiro dos

recursos.24

Apesar da efetivação, incompleta, lacunosa por conta da escan-

dalosa omissão do poder público da União em trazer sua parte na cons-

tituição do Fundo, ainda assim essa focalização propiciou uma menordistância entre regiões do País em matéria de dispêndio com essa etapa

da educação básica e auxiliou na universalização do acesso ao ensino

fundamental.

 Mas não se pode deixar de apontar que, dentro do conceito de

educação básica, a focalização no ensino obrigatório deixou em segundo

plano políticas consistentes de expansão da educação infantil, de ensino

médio e respectivas modalidades. Essa lacuna, na etapa inicial e final da

educação básica é uma das razões que condicionam um mau desempenhodo conjunto dos estudantes do ensino fundamental.

22 Esse artigo explora as similitudes e diferenças entre os dois "Fundefs".23 Calcula-se em mais de R$ 12 bilhões o passivo deixado pelo governo FHC no âmbito do Fundef em que pese as sucessivascobranças do Tribunal de Contas da União (TCU).24 Para uma análise do Fundef do ponto de vista da descentralização sem a consideração da omissão da União (cf. Oliveirae Rezende, 2003).

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Outros pontos

 Digna de nota é a articulação entre o ensino médio e a educaçãoprofissional.

 De um lado, há que se apontar o avanço quanto à concepção do

ensino médio posta na LDBEN, integrando-o à educação básica e qualifi-

cando-o como momento formativo e conclusivo. De outro lado, não se

deixar de considerar que a educação profissional representa um momento

de manifestação do caráter classista da sociedade capitalista e que sua

efetivação carrega o ônus de ser, ao mesmo tempo e em proporções dis-

tintas, imposição e escolha.

A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio quetoda e qualquer educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho

(cf. art. 205). Esse princípio é retomado pelo art. 2º da LDB, após o reco-

nhecimento da importância da vinculação entre mundo escolar e mundo

do trabalho. Assim, a educação profissional, modalidade escolar estratégi-

ca do esforço da nação em prol de uma igualdade de acesso aos múltiplos

bens sociais, participa desse princípio e sob esta luz deve ser considerada.

Apesar do peso que a acomete, a educação profissional, longe de redu-

zir-se a uma rede paralela e secundarizada dentro de um sistema dualista,

pressupõe a educação básica para todos e dentro dessa, em especial, o seu

nível obrigatório: o ensino fundamental. E para sua realização em nível mé-

dio, completada com o respectivo diploma, exige-se, obrigatoriamente, o seu

correspondente formativo: o certificado do ensino médio da educação básica.

 Por isso mesmo, a Lei nº 9394/96, em seu parágrafo único do art.

39 abre a possibilidade de acesso à educação profissional a todo o cidadão

e, reforçando dimensões passadas duramente conquistadas, faculta o en-

sino superior a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equi- valente (art. 44, II).

 Já o Decreto nº 2208/97, em seu art. 3º, II, expressando a urgência

contemporânea do ensino médio na formação de todos, determinou que o

nível técnico da educação profissional, a rigor um nível médio, seja

concomitante ou conseqüente ao ensino médio geral. Entretanto, ao arre-

pio da própria LDB no art. 36, § 2º, o Decreto, em seu art. 5º, interditava

uma forma integrada entre ambas as organizações curriculares.

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Ora, o caminho da correlação entre educação profissional e demo-

cracia supõe a possibilidade de uma escolha por parte dos indivíduos de

tal modo que o acesso a essa modalidade de oferta educacional não sejacalcada em fatores sociodiscriminatórios. Por outro lado, tais fatores im-

põem ao indivíduo uma heteronomia advinda de mecanismos sociais que

o impede de se construir como sujeito e se reconhecer como livre para

uma opção autônoma, ainda que sempre relativa e, portanto, arriscada e

incerta. O direito de cada um construir-se como sujeito significa não só

opções diferenciadas em torno de valores e vias profissionais, mas também

a crescente estima de si em sua personalidade.

 Ponderando essa realidade e a clara infringência à LDBEN, a lei

retomou seu curso com a substituição do Decreto nº 2.208/97 pelo Decre-to nº 5.154/04 que restabelece a correlação integrada entre o ensino mé-

dio e a educação profissional.25

Antecipando ao Decreto, afirma Cunha (2001, p. 99):

 Dentre as mudanças ocorridas na educação brasileira nos anos 90, verifica-se a inflexão da tendência que se definia desde os anos 40: a progressivafusão entre a educação geral - propedêutica e a educação técnico-profissi-onal cedeu lugar a uma tentativa de cisão entre elas... atenuada pela exi-gência de que o curso técnico somente poderá outorgar certificados paraos alunos que tenham também concluído o ensino médio...

O Decreto nº 5.154/04, além de reabrir a possibilidade de a União

investir na abertura de Escolas Técnicas, caminhou o sentido de uma pro-

gressiva fusão  entre a função formativa e a propedêutica garantida a fun-

ção profissionalizante.

Outro ponto a ser destacado na LDB é a maior consciência e presença

do direito à diferença. A LDB, apoiada na Constituição, passou a reconhecer,

afirmaria Bobbio (1992) “direitos de especificação" tais como os relativos às

fases da vida, estado normal e excepcional, populações indígenas e negrasentre outros (cf. Parecer CNE/CEB nº 03; Res. CNE/CEB nº 01/04; Cury, 2005).

 Nessa matéria, houve significativa normatização desses assuntos

no Conselho Nacional de Educação como é o caso, por exemplo, das

25 De certa forma o Parecer CNE/CEB nº16/99 avizinhava-se da lei de modo cauteloso e tateante. Para uma análise críticado último decreto, ver Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005.

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

pessoas com necessidades educacionais especiais, das comunidades in-

dígenas e da educação de jovens e de adultos. Pode-se dizer também

que as políticas de focalização ganharam certa continuidade positivadentro de alguns programas governamentais federais.26

O que resta a fazer 

 Nesses dez anos, o acesso ao ensino fundamental chegou a pouco

mais de 97% de crianças na faixa etária obrigatória. Resta enfrentar os

desafios da permanência no ensino fundamental, ampliar o acesso na

educação infantil e no ensino médio e garantir uma via para a tão neces-sitada qualidade para todas essas etapas.

 Nesse sentido, vale afirmar que a efetivação do atual Plano Nacio-

nal de Educação (PNE) em suas metas e objetivos já seria um monumental

avanço.

 Por outro lado, está em tramitação na Câmara dos Deputados, em

fase conclusiva, a emenda constitucional (Câmara/PEC original nº 536-E/

97 e agora PEC nº 09/06) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

 Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).27

Caso aprovada essa emenda e caso aprovada a lei de regulamentação da

mesma, pode-se esperar uma mudança na composição e distribuição dos

recursos em educação. Abrem-se as portas para maior atendimento do

ensino médio, da educação infantil e da educação de jovens e adultos

(EJA) dado o maior percentual subvinculado e um aporte de

complementação “carimbado" pela União. Mesmo assim restará o que

fazer com os vetos apostos pelo governo anterior ao Plano Nacional de

 Educação (cf. CF/88 art. 57, parágrafo 3º, V, art. 66 e art. 84, V).

Ainda que o Fundeb, como o Fundef, preveja 60% de cada seg-mento do Fundo para o pagamento do magistério, resta a ansiada valori-

zação do magistério seja na sua remuneração por meio de um salário

26 Atualmente, segundo o Relatório do FNDE de 2005, esse órgão executa ou apóia 14 programas e uma operação especial. Deles decorrem 75 diferentes ações.27 No momento de fechamento deste artigo, ainda faltava uma votação na Câmara dos Deputados para então subir àsanção presidencial.

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profissional nacional mínimo, seja na sua formação continuada, seja na

obrigação de as instituições de ensino superior oferecerem uma sólida

formação inicial.Os indicadores da situação socioeconômica-cultural dos docentes

(cf. Codo, 1999; Unesco, 2004; Vieira, 2003) exigem políticas que garan-

tam possibilidades de educação continuada, aperfeiçoamento profissio-

nal, valorização salarial e, conseqüentemente, maior auto-estima e maior

índice de compromisso profissional. São medidas cruciais, caso se queira,

de fato, a qualidade da educação escolar como resultante do acesso e da

permanência dos estudantes.

 De qualquer modo, o papel da União no apoio seguro aos ônus repre-

sentados pelo investimento na educação básica, continua crucial para os es-forços em prol da democratização universalizada da educação escolar.28

O empenho até agora realizado, apesar de alguns avanços alcança-

dos, ainda não foi suficiente para cumprir os dispositivos constitucionais e

legais de nosso ordenamento jurídico. A realidade educacional continua

apresentando um quadro severo muito aquém dos benefícios que a edu-

cação desencadeia para o conjunto social e encontra-se longe das pro-

messas democráticas que ela encerra.

 Estamos diante de um desafio instaurador de um processo que

amplia a democracia e educa para a cidadania, rejuvenesce a sociedade e

irriga a economia e da necessidade de uma saída urgente para uma educa-

ção de qualidade. Uma saída que obedeça aos ditames da razão que a

educação inaugura. O Estado que não assume essa via decreta sua perdi-

ção. A sociedade que não busca essa saída aceita a autoridade da submis-

são e refuga o caminho da autonomia.

 Para sair de uma condição que nos constrange, em vários aspectos, a

um confinamento educacional próprio do século XIX, é preciso que a socie-

dade e o Estado pactuem um novo esforço em prol da educação sem o qualnão ultrapassaremos os limites dos avanços até agora celebrados. O futuro

não espera! Só uma política de Estado que presentifique o potencial da

28 Em 15/10/06 o Executivo encaminhou projeto de lei que altera o art. 62 da LDB pondo sob o regime de colaboração  apromoção da formação inicial, continuada e capacitação dos profissionais do magistério usando os recursos da EAD. Talformação, de acordo com outro projeto de lei, deverá contar com o apoio da Fundação Capes, especialmente por meio dosrecursos e tecnologias de educação a distância.

 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB

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educação será capaz de superar as contradições e as barreiras que impedem

a construção de uma democracia mais ampla.

Se quisermos associar democracia e modernidade, ou o país comoum todo toma a decisão inadiável e necessária de priorizar a educação

básica como tarefa inadiável ou perderemos, todos, a velocidade da história.

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2Educação Superior no Brasil –

10 anos pós-LDB:da expansão à democratização

 Dilvo Ristoff*

* Diretor de Educação Básica Presencial/Capes.

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 Decorridos dez anos depois da aprovação da Lei de Diretrizes e

 Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), persistem grandes desa-

fios para a educação superior brasileira. Transformações de toda ordemdesencadearam-se nesse período, em decorrência das políticas educacio-

nais implantadas sob orientação de organismos econômico-financeiros

multilaterais configurando um quadro de elitização e privatização desse

nível de ensino. A educação superior brasileira continua excludente e ina-

cessível a uma parcela significativa da população brasileira, em especial

para os jovens das classes trabalhadoras.

 Para analisar o período pós-LDB (1996-2004), faz-se necessário

identificar as características básicas da educação superior brasileira, sinte-tizadas em dez itens:

a) Expansão;

b) Privatização;

c) Diversificação;

d) Centralização;

e) Desequilíbrio regional;

f) Ampliação do acesso;

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g) Desequilíbrio de oferta;

h) Ociosidade de vagas;

i) Corrida por titulação; j) Lento incremento na taxa de escolarização superior.

A expansão , que não pode ser confundida com democratização,

define-se pelo crescimento expressivo do sistema, com índices que, no

período, chegam a, aproximadamente, 120%, para as instituições e as

matrículas, e 180%, para os cursos de graduação presencial.

A privatização pode ser constatada pelo crescimento, principalmente,

das instituições privadas, com essas instituições atingindo em 2004 uma

representatividade de 90% do total das instituições; 65% do total dos

cursos e 70% do total das matrículas da educação superior.

A diversificação tem a ver a um só tempo com a superação do

modelo único de instituição de educação superior e com a aguda

banalização do termo universidade, decorrente da rápida perda de

centralidade por parte das universidades, tal qual definido na Constituição

 Brasileira de 1988, isto é, instituições autônomas de ensino, pesquisa e

extensão, de preferência com espaços para estudos avançados, com pro-

gramas de mestrado e doutorado e com linhas de pesquisa clara e forte-mente definidas. As universidades, que em 1996 representavam um

percentual pequeno (14,8%) em relação ao total das instituições, em 2004

passaram a representar apenas 8,4%, sendo confundidas no imaginário

popular com centros universitários e pequenas faculdades – instituições

exclusivamente dedicadas ao ensino de graduação.

A centralização refere-se principalmente ao sistema regulatório da

educação superior do País. Tendo em vista que a expansão da educação

superior se deu predominantemente por meio da iniciativa privada, a edu-cação superior brasileira experimentou uma centralização progressiva no

sistema federal, que hoje representa 93% das instituições de educação

superior. Isso significa afirmar que 93% das cerca de 2.300 IES dependem

da União para o seu sistema regulatório, com evidentes e sérias implica-

ções sobre o processo de autorização, reconhecimento, renovação de re-

conhecimento, credenciamento e recredenciamento e, igualmente, sobre

os processos avaliativos.

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O desequilíbrio regional   caracteriza-se principalmente pela

Sudestificação da educação superior. Os quatro Estados da Região Sudes-

te representam cerca da metade das instituições, cursos e matrículas do Brasil. O predomínio da Região Sudeste, embora venha diminuindo desde

1996, ainda continua sendo um fenômeno expressivo.

A ampliação do acesso  nos remete ao fato de que a expansão da

educação superior não teve apenas um sentido de ampliação geográfica,

mas também um sentido de ampliação de oportunidades de acesso para

setores da classe média até então excluídos desse nível de ensino. Esta

ampliação do acesso confunde-se em grande parte com o próprio proces-

so de privatização, pois ocorreu principalmente como resultado da forte

excludência historicamente reinante nas universidades públicas.O desequilíbrio de oferta pode ser observado no panorama das “vo-

cações" profissionais dos jovens brasileiros, com alguns poucos cursos (Ad-

ministração, Direito e Pedagogia) dominando largamente as matrículas e

revelando uma despreocupação nacional crônica com um projeto nacional

de desenvolvimento e com uma imagem de futuro para o País.

A ociosidade crescente de vagas   talvez tenha sido uma das mais

chocantes realidades desde 2003, pois ocorre ao mesmo tempo em que

milhares de jovens buscam a educação pós-média. Em 2004, do total de

 vagas disponíveis na educação superior (2.320.421), apenas 1.303.110

(56,2%) foram preenchidas, permanecendo ociosas 1.017.311 vagas (43,8%).

 Em 2003, pela primeira vez na história da República, o número de vagas

na educação superior superou o número de concluintes do ensino médio.

A corrida por titulação   deve-se em boa parte às exigências

estabelecidas na LDB (Lei nº 9.394/1996) para as universidades. Pode-se

afirmar que as funções docentes estão se qualificando em um ritmo que

acompanha o crescimento do sistema de educação superior, embora os

dados do último Censo da Educação Superior (2005) revelem que a titulaçãode doutores cresce em ritmo mais acelerado nas instituições públicas, ou

seja, nas instituições que já detêm os mais altos percentuais de doutores

em seu quadro docente.

O incremento na taxa de escolarização  superior, embora muito dis-

tante do preconizado pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e sabidamente

minado pelo elitismo histórico instalado, vem ocorrendo. A incorporação

de significativos contingentes de pessoas acima de 24 anos, que estiveram

 Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB:da expansão à democratização

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excluídos da educação superior, além de revelar a grave e crônica defasa-

gem idade-série em algumas regiões do País, tem pouco efeito sobre a

população que entra no cômputo do PNE, pois 40% de nossos estudantesestão fora da idade apropriada (18 a 24 anos). Em 2004, apenas 10,4% da

população de 18 a 24 anos estavam matriculados na educação superior.

 Esses percentuais não só estão entre os mais baixos do mundo, mas colo-

cam o País na vexatória situação de desperdiçar o potencial de milhões de

pessoas que poderiam contribuir com o desenvolvimento nacional e com a

melhoria da qualidade da vida.

 Mantido o atual ritmo de crescimento, deveremos chegar ao ano de

2011 com cerca de 9 milhões de estudantes universitários. Parece muito,

mas não é! Se quisermos atingir a meta do Plano Nacional de Educação(30% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados na educação superior, com

40% das matrículas em instituições públicas), vamos precisar de bem mais

do que o crescimento inercial instalado.

Se por um momento lembrarmos que, nos últimos dois anos, pela

primeira vez na história do País, tivemos mais vagas na educação superior

do que concluintes do ensino médio e que 42% das vagas oferecidas nas

instituições de ensino superior (IES) privadas permaneceram ociosas, fica

evidente que, para garantir a migração desejada de cérebros e pessoas

para a educação superior, será necessária uma participação maior do po-

der público. O mercado, por si só, ao contrário do que sonharam alguns,

não conseguirá viabilizar esse importante projeto de Estado.

 É fundamental perceber que a expansão dos últimos anos ocorreu

principalmente pelo setor privado, que hoje representa 90% das instituições.

Quando esse setor deixa quase a metade de suas vagas ociosas, quando índi-

ces alarmantes de inadimplência o desestabilizam e quando a evasão ameaça

inviabilizar mesmo cursos de altíssima demanda, fica evidente que a sua capa-

cidade de expansão está próxima do limite. Junte-se a isso o fato de que osmais de 9,5 milhões de estudantes do ensino médio têm renda familiar 2,3

 vezes menores do que a dos estudantes que hoje estão na educação superior.

O IBGE nos informa, há algum tempo, que entre os estudantes do ensino

médio, há milhões deles tão pobres que, mesmo que a educação superior seja

pública e gratuita, terão dificuldades de se manterem no campus .

Como esse quadro só tende a piorar com a universalização da edu-

cação básica – que trará exércitos de carentes às portas do campus nos

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o seu protesto foi veemente; agora que a democratização quer dar um

passo adiante para atender aos mais carentes, no espaço público, muitos

se escudam na autonomia e se escondem atrás da qualidade. “Vai piorar aqualidade" é a ladainha da moda, que evidentemente nega, sem escrúpu-

los, os dados dos processos seletivos do ProUni que comprovam de forma

insofismável: os alunos do ProUni têm desempenho na maioria das vezes

superior ao desempenho dos estudantes que ingressam pelas vias tradici-

onais!1 E assim, democratizar o campus público permanece, no campus

público, ironicamente um tabu. A menos que consigamos mudar essa cul-

tura, grande parte do esforço pela recuperação da centralidade da univer-

sidade pública e gratuita torna-se sem sentido.

 Precisamos vencer a afirmação secular, repetida cotidianamente nagrande mídia e em textos acadêmicos mundo afora, de que o campus é

um espelho da sociedade e de que ele a reflete em todas as suas peculia-

ridades, privilégios, comoções e injustiças. Os dados mostram que o campus

pode até ser um espelho da sociedade, mas é com certeza do tipo que

distorce. Contas feitas, a conclusão a que se chega é uma só: sob muitos

aspectos, os cursos de graduação não reproduzem, mas hipertrofiam as

desigualdades sociais existentes.

A oportunidade de acesso para estudantes pobres é um bom exem-

plo. Estudantes com renda familiar de até três salários mínimos, que na

população brasileira representam 50%, na Enfermagem e na Educação

 Física – cursos com percentuais mais próximos da realidade – representam

apenas cerca de 30%. Essa distorção se torna mais gritante na Odontolo-

gia e na Medicina nos quais 50% passam a ser apenas 10,5% e 8,8%,

respectivamente. Ou seja, como ressaltam os casos da Enfermagem e da

 Educação Física, mesmo o que no campus mais se aproxima da realidade

está profundamente distorcido, e para pior.

Quando se olha a questão pelo viés dos mais ricos (mais de dezsalários mínimos de renda familiar), percebe-se que uma pequena minoria

na sociedade se torna uma grande maioria no campus. É bom lembrar que

1 Os estudantes do ProUni tiveram desempenho superior em todas as 15 áreas do conhecimento avaliadas pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) em 2006, comprovando o que relatórios freqüentes de reitores, pró-reitores e coordenadores de curso já haviam informado.

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na sociedade, esse grupo representa 11,8%. Na Enfermagem, é verdade, ele

representa algo bastante próximo – 15%; na Odontologia e na Medicina, no

entanto, os 11,8% de ricos tornam-se 52% e 67%, respectivamente.A representação por cor/raça, da mesma forma, mostra que entre

os dez cursos mais brancos cinco estão da área da saúde (Odontologia,

 Veterinária, Farmácia, Psicologia e Medicina) – todos com mais de 77% de

representação de brancos. Na população, os brancos representam 52%.

 Entre os cursos da área com os menores percentuais de brancos estão

 Enfermagem, com 67%, e Biologia, com 69%. Conclusão: mesmo nos

cursos menos brancos, o campus distorce significativamente os percentuais

da sociedade.

Com intensidade ainda mais dramática, o espelho do campus distorceas proporções dos estudantes originários das escolas públicas – grupo

fortemente sub-representado tanto na educação superior pública quanto

na privada: nas Ifes e nas IES privadas sua representação é de 43%, isto é,

inferior à metade dos 87% que representa no ensino médio. Nos cursos, a

desproporção pode ser maior: apenas 18% dos estudantes de Odontologia

e 34% dos estudantes de Medicina cursaram todo o ensino médio em

escola pública. É necessário inferir, portanto, que para um aluno originá-

rio do ensino médio privado e pago a oportunidade de chegar à educação

superior, em especial em cursos de alta demanda, é várias vezes superior à

de seus colegas originários da escola pública e gratuita.

O espelho do campus também distorce as proporções dos sexos. Os

cursos da saúde, por exemplo, são quase todos majoritariamente femini-

nos, estando fortemente marcados por questões mal resolvidas de gênero:

das 14 áreas, apenas em Educação Física os homens ainda são maioria.

Como os homens são maioria na sociedade até os 20 anos de idade, isto é,

durante o período correto de ingresso na educação superior, é estranho

descobrir que a proporcionalidade não esteja mantida. Justificativas à parte,está equivocada a afirmação de que o espelho do campus simplesmente

reflete a sociedade.

Talvez pudéssemos argumentar que o campus reflete os vários brasis

que temos, com todas as suas desigualdades regionais e estaduais. Afinal,

quando dizemos que o Brasil forma um médico e um dentista para apro-

 ximadamente 19 mil habitantes e que no Norte essa proporção é de um

para mais de 40 mil e no Nordeste um para mais de 33 mil, estamos

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Desafio 5 : Buscar, por meio de políticas compensatórias, um equi-

líbrio entre a oferta de educação nas diversas regiões do País e a represen-

tação percentual da população na sociedade brasileira.Desafio 6 : Manter a oferta de financiamento estudantil para filhos

de classe média baixa e ampliar o financiamento para jovens de classe baixa,

entre eles os do ProUni, que por vezes são tão pobres que mesmo com a

bolsa do ProUni encontram dificuldades para se sustentarem no campus .

Desafio 7 : Induzir o desenvolvimento com a criação de novos cur-

sos de graduação em áreas do conhecimento, por exemplo, Ciências Agrá-

rias e Aqüicultura, que têm papel estratégico para o desenvolvimento do

 País, e representação até o momento muito pequena no conjunto da edu-

cação superior.Desafio 8 : Superar a ociosidade das vagas no ensino superior priva-

do com programas de valorização do ensino médio e de políticas mais

agressivas de financiamento estudantil, acompanhada da expansão da oferta

pública e de racionalização da oferta no setor privado.

Desafio 9 : Manter a política de apoio à titulação no setor público e

induzir o setor privado a ampliar seus investimentos em capacitação de

mestres e, especialmente, de doutores.

Desafio 10 : Não abrir mão do sonho de chegarmos a 2011 com

30% dos jovens da faixa etária apropriada na educação superior, aumen-tando gradativamente os investimentos públicos em educação até chegar

a 7% do Produto Interno Bruto (PIB).

São estes os grandes desafios que a realidade revelada pelos núme-

ros do Censo da Educação Superior, nos últimos 15 anos, nos impõe. A

superação dos desequilíbrios apontados e a construção de um sistema de

educação superior mais equânime e de melhor qualidade implicam, salvo

melhor juízo, em colocar esses desafios como prioridades inarredáveis da

agenda nacional.

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 Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB:da expansão à democratização

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II – A EDUCAÇÃO SUPERIOREM DEBATE 10 ANOS PÓS-LDB

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3Reforma da Educação Superior:

o debate sobre a igualdade no acesso*  Deise Mancebo**

* Versão preliminar desse texto foi apresentada na XXIX Reunião Anual da ANPEd, em 2006, no colóquio “A educação

superior na América Latina: o debate sobre a igualdade no acesso às universidades".

** Doutora em História da Educação (PUC/SP); pós-doutorado pela USP; professora e pesquisadora do Programa em

 Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/Uerj) e do Programa de Psico-

logia Social da mesma universidade; e-mail : [email protected].

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Introdução

 Profundas reestruturações ocorreram nos sistemas educacionais la-tino-americanos, nos últimos 25 anos, por conta da adoção do receituário

neoliberal pelos governos desses países.

 Muito se tem escrito acerca do neoliberalismo e não é minha inten-

ção, neste trabalho, insistir em reiterações desnecessárias. Interessa-me

reafirmar, no entanto, alguns aspectos sobre a natureza e o sentido que

esse projeto tem assumido na educação e, especificamente, na educação

superior, mesmo porque, como uma alternativa política, econômica, soci-

al, jurídica e cultural para a crise econômica do mundo capitalista, inicia-da com o esgotamento do regime de acumulação fordista, em finais dos

anos 1960, o neoliberalismo representa uma necessidade global de

restabelecimento da hegemonia burguesa, trazendo implicações não só

para a vida econômica, mas também para as diversas relações que se esta-

belecem entre os homens.

 No campo educacional, com a adoção da pauta neoliberal, estabe-

leceu-se em todos os países do continente, uma série de medidas, enfeixadas

 Reforma da educação superior:o debate sobre a igualdade no acesso

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

ou não sob a denominação de reformas, que, para além das especificidades

locais, evidenciaram uma profunda redefinição do papel do Estado na sua

relação com a educação. Na realidade, em consonância com o receituáriomais geral, assistiu-se a uma retração financeira do Estado na prestação

de serviços sociais (incluindo educação, saúde, pensões, aposentadorias,

entre outros) e a subseqüente privatização ou, pelo menos, tentativa de

privatização, desses serviços. Tratou-se, portanto, de uma redefinição do

 Estado em termos classistas, com redução de suas funções de cunho social

universalista, e da ampliação do espaço e do poder dos interesses privados.

A educação não escapou dessa reordenação mais geral, de modo

que os sistemas educacionais foram submetidos a profundos processos de

privatização em nome dos benefícios supostamente advindos do livremercado.

 No entanto, o discurso neoliberal em defesa do Estado-mínimo e a

conseqüente estagnação ou redução da prestação de serviços públicos

não deve levar à confusão de se supor que o Estado esteja se retirando da

cena econômica e política. Pelo contrário, ele permanece com forte parti-

cipação em um sentido social amplo. No campo educacional, por exem-

plo, o chamado Estado-avaliador priva-se do financiamento da educação,

ou pelo menos, reduz drasticamente sua participação na oferta desse ser-

 viço, provoca, em decorrência, a deterioração da infra-estrutura e dos sa-

lários do pessoal docente e não-docente; todavia, incrementa e sofistica

suas funções de fiscalização, descendo a detalhes mínimos para a deter-

minação dos graus de eficácia, de eficiência e de produtividade das insti-

tuições educativas e de seus diversos atores. Os Estados não só não des-

cartaram como refinaram seu papel controlador, disciplinador e regulador

dos sistemas sociais, com o uso de novos sistemas de coordenação, avali-

ação e controle que estimulam a administração gerencial e a competição

de tipo empresarial e submetem os subsistemas de ensino aos mecanismose interesses do mercado.

 Para tal, em toda a América Latina, foram adotadas novas medidas

 jurídicas, com a aprovação de leis de educação, gerais ou específicas, que

 viabilizassem, em maior ou menor escala, conforme as particularidades

locais, os seguintes princípios: (1) a racionalização de recursos, descartan-

do ou, pelo menos, minimizando a centralidade dos Estados na manuten-

ção da educação, por meio da transferência das decisões de investimento

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 vida; do acirramento da competição entre instituições educacionais e entre

os pares; da supervalorização, inclusive por parte dos próprios atores univer-

sitários, das avaliações em escala nacional, com viés pseudomeritocrático,para não dizer meramente classificatório, normativo e punitivo; do

imediatismo em relação às demandas do mercado de trabalho; em síntese,

ocorre uma construção ideológica, no próprio tecido escolar, nada desprezí-

 vel, porque miúda, caucionada pelo discurso do mérito, mas pretensiosa nas

intenções, na medida em que procura agir desmontando os direitos sociais

que possam ser ordenados como compromisso social coletivo.

 Por fim, há que se destacar o papel central desempenhado pelos

organismos financeiros internacionais na promoção e no estímulo às polí-

ticas de viés neoliberal, tanto no campo econômico quanto no camposocial, de modo que, para uma compreensão mais ampla das estratégias

nacionais para a educação, não se pode perder de vista que elas são parte

de um processo internacional mais amplo. É preciso atentar, portanto,

para a forte dependência das reformas educacionais em relação às diretri-

zes dos organismos internacionais, não restando surpresa quanto ao fato

de a mercantilização dos serviços educacionais estar, há quase uma déca-

da, na agenda do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS) da

Organização Mundial do Comércio (OMC).

O debate sobre a igualdade no acessoà educação superior 

 Esse é o contexto a se considerar no debate sobre a igualdade no

acesso à educação superior.

 Existe, obviamente, amplo consenso sobre a necessidade de expan-

são do acesso à educação superior e, sob esse aspecto, é louvável a atençãoque qualquer governo dispense ao tema. No Brasil, por exemplo, a taxa de

escolarização líquida (que expressa as matrículas na educação superior de

estudantes da faixa etária de 18 a 24 anos) está em 10,4%, conforme último

Censo da Educação Superior (Inep, 2004), configurando um estado de alerta

em relação à questão. Não obstante, considerando o contexto anteriormen-

te apresentado, cuidados precisam ser tomados quanto às políticas públicas

para a expansão do acesso a esse nível de ensino:

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1 – A expansão deve ser postulada no pólo público da educação

superior, o que implica se afirmar, por um lado, que os recursos dos Esta-

dos para manutenção desse nível de ensino devem ser ampliados,1

 paracontemplar a expansão e interiorização da rede. No caso brasileiro, um

crescimento razoável do acesso é proposto pelo Plano Nacional de Educa-

ção (PNE) (Brasil, 2000) e pelo Projeto de Lei nº 7.200 (Brasil, 2006) que

indicam a meta de 40% das vagas no ensino público até 2011. No entan-

to, o aumento de recursos orçamentários deve pressupor gastos com a

entrada de novos alunos, mas também deve prever a recuperação da re-

muneração da força de trabalho docente, bastante deteriorada, bem como

a assistência estudantil em moldes consistentes com políticas agressivas

de inclusão social. Por outro lado, a expansão do acesso deve ocorrer sem delegações

diretas ou indiretas dessa responsabilidade à iniciativa privada, bem como,

sem a alocação de verbas públicas, mesmo que indiretas, para os estabele-

cimentos de ensino superior privados, como é o caso da renúncia fiscal

promovida pelo programa brasileiro Programa Universidade para Todos

(ProUni), ao comprar vagas de escolas particulares como forma de ampli-

ação do acesso.

2 – A expansão não pode ocorrer com o sacrifício da própria for-

mação, o que impõe a implementação de instituições de alta qualidade.

 Nesse ponto é oportuno definir de que qualidade se trata. Preli-

minarmente, deve-se relembrar que o uso desse conceito – em especial

nos procedimentos avaliativos – remete a um cenário de tensões, com-

porta níveis de conflitividade política e sustenta-se mercê de uma rede

de alianças e de enfrentamentos entre agentes e instituições com inte-

resses individuais e coletivos distintos. A análise dos atores presentes nos

embates, o resultado sempre instável dessas tensões, o projeto que se

alça à condição de hegemônico dão o tom de quais serão as finalidadesda qualidade em causa. Atualmente, conforme Sguissardi (2006, p. 1), a

tendência hegemônica: “[...] é a de associá-la (a qualidade) à avaliação

e/ou à acreditação, o que envolve necessariamente o Estado, ou melhor,

1 O financiamento das instituições federais de ensino superior (Ifes) corresponde, atualmente, a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB), distando em muito do índice histórico aplicado em 1989 (0,95% do PIB) e da reivindicação do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) (1,4% do PIB até 2011).

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o chamado Estado Avaliador. Mas se associa também e de forma osten-

siva à competitividade e empregabilidade".

 Prossegue afirmando que nesse pólo conceitual e político alinham-segovernos nacionais e regionais, organismos financeiros multilaterais e grandes

conglomerados e corporações econômicas transnacionais. “Todos estes têm

interesse na qualidade da universidade, entre outras razões porque a ciência-

tecnologia e a formação que aí se transmite tornou-se mercadoria-chave, ao

lado do trabalho, da acumulação do capital" (sic) (Ibidem, p. 5).

 Na realidade, as mudanças tecnológicas e de organização do traba-

lho por que passam os países de capitalismo avançado a partir de fins da

década de 1970 configuram o mundo produtivo com algumas caracterís-

ticas “novas": flexibilização da produção e reestruturação das ocupações;integração de setores da produção; multifuncionalidade e polivalência dos

trabalhadores; valorização dos saberes dos trabalhadores não-ligados ao

trabalho prescrito ou ao conhecimento formalizado, o que está a exigir

uma nova educação. Nesse novo contexto, o termo qualidade, mesmo na

sua conotação produtivista, vem sendo apontado como inadequado, pois

remete muito diretamente às relações, por um lado, com a formação teó-

rico-técnica e com os diplomas e, por outro, com os códigos das profis-

sões. Assim, a qualidade e a qualificação não dariam conta da flexibilização

em curso, sendo preferível o uso do termo competência, que com mais

precisão aponta para as formas de adaptação à diversidade do concreto, a

capacidade que os trabalhadores têm de enfrentar situações e aconteci-

mentos próprios de um campo profissional, com iniciativa e responsabili-

dade, guiados por uma inteligência prática do que está ocorrendo e coor-

denando-se com outros atores para mobilizar suas próprias capacidades

(Zarifian, 2001). Enfim, o termo competência vem sendo mais utilizado,

pois traduz um conceito mais apropriado à aferição da capacidade real do

trabalhador, sua subjetividade e capacidade de envolver-se com os saberesque organizam as atividades de trabalho, supostamente mais integradas e

flexíveis. Em síntese, atende melhor às mudanças em curso e às novas

demandas do capital.

 De todo modo, a qualidade tomada sob a ótica empresarial – ou

sua forma mais moderna: a competência – identifica-se com eficiência e

produtividade e tem inspirado boa parte das propostas governamentais

latinas, incluindo as brasileiras.

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Todavia, Sguissardi (2006, p. 12-13) chama a atenção para outra

possibilidade de se conceituar a qualidade na educação superior:

[Trata-se da qualidade] acadêmico-crítica que, ao se propor integrar ensi-no e pesquisa em cada instituição de ensino superior, tenta fugir à meraprodutividade como medida de desempenho institucional [considerandomenos] o quanto se produz, a que velocidade e a que custo, e muito maiso que se produz.

 No caso do ensino, a qualidade assim entendida remete à capaci-

dade e à habilidade de se contribuir para ultrapassar a mera "socialização"

para o mercado de trabalho ou à adaptação das pessoas ao quadro de

incertezas e instabilidades decorrentes das transformações societárias cor-

rentes (empregabilidade), “para se desenvolver a capacidade de pensarcriticamente e de produzir conhecimento" (Ibidem, p. 13).

Tais considerações implicam alguns desdobramentos: remetem no-

 vamente à defesa do pólo público e a situação brasileira é claríssima quan-

to à importância dessa afirmação. Com a adoção das políticas neoliberais,

o que no caso da educação superior brasileira se deu mais sistematica-

mente a partir da década de 1990, as instituições públicas de educação

superior foram profundamente afetadas. Mesmo que se possa observar

leve reversão nessa tendência no último governo, o conjunto das mudan-ças implementadas nos últimos 15 ou 16 anos, entre outros aspectos,

retraiu o financiamento das universidades, submetendo-as a políticas de

austeridade, com salários arrochados e recursos para manutenção e inves-

timento progressivamente diminuídos.

 Esse cenário estimulou, inclusive, a privatização no interior das

instituições por meio da disseminação de parcerias entre as universidades

públicas e as fundações privadas, da oferta de cursos pagos de extensão,

da cobrança de algumas taxas, entre outros procedimentos.

 Não obstante todo esse quadro, essas mesmas instituições públicastambém ofereceram uma resposta corajosa à situação, não só pelas diver-

sas lutas que travaram em defesa da educação pública, inclusive com

greves intermináveis, como pelo fato de terem se mantido na liderança no

oferecimento de uma formação de qualidade e na produção de conheci-

mentos nas diversas áreas do saber.

 No pólo oposto, a maioria das instituições privadas brasileiras vol-

tou-se tão-somente à absorção de formação estudantil, com oferta para

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carreiras de alta procura e baixos custos operacionais.2 Enfim, expandi-

ram-se como “empresas lucrativas", exceto algumas universidades

confessionais, geralmente católicas e extremamente caras, com propostaseducativas de alta qualidade, mas para as elites.

Assim, as instituições privadas aproveitaram-se com grandes van-

tagens da situação de crise do setor público: captaram para si a demanda

reprimida na população de classe média para a formação superior, desfru-

taram com excepcional senso de oportunidade das facilidades oferecidas

por governos e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que, “median-

te uma regulação pseudoliberalizadora", autorizaram a criação de inúme-

ras novas instituições e se beneficiaram

[...] de recursos financeiros diretos ou indiretos [isenções fiscais, créditoeducativo, Fies [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superi-or] e, em menor escala, recursos para pesquisas concedidos por governosque sistematicamente demonstra[ram] mais generosidade com o lobby empresarial que controla a educação superior privada, do que com os re-clamos da comunidade acadêmica que atua nas instituições públicas (Gentili,2001, p. 99).

O quadro atual no Brasil, conforme dados do Censo da Educação

Superior de 2004, avaliza tal análise: das 2.013 instituições de educação

superior brasileiras, 88,87% (1.789) são do setor privado e 11,13%, dopúblico. Em síntese, o setor privado responsabiliza-se por 70,8% das ma-

trículas da educação superior existentes no País.

 No entanto, a despeito do investimento em educação superior ser

um negócio rentável e garantido até data recente,3  as instituições priva-

das não incrementaram sua qualidade, seja no ensino ou na produção de

conhecimentos.

 Entende-se, pois, que a expansão do acesso ao ensino superior,

pelo viés privado, ao contrário de ser incentivada, necessita ser controlada,

pois, longe de resolver ou de corrigir a distribuição desigual dos bens

2 Segundo dados do Censo da Educação Superior (2004), os cinco maiores cursos do Brasil, segundo número de matrículase de concluintes são os de Administração, Direito, Pedagogia, Engenharia e Letras, nesta ordem.3 Atualmente, a alternativa privada tem encontrado limites estruturais no poder aquisitivo de sua c lientela (Corbucci, 2002),ainda mais, quando se levam em conta as restrições econômicas características dos anos 1990 em diante, tais como o baixoe oscilante crescimento econômico e suas conseqüências mais perversas: desemprego e queda na renda real média. Assiste-se, assim, a uma crise nesse setor do capital e o esgotamento de seu potencial de expansão é evidente quando se observao percentual de vagas não-preenchidas pelo vestibular nessas instituições. Enquanto, em 1998, a proporção já era de 20%,em 2006, as vagas não-preenchidas saltam para 50%.

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educacionais, tende a aprofundar as condições históricas de discriminação

e de negação do direito à educação superior a que são submetidos os

setores populares. A alocação dos estudantes pobres nas instituições par-ticulares, mesmo que acompanhada de programas que ofereçam bolsas e

sejam gratuitos para os estudantes (como é o caso do ProUni) cristaliza

mais ainda a dinâmica de segmentação e diferenciação no sistema escolar,

destinando escolas academicamente superiores para os que passarem nos

 vestibulares das instituições públicas e escolas academicamente mais fra-

cas, salvo exceções, para os pobres.

O debate sobre a igualdade de acesso à educação superior, em

especial quando está em causa a formação da população mais pobre, não

deve se pautar pela edição de medidas legais baseadas em um imediatismo

pragmático, em ondas de expansão feita às pressas e sem garantias para a

qualidade do ensino. Infelizmente, a Reforma da Educação Superior em

curso no Brasil (Projeto de Lei nº 7.200/2006) não escapa dessa crítica. A

compra de vagas na iniciativa privada, com o ProUni, a abertura de mais

de quatro dezenas de novos campi e a criação de dez novas universidades

federais, sem a necessária contrapartida da área econômica, configuram

um quadro de expansão que enfoca unicamente o ensino e que traz con-

sigo sérios riscos de perdas irreparáveis na qualidade da formação, pelomenos, se prevalecer a idéia de promover a expansão à custa de um incre-

mento significativo na relação alunos/docente, alcançado por meio de

aumento da dedicação docente à sala de aula, da alocação de um maior

número de alunos por turma e, sobretudo, graças ao esperado uso de

técnicas de ensino a distância, cujo caso exemplar é o da criação da Uni-

 versidade Aberta do Brasil (UAB).4

Outro aspecto a ser considerado no debate da igualdade de acesso

à educação superior, já afirmado anteriormente, refere-se à flexibilizaçãodas condições de oferta desse nível de ensino.

4 A UAB, cujo projeto se encontra em discussão, destina-se a ampliar o acesso à educação superior, por meio de cursos eprogramas de educação a distância, desenvolvidos em articulação com as instituições públicas de ensino superior do País,com o estímulo à sua organização em redes regionais, em parceria com os sistemas estaduais e municipais de educação eque poderá celebrar convênios e acordos com instituições privadas. Conforme entrevista concedida pelo Ministro da Educa-ção, Fernando Haddad, "o consórcio formado pelas instituições federais com municípios de todo o País, lançado no final de2005, tem tudo para tornar-se um sucesso e ajudar o País a cumprir a meta de colocar, no mínimo, 30% dos jovens entre18 e 24 anos na universidade até 2010" (Vaz, 2006).

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

O Censo da Educação Superior (2004) informa que, das 2.013 ins-

tituições brasileiras de ensino superior, somente 8,4% (169) são universi-

dades5

  e, portanto, somente nessas instituições está “garantida" aindissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a presença de um

terço de doutores e mestres em seu quadro docente e um terço de profes-

sores contratados em regime de tempo integral (conforme reza a LDB, em

seu art. 52).

O Projeto de Lei encaminhado ao Congresso pelo Executivo (PL nº

7.200/2006), que versa sobre a Reforma da Educação Superior, pretende

aprofundar esse quadro de flexibilização, pois, além das universidades,

centros universitários e faculdades, apresenta as universidades

especializadas; os centros universitários especializados, os cursos seqüenciais,os cursos a distância e os cursos para alunos não-regulares. Cria o que se

 vem chamando “certificação em larga escala" (Lima, 2005); de diplomas,

certificados e atestados, obviamente, com valores bastante distintos no

mercado de trabalho e na bagagem de conhecimentos – especialmente os

críticos – auferidos pelos estudantes. Assim, ao flexibilizar as condições de

prestação desse serviço, o Projeto de Lei nº 7.200/2006 cria oportunidades

para que se aprofunde a heterogeneidade do sistema e a desigualdade

educacional. Em síntese, a fragmentação do grau acadêmico de gradua-

ção amplia-se para que se alcance de forma rápida e pragmática a

“universalização" desse nível de ensino, mas tudo isso se dá às expensas

da universalização da qualidade.

 Por fim, é preciso cautela máxima em relação a um discurso que,

não raramente, tem permeado os debates brasileiros sobre a necessidade

de expansão da educação superior. Advoga-se que a formação profissio-

nal nesse nível pode ser uma resposta estratégica aos problemas postos

pela globalização econômica, uma resposta que poderia reverter as conse-

qüências nefastas advindas das transformações do mundo do trabalho,daí a necessidade de sua expansão. Obviamente que em um contexto de

alto desemprego, desenvolvem-se maiores exigências educacionais para o

acesso aos postos de trabalho, de modo que os que têm menos formação

5 O maior número de instituições são faculdades, escolas ou institutos (73,2%); os centros universitários representam 5,3%do total; as faculdades integradas são 5,9%; e os centros de educação tecnológica (ou faculdades tecnológicas) são 7,2%.

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apresentam menores chances nos processos seletivos. Todavia, o desem-

prego em massa dos jovens que, pelo menos nas duas últimas décadas,

tem sido um instrumento deliberado de política fiscal e monetária paraassegurar estabilidade financeira e de câmbio para os especuladores glo-

bais, em síntese, uma conseqüência direta da política macroeconômica

ditada pela ressurgência liberal, não pode ser apontado como uma decor-

rência nefasta da não universalização do ensino universitário, justifican-

do, assim, a urgência de reformas que ampliem, mesmo que ao custo da

qualidade, o acesso a esse nível de ensino. Enfim, é no mínimo ingênua, a

crença de que é possível corrigir as “distorções" do mercado com base na

ampliação da qualificação dos trabalhadores. Pior ainda, é vender a ilusão

de que o conserto das “distorções" possa ocorrer com o oferecimento deuma educação de baixa qualidade acadêmico-crítica.

Considerações finais

A análise da expansão da oferta da educação superior não permite

antever, com otimismo, avanços na igualdade de acesso a esse nível de

ensino, pelo menos, nos moldes em que postulamos. Mais particularmente

no Brasil, não se visualizam medidas que fortaleçam o pólo público e

promovam uma efetiva regulação do setor privado comercial; garantindo,

ao mesmo tempo, um acesso ampliado à educação superior de qualidade.

Infelizmente, esse não é um caso específico do Brasil. O processo

pelo qual a universidade se redefine contemporaneamente coincide com

sua adaptação às exigências do tempo histórico: mercado, tecnociência,

organização eficaz e tecnicismo produtivista (Silva, 2005). Com uma agenda

imposta de fora, a universidade tem passado por um mecanismo de

desinstitucionalização, no qual se inscrevem dinâmicas, tais comoheteronomia ou absorção de critérios e paradigmas externos; privatização

ou adaptação aos mecanismos neoliberais de destruição da esfera pública;

subordinação ao mercado, o que inclui a entronização da organização

privada como modelo e mudança drástica de sua cultura interna, na dire-

ção de uma postura acrítica, conciliatória, utilitária, tecnicista, entre ou-

tros aspectos, que em nada avançam no sentido de uma expansão que

 viesse a ampliar a igualdade no acesso às universidades.

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à crença de que, em se tratando de universidade, sempre existe a possibi-

lidade de um momento de suspensão, no qual se reelabora outro código

de sociabilidade, outro código de civilidade e de relação com o público, noqual se pode construir o dissenso, desafiando o paradigma do pensamento

único, para indagar outros saberes, outras práticas, outros sujeitos, outros

imaginários capazes de conservar viva a chama de alternativas para essa

ordem social de hegemonia do capital (Lander, 2001) e de construir um

sentido social, ético e mais igualitário para a universidade.

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4Democratização do acesso e inclusão

na educação superior no Brasil  João Ferreira de Oliveira*

Afrânio Mendes Catani**

Ana Paula Hey*** Mário Luiz Neves de Azevedo****

* Professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG); doutor em Educação pela Universidade deSão Paulo (USP). Pesquisador do CNPq; e-mail : [email protected]** Professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP); livre-docente em Educação pela Universidadede São Paulo (USP). Pesquisador do CNPq; e-mail : [email protected]*** Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp); doutora em

 Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); e-mail : [email protected]**** Professor na Universidade Estadual de Maringá (UEM); doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e-mail : [email protected]

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O sistema nacional de educação superior ainda não está aberto às

amplas camadas populacionais no Brasil. A universalização do acesso cons-

titui-se tema emergente, complexo e de fundamental importância, sobre-

tudo se levarmos em consideração o cenário de construção da chamada

sociedade do conhecimento  e, ainda, as mudanças do mundo do trabalho,

o processo de mundialização do capital e as alterações que vêm ocorrendo

no papel do Estado desde os anos 1980.

 Uma década após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei

nº 9.394/96)1 verifica-se que as políticas governamentais intensificaram o

processo de descentralização da educação por meio de uma maior atribui-

ção de competências para Estados e municípios, institucionalizando, emespecial, os sistemas municipais de ensino. Além disso, ampliou-se a auto-

nomia das escolas mediante, sobretudo, exigência de projeto pedagógico da

1 Com a aprovação da LDB em 1996 ocorreram modificações significativas na organização da educação escolar brasileira.Além dos níveis definidos – educação básica (composta pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) eeducação superior –, estruturaram-se algumas outras modalidades de educação (de jovens e adultos, especial, profissional,a distância, do campo e indígena).

 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

escola e repasse de dinheiro direto para a unidade escolar, tendo também

flexibilizado a organização escolar (por exemplo, com a adoção dos ciclos,

aceleração de estudos, validação de conhecimentos adquiridos fora da esco-la, etc.). Cabe registrar, no entanto, que foi fortalecido o papel da União na

coordenação política da educação nacional, destacando-se as diretrizes e

parâmetros curriculares, a constituição e implementação de sistema de ava-

liação e as alterações no padrão de gestão e financiamento.

 Nos anos 1990, foram significativas as alterações no âmbito da edu-

cação superior. Entre outras, as mudanças na organização acadêmica, nos

processos de avaliação, nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação,

principalmente a partir de 1995, tiveram o objetivo de promover a diversifi-

cação, a diferenciação e a rápida aceleração da oferta de educação superior– o que veio a ocorrer, em especial, por meio do crescimento significativo do

setor privado. A introdução do termo "processo seletivo" para o ingresso no

ensino superior, na LDB, em lugar do tradicional termo "vestibular", aparece

como parte da estratégia de ampliar os mecanismos de acesso a esse nível de

ensino. Torna-se necessário, pois, analisar em que medida as políticas e as

ações governamentais, bem como a legislação decorrente, contribuíram ou

não para a maior democratização do acesso, permanência e aumento do

percentual de concluintes na educação superior.

 De modo geral, verifica-se que o crescimento da oferta de educa-

ção infantil (0 a 5 anos), a perspectiva de universalização do ensino

fundamental (6 a 14 anos) e o aumento da demanda e do acesso ao

ensino médio (15 a 17 anos), incluindo a educação de jovens e adultos,

significa, de certa maneira, maior democratização das oportunidades

educacionais nesses níveis de educação/ensino.2  É evidente, no entan-

to, que não basta ampliar o acesso à educação, é preciso garantir a

permanência e a qualidade da educação para todos. Por sua vez, esse

crescimento do atendimento em educação básica,3

  sobretudo no ensinomédio, repercutirá cada vez mais no aumento da demanda por educação

2 O Censo da Educação Básica (2005) registrou um total de 33.534.561 matrículas no ensino fundamental , sendo 18.465.505nas quatro primeiras séries e 15.069.056 nas quatro últimas. Já o ensino médio  contabilizou 9.031.302, enquanto o ensino superior  totalizou 4.163.733 matrículas nos cursos de graduação. Em 2004, o número de concluintes do ensino fundamen-tal  foi de 2.462.319, enquanto o ensino médio  registrou 1.879.044 e o ensino superior  528.223 concluintes.3 De acordo com a LDB (Lei n° 9.394/96), integram a educação básica a educação infantil, o ensino fundamental e o ensinomédio.

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superior, o que representa enorme desafio para o País no que tange à

oferta de vagas nesse nível de ensino.

Atualmente as instituições de educação superior (IES) no país classifi-cam-se, quanto à sua natureza jurídica, em públicas e privadas (com ou sem

fins lucrativos) e, quanto à sua organização acadêmica, em universidades,

centros universitários, faculdades integradas, faculdades, instituições superio-

res ou escolas superiores. Há, ainda, os centros de educação tecnológica4 e os

institutos superiores de educação, criados e destinados pela LDB à formação

de professores. O Censo da Educação Superior (2004) registrou a existência de

2.013 IES no País, sendo 224 públicas (87 federais, 75 estaduais e 62 munici-

pais) e 1.789 privadas (1.401 particulares e 388 comunitárias/confessionais/

filantrópicas), ou seja, as IES privadas representam 88,87% do total. Por sua vez, os cursos e níveis da educação superior ofertados no

 País são os seguintes: a) cursos seqüenciais (de formação específica e de

complementação de estudos); b) cursos tecnológicos; c) cursos de gradu-

ação; d) cursos/programas de pós-graduação, incluindo especialização,

mestrado (acadêmico e profissional) e doutorado; e) cursos de extensão,

oferecidos nos níveis de iniciação, atualização, aperfeiçoamento, qualifi-

cação, requalificação profissional e outros. Além desses cursos e etapas da

educação superior, é preciso lembrar ainda dos chamados cursos

emergenciais para formação de professores e dos cursos nas modalidadesde ensino semipresencial e a distância, que vêm tendo grande ênfase nas

políticas educacionais na última década.

 Em termos da população estudantil, pode-se dizer que há uma

baixa cobertura da educação superior. A taxa de escolarização líquida no

 País, para a faixa etária entre 18 e 24 anos, é de apenas 10,5 (Inep, 2005).

 De acordo com Sguissardi (2006, p. 1.027),

Trata-se de uma das mais baixas na América Latina, em que há casos de

países, como a Argentina, o Chile e o Uruguai, que já ultrapassavam, em2002, os 30%, meta que o Brasil estabeleceu para o ano 2011, isto é, dezanos após a aprovação do Plano Nacional de Educação em janeiro de 2001.

Segundo os dados do Censo da Educação Superior elaborado pelo

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

4 Cabe registrar, ainda, a c riação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a primeira do País.

 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

(Inep), havia no Brasil, em 2004, 4.163.733 alunos matriculados, sendo

que apenas 1.178.328 (28,3%) estavam inscritos em IES públicas e 2.985.405

(71,7%) estudantes freqüentavam IES privadas.Os dados de oferta, atendimento, permanência, desempenho, ou

melhor, de qualidade da educação básica e superior no País, bem como

das modalidades de educação (de jovens e adultos, especial, profissional,

etc.), implicam em discutirmos a educação brasileira como um todo, tendo

em vista um efetivo processo de democratização e de inclusão social no

 Brasil. No entanto, neste texto, em especial, examinaremos especifica-

mente a situação da educação superior brasileira, considerando as possibi-

lidades de democratização e inclusão com qualidade social.

Democratização, inclusão e massificação

Apesar de os números anteriores parecerem expressivos, a universi-

dade pública está distante de alcançar o estágio de massificação no Brasil.

Os matriculados em IES públicas (1.178.328) são poucos diante dos nú-

meros totais da população, sua diversidade cultural e fortes desigualdades

sociais. Isso, acreditamos, justifica políticas direcionadas para os segmen-

tos menos favorecidos da sociedade e, sobretudo, para negros, índios e

estudantes provenientes das escolas públicas.

 Matrículas na educação superior no Brasil – 2004

Matrículas Federal Estadual Municipal Pública –  Total

Privada Total

Diurno 430.388 286.772 35.874 753.034 956.351 1.709.385

 Percentual (%) 74,9% 60,8% 27,2% 63,9% 32,0% 41,1%

 Noturno 144.196 184.889 96.209 425.294 2.029.054 2.454.348

 Percentual (%) 25,1% 39,2% 72,8% 36,1% 68,0% 58,9%

Total 574.584 471.661 132.083 1.178.328 2.985.405 4.163.733

 Participação relativa (%) 13,8% 11,3% 3,2% 28,3% 71,7% 100%Fonte: Inep – Censo da Educação Superior 2004.

 Percebe-se pela tabela que existe ociosidade na infra-estrutura

pública universitária no período noturno. As IES públicas, segundo o Inep,

oferecem 36,1% de suas vagas em cursos noturnos. As IES federais têm

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25,1% de suas matrículas à noite, as estaduais possuem 39,2% nessa ca-

tegoria e as IES municipais (quase sempre pagas), mais abertas aos alunos

trabalhadores, oferecem 72,8% de suas vagas no período noturno. Não há justificativa plausível para se concentrar a oferta de cursos, prioritariamente,

à luz do dia.

 Na média, são as IES públicas estaduais que mais se aproximam da

apropriação ideal da infra-estrutura instalada, que giraria em torno de

50%. Sob esse mesmo ponto de vista, as IES municipais apresentam maior

oferta de vagas no turno noturno, gerando ociosidade, paradoxalmente,

no período diurno (somente 27,2% das vagas), demonstrando que seus

cursos são dirigidos para os alunos trabalhadores ou que as instalações

acadêmicas são compartilhadas com escolas do nível básico de ensino. Dessa maneira, pode-se inferir que políticas públicas dirigidas a um

melhor aproveitamento da infra-estrutura já instalada podem ser vistas

como uma forma pouco custosa de democratizar o acesso. Isto é, ocupar

a infra-estrutura ociosa no período noturno nos campi públicos (federais e

estaduais) com cursos de graduação seria uma oportunidade de se ofere-

cer educação superior gratuita para alunos que estão impossibilitados de

freqüentar cursos diurnos ou integrais. Tal política poderia contrariar os

interesses das IES privadas, que têm seu nicho de mercado (mais de dois

terços do total) no período noturno. A "massificação" encetada a partir

dos anos 1990 teve um viés mercadorizante, via oferta de ensino superior

pago, e visou atingir, majoritariamente, o trabalhador-estudante (ou o

estudante-trabalhador) que, em tempos de flexibilidade no mundo do tra-

balho e de incentivo às soluções individuais, buscou sua formação em

nível superior na iniciativa privada. Em 2004, de 2.985.405 alunos que

estavam matriculados nas IES privadas, 68% estudavam no período no-

turno. Multiplique-se esse número por mensalidades e chegar-se-á a cifras

mais que milionárias (Azevedo; Catani, 2005, p. 78).Toda política pública ou iniciativa governamental de implementação

de uma política social implica em mudanças no espaço de disposição dos

atores sociais no campo de que trata o objeto de intervenção pública, causan-

do rearranjos de acordo com a nova correlação de forças que pode, a partir

daí, se construir. Assim, percebe-se que os atores sociais estão em luta cons-

tante por espaços e a efetivação de novas políticas apresenta-se como um

momento de oportunidades de deslocamentos políticos no campo social.

 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 No caso específico da reforma da educação superior, proposta pelo

governo de Luiz Inácio Lula da Silva, nota-se que houve a sinalização de

benefícios para os estudantes provenientes de escolas públicas, para asetnias sub-representadas nas universidades (negros e índios) e para os

 jovens pertencentes às camadas sociais mais empobrecidas. Isto é, inicia-

tivas como o Programa Universidade para Todos (ProUni), a maior oferta

de vagas no período noturno, as cotas para negros, índios e estudantes

provenientes do ensino médio público, em potência, favoreceriam atores

sociais coletivos que tradicionalmente estão distanciados da universidade

pública. O ProUni ofereceu 118.078 vagas no ano de 2005 em 1.142 ins-

tituições de ensino superior particulares. Tal política pública beneficia dois

atores sociais distintos. Em primeiro lugar, os alunos em potencial de se-leção para ocupar essas vagas e, segundo, a esfera privada, que estaria

aproveitando a ociosidade em sua estrutura e conquistando renúncia fis-

cal.5 Note-se que, conforme o Censo da Educação Superior de 2003, as

IES privadas ofereceram 1.560.968 vagas em seus processos seletivos e

914.840 transformaram-se em matrículas efetivas, ou seja, em 2003,

646.128 vagas (41,39%) ficaram ociosas (Catani; Gilioli, 2005).

 A democratização da educação superior e as diretrizes do Banco Mundial 

 Nesse sentido, falar sobre a democratização do acesso e a inclusão

na educação superior implica em estabelecer políticas que beneficiam vari-

ados atores sociais. Além disso, deve-se notar que a inspiração de uma

política de matiz popular pode ser uma preocupação de movimentos sociais

e, ao mesmo tempo, de organismos multilaterais postos, paradoxalmente,

sob suspeição pelos próprios movimentos sociais. Para ilustrar tal afirmação,especificamente a respeito da educação superior no Brasil, tome-se o Rela-

tório 19392-BR – Brazil: Higher Education Sector Study , publicado pelo

 Banco Mundial em 30 de junho de 2000. Segundo esse documento,

5 Para Carvalho (2006, p. 988), com o ProUni, "é possível perceber que as instituições que mais se beneficiam são aquelascom fins lucrativos, já que ficam isentas, a partir da adesão, de praticamente todos os tributos federais que recolhiam".

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O Brasil tem contribuído intelectualmente de maneira considerável para odesenvolvimento e reforma de seu sistema de educação superior e temfeito progresso significativo em importantes áreas. Esta seção do relatório(do Banco Mundial) sugere incrementos para avançar mais o que já foi

implementado no Brasil, focalizando em objetivos estratégicos como o aces-so, qualidade, relevância e eficiência (World Bank, 2000, p. 46).6

O Relatório observa que existe pouca oferta de cursos de gradua-

ção noturnos (Ibidem, p. 5), que os estudantes universitários provêm dos

extratos mais aquinhoados da população (Ibidem, p. 7) e que o vestibular

não é um meio democrático de recrutamento, pois os cursos preparatórios

para o vestibular são caros, as provas privilegiam a memorização e os

locais de realização dos exames ficam nos centros metropolitanos - longe

de grandes populações do interior (Ibidem, p. 12). Nesse mesmo Relatório, o Banco Mundial demonstra simpatia pe-

los cursos seqüenciais, pela flexibilização dos currículos, pela instituição

do credenciamento e avaliação – Exame Nacional de Cursos (ENC –

“Provão"), comitê de avaliadores e estatísticas do Inep (Ibidem, p. 17).

Além disso, o documento do Banco Mundial referencia-se no Higher 

Education Funding Council for England  (HEFCE) como exemplo de finan-

ciamento por intermédio de um fundo para a educação superior (Ibidem,

p. 37). De acordo com o relatório, “o HEFCE é, sozinho, a maior fonte de

financiamento para a educação superior. Abaixo do Council grants  (ligado

ao Ministério da Educação), as mensalidades pagas pelos alunos são ge-

ralmente a maior fonte de recursos do fundo" (Ibidem, p. 37).7

A idéia de instituir o pagamento de mensalidades, suprimindo a

gratuidade da educação superior, está conectada a uma maior autonomia

das universidades. Conforme o relatório, “a autonomia acadêmica deveria

ser elevada de acordo com uma maior descentralização (diversificação) do

sistema de gerência de recursos" (Ibidem, p. 38).8

O documento do Banco Mundial procura, de maneira sofisticada,provar que as instituições particulares oferecem maior assistência a seus

6 Brazil has given considerable thought to the development and reform of its tertiary education system and has made significant progress in many important areas. This section of the report suggests further developments to progress already made by Brazil focusing on the strategic goals of access, quality, relevance and efficiency . (World Bank, 2000, p. 46).7 The HEFCE is the largest single source of income for the higher education sector. After Council grants, tuition fees are usually the only other major source of funding  (Ibidem, p. 37).8 Academic autonomy should be enhanced under a more decentralized system of resource management (Ibidem, p. 38).

 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

estudantes (29,14%) que as universidades públicas (10,25% a 13,55%) (Ibidem,

p. 42). Porém, é sabido que a ajuda que as IES privadas fornecem aos alunos

circunscreve-se, em grande medida, a descontos e a bolsas em suas mensali-dades, em razão da inadimplência e da competição no setor; já as IES públi-

cas, nesse quesito, estariam ajudando a quase totalidade de seus alunos, pois

em geral, são gratuitas. Além disso, não é demais lembrar que as bolsas de

iniciação científica (Pibic), de ensino e extensão, entre outras, são majoritari-

amente destinadas às IES públicas por meio de agências de fomento.

A seção 3 do Relatório do Banco Mundial está reservada às “Estra-

tégias e recomendações para a educação superior no Brasil" que, entre

outros, incentiva a melhoria no acesso (improving access ) por intermédio

da diversificação da oferta, de cursos noturnos, da educação a distância edo fornecimento de crédito aos estudantes pobres (Ibidem, p. 46).

Seletividade social e perspectivasde democratização do acesso

Os indicadores da educação escolar no Brasil resultam de processo histó-

rico e, ao mesmo tempo, de políticas recentes no campo educacional. Nesse

contexto, é preciso reconhecer que o acesso à educação superior no Brasil sempre

foi um tema polêmico, especialmente porque confronta, de um lado, perspecti-

 vas mais elitistas de contenção do acesso visando, em grande parte, à manuten-

ção do prestígio dos diplomas e o status dos profissionais no mercado de trabalho

e, de outro, perspectivas mais populares de ampliação do acesso, o que represen-

ta aspirações de largas camadas da sociedade, objetivando inserção profissional

que garanta melhoria nas condições de vida e de ascensão social.

Criado em 1911, em um movimento de contenção do acesso, o

 vestibular tinha como objetivo selecionar candidatos “aptos" para o ensi-

no superior.9 Ele surgiu em um momento em que o número de pessoas

interessadas em fazer curso superior era maior do que o número de vagas

oferecidas pelas IES. Nesse sentido, o vestibular cumpre historicamente o

9 Os exames de admissão/entrada no ensino superior foram criados pelo Decreto n. 8.659, de 5 de abril de 1911, por ocasiãoda Reforma Rivadávia Correa. Apenas em 1915 os exames de admissão são chamados de exame vestibular , durante a

 Reforma Carlos Maximiliano. Em 1925, na Reforma Rocha Vaz, ocorre o processo de classificação dos candidatos e a fixaçãodo número de vagas por curso. Já em 1931, durante a Reforma Francisco Campos, foram criados os exames por curso.

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papel de limitar o acesso. É exatamente esse papel que fez dele algo tole-

rado (como um remédio ruim, mas necessário) ou criticado (como meca-

nismo de exclusão social). Por isso, há uma corrente que entende que o vestibular, ou melhor, o processo seletivo (conforme a atual LDB) apenas

seleciona para as vagas existentes nas IES e, por esta razão, não pode ser

responsabilizado pela seletividade social. O vestibular ou processo seletivo

estaria apenas reproduzindo a seletividade já existente na sociedade e na

escola básica. Outra concepção, por sua vez, preconiza o fim do vestibular

ou seu equivalente por entender que ele intensifica a discriminação social

e produz efeitos danosos sobre as escolas e sobre os sistemas de ensino.

 Esse tem sido um impasse nos debates educacionais nas últimas décadas.

A LDB confirmou tendência de reforço à autonomia das universidadesno tocante às formas de acesso dos concluintes do ensino médio aos cursos

superiores, uma vez que essa autonomia havia sido decretada no governo

Collor, em 1990 (Decreto nº 99.490/90), em um contexto de crítica à “seletividade

social promovida pelo vestibular". Com essa autonomia, observa-se que o pro-

cesso de diversificação dos modelos de seleção nas IES intensifica-se; entretan-

to, isso não significa o fim do processo de elitização e de seletividade social.10

 De acordo com estudo realizado pelo sociólogo Simon Schwartzman (2002,

p.113),11 “o número de estudantes nas universidades cresceu 76% entre 1992

e 1999, mas esse aumento não significou o ingresso, na mesma medida, dos

menos favorecidos ao 3o grau". Conforme o estudo, “a proporção de alunos

universitários procedentes da camada dos 20% mais ricos da população au-

mentou de 67% para 70% no período. Ao mesmo tempo, a presença dos 20%

mais pobres sofreu queda de 1,3% para 0,9%".12  Verifica-se, portanto, que a

expansão ocorrida na última década, sobretudo por meio do setor privado, não

tem aumentado a participação dos mais pobres no sistema.13

10 Segundo dados do Inep, atualmente existem distintas formas de ingresso nas IES. Entre elas destacam-se: vestibular; Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); avaliação seriada no ensino médio; teste/prova/avaliação de conhecimentos;avaliação de dados pessoais/profissionais; entrevista e exame curricular/do histórico escolar.(www.educacaosuperior.inep.gov.br/formas_acesso.stm, acessado em setembro/2006).11 O estudo baseia-se em informações levantadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto

 Brasileiro de Geografia e Estat ística (IBGE).12 O Censo da Educação Superior (2000) mostra que as vagas oferecidas nos cursos de graduação contabilizavam 1.100.224,enquanto as inscrições totalizavam 3.826.293; já os ingressos foram 829.706, as matrículas 2.694.245 e os concluintes324.734. Assim, foi de 3,5 a relação inscrições/vaga no vestibular, sendo 9,8 na esfera federal, 10,1 na esfera estadual, 2,1na esfera municipal e 2 na rede privada.13 O ProUni, por ser uma política afirmativa dirigida aos menos favorecidos pode, possivelmente, alterar, dentro do seualcance, essa composição social. Cabe, todavia, exame mais acurado do impacto desse Programa na democratização doacesso à educação superior.

 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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acesso implica, certamente, em nova fase de expansão do ensino superior 

público e gratuito no País , algo ainda distante para sua concretização,

levando-se em conta que o governo FHC vetou – e o atual governo nãoalterou em nada tal veto – o artigo do Plano Nacional de Educação (PNE),

aprovado pela Lei nº 10.172/01, que visava “ampliar a oferta de ensino

público de modo a assegurar uma proporção nunca inferior a 40% do

total das vagas, prevendo inclusive a parceria da União com os Estados na

criação de novos estabelecimentos de educação superior". O governo ve-

tou nove subitens do Plano que promoviam alterações ou ampliavam re-

cursos financeiros para a educação, sendo que cinco deles se referiam à

educação superior, indicando que não há intenção em incrementar subs-

tancialmente os recursos para a educação superior, em especial, para aquelamantida pela União. O vaticínio de Carvalho (2006, p. 996) é oportuno:

O empecilho à massificação do ensino superior brasileiro não está na au-sência de vagas para o ingresso no sistema, mas na escassez de vagaspúblicas e gratuitas. Estas são insuficientes e inadequadas diante do perfildos estudantes que concluem o ensino médio. Deste contingente, 63%estudam em escolas públicas no período noturno.

As políticas de educação superior implementadas no Brasil, na últi-

ma década, consubstanciam expansão acelerada do sistema por intermé-

dio da diversificação da oferta, do crescimento das matrículas no setor

privado e da racionalização dos recursos nas Instituições Federais de Edu-

cação Superior (Ifes), permitindo a ampliação de vagas quase que a custo 

zero , sobretudo nas universidades federais.14 Objetiva-se também maior

articulação dos currículos de formação com as demandas do mercado e

maior controle da educação superior, por meio de amplo e diversificado

sistema de avaliação, que ordene as tomadas de decisão em termos de

gestão e do estabelecimento de políticas governamentais.

A ausência dos itens vetados no PNE parece consubstanciar aindamais o processo de mercantilização da educação superior em curso no

14 Na vigência do governo FHC (1995-2002) observou-se crescimento acentuado nos indicadores acadêmicos das universi-dades federais, em especial no tocante ao número de alunos de graduação e de pós-graduação, sem que isso significassecrescimento nos recursos para manutenção e desenvolvimento dessas instituições e reposição ou aumento dos quadrosdocentes e de servidores técnico-administrativos. No primeiro mandato do governo Lula (2003-2004) observou-se, a partirde 2004, maior investimento na expansão das Ifes e dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), além doaumento de recursos para custeio nas universidades federais e abertura de concursos públicos para recuperação dos quadrosdocente e técnico-administrativo.

 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 País, à medida que favorece o crescimento do setor privado e induz as Ifes

a assumirem um perfil mais empresarial quanto à obtenção de recursos

financeiros para sua manutenção e desenvolvimento, bem como eliminaaportes financeiros para manter ao menos o patamar de 40% das vagas no

setor público, como indica o PNE, uma vez que o setor privado já respon-

de por mais de 70% das matrículas nos cursos de graduação.

Considerações finais sobre as perspectivasde democratização da educação superior no Brasil 

 Parece evidente que a perspectiva de democratização do acesso e

inclusão na educação superior no Brasil não poderá se efetivar sem uma

ampliação dos investimentos da União e dos Estados na oferta desse nível

de ensino, bem como sem um aumento dos gastos públicos na educação

básica e nas diferentes modalidades de educação e ensino.15 Sem esses

recursos, dificilmente será possível cumprir, também, o estabelecido no

art. 47, § 4º da LDB em vigor, que obriga as IES públicas a oferecerem, "no

período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade

mantidos no período diurno". Assim, pode-se afirmar que a efetiva demo-

cratização do acesso à educação superior passa mais pela pressão da soci-

edade no sentido da ampliação de vagas, sobretudo nas IES públicas, do

que pela definição de formas e modelos alternativos de seleção.16

As inovações de seleção não têm conseguido alterar o panorama de

seletividade social, uma vez que elas não modificam o paradigma de esco-

lha elitista existente no País. A LDB não ocasionou, na realidade, qualquer

ruptura com o padrão de seleção instituído que privilegia os candidatos

com maior capital econômico e cultural. Continua, desse modo, a seleção

15 Um dos vetos do PNE (item 10.3, subitem 4) dizia respeito à elevação, na década, do percentual de gastos públicos emeducação em relação ao PIB (a meta seria atingir um mínimo de 7% do PIB).16 Em publicação do Inep, Pacheco e Ristoff (2004) analisam os indicadores e as tendências atuais do sistema de educação,tendo em vista alcançar as metas de matricular 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos e de expandir asmatrículas no setor público para 40% até o ano de 2010, como prevê o PNE. Os autores concluem que isso não será possívelsem que ocorra "uma participação decisiva do setor público", o que certamente incluirá uma expansão das matrículas nasinstituições públicas federais e estaduais, em especial no turno da noite. Destacam, ainda, o papel do Fundo de Financia-mento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), do ProUni, da educação a distância e da educação tecnológica nessaexpansão pública.

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baseada nas aptidões e capacidades naturais  que, historicamente, tem as-

segurado que a educação superior, sobretudo os cursos de maior prestígio

social, seja destinada a uma elite econômica e culturalmente privilegiada.Como reconhece o Conselho Nacional de Educação (CNE) em rela-

ção aos condicionantes socioeconômicos, “as diferenças se revelam já no

momento da escolha das carreiras, isto é, na inscrição para o concurso, e

não somente após a classificação dos candidatos que lograram aprova-

ção" (Parecer CNE nº 95/98). De qualquer forma, segundo um ex-ministro

da educação, "o ensino superior deve continuar sendo seletivo, isto é,

destinado aos mais capazes" (Souza, 1999, p. 30). Para ele, todavia, a

“seleção não pode implicar discriminação", o que estará resolvido, segun-

do seu entendimento, se os processos seletivos obedecerem ao princípioconstitucional da igualdade de condições para acesso segundo a capaci-

dade de cada um  (art. 206, inciso I e art. 208, inciso V, da Constituição

 Federal de 1988).

 Em que pese o relativo papel dos processos seletivos na democrati-

zação do acesso à educação superior, devemos reconhecer que tais mode-

los de seleção podem intensificar a reprodução e a seletividade social, bem

como podem interferir na organização escolar e no projeto formativo do

ensino médio. Por isso, temos o desafio de integrar as IES públicas, parti-

cularmente as universidades, ao esforço coletivo de valorização e resgate

da escola pública e de reconhecimento da educação como direito em seus

diferentes níveis e modalidades de ensino. Nesse sentido, devemos pensar

em processos seletivos que contribuam efetivamente para a construção da

educação pública e da sociedade democrática que queremos, significando

que devem ser direcionados no sentido de romper com os fundamentos

que favorecem a seletividade social.

 É preciso reconhecer que a elevação da qualificação geral da popu-

lação brasileira constitui-se em aspecto essencial em uma sociedade e emuma economia baseada cada vez mais na educação e no conhecimento.

 Por um lado, portanto, há o desafio de atender a demandas econômicas e

sociais heterogêneas por educação superior; de outro, a necessidade de

ampliar significativamente a produção de conhecimento que contribua

para o bem-estar coletivo e para a construção da sociedade futura.

Assim, as perspectivas de universalização da educação superior no

 Brasil implicam, no momento, entre outros fatores, na(o):

 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

a) retomada da discussão dos vetos ao PNE, que ampliava os recur-

sos dos fundos públicos para a educação, particularmente, para

a educação superior;b) mudança da lógica de expansão do sistema, que privilegia o cres-

cimento do setor privado e, portanto, a privatização da oferta;

c) melhoria da qualidade do ensino na educação básica, visando

ampliar consideravelmente as possibilidades de acesso dos alu-

nos advindos das escolas públicas;

d) ampliação do programa de financiamento para estudantes com

baixo poder aquisitivo, visando atingir, no mínimo, “30% da po-

pulação matriculada no setor particular", como indicava item

 vetado do PNE;e) ampliação da oferta de ensino pós-médio, incluindo formação

em áreas técnicas e profissionais e a criação de modalidade de

curso universitário intermediário voltado à formação mais geral

e acadêmica, que contribua para atingir, pelo menos, “30% da

faixa etária de 18 a 24 anos" até o final da década da educação

permitindo, assim, a continuidade dos estudos após o ensino

médio; e

f) reforço e ampliação do papel das universidades públicas, especi-

almente das federais, na oferta de maior número de vagas para

cursos de graduação, sobretudo no período noturno, na forma-

ção de quadros profissionais, científicos e culturais, na investi-

gação e pesquisa acadêmica, na busca de soluções para os pro-

blemas da sociedade brasileira e no desenvolvimento científico e

tecnológico do País.

 Passados mais de dez anos de aprovação da LDB (Lei nº 9.394/96),

observa-se que ainda são enormes os desafios para uma efetiva democra-tização da educação escolar no Brasil, incluindo a educação básica (edu-

cação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e a educação superior.

Os fatores explicitados no presente texto evidenciam que não são boas as

perspectivas em termos de acesso, permanência e aumento da taxa de

concluintes na educação superior, com melhoria do nível de qualidade,

pois boa parte desse esforço implica na definição e adoção de políticas

que alterem os rumos do processo de reestruturação da educação

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implementados na última década. Democratizar o acesso à educação su-

perior com qualidade social significa democratizar a utilização dos recur-

sos do fundo público com efetivo controle social, exercido por organismoslegitimamente aceitos pela sociedade civil.

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 Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil

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5Ensino noturno e expansão do acesso

de estudantes-trabalhadoresà educação superior* 

 Mariluce Bittar**

Carina Elisabeth Maciel de Almeida***

Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso****

* Este texto é resultado de pesquisa do Projeto Interinstitucional "Ensino Noturno – acesso e democratização da educaçãosuperior", desenvolvido com apoio financeiro do CNPq e da FUNDECT/MS, sob a coordenação da professora doutora

 Mariluce Bittar.** Doutora em Educação; coordenadora do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade Católica

 Dom Bosco (UCDB) e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas de Educação Superior (Geppes); e-mail : [email protected]*** Mestre em Educação; doutoranda em Educação (UFMS); pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticasde Educação Superior (Geppes); e-mail : [email protected]**** Mestre em Educação; doutoranda em Educação (UFG); professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul epesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas de Educação Superior (Geppes); e-mail : [email protected]

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Introdução

As políticas de educação superior no Brasil, especialmente dos anos1990 em diante, enfatizam a necessidade de ampliar o acesso dos jovens a

esse nível de ensino, posto que um grande contingente se encontra exclu-

ído dos bancos da universidade. Uma das formas de ampliar esse acesso,

preconizadas por essas políticas, refere-se ao oferecimento de cursos de

graduação noturnos. Segundo Carlos Benedito Martins (2006, p. 1.002),

“uma das tendências do ensino superior contemporâneo, em escala inter-

nacional, diz respeito à ampliação do seu acesso, fenômeno que se iniciou

a partir da segunda metade do século XX". Essa “tendência" se justificatambém devido a uma demanda de estudantes que, ao mesmo tempo é

trabalhadora, isto é, já está engajada no mercado de trabalho, necessita

cursar a educação superior como meio de ascensão socioeconômica.

Implantar políticas que favoreçam o acesso à educação superior é

uma questão legítima da sociedade brasileira e favorece o desenvolvimen-

to do País. Não obstante, muitas instituições de educação superior (IES),

ao criarem cursos predominantemente noturnos, o fazem na perspectiva

 Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

de atender suas necessidades de sobrevivência institucional, cumprindo as

exigências do mercado, em detrimento do oferecimento de cursos com

qualidade de ensino.Instituições privadas e com fins lucrativos têm ampliado, significa-

tivamente, a oferta de cursos noturnos, aumentando o número de pagantes

e conquistando um público interessante, do ponto de vista econômico,

pois são alunos trabalhadores e que precisam do certificado para manter

ou melhorar seus empregos. Segundo José Marcelino Pinto (2004, p. 752),

“[...] o Brasil tem uma necessidade premente de ampliar o acesso à educa-

ção superior e de democratizar o perfil dos seus alunos, em especial nos

cursos mais concorridos". Entretanto, entre as opções oferecidas no perí-

odo noturno, não se observam os cursos mais concorridos, como Medici-na, Odontologia e Engenharia. Ao contrário, as características dos cursos

oferecidos no período mencionado convergem no sentido de não necessi-

tarem de laboratórios, não serem oferecidos em mais de um período (no-

turno e vespertino), representando uma alternativa de baixo custo tanto

para as IES quanto para os alunos.

 Ressalte-se que a forma de organizar o ensino no período noturno

não pode ser igual à do período diurno, principalmente ao se considerar o

perfil dos alunos que freqüentam tais cursos e que se configuram, na

grande maioria como estudantes-trabalhadores. Nesse sentido, os cursos

noturnos deveriam ter uma organização específica e um modo de funcio-

namento diferente daquele que se imprime aos cursos diurnos, os quais

recebem uma demanda com diferenças significativas em seu perfil.

 Paolo Nosella (2005, p. 1-2), refletindo sobre a implantação de

cursos noturnos fundamentada na proposta de Antônio Gramsci, afirma

que “[...] organizar um curso noturno não é um empreendimento fácil,

pois não é uma mera transferência para as horas noturnas dos cursos

diurnos". Ou seja, “[...] os métodos, os instrumentos, os conteúdos, osmestres e as motivações são absolutamente diferentes [...]" (Ibidem, p. 2)

daqueles direcionados aos cursos diurnos. Analisando, portanto, a propos-

ta de Gramsci de uma escola socialista para os trabalhadores, Paolo Nosella

conclui que “[...] pouco ou nada tem a ver com o nosso ensino noturno

com a proposta pedagógica de Gramsci [...]" (Ibidem, p. 3). Dessa forma,

observamos a necessidade do oferecimento de cursos no período noturno,

mas com organização específica e com características diferentes das que

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estão presentes nesse contexto nos cursos atuais oferecidos pelas IES,

sejam elas públicas ou privadas.

 No Brasil, a expansão da educação superior e, notadamente, o ensi-no superior noturno, reflete a privatização desse nível de ensino, como de-

monstram os dados apresentados páginas a seguir. O paradigma implícito

na Declaração de Bolonha1 “[...] prioriza a diversidade e a competitividade, a

adaptação da formação ao mercado de trabalho e a mobilidade acadêmica"

(Moraes, 2006, p. 188). Essa globalização, ou internacionalização, da edu-

cação superior cresce em consonância com políticas ditadas por organismos

multilaterais que entendem a expansão das IES como meio de crescimento

econômico e social. É nessa conjuntura que o acesso à educação superior,

por meio de ensino noturno, é incorporado às transformações preconizadaspelas políticas públicas educacionais.

A análise da expansão de vagas, cursos e matrículas na educação

superior noturna, deve articular-se à investigação das políticas de educa-

ção superior implementadas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC),

bem como às orientações de organismos internacionais (Banco Mundial –

 BM, Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – Bird, Or-

ganização Mundial do Comércio – OMC) que influenciam diretamente a

implementação de políticas públicas para o setor.

O ensino noturno, a educação superior e a reforma universitária

A Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, instituiu os princípios

para a organização e o funcionamento do ensino superior. Contudo, ou-

tras leis e decretos, com objetivos semelhantes2 estabeleceram mudanças

na vida dos cidadãos brasileiros, especialmente os intelectuais e professo-res universitários que foram duramente reprimidos, torturados e expulsos

1 A Declaração de Bolonha é um documento elaborado pelo conjunto de “[...] Ministros da Educação Europeus, assinada em Bolonha, em 1999, para a consolidação de um espaço comum de Ensino Superior Europeu" (Morosini, 2006, p. 118).2 Decreto nº 34.742, de dezembro de 1953; Decreto-Lei nº 53, de 18 de novembro de 1966, sobre universidades, suaorganização e seu funcionamento; Decreto-Lei nº 252, de 28 de fevereiro de 1967, que estabelece normas complementaresao Decreto-Lei nº 53 e outras providências; Lei nº 5.539, de 27 de novembro de 1968, que modifica dispositivos sobre o

 Estatuto do Magistério Superior.

 Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

do Brasil, sob os auspícios do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de de-

zembro de 1968. De acordo com Bittar (2001, p.125),

O ano de 1968 foi um marco, tanto no campo da política, quanto nocampo da educação. Antes mesmo da promulgação do AI-5, diversos seto-res da sociedade civil organizaram-se numa tentativa desesperada de res-guardar o mínimo de dignidade e democracia no país. Foi assim que acategoria dos estudantes universitários mobilizou-se exigindo reformas emtodos os níveis, mas, sobretudo, uma reforma universitária.

 Para Florestan Fernandes (1979, p. XIX), a Reforma Universitária de

1968 tinha como objetivo outro enfoque, diferente do proclamado pelos

representantes do governo:

A reforma universitária não diz respeito a problemas e dilemas mais gravesque os outros que se abatem sobre nossa economia, sobre nossa sociedadee sobre nossa cultura. [Apresenta] (...) como pano de fundo geral: a incapa-cidade de organizar as forças materiais, sociais e culturais do ambiente, decanalizar institucionalmente os recursos disponíveis e controláveis, segun-do modelos construtivos para a integração nacional da economia, da soci-edade e da cultura.

 Na conjuntura então vigente, a industrialização confundia-se com

a afirmação nacional, e o “[...] industrialismo se torna, praticamente, sinô-

nimo de nacionalismo" (Saviani, 1988, p. 82). Sob a bandeira da educaçãocomo meio para ascensão social e econômica, a classe média fascinava-se

com a idéia de democratização da educação superior, apoiando assim a

nova legislação que aparentemente preconizava tal perspectiva, porém, na

realidade, visava a uma “elite pensante", uma vez que o acesso à universi-

dade era possível apenas para jovens das classes médias altas.

O sistema de créditos implantado pela nova lei tinha como objetivo

político a desmobilização de grupos estudantis e a redução de custos, mas

foi apresentado como solução democrática para os estudantes. “O regime

de créditos e a matrícula por disciplina dispersaram os alunos que passa-ram a ter várias turmas com colegas diferentes, não lhes possibilitando

freqüentar uma mesma 'classe' do início ao fim do curso" (Bittar, 2001, p.

129); a departamentalização teve, também, como um dos objetivos políti-

cos a desmobilização dos movimentos estudantis. Assim, o “autoritarismo

desmobilizador" (Saviani, 1988, p. 97), instituiu mudanças estruturais nas

instituições de ensino superior que influenciam até hoje as universidades. Na

época, o ambiente era de reivindicações políticas, impelindo os acadêmicos a

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mobilizarem-se em prol de um objetivo comum, movimento esse que modifi-

cou a estrutura da universidade, assim como ofereceu novas dimensões quan-

to a seu papel social e político.

 Eis como a Lei nº 5.540/68, cumpriu o seu papel de reformular o ensinosuperior brasileiro definindo-se pela aplicação, nesse campo particular, daestratégia do "autoritarismo desmobilizador" acionada em função da im-plantação da "democracia excludente". (Saviani, 1988, p. 98).

 Nessa perspectiva, a ampliação de vagas no setor público e o estímu-

lo à expansão do setor privado eram objetivos propostos pela Reforma Uni-

 versitária de 1968, atendendo às necessidades políticas e econômicas dos

governos militares da época. Consolidou-se a “democracia excludente", com

o objetivo de desmobilizar a sociedade, instituindo a censura, a proibição de

movimentos sociais, cassações e vários outros tipos de repressão política.

Com o final do regime militar e o processo de redemocratização do

 Brasil, foi promulgada, em 5 de outubro de 1988 a Constituição da Repú-

blica Federativa do Brasil, que apresenta “[...] o mais longo capítulo sobre

a educação de todas as constituições brasileiras" (Vieira, 2000, p. 62). No

que diz respeito à educação superior, a Constituição Federal fixou para as

universidades a autonomia didático-científica e estabeleceu a

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, assim como permitiuo repasse de recursos públicos para instituições privadas:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, admi-nistrativa e de gestão financeira patrimonial, e obedecerão ao princípio deindissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. [...]Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, poden-do ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, de-finidas em lei. (Brasil, 1988, p. 120-121).

A Constituição Federal de 1988 assegura que a educação é direito

de todos e dever do Estado, e deve promover o exercício da cidadania e aqualificação para o trabalho. Com relação ao acesso e à oferta de cursos

no período noturno, destaca-se o artigo 208 que explicita:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante agarantia de:[...]

 V – acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criaçãoartística, segundo a capacidade de cada um;

 VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educan-do (Brasil, 1988, p. 120).

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neoliberalismo tem papel principal influenciando na diferenciação de di-

retrizes para as universidades. As orientações preconizadas pela LDB/1996

e por legislação complementar, como por exemplo, flexibilização,heterogeneidade e diversificação da educação superior, de acordo com

 Valdemar Sguissardi (2000, p. 30), apontam para a modernização do siste-

ma de educação superior no País:

 Este capítulo é a verdadeira plataforma legal ou moldura jurídica em que seapoiará uma série de ações de reforma em grande medida identificadascom as recomendações dos organismos multilaterais já referidos, mas dehá muito também defendidas por analistas e mentores nacionais da mo-dernização do sistema de educação superior do país (sic).

 Estabelece-se nova forma de organização das ent idadesmantenedoras privadas de ensino superior, fato que continua motivando

discussões acirradas sobre a qualidade da educação superior, sobre a rela-

ção pública-privada, entre outras. Desde a aprovação da LDB/1996, o nú-

mero de instituições de ensino superior privadas cresceu 88,9%, enquanto

as públicas cresceram 11,1%, no mesmo período (1996 a 2004). Entretan-

to, esse processo de expansão não favoreceu o acesso à educação superior

aos grupos com baixa renda, ou seja, aos que não têm condições de cus-

tear o ensino privado. Para Valdemar Sguissardi (2000, p. 41):

A idéia de universidade associada à de empresa privada alimenta-se nacategoria mercantilização do saber e da ciência, que adquirindo cada diamais a condição de mercadorias típicas do atual modo de acumulaçãodeixam de ser considerados bens coletivos e direito fundamental da cida-dania, garantidos essencialmente pelo Fundo Público do Estado. Daqui aforça da expressão oficial: educação como atividade não exclusiva do Esta-do e competitiva (grifos do autor).

O processo de reconfiguração da educação superior acelerou o pro-

cesso de privatização e também de mercantilização desse nível de ensino,

afetando sobremaneira as instituições públicas.

Tal situação vem ampliando as ambigüidades ou diferenças entre as cha-madas universidades brasileiras , notadamente por meio de(a): situação ju-rídica; titulação do corpo docente; forma de admissão, contrato, carreira,política salarial e plano de qualificação; qualidade dos cursos; produtivida-de institucional e docente; modelo de gestão e financiamento; relaçãoensino-pesquisa; prestígio social e acadêmico, etc. As diferenças institucionaisdesencadeiam um processo de disputa no campo universitário, levando asinstituições a buscarem uma distinção e uma vocação que garanta maior

 Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

legitimidade e relevância no campo, o que pode implicar maior ou menorfinanciamento das atividades acadêmicas. Por outro lado naturalizam umcenário de minimização do papel da educação universitária. (Dourado, Oli-

 veira, 2003, p.88 – grifos dos autores).

Após constatação de que o setor privado congrega o maior número

cursos de graduação no período noturno, torna-se, no mínimo, curioso,

observar o que afirma a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de

1996 (LDB/1996), a respeito do dever do Estado com a oferta de educação

escolar pública:

Título III – Do direito à educação e do dever de educarArt. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivadomediante a garantia de:[...]

 V – acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criaçãoartística, segundo a capacidade de cada um;

 VI – oferta de ensino noturno regular , adequado às condições do educando; VII – oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com carac-terísticas e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilida-des, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola (grifos nossos).

 Mesmo que a letra da Lei acima (LDB/1996) seja semelhante ao

disposto na Constituição Federal de 1988, o prescrito no artigo 4º da LDB/

1996 refere-se ao dever do Estado com as instituições de educação públi-cas, delegando a oferta do ensino noturno como meio para efetivação

dessa responsabilidade, conforme o inciso VI; outro aspecto a ser conside-

rado é que o inciso anterior (V) refere-se ao acesso aos níveis mais eleva-

dos e, o inciso posterior (VII) menciona a educação a jovens e adultos

trabalhadores, aos quais deve ser garantido acesso e permanência na esco-

la. A relação entre os três incisos aparenta ser complementar, entretanto,

os números observados na Tabela 1, indicam que tal exposto não se con-

cretizou, uma vez que as matrículas dos cursos superiores noturnos con-

centram-se, majoritariamente, nas IES privadas, demonstrando que o Es-tado não assumiu satisfatoriamente sua função no sentido de garantir a

oferta de educação pública, gratuita e de qualidade a todos que almejam

uma vaga nos cursos de educação superior.

Ainda na LDB/1996, o artigo 47, em seu parágrafo 4º, reforça o

dever do Estado com a oferta de cursos de graduação noturnos e ressalta

a importância de garantir padrões de qualidade compatíveis aos cursos

oferecidos no período diurno:

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

A preocupação com a qualidade do ensino noturno é pertinente,

uma vez que a história da educação superior é permeada, desde a Reforma

 Universitária de 1968, pela bandeira da expansão desse nível de ensino. Énesse sentido que se analisa o disposto na legislação e os dados que apon-

tam maior presença das instituições de educação superior privadas na

oferta do ensino superior noturno. Tal situação de expansão apresenta

características no sentido de garantir um mercado lucrativo, qualificando

alunos com nível comparável ao do ensino técnico profissionalizante, con-

forme apontam os dados da pesquisa de Spósito (1989).

Outra pesquisa de Maria do Carmo Peixoto (2004) sobre os alunos

dos cursos noturnos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apon-

ta que os estudantes que freqüentam os cursos noturnos têm a mesmaqualidade de ensino que os alunos, dos mesmos cursos, que freqüentam o

período diurno: “Os dados apresentados [...] evidenciam que não se encon-

trou qualquer indício de que, na UFMG, o oferecimento de cursos noturnos

resulte na formação de um profissional de pior qualidade" (Ibidem, p. 195).

 É necessário ressaltar que a pesquisa de Spósito foi desenvolvida

em IES privadas e a de Peixoto em IES públicas. As duas pesquisas são

diferentes em vários aspectos, porém, ambas apontam que as IES públicas

deveriam assumir a oferta de cursos superiores noturnos, uma vez que o

interesse das IES públicas e das privadas é diverso e influencia na qualida-de dessa oferta.

Corroborando para que o Estado assuma a criação de cursos no

ensino noturno com qualidade, o Plano Nacional de Educação (2001)

apresenta como um dos objetivos a diversificação em sua oferta usando o

artifício da flexibilização:

13. Diversificar a oferta de ensino, incentivando a criação de cursos noturnoscom propostas inovadoras, de cursos seqüenciais e de cursos modulares, coma certificação, permitindo maior flexibilidade na formação e ampliação daoferta de ensino. (Brasil, 2001, p. 99).

 É no bojo desses debates em torno dos novos papéis assumidos e/

ou impingidos à universidade brasileira, que Luiz Inácio Lula da Silva as-

sume a Presidência da República e, de imediato, propõe uma nova Refor-

ma Universitária. Com acentuada ênfase no discurso da inclusão e da

democratização do acesso, o novo governo preconiza “[...] criar condições

para a expansão com qualidade e eqüidade" (MEC, 2005, p. 1).

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Na comparação entre o Brasil, a Região Centro-Oeste e os estados

de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, observa-se que apenas este último

apresenta uma taxa de crescimento de oferta de vagas noturnas no setorpúblico duas vezes maior que a do Brasil, e a do setor privado é a menor

entre os demais. A oferta de vagas nos cursos noturnos das IES privadas é

maior em todas as Federações analisadas na Tabela 2, porém, o Estado de

 Mato Grosso do Sul apresenta metade do percentual observado nas de-

mais Federações, nas quais o percentual gira em torno de 400% de cresci-

mento das vagas oferecidas entre o período de 1996 a 2004.

 No Brasil, o aumento das vagas noturnas é de 62%, o que repre-

senta, aproximadamente, um quinto do aumento de vagas no período

noturno observado nas IES privadas do País (349%), no mesmo período. Na Região Centro-Oeste esse percentual é ainda mais distante, pois as

 vagas públicas configuram um aumento de 57%, enquanto as IES priva-

das aumentaram suas vagas no período noturno em 445%. Crescimento

similar é observado no Estado de Mato Grosso, no que o setor público

compreendeu aumento de 69%, e na esfera privada teve 428% de cresci-

mento na oferta de vagas. Divergindo do cenário nacional, o Estado de

 Mato Grosso do Sul apresentou crescimento de 154% na oferta de vagas

em cursos noturnos do setor público, entretanto, o aumento na esfera

privada (200%), mesmo sendo menor do que o observado no País perma-

nece maior do que nas IES públicas.

Os dados do Estado de Mato Grosso do Sul nos leva a questionar

sobre possíveis causas desses percentuais. Nesse caso é interessante consi-

derar a implantação, na década de 1990, da Universidade Estadual de

Tabela 2 – Oferta de vagas em cursos de graduação presenciaisnoturnos, por categoria administrativa Brasil, Centro-Oeste, Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul – 1996/2004

Brasil Centro-Oeste Mato Grosso  Mato Grosso do

SulANO

Público Privado Público Privado Público Privado Público Privado

1996 72.869 305.920 7.770 21.432 1.704 4.380 1.103 5.7342004 118.277 1.375.455 1 2.243 116.978 2.891 23.131 2.805 17.203

1996-2004

(%)  62,31 349,61 57,57 445,81 69,66 428,11 154,31 200,02

Fonte: MEC/Inep/Deaes, 2006.

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 Mato Grosso do Sul (Uems), que foi responsável pela abertura de novos

cursos noturnos no interior do Estado, consolidando alguns de seus obje-

tivos no sentido de promover a interiorização da educação superior, e deexpandir cursos de licenciatura para qualificar e formar professores que já

atuavam na educação básica. Ao oferecer cursos para estudantes-traba-

lhadores, o período elencado foi o noturno, uma vez que nos demais não

haveria possibilidade de freqüência por parte dos alunos mencionados.

 Nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, desde a década

de 1990 a maior oferta de vagas era observada no período noturno, tanto

no setor público quanto no privado, entretanto, no ano de 2004, em Mato

Grosso, identificamos maior aumento de vagas oferecidas pelas IES públi-

cas no período diurno, enquanto no Estado de Mato Grosso do Sul essaoferta apresenta certo equilíbrio entre os períodos, mas prevalece o maior

número de vagas oferecidas no período diurno.

Tabela 3 – Oferta de vagas em cursos de graduação presenciais,por turno e categoria administrativa em Mato Grosso e Mato Grosso

do Sul – 1996/2004

Mato Grosso   Mato Grosso do Sul

Público Privado Público PrivadoAno Diur no Notur no Diurno Notur no Diurno Noturno Diur no Notur no

1996 1.542 1.704 770 4.380 938 1.103 1.890 5.734

2004 3.488 2.891 6.647 23.131 2.430 2.805 6.116 17.203

1996-2004(%)

  126,20 69,66 763,25 428,11 159,06 154,31 223,60 200,02

Fonte: MEC/Inep/Deaes, 2006.

O setor privado, no Estado de Mato Grosso do Sul teve um aumen-

to na oferta de vagas em cursos superiores noturnos de 200% entre os

anos de 1996 e 2004, ao passo que em Mato Grosso esse percentual do-

bra, com 428% de aumento na oferta de vagas. Movimento contrário aoobservado no setor público, conforme análise anterior. Entretanto, mesmo

com esse diferencial entre os dois Estados, o aumento da oferta de vagas

no setor privado é maior do que nas IES públicas, em ambos os Estados.

Quanto às matrículas nos cursos de graduação presenciais notur-

nos, constatamos, por meio da análise do gráfico a seguir, que os Estados

de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul mantiveram a mesma tendência

nacional e regional. Considerando as taxas de crescimento de matrículas,

 Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

em cursos noturnos, no período de 1996 a 2004, segundo dados do MEC/

Inep/Deaes, no Brasil essa taxa foi de 140,50%, a Região Centro-Oeste e o

 Estado de Mato Grosso apresentaram taxas superiores, 176,27% e 189,17%,respectivamente e Mato Grosso do Sul, menor que os demais, 130,23%.

Taxas de crescimento de matrículas no turno noturno Brasil,Centro-Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – 1996-2004

 Fonte: MEC/Inep/Deaes, 2006.

0

5

10

15

20

25

30

35

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Brasil Região Centro-Oeste Mato Grosso Mato Grosso do Sul

Considerando a organização acadêmica das IES, identificamos que as

universidades seguem a mesma lógica, oferecendo em instituições privadas o

maior percentual de cursos superiores noturnos, se comparados às universida-des públicas. Do total de matrículas do Brasil, em 2004 (4.163.733), 58,94%

(2.454.348) estavam no turno noturno, sendo no setor privado a sua prevalência

com 82,67%, contra 17,63% do setor público. As universidades concentram

46,62% (1.144.242) das matrículas noturnas, onde o setor privado permanece

com a maior concentração, 71,68% (8.202.111) enquanto o setor público tem

28,31% (324.031). Em seguida as faculdades, escolas e institutos concentram

29,33% (695.147), os centros universitários ficam com 17,43% (413.243) as

faculdades integradas, 6,23% (153.125), e os centros de educação tecnológicacom 2% (48.591), segundo dados obtidos no MEC/Inep/Deaes, 2006.

 Esse quadro é compatível com o aumento do número de desempre-

gados3 e com o discurso neoliberal que designa a formação de nível superior

3 "O Brasil, cuja taxa de desemprego nas mais importantes regiões metropolitanas é de 10,2%, atinge índices de 60,7% nafaixa etária de 15 a 24 anos, sendo que a maior concentração está nos jovens com baixa escolaridade e pertencentes àsclasses de baixa renda" (Terribilli Filho, 2007, p. 2).

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como uma das condições para obtenção de emprego. Dessa forma, o

estudante que já trabalha, encontra nesse nível de educação uma for-

ma de tentar garantir seu emprego, ou mesmo, um meio para obternovo trabalho, com melhor remuneração, perspectiva que tem impulsi-

onado o aumento na procura por cursos superiores noturnos, uma vez

que esse aluno trabalha e só tem esse período (noturno) para desenvol-

 ver seus estudos. Nesse sentido, as IES privadas oferecem maiores pos-

sibilidades de acesso aos estudantes trabalhadores. Segundo Pacheco e

 Ristoff (2004, p.12):

Se, por um lado, os dados parecem mostrar de forma inequívoca que o

setor privado tornou-se a principal oportunidade de acesso à educaçãosuperior para o aluno trabalhador, eles demonstraram, também, o quanto acapacidade instalada nas IES públicas permanece ociosa durante a noite,deixando fechadas as suas portas para indivíduos que precisam trabalhardurante o dia para conseguirem seu sustento.

 Essa análise ressalta um aspecto interessante, uma vez que as IES

privadas, ao oferecerem cursos noturnos, ocupam um espaço em aberto,

uma vez que o poder público não investe no ensino superior noturno e

público.

 No Estado de Mato Grosso, observamos aumento no número de vagas que, em 1996, era de 6.084 e, em 2004, sobe para 26.022, contras-

tando com aumento significativamente maior entre as matrículas efetiva-

das nos respectivos anos: em 1996 havia 24.213 matrículas no período

noturno e, em 2004, esse número triplica para 64.598. Os dados demons-

tram que a procura pelo ensino superior noturno aumenta mais do que o

número de vagas oferecidas nesse turno.

 Em Mato Grosso do Sul ocorre o mesmo fenômeno, sendo que

em 1996 eram oferecidas 6.837 vagas no ensino superior noturno e,

em 2004, esse número sobe para 20.008, representando um aumento

de vagas menor do que o observado em Mato Grosso. As matrículas no

ensino superior noturno diminuem 10% em Mato Grosso do Sul do que

em Mato Grosso, mas triplicam na década de 2000. A diferença entre

as matrículas e as vagas oferecidas, expressa que existe grande deman-

da pelo ensino superior noturno.

 Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior

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Apesar do setor público em Mato Grosso registrar maior aumento

de vagas no turno diurno, quando analisamos as matrículas em cursos de

graduação, no período de 1996 a 2004 (Tabela 5), registra-se no setorpúblico um crescimento de 135,4% para o turno noturno contra 82,5%

no diurno; já no setor privado esse aumento foi de 215,59% e 297,01%,

respectivamente. Em relação às matrículas no ensino superior no Estado

em 2004 (64.598), 46,14 % correspondem ao setor privado noturno, 21,53%

ao setor público diurno, 16,90% ao setor público noturno e 15,43% ao

setor privado diurno.

 Em Mato Grosso do Sul, o maior crescimento de matrículas no

período está no setor privado diurno, 221,61%, seguido pelo setor diurno

público com 179,60%, setor público noturno com 175,16% e por último osetor privado noturno com 116,86%. No total de matrículas do Estado em

2004, (64.462), 45,56% são privadas noturnas, 21,10% privadas diurnas,

17,20% públicas noturnas e 16,14% públicas diurnas.

 Dessa análise podemos indicar que no Estado de Mato Grosso do

Sul, o setor público possui maior equilíbrio na distribuição das matrículas

públicas entre os turnos diurno e noturno que o Estado de Mato Grosso.

 Entretanto, ao compararmos os percentuais dos Estados com os da Região

Centro-Oeste e Brasil, inferimos que a maioria das vagas ociosas do ensino

noturno se concentram nas IES privadas, enquanto nas públicas o quanti-

tativo de matrículas supera o número de vagas oferecidas.

Considerações finais

A educação superior oferecida no período noturno é identificada

como sendo um meio para a expansão das vagas desse nível de ensino,

configurando mecanismo de acesso. Diante da evidência de maior ofertade vagas em cursos noturnos nas instituições privadas, percebemos uma

contradição, uma vez que a grande maioria dos alunos que freqüentam

esse período são estudantes que trabalham, e que precisam, muitas vezes,

custear o próprio estudo.

A oferta de vagas nos cursos noturnos em instituições públicas não

é ampliada significativamente, forçando grande número de alunos na busca

de cursos noturnos no setor privado. Segundo Terribili Filho (2007, p. 7):

 Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

[...] atualmente vê-se nos cursos de graduação e, sobretudo, na obtençãode diploma de curso superior, o mais provável viabilizador da inserção nomercado de trabalho em nível mais elevado, capaz de trazer ao estudante,uma melhor condição de vida, uma mudança na sua condição

socioeconômica (sic).

 É nessa perspectiva que a educação superior noturna vem sen-

do, cada vez mais procurada, mesmo quando oferecida nas IES priva-

das. Na década de 1990, o desemprego é uma característica que influ-

encia a reorganização do trabalho, cuja estrutura sofre alterações sig-

nificativas, diminuindo a força dos sindicatos, fortalecendo a

flexibilização de horários e de organização das indústrias, bem como,

causando impactos sobre os direitos trabalhistas. A capacitação de su-

 jeitos para garantir um emprego passa a ser discurso oficial e a interfe-

rir no oferecimento de cursos de educação superior, principalmente

nas IES privadas. Nessa mesma lógica, a globalização é palavra-chave

para a economia e para as relações de trabalho. Segundo Frigotto (2000,

p. 46), “A globalização excludente e as políticas baseadas na doutrina

neoliberal representam a base material e ideológica desta alternativa

dominante neste fim de século".

 Mesmo considerando a desproporção entre a oferta de vagas e as

matrículas nos cursos de graduação presenciais no período noturno, en-tendemos que:

[...] a oferta de cursos noturnos implica também garantir a permanência doacadêmico na universidade. Reconhecer que os cursos noturnos recebemestudantes que trabalham é um passo importante no sentido de tentar

 vencer os limites que separam o trabalho intelectual do trabalho manual(Bittar, 2006, p. 201).

Concluímos que faltam vagas no ensino superior noturno público

e sobram vagas nas IES privadas, o que representa ausência de políticaspúblicas, no sentido de ampliar a oferta de vagas nos cursos noturnos

em IES públicas, principalmente ao considerarmos as características do

estudante-trabalhador, sujeito que labora no período diurno e que com-

preende o diploma de um curso superior como meio para melhorar suas

condições de vida.

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 Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior

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6  A ampliação do acesso à educaçãosuperior pública pós-LDB:

considerações a partir do casoda UFMG 

 Maria do Carmo de Lacerda Peixoto*

 Mauro Mendes Braga**

* Doutora em Educação e professora na Faculdade de Educação da UFMG, e-mail : [email protected].

** Doutor em Química e professor no Departamento de Química da UFMG, e-mail : [email protected].

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Introdução

Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naci-onal (LDB), em 20 de dezembro de 1996, ficou estabelecido, no §1º do

artigo 87, que a União deveria encaminhar ao Congresso Nacional o

 Plano Nacional de Educação (PNE). Por sua vez, na proposta de diretri-

zes e metas para a educação superior do PNE, aprovada pela Lei nº

10.172, de 9 de janeiro de 2001, o aumento da demanda por vagas

nesse nível de ensino se apresentava como uma das questões mais

importantes. Esse aumento, conforme registra a lei, seria um resultado

conjugado de fatores demográficos, do aumento das exigências domercado de trabalho, e das políticas que levaram ao aumento das ma-

trículas e das conclusões no ensino médio. Nesse último caso, no item

4.1 do diagnóstico da educação superior, o texto do Plano indicava

que “a matrícula no ensino médio deverá crescer nas redes estaduais,

sendo provável que o crescimento seja oriundo de alunos das camadas

mais pobres da população. Isto é, haverá uma demanda crescente de

alunos carentes por educação superior".

A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:considerações a partir do caso da UFMG

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Outro aspecto do diagnóstico do PNE refere-se à taxa de

escolarização na educação superior no Brasil, comparada com os países da

América Latina, na qual o País se apresenta com um dos índices maisbaixos de acesso nesse nível de ensino. Em relação à população de 18 a 24

anos, o Brasil apresentava a porcentagem inferior a 12% de matriculados

na educação superior, ao passo que os indicadores do Chile, Venezuela, e

 Bolívia situavam-se na média de 23%. A Argentina, embora contasse com

40% da faixa etária matriculada no ensino superior, configurava-se como

um caso à parte por ter adotado o ingresso irrestrito, apresentando altos

índices de repetência e evasão nos primeiros anos. A expansão de vagas no

setor público estava compreendida entre as medidas necessárias para

equacionar os problemas apontados.A análise de uma série histórica dos censos da educação superior

(Peixoto, Braga e Aguiar, 2006), por sua vez, mostra que a expansão que

ocorreu se concentrou no setor privado. Ao longo do período 1991-2004,

houve crescimento significativo do número de instituições, cursos, vagas e

matrículas. No Estado de Minas Gerais, a elevação na oferta de vagas foi

superior aos percentuais verificados no País e na Região Sudeste, com

destaque para a relação candidato/vaga do setor público, que apresentou

tendência crescente. A partir do ano 2000, contudo, o crescimento de

todos os indicadores desse setor apresenta tendência de queda, inclusive

na relação candidato/vaga, principalmente nas instituições federais. Assim

sendo, observa-se que o comportamento dos dados após a aprovação do

 PNE indica que não houve qualquer encaminhamento no sentido de con-

templar o atendimento das metas previstas.

Tendo em vista essas questões, é objetivo deste texto analisar os

dados sobre candidatos e aprovados nos vestibulares da Universidade Fe-

deral de Minas Gerais (UFMG), nos anos iniciais deste século, tomados

como pontos de partida para avaliar as perspectivas para atingir o previstono Plano. Acreditam os autores que, fundamentados na análise dos dados

de uma universidade federal, seja possível esclarecer aspectos relacionados

às questões apresentadas entre as prioridades da política estabelecida pelo

 PNE para a educação superior.

Inicialmente, serão apresentadas as características do processo se-

letivo realizado na UFMG, com destaque para o programa de isenção da

taxa de inscrição no concurso vestibular. A seguir, serão analisados os

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dados relativos aos candidatos e aprovados nos exames de 2003 a 2006,

enfocando as características de seletividade social presentes nesse proces-

so seletivo. Serão também analisadas algumas especificidades da aborda-gem do acesso à educação superior com base nas características étnicas

dos estudantes, bem como serão analisadas três combinações de grupos

de variáveis: concluintes de ensino médio público e privado; estudantes

brancos e negros; e alunos de cursos diurnos e noturnos.

A delimitação do período 2003-2006 para esta análise teve por

objetivo, entre outros aspectos, esclarecer os aspectos do diagnóstico do

 PNE relacionados ao fato de que o crescimento da demanda por vagas no

ensino superior far-se-ia, principalmente, por parte de estudantes oriun-

dos das camadas mais pobres da população. Como a populaçãoafrodescendente está presente de modo mais significativo nesse segmen-

to, e somente após o vestibular de 2003 o item “declaração de cor ou

raça" foi introduzido no questionário respondido pelos candidatos ao se

inscreverem no vestibular, situar a data inicial em 2003 possibilita proce-

der à análise mais abrangente acerca das condições e características em

que a ampliação da demanda ocorreu na UFMG.

 A escala socioeconômica

A análise do perfil de candidatos e aprovados nos exames vestibu-

lares, além de ser um instrumento para conhecer essa população, é ponto

de partida para a introdução de modificações nos processos seletivos, bem

como fornece orientações para que as instituições de ensino superior ela-

borem políticas acadêmicas. A Universidade Federal de Minas Gerais tem

se valido dessa análise há longo tempo, utilizando-se das respostas dadas

pelos candidatos no questionário que acompanha a ficha de inscrição no vestibular, como fonte para compor a base de dados.1

A metodologia utilizada para mensurar a condição socioeconômica

dos candidatos e aprovados baseia-se numa escala construída pelos autores

1 Apesar de seu preenchimento não ser obrigatório, o índice de respostas é muito elevado - superior a 90% - tornandopossível proceder a estudos de diversas ordens. Entre eles, está sendo realizado o censo socioeconômico e étnico dosestudantes de graduação, estando sua primeira parte publicada em Braga e Peixoto, 2006A.

A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:considerações a partir do caso da UFMG

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117

O vestibular da UFMG 

O processo do vestibular na Universidade Federal de Minas Geraistem sido objeto de constante análise e debate, principalmente no que

concerne à sua adequação diante dos sistemas de educação básica. Per-

manente também é a preocupação com a atualização dos requisitos des-

tinados a garantir as condições de segurança na sua realização, conside-

rando o elevado número de candidatos que a ele concorrem. Mais recen-

temente, o aumento da demanda por vagas no ensino superior e a dife-

renciação existente na composição dessa demanda estão, com freqüência,

presentes nesse debate.3

O vestibular é realizado sob a coordenação da Comissão Perma-nente de Vestibular (Copeve), integrada por docentes da universidade, res-

ponsáveis tanto pelos aspectos administrativos e operacionais envolvidos

na execução do concurso, como pelos pedagógicos relacionados às pro-

 vas. O exame é realizado apenas uma vez por ano e em duas etapas.

A primeira etapa ocorre geralmente no início de dezembro, sendo

composta de oito provas de múltipla escolha: português, matemática, físi-

ca, química, história, geografia e língua estrangeira.4 A segunda etapa é

discursiva, constando de uma prova obrigatória de redação, e de um con-

 junto variável de duas a três provas por curso, conforme indicação feita

pelos colegiados dentro do conjunto das matérias da primeira etapa.5 Os

candidatos ao curso de Artes Visuais fazem também uma prova de avalia-

ção específica, prévia à primeira etapa. Os que se candidatam aos cursos

de Música e Teatro, também fazem duas provas de habilidade específica

na segunda etapa.

Com o objetivo de tornar o vestibular mais adequado ao perfil da

demanda, e de promover melhor orientação para as escolas e os estudan-

tes das redes municipal e estadual, a UFMG tem promovido um elenco

3 A referência aqui é o período imediatamente anterior a 2003, ocasião em que a demanda por vagas no ensino superiorbrasileiro se acentuou fortemente, característica que também se fez presente na UFMG. Em dez anos, o número de candi-datos ao vestibular da universidade quase triplicou, passando de 32 mil, em 1992, para 85 mil, em 2002. A partir desse ano,entretanto, esse número vem caindo, fato que, em boa parte, pode ser explicado pela diminuição do número de concluintesdo ensino médio em Minas Gerais, o que será discutido um pouco mais a frente.4 O candidato pode optar entre inglês, francês e espanhol.5 Este é o único caso em que é permitido ao candidato fazer a inscrição para mais de um curso. O objetivo da dupla inscriçãoé o de não inviabilizar a participação no vestibular, caso ocorra reprovação nessa avaliação prévia.

A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:considerações a partir do caso da UFMG

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

diversificado de atividades. Reuniões anuais são realizadas com as escolas

públicas e privadas de ensino médio, para colher apreciações e sugestões a

respeito das provas que foram aplicadas, e para informar sobre alteraçõesa serem introduzidas no ano seguinte. Outra iniciativa é a Mostra das

 Profissões, evento promovido anualmente, a partir de 2003, com duração

de três dias. Nessa ocasião, estudantes do ensino médio da capital e de

municípios da região metropolitana têm a oportunidade de ouvir palestras

sobre os cursos oferecidos, e de visitar salas interativas onde os colegiados

esclarecem sobre as áreas de interesse de cada estudante. A UFMG distri-

bui, ainda, com o manual do candidato, um número da revista Diversa,6

contendo artigos de professores e alunos sobre os cursos que estão ofere-

cendo vagas no vestibular.

 A isenção da taxa de inscrição

 Um indicador da preocupação da UFMG em acolher estudantes de

camadas sociais mais pobres, é o programa de isenção da taxa de inscrição

no vestibular. desde 1971. Para a concessão dessa isenção são considera-

dos como critérios: o tipo de escola de ensino médio freqüentado pelo

candidato – pública ou privada – o grau de escolaridade do provedor da

família, a posse de bens móveis e imóveis, e a renda mensal per capita do

grupo familiar. Até 2004, era concedida apenas a isenção do valor total da

taxa, sendo introduzida, a partir do ano seguinte, também a isenção de

metade do valor.

 Nesse programa podem ser contemplados tanto estudantes da es-

cola pública como privada; no segundo caso, apenas se cursada com bolsa

integral. No período entre 2003 e 2006, a média anual de inscrições si-

tuou-se em 33 mil, sendo concedidas em média 18 mil isenções anuais. ATabela 1 compara as isenções que foram concedidas nos vestibulares des-

se período, com o total de candidatos inscritos no vestibular e com os

6 A revista Diversa é uma publicação bianual, de caráter não-científico, que aborda a produção do conhecimento, o ensinoe a extensão realizados pela UFMG, traduzindo as diferentes faces da instituição. Tem por principal objetivo mostrar a

 variedade e a diversidade do compromisso de uma instituição pública. Para consulta aos números já publicados, www.ufmg.br/online/diversa.

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isentos que se inscreveram. O número, total e relativo, de isenções conce-

didas apresentou grande variação entre 2003 e 2005. Por fugir ao escopo

desse trabalho, não serão analisadas as razões dessa oscilação. Cabe regis-trar, entretanto, que, excetuado o ano de 2004, a proporção de estudantes

beneficiados com a isenção aproxima-se ou supera a casa dos 20%.

Tabela 1– Programa de isenção da taxa do vestibular da UFMG –período 2003-2006

Ano Candidatosinscritos

Isenções concedidas Isentosinscritos

% de isentos inscritos emrelação ao total decandidatos

2003 78.312 24.125 20.867 26,6

2004 71.670 11.369 9.806 13,7

2005 73.730 18.561 14.104 19,1

2006 67.864 18.958 14.891 21,2

Fonte: Programa de Isenção do Vestibular da UFMG.

 Por razões ainda desconhecidas, uma média de 18% de isentos não

efetivam a inscrição. Diversos motivos poderiam ser apresentados para

explicar esse comportamento. Entre as hipóteses possíveis estão as se-

guintes: o beneficiado com a isenção não teria se sentido suficientemente

preparado para disputar a vaga na UFMG; o interessado ter sido reprovado

na 3ª série do ensino médio dado que a inscrição no concurso ocorre cerca

de cinco meses após a solicitação do pedido de isenção; ou, ainda, que o

estudante tenha optado por concorrer ao vestibular em outra instituição

pública. É bom lembrar que a UFMG está situada em um Estado que

apresenta característica única no País, no que concerne à oferta de educa-

ção superior pública: em Minas Gerais estão localizadas 11 universidades

federais e duas estaduais. Não há dados disponíveis, atualmente, que per-mitam investigar as hipóteses formuladas. O certo é que, a criação do

 ProUni em 2005, pela Lei nº 11.096, não poderia à primeira vista, ser

responsável por essa não-inscrição no vestibular da UFMG. Se assim fosse,

a ampliação das possibilidades de acesso ao ensino superior privado que

esse programa proporcionou, teria feito com que, em 2006, a redução no

percentual de isentos que não se inscreveram tivesse sido mais elevada, o

que não se verificou.

A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:considerações a partir do caso da UFMG

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 A demanda por vagas na UFMG 

O movimento de expansão da demanda observado ao longo dosanos 1990 no vestibular da UFMG, conforme registra o Gráfico1, a partir

de 2003 vai apresentar tendência de reversão. Após mais de uma década

registrando, a cada ano, um total de candidatos em seu vestibular em

torno de 30 mil, na segunda metade da década de 1990, a UFMG experi-

mentou acentuado e rápido crescimento desse número, que se aproximou,

em 2002, de um total de 85 mil inscritos.7  Após esse ano, observa-se uma

progressiva diminuição no número de inscritos, de tal sorte que, em 2006,

eles chegaram a ser 20% a menos que em 2002.8

7 Análise sobre a demanda aos vestibulares da UFMG nesse período pode ser encontrada em Braga, Peixoto e Bogutchi,2001, e Peixoto e Braga, 2004.8 Essa tendência permanece para o vestibular de 2007, que registrou aproximadamente 64 mil inscritos, contra 68 mil, em2006. Ou seja, houve redução de 6% de um ano para outro.

Gráfico 1– Candidatos inscritos no vestibular da UFMG,conforme o tipo de escola de ensino médio

0

25

50

75

100

1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008

    m     i     l     h    a    r    e    s     d    e    c    a    n     d     i     d    a     t    o    s

rede privada

rede pública

total

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 Esses dois fatos – o aumento do número de candidatos na segunda

metade dos anos 1990 com seu impacto até 2003, e a redução observada

após esse ano –, em especial o segundo deles, se manifestaram de modoparticular entre os egressos da rede pública do ensino médio. Enquanto na

rede privada a queda do número de candidatos, após 2002, foi pouco supe-

rior a 5%, na rede pública a redução foi de um terço. Verifica-se, desde

então, contínua diminuição da proporção de estudantes da rede pública que

concorrem ao vestibular da UFMG: 61%, em 2002, 52%, em 2006.

 Por que razão o número de candidatos ao vestibular da UFMG está

decrescendo? Como indicam os dados acima, a redução que se verificou

no número de estudantes que concluem o ensino médio em Minas Gerais,

entre 1999 e 2002, que afetou quase exclusivamente as escolas públicas,certamente tem contribuído para isso. Essa assertiva é comprovada pela

observação de que, no período de quase uma década, entre 1997 e 2005,

com a única exceção do ano de 2001, o número de candidatos inscritos ao

 vestibular da UFMG pode sempre ser reproduzido, de forma muito aproxi-

mada, a partir do número de concluintes do ensino médio de Minas Ge-

rais. Uma simulação dessa reprodução pode comprovar essa afirmação.

Chamando de I o número de inscritos, de C o número de concluintes e de

 Y o ano do vestibular, essa lei é expressa na expressão (1) a seguir, e os

resultados de sua aplicação são mostrados na Tabela 2.

0,15 x C Y

-1 + 0,10 x C Y

-2 + 0,06 x C Y

-3 = 78% de I

Tabela 2 – Comparando o número de inscritos no vestibular UFMG,em milhares de estudantes, com o simulado pela expressão (1)

Ano 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Valor real 46 51 62 78 79 85 78 71 74

Valor simulado 42 50 60 79 89 86 77 72 74

A relação estreita entre inscritos no vestibular da UFMG e os

concluintes do ensino médio em Minas Gerais, pode ser também observa-

da quando se considera a proporção de estudantes que se inscrevem ao

 vestibular da UFMG imediatamente após a conclusão desse nível de ensi-

no sendo mais elevada na rede privada do que na pública. No caso da

A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:considerações a partir do caso da UFMG

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

primeira, a proporção é de cerca de 50%, a cada ano, enquanto que, na

rede pública, a porcentagem correspondente é inferior a 7%. Isso indica

que esses últimos necessitam um tempo maior de preparação para se ins-creverem no vestibular, e também sugere algumas pistas com relação às

respostas das hipóteses acerca das razões pelas quais há um percentual

dos isentos que não se inscreve.

Vestibular e seletividade social 

A Tabela 3 apresenta características de estudantes inscritos e aprova-

dos nos vestibulares da UFMG. Os dados evidenciam, ao longo dos anos,estabilidade do perfil de candidatos e de aprovados, mas apontam também

para algumas importantes diferenças entre inscritos e aprovados – que, igual-

mente, se mantêm ao longo dos anos – diferenças essas que espelham a

seletividade social do concurso. Tais questões serão abordadas a seguir.

Tabela 3 – perfil dos candidatos e aprovados ao vestibular da UFMG;período 2003-2006.

2003 2004 2005 2006Item

Insc. Apr. Insc. Apr. Insc. Apr. Insc. Apr.

FSE médio 4,2 5 ,7 4,6 5,9 4,6 5,9 4,7 5,9

Idade média 21,0 20,3 20,9 20,2 20,9 20,3 20,6 20,2

% conclui escola pública 58 38 55 38 55 37 52 35

% solteiros 93 93 93 96 94 96 95 96

% residentes MG 93 95 95 95 95 95 92 98

% sexo feminino 58 47 57 48 57 47 58 47

% trabalham 33 24 31 24 30 24 27 23

O candidato no vestibular da UFMG é, em elevada proporção, sol-

teiro e reside em Minas Gerais, características que não distinguem os ins-

critos dos aprovados. Por outro lado, a idade média dos inscritos registrapequena queda ao longo dos anos, talvez em decorrência da diminuição

da sua participação no concurso, efeito que, como visto, atinge quase

exclusivamente os concorrentes oriundos da rede pública de ensino mé-

dio. Tal fato, entretanto, não se reflete na idade média dos aprovados, que

é praticamente a mesma. Na comparação entre inscritos e aprovados, a

idade média dos últimos é de seis meses inferior à dos primeiros, evidenci-

ando a maior proporção de aprovados entre os candidatos mais jovens.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Por sua vez, os dados da Tabela 3, relativos ao item trabalho refle-

tem de forma apenas moderada a seletividade social do concurso. Entre os

inscritos, a proporção dos que declararam trabalhar é da ordem de 30% e

 vem caindo ao longo dos anos. Entre os aprovados, quase um quarto dos

estudantes informaram trabalhar, fração que não se alterou, no período

de tempo considerado neste estudo, de modo que, a proporção dos que

trabalham entre os aprovados, vem se aproximando daquela observada

entre os inscritos. A relação entre essas duas proporções, ao longo do

período considerado neste estudo, se deu de acordo com os seguintes

 valores: 73%, em 2003, 77%, em 2004, 80%, em 2005 e 85%, em 2006.

 Em parte, a razão para a seletividade social não se expressar fortemente

nesse quesito encontra-se na oferta de vagas noturnas. Metade dos estu-

dantes deste turno trabalha, contra um percentual inferior a 20%, no caso

do turno diurno, justificando a dimensão da presença dos estudantes tra-balhadores entre os aprovados.

A instrução dos pais também reflete a seletividade social do concur-

so, conforme ilustra a Tabela 4. Estudantes que têm um dos pais, ou ambos,

com instrução superior estão presentes em maior proporção entre os apro-

 vados do que entre os inscritos. Quase 60% dos aprovados são filhos de pai

ou mãe que concluíram o ensino superior, proporção essa que é da ordem

de 35%, entre os candidatos. Já aqueles cujos pais não possuem diploma de

Gráfico 2b – Histograma da renda declarada, em faixas de saláriosmínimos, para a média do período 2003-2006

0

10

20

30

40

50

60

até 5 SM de 5 a 10 SM de 10 a 20 SM de 20 a 40 SM maior que 40 SM

      P

     e     r     c     e     n      t     u     a      l

inscritosaprovados

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125

curso superior estão presentes em proporção superior a 60% entre os inscri-

tos, mas representam pouco mais de 40% entre os aprovados.

Tabela 4 – Instrução dos pais, considerando a conclusãode curso superior – %

2003 2004 2005 2006Conclusão de curso

superior   Insc. Apr. Insc. Apr. Insc. Apr. Insc. Apr.

Ambos concluíram 13 29 14 29 15 29 17 30

Um concluiu 19 25 20 27 21 28 22 28

 Nenhum concluiu 68 46 66 44 64 43 61 42

Ainda em relação aos dados apresentados na Tabela 3 há, ainda,um último aspecto a ser comentado, mas que não se refere à seletividade

social do vestibular. Trata-se da proporção de estudantes do sexo femini-

no presente no universo de inscritos e aprovados. Essas proporções se

mantêm praticamente inalteradas no período aqui considerado, indicando

maior dificuldade das mulheres para serem aprovadas no vestibular da

 UFMG, quando comparadas aos homens, sendo que, entre os inscritos, a

proporção de candidatas aproxima-se de 60%, enquanto que, entre os

aprovados, esse percentual não alcança 50%. Uma análise mais acurada

desses dados da Tabela 3, cujo detalhamento foge ao escopo do presente

trabalho, indica ainda que os homens têm chances de aprovação 50%

superiores às das mulheres nos vestibulares da UFMG. A análise da série

histórica dos censos da educação superior (Peixoto, Braga e Aguiar, 2006)

indica que o percentual de mulheres, no ensino superior do Estado de

 Minas Gerais, chega a ser superior aos índices do Brasil, no setor público,

em 12 pontos percentuais. Considerando os dados da UFMG, essa diferen-

ça dificilmente poderia ser a ela atribuída.

Declaração de cor ou raça:uma questão complexa

A questão étnica tem sido tema freqüente e polêmico no debate

atual sobre o acesso à educação superior e a análise aqui apresentada adici-

ona alguns elementos a esse debate. Nos dados da UFMG, as informações

A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:considerações a partir do caso da UFMG

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

evidenciam, principalmente, a complexidade do uso da autodeclaração como

requisito principal para o estabelecimento de políticas de ações afirmativas

nesse acesso. As tabelas 5 e 6 apresentam a distribuição dos candidatos eaprovados no vestibular da UFMG, conforme sua declaração de cor ou raça.

Tabela 5 – Declaração de raça ou cor de candidatos – período2003-2006

Tabela 6 – Declaração de raça ou cor de aprovados – período2003-2006

 Nessas tabelas, a comparação entre as respostas de cada vestibular

com os dados do Censo Demográfico do IBGE de 2000 para o Estado de

 Minas Gerais, é feita de duas formas: em relação à população total, e em

relação à população do Estado com 11 anos ou mais de escolaridade, queé aquela que se encontra em condições de pleitear o acesso ao ensino

superior. Entre os candidatos, no primeiro e no segundo caso, à exceção

dos que se declararam pardos, as demais categorias encontram-se repre-

sentadas em proporção superior à sua distribuição no Estado. Entre os

aprovados, por sua vez, embora a quantidade de estudantes pardos e pre-

tos se aproxime da registrada para a população com 11 anos ou mais de

escolaridade, ela está bastante distanciada em relação ao total de sua

Cor/raça decl arada MG 2000  MG ?

11 anos  2003 2004 2005 2006

Amarela 1,6 0,3 3,4 2,9 2,6 2,5

Branca 53,5 71,5 65,4 61,9 58,8 58,1

Indígena 0,3 0,2 0,8 0,6 0,6 0,5Parda 37,6 24,0 23,8 27,1 29,5 30,6

Preta 7,8 4,0 6,7 7,4 8,4 8,2

% Não declarado 0,6 0,4 - 4,9 5,5 6,7

A opção “não desejo declarar” foi introduzida no questionário apenas a partir do vestibular de 2004.

Cor/raça declarada M G 2000  MG ?

11 anos  2003 2004 2005 2006

Amarela 1,6 0,3 1,9 1,7 1,4 1,7

Branca 53,5 71,5 74,2 71,2 70,3 67,5

Indígena 0,3 0,2 0,4 0,3 0,3 0,3

Parda 37,6 24,0 20,2 22,9 24,4 26,4

Preta 7,8 4,0 3,3 3,9 3,6 4,1

% Não declarado 0,6 0,4 - 6,2 7,9 9,9A opção “não desejo declarar” foi introduzida no questionário apenas a partir do vestibular de 2004.

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127

participação no Estado. Os demais, em especial os brancos, embora este-

 jam super-representados em relação à sua participação no Estado, aproxi-

mam-se bastante da representação na população que já atingiu o nível deescolaridade adequado.

Os dados constantes da Tabela 6, relativos aos aprovados em cada

 vestibular, podem induzir à conclusão de que a UFMG vem, progressiva-

mente, incorporando mais pretos e pardos à sua população estudantil.

Quando se observa o universo dos candidatos na Tabela 5, entretanto,

essa regularidade também é observada, e em proporções muito similares.

 Em 2003, o percentual dos que se declararam pardos foi de 23,8% entre

os inscritos e de 20,2% entre os aprovados, valores que, em 2006, passa-

ram a ser, respectivamente, 30,6% e 28,4%. Em ambos os casos houve umaumento de cerca de 30% da proporção de pardos. Situação semelhante

pode ser verificada, quando se acompanham os que se declararam pretos.

Ou seja, quando comparados aos brancos, pretos e pardos mantêm as

mesmas chances relativas de aprovação no vestibular, de modo que sua

presença na lista de aprovados aumenta, na mesma proporção em que ela

cresce entre os inscritos.

As observações do parágrafo anterior sugerem que o padrão de respos-

tas a esse quesito pode ser alterado de um ano para outro. Para avaliar essa

possibilidade, compararam-se as respostas que foram dadas à autodeclaração

de cor ou raça por um mesmo candidato, em anos diferentes.

Cerca de 20 mil estudantes concorreram ao vestibular da UFMG em

dois anos subseqüentes. E algo como 10 mil estudantes concorreram em

três anos seguidos, sendo possível verificar, então, se esses estudantes

modificaram suas respostas, e em que direções o fizeram.

Quando esse exercício é feito, verifica-se um elevado percentual de

candidatos que troca a autodeclaração de um ano para outro. No conjun-

to, o percentual de mudanças encontradas supera 20% e atinge todas asdeclarações de cor ou raça, ainda que as modificações efetuadas sejam

bem mais expressivas para aqueles que se declararam amarelos ou indíge-

nas, em relação aos pouco mais de um terço que mantiveram a declaração

do ano anterior.

O resultado desse processo é apresentado na Tabela 7, que consi-

dera três grupos específicos de estudantes: os que prestaram vestibular

em 2003 e 2004, os que concorreram em 2004 e 2005 e aqueles que se

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Tabela 7 – Declaração de cor ou raça dos candidatos, excluídosos que não quiseram declarar – período 2003-2005

inscreveram em todos esses três anos. Como se vê, um mesmo grupo de

estudantes, em dois ou três anos subseqüentes, tende a se apresentar

crescentemente com maior proporção de pretos e pardos, e menor con-tingente de brancos.

2004

Cor/raça declarada 2003   A B   2005

Amarela 3,0 2,6 2,7 2,3

Branca 66,3 62,0 61,9 58,8Indígena 0,6 0,5 0,5 0,6

Parda 23,6 27,1 27,4 30,1

Preta 6,4 7,8 7,5 8,3

 É importante ressaltar, que a UFMG não implementou nenhum

mecanismo de inclusão social que privilegiasse as características étnicas

do estudante, argumento que seria suficiente para justificar as alterações

ocorridas, como sendo decorrentes de um desejo de obter vantagem no

processo seletivo. Algumas hipóteses podem ser formuladas, para compre-

ender esse fenômeno, entre elas a de que os candidatos não se lembram

de qual declaração fizeram no ano anterior. Outra é de que, assim como o

significado dessas categorias étnicas não é claro para a população em

geral, também para eles isso é um ponto obscuro, impedindo uma identi-

ficação efetiva com as denominações apresentadas.9  Esse é um aspecto

que necessita ser analisado em maior profundidade, e os autores alertam

para o fato de que a complexidade dessa questão deve ser considerada porocasião do estabelecimento de mecanismos de inclusão que visem a ca-

racterísticas étnicas.

9 Vários estudos abordam a complexidade produzida pela diversidade de denominações que são atribuídas, no Brasil, àidentificação de cor ou raça. Entre eles, ver Osório, 2003 e Queiroz, 2004, em especial, Rosemberg, 2004 que confirma aexistência de mudanças na autodeclaração de cor ou raça, tendo em vista a obtenção de vantagens em programa de açãoafirmativa.

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percentuais relativos à escolarização dos pais apresentam fortes diferenci-

ações, da ordem de 40%, também com uma ligeira queda no ano de 2006.

As diferenças socioeconômicas expressam-se também quando seconfrontam estudantes negros e brancos, conforme revela a Tabela 9.

Tabela 9 – Diferenças entre grupos de aprovados que se declararam brancos e negros – período 2003-2006

2003 2004 2005 2006Itens

Bran. Negr. Bran. Negr. Bran. Negr. Bran. Negr.

FSE médio 6,1 4,5 6,4 4,9 6,4 4,8 6,3 4,8

Média de idade 20,1 20,8 20,1 20,5 20,2 20,7 19,9 20,6

% Escola pública 33 54 32 53 31 50 28 51

% Trabalhavam 22 30 22 29 22 29 20 29

Renda média SM 16,2 10,6 14,9 10,2 14,9 9,4 14,0 9,5

% Pais sem superior 40 63 38 60 37 59 36 57

As diferenças, no entanto, são agora um pouco menores – e em

alguns itens, bem menores – do que aquelas que separam egressos das

escolas públicas e privadas do ensino médio. As condições socioeconômicas

dos brancos e negros na sociedade brasileira são bastante diferenciadas,

conforme atestam, entre outras, as análises do IBGE com base nos dados

do Censo Demográfico e das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicí-

lios (Pnads) (cf. IBGE, 2000 e 2004), mas não se apresentam de forma tão

pronunciadas quanto aquelas que distinguem estudantes de escolas pú-

blicas e privadas, quando se considera o universo dos que concorrem ao

 vestibular da UFMG. Aqui, as diferenças nos valores médios de FSE e na

renda média, no caso da universidade, estão na faixa de 50% e a propor-

ção dos estudantes que trabalham é cerca de um terço maior entre negros,

do que entre brancos. No caso da idade de ingresso, por sua vez, as dife-

renças entre negros e brancos são muito pequenas.

As articulações que se produzem entre diversos fatores na socieda-

de, como a renda como indicador de classe social, e a cor da pele comoindicador de raça, estão refletidas nos resultados da interação entre as

declarações de cor ou raça, e a renda média em salários mínimos. Nesse

caso, em lugar dos dados estarem representando a existência de um

determinismo de classe que se sobrepõe a um determinismo de raça, eles

indicam a interação que existe entre ambas as dimensões, renda e raça

(ver Backes, 2006). Ou seja, a relação é mais forte nas diferenças entre

escola pública e privada, do que entre brancos e negros.

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A Tabela 10, finalmente, apresenta as diferenças entre os aprovados

conforme o turno do curso escolhido quando da inscrição no vestibular.

Tabela 10 – Diferenças entre grupos de aprovados conforme o turnodo curso; período 2003-2006

2003 2004 2005 2006Itens

Diurno Noturno Diurno Noturno Diurno Noturno Diurno Noturno

FSE médio 6,1 3,6 6,3 4,3 6,3 4,8 6,2 4,4

Média de idade 19,8 23,7 19,6 22,5 19,7 22,9 19,5 22,6% Escola pública 33 63 33 57 32 54 30 54% Negros 22 33 25 34 27 34 26 35

% Trabalhavam 17 57 17 49 18 49 15 50Renda média SM 15,8 9,7 14,1 11,1 13,8 11,2 13,3 10,0

% Pais sem superior 41 72 39 60 39 56 37 60

As diferenças observadas entre os estudantes que freqüentam cur-

sos diurnos e noturnos são também expressivas, ainda que no quesito

renda familiar média, a divergência entre os valores observados para os

dois turnos não tenha sido superior a 30%, à exceção do ano de 2003. Isso

se deve, certamente, ao fato de que o aluno dos cursos noturnos, em

elevada proporção, trabalha e, possivelmente, contribui para a renda fami-liar. A elevada proporção de estudantes dos cursos noturnos que traba-

lham, seria também, o fator mais importante para explicar a diferença de

idade média de ingresso entre os turnos de estudo, situada entre três e

quatro anos. Mencione-se, ainda, que os estudantes negros e, sobretudo,

os egressos da rede pública do ensino médio concentram-se nos cursos

noturnos, evidenciando o potencial de inclusão social desses cursos.

 Esse dado foi determinante, inclusive, para a tomada de decisão

pelo Conselho Universitário da UFMG de, em 2003, aprovar a ampliação

de vagas e a criação de cursos no turno noturno como mecanismoprioritário da política de inclusão social da universidade. No período que

se seguiu, as vagas oferecidas nesse turno na UFMG sofreram pequeno

acréscimo, passando de 16,5% para 22%.10  Em termos percentuais, a

10 Em 2003, a UFMG ofereceu em seu vestibular, 720 vagas no noturno, número que foi ampliado para 960 em 2004, e para1.000 em 2005 e em 2006, correspondendo, respectivamente, a 16,3%; 20,9% e 21,3% do total de vagas.

A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:considerações a partir do caso da UFMG

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

pequena dimensão verificada nessa expansão no decorrer da realização

de três vestibulares, e o número reduzido dos cursos abrangidos por ela,

reflete as dificuldades enfrentadas pela universidade para colocar essapolítica em prática.11

 Essas dificuldades têm sua origem tanto nas resistências ofereci-

das, por parte do corpo docente, à implementação de procedimentos des-

tinados a promover a inclusão social, como nas restrições com que as

instituições federais têm se defrontado no que diz respeito à ampliação do

seu corpo de servidores docentes e técnico-administrativos. No segundo

caso, há o risco de que uma deliberação de criar um curso noturno, ou de

ampliar a oferta de vagas nesse turno, resulte em aumento da carga de

trabalho sem expectativa de solução imediata. Isto se constitui, sem dúvi-da, no entrave mais grave para que a implementação dessa política se faça

com a velocidade e o ritmo necessários para atender à urgência que essa

demanda apresenta para as instituições públicas de ensino superior.

Conclusão

As questões que foram analisadas nesse texto fornecem subsídios

para a formulação de políticas acadêmicas. Por esse motivo, estudos nessa

direção devem ter continuidade, visando produzir análises de médio e

longo prazo que indiquem a configuração ou a alteração de tendências no

acesso à universidade. Agindo assim, a instituição poderá exercer, de for-

ma efetiva, seu papel como instituição pública.

A análise dos dados do vestibular da UFMG mostra, em primeiro

lugar, que esse exame comporta um filtro de seletividade social no acesso

ao ensino superior público no País. Os candidatos estão localizados em

maior proporção nos pontos inferiores da escala FSE e concluem o ensino

médio na escola pública, situação que se inverte entre os aprovados. Asdiferenças de renda familiar e de nível de instrução dos pais também reve-

lam que são maiores as facilidades de ingresso na universidade pública

para os estudantes oriundos de famílias com maior renda e para filhos

11 Análise sobre a implementação da política que prioriza a ampliação da oferta de vagas noturnas na UFMG foi feita por Braga e Peixoto, 2006B.

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Os vetos presidenciais interpostos às metas do PNE de ampliar a

oferta de ensino público, assegurando proporção nunca inferior a 40% do

total das vagas, e de garantir, na esfera federal, pelo menos 75% dosrecursos vinculados da União, destinados à manutenção e expansão da

rede de instituições federais, basearam-se na inexistência de previsão or-

çamentária no Plano Plurianual. O êxito do Plano Nacional de Educação,

no que concerne à educação superior, além da necessidade de retirada

desses vetos, com conseqüente dotação orçamentária, depende, também,

da ampliação da base de cálculo da receita vinculada à educação, dado

que, sabidamente o percentual de 75% é insuficiente para atender até

mesmo ao patamar de funcionamento hoje existente.

A persistir essa situação, suplantar as resistências que segmentosdocentes contrapõem às tentativas de tornar a universidade pública mais

inclusiva, será uma façanha que requererá muito mais do empenho e von-

tade política dos gestores das universidades públicas federais. Não impor-

ta se, nesse caso, o que esteja em questão seja a ampliação da oferta de

 vagas noturnas, visando incorporar alunos trabalhadores em maiores pro-

porções, ou a busca de alternativas que tenham por objetivo abrigar gru-

pos de estudantes provenientes de camadas sociais e de grupos étnicos

que hoje se encontram inseridos em posição inferiorizada no ensino supe-

rior. Em qualquer caso, as possibilidades de que as políticas sejam bem-

sucedidas serão restritas. Resta manter a esperança na possibilidade de

que as condições vigentes não são imutáveis, e de que as prioridades de

política podem vir a ser alteradas, viabilizando, em futuro próximo, me-

lhores condições para o encaminhamento dessas questões.

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Introdução

 Pensemos no número de jovens das classes populares que cursam o suple-tivo de forma precária em cursos noturnos, na sua grande maioria pagos.Os jovens das classes médias da mesma geração percorrem o seu curso de1° e 2° graus em escolas pagas, exigentes, e, ao chegar o momento deingressar na universidade, fazem revisões de conhecimentos e capacitaçãoem 'cursinhos' para submeter-se ao vestibular.

 Neste momento, os que podem pagar e cursaram escolas privadas caras, vêm para as universidades gratuitas federais e estaduais. Os poucos jovenspobres que conseguiram, a duras penas, chegar ao fim dos cursos médios,não podendo competir com os outros, não tem outro seio onde se abrigar,senão o das faculdades caras, quase sempre sem rigor nenhum. (sic)(Paulo Freire, 2005)

 No período mais recente, as políticas de ação afirmativa têm estado

em evidência no debate nacional, na legislação, na mídia e nas políticas

públicas, assumidas enquanto estratégias importantes de enfrentamento

das desigualdades sociais historicamente construídas. No Brasil temos um

cenário em que a igualdade formal é garantida e a presença de preconcei-

tos e discriminação não é aceita no corpo jurídico presente, entretanto a

igualdade real não se concretiza, quando os indicadores sociais explicitam

as enormes desigualdades impostas aos grupos sociais menos favorecidos.

 Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:da intenção à realidade

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Inúmeras ações, medidas e programas institucionais nos vários cam-

pos sociais, governamentais ou não, têm sido elaborados e implementados

com vistas a promover a concretização do princípio constitucional da igual-dade em prol dos segmentos sociais minoritários.1  Entretanto, o sistema

educacional brasileiro, ainda marcado pela exclusão por diversos mecanis-

mos, tem reservado aos pobres, negros, indígenas, mulheres, jovens, idosos,

homossexuais, pessoas do meio rural, portadores de necessidades especiais,

entre outros grupos sociais, uma educação de inferior qualidade, dedicando

o essencial dos recursos materiais, humanos e financeiros destinados à edu-

cação de todos os brasileiros, a um pequeno contingente da população que

detém a hegemonia política, econômica e social do País (Gomes, 2003).

Se a escolarização não é o principal entrave para que os grupossociais minoritários experimentem melhores condições de vida, ela é certa-

mente um instrumento importante, para a diminuição de hierarquias e

assimetrias históricas, sociais, raciais, regionais, de gênero, de idade, de

origem, étnica e cultural em nosso País.

A escola constitui-se em num espaço privilegiado de crescimento

pessoal, intelectual, profissional e social, bem como de construção de va-

lores, da democracia e da cidadania. Pode, portanto, ser considerada lócus

que possibilita a reprodução e a superação de desigualdades e hierarquias,

de estereótipos, de segregação, e de efeitos perversos que esses fenôme-

nos têm sobre os seres humanos.

 Nesse sentido, ganha cada vez mais importância a discussão sobre

as ações afirmativas na educação superior. Ao entendermos que as insti-

tuições de ensino superior são espaços de contradição, reprodução e

legitimação da ascensão social, que têm favorecido amplamente as elites

brasileiras, reconhecemos que se constituem também em arena e via privi-

legiada de disputa pela democratização da sociedade brasileira, com a

1 Pode parecer estranho falar em "minoria" para referir-se a mulheres, negros, idosos, crianças, pois quantitativamenteformam a maioria. A expressão minoria não é usada no sentido quantitativo, mas qualitativo. Quando o pensamentopolítico liberal definiu os que teriam direito à cidadania, usou como critério a idéia de maioridade social : seriam cidadãosaqueles que tivessem alcançado o pleno uso da razão. Alcançaram o pleno uso da razão ou a maioridade racional os que sãoindependentes, isto é, não dependem de outros para viver. São independentes os proprietários dos meios privados deprodução e os profissionais liberais. São dependentes, e, portanto, em estado de minoridade racional : as mulheres, ascrianças, os adolescentes, os trabalhadores e os “selvagens primitivos" (africanos e índios). Formam a minoria. Como háoutros grupos cujos direitos não são reconhecidos (por exemplo, os homossexuais), fala-se em “minorias". A “maioridade"liberal refere-se, pois, ao homem adulto branco proprietário ou profissional liberal (Chauí, 2003).

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participação mais efetiva de movimentos sociais anti-racistas e anti-sexis-

tas, do campo e da cidade, entre outros.

 Nessa disputa não se devem incluir somente as reivindicaçõesconcernentes ao acesso dos segmentos que têm sido excluídos do ensino

superior, mas também a sua permanência com autonomia. Isso implica no

enfrentamento a distintos momentos e movimentos de reforço das hierarqui-

as no interior da comunidade acadêmica, que incluem o acesso a financia-

mento, bolsa de estudo, possibilidade de produção e difusão de conhecimen-

tos, entre outros. Esse enfrentamento tem se mostrado impeditivo ao proces-

so de construção de um ambiente de diversidade que, por se encontrar regio-

nal, cultural, racial e/ou sexualmente concentrado, concorre para o fortaleci-

mento de um pensamento científico com marcas de distintas subjetividadesdas elites brasileiras. Por conseguinte, as idéias e significados produzidos, ao

não considerar as percepções oriundas da experiência de vida dos segmentos

minoritários, colaboram para a perpetuação das distintas hierarquias e das

desigualdades sociais e culturais no Brasil (Santos e Lobato, 2003).

Cabe salientar que a Constituição Federal (1988) estabelece que:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promo-

 vida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho" (art. 205). Direito humano gradualmente

incorporado na legislação brasileira, representando uma das grandes con-

quistas do século XX no País.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) ratifica

esse direito ao preconizar que: “A educação, dever da família e do Estado,

inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade huma-

na, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (art. 2º).

 Nessa perspectiva, as diretrizes estabelecidas para o sistema educacionalbrasileiro direcionam-se à democratização das oportunidades educacio-

nais, entretanto, na realidade, as ações empreendidas estão ainda distan-

tes das concretas necessidades da população e do projeto de construção

de uma nação soberana e democrática.

Torna-se assim, indispensável reconhecer que “os direitos humanos

não são um dado, mas um construído, uma invenção humana em cons-

tante processo de construção e reconstrução" (Arendt apud Piovesan, 2005,

 Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:da intenção à realidade

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na educação superior. Optamos ainda por analisar dados estatísticos, que

sinalizam a presença/ausência de afrodescendentes, mulheres, pessoas da

zona rural e portadores de necessidades especiais no ensino superior do País. Os dados apresentados são originários do Instituto Brasileiro de Ge-

ografia e Estatística (IBGE), obtidos por meio da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (Pnad/2004), do Censo da Educação Superior de

2004 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio-

nais Anísio Teixeira (Inep) e do Exame Nacional de Desempenho dos Estu-

dantes de 2004 (Enade), um dos instrumentos do Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

Cabe ressaltar que, neste estudo de natureza descritivo-exploratória,

temos o objetivo de traçar uma fotografia inicial da presença/ausência des-sas minorias na educação superior, procurando apreender esse quadro com

 vistas a contribuir para problematizações acerca dos desafios e compromis-

sos inerentes ao processo de democratização do acesso ao ensino superior.

 Esperamos que as reflexões e análises apresentadas possam subsidiar deba-

tes e ações que priorizam a garantia da real “igualdade na diferença" entre

os grupos sociais da sociedade brasileira, estimulando os mais diferentes

públicos – movimentos sociais, pesquisadores, gestores, parlamentares, edu-

cadores e estudantes –, a engajarem-se nessa construção.

 As políticas de ação afirmativa paraa educação superior no Brasil 

 Projetos de ação afirmativa emergem no enfrentamento à desi-

gualdade com relação às oportunidades educacionais, com o propósito de

potencializar o acesso de grupos minoritários à educação superior, entre

outros. Essas ações materializam reivindicações com marcas e ecos delutas sociais de séculos.

 Mas, o que são ações afirmativas? A origem da expressão é norte-

americana, forjada na década de 1960, quando se formam movimentos

sociais que demandam igualdade de oportunidades para todos e exigem do

 Estado leis que garantam a melhoria das condições das populações negras.

 Em estudo acerca da história das ações afirmativas no Brasil,

 Moehlecke (2002) destaca, entre inúmeras definições resgatadas, a de

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Guimarães (1997, p. 233) que reconhece como objetivo central dessas

ações: “promover privilégios de acesso a meios fundamentais – educação

e emprego, principalmente – a minorias étnicas, raciais ou sexuais que, deoutro modo, estariam deles excluídas, total ou parcialmente". Enfatiza

esse autor que, estando atreladas a sociedades democráticas, essas ações

representam um

[...] aprimoramento jurídico de uma sociedade cujas normas e mores pau-tam-se pelo princípio da igualdade de oportunidades na competição entreindivíduos livres, justificando-se a desigualdade de tratamento no acessoaos bens e aos meios, apenas como forma de restituir tal igualdade, deven-do, por isso, tal ação ter caráter temporário, dentro de um âmbito e escoporestrito (Ibidem, p. 233).

 No âmbito da diversidade e polissemia que revestem essas ações,

destacamos o conceito apresentado por Moehlecke (2002, p. 7), que define:

[...] ação afirmativa como uma ação reparatória/compensatória e/ou pre- ventiva, que busca corrigir uma situação de discriminação e desigualdadeinfringida a certos grupos no passado, presente ou futuro, através da valo-rização social, econômica, política e/ou cultural desses grupos, durante umperíodo limitado. A ênfase em um ou mais desses aspectos dependerá dogrupo visado e do contexto histórico e social (sic).

 Entretanto, é fundamental reconhecer que a política compensató-ria é uma forma de minimizar o problema sem resolvê-la. O Estado aten-

de, em parte, às reivindicações dos excluídos, de modo que a realização da

política nunca se completa. As políticas de ações afirmativas na educação,

se compreendidas e implementadas nessa perspectiva, consistem em aten-

der parcialmente às reivindicações dos segmentos sociais minoritários, eli-

minando os focos de tensão e conflito, promovendo o acesso de parcela

desses segmentos aos sistemas de ensino e, conseqüentemente, deman-

dando novas formas de mobilização para que as condições de permanên-cia sejam concretizadas (Fernandes e Cavalcante, 2006).

 Da perspectiva dos direitos humanos, ou seja, da universalidade,

indivisibilidade e interdependência desses direitos, o respeito à diferença

significa não mais utilizá-la para a aniquilação de direitos, mas para a sua

promoção. Os grupos minoritários (afrodescendentes, mulheres, crianças,

pessoas do meio rural, portadores de necessidades especiais, entre outros)

devem ser vistos nas especificidades e peculiaridades de sua condição social,

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Os efeitos de Durbam se fizeram sentir no Brasil de imediato. O governoestava atento a demonstrar, no plano internacional, seu interesse em cum-prir resoluções elaboradas em fóruns multilaterais em nome dos princípiosda igualdade, inclusive racial, sob o signo dos direitos humanos (Maio e

Santos, 2005, p. 6).

 Nesse sentido, o poder público brasileiro assume as políticas de

ações afirmativas como:

[...] medidas especiais e temporárias tomadas pelo Estado, com o objetivode eliminar desigualdades raciais, étnicas, religiosas, de gênero e outras -historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tra-tamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação emarginalização (MEC/SESu, 2006a).

 No caso da educação superior as justificativas defendidas para a

implementação dessas ações fundamentam-se em estatísticas, que evi-

denciam o insignificante acesso da população pobre e negra ao ensino

superior; no resgate de motivos históricos, como a escravidão ou o massa-

cre indígena, cujos desdobramentos se explicitam na situação de desigual-

dade ou exclusão de negros e índios (Moehlecke, 2002).

 Entre as ações afirmativas2 que envolvem a educação superior des-

tacamos o Sistema de Cotas Raciais para Acesso ao Ensino Superior , que é

incentivado pelo poder público quando se institui o Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996, que propõe:

(1) Apoiar a formulação, a implementação e a avaliação de políticas eações sociais para a redução das desigualdades econômicas, sociais eculturais existentes no País, visando à plena realização do direito ao de-senvolvimento e conferindo prioridade às necessidades dos grupos soci-almente vulneráveis;(122) Apoiar a adoção, pelo poder público e pela iniciativa privada, depolíticas de ação afirmativa como forma de combater a desigualdade;(191) Adotar, no âmbito da União, e estimular a adoção, pelos Estados emunicípios, de medidas de caráter compensatório que visem à eliminação

da discriminação racial e à promoção da igualdade de oportunidades, taiscomo: ampliação do acesso dos afrodescendentes às universidades públi-cas, aos cursos profissionalizantes, às áreas de tecnologia de ponta, aoscargos e empregos públicos, inclusive cargos em comissão, de forma pro-porcional à sua representação no conjunto da sociedade brasileira;

2 Consultar o portal do MEC/SESu (http://portal.mec.gov.br/sesu/) para conhecimento de outros Programas desenvolvidosna área da educação.

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(325) Estabelecer mecanismos de promoção da eqüidade de acesso aoensino superior, levando em consideração a necessidade de que o contin-gente de alunos universitários reflita a diversidade racial e cultural dasociedade brasileira. (BRASIL, 2002)

 Entretanto, o Sistema de Cotas tem sido fruto de uma decisão dos

Conselhos Universitários ou órgãos equivalentes, o que lhe confere dife-

rentes formas e percentuais de vagas disponibilizadas entre as instituições.

A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) é a primeira a adotar o

sistema de cotas (2003) e a Universidade de Brasília (UnB) a primeira uni-

 versidade federal (2004). O Inep informa que, em 2006, 29 instituições

adotam essa política, sendo 15 do setor privado e 14 do público, distribu-

ídas entre 14 universidades, 10 faculdades, 3 centros universitários, 1 fa-

culdade integrada e 1 instituto superior. Se considerarmos as 2.013 insti-

tuições registradas no Censo de 2004, evidencia-se que apenas 1,44%

assumem a reserva de cotas em todo o País (Inep, 2006a).

 Essa política ganha força com o Projeto de Lei nº 3.627/2004, que

estabelece um sistema especial de reservas de vagas para estudantes egressos

de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públi-

cas federais de educação superior. As instituições devem garantir, no mí-

nimo, 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integral-

mente o ensino médio em escolas públicas. É ainda estabelecido que essas vagas devam ser preenchidas por uma proporção mínima de autodeclarados

negros e indígenas igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na

população da unidade da Federação onde está instalada a instituição,

segundo o último censo do IBGE (art. 2º).

 E o Programa Universidade para Todos (ProUni) , criado pela Lei nº

11.096 de 13 de janeiro de 2005 tem a finalidade de conceder bolsas de

estudos integrais e parciais para estudantes de cursos de graduação e

seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino

superior, com ou sem fins lucrativos (art. 1º). Garante ainda a instituiçõesprivadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos, a isenção de

alguns tributos na adesão do Programa. As bolsas de estudo destinam-se

a estudantes que tenham cursado o ensino médio completo em escola

pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral; a

estudantes portadores de deficiência; e a professores da rede pública de

ensino, para cursos de licenciatura, normal e pedagogia, com vista ao

magistério da educação básica, independente da renda. Será concedida a

 Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:da intenção à realidade

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

bolsa integral ao brasileiro não-portador de diploma de curso superior,

cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até um salário

mínimo e meio. E a bolsa parcial de 50% ou de 25% aos não-portadoresde diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não

exceda o valor de até três salários mínimos (art. 1º.) (MEC/SESu, 2005b).

 Desde sua criação, foram ofertadas 250.943 bolsas de estudo, sen-

do meta do governo federal a oferta de 400 mil novas bolsas nos próximos

quatro anos. Em 2005, foram 112.275 bolsas para 200.969 inscritos, sen-

do 71.905 integrais e 40.370 parciais, abrangendo 1.142 instituições de

ensino superior. Em 2006 são 138.668 bolsas, somando 35.162 integrais e

11.897 parciais (MEC/SESu, 2006c). Da perspectiva da política de expan-

são do ensino superior no País, este Programa caminha em "direção àsmetas do Plano Nacional de Educação, que prevê a presença, até 2010, de

pelo menos 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos na educa-

ção superior, hoje restrita a 10,4%" (Inep, 2006b).

 Essas medidas ganham suporte com o Programa de Ações Afirma-

tivas para a População Negra nas Instituições Públicas de Educação Supe-

rior (Uniafro) , criado em 2005 pelo acordo entre a Secretaria de Educação

Superior/SESu e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

 Diversidade/Secad. Tem o objetivo de “apoiar e incentivar o fortalecimen-

to e a institucionalização das atividades dos Núcleos de Estudos Afro- Brasileiros/Neabs ou grupos correlatos das instituições públicas de educa-

ção superior, contribuindo para a implementação de políticas de ação

afirmativa voltadas para a população negra" (MEC/SESu, 2006d).

Ainda no plano das etnias, inclui-se o Programa de Formação Su-

perior e Licenciaturas Indígenas (Prolind) , implementado em 2006, para

apoiar projetos, desenvolvidos pelas instituições de educação superior

públicas em conjunto com as comunidades indígenas, que visem à forma-

ção superior de docentes indígenas para o ensino fundamental (5ª a 8ª

séries) e ensino médio e permanência dos estudantes indígenas em cursosde graduação. Tem os objetivos de mobilizar e sensibilizar as instituições

de ensino superior, com vistas à implementação de políticas de formação

superior indígena e de cursos de licenciaturas específicas; mobilizar e sen-

sibilizar as instituições de educação superior, com vistas à implementação

de políticas de permanência de estudantes indígenas nos cursos de gradu-

ação; promover a participação de indígenas como formadores nos cursos

de licenciaturas específicas (MEC/SESu, 2006e).

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Até 2003, atendeu cerca de 120 mil jovens e adultos em suas ações

educativas que incluem: projetos de alfabetização de jovens e adultos

assentados (EJA); formação continuada de educadores nos assentamentose formação técnico-profissional para as áreas de produção e administra-

ção rural; e escolarização nos níveis fundamental, médio e superior (Andrade

et al., 2004). No que tange à educação superior, um levantamento prévio

realizado para este estudo na Comissão Pedagógica Nacional do Pronera,

com base nas informações obtidas do Sistema de Informação de Projetos

de Reforma Agrária (Sipra), permitiu constatar que em 2005 encontravam-

se em execução 28 projetos educativos, favorecendo o acesso a 2.097

 jovens e adultos a esse nível de ensino nas diversas regiões do País, envol-

 vendo um investimento na ordem de R$ 5.071.831,66 (MDA, 2006).3 Esses programas, entre outros em desenvolvimento, são evidências

de mudanças nas políticas públicas, orientadas pela proteção e promoção

dos direitos humanos, rumo à minimização das desigualdades sociais. No

entanto, somos desafiados e instigados a saber se e como essas ações

afirmativas têm afetado o cenário da educação superior no País no que

concerne à democratização do acesso dos segmentos minoritários.

 A presença/ausência de segmentosminoritários na educação superior:

 fragmentos de uma realidade 

A análise que apresentamos a seguir privilegia um conjunto de

dados estatísticos, que consideramos capazes de sinalizar certos tipos de

desigualdades estruturantes da sociedade brasileira no âmbito da educa-

ção superior, produzidas pela interface das hierarquias de renda, de gêne-

ro, de cor/raça, de origem e de condições de vida. Como conseqüênciasdesse quadro, têm-se consolidado condições de vulnerabilidade distintas

3 Um inventário dos cursos de educação superior ofertados pelo Pronera, com o objetivo de analisar a sua contribuição paraa ampliação do acesso e permanência na educação superior pública de jovens e adultos dos assentamentos rurais e osimpactos na vida dos estudantes , assentamentos, movimentos sociais e instituições de educação superior envolvidas com o

 Programa, está sendo construído pelo professor Salomão Hage, com o apoio da ANPEd/Secad, por meio da pesquisadenominada: "Democratização da Educação Superior Pública no Campo: impactos do Pronera nos assentamentos dereforma agrária".

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para cada um dos grupos sociais, que apresentam os piores indicadores em

praticamente todas as situações aqui analisadas.

O processo de coleta desses dados foi desafiante, tanto para orga-nizar as informações oriundas de fontes diversas como para a seleção do

que apresentar neste texto. É importante esclarecer que nessa trajetória

fomos ratificando a insuficiência de estatísticas que tratam de forma de-

talhada as matrículas no ensino superior por raça/cor, portadores de defi-

ciências, indígenas, pessoas do meio rural, não permitindo, dessa forma,

uma nítida visualização da realidade. Quanto a isso, Guimarães (2003, p.

7) faz a denúncia, num estudo sobre o acesso de negros a universidades

públicas que, até recentemente (2000),

[...] não havia em nenhuma universidade pública brasileira registro sobre aidentidade racial ou de cor de seus alunos. Só quando a demanda porações afirmativas para a educação superior se fez sentir é que surgiram asprimeiras iniciativas, na forma de censos e de pesquisas por amostra, parasanar tal deficiência.

 Em vista dessa situação, reunimos neste trabalho um conjunto de

dados que mostram a configuração do cenário para o qual têm sido projetadas

as ações afirmativas. Reconhecemos os limites desta análise, o que nos com-

promete a dar continuidade ao estudo, e ao mesmo tempo o seu potencialde contribuição ao debate acerca das políticas de inclusão em pleno proces-

so de construção. Foi com esse propósito que procuramos revelar a presen-

ça/ausência de segmentos minoritários na educação superior.

As estatísticas educacionais mais recentes continuam a confirmar

que o sistema educacional brasileiro é seletivo e excludente. Os dados dos

Censos da Educação Básica e Superior de 2004 registram que a taxa líqui-

da de escolarização da educação fundamental era de 93,8%, com uma

queda progressiva e drástica no ensino médio (44,4%) e na educação su-

perior (10,5%). Os dados também indicam que a esfera pública responsa-

biliza-se por quase a totalidade das matrículas dos estudantes brasileiros

(82,98%), incluindo os estudantes matriculados na educação infantil (cre-

che e pré-escola), no nível fundamental (1ª a 8ª série), no nível médio (1ª a

3ª série), na educação especial, na educação de jovens e adultos, no nível

técnico e na educação superior; enquanto a iniciativa privada responsabi-

liza-se somente por 17% das matrículas. (Inep, 2005).

 Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:da intenção à realidade

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Quando se analisa as informações obtidas por meio dos questioná-

rios socioeconômicos preenchidos pelos participantes do Exame Nacional

de Desempenho de Estudantes (Enade/2004), evidencia-se que uma par-cela expressiva dos estudantes originários do ensino médio público não

consegue ingressar na educação superior. Embora o Censo Escolar da Edu-

cação Básica (2004) revele que o setor público concentra 87,9% das ma-

trículas no ensino médio, o percentual de matrículas de jovens oriundos

das escolas públicas nas instituições de educação superior é muito inferi-

or, totalizando apenas 46,8%. É importante ressaltar que, apesar das ma-

trículas em escolas de ensino médio privadas representarem apenas 12,1%

do universo dos matriculados nesse nível de ensino, o percentual de estu-

dantes oriundos dessas escolas correspondem a 51,7% das matrículas emIES públicas e 33% nas privadas, o que nos permite concluir que a maioria

dos estudantes oriundos do ensino médio privado encontra-se na educa-

ção superior pública em nosso País.

As contradições explicitadas tornam-se mais complexas quando con-

sideramos os dados da Tabela 1. Podemos evidenciar que a participação dos

estudantes das escolas públicas nas IES é maior que os das escolas privadas

em quase todas as categorias administrativas, excluindo a esfera federal.

Tabela 1– Participação nas IES de alunos originários do ensino médiopúblico e privado, segundo a categoria administrativa

A análise que envolve a relação entre o percentual de matrícula dosestudantes da educação básica pública e o acesso desses aos níveis mais ele-

 vados do sistema educacional brasileiro, não pode ser desvinculada da discus-

são sobre os contrastes de renda no Brasil. Em uma rápida aproximação aos

dados referentes à participação das famílias na sociedade e nas IES, de acordo

com o seu rendimento mensal, os dados divulgados pelo IBGE na Pnad/2004,

indicam que 50,1% da população brasileira encontram-se na faixa de renda

de até três salários mínimos. No entanto, o Censo da Educação Superior de

Categoria administrativa  % de estudantes originários da

escola pública

% de estudantesoriginários da escola

privadaFederais 42,2 42,5

Estaduais 53,3 31,4

Municipais 59,8 23,5

Privadas 45,9 34,9Fonte: Inep/MEC, 2004.

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2004 indica que essa faixa da população está representada por somente 26,5%

dos alunos matriculados nas IES públicas e por 12,9% nas privadas. Essa

discrepância também é observada entre os que têm renda familiar superior adez salários mínimos, porém de maneira inversa, conforme explicita os dados

da Tabela 2. Embora esse segundo grupo represente 11,8% da sociedade

brasileira, os alunos com essa faixa de renda concentram 29% das matrículas

nas IES públicas, sendo essa taxa de participação ainda mais elevada nas IES

privadas, correspondendo a 41,6% da matrícula (Inep, 2006).

Tabela 2 – Representação de famílias por renda familiar no campus 

e na sociedade

Sociedade IES Pública IES PrivadaAté 3 mínimos   50,1% 26,5% 12,9%

Mais de 10 mínimos   11,8% 29% 41,6%Fonte: IBGE/Pnad; Inep/MEC/2004.

 Um retrato mais ampliado da presença/ausência de segmentos

minoritários na educação superior pode ser obtido pela Taxa de Escolarização 

Líquida4  (18 a 24 anos), apresentada na Tabela 3, que revela diferenças

substanciais em termos de performance educacional entre as regiões, loca-

lização de domicílios e grupos sociais, considerando gênero e cor ou raça.

Tabela 3 – Taxa de escolarização líquida – ensino superior(18 a 24 anos)

4 A taxa de escolarização líquida indica o percentual de matrícula em determinado nível de ensino e com idade adequadapara cursá-lo. Para o ensino fundamental, a população considerada adequada é de 7 a 14 anos de idade, para o ensinomédio, a população é de 15 a 17 anos, e para o ensino superior, a população é de 18 a 24 anos.

Ano 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005  Diferença

%1996/2005

? %

Brasil 5,8 6,2 6,8 7,4 8,9 9,7 10,6 10,5 11,2 5,4 93,1

 Norte 3,3 3,3 3,5 3,8 5,2 6,7 6,1 5,7 7,0 3,7 112,12

 Nordeste 3,1 3,0 3,2 3,7 5,0 5,1 5,7 5,8 6,0 2,9 93,54

Sudeste 7,3 8,1 8,8 9,4 10,9 12,0 12,8 13,0 13,8 6,5 89,04

Sul 7,7 8,1 9,6 10,4 12,7 13,7 15,9 15,3 16,2 8,5 110,38

Centro-Oeste 6,5 6,3 6,8 7,7 9,7 11,9 12,3 12,2 14,0 7,5 115,38

Localização

Urbano metropolitano 9,1 9,6 10,4 10,7 12,3 13,6 14,3 14,4 15,2 6,1 67,03

Urbano não-

metropolitano  5,7 6,1 6,7 7,6 9,0 9,9 10,9 10,9 11,7 6,0 105,26

Rural 1,1 0,8 0,9 1,5 1,4 1,6 1,5 1,7 2,1 1,0 90,9

Sexo

Masculino 5,0 5,7 5,9 6,3 7,8 8,3 9,2 9,1 9,7 4,7 94,0

Feminino 6,6 6,8 7,8 8,5 10,0 11,3 12,0 11,8 12,7 6,1 92,42

Raça ou cor

Branca 9,4 10,1 11,1 11,9 14,3 15,5 16,6 16,1 17,3 7,9 84,04

 Negra 1,8 2,0 2,1 2,5 3,2 3,8 4,4 4,9 5,5 3,7 205,55

Fonte: IBGE/ Microdados Pnad – Elaboração Ipea/Disoc. Nota: Nas pesquisas de 1992 e 1993 a freqü ência à escola era investigada apenas para pessoas com cinco anos ou mais de idade.

Obs.: 1) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000; 2) Raça negra é composta de pretos e pardos; 3) A partir de 2004 a Pnad passa acontemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

 Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:da intenção à realidade

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Estes dados nos permitem identificar que no período de uma déca-

da (1996-2005), tendo como marco inicial a promulgação da Lei de Dire-

trizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394, 1996), opercentual de freqüência à escolarização líquida na educação superior obteve

um crescimento de 93,1%, registrando, em 2005, o índice de 11,2%. Esse

percentual ainda se apresenta muito inferior ao que prevê o Plano Nacio-

nal de Educação (PNE/2001): cobertura para a educação superior ao final

da década de 30% da população entre 18 e 24 anos.

Ao se considerar a diferença rural/urbano e as variações do urbano

(metropolitano e não-metropolitano), as desigualdades são sinalizadas nas

taxas de escolarização líquida na educação superior. O espaço urbano

metropolitano apresenta uma diferença superior de pouco mais de 13pontos percentuais sobre o espaço rural em 2005 (15,2% sobre 2,1%,

respectivamente). É curioso notar ainda, que, em meio às desigualdades

registradas, o espaço rural apresenta 90,9% de crescimento na taxa de

escolarização líquida na educação superior no período analisado, contras-

tando com o espaço urbano metropolitano e com o espaço urbano não-

metropolitano, que registraram 67,3% e 105,26% de crescimento.

 No período de 1996-2005, as mulheres apresentaram índices de

escolarização líquida na educação superior maiores que os dos homens. Os

contrastes em relação a esse indicador também se evidenciam, à medida queas mulheres, em 2005, registraram uma diferença superior de três pontos

percentuais sobre os homens, atingindo 12,7% contra 9,7%, respectivamente.

Os brancos (17,3%), assim como as mulheres (12,7%), apresenta-

ram índices superiores aos negros (5,5%), atingindo em 2005, uma dife-

rença superior de quase 12 pontos percentuais. É interessante notar que a

desigualdade apontada entre esses grupos não impediu que os negros

obtivessem um crescimento de 205,55% na última década, em contraste

com os brancos, que obtiveram um crescimento de 84,04% no período.

O Relatório das Desigualdades, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea/2001), apresenta dados ainda mais expressivos,

que envolvem a intersecção de gênero e raça e oportuniza a identificação da

dupla discriminação a que as mulheres negras, vítimas do racismo e do

sexismo encontram-se submetidas. Tal situação traz como conseqüência

uma condição de inserção social muito mais fragilizada para esse grupo, o

qual apresenta os piores indicadores sociais e, educacionais, especificamen-

te (Pinheiro et al., 2006).

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A Tabela 4 apresenta os dados de escolarização líquida por gênero

e cor do estudante, segundo o nível de ensino, em 2004. É importante

notar que, conforme aumenta o grau de ensino, as taxas de escolarizaçãolíquida diminuem para todos os grupos analisados.

Tabela 4 – Taxa de escolarização líquida por cor/raça e sexo,segundo nível de ensino – Brasil, 2004

Homem branco % Mulher branca % Homem negro %  Mulher negra

%Ensino Fundamental 95,2 95,0 92,0 93,6

Ensino Médio 41,5 60,8 28,6 38,9

Ensino Superior 14,6 17,4 3,9 6,0

? % Ensino médio – 

Ensino superior   -64,82 -71,38 -86,36 -84,57

? % Ensino

fundamental – 

Ensino superior 

-84,66 -81,68 -95,76 -93,58

Fonte: Pnad 2004.

Obs.: A população negra é composta de pretos e pardos.

Os dados da Tabela 4 demonstram que no ensino fundamental a

desigualdade entre os grupos não é tão expressiva em termos de freqüên-

cia líquida à escola, situação reforçada por políticas de financiamento da

educação atualmente em vigor. A cobertura de atendimento a esse nível

de ensino tem garantido o acesso de grande parte da população brasileira

à escola. Contudo, faz-se necessária a realização de estudos mais amplia-

dos, que possam diagnosticar os índices de permanência e qualidade dos

resultados da escolarização dos grupos menos privilegiados, em que se

incluem os homens e as mulheres negras.

 No ensino médio, as desigualdades tornam-se bem mais expressi-

 vas do que no ensino fundamental. Os dados revelam que os homens

brancos apresentam uma diferença de quase 13 pontos percentuais no

índice de freqüência líquida à escola em relação aos homens negros (41,5%

contra 28,6%); e as mulheres brancas, de forma ainda mais preocupante,apresentam uma diferença de quase 22 pontos percentuais no índice de

freqüência líquida à escola em relação aos homens negros (60,8% contra

38,9%). É curioso notar, que as mulheres brancas apresentam uma dife-

rença significativa em relação aos homens brancos na taxa líquida de

escolarização nesse nível de ensino (mais de 19 pontos percentuais), o que

indica uma maior escolaridade, mas não necessariamente uma melhor in-

serção no mercado de trabalho.

 Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:da intenção à realidade

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Se tomarmos o caso específico do homem negro, segmento com o

mais baixo percentual de representação nas IES brasileiras (3,9%), os da-

dos da Tabela 4 indicam que o seu índice de escolarização líquida é quase11 pontos percentuais inferior ao índice dos homens brancos (14,6%).

 Entretanto, a presença desse grupo na educação superior, quando compa-

rada à no ensino médio, apresenta um crescimento negativo de -86,36%;

e quando comparada à no ensino fundamental, cai ainda mais, atingindo

um percentual de -95,76%.

A situação de desigualdade das mulheres negras nas IES brasileiras

permanece em patamares muito próximos aos dos homens negros. Seu

índice de freqüência líquida na educação superior é pouco mais de 11

pontos percentuais inferior ao índice das mulheres brancas (14,6%). Con-tudo, a presença das mulheres negras na educação superior, quando com-

parada à no ensino médio apresenta um crescimento negativo, ou seja,

uma ausência, de -84,57%; e quando comparada ao índice de freqüência

líquida no ensino fundamental, atinge um percentual de -93,58%.

 No processo de apreensão da presença/ausência de segmentos

minoritários na educação superior, buscamos também dados referentes

aos indígenas nas IES brasileiras. As informações sobre essa população

ainda são pouco expressivas. Ao tomarmos o questionário socioeconômico

do Enade de 2004, temos a possibilidade de identificar que os estudantes

autodeclarados indígenas registraram seu percentual de presença na edu-

cação superior, variando entre 0,2 e 5,2%, nas IES públicas e privadas das

unidades da Federação, com destaque para o Estado do Amapá, que apre-

sentou o percentual mais elevado nas IES públicas, atingindo 5,2%; e nas

IES privadas, igualando-se ao Estado do Amazonas com um percentual de

4,6%. O Estado do Rio Grande do Sul registrou o menor índice de

representatividade nas IES públicas (0,3%) e o Estado de Alagoas registrou

o menor índice nas IES privadas (0,2%).5

5 Por meio do questionário socioeconômico aplicado aos estudantes que participam do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) temos a possibilidade de definir as características pessoais dominantes do estudante da educação superior.A questão de número 4 desse instrumento aborda especificamente o quesito raça/cor, com alternativas definidas pelos critériosdo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): branco(a), negro(a), pardo(a)/mulato(a), amarelo(a) (de origem orien-tal) e indígena ou de origem indígena. Em 2004, 2.187 cursos participaram da avaliação, dentro das 13 áreas de conhecimentofocadas: Agronomia, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária,

 Nutrição, Odontologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional e Zootecnia. Foram selecionados para participar do Exame 83.661estudantes ingressantes e 56.679 estudantes concluintes, totalizando 140.340 participantes (Inep, 2005).

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Incluem-se ainda ao quadro até agora descrito os dados referen-

tes aos portadores de necessidades especiais. O Censo da Educação Su-

perior (2004) indica que há 5.077 pessoas com necessidades especiaismatriculadas em cursos de graduação no Brasil. Isso representa 0,12%

das 4.163.733 matrículas no ensino superior brasileiro. Do total de por-

tadores de necessidades especiais, 1.220 freqüentam instituições públi-

cas e 3.857 estão em instituições privadas. O Estado do Rio de Janeiro

lidera no número de matriculados nessa condição, 1.006, enquanto o

Acre é o que registra o menor número de matrículas de pessoas especiais

(Inep, 2006).

 Múltiplas informações são necessárias para se ter uma visibilidade

nítida do atendimento dos segmentos da população mencionados. Porém, oretrato que conseguimos traçar, apesar do foco ainda ser limitado, revela

objetivamente diferenciais de participação das minorias sociais nos níveis de

ensino mais avançados. Mostram também a necessidade urgente de inter-

 venções integradas do Estado, de ONGs, dos movimentos sociais, das pró-

prias universidades e da população em geral, no âmbito das políticas públi-

cas e das práticas sociais e educacionais, que possam enfrentar e minimizar

as desigualdades existentes entre os níveis de ensino e no interior de cada

um deles em relação à representatividade dos grupos minoritários, cumprin-

do assim os preceitos constitucionais mencionados neste estudo.

 Esses indicadores educacionais sinalizam as desigualdades defron-

tadas por diferentes parcelas da população na esfera educacional, as quais,

certamente, são reproduzidas de forma ainda mais intensa no mercado de

trabalho, implicando em discriminações substanciais no tocante às suas

condições de inserção, qualidade dos postos de trabalho ocupados, remu-

neração, entre outros.

Reflexões conclusivas

A construção deste trabalho representou para nós um caminho im-

portante para nos apropriar de indicadores referentes à presença/ausência

de segmentos minoritários na educação superior em nosso País. O desafio

de reunir dados recentes, que se encontram dispersos e de difícil acesso à

população em geral, nos motiva a prosseguir juntos com a investigação

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sobre a temática. Conseguimos apreender fragmentos dessa realidade, en-

tretanto somos instigados a aprofundar as reflexões construídas, visando

à produção de sínteses analíticas, que possam explicitar informações darealidade mais substanciais e reveladoras da participação das minorias bra-

sileiras na educação superior.

 Nosso propósito fundamental foi apresentar recentes Programas de

Ações Afirmativas para a educação superior e traçar uma fotografia da

presença/ausência dos segmentos minoritários a partir de indicadores edu-

cacionais, considerados por nós relevantes ao debate e à tomada de deci-

sões acerca do acesso às IES.

As políticas de ações afirmativas para a educação superior são mui-

to recentes e começaram a ganhar espaço significativo após a LDB de1996. Percebemos que, nos últimos anos, órgãos responsáveis pelas esta-

tísticas socioeducacionais (IBGE e Inep), vinculados ao governo federal,

começam a incluir em seus instrumentos de investigação questões que

tratam mais especificamente dessa situação, cujos resultados, aos poucos,

são disponibilizados e, também, tomados como objeto de estudos por

parte do próprio governo. As informações acessadas e analisadas sinali-

zam esforços do governo federal, universidades, ONGs e movimentos soci-

ais representativos dos segmentos minoritários para privilegiar debates sobre

as políticas de ação afirmativa assim como para implementar programas,

 visando à democratização do acesso à educação superior.

O direito à educação a todos é um lema fundamental das políticas

de ações afirmativas na área da educação. Há o reconhecimento de que o

saber sistematizado deve ser disponibilizado a todos os cidadãos, favore-

cendo a participação autônoma e crítica na transformação da sociedade

na qual estão inseridos.

A realidade educacional brasileira ainda tem marcas profundas e

consolidadas das desigualdades sociais, que se traduzem ao longo dahistória do País pela discriminação e racismo estrutural. Nesse sentido,

as ações afirmativas emergem como estratégias reparatórias, compensa-

tórias e/ou preventivas dessas desigualdades (Silvério, 2002). Podemos

observar que essas iniciativas de alguma forma abrem perspectivas de

favorecer o acesso à educação superior, sobretudo quando se considera

a reserva de cotas, as bolsas do ProUni, o financiamento dos estudos

pelo FIES, entre outros.

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 Por outro lado, temos que reconhecer que essas ações têm mobili-

zado tensos e antagônicos debates, tanto no meio acadêmico como na

sociedade em geral. Afinal, quais os melhores caminhos a induzir a supe-ração das desigualdades sociais? Não estariam as ações afirmativas pro-

movendo uma discriminação de uma outra natureza? Não estariam com-

prometendo ainda mais a desqualificação da educação superior? Afinal,

qual a diferença que essas ações estão fazendo para a democratização do

acesso à educação superior? Estas e tantas outras perguntas têm gerado

inquietações sobre o significado das ações afirmativas no Brasil.

O cenário para o qual essas ações são dirigidas mostra que uma

longuíssima caminhada deve ser ainda realizada. Os dados de realidade

continuam denunciando a pouca expressividade da presença das minorias

nesse nível de ensino, sobretudo quando comparamos a representatividade

desses segmentos na sociedade e nas IES.

 De um fato temos clareza: as políticas de ações afirmativas

implementadas devem assumir um caráter emancipatório, para que não

sejam reeditadas as tradicionais medidas compensatórias, de caráter

assistencialista, que pouco favorecem o enfrentamento do núcleo central

de manutenção das desigualdades sociais existentes. Portanto, no proces-

so de democratização do acesso desses grupos à educação superior, de- vem ser abertos caminhos para fomentar a construção de um ambiente de

igualdade e diversidade capaz de fortalecer a produção de um pensamen-

to científico com as marcas das distintas subjetividades, que compõem as

minorias brasileiras, promovendo assim a “igualdade na diferença".

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B) Organização Acadêmica

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Introdução

 Na análise dessa temática, será oportuno ter em vista a colocaçãode Poulantzas (1990, p. 93), ao assinalar que a lei, por um lado, impõe

silêncio e, por outro, deixa falar; ela tanto pode encobrir, obrigar a fazer,

como sancionar direitos. Como membros de instituições universitárias e

do Grupo Integrado de Pesquisa Universitas/BR, procuramos acompanhar

atentamente a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-

cional (LDB), Lei nº 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996, e de

outros editos, dispositivos, preceitos e normas pertinentes às universida-

des e aos centros universitários que vêm sendo criados. Mais ainda, emestudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Universitas/BR encontra-

mos indícios de como esses dispositivos e normas estão se refletindo na

realidade do sistema de educação superior do País.

 Em trabalho desenvolvido recentemente para o Instituto Nacional de

 Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), sobre a trajetória da

educação superior no Estado do Rio de Janeiro (Segenreich, Fávero, Casta-

nheira e Mancebo, 2006), no período 1991-2004, os dados apresentados em

 Universidades e centros universitários pós-LDB/1996:tendências e questões

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 Ensino Superior1  no País, no que se refere, principalmente, à construção da

nova figura institucional que é o centro universitário.

 E mais, urge trabalhar esses dispositivos, reconhecendo que o atodas decisões instituidoras em matéria de educação não será apenas um

ato técnico como pensam alguns, mas implica decisões políticas que vão

exigir um processo incessante de pesquisa e de reflexão sobre a natureza

das instituições de ensino superior no Brasil, tornando esse processo, ob-

 jeto de propostas e não de múltiplas desobrigações, como às vezes tem

ocorrido.

Com o presente estudo, pretendemos mostrar o caminho percorri-

do pelos centros universitários nesses dez anos de vigência da LDB, em

contraposição à universidade pluridisciplinar, dando ênfase a duas dimen-sões de análise: sua concepção como figura institucional e a autonomia

que lhes é atribuída. Nessa linha, serão retomados alguns momentos mais

marcantes de discussão dessas duas dimensões em relação à universidade,

que se inicia bem antes da LDB. E, em seguida, será feita uma descrição da

trajetória de criação e regulamentação dos centros universitários, no País.

 Por último, levantaremos algumas questões que, embora não sejam co-

mentadas aqui, poderão oferecer subsídios para outras análise e estudos

relativos a essa temática.

 A universidade e a LDBEN de 1996 

Os debates em torno da educação superior e da universidade tive-

ram, nos anos 80 do século passado, espaço privilegiado: a Assembléia

 Nacional Constituinte. Na área da educação, muitos estudos foram produ-

zidos. Na defesa do ensino público e gratuito destaca-se o papel do Fórum

em Defesa da Escola Pública constituído por 15 entidades nacionais quese integraram para debater e apresentar à Constituinte uma "Proposta

 Educacional". Algo de novo em relação à educação e à universidade foi

incorporado à Constituição Federal de 1988. Ressaltamos especificamente

1 Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997; Portaria Ministerial nº 639, de 13 de maio de 1997; Decreto nº 2.306, de 19 deagosto de 1997; Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001, além de outros.

 Universidades e centros universitários pós-LDB/1996:tendências e questões

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

o art. 207 “As universidades gozam de autonomia didático-científica, ad-

ministrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princí-

pio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". A existênciada autonomia universitária como princípio constitucional foi um ganho

significativo. No entanto, passadas quase duas décadas de promulgação

da Lei maior do País, percebemos, mais uma vez, não ser fácil passar do

campo dos princípios ao da ação.

 No que se refere à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN), consideramos pertinente assinalar que, após tramitar durante

oito anos no Congresso Nacional e de vários debates na comunidade aca-

dêmico-científica, em 17 de dezembro de 1996, ela foi aprovada pelo

 Legislativo, sem que tivesse havido superação de pontos divergentes dosprojetos da Câmara e do Senado. Três dias depois, o presidente Fernando

 Henrique Cardoso sancionou a Lei nº 9.394/96. A forma como ocorreu sua

aprovação torna oportuna a observação do grande sociólogo e então de-

putado federal, Florestan Fernandes (1991, p. 34) que, ao analisar o pro-

cesso de tramitação dessa Lei, assinala:

O setor privado aproveitou a oportunidade para especificar ou aperfeiçoarformulações que não atendiam às suas peculiaridades. Embora os deputa-dos mais familiarizados com a elaboração da lei tenham opinado a respei-to, coube ao relator cuidar das emendas controvertidas, como fiel da ba-lança e maior responsável pela integração delas no texto. No fim, elaspermitiram obter a aprovação do projeto Jorge Hage e enviá-lo à etapaconsecutiva, que é a remessa à Mesa da Câmara e a sua tributação emplenário. O episódio esclareceu, além disso, que os deputados do centro eda direita possuem recursos para encurralar qualquer projeto de lei, quan-do ele já parece potencialmente aprovado. Esse ponto é essencial para aanálise sociológica do “processo de conciliação".

 Esse comentário feito há mais de 15 anos por personagem tão

eminente na vida pública e acadêmica como foi Florestan Fernandes,

oferece elementos para uma reflexão. Passada mais de uma década dapromulgação da LDB, é preciso não esquecer, também, que essa Lei

representou uma oportunidade para se repensar conseqüentemente as

instituições universitárias e o ensino superior no País. Assim sendo, será

necessário considerar que, apesar das críticas que lhe possamos fazer,

não deve ser vista apenas como uma lei que, uma vez promulgada, con-

gelou todas as mudanças. Além disso, mesmo reconhecendo, como bem

observa Cunha (2003, p. 40), tratar-se de uma “lei minimalista", por não

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conter, “propriamente nem todas as diretrizes nem todas as bases", no

que se refere à educação superior, a Lei nº 9.394/96 apresenta um capí-

tulo específico (Capítulo IV) com 15 artigos – do 43 ao 57 –, o querepresenta 16,3% no conjunto dos 92 artigos (Cury, 1997, p. 12). Entre-

tanto, uma questão poderia ser colocada: que aspectos esses artigos

contemplam? Analisando-os, observamos que os artigos 43 a 50 estão

 voltados mais para a educação superior em geral e os demais para as

universidades. Destacaremos, nesses artigos sobre as universidades, os

dois pontos de interesse neste capítulo: sua concepção e autonomia.

a) Concepção de universidade  – são definidas

como instituições pluridisciplinares de formação de quadros profissionais denível superior, de pesquisa e extensão e de domínio e cultivo do saber huma-no, que se caracterizam por: [uma] produção intelectual institucionalizada,mediante o estudo sistemático dos temas e problemas relevantes, tanto doponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional [...], devendoter um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica demestrado e doutorado; e, um terço do corpo docente em regime de tempointegral (Lei n. 9.394/96, art. 52, incisos I, II e III).

O art. 52, no § único, ao contrário da legislação anterior, dispõe: “É

facultada a criação de universidades especializadas por campo de saber".

 Reiteramos Cury (1977, p. 15) quando assinala que, se de um lado, esse

dispositivo possibilita uma ruptura com uma homogeneização imposta

pela Lei n. 5.540/68, por outro, a flexibilidade apontada poderá contribuir

para um alto grau de dispersão.

b) Autonomia universitária – sobre esse princípio a Lei n. 9.394/96,

mediante os artigos 53 e 54, dispõe sobre as atribuições asseguradas às

universidades, sem prejuízo de outras, no exercício de sua autonomia:

criar, organizar e extinguir cursos; fixar currículos de seus cursos e progra-mas, de acordo com as diretrizes gerais pertinentes; estabelecer planos,

programas e projetos de pesquisa científica, bem como de produção artís-

tica e de atividades de extensão; elaborar e reformar seus estatutos e

regimentos; conferir graus, diplomas e outros títulos; estabelecer contra-

tos, acordos e convênios; aprovar e executar planos, programas e projetos

de investimentos, assim como administrar rendimentos e deles dispor na

forma prevista nas leis e nos respectivos estatutos, além de poder receber

 Universidades e centros universitários pós-LDB/1996:tendências e questões

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

subvenções, doações e heranças, legados e cooperação financeira resul-

tante de convênios com entidades públicas e privadas (art. 53, incisos de I

a X). Esse mesmo artigo, em seu parágrafo único dispõe sobre a autono-mia didático-científica das universidades e as competências de seus

colegiados de ensino e pesquisa para decidir de acordo com os recursos

disponíveis.

 Feitas essas considerações, analisaremos o que a legislação prescre-

 ve em relação aos centros universitários.

Os centros universitários

e a legislação pós-LDB

 Embora o capítulo específico sobre educação superior seja o que

contém o maior número de artigos, há omissões em relação às novas

figuras institucionais como a do centro universitário. Ao tratar da educa-

ção superior, a Lei nº 9.394/96 prevê apenas, em seu artigo 45, que esta

“será ministrada em instituições de ensino superior públicas ou privadas,

com vários graus de abrangência e especialização" (Brasil, 1996), sem

maiores especificações. Somente um mapeamento da legislação pós-LDB

ofereceu subsídios para analisar a concepção de centro universitário e a

questão da autonomia nesse tipo de instituição.

O primeiro semestre de 1997 foi tomado por intensa produção de

dispositivos legais e textos para a construção de um quadro de referências

sobre os centros universitários. As discussões desenvolvidas no seminário

“A Construção do Projeto dos Centros Universitários: orientações do MEC

e realidade das escolas", realizado em agosto desse mesmo ano, retratam

com clareza as primeiras indicações legais sobre o assunto e as questões

mais polêmicas em relação à criação dessa nova figura institucional.Ao descrever os aspectos legais dos centros universitários, Eurides

 Brito da Silva (1997, p. 10) apresenta as fontes de sua definição inicial,

nos seguintes termos: “O Decreto nº 2.207/97 e a Portaria nº 639/97 esta-

beleceram, oficialmente, a tipologia das instituições de ensino superior,

regulamentando o disposto no art. 45 da Lei nº 9.394/96".

Consoante o Decreto nº 2.207/97, de 15 de abril de 1997, em seu

artigo 6º, esses centros são definidos como

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[...] instituições de ensino superior pluricurriculares, abrangendo uma oumais áreas do conhecimento, que se caracterizam pela excelência do ensi-no oferecido, comprovada pela qualificação do seu corpo docente e pelascondições de trabalho acadêmico oferecidas à comunidade escolar, nos

termos das normas estabelecidas pelo ministro de Estado da Educação e do Desporto para seu credenciamento.

Analisando os dois documentos legais mencionados, Brito da Silva

organizou um quadro no qual procura estabelecer a diferença entre uni-

 versidade e centro universitário, de particular interesse para este trabalho,

no que se refere à dimensão concepção institucional .

Quadro 1– Características dos centros universitáriose das universidades pós-LDB/96

Características Centros universitários Universidades

Obrigatório Facult ativo Obr igatór io Facultativo

Ensino

Graduação X X

Pós-graduação  lato sensu   X X

Pós-graduação  stricto sensu   X X

Corpo docente

1/3 de mestres e doutores X X

1/3 em tempo integral X X

Plano de carreira X X

Pesquisa

Iniciação científica X X

Produção sistematizada de pesquisas X XExtensão

Programas extensionistas X XFonte: Silva, 1997, p. 12.

 Nesse quadro, chama a atenção o fato de que as características

consideradas facultativas – pós-graduação stricto sensu , percentual míni-

mo de qualificação e dedicação do corpo docente, assim como produção

sistematizada de pesquisas – são justamente aquelas que elevam o custo

de manutenção da IES (preocupação maior dos provedores das institui-ções), mas que, por outro lado, têm estreita relação com a "excelência do

ensino" que, segundo o próprio decreto, deve ser comprovada pela quali-

ficação do seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico

oferecidas à comunidade escolar.

 No que se refere à pesquisa, entretanto, Silva (1997, p. 13) inter-

preta como obrigatória a presença da iniciação científica nos centros uni-

 versitários, justificando:

 Universidades e centros universitários pós-LDB/1996:tendências e questões

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Embora o centro universitário não esteja comprometido com o desenvolvi-mento institucionalizado da pesquisa, esta sim, uma função universitária,não há como eximi-lo da obrigação de promover a iniciação científica, queé componente indispensável na formação do graduado em nível superior. E

por iniciação científica não entendemos apenas a administração da disci-plina Metodologia Científica nos diversos cursos de graduação. Há quefazer a aplicação prática desse conteúdo. Eis uma boa oportunidade, alémde outras, para se propiciar uma boa prática profissional para os discentes.

Sem dúvida, a autora defende a existência de um espaço institucional

para o desenvolvimento de pesquisas pelo seu corpo docente, tendo-se pre-

sente a formação básica do graduado. Caso contrário, como promover inici-

ação científica se não existe nenhuma atividade de pesquisa na instituição?

 Esses primeiros dispositivos, entretanto, provocaram reação das ins-

tituições privadas no que se referiam, principalmente, a questões ligadasaos contornos da autonomia concedida aos centros e às relações entre

ensino e pesquisa. O mencionado seminário “A Construção do Projeto dos

Centros Universitários: orientações do MEC e realidade das escolas" foi

programado justamente para debater essas questões. Poucos dias após

seu encerramento, foi aprovado o Decreto nº 2.306/97, que substituiu o

 Decreto n. 2.207.

 Leitura atenta desse novo decreto2  permite inferir que se introdu-

ziu uma modificação em alguns aspectos em relação às entidades

mantenedoras de instituições privadas de ensino superior sem fins lucrati-

 vos. Esse dispositivo suprime a exigência de representação acadêmica no

Conselho Fiscal de cada entidade, que constava da legislação anterior;

permitindo, em vez de um balanço anual, a publicação de demonstrações

financeiras certificadas por auditores independentes, com parecer do Con-

selho Fiscal, ou órgão similar; reduzindo em 60% a parcela da receita das

mensalidades escolares destinada ao pagamento de professores e funcio-

nários, incluídos os encargos e benefícios sociais, abrangendo nesse côm-

puto, as reduções, os descontos e bolsas de estudo oferecidas, bem comogastos com pessoal, encargos e benefícios sociais dos hospitais universitá-

rios. Será pertinente lembrar, também, que em relação às

2  O Decreto nº 2.306/97, que revoga o Decreto nº 2.207/97, regulamenta, para o Sistema Federal de Ensino, as disposiçõescontidas no art. 10 da Medida Provisória nº 1.477-39, de 8/8/97, nos artigos 16, 19, 20, 45, 46 e §1º, 52 único, 54 e 88 da

 Lei nº 9.394/96 e dá outras providências.

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[...] instituições privadas de ensino, classificadas como particulares no sen-tido estrito, com finalidade lucrativa, ainda que de natureza civil, quandomantidas e administradas por pessoa física, ficam submetidas ao regime dalegislação mercantil, quando aos encargos fiscais, parafiscais e trabalhistas,

como se comerciais fossem, equiparados seus mantenedores e administra-dores ao comerciante em nome individual (Decreto nº 2.306/97, art. 7º).

 No entanto, vale observar que essas instituições, legalmente, não

ficam isentas de controle estatal, conforme o disposto no caput do art. 4º

e inciso II desse decreto: “As entidades mantenedoras de instituições de

ensino superior, com finalidade lucrativa, ainda que de natureza civil, de-

 verão submeter-se, a qualquer tempo, à auditoria pelo Poder Público".

 Esse dispositivo legal é substituído pelo Decreto nº 3.860, de 9 de julho de

2001, aprovado no segundo mandato do governo Fernando Henrique Car-doso, que ratifica a concepção de centro universitário do decreto anterior

e seu grau de autonomia.

 Não obstante, após quase três anos de intervalo, dois decretos, no

decorrer do governo Luiz Inácio Lula da Silva, merecem destaque, no que se

refere às dimensões objeto de estudo neste trabalho: o primeiro, o Decreto nº

4.914, de 11 de dezembro de 2003, expedido no início de seu primeiro man-

dato (Brasil, 2003) e o Decreto nº 5.786, de 24 de maio de 2006, no segundo

(Brasil, 2006). Procuramos identificar as diferenças entre os dois decretos, em

termos da concepção de centro universitário e da questão dos contornos da

autonomia a ele concedidos, por meio de um quadro comparativo das duas

medidas legais. Elas estão destacadas, em negrito, no Quadro 2.

Quadro 2 – Concepção e grau de autonomia dos centrosuniversitários nos Decretos nº 4.914/2003 e nº 5.786/2006

Decreto nº 4.914/2003 Decreto nº 5.786/2006

Art. 1º Fica vedada a constituição de novos centros

universitários, exceto aqueles em fase de tramitação

no Ministério de Educação para credenciamento [...]

ficando restritos os seus cursos e vagas ao limiteconstante do seu Plano de Desenvolvimento

Institucional – PDI [...]

Art. 2º Os centros universitários, observado o disposto

no Decreto nº 5.773 de 9 de maio de 2006,   poderão

criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e

programas de educação superior, assim comoremanejar ou ampliar vagas nos cursos nos termos

deste decreto.

Art. 2º Os centros universitários já credenciados e os de

que trata o artigo 1º, se credenciados, deverão

comprovar, até 31 de dezembro de 2007, que

satisfazem o princípio da  i ndissociabilidade entre

ensino, pesquisa e extensão  [...]

sendo que os  trinta e três por cento do corpo docente

em regime de tempo integral  [...]

Art. 1º Os centros universitários são instituições de

ensino superior pluricurriculares, que se caracterizam

 pela excelência do ensino  oferecido, pela qualificaçãodo seu corpo docente e pelas condições de trabalho

acadêmico oferecidas à comunidade escolar. [...]

Parágrafo único. [...] que atendam aos seguintes

requisitos:

I um quinto do corpo docente em tempo integral

II um terço do corpo docente, pelo menos, com

titulação acadêmica de mestrado ou doutorado.

Art. 2º § 4º Os centros universitários poderão registrar 

diplomas dos cursos por eles oferecidos.Fonte: http:// www.presidencia.gov.br/legislação/decretos

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

A primeira coluna do quadro oferece uma visão clara da tentativa

preliminar do governo federal, em 2003, no sentido de aproximar a con-

cepção de centro universitário à concepção de universidade, ao introduzirem seu artigo 2º a exigência de comprovação do princípio da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão para seu

credenciamento, conjugada ao estabelecimento de um percentual mínimo

de professores em tempo integral. Está prevista, inclusive, em seu artigo

primeiro, a suspensão de pedidos de credenciamento de novos centros

universitários até a aprovação da nova regulamentação e o cumprimento

das novas exigências para as instituições já credenciadas. Entretanto, no

decreto de maio de 2006, constante da segunda coluna, não somente se

 volta à definição de centro universitário de 1997, em que se enfatiza aexcelência do ensino sem menção à indissociabilidade entre ensino e pes-

quisa, como também é reduzido o percentual mínimo de professores em

tempo integral a ser exigido nas avaliações, diminuindo de 33% para 20%.

Quanto ao grau de autonomia, ele atende aos principais interesses das

mantenedoras dessas IES, na medida em que mantém seu direito de criar,

organizar e extinguir cursos e programas de educação superior, assim como

remanejar ou ampliar vagas nos cursos.

Ao caracterizar a concepção e o grau de autonomia de centro uni-

 versitário, preconizada na legislação vigente, percebemos que prevaleceu

a visão de uma instituição que tem, praticamente, todas as prerrogativas

de autonomia da universidade sem a obrigação de desenvolver

institucionalmente a pós-graduação stricto sensu  e a pesquisa.

Continuando essa análise, identificamos qual o espaço que vem

sendo ocupado por essa nova forma de instituição no âmbito do Sistema

 Brasileiro de Educação Superior.

 A presença dos centros universitáriosno sistema de educação superior 

 Na Tabela 2, procuramos mostrar como os centros universitários

distribuíam-se por categoria administrativa e pelas diferentes regiões do

 Brasil, tomando como base os dados do Censo da Educação Superior de

2004.

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Tabela 2 – Centros universitários por região e categoriaadministrativa – 2004

Regiões   Totais   Público   Privado

 No %/Brasil No %/Região No %/Região Norte   07   6,5 - - 07 100,0 Nordeste   03   2,8 - - 03 100,0Sudeste   72   67,3 3 4,2 69 95,8Sul   15   14,0 - - 15 100,0Centro-oeste   10   9,4 - - 10 100,0

Brasil   107   100,0 3 --- 104 ----

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

 De forma clara, observamos a presença da maioria dos centros

universitários na Região Sudeste, representando 67,3% do total dessas

IES existentes no Brasil, em 2004. Tal predominância está presente emtoda a trajetória da criação de centros universitários nessa região, no

período de 1997 a 2004, com pequenas oscilações, como se pode verifi-

car na Tabela 3.

Tabela 3 – Centros universitários do Brasil e Região Sudeste,de 1997 a 2004

Ano Brasil Sudeste %

1997 13 10 76,9

1998 18 16 88,9

1999 39 29 74,4

2000 50 37 74,0

2001 66 50 75,8

2002 77 58 75,3

2003 81 60 74,0

2004 107 72 67,3

Δ 1997-2004 723,1 620,0Fonte: MEC/Inep/Deaes.

À medida que se delimita o período de tempo de análise, a partir da

criação dos primeiros centros universitários, em 1997, percebemos o cres-

cimento acelerado desse tipo de IES no Brasil (723,1%), acompanhado de

perto pela Região Sudeste (620%). Com o intuito de aprofundar a análise

da estatística dessa região para a realidade dos seus diferentes Estados,

construímos a Tabela 4.

 Universidades e centros universitários pós-LDB/1996:tendências e questões

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Tabela 4– Centros universitários da Região Sudeste por Estadoe categoria administrativa

Ano Sudeste Rio de Janeiro São Paulo Minas Gerais Espírito Santo

tot publ Priv tot publ priv tot publ priv tot publ priv tot publ priv1997 10 - 10 04 - 04 03 - 03 03 - 03 - - -

1998 16 - 16 03 - 03 11 - 11 02 - 02 - - -

1999 29 - 29 07 - 07 19 - 19 03 - 03 - - -

2000 37 01 36 08 - 08 22 01 21 06 - 06 01 - 01

2001 50 02 48 09 - 09 30 01 29 09 01 08 02 - 02

2002 58 03 55 10 - 10 33 02 31 13 01 12 02 - 02

2003 60 03 57 10 - 10 35 02 33 13 01 12 02 - 02

2004 72 03 69 13 - 13 41 02 39 15 01 14 03 - 03

Δ 1997-

2004  590620 - -225 225 1266 1200 400 367

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

- - - - -

Com base nessa tabela, observa-se, inicialmente, que os três cen-tros universitários públicos existentes em todo o Brasil surgiram a partir

do ano de 2000, localizando-se nos Estados de São Paulo e Minas Gerais,

segundo os dados do MEC/Inep. Quanto ao índice de crescimento desses

centros, São Paulo destaca-se em primeiro com 1.266%, seguido por Mi-

nas Gerais com 400% e Rio de Janeiro com 225%. O Espírito Santo não

apresenta índice de crescimento nesse período porque somente após 2000

passou a contar com centros universitários em seu sistema.

Os dados levantados permitem antever, ainda, o impacto que esse

tipo de instituição poderá ter na configuração do perfil do Sistema de

 Educação Superior nos próximos anos, principalmente se forem levadas

em consideração as condições facilitadoras que foram introduzidas medi-

ante o Decreto nº 5.786/06. Diante do exposto, pareceu-nos necessário

dar continuidade à discussão sobre o que se espera dessas instituições.

Os centros universitários:

a relação ensino-pesquisa e a questãoda autonomia

 Uma questão a ser considerada, refere-se aos centros universitários

serem definidos como “instituições de ensino superior pluricurriculares,

que se caracterizam pela excelência do ensino prestado, pela qualificação

do seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidas

à comunidade escolar" (Decreto nº 5.786/06, art. 1º). Examinando esse

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dispositivo somos levadas a indagar sobre o que os autores desse decreto

entendem por excelência, termo utilizado nele, supomos, como sinônimo

de qualidade. Parece indiscutível que qualidade e excelência são características mais

do que desejáveis em qualquer organização, especialmente nas instituições

de educação superior e no trabalho por elas desenvolvido. Isso posto, será

pertinente levantar a questão: Como no Brasil pode-se pensar em centros

universitários que se caracterizam pela excelência do ensino, sem o desen-

 volvimento da atividade de pesquisa por seus professores e alunos?

A criação dos centros universitários, com essa concepção

institucional, reaviva a discussão dos anos 80 do século passado, quando

a proposta do Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superi-or (Geres), traduzida na dualidade entre universidades de pesquisa e uni-

 versidades de ensino foi severamente contestada. Como bem assinala Saviani

(1999) estas últimas ressurgiram chamadas eufemisticamente, pelo MEC,

de “centros universitários". Quanto à presença opcional da pesquisa, ob-

serva o autor que:

[...] não parece, pois, sensato abrir mão da pesquisa na organização doscursos de nível superior. [...] Realmente, faz uma grande diferença formarprofissionais num ambiente de produção de conhecimento, no qual osalunos, a partir da graduação, têm contato com laboratórios, grupos depesquisa, criadores de cultura a formá-los à margem dessa possibilidade(Saviani, 1999, p. 131).

 Desde a década de 1980, a questão da associação ou dissociação

entre ensino e pesquisa como princípio natural vem sendo objeto de polê-

mica dependendo, inclusive, da definição de pesquisa adotada como pon-

to da partida. A expressão ensino com pesquisa foi utilizada por Paoli

(1990, p. 31) para traduzir sua forma de pensar a relação ensino-pesquisa:

“[...] não se trata apenas de introduzir inovações no nível de conteúdo dadisciplina, mas também de disseminar atitudes científicas, ou seja, predis-

posições para conhecer de forma inteligente e não apenas repetitiva e

reprodutiva". Essa posição coincide com a interpretação de Silva (1997)

sobre a necessidade da presença da iniciação científica nos centros univer-

sitários, conforme referimos anteriormente, no Quadro 1.

 Entretanto, uma questão parece ainda sem resposta: Como as ati-

 vidades de práticas de pesquisa terão lugar no cotidiano da sala de aula, se

 Universidades e centros universitários pós-LDB/1996:tendências e questões

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

o professor não desenvolve, ele próprio, esse tipo de atividade? A diminui-

ção do percentual mínimo de professores em tempo integral, de um terço

para um quinto, nos centros universitários (conforme dispõe o Decreto nº5.786/06), certamente vai agravar as condições institucionais de atendi-

mento ao compromisso com a qualidade do ensino.

 No que se refere às implicações dessa política dual para o futuro

desenvolvimento do sistema de educação superior como um todo, um

estudo de Segenreich sobre a relação entre ensino de graduação e pesqui-

sa (publicado em 2001) assinalava:

[...] no que se refere às atuais políticas públicas relacionadas à questão, odiscurso passa pela negação da indissociabilidade ensino-pesquisa, vista

como pesquisa científica, em nível individual (do professor) e pela restriçãodeste preceito constitucional às universidades que realmente desenvolvampesquisa. Isto significa que as demais universidades ou se tornarão Univer-sidades Classe B ou serão descredenciadas, engrossando o número de cen-tros universitários já existentes (Segenreich, 2001, p. 208).

Quanto à autonomia, a grande novidade dos centros universitários

é terem, segundo Cunha (2003), o privilégio de usá-la para criar, organizar

e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, além

de outras atribuições definidas em seu credenciamento pelo Conselho

 Nacional de Educação. Assim sendo, passam a ser instituições com prerro-gativas de universidade, mas de universidade sem pesquisa.

 Diante do exposto uma questão desafiadora impõe-se: Se a autono-

mia não constitui um fim em si mesma, mas condição necessária para que

sejam concretizados os fins da universidade: ensino, pesquisa e extensão, por

ser uma característica do cerne dessa instituição (Fávero, 2005), como aceitar

que os centros universitários "quase autônomos ou detentores de quase toda

a autonomia universitária ocupem o lugar, no discurso reformista oficial, da

universidade de ensino, definida por oposição à universidade de pesquisa, esta

sim, a universidade plenamente constituída?" (Cunha, 2003, p. 54).

Concluindo...

 Em suma, pode-se inferir que a reforma da educação superior

contida na LDBEN e na legislação complementar contém tanto limites

como virtualidades, cabendo aos docentes-pesquisadores refletir sobre

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duas questões intimamente interligadas. A primeira, em que condições,

no contexto atual, é possível realizar um ensino de qualidade em nível

universitário, em uma instituição que não se preocupe com a produçãodo conhecimento, com a criação de um ambiente de saber e que não

desenvolva pesquisa nas áreas de ensino às quais se dedica? A segunda,

qual o impacto que a perspectiva de expansão dessa forma diferenciada

de instituição universitária, predominantemente privada e progressiva-

mente particular, no seu sentido estrito, teria para o Sistema de Educa-

ção Superior nos próximos anos? E mais, no caso das universidades pú-

blicas, como essa questão será encaminhada se o poder público não

injetar recursos para manter vivo o princípio da indissociabilidade do

ensino, pesquisa e extensão? Finalizando, observamos: como não há pesquisa acabada, com o

presente estudo pretendemos levantar questões e oferecer subsídios que

poderão ser retomados e complementados em outras pesquisas e trabalhos.

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 Universidades e centros universitários pós-LDB/1996:tendências e questões

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9 A Universidade Comunitária:

 forças e fragilidades Maria Estela Dal Pai Franco*

Solange Maria Longhi**

* Professora titular PPGEdu/UFRGS, coordenadora do GEU-Ipesq/UFRGS; e-mail : [email protected]

** Doutora em Educação UFRGS; professora da UPF; e-mail : [email protected]

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Olhar para esta primeira década pós-Lei de Diretrizes e Bases da

 Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996) e as políticas públicas dela decor-

rentes, implica em reconhecer que foram impressas diversas marcas naeducação superior, intensificando características responsáveis por uma

 verdadeira metamorfose , como a própria Unesco designa o atual estado

da educação superior (ES)1 na região em que o Brasil se situa (Iesalc/

 Unesco, 2006). Tais marcas decorrem dos processos de reformas constan-

tes que vêm se impondo à educação, seguindo as tendências definidas

globalmente e pelas próprias instituições de ensino superior (IES).

 Flexibilização, internacionalização, expansão, acesso e inclusão, avaliação

e qualificação institucional, capacitação docente, diversificação de mode-los e muitas outras são expressões que marcam o contexto da educação

superior pós-LDB.

Tomando apenas a marca da diversificação de modelos, é impres-

cindível reconhecer que esta não é prerrogativa dos anos de 1990, pois nas

1 No presente trabalho não se fará diferença entre os termos ensino superior e educação superior.

A Universidade Comunitária:forças e fragilidades

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

raízes do ensino superior brasileiro encontram-se tentativas de diversificar

instituições e cursos, no bojo de políticas públicas. Entretanto, é inegável

que um dos mais expressivos exemplos de diversificação foi objetivadopela LDB de 1996, mas já aventado na Constituição da República Federa-

tiva do Brasil de 1988: o segmento das instituições de educação superior

comunitárias no Sistema de Educação Superior brasileiro, que hoje ocupa

um significativo nicho e conta com 51 instituições.

A procedência de tal constatação se revela no fato de que as IES

comunitárias têm sido estudadas sob duas idéias centrais: a procura da

diferenciação em face dos demais segmentos da ES e o seu caráter alter-

nativo (Longhi, 1998; Bittar, 1999; Neves, 2003; Morosini e Franco, 2004;

 Longhi e Franco, 2006; Bittar, 2006). O caráter alternativo tem expressãono esforço de conferir ao segmento das IES comunitárias um traço

diferenciador daquelas particulares de orientação comercial, e de entendê-

las, mesmo que privadas, em uma perspectiva de instituições públicas não 

estatais . É o espaço ambíguo, reconhecido por Longhi (1998) e Bittar (2006),

no qual subjazem identificações com o público e com o privado e a cons-

trução da própria identidade, num processo eivado de tensões. No enten-

der de Longhi (1998) a LDB aprovada em 1996, distingue as comunitárias

dentro do grupo das privadas, mas adiciona uma ambigüidade ao estabe-

lecer que as confessionais, além de orientações específicas, atendam ao

disposto para a categoria das comunitárias.2  Tal colocação subentende

duas categorias de instituições comunitárias: confessionais e não-

confessionais.

 No espaço ambíguo das IES comunitárias, é pertinente reconhecer

sua condição de instituições privadas cujo número de estudantes que po-

deriam pagar taxas estaria próximo ao limite. Amaral (2006), consideran-

do um conjunto de indicadores entre os quais o número de pessoas que

2 As universidades comunitárias, propriamente ditas, surgiram de iniciativas essencialmente comunitárias; são “[...] defini-das como não-confessionais, não-empresariais, sem alinhamento político-partidário ou ideológico de qualquer natureza.Sob o ponto de vista patrimonial, as universidades comunitárias não pertencem a um dono ou grupo privado, mas afundações ou associações comunitárias (designadas de mantenedoras), cuja totalidade dos bens tem, conforme o explicitadoem seus estatutos, destinação pública, revertendo, em caso de dissolução, para o controle do Estado. Os dirigentes dessasmantenedoras não recebem remuneração no exercício de sua função. A forma de gestão caracteriza-se pela eleição de seusdirigentes, com participação de toda comunidade acadêmica. Em seus conselhos superiores participam representantes dacomunidade externa, inclusive do poder público municipal e, em algumas delas, do poder público estadual. Seus balanços,de domínio público, após análise e aprovação interna, são submetidos a auditores independentes, a um conselho fiscal e àaprovação do Ministério Público." (Longhi, 2003, p. 341).

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residem em domicílios com renda nas faixas que permitem pagar o ES,

mostra que o sistema privado suportaria somente uma pequena expansão

de novas matrículas e em áreas específicas. Portanto, para o autor, a res-ponsabilidade por atingir a meta governamental de 30% dos alunos com

idade entre 18 e 24 anos no ES até o ano de 2011, tem de ser conjunta do

setor privado e do setor público. Isso realça as dificuldades enfrentadas

pelas IES de hoje, explicita indagações que incidem no âmbito das tensões

entre socialização e mercantilização do conhecimento e retoma os

questionamentos sobre o compromisso social da universidade comunitária

enquanto produtora e socializadora do conhecimento.

Os pontos acima levantados sinalizam a importância de entender o

que amalgamou a proposta de universidade comunitária, como ela se en-contra hoje, quais suas fragilidades, nesse contexto complexo e de ambi-

güidades políticas e práticas, no entorno de processos de globalização e

quais pontos fortes se apresentam ante as possibilidades da Pós-gradua-

ção e dos grupos de pesquisa para enfrentar os desafios e atender ao

compromisso histórico-social desse segmento de IES. É o espaço e o obje-

tivo do presente trabalho.

Aguçar o olhar sobre a problemática exige adentrar alguns dos

pontos levantados. A educação superior no Brasil, assim como em ou-

tras partes do mundo, tem se defrontado nestes anos 2000 com pro-

blemas sérios e inusitados: a expansão de ofertas sem qualidade e con-

trole, a ênfase mercadológica, a concorrência acirrada, a inadimplência,

as desigualdades, entre outros. Como nunca, talvez, em sua trajetória,

as IEs têm encarado tão intensamente a pressão de forças opostas,

captadas de modo diferenciado, mas que revelam um cerne comum: o

dilema mudar e/ou manter. Analistas do hemisfério norte, como

Stensaker e Norgard (apud Tight, 2003, p. 151), por exemplo, perce-

bem nesse tipo de enfrentamento a dinâmica entre inovação eisomorfismo: de um lado o movimento em direção a objetivos inova-

dores e de outro o das forças para se adaptar às pressões externas de

padronização.

Santos (2004a) vai além e vê a questão no prisma mais de tran-

sição paradigmática, na dimensão epistemológica e na societária. É a

transição entre o paradigma da modernidade, em falência visível para

o autor, e, um paradigma emergente, que aos poucos vai se delineando

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

com base na análise das experiências nem tão bem-sucedidas, decor-

rentes da lógica hegemônica globalizante vigente. Na transição

epistemológica do paradigma da modernidade concorre a ciência mo-derna (conhecimento-regulação) com a emergência do paradigma do

conhecimento prudente para uma vida decente (conhecimento-eman-

cipação). Menos visível para o autor é a transição societária entre o

paradigma dominante e o novo paradigma. O ainda dominante está

ligado à sociedade patriarcal, à produção capitalista, individualista e

mercantilista; constituído por identidades-fortaleza; manifesto pela

democracia autoritária; expresso pelo desenvolvimento global, desi-

gual e excludente; de um conjunto de paradigmas emergentes, apenas

se vislumbram sinais. No contexto brasileiro Sguissardi (2004) coloca a questão no âmbi-

to da universidade neoprofissional, heterônoma e competitiva, configura-

da a partir dos ajustes da economia e da reforma do Estado dos anos de

1990, voltadas principalmente para o mercado.

A questão comum que, por vezes somente se vislumbra, e, por

 vezes aflora e lança acintosamente, o germe da dúvida quanto à possibi-

lidade de respondê-la é: o que manter e o que mudar nessa transição para

sobreviver?

Três razões levam este estudo a focalizar universidades comunitá-

rias do Rio Grande do Sul (RS): a evolução da idéia de escolas comunitárias

instituídas pelos imigrantes (Both; Frantz, 1985); o número significativo

de universidades comunitárias que revelam o espírito original das “propri-

amente ditas" localizadas no Estado; e o reconhecimento de que no RS

está situada uma das IES que caracteriza substantivamente o segmento

das comunitárias, o que se reflete na escolha de Bittar (2006) ao analisar a

 Unijuí como exemplar do “modelo" comunitário. O estudo fez uso de

consulta a sítios institucionais e oficiais, de documentos político-legais,bem como de sete entrevistas3 realizadas com reitores e pró-reitores de

 UC. Utiliza princípios de análise de conteúdo (Grawitz, 1967).

3 Participaram das entrevistas gestores de quatro universidades: Unisc (duas entrevistas); UPF (uma entrevista), URI (trêsentrevistas) e a Unijuí (uma entrevista). As autoras agradecem à Morosini e Franco (2004) pela disponibilização de duasentrevistas realizadas em 2003. As demais entrevistas foram realizadas em 2006.

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Caracterização e traços marcantesna emergência e trajetória da universidade 

do RS: a busca pela democratização do ensino,a dimensão regional, o patrimônio comunitário,o caráter de resistência, a religiosidade,a força étnica e os movimentos associativos

 É preciso reconhecer a força transformadora das demandas e pres-

sões sociais para que a democratização ganhe espaços concretos na tessitura

decisória da educação superior brasileira. Os movimentos construtores da

 LDB de 1996 assim o atestam. Nesse bojo estão incluídos os movimentos

propositores que visaram à Assembléia Nacional Constituinte (1987-88) e

à tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1988-

1996). Muitas dessas contribuições, mesmo não sendo contempladas na

proposta final, permitiram prenunciar tendências e conseqüências, esta-

belecendo referências que, atualmente, podem servir de suporte à análise

crítica de sua concretização.

A análise do surgimento das universidades comunitárias em uma

concepção ampla remete ao surgimento tardio das primeiras universidades

públicas brasileiras (começo do século XX). No Rio Grande do Sul, emborao início do ensino superior também ocorra antes, sua constituição em

universidades também aconteceu mais tarde tanto quanto no centro do

 País. Esse ensino foi implantado primeiro em regiões mais desenvolvidas 

na época. Assim, no final do período imperial (1883), foi a cidade de

 Pelotas que recebeu a primeira faculdade do Estado (Agronomia), igual-

mente uma das primeiras do País.

 Decisivas foram as influências, tanto da Igreja como da tendência

laica (liberal e positivista, unida à maçonaria), na origem e no desenvolvi-

mento de escolas e faculdades. Em decorrência da tendência laica, asprimeiras instituições destinadas ao ensino superior que surgiram no Esta-

do dirigiam-se aos estudos e à profissionalização nas áreas de ciências da

 vida, da terra e tecnológicas, áreas-chave da doutrina positivista.

 Em decorrência desta forte influência das idéias positivistas de-

fendidas por políticos proeminentes no Estado, em 1896, foi estabelecida

a Escola de Engenharia (EE) de Porto Alegre, que pode ser considerada

uma das origens da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS).

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 Diversas experiências de integração regional ocorreram entre as ins-

tituições que se formavam no interior do Estado nesse período. Elas foram

alimentadas , na década de 1970, pela constituição dos DistritosGeoeducacionais (DGEs)4  e pelas políticas de desenvolvimento regional

(no Sul, por meio da Superintendência do Desenvolvimento dos Estados

do Sul – Sudesul). O DGE-38 não esgota o território onde se localizam as

universidades comunitárias no RS, mas ele é basilar por duas razões: a

primeira porque reforçou a cultura de solidariedade entre instituições

congêneres, elemento fundante das comunitárias; a segunda, porque nele

concentrou-se um significativo número de IES comunitárias.

As IES que foram surgindo se fortaleceram e, mesmo sendo priva-

das, distinguiam-se das empresariais pelo enraizamento nas comunidades,pelas perspectivas de regionalização. Nas trocas decorrentes, foram cons-

truindo suas identidades comunitárias institucionais. Elas não foram

introduzidas nas localidades por grupos de empreendedores de fora das

comunidades que ali vinham se estabelecer, como se estabelecem empre-

sas , cuja perspectiva de mercado promete lucros seguros, porque ali há

uma clientela, porque ali se encontrou um filão, um nicho de mercado. Ao

contrário: elas foram emergindo como concretização do desejo, da neces-

sidade de maiores estudos em níveis superiores e por isso, organizadas

pelo esforço de segmentos de suas comunidades. Não se pode ignorar

que, tais segmentos eram constituídos por pessoas com maior preparo

cultural e profissional, mas, não constituído, somente por pessoas de mai-

or poder econômico. Inúmeros relatos demonstram que a colaboração da

comunidade abrangia vários segmentos da população organizada em as-

sociações de professores, de membros das comunidades, em sociedades

pró-universidade (cf. Longhi, 1998).

A explicitação do termo comunitário requer não apenas uma volta

às origens histórico-sociais, mas, especialmente, uma oxigenação pelaspráticas institucionais diante do momento atual da vida brasileira. Tem

4 Nas regiões norte e noroeste do RS, as primeiras tentativas de integração do ensino remontam ao denominado DistritoGeoeducacional – DGE-38, iniciadas ainda 1970. Desde sua origem o DGE-38 traçou uma filosofia voltada para a integraçãodas pessoas e das instituições mediante tarefas comuns. Na década de 1980 após reestruturação do seu modelo organizacional,criaram-se conselhos setoriais nos quais participavam, além das IES as então denominadas Delegacias de Educação (hojeCoordenadorias Regionais de Educação – CRES) da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

havido esforços, como o de Paviani (1985; 1995), de Piran (1997); de

 Paviani e Pozenato (1980), de Both e Frantz (1985), de Tramontin e Braga

(1988), de Neves (2003), para a explicitação do conceito de comunitário . Há um consenso entre estes autores de que, embora tenha se projetado no

cenário nacional após a promulgação da Constituição Brasileira de 1988,

este conceito já era empregado desde períodos anteriores no âmbito mais

geral das escolas comunitárias brasileiras, conforme demonstra o estudo

de Longhi (1998).

A LDB de 1996 (Brasil, 1996), atualmente em vigor, explicita no

art. 19, a natureza administrativa das instituições de ensino dos diferentes

níveis, classificando-as em públicas (mantidas pelo poder público em qual-

quer instância) e privadas (mantidas por pessoa física ou jurídica de direitoprivado). Segundo o art. 20 dessa mesma lei, enquadram-se na categoria

das privadas quatro diferentes modalidades: a particular (que denomina-

mos de empresarial), a confessional, a comunitária e a filantrópica. Por-

tanto, a universidade comunitária enquadra- se na categoria das privadas;

algumas delas são confessionais e de natureza filantrópica.

Isso atendeu ao pretendido pelas universidades que, no período

que antecedeu à elaboração da Carta Constitucional, desenvolveram níti-

da movimentação (em especial as do Rio Grande do Sul), com repercussões

em âmbito nacional. Tais universidades consideravam-se como um mode-

lo alternativo entre a pública e a particular (empresarial). As universidades

comunitárias defendiam uma compreensão diferente das demais particu-

lares; não tinham fins lucrativos; os resultados financeiros obtidos devi-

am, obrigatoriamente, ser reinvestidos nas próprias IES, em benefícios do

ensino, da pesquisa e da extensão.

 Embora diferentes em seu formato, as universidades caracteriza-

ram-se, desde suas origens, por forte direcionamento de ações ao seu

entorno social, seja por propostas de extensão, pelo atendimento às ne-cessidades de ensino ou pela ênfase nas atividades de pesquisa voltadas à

região. Disso resultou acelerado processo de regionalização o que fez com

que fossem se constituindo estruturas organizacionais na modalidade de

campi , centros de extensão e de núcleos. Poucas ainda mantêm, apenas,

extensão de cursos (estes, geralmente de caráter esporádico). Isto demons-

tra a concretização, em níveis locais, de uma tendência de resistência das

regiões, em busca do acesso ao ensino superior para as suas comunidades.

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 Vários movimentos articuladores, objetivados em associações, ten-

deram a desenvolver um lastro identitário comum, ajudando, pois a amal-

gamar a universidade comunitária no RS. O primeiro a ser destacado é o daAssociação de Escolas Superiores Formadoras de Profissionais do Ensino

(Aesufope).5  Antes de uma orientação repassadora de políticas governa-

mentais, na transposição dos anos de 1970 para 1980, a Aesufope passou a

assumir uma linha contestatória e antecipadora no forjamento das políticas

públicas de educação superior e serviram de modelo, por meio de encontros

de pesquisadores, para outras regiões do País e possivelmente, para linhas

de ação da própria Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

 Educação (ANPEd) Regional. Os eventos representavam um “fórum" de tro-

ca de experiências e divulgação da produção docente e deram impulso aodesenvolvimento da pesquisa e do ensino e da liderança educacional em

diversos níveis. Posteriormente, foram fortalecidos pelo Fórum de Coorde-

nadores de Pós-Graduação da Região Sul e ANPEd (Engers, 2003.).

Outro movimento associativo que merece ser lembrado é o Consór-

cio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).6  É pertinente não

esquecer que o próprio movimento do DGE-38 nas regiões norte e nordes-

te do RS promoveu a pressão política pela existência e pela qualidade da

educação superior no interior do RS, por meio de movimentos articuladores

e de fortalecimento das IES pela via associativa. Dessa forma, o referido

programa, repetindo experiências anteriores das IES, ainda no âmbito do

 DGE-38, estabelecia como marcos para essa ação interinstitucional a par-

ticipação efetiva e integrada em programas nacionais de aperfeiçoamento

do ensino básico, o estabelecimento de parcerias com segmentos comuni-

tários, incluindo administrações municipais, e a agilização na produção e

5 Constituiu-se em um espaço de resistência único, criado em 1970, na conjunção de oito faculdades de Filosofia, Ciênciase Letras de instituições privadas, integrantes do Programa de Formação de Professores Polivalentes (PFPP) que, desde 1967,funcionava no RS com o apoio da Fundação Ford. Foi notória a liderança da PUC-RS, congregando um grupo de institui-ções (UCS em Caxias do Sul, Unisinos em São Leopoldo, Unijuí em Ijuí, UCPel, em Pelotas, Imaculada Conceição em Santa

 Maria, UPF em Passo Fundo e uma instituição de Uruguaiana), que, anos mais tarde participaram no estabelecimento doConsórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung). A preocupação com a pesquisa na universidade estevepresente desde 1973, quando a Aesufope organizou o primeiro de uma série de eventos de pesquisa, criando, inclusive um

 Departamento de Pesquisa (DPE). Segundo Engers (2003) esses encontros congregavam os Estados do Rio Grande do Sul,Santa Catarina e Paraná – encontros da Região Sul .6 O Comung, é uma rede universitária, oficializada em 1993, integrada por universidades e centros universitários do RioGrande do Sul, cujos objetivos fundamentam-se na idéia de integração de ideais e forças. Pode-se considerar a origem dessemovimento, a organização, no ano de 1990, de algumas dessas universidades em torno do então Programa Interinstitucionalde Integração da Universidade com a Educação Fundamental (hoje Pieb, em decorrência da terminologia – educaçãobásica), concebido pelos reitores dessas instituições (Longhi, 2003).

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

socialização do conhecimento nas instituições participantes, pela articula-

ção entre ensino, extensão e pesquisa. Esse movimento tomou força e,

como Comung liderou o movimento de resistência ao anonimato das IEScomunitárias no RS, fundando-o no conjunto das ações integradas que

 vinham sendo desenvolvidas.

Assim como a Aesufope, pode-se dizer que esse movimento

associativo foi precursor de outros, neste caso como a Associação Brasilei-

ra das Universidades Comunitárias (Abruc),7 que se organizou em âmbito

nacional apenas em 1995. A defesa deste modelo solidário , na expressão

de um dos dirigentes entrevistados para o presente estudo (Dirigente C),

como parte do sistema de educação superior do País, atualmente, encon-

tra-se em uma fase difícil e perigosa: a de

[...] não conseguirmos passar a educação que nós entendíamos comoprincípio, como atividade-fim, do modelo comunitário. A preocupaçãocom os problemas de autofinanciamento parece estar se sobrepondo aode educar, em um Estado que hoje tem uma expansão desordenada noensino superior.

Outro dirigente da mesma instituição (Dirigente D) explicita que

[...] há um espaço sobre as comunitárias que não está tendo a compreen-

são e a valorização que mereceria ter, porque elas, há mais de 20 ou 30anos, ocuparam um espaço deixado (de propósito ou de forma involuntária)pelo Estado [...] estas universidades desempenharam papéis públicos, aten-dendo a diversos públicos e atenderam bem.

O caráter associativo dessas instituições representa, sem dúvida,

uma das fortalezas das comunitárias do Sul. Entretanto, o momento

7 A Abruc é uma associação civil que reúne, em 2006, mais de 50 instituições de ensino superior entre universidades ecentros universitários comunitários. Foi fundada em janeiro de 1995, com sede em Brasília. “O objetivo da Abruc é promo-

 ver, consolidar e defender os conceitos de universidade e centro universitário comunitários. A associação tem tido atuaçãodestacada no cenário educacional brasileiro, participando de diversos fóruns oficiais e organizando eventos e seminários emtodo o País. As associadas à Abruc assumem-se como entidades sem fins lucrativos, voltadas prioritariamente para açõeseducacionais de caráter social. Aplicam integralmente, os recursos gerados ou recebidos, em suas atividades de ensino,pesquisa extensão. Não pertencem a famílias ou a indivíduos isolados; podem ser leigas ou confessionais. Assim, sãomantidas por comunidades, igrejas, congregações. Com esse perfil, elas destinam parte de sua receita a atividades deeducação e assistência social, como bolsas de estudo, atendimento gratuito em hospitais, clínicas odontológicas ou psico-lógicas, assistência jurídica, entre outras. Essa forma de atuar é o fundamento principal do projeto educacional das institui-ções filiadas à Abruc, na medida em que estabelece um compromisso social dos seus estudantes e professores com acomunidade onde estão inseridas. As universidades comunitárias entendem que as atividades sociais não podem ser mono-pólio do Estado, devendo ser cada vez mais democratizadas com a participação da sociedade civil, através de instituiçõessérias e competentes" (sic) (Longhi, 2003).

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presente, pela ação dos processos de econômicos, concretizados pelas

inúmeras empresas educacionais instaladas na região das comunitárias,

tem abafado essa especificidade das universidades, fazendo-asredimensionarem sua expansão e sua própria organização. No dizer de

dirigente de outra IES (Dirigente A), “[...] o crescimento do oferecimento

de vagas das IES estatais, por um lado, e, por outro, o crescimento de

pequenas instituições de ensino superior presenciais ou a distância, está

produzindo um recuo no número de alunos das nossas instituições como

um todo". O mesmo dirigente considera que, nos tempos atuais, o Comung

poderia ter outra função: “[...] tornar-se uma rede de cooperação econô-

mica e institucional".

O modelo das comunitárias continua presente no cenário gaú-

cho, entretanto, poderia ter sido mais bem entendido no conjunto do

sistema da educação superior e ter sido mais valorizado como uma

alternativa viável e complementar às públicas federais. É de se questi-

onar se seria possível a universidade comunitária representar um esfor-

ço contra-hegemônico (à globalização econômica da educação superi-

or), como Santos (2005) preconiza. O dirigente de outra instituição

(Dirigente B) também enfatiza que “[...] o nosso modelo (o comunitá-

rio), é uma alternativa, nós temos qualidade, nós temos capilaridade e

nós custamos mais barato para o governo". Segundo outro dirigente

(Dirigente E),

[...] estamos iniciando um processo de banalização da educação superior etalvez se instale a mediocridade ao invés de se instalar o diálogo necessárioentre a pesquisa, o ensino e a extensão. [...] há uma tendência ao individu-alismo, ao egocentrismo; isso é perigoso impede de se estabelecer a solida-riedade acadêmica, científica, tecnológica.

 Em 2006 o Comung encontra-se ampliado e já congrega duas gran-des universidades confessionais. Em que pese essas serem membros da

Abruc, descaracteriza-se a interpretação original do Comung, de reunir

pequenas IES, para se fortalecerem nas lutas comuns. Embora as opiniões

dos dirigentes entrevistados não sejam unânimes quanto a esta nova con-

figuração, há expectativas de que o Comung retome as questões essenci-

ais que lhe deram vida.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Sistema de educação superior, pós-graduação e grupos de pesquisa no RS:

o segmento da universidade comunitáriaAssim como é difícil estabelecer delimitações precisas entre as par-

tes e o todo, pois o todo se edifica com as partes e estas se imbricam no

todo, é difícil discutir, em separado, as universidades comunitárias no RS e

no Brasil. Aquelas fazem parte destas e, ao fazê-lo, não apenas recebem

sua identidade como constroem a própria identidade do que vem sendo

entendida como a universidade comunitária brasileira.

 No período de 1996-2004 o Brasil apresentou taxa de crescimento

de 118,3% no número de IES, pulando de 922 instituições para 2.013.Somente de 1999 a 2004 o número de IES atingiu o crescimento de apro-

 ximadamente 55% (Inep, 2006). O setor público, no período 1996-2004,

apresentou a taxa de crescimento de 6,2 e no setor privado a taxa foi de

151,6, aqui incluídas as particulares e as comunitárias. Na categoria de

comunitárias foram incluídas as confessionais/filantrópicas, segundo a

orientação do referido instituto. A partir de 1997, um ano após a aprova-

ção da LDB (Lei nº 9.394/96), os centros universitários surgiram no cenário

com 13 IES nessa categoria, atingindo o número de 104 instituições em

2004. No Rio Grande do Sul, em 1996, havia 43 IES, chegando a 83 insti-

tuições (englobando todas as categorias) no ano de 2004.

 Vale mencionar que a diversificação de IES, no Brasil, em 2004, é

marcada pela presença do segmento de comunitárias nas diferentes organi-

zações acadêmicas: universidades (60), centros universitários (44), faculda-

des integradas (19), faculdades, escolas e institutos (263), centros de educa-

ção tecnológica e faculdades de tecnologia (2). A diversificação tem um

caráter promissor. Não é de estranhar que ela tenha presença em diferentes

organizações acadêmicas (universidades, faculdade, centros universitários),em diferentes cursos de formação, sejam de pós-graduação (doutorados e

mestrados acadêmicos e mestrados profissionais) ou de perfis de graduação

acompanhados de grande variedade de diplomas e certificados (seqüenciais

e regulares), sem esquecer as modalidades de oferecimento (presenciais e a

distância). Tais expressões de diversidade são orientadas por políticas do

 Estado em consonância com princípios que têm norteado a educação supe-

rior brasileira: a diversificação, a expansão e a democratização. É inegável,

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no entanto que essa mesma diversificação não reflita, necessariamente, be-

nefícios no que tange à aproximação do paradigma do “conhecimento pru-

dente para uma vida decente (conhecimento-emancipação)". Bittar (2006) chama a atenção para o fato de que até 2002 as

estatísticas oficiais do MEC/Inep apresentavam os dados do setor privado

como um todo, sem distinguir as com finalidades lucrativas daquelas sem

finalidades lucrativas. Se bem que distintas das particulares propriamente

ditas, no âmbito do Censo, a partir de 2004, na categoria de comunitárias

estão sendo incluídas todas as instituições confessionais e as filantrópicas,

quando nem sempre isso é verdadeiro. A Abruc, como entidade associativa

e representativa do segmento comunitário é cuidadosa ao certificar como

tal, mesmo quando a IES apresenta a confessionalidade no seu estatutolegal. É o caso de instituições que na prática não pertencem a uma ordem

religiosa ou religião, mas sim a grupos de associados de uma dada locali-

dade, cujos objetivos são ligados diretamente ao mercado do conheci-

mento e cuja filosofia não afina e, muitas vezes nem sequer se aproxima

das comunitárias ligadas à Abruc. Caso semelhante ocorre com IES que,

mesmo tendo orientação empresarial/comercial, foram agraciadas com o

certificado de filantrópicas.

A ambigüidade classificatória que, em certo sentido, é endossada

pelas esferas oficiais, fragiliza as instituições comunitárias associadas à

Abruc. Em 2006, das 51 instituições associadas à Abruc, 14 são centros

universitários (8 não-confessionais e 6 confessionais); 37 são universida-

des (20 confessionais e 17 não-confessionais). As IES filiadas à Abruc

estão localizadas na Região Sul (20), na Região Sudeste (25, das quais 11

confessionais), na Região Nordeste (3) e na Centro-Oeste (3).

 No Rio Grande do Sul estão localizadas 14 dessas instituições; 4

delas são centros universitários (dos quais 2 são confessionais e 2 não-

confessionais), e, 10 são universidades (das quais 7 não-confessionais e 3confessionais). Destas 14 IES, 12 têm presença fora de sede por meio de

campi e/ou núcleos e/ou unidades e/ou até mesmos cursos.

A Tabela 1, além de ressaltar a fragilidade oriunda da ambigüidade

classificatória, reveladora de uma ambigüidade conceitual, mostra que das

4.163.733 matrículas de educação superior nas IES, no Brasil, segundo o

Censo ES 2004 (INEP, 2006), 1.388.511 (33,34%) são matrículas das IES

comunitárias/confessionais/filantrópicas.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Tais dados tornam-se preocupantes e indicativos de mais um en-

fraquecimento quando se tem presente o depoimento (Dirigente B) sobre

 vagas ociosas e matrículas que não se completam e a perda do número dealunos pela inadimplência; isso tudo repercute nos planos de carreira dos

docentes que enfrentam dificuldades em sua sustentação.

 Nesse quadro de diversificação as fragilidades e os pontos que for-

talecem a universidade comunitária no RS, convergem para três eixos: da

lógica que redireciona o olhar, da pós-graduação como condição e dos

grupos de pesquisa como uma política.

 A lógica que redireciona o olhar 

O panorama atual da acelerada expansão do ensino superior privado

(Censo ES 2004), na lógica da globalização tem forçado as universidades

comunitárias a reverem suas formas de divulgação e a intensificarem suas

estratégias de marketing . A presença de inúmeras empresas privadas de ensino

superior, com cursos de vários níveis e áreas, presenciais ou a distância (auto-

rizados ou não, pelo MEC), brotados de um momento para outro, têm sido

constante nas principais cidades do Estado do RS, onde anteriormente, ape-nas existiam as comunitárias. Isso está produzindo um recuo no número de

alunos das instituições, como um todo e esse é um dos primeiros problemas:

[...]; estamos muito preocupados com essa formação de professores que é,com certeza, a mais atingida, no sentido de ter uma multiplicação de ofer-ta, e não haver nenhum tipo de controle de qualidade [...]; qual é o meca-nismo que nós vamos ter para saber qual tipo de professor nós estamosformando? (Dirigente A).

Tabela 1 – Número de IES comunitárias, confessionaise filantrópicas e matrículas, 2004

Nú mero de instituiçõ es Núme ro d e ma trículas MEC/Inep

Total Universidades  Centros

universitários

Outras

IESLocal

MEC/Inep

  Abruc*  MEC/

Inep  Abruc*

  MEC/Inep

  Abruc*  MEC/

Inep

Total Universidades  Centros

universitários

Brasil 388   51   60   37   44   14   2 84 1.388.511 939.491 261.914

RS 39   14   11   10   5   4   23 252.205 207.098 34.139Fonte: Censo da Educação Superior Inep/MEC, 2004. Abruc.* Observação: Dados da Abruc relativos a novembro de 2006.

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 Não da mesma forma, a presença do Estado, até pouco tempo

inexistente nas regiões de atuação das comunitárias no RS, por meio do

estabelecimento do ensino público, estão forçando as comunitárias senãoa recuar, obrigatoriamente, a redimensionar as áreas em que a oferta pú-

blica sombreia as propostas institucionais as quais, sempre dependeram

das mensalidades dos alunos. Essa presença “compete com nossas insti-

tuições" (Dirigente B).

A presença do ensino público estatal concretizou-se na criação da

 Universidade Federal do Pampa (Unipampa), na região em que se encon-

tram diversos campi da Universidade da Região de Campanha (Urcamp),

pela expansão por meio da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

de cursos superiores na região de Frederico Westphalen onde se situam oscampi da Universidade Regional Integrada (URI) e da Universidade de Pas-

so Fundo (UPF) – Palmeira das Missões – e da criação da Universidade

 Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), com campi espalhados em diversas

regiões do Estado.

As iniciativas iniciais da Uergs, sustentadas por uma política de

integração, com base em princípios de não-duplicação de esforços, procura-

ram uma articulação com as comunitárias existentes. Havia, implicitamente

nesta busca de integração, o reconhecimento pela trajetória das comunitá-

rias que haviam definido sua função de públicas não-estatais ao “preencher

os vazios do Estado" (Longhi, 2003), por longos anos, em torno de meio

século. Ao exerceram o papel de defesa da educação como direito, as comu-

nitárias fizeram, de fato as vezes do Estado. O quadro atual, no entanto,

desconfigura essa política e as comunitárias como públicas não-estatais

parecem ser vistas pelo Estado quase como empresariais.

 Para o Dirigente A “[...] várias questões estão incidindo em nossas

universidades: o fenômeno da globalização, [...] o nível de desenvolvi-

mento das comunidades e uma acomodação [...] do sistema de ensinosuperior do Brasil". Explicita, ainda, mostrando que tais pontos levam ao

reposicionamento das instituições: “[...] de uma agência do processo de

desenvolvimento para mais um integrante do processo de desenvolvimen-

to". E em relação à globalização o desafio é como funcionar em redes,

integrar-se, com outras iniciativas, o que segundo o Dirigente cria uma

reacomodação de todo o sistema, no desenvolvimento regional. Mudar,

para o Dirigente A, mais do que alterar o núcleo, é qualificar recursos

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

humanos para um pensamento crítico: “[...] temos de redimensionar o

nosso tamanho, priorizar atividades, e qualificar as nossas atividades para

o mercado de alta concorrência".O Dirigente C é pontual ao afirmar que

[...] alguns princípios têm de ser trazidos novamente à tona, revigorando-os [...] são os princípios da ética e da co-responsabilidade, com esses doisprincípios o consórcio sobreviverá, e também fará jus frente aos problemasque enfrenta o ensino superior não só no RS, mas como segmento (sic).

A lógica que redireciona o olhar é a de adaptar-se, de sobreviver na

ambivalência das pressões de um mundo globalizante que exige respostas

rápidas. A revisão estratégica fortalece as comunitárias para enfrentar aconcorrência em um mundo de acirrada competição ao mesmo tempo as

fragiliza pela desfiguração dos conceitos originais.

A pós-graduação como condição 

A pós-graduação é reconhecida como fator marcante na diversifi-

cação da educação superior, em diferentes fases das políticas públicas

brasileiras: 1) a fase da expansão das instituições de ensino superior ecriação de cursos de pós-graduação (década de 1970); 2) a fase da expan-

são dos cursos de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado)

no movimento de pressões por titulação (década de 1980 e meados da

década de 1990); e 3) a terceira fase de expansão do sistema de educação

por meio da diversificação de cursos e programas. Essas fases analisadas

por Franco e Morosini (2001), expressam, segundo as autoras, a coexis-

tência de lógicas na perspectiva da homogeneização e da autonomia.

 É inegável que nos últimos anos houve um crescimento significati- vo dos cursos de pós-graduação no País, isto é, aqueles que são oferecidos

para os candidatos diplomados em cursos de graduação plena, considera-

dos indispensáveis para a formação e qualificação dos quadros de pessoal

do ensino superior. A pós-graduação stricto sensu , que começou a ser

implantada no Brasil a partir dos anos 1960, inspirada no modelo norte-

americano, teve como mote o fortalecimento do potencial técnico-cientí-

fico e a formação de quadros de pessoal. Na legislação pertinente estavam

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claros os objetivos de formar professorado competente para atender à

expansão quantitativa do ensino superior, garantindo, ao mesmo tempo,

a elevação do nível de qualidade; estimular o desenvolvimento da pesqui-sa científica por meio da preparação adequada de pesquisadores e garantir

o treinamento eficaz de técnicos e trabalhadores intelectuais do mais alto

nível diante das necessidades do desenvolvimento nacional. Foi funda-

mental para o desenvolvimento da pós-graduação e sua institucionalização,

a implantação dos Planos Nacionais de Pós-Graduação (Franco, 2003).

 Em 2000 o Brasil contava com 1.453 cursos de mestrado acadêmi-

co, 37 cursos de mestrado profissional e 821 cursos de doutorado,

totalizando 2.311 cursos. Em 2006, este número elevou-se para 3.572

cursos (sendo 2.157 de mestrado acadêmico, 187 de mestrado profissionale 1.228 de doutorado). A verdade é que, nos últimos anos, as universida-

des, inclusive as comunitárias, têm buscado a criação de cursos de pós-

graduação. Em 2002, as universidades comunitárias mantinham próximo

a uma centena e meia de cursos de PG stricto sensu . Em 2004, segundo a

Abruc esse número eleva-se para mais de 250. O crescimento verificado

não surpreende, considerando a própria natureza e caráter das instituições

comunitárias que têm imbricado o sentido de serviço à comunidade , in-

clusive por meio da pesquisa. Depoimentos de dirigentes assinalam este

aspecto como uma das forças da instituição comunitária que, aliada ao

caráter regional , comporia o quadro de articulação da pesquisa/ensino/ 

extensão . Colocações semelhantes foram encontradas em dois estudos

anteriores, de Longhi e Rocha (2005) e de Bittar (1999) que mostram a

pós-graduação e a pesquisa com a finalidade social e identidade desse

tipo de instituição.

Os pontos levantados adentram o sentido de pós-graduação como

condição, pois reflete o embasamento, a sustentação da ação justificada

não só como estratégica, mas como fundante da ação. É a pós-graduaçãoorganizada, contínua, reconhecida na instituição e fora dela modelada em

uma visão crítica e ancorada nas demandas regionais.

O estudo desenvolvido por Longhi e Rocha (2005) sobre a pós-

graduação nas dez IES ligadas ao Comung (não constaram PUCRS, Uni-

 versidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, Centro Universitário

 Franciscano – Unifra, e Centro Universitário La Salle – Unilasalle), mostrou

o oferecimento, em 2005, de 26 cursos de mestrado e 4 de doutorado.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Dois pontos destacam-se nos resultados do estudo: o primeiro é o da

distribuição dos cursos em diferentes áreas de conhecimento e o segundo

é o da forte inserção regional, mostrando que a escolha das áreas atendeua demandas locais/regionais e às suas condições socioeconômicas, refor-

çando, portanto, as vias para o desenvolvimento regional.

 Na perspectiva das fragilidades e forças, pode-se dizer que o referi-

do estudo desfez dois mitos ligados às IES, aqui não incluídas as grandes

públicas federais: o primeiro é o de que a pós-graduação no interior do RS

se limita às áreas de formação de professores e o segundo é o de que a

academia e seus campos teóricos travam diálogo de “ouvidos moucos"

com o desenvolvimento regional. As instituições comunitárias do RS não

só atendem a várias áreas de conhecimento nos seus cursos de pós-gradu-

ação, como tais cursos são diretamente ligados às necessidades regionais.

Talvez essa seja uma das maiores forças do segmento comunitário. No Rio

Grande do Sul as grandes IES confessionais comunitárias como a PUCRS e

a Unisinos, certamente pelos inúmeros cursos de pós-graduação que ofe-

recem incrementam a diversidade de oferecimento. A inserção dessas uni-

 versidades não é só local, mas bem mais ampla, fruto de sua complexidade

crescente e tamanho. Ela se dá com a comunidade em um sentido amplo

e cujos laços revelam centros de pesquisa avançada, em conjunto comempresas, como da área de informática. É o caminho da articulação pelo

desenvolvimento de pólos tecnológicos. É confortante saber que, além da

relação universidades-empresas, as IES mencionadas cultivam a inserção

na comunidade imediata, como a instalação de campi aproximados tal

qual o da Vila Fátima, nas imediações da PUCRS.

A pós-graduação e a pesquisa como diferencial diante das novas

instituições que estão se instalando no Estado, com ausência da pesquisa,

perpassou de modo explícito ou implícito a fala dos dirigentes. O Dirigente

A claramente considera a pesquisa e a pós-graduação stricto sensu como

políticas fortes da instituição que passam a ser um diferencial. A assertiva

de outro dirigente é de que

[...] devemos nos legitimar à medida que a pesquisa for se estabilizandocomo a atividade fundamental; hoje temos cinco mestrados e doutoradose isso com o grande recurso que investimos em pesquisa em nossa univer-sidade e com um plano de carreira que beneficia as pessoas para chegar aocargo de professor titular por meio de pesquisas (Dirigente B).

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 No contexto da pós-graduação e da pesquisa o Dirigente C lembra

que, na sociedade brasileira, uma das questões críticas “[...] é a ética,

problema que a universidade vai ter de enfrentar, se quiser ser reconhecidacomo uma instituição de referência, que prima pela criatividade, qualida-

de e ação solidária".

 Estreitamente ligado às colocações anteriores encontra-se o tercei-

ro eixo para o qual convergem as fragilidades e forças da universidade

comunitária no RS.

A pesquisa: os grupos como política

 Em que pese o fato de que as universidades possam contar com

grupos de pesquisa emergentes, no contexto atual das políticas de C&T

brasileira é de importância primordial a inclusão no Diretório de Grupos de

 Pesquisa no Brasil (CNPq/MCT), porta de entrada para a legitimação de

cursos e de pesquisadores na comunidade científica nacional. O DGPB é

uma base de dados desenvolvida no CNPq desde 1992, que contém infor-

mações sobre os grupos de pesquisa em atividade no País, tendo um cará-

ter censitário. Os grupos de pesquisa inventariados estão localizados em

universidades, IES isoladas, institutos de pesquisa científica, institutos

tecnológicos, laboratórios e organizações não-governamentais.

Com exceção de um centro universitário e de uma universidade

não-confessional, as comunitárias gaúchas apresentam grupos de pesqui-

sa certificados pelo CNPq, inscritos no DGPB totalizando 810 grupos e

2.339 linhas de pesquisa. Até mesmo uma das universidades que não dis-

põe de curso de pós-graduação stricto sensu revela a presença de um

significativo número de grupos. Contatos informais com professores das

duas instituições que não possuem grupos certificados mostram que ativi-dades de pesquisa existem e os grupos emergentes estão em busca de

consolidação. Parece existir ampla consciência da ligação entre pesquisa e

a raiz identitária das instituições desse segmento. Uma das instituições

que não oferece curso de pós-graduação stricto sensu , mas que apresenta

um bom número de grupos de pesquisa, esclarece quais marcas da

transversalidade da instituição a mostram como genuinamente comunitá-

ria, entre elas: “forte vinculação com a extensão comunitária e pesquisa e

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

desenvolvimento tecnológico; princípio da integração entre ensino, pesqui-

sa e extensão; forte integração da cultura local, regional e nacional; ativida-

des acadêmicas voltadas aos serviços comunitários" (Moreira, 2004, p. 7).As universidades não-confessionais têm 371 GP e 1.103 linhas de

investigação. Já as confessionais dispõem de 396 grupos que operam em

1.116 linhas de pesquisa. Apesar dos números guardarem certa proximi-

dade, tal montante decorre da participação das duas grandes confessionais

comunitárias a PUC-RS (247 GP e 743 LP) e a Unisinos (110 GP e 233

 LP). Somente a PUC-RS contribui com mais de 30% dos grupos de pes-

quisa das comunitárias, mostrando a vinculação entre pesquisa/PG/in-

serção regional.

 No que diz respeito à pesquisa e à pós-graduação, para o Dirigente A

[...] o grande mérito da instituição é colocar os projetos que deram certo ...a serviço do desenvolvimento da região o que inclui curso criado com osetor produtivo local que proporcionou por um lado a qualificação dosetor produtivo, e por outro novas iniciativas de ensino na universidade.

 Menciona como grande preocupação, [...] a criação do pólo tecnológicouma espécie de incubadora de empresas de alta tecnologia.

 É nítida, pois sua preocupação com a qualificação crítica, mas, tam-

bém, com a necessidade de desenvolvimento regional, assentado no

empreendedorismo. O atendimento às necessidades regionais aflora na dis-

cussão sobre pesquisa. O Dirigente E chega a registrar que a pesquisa na sua

instituição se caracteriza por ser voltada para a necessidade regional:

[...] dos 200 projetos de pesquisa em andamento, 90% estão voltados, paraproblemas regionais e as experiências de ciência e tecnologia, pesquisa eensino, voltados principalmente aos pólos de desenvolvimento regional,onde se busca desenvolver alguma nova tecnologia, em função das neces-sidades na região.

 Longhi e Franco (2006) alertam para a responsabilidade social emnome da qual são exigidas respostas imediatas das instituições universitá-

rias, nem sempre refletindo compromissos com as necessidades sociais

mais amplas da sociedade.

Ao mesmo tempo em que lhe é imputado o alto desenvolvimento científi-co-tecnológico, sobra-lhe a crítica em torno das conseqüências maléficasdo mau uso dos recursos de toda ordem, mas, especialmente, dos recursosnaturais e dos efeitos perversos do próprio conhecimento produzido e desua crescente mercantilização (Ibidem, p. 9).

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fragilização social do conhecimento; há um sentimento de que a universi-

dade comunitária não está conseguindo cumprir seu compromisso social

de melhorar as condições de vida da população. De fato, ela não estágarantindo a permanência em seus bancos , dos menos favorecidos, devido

ao esgotamento da capacidade de pagamento das mensalidades, denunci-

ado por Amaral (2006).

 Ela está lutando para se manter enquanto instituição. É a agudização

da crise institucional e de legitimidade  da universidade preconizada por

Santos (1994 e 2004b), há mais de dez anos. Assim, está encontrando

dificuldades em realizar seu projeto de extensão, com outros professores

além do grupo reduzido que o entendem em sua proposta original: o

compromisso com a comunidade, hoje acrescido de um novo compromis-so, com o desenvolvimento, entendido como sustentável.

Cabe, enfim, destacar que a educação superior como um todo (e

não apenas o modelo comunitário), se depara com a emergência e com a

agudização de problemas naturais e sociais que decorrem do paradigma

epistemológico no qual a ciência é entendida como força produtiva cen-

tral. Esta redução tem gerado degradação ambiental e humana em con-

fronto com necessidades urgentes de maior conhecimento sobre o social.

A educação superior confronta-se, principalmente, com as atuais caracte-

rísticas dos processos de globalização, com o crescimento da importância

atribuída ao mercado e mudanças no mundo do trabalho. Vê-se envolvida

com a atribuição dessa crise (oriunda do modelo científico, econômico e

social contemporâneo), ao Estado, exigindo que esse se redimensione (para

menos), aumentando os encargos da sociedade civil e deixando que essa

assuma, por meio da invenção de novas formas de organização, as fun-

ções de bem-estar social que são próprias da esfera pública.

As fragilidades e os pontos que fortalecem a universidade comuni-

tária no RS, convergem para três eixos: da lógica que redireciona o olhar,da pós-graduação como condição e dos grupos de pesquisa como uma

política

 No que se refere à lógica que redireciona o olhar , pode-se dizer que

todos os dirigentes de algum modo colocam a necessidade de mudar, de

adaptar-se para sobreviver, mostrando as concessões que fazem para lo-

grar sua permanência em cena. Eles têm consciência da lógica de mercado

que embasa decisões e têm ciência de que se a adaptação as revigora, por

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fragilidades e forças que sobre ela incidem, uma década pós-LDB 96,

no entorno de suas ambigüidades políticas e práticas, dos desafios da

educação superior no bojo do mercantilismo dominante e das possibi-lidades de conhecimento sistematizado e produzido pela pós-gradua-

ção para enfrentar os desafios da educação superior e atender ao com-

promisso histórico-social deste segmento de IES.

Referências bibliográficas

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C) Formação

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10 As mudanças no mundo do trabalhoe a formação dos profissionais

da educação no contexto da LDB:o currículo em questão

Arlete Camargo*

Olgaíses Maués**

* Doutora em Educação (UFMG); professora associada da UFPA; e-mail : [email protected].

** Doutora em Sciences de L'éducation (Université Des Sciences Et Technologies de Lille, França); professora associada da

 UFPA. e-mail : [email protected].

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 Este artigo tem como objetivo analisar as mudanças no processo e

na organização do trabalho e as relações dessas mudanças com as políti-

cas de currículo e formação de professores, estabelecidas pela Lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), demonstrando como

esse processo ocorreu nesses dez anos da promulgação da referida lei.

As mudanças que ocorreram na estrutura da sociedade, principal-

mente no processo de trabalho, com a introdução de novas tecnologias

e com o esgotamento do modelo taylorista/fordista, que dominou o

mundo por um século, exigiram a formação de outro trabalhador, mais

flexível, eficiente e polivalente. A escola que preparou o trabalhador para

um processo de trabalho assentado nesse paradigma industrial, caracte-rizado pela rígida separação entre a concepção do trabalho e a execução

padronizada das tarefas, deixou de atender às demandas de uma nova

etapa do capital. A escola foi criticada e responsabilizada pelo insucesso

escolar, pelo despreparo dos alunos ao término dos estudos, pela

desvinculação dos conteúdos ensinados das novas demandas oriundas

do mundo do trabalho. Da mesma forma, os professores sofreram pro-

fundas críticas, havendo uma espécie de responsabilização dos mesmos

As mudanças no mundo do trabalho e a formação dos profissionaisda educação no contexto da LDB: o currículo em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

pelo “fracasso" escolar. A formação desses profissionais passou a ser

 vista como muito "teórica", desvinculada de uma prática efetiva e afas-

tada das demandas das escolas e da sociedade. Essas análises realizadas por alguns organismos internacionais (Ban-

que Mondiale, 1995) evidenciam a necessidade de uma reforma no siste-

ma educacional, visando qualificar melhor as pessoas para enfrentarem

um mundo mais competitivo, mais afinado com o mercado, um mundo

globalizado, ou seja, um processo socioistórico que apresenta dimensões

ideológicas, econômicas e políticas e representa uma nova etapa do capi-

talismo mundial.

 É nesse contexto de globalização e de neoliberalismo, este na quali-

dade de um construto ideológico do primeiro, que a educação é, novamen-te, vista como uma forma eficiente de enfrentar essas mudanças que estão

se processando na base, na estrutura social. Nesse sentido, a formação do

profissional da educação passa a ser alvo preferencial das políticas educaci-

onais e o currículo, sendo uma das formas de materialização das diferentes

concepções de educação e formação, também sofre reestruturações.

O mundo em transformação e a educação

As mudanças ocorridas no mundo do trabalho, nas duas últimas

décadas do século XX e no início do novo milênio, têm alterado o proces-

so, a gestão e a organização do trabalho nas diferentes esferas da produ-

ção e da circulação de bens e serviços. Essas alterações estão ligadas à

crise vivida pelo capital, no processo cíclico inerente a natureza desse

modo de produção (Marx, 1983). Busca-se, então, como saída, a

reestruturação na base produtiva, como forma de enfrentar a crise estru-

tural da sociedade.O processo produtivo que caracterizou o século XX, dominado pelo

binômio taylorismo-fordismo, foi a expressão do paradigma industrial

(Antunes, 2000) e representou, na realidade, um modo de vida capitalista.

 Esse modelo, com o keynesianismo, formou a base econômica e política,

necessária para a expansão do capital no pós-guerra. A teoria de Keynes,

uma forma de abordar as questões políticas, sociais e econômicas do capi-

talismo pelo prisma do Estado, considerava que este deveria assumir o

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papel de promotor do crescimento e do bem-estar material, além de ser

um regulador da sociedade civil.

A mudança do paradigma produtivo alterou, substancialmente, agestão e o processo de trabalho. O novo paradigma produtivo/tecnológico

ou informacional representou, para alguns autores, a possibilidade de uma

nova etapa do capitalismo, o que Harvey (1998) denominou de “acumula-

ção flexível", considerando como tal a flexibilidade dos processos de tra-

balho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de consumo. Mudou o

paradigma, a forma de gerenciamento e o processo de trabalho.

Toda essa reestruturação produtiva, que começou no final do sécu-

lo XX e que ainda está em curso, tendo em vista o descompasso da assimi-

lação pelos países centrais e periféricos, exige dos países maior preocupa-ção com o chamado “recursos humanos", que continuam à frente das

mudanças, sendo protagonistas, sujeitos e atores das mesmas.

As reformas na educação que pontuaram o mundo civilizado não

poderiam fugir da intencionalidade posta pelo novo padrão tecnológico e

das implicações dela decorrentes. Portanto, as reformas que estão sendo

realizadas podem ser analisadas como formas de arranjos que facilitem

um reordenamento social e político condizente com os novos padrões de

produção.

 Nesse cenário de mudança, exige-se um novo perfil para o traba-

lhador, mais adequado às demandas da nova etapa do capital, cujas ca-

racterísticas principais são: a “desespecialização"; a polivalência e

plurifuncionalidade; a criatividade; a flexibilidade; a capacidade de resol-

 ver problemas, portanto de pensar – qualidades negadas no modelo fordista.

 Para tanto, era preciso “reestruturar" a formação dos trabalhadores base-

ando-a nesses novos aportes, que incluem não somente o conhecimento e

o domínio do mundo informatizado e robótico, mas também dessa nova

subjetividade que inclui uma adesão sem restrições à empresa e uma ca-pacidade de trabalhar em equipe, de conjugar vários processos do traba-

lho, de ser flexível e capaz de encontrar soluções rápidas e baratas para as

questões que possam se apresentar no cotidiano do chão da fábrica.

As mudanças que se processaram na base material de produção

modificaram os processos de trabalho, trazendo como conseqüência uma

forte modificação na questão do emprego na sociedade. A educação, nes-

se cenário, passa a ser vista como um investimento capaz de permitir a

As mudanças no mundo do trabalho e a formação dos profissionaisda educação no contexto da LDB: o currículo em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

solução das dificuldades de desemprego pelos quais passam os países di-

tos emergentes. A solução simplificadora/redutora apresentada pelos or-

ganismos internacionais para a formação de novos quadros impõe à edu-cação novos desafios.

Ao mesmo tempo, a educação definida nas políticas do governo

está vinculada à lógica do capital. O que interessa é a formação do homem

e da mulher que sejam capazes de se adaptar, sem delongas, a essa socie-

dade cuja lógica é condicionada pelo mercado. Passa-se, assim, a ter uma

concepção produtivista da educação, isto é, aquela que venha ao encontro

da formação do consumidor e não do(a) cidadão(ã), uma educação para a

submissão, para a domesticação e não para a libertação e a emancipação.

As novas exigências postas para a educação vêm como uma formade fazer frente à crise mundial do capitalismo iniciada na década de 1970,

crise essa representada, sobretudo, pela incapacidade do modelo taylorista/

fordista de dar conta das exigências de produção e consumo do mercado,

que vinha se modificando em função tanto das inovações tecnológicas

quanto da dificuldade de o Estado de Bem-Estar continuar financiando o

setor privado e de desenvolver políticas sociais de reprodução da força de

trabalho.

Sabe-se que cada etapa do desenvolvimento cria um projeto peda-

gógico que possa responder às demandas postas pela sociedade. No caso

específico, em função da crise do modelo taylorista/fordista, outro modelo

da acumulação configura-se, baseado na introdução de novas tecnologias

(informática, robótica, microeletrônica) e de novas formas de gestão. Nes-

se contexto, outro modelo foi desenhado para a educação, traduzido pelo

ordenamento jurídico em vigor, tendo à frente a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional de nº 9.394, de dezembro de 1996.

As políticas oficiais para a educação procuram responder ao mode-

lo de reprodução ampliada do capital por meio de um processo pedagógi-co que privilegie a formação de um trabalhador “[...] com as seguintes

características: flexibilidade, versatilidade, liderança, princípios de moral,

orientação global, hora de decisão, comunicação, habilidade de discernir,

equilíbrio emocional" (Frigotto, 1995, p. 157).

 É com a lógica da educação sendo uma peça fundamental à “recu-

peração" do capitalismo que surge a necessidade imediata de se rever a

formação dos profissionais da educação. Essa revisão tem como principal

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objetivo adequá-la às novas exigências oriundas das mutações no mundo

do trabalho que levaram a uma reestruturação produtiva, o que implica

novas exigências postas pela sociedade ao trabalhador.A educação que é demandada nesse contexto de reestruturação

produtiva é aquela vinculada aos interesses do mercado. Maués (2006),

citando um autor belga (Hirtt, 2004), comenta sua análise sobre a

mercantilização da educação e considera que esta seria a adaptação dos

sistemas educacionais às exigências do mundo econômico, podendo to-

mar, pelo menos, três formas: (1) adaptação dos programas, das estrutu-

ras, das práticas pedagógicas e dos métodos de gestão do sistema de

ensino às condições do mercado; (2) utilização do ensino com a finalidade

de estimular certos mercados, em particular aqueles das tecnologias deinformação e comunicação; (3) transformação do ensino em si em merca-

doria, quer dizer, a privatização, também a comercialização das relações

entre os usuários e as instituições educativas.

O profissional da educaçãoe as diretrizes curriculares

A educação e o profissional que nela atua ganharam peso e signi-

ficado traduzidos pelas reformas na formação explicitadas na LDB 9.394/

96 e nos demais instrumentos reguladores, tais como portarias ministeri-

ais, pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação e mesmo

em decretos-lei.

A formação dos professores tem sido considerada como uma das

etapas mais importantes das reformas educacionais, nesse contexto de

mudanças estruturais. A própria LDB dedica um capítulo especial para

esses profissionais, deixando antever, nos Artigos 61, 62 e 63, uma novaconfiguração com a implantação de um novo lócus para a formação tanto

na organização acadêmica – os institutos superiores de educação – quan-

to no aspecto pedagógico – o curso normal superior.

A mudança de lócus determinada na LDB segue a concepção de

aligeiramento que devem ter os cursos de formação, na concepção dos

ideólogos do Ministério e do Banco Mundial, haja vista a declaração de

 Namo de Mello a respeito do assunto:

As mudanças no mundo do trabalho e a formação dos profissionaisda educação no contexto da LDB: o currículo em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

[...] Seria inviável para o poder público financiar a preços das universidades“nobres" a formação de seus professores de educação básica que já secontam em mais de milhão. Com um volume de recursos muito menor, umsistema misto de custos baixos tanto públicos quanto privados configura

um ponto estratégico de intervenção para promover melhorias sustentá- veis a longo prazo na escolaridade básica (Mello, 1999, p. 8).

 Dessa forma, seguindo a legislação em vigor (cf. Decreto nº 2.207,

de 15 de abril de 1997, revogado pelo Decreto nº 2.306, de 19 de agosto

de 1997),1 a formação poderá ser feita nos institutos superiores, que po-

dem estar dentro da universidade ou fora dela, mas, em qualquer um dos

casos, são instituições de ensino que têm exigências diferentes das postas

para as universidades, pela LDB, em relação à titulação do corpo docente

(art. 52, inciso II), à forma de contratação (tempo integral ou parcial), aonúmero de cursos de graduação, entre outras que identificam os institutos

como instituições que têm como objetivo apenas o ensino.

 Em um primeiro momento, no afã de cumprir o determinado pela

 LDB, a indicação é de que a formação ocorra “fora" da universidade, sig-

nificando dizer: sem pesquisa, apenas com o ensino. A mudança do lócus

organizacional e pedagógico e a obrigatoriedade de elaboração das dire-

trizes curriculares – outra determinação da LDB, no artigo 53, inciso II2  –

completam a tríade que deveria dar sustentação a essa “reforma conserva-

dora" da formação dos professores.

 Essa indicação na LDB, que trata da organização acadêmica, con-

tribuiu efetivamente para que a formação dos profissionais da educação

ficasse simplificada e superficial. Aproveitando essa possibilidade da exis-

tência de cursos de formação em institutos, há um crescimento vertigino-

so desses em relação às universidades. O Censo da Educação Superior de

2004 informa que, das 2.013 instituições de educação superior existentes,

169 eram universidades (únicas que têm a obrigatoriedade da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão); 107 eram centros

1 Esse decreto foi revogado por outro nº 3.860, de 9 de julho de 2001, que no artigo 7º dizia: “[...] quanto à sua organizaçãoacadêmica, as instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino, classificam-se em I– universidades; II – centrosuniversitários; e III – faculdades integradas, faculdades, institutos ou escolas superiores." Esse Decreto foi revogado pelo

 Decreto nº 5.773, de maio de 2006, que determina, no artigo 12, que as instituições de educação superior serão credenciadasem faculdades, centros universitários e universidades.2  Esse artigo determina que as universidades devem "fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas asdiretrizes gerais pertinentes".

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universitários (responsáveis pelo ensino e a extensão); 119 faculdades in-

tegradas; 1.474 faculdades, escolas e institutos (responsáveis apenas pelo

ensino) e 144 centros de educação tecnológica. Esses dados indicam que73,22% das instituições de educação superior não produzem conheci-

mento, e entre essas se incluem aquelas responsáveis pela formação dos

profissionais da educação (Brasil, 2004).

 Essa nova institucionalidade para a formação do profissional da

educação tem nas diretrizes curriculares, com as competências como

eixo nuclear, um novo marco regulatório, fruto dos ajustes impostos

pela agenda neoliberal. A LDB extinguiu o currículo mínimo obrigatório

em todo o País para os cursos de ensino superior e criou as Diretrizes

Curriculares Nacionais.As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação surgem de

forma explícita a partir da criação do Conselho Nacional3  e da Lei de

 Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

A primeira tentativa de tradução da norma em ação ocorreu em

dezembro de 1997. Naquela ocasião, o Ministério da Educação (MEC)

divulgou o Edital nº 4, que tinha como objetivo fazer uma chamada

nacional para que os cursos elaborassem suas diretrizes seguindo algu-

mas “orientações", entre as quais se destacam: a flexibilidade, a adap-

tação ao mercado, a definição e desenvolvimento de competências e

habilidades.

 Da mesma forma, o CNE aprovou, no mesmo período, um parecer4

que também visava normalizar o assunto. Esse parecer estabelece alguns

princípios, entre outros, aquele que propugnava a diminuição da duração

dos cursos de graduação; o reconhecimento de conhecimentos, habilida-

des e competências adquiridas fora do ambiente escolar, a serem

contabilizados para a integralização curricular.

 Em abril de 2001, o CNE aprovou o Parecer nº 583 também comouma orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação,

constando no voto do relator o que segue:

3 O CNE foi criado pela Lei nº 9.131, de 24/11/1995, antes, portanto, da aprovação da LDB. No artigo 9° parágrafo 2º, alíneac fica explicitada a atribuição da Câmara de Ensino Superior de "deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo

 Ministério da Educação e do Desporto, para os cursos de graduação".4 Parecer nº 776/97 de 3/12/1997 – Orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação.

As mudanças no mundo do trabalho e a formação dos profissionaisda educação no contexto da LDB: o currículo em questão

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pelos movimentos sociais organizados, em especial, pela Associação Naci-

onal pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope).

Goodson (1995, p. 20) destaca a importância de compreender aslutas precedentes em torno da definição pré-ativa de currículo,5 que se

evidenciam no conflito existente no processo de concepção, tramitação e

aprovação das diretrizes curriculares para a formação de professores e pela

produção de um conjunto de documentos que contribuem para a forma-

ção do discurso sobre currículo da formação de professores no Brasil.

Após a aprovação da LDB, torna-se predominante a noção de “com-

petência". A justificativa para tal vincula-se à idéia de que “não basta a

um profissional ter conhecimentos sobre seu trabalho, é fundamental que

saiba mobilizar esses conhecimentos, transformando-os em ação" (Pare-cer CNE/CP nº 9/2001, p. 29). A centralidade da pedagogia das competên-

cias que se observa nesse documento, que inclui o conjunto das reformas

educativas empreendidas, vai, paulatinamente, consolidando um modelo

educacional que tem repercutido nos diferentes níveis de ensino no Brasil.

Após a aprovação da LDB, torna-se predominante a noção de “com-

petência". A justificativa para tal vincula-se à idéia de que "não basta a um

profissional ter conhecimentos sobre seu trabalho, é fundamental que saiba

mobilizar esses conhecimentos, transformando-os em ação" (Parecer CNE/

CP nº 9/2001, p. 29). A centralidade da pedagogia das competências que se

observa nesse documento, que inclui o conjunto das reformas educativas

empreendidas, vai, paulatinamente, consolidando um modelo educacional

que tem repercutido nos diferentes níveis de ensino no Brasil.

 Para Ramos (2001), a elevação do conceito de competência no

contexto atual apresenta uma estreita relação com um deslocamento

conceitual ocorrido em relação ao conceito de qualificação.6 O autor

atribui à noção de qualificação três dimensões: a conceitual, a social e

a experimental. Na dimensão conceitual, entende-se a qualificação comofunção do registro de conceitos teóricos formalizados, dos processos

de formação associados ao valor dos diplomas. Já na dimensão social

5 Por currículo pré-ativo Goodson entende o currículo escrito ou oficial.6  Conceito originado do modelo taylorista-fordista de produção. Baseia-se nos sistemas de convenções coletivas queclassificam e hierarquizam os postos de trabalho e o ensino profissional, que classifica e organiza os saberes em torno deum diploma (Ramos, 2001, p. 42).

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

coloca-se a qualificação no âmbito das relações sociais que se estabe-

lecem entre os conteúdos das atividades e o reconhecimento social

dessas atividades, remetendo-as às grades de classificação coletiva. Adimensão experimental relaciona-se ao conteúdo real do trabalho, no

qual se inscrevem não somente os registros conceituais, mas também o

conjunto de saberes que são postos em jogo quando da realização do

trabalho.

 No processo de reestruturação produtiva em curso, já mencionado

neste texto, alguns aspectos são valorizados, destacando-se os conteúdos

reais do trabalho, os saberes tácitos,7 ou seja, os conhecimentos que se

apresentam ligados à vivência concreta do trabalhador em uma situação

específica, pode ser entendido como tal.Os saberes sociais ou saber-ser, que compreendem mais que os

saberes técnicos estão relacionados a aspectos de personalidade e aos atri-

butos do trabalhador, como os que se relacionam à capacidade de abstra-

ção, de comunicação, de liderança, de trabalho em equipe, entre outros

(Ramos, 2001, p. 53).

A centralidade atribuída ao conceito de qualificação na relação

trabalho-educação passa a ser dada, contemporaneamente, à noção de

competência. A possibilidade de atingir um novo patamar no âmbito da

qualificação procede das competências, uma vez que os aspectos referidos

estão relacionados às características de natureza pessoal. É valorizada a

dimensão experimental, relacionada ao conteúdo do trabalho e tornando-

se, assim, condição de eficiência produtiva (Idem).

 Esse movimento identificado no campo da pedagogia, inicialmente

restrito ao ensino técnico e profissionalizante, acabou por influenciar a

educação geral, contribuindo para a redefinição dos conteúdos de ensino

e para difundir o entendimento de que é necessário atribuir sentido práti-

co aos saberes-escolares.A influência do processo produtivo nos modelos educacionais

adotados não se constitui em uma novidade. Ela ocorreu nas primeiras

7 "[...] Conforme explica Castro, os saberes tácitos seriam de conhecimento que, conquanto essencial à aquisição e aodesenvolvimento de tarefas qualificadas, é sempre aprendido através da experiência subjetiva, sendo muito difícil a suatransmissão através da modalidade da linguagem explícita e formalizada [...]" (Ramos, 2001, p. 53).

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décadas do século XX, sob influência do taylorismo, que ensejou o desen-

 volvimento de um movimento na educação intitulado “eficiência social".

 Esse movimento concebia o currículo como organizado dentro da lógica dalinha de montagem e, com base nesse currículo, cidadãos úteis, do ponto de

 vista econômico e social, seriam produzidos (Santos, 2001, p. 26).

 Há uma estreita relação entre a emergência do ensino por compe-

tências e o crescimento do controle sobre ele por meio de exames nacio-

nais, como é o caso do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

(Saeb); do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Exame Nacional

de Desempenho de Estudantes (Enade), os quais buscam aferir os resulta-

dos obtidos pelos estudantes em um determinado nível de ensino.

As críticas dirigidas ao ensino por competências estão relacionadasà emergência do caráter instrumental que a educação passou a ter, uma

 vez que as competências acabaram por se tornar o elemento central no

processo ensino-aprendizagem, em detrimento do desenvolvimento de

 valores que priorizem a ética, a sensibilidade, a criatividade e a criticidade,

a aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades intelec-

tuais, os valores morais e as atitudes em relação aos diferentes problemas

da realidade (Ibidem, p. 38).

Ao ser valorizada a dimensão da prática, da vivência e do saber

fazer, predomina o entendimento de que o domínio dos conceitos e co-

nhecimentos de uma dada profissão que decorre da obtenção de um di-

ploma são secundários.

 No caso da formação de professores, essa concepção já havia sido

explicitada por textos relevantes na configuração das novas diretrizes

curriculares, como é o caso das orientações do Banco Mundial (cf. Torres

apud Tomasi, Warde e Haddad, 1996), e do documento de Mello (2000).

 Nesses documentos fica evidente que, mais do que a obtenção de um

diploma de nível superior, o que se deve incentivar é a formação contínua,que deverá complementar uma provável formação obtida no âmbito do

ensino médio.

 No que diz respeito ao ensino por competências, a introdução des-

se conceito como referência para a compreensão do campo discursivo

sobre formação de professores contribui para colocar no debate educacio-

nal a discussão acerca da necessidade de associar os conhecimentos apren-

didos no processo de escolarização à possibilidade de sua aplicação na

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

prática educativa, tendo em vista a adequação do processo educativo às

novas demandas que decorrem das mudanças econômicas e sociais em

curso (Camargo, 2004, p. 122).A proposta básica incluída no Parecer CNE/CP nº 9/2001 é a de que

o planejamento dos cursos de formação de professores deve prever

[...] situações didáticas em que os futuros professores coloquem em uso osconhecimentos que aprenderem, ao mesmo tempo em que possam mobi-lizar outros, de diferentes naturezas e oriundos de diferentes experiências,em diferentes tempos e espaços curriculares.

As situações didáticas propostas materializar-se-iam no interior das

áreas ou disciplinas, em tempo e espaço curricular específico (denominado

de coordenação da dimensão prática) e nos estágios a serem feitos nas

escolas de educação básica.

A crítica ao modelo de currículo centrado no ensino por disciplinas,

ainda predominante nos dias atuais, é um aspecto igualmente importante

na chamada pedagogia das competências. Segundo a lógica dessa proposta,

o ensino disciplinar não conseguiria dar conta das necessidades hoje postas.

A ênfase no ensino centrado em disciplinas ganhou força a partir

da segunda metade do século XIX. Segundo Santomé (1998, p. 55) uma

disciplina “é uma maneira de organizar e delimitar um território de traba-lho, de concentrar a pesquisa e as experiências dentro de um determinado

ângulo de visão".

 Essa tendência inclui a diferenciação do conhecimento em uma

multiplicidade de disciplinas autônomas, o que vem ocorrendo a partir do

século XIX. Seu surgimento está vinculado aos processos de produção re-

alizados nos países mais desenvolvidos, naquela época, os quais deman-

davam uma maior especialização, em decorrência da industrialização em

curso naquele momento (Idem).

Caracterizando o que seria o currículo integrado, Santos (op. cit., p.40) explicita que este privilegia o estudo em situações contextualizadas de

diferentes áreas. Essa forma permite que os estudantes trabalhem com

conteúdos culturais relevantes, o que possibilita a discussão de questões

que usualmente não são abordadas no limite de uma única disciplina.

 Para Santomé (op. cit., p. 25), o currículo integrado refere-se àqueles

cursos nos quais os alunos manejam referenciais teóricos, conceitos, proce-

dimentos e habilidades de diferentes disciplinas, na busca de compreensão e

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solução das questões e problemas propostos. Esse autor mostra que, por

diferentes motivos de ordem psicológica e epistemológica, a opção por um

currículo integrado (também chamado globalizado e interdisciplinar) temsido justificada. Além disso, nos últimos anos, verifica-se o predomínio de

razões pragmáticas para justificar a conveniência de currículos mais

globalizados e interdisciplinares (Idem).

Os documentos produzidos nos encontros promovidos pela Anfope

são de fundamental importância para compreendermos como ocorreu o

debate das orientações curriculares sobre formação de professores, sobre-

tudo a partir da promulgação da LDB nº 9.394/96, com destaque para o

conceito de base comum nacional, surgido no início das discussões que

marcaram o movimento dos educadores brasileiros no começo da décadade 1980. Ao longo de aproximadamente 20 anos pôde-se observar como

esse conceito vem sendo construído, incorporando ou rejeitando diferen-

tes idéias e explicações, nos vários encontros promovidos ainda quando da

existência da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Forma-

ção do Educador (Conarcfe – criada em 1983), precursora da Anfope.

O surgimento do conceito de “base comum nacional" tem como refe-

rência a crítica ao modelo de orientação curricular que vigorava no final da

década de 1970 e no início da década de 1980. Nessa crítica predominava a

idéia de que os currículos dos cursos de graduação deveriam ser organizados

tendo como base os currículos mínimos, definidos por um órgão central, que,

nesse caso, era o Conselho Federal de Educação (CFE), responsável pela regu-

lamentação das funções e atividades educacionais em diferentes níveis de

ensino. Os currículos dos cursos concebidos segundo essa orientação caracte-

rizavam-se por excessiva rigidez, originada pela fixação detalhada de mínimos

curriculares, o que resultou na redução da autonomia das IES no que se refere

à definição curricular. Isso ocasionou excesso de disciplinas obrigatórias e um

desnecessário alongamento dos cursos de graduação.O documento final do IX Encontro Nacional da Anfope (1998) re-

cuperou contribuições de encontros anteriores, em especial, a idéia de

formulação das áreas temáticas ou eixos norteadores8  da base comum

8 Expressos na proposta da Anfope, de Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Formação dos Profissionais da Educação, no documento final do IX Encontro Nacional, realizado em Campinas, 1998.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

nacional, quais sejam: sólida formação teórica, unidade entre teoria e prática,

gestão democrática, compromisso social e ético, trabalho coletivo e

interdisciplinar, articulação entre a formação inicial e a formação continuada.Segundo esse documento, os cursos de formação dos profissio-

nais da educação deveriam orientar-se pelos seguintes princípios: for-

mação para o humano, forma de manifestação da educação unilateral;

docência como base da formação profissional de todos aqueles que se

dedicam ao estudo do trabalho pedagógico; trabalho pedagógico como

foco formativo; sólida formação teórica em todas as atividades

curriculares – nos conteúdos específicos a serem ensinados pela escola

básica e nos conteúdos especificamente pedagógicos; ampla formação

cultural; criação de experiências curriculares que permitam o contato

dos alunos com a realidade da escola básica, desde o início do curso;

incorporação da pesquisa como princípio de formação; possibilidade

de os alunos vivenciarem formas de gestão democrática; desenvolvi-

mento do compromisso social e político da docência; reflexão sobre a

formação do professor e sobre suas condições de trabalho; avaliação

permanente dos cursos de formação dos profissionais da educação,

como parte integrante das atividades curriculares e entendida como

responsabilidade coletiva a ser exercida à luz do projeto político-peda-gógico de cada curso.

 No que diz respeito às diretrizes curriculares para a formação de

professores, destaca-se, ainda, o tempo decorrido entre a publicação do

 Edital nº 4/1997 e a aprovação tardia das Diretrizes Curriculares do Cur-

so de Pedagogia (2006) após um processo que vinha se arrastando há

quase dez anos. Entre as principais controvérsias que contribuíram para

retardar a aprovação dessas diretrizes destacam-se o debate sobre a

pertinência da formação de professores para as séries iniciais do ensinofundamental, no referido curso (posição defendida pela Anfope, pelo

 Fórum Nacional de Diretores de Faculdades e os Centros de Educação

das Universidades Públicas (Forumdir), Associação Nacional de Pós-Gra-

duação e Pesquisa em Educação (ANPEd), entre outros) e a criação dos

cursos normais superiores que, segundo as diretrizes oficiais, deveriam

ser, juntamente com os institutos superiores de educação, o lócus onde

essa formação deveria ocorrer.

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 Essa discordância na concepção de formação ensejou a edição de

uma série de regulamentações por parte do governo central, como foi o

caso do Decreto nº 3.276 de 6 de dezembro de 1999,9

posteriormentemodificado pelo Decreto nº 3.554, de 7 de agosto de 2000.

Conclusão

As reformas do ensino, nos diferentes níveis, têm procurado res-

ponder às demandas do capital. Agora, na sua etapa transnacional, a edu-

cação passa a ser considerada como um instrumento de homogeneização

para, em uma racionalidade técnica e mercadológica, promover um con-senso que tenha no mercado a sua principal referência.

 Nessa concepção de educação, que na realidade é a tradução de

um projeto econômico social político e ideológico, a escola é equiparada à

empresa, portanto, deve formar consumidores, em vez de cidadãos.

A LDB procurou valorizar o profissional da educação, tendo dedica-

do o capítulo VI para tratar do assunto. Contudo, o que está posto, entre

outros aspectos, é a criação de espaços que privilegiem a formação fora da

universidade, nos institutos superiores e no curso normal superior,

desconfigurando, assim, o papel que, a partir da década de 1980, grande

parte dos cursos de Pedagogia vem cumprindo, ou seja, formar professores

para atuarem na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental,

como docentes ou como especialistas (coordenadores pedagógicos).

Outro ponto da LDB refere-se à concepção de currículo, adotada

em cumprimento às Diretrizes Curriculares Nacionais. Os pareceres e reso-

luções sobre o assunto emanados do CNE deixam evidenciado o papel que

as competências desempenham na formação, tornando-se, então, o eixo

nuclear fundamental. Essas são as principais marcas da formação dos profissionais da

educação pós-LDB, e não se pode deixar de relacioná-las às mudanças no

9 Esse decreto definiu que a formação de professores para atuarem na educação infantil e séries iniciais do ensino funda-mental dar-se-ia exclusivamente em cursos normais superiores. Após a mobilização e resistência dos movimentos sociais ede setores da academia o decreto foi revogado pelo Decreto nº 3.554/2000.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

mundo do trabalho, às novas formas do processo de trabalho, às novas

demandas postas ao trabalhador na nova sociabilidade do capital.

 É nessa lógica que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a for-mação dos profissionais da educação estão assentadas no modelo de com-

petências, em uma concepção utilitarista de currículo, que de forma prag-

mática adequa a formação aos interesses do mercado.

 O modelo das competências, ou a pedagogia das competências

contribuía para a formação desse “novo" trabalhador exigido pelo paradigma

tecnológico e pelo capital internacional. Desta forma, “[...] é o mundo

econômico que vai determinar os conteúdos de ensino e atribuir sentido

prático aos saberes escolares" (Ramos, 2001, p. 222).

Os movimentos sociais e os sindicatos progressistas têm aderido àformação do professor de acordo com uma concepção de sociedade que

tem como referência a distribuição da riqueza, a inclusão social e a demo-

cratização do ensino, entendendo-se como tal o acesso e a permanência

na escola, além da defesa intransigente da escola pública e gratuita.

A escolha da categoria competência como eixo central para a forma-

ção de professores traz a marca da empregabilidade e precisa ser considerada

ao se definir a concepção de formação de professor que se vai adotar. Apesar

de se saber que não há um vínculo determinístico entre educação e economia,

não se pode ignorar a relação existente e os desdobramentos que dele advém.

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11Educação superior pública em Alagoas

– 10 anos pós-LDBEN:da predominância da ação

 profissionalizante ao alargamentodas condições de produção

e socialização do conhecimento Elcio de Gusmão Verçosa*

 Maria das Graças Medeiros Tavares**

* Doutor em Educação pela USP, é professor emérito da Ufal, onde atua como voluntário do Programa de Pós-Graduação

em Educação do Centro de Educação; professor visitante da Funesa/Uneal – Universidade Estadual de Alagoas; e-mail :

[email protected]

** Doutora em Educação pela UFRJ, é pró-reitora de Graduação da UFAL e professora/pesquisadora do Programa de Pós-

Graduação em Educação do Centro de Educação desta Universidade; e-mail : [email protected]

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Tendo em vista que a universidade é uma instituição ocidental que

contabiliza mais de oito séculos de existência, considerando-se as escolas

monásticas, catedráticas e os studia generalia que lhe deram origem, naAlta Idade Média, a educação superior em Alagoas é um fenômeno muito

recente, mesmo para os padrões brasileiros. Se considerarmos que essa

modalidade de educação institucional, sancionada pelos poderes públicos,1

somente veio a se estabelecer formal e regularmente em terras alagoanas

mais de uma década após a Revolução de 1930, no rastro de várias experi-

ências malogradas e até traumáticas para muitos de seus usuários, a criação

efetiva de uma rede de instituições de educação superior em Alagoas dar-

se-á na capital do Estado, ao longo da década de 1950, exclusivamente pormeio da iniciativa privada,2  ainda que sem fins lucrativos, e na forma de

instituições de educação superior isoladas (Verçosa, 1997).

1 O Seminário Diocesano Nossa Senhora da Assunção, fundado, em 1902, pela recém-criada Diocese de Alagoas, será aúnica instituição alagoana voltada ao estudo dos saberes de natureza pós-secundária pelas próximas três décadas que seseguirão.2 A exceção era a Faculdade de Direito, já federalizada, que não era integrante da leva das IES surgidas na década de 1950.

 Educação superior pública em Alagoas – 10 anos pós-LDBEN: da predominância da açãoprofissionalizante ao alargamento das condições de produção e socialização do conhecimento

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

A todas as faculdades alagoanas criadas até o final da década de 1950

unia, contudo, o fato de que, com sua ação, “abriam espaço na hermética

sociedade alagoana para indivíduos que não pertenciam às famílias tradicio-nais" (Tenório, 1994, p. 76), representando, assim, uma relativa ampliação do

estreito canal existente, de acesso a empregos e funções para novos grupos

sociais urbanos que, até a pouco, com eles poderiam apenas sonhar, ainda

que a forma de concretização tenha sido a mais tradicional possível.

 Resultante de uma magistral engenharia política liderada por um

dos fundadores da Faculdade de Medicina, Aristóteles Calazans Simões,

nos Executivo e Parlamento federais (Verçosa, 1997, p. 121-132), a idéia

inicial de apenas federalizar a Faculdade de Medicina terminaria por se

concretizar, no apagar das luzes do governo Juscelino Kubitschek (iníciode 1961), na criação, como instituição federal, da Universidade de Alagoas,

que resultou da junção de sete das oito instituições de educação superior

(IES) existentes em Maceió.

 Nessa ação que culminaria com o surgimento da primeira universi-

dade alagoana, evidentemente que

[...], pesou significativamente para a mobilização, não apenas dos estudan-tes, para a federalização e, conseqüentemente, a gratuidade dos cursossuperiores existentes em Alagoas: o fato de o ensino secundário, a par das

restrições de acesso via exames de admissão, ser predominante ecrescentemente privado, numa sociedade historicamente concentradora derenda pelas suas características sócio-econômicas e políticas, era ainda maisagudizado, frente a uma oferta de ensino superior inteiramente privado.[...] Daí não ser estranhável que todas as justificativas apresentadas porinteressados na criação da universidade - docentes ou não - tenham tido,como base principal, a necessidade de se criarem oportunidades locais deformação profissional, em nível superior, para a juventude alagoana, cujostalentos vinham sendo desperdiçados por falta de condições financeiras(sic) (Tavares; Verçosa, 2006).

 Por isso, não é de se estranhar que a Universidade Federal de Alagoas

(Ufal), até a década de 1970, tenha permanecido como uma federação defaculdades e mantido o traço napoleônico de suas origens – predominan-

te ainda no Brasil, àquela altura, diga-se de passagem. Com essa caracte-

rística, a Ufal vai chegar ao início dos anos de 1970, com uma matrícula

total de 2.476 estudantes, representando mais do dobro da sua matrícula

inicial de 1.008 estudantes.

Os elementos novos no âmbito da educação superior a se registrarem

em Alagoas desde a criação da Ufal, em 1961, até meados dos anos 1970,

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serão os excedentes de Medicina,3  no final dos anos 1960, o que culminou

na criação da Escola de Ciências Médicas de Alagoas (Ecmal), assumida pelo

governo do Estado, com a criação de três IES – sendo duas delas Faculdadesde Formação de Professores, no interior do Estado – além do registro, feito

pelos gestores da única universidade, que assumiam nos últimos meses de

1972, de que o seu maior desafio era, antes de tudo,

[...] retirar a Ufal da condição pouco lisonjeira de ser a menor, de menororçamento, de menor quadro docente, com professores qualificados emnúmero deficiente, de todas as demais universidades do país (sic) (Verçosa,1997, p.149).

Como novo na década de 1970, no âmbito da Ufal, teremos, alémda incorporação, em 1972, do curso de Serviço Social, por proposta da

Arquidiocese que o mantinha, a diversificação de sua oferta, com a criação

dos cursos de graduação em Agronomia, Arquitetura, Enfermagem, Física,

 Matemática, Química, Biologia e Educação Física, além de Tecnólogos

 Mecânico, Industrial de Açúcar de Cana, Bovinocultura e Saneamento

Ambiental, que tiveram existência efêmera, mas que, juntos, ampliariam a

matrícula, de 2.476 estudantes no início dos anos de 1970, para 5.104,

todos em cursos de graduação, pois a Ufal ainda levaria um bom tempo

para instituir seu sistema de pós-graduação stricto sensu  e, conseqüente-mente, sua pesquisa institucionalizada para a maioria das suas unidades.

Assim, a educação superior, em Alagoas, chegaria ao ano de 1980

com o seguinte perfil:

3 Sendo a regra vigente para acesso ao ensino superior, no final dos anos 1960, a aprovação com nota igual ou superior a5, os candidatos colocados acima desse ponto de corte, mas não-matriculados pela Ufal por falta de vaga, eram os "exce-dentes ", que passaram a lutar pelo direito à matrícula, mas cuja presença a ditadura logo cuidaria em fazer desaparecer, pelatransformação do vestibular em um concurso apenas classificatório, sendo matriculados os colocados dentro do número de

 vagas disponibilizadas, independentemente da nota conseguida.

Tabela 1– IES por dependência administrativa, número de cursos,matrícula e funções docentes, em Alagoas – 1980

Dependênciaadministrativa

 Número d e IES Número de cursos Número dematrículas

Funções docentes

Federal 1 32 5.104 701

Estadual 1 1 441 97

Privada 3 45 6.396 327

Total 5 88 11.941 1.125Fonte: Censo do IBGE.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Considerada tão significativa ampliação de oportunidades de aces-

so ao longo de toda a década de 1970 – ainda que proporcionalmente

limitada diante da população alagoana (Tavares; Verçosa, 2006) e majori-tariamente pela via privada, – importa destacar que o modelo de cresci-

mento, além de privatista, ocorre pelo modelo de IES isoladas que, com

uma única universidade de perfil "napoleônico", concentra-se no ensino,

salvo honrosas exceções representadas por acadêmicos, individualmente.

Alagoas chega, assim, à década de 1990, com uma matrícula majo-

ritariamente concentrada na capital do Estado e com a interiorização feita

apenas por meio de três IES isoladas, assim mesmo com todos os seus

cursos concentrados no campo da formação de docentes para a educação

básica. Em que pese o sentido social dessa tarefa de formar professorespara um setor cuja matrícula vinha se ampliando desde a década de 1970,

a concentração da interiorização nos cursos de licenciatura fortaleceu o

caráter “napoleônico" desse fenômeno, eliminando, praticamente, o

envolvimento da ação docente com a pesquisa e com a extensão.4  As

instituições de educação superior que viriam a existir em Alagoas um pou-

co antes e logo depois da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da

 Educação Nacional (LDBEN), em fins de 1996, quanto a sua forma de

organização, viriam a se apresentar, do ponto de vista acadêmico, com

uma única universidade – a mesma Ufal do início dos anos 1960 –, um

único centro universitário, e seis faculdades isoladas, a saber: a Escola de

Ciências Médicas (em Maceió), a Faculdade de Formação de Professores de

 Penedo (FFPP), a Faculdade de Formação de Professores de Arapiraca (FFPA),

a Faculdade de Administração, Ciências Contábeis, Jurídicas e Sociais do

 Estado de Alagoas (Fajeal,5 em Arapiraca), a Escola Superior de Ciências

 Humanas Físicas e Biológicas do Sertão (Esser, em Santana do Ipanema), a

 Escola Superior de Ciências Humanas e Econômicas de Palmeira dos Índi-

os (Espi, em Palmeira dos Índios).

4 Pensando-se a extensão, não simplesmente como a ação de prestação de serviços, que já ocorria com muita força e vivacidade, desde a década de 1970, no seio da Ufal, via Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária(Crutac), sob os auspícios do regime militar, mas, antes e, sobretudo, como a socialização do saber produzido pela IES, a parde uma intervenção qualificada, quando necessária e oportuna, a simples ausência da pesquisa já tornava praticamenteimpossível a "extensão acadêmica" no sentido verdadeiramente universitário da expressão.5 Primeiro, denominada Escola Superior de Administração e Negócios do Agreste (Esag), a sua denominação passa a ser

 Fajeal, em 1998.

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 Esse era um cenário que parecia promissor por três razões princi-

pais: primeiro, parecia, finalmente, desconcentrar-se o ensino superior da

capital para o interior; depois, começava a se diversificar o perfil dos cur-sos dessas IES, inteiramente concentrado nas licenciaturas, a considerar o

que suas denominações prometiam, a par do surgimento alvissareiro de

cursos de Ciências Contábeis e Administração em Arapiraca, e de Zootecnia

em Santana do Ipanema; além da denominação de universidade dada pelo

governo estadual ao que resultara da Faculdades Integradas de Santa Fé

do Sul (Funec),6 mantenedora da FFPA, à qual seriam acrescidas a Esser, a

 Fajeal e a Espi.

 De fato, a Funec, instância privada no sentido real do termo, a

considerar sua forma de gerir e manter a IES por ela instituída, em ativida-de desde o início dos anos 1970, nascida, na prática, apenas para manter

a Faculdade de Formação de Professores de Arapiraca, em 1995, através

da Lei Estadual nº 5.762, de 29 de dezembro, teria seu nome alterado para

 Fundação Universidade Estadual de Alagoas (Funesa). Embora sem contar

com a credencial acadêmica de Universidade, primeiro pelo Conselho Na-

cional de Educação (CNE), já que “transformada" sob o império das velhas

normas educacionais, e, depois da última LDB, pelo Conselho Estadual de

 Educação, uma vez que integrava o Sistema Estadual de Ensino Superior,

no entanto, àquela altura, a instituição parecia ter todas as condições

legais e de financiamento para avançar da situação acadêmica de faculda-

des integradas7 para o status de instituição universitária capaz de desen-

 volver, de forma indissociável, o ensino, a pesquisa e a extensão de que as

regiões onde estava instalada necessitavam.

Infelizmente, por força do agravamento de uma severa crise políti-

ca que já vinha se abatendo sobre o Estado de Alagoas – cuja face mais

perversa era a progressiva redução da capacidade da máquina estadual

pública de fazer frente a seus encargos financeiros –, problemas político-

6 Fundação municipal de direito privado criada, no início dos anos 1970, seguindo tendência nacional, incentivada pelogoverno federal, para instituir e manter a FFPA.7 A denominação de "faculdades integradas" que estamos atribuindo às quatro IES vinculadas à Funesa não corresponde aomodo como elas aparecem nos dados do Inep/MEC – inclusive nos últimos –, onde figuram como IES isoladas, mas se deveao conhecimento que temos de sua forma de funcionamento, em unidades que se articulam e por sua natureza de fundaçãopública, integralmente mantida pelo erário estadual, sob a gestão de uma presidência nomeada pelo governo do Estado,dinâmica político-administrativa essa seguida desde a "transformação" legal por que passou, nos meados de 1990, atérecentemente.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

administrativos do Estado incidiram de modo contundente sobre a Fun-

dação Universidade Estadual de Alagoas, como também sobre a Ecmal8

que, de natureza pública estadual desde sua origem, por lei estadual dita-da de cima para baixo, também viria a ser chamada de universidade, com

o nome de Universidade de Ciências da Saúde (Uncisal).

 Por conta do que ficou conhecido como a crise fiscal do Estado de 

Alagoas , engendrada desde o acordo com os usineiros, celebrado pelo

governo Fernando Collor de Melo (1987-1990) e agravada nos governos

Geraldo Bulhões (1991-1994) e Divaldo Suruagy (1995-1997), que levaria

o Tesouro estadual à bancarrota, a Funesa não apenas não desfrutaria do

financiamento público de que necessitava para o seu desenvolvimento

como universidade, como seria uma das instituições estaduais que maissofreu com o Programa de Demissão Voluntária (PDV), criado pelo gover-

no estadual, como estratégia desesperada para contornar a crise de indi-

gência do erário público. Sendo, pela sua própria natureza, uma institui-

ção cujas atividades demandavam intenso aporte de mão-de-obra, não

havendo qualquer restrição para se aderir ao PDV e encontrando-se os

servidores sem os seus salários por, praticamente, um ano inteiro, esse

programa levado a efeito nos anos de 1996 e 1997, atingiu a IES com um

impacto de efeito tão destrutivo que quase a fechou de vez.

Se o impacto do PDV não foi tão grave para a Ecmal/Uncisal, teve,

contudo, seus efeitos perversos também sobre essa IES, principalmente

quando ela buscou se ampliar com a criação dos cursos de Fisioterapia,

 Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, em 1994, já que, àquela altura,

não podia admitir docentes com vínculo permanente.

 Entre os efeitos mais perversos do PDV para as duas IES públicas

estaduais, além da diminuição drástica de seus quadros docentes e técnico-

administrativos estáveis, importa aqui ressaltar, com a perda de profissionais

de grande experiência e com muitos anos nas instituições, a admissão deprofessores em caráter emergencial – por meio do que denominamos de

“contratos precários", porque, na verdade, seus salários, além de muito bai-

 xos, não garantiam qualquer regularidade de remuneração, “vinculando" os

docentes às IES como horistas e pagando-os com uma periodicidade tão

8 Escola de Ciências Médicas de Alagoas que, por mais de 20 anos ofereceu, apenas, o curso de Medicina.

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irregular que chegava até a deixá-los por seis meses sem qualquer valor

remuneratório. Claro que sem mencionar a total falta de estabilidade. Isso,

evidentemente, teve repercussões graves no funcionamento regular e harmô-nico das duas instituições, mercê da disparidade de salários entre os professo-

res do quadro permanente, que ainda se encontravam em exercício, e o grupo

horista, que, com o PDV, passara a representar, sobretudo no caso da Funesa,

o contingente mais significativo do corpo docente necessário ao funciona-

mento e à expansão da IES, que havia se dado muito recentemente.

 Diante desse quadro aqui apenas esboçado, dá para imaginar os

prejuízos sofridos pela Funesa, por exemplo: do ponto de vista acadêmico

é bastante dizer que até recentemente tivemos um ano letivo inteiro per-

dido naquela IES por conta das repercussões do PDV que, na verdade, foiapenas a expressão mais visível do descalabro político-administrativo que,

por vários anos, se abateu sobre os alagoanos e que, em números, pode ser

assim representado:

Tabela 2 – Situação funcional da FUNESA depois do PDV

Servidores da Funesa Com vínculo permanente após

o PDV

Com vínculo

precário

Docentes 51 144

Técnico-administrativos 04 80

Fonte: Departamento de Assuntos Acadêmicos/Funesa.

Tabela 3 – Impacto do PDV sobre o quadro funcional da Uncisal*

Servidores da Uncisal Com vínculo permanente após o

PDV

Com vínculo precário

Docentes 90 117

Técnico-administrativos 2.142 600

Fonte: Setor Financeiro da Uncisal. Nota: * O alto número de servidores na Uncisal deve-se ao fato de que a IES possui quatro hospitais-escola.

Quanto à Uncisal, embora com menor impacto, como dissemos, os

efeitos do PDV apresentam o quadro que segue:

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

aspecto da democratização, e não apenas da expansão de oportunida-

des formais,13  ainda que a nossa atenção esteja voltada para as possi-

bilidades e os limites dessas instituições para a ultrapassagem de seuperfil marcadamente napoleônico.

A Uncisal, como única IES alagoana especializada por campo de

saber, mantida pelo Estado, com uma opção pública e gratuita de

profissionalização, antes existentes, apenas, na Ufal – a Medicina – e ou-

tras agora nela presentes, além de ofertadas também na rede privada –

referimo-nos à Terapia Ocupacional, à Fisio e Fonoterapia – e, a Funesa,

como única instituição pública e gratuita de educação superior já presente

em cinco regiões importantes do interior alagoano, não poderiam perma-

necer na crise em que se encontravam, existindo como se estivessem, pra-ticamente, entregues a sua própria sorte, tendo como responsáveis por

elas quase que somente o empenho de seus docentes, servidores e discen-

tes. Assim, procurando cumprir seu papel dentro do Estado, ao tempo em

que vão conseguindo regularizar seus cursos e recompor seus quadros

docentes, a Uncisal e a Funesa encaminham aos órgãos superiores do

 Estado, providências solicitando sua transformação em Universidades, no

pleno sentido da palavra.

Insistindo nesse intento, com as iniciativas legais até seu

credenciamento pelo Conselho Estadual de Educação, primeiro a Uncisal,

em dezembro de 2005, e a Funesa, em outubro de 2006, que passa a se

chamar Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), essas IES públicas esta-

duais têm avançado em pontos básicos e estratégicos para sua reinstituição.

 Feito o concurso para docentes e já preenchidos de forma permanente os

quadros necessários ao seu funcionamento como universidade, via aumento

da titulação e da carga horária de seus docentes com mestrado e doutorado,

 Uncisal e Uneal vêm perseguindo e buscando estabelecer formalmente, por

meio de seus projetos pedagógicos e planos de desenvolvimento institucionais,sua identidade acadêmica e sua autonomia para agir de modo a responder

13 Sob esse aspecto, a criação da Coordenadoria de Educação Superior e Ensino Profissionalizante (Cesep), no seio daSecretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Lei nº 6.145, de 13 de janeiro de 2000), a par da alteraçãoqualitativa que irá sofrer o Conselho Estadual de Educação, em 2001, teriam um papel significativo na potencialização daslutas das comunidades acadêmicas da Funesa e da Uncisal pela sua reinstitucionalização como universidades de direito e defato.

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aos desafios dos novos tempos vividos pelo Brasil e, particularmente, por

Alagoas. Aqui, onde o PIB, em 2002, segundo o Instituto Brasileiro de Geo-

grafia e Estatística (IBGE), superava apenas o Piauí, entre os Estados do Nordeste, e com uma sociedade que tem 62% de sua população considera-

da como pobre pela pesquisa Radar Social do Ipea/Pnud (2005) e metade

dela considerada alvo do Programa Fome Zero (Carvalho, 2005), como am-

pliar o acesso à educação superior pela ampliação da via privada?

 Desse modo, o crescimento democrático da educação superior seria

aquele que fosse viabilizado pela via pública e gratuita que, em Alagoas,

em particular, vem se dando predominantemente pelas IES públicas esta-

duais, em consonância com o que ocorreu com as IES e cursos que tam-

bém cresceram proporcionalmente de forma destacada, por meio do poderpúblico, agora com o reforço dado, nesse ano de 2006, pelas ações de

interiorização da Ufal.

 Na verdade, o crescimento da Ufal, via política de interiorização

das instituições federais de educação superior (Ifes), inaugurado no ano de

2006, apresenta um perfil de cursos, vagas e localização geográfica que

merece atenção,14  pelo que pode representar em termos de oportunidades

para as populações mais pauperizadas do interior do Estado. Esse fato

aponta para alguns elementos alvissareiros em relação às políticas históri-

cas para a educação da população do interior do Estado: com as licencia-

turas, todas concentradas em áreas de grande carência nas cidades mais

distantes de Maceió, aparecem, pela primeira vez, na rede pública, cursos

de alta procura e de prestígio social, alguns deles, inclusive, de significati-

 va relevância para a proposição de um desenvolvimento auto-sustentável

para Alagoas, sobretudo no agreste e no sertão. Ressalte-se, porém, a

presença exclusiva de cursos de graduação, abertos com corpo docente

autônomo em relação ao do campus de Maceió, o que nos induz a uma

preocupação com o caráter napoleônico das novas atividades, quandoesse freio à vida plenamente universitária encontra-se praticamente ultra-

passado nas unidades da Ufal situadas na capital.

14 Os cursos implantados são os de Administração, Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Enfermagem, Ciência da Compu-tação, Zootecnia, Educação Física, Biologia, Física, Matemática, Química, Psicologia, Serviço Social, Engenharia de Pesca,Turismo e Medicina Veterinária, espalhados pelas cidades de Arapiraca, Palmeira dos Índios, Penedo e Viçosa.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 De qualquer modo, essa foi uma postura dos governos estadual e

federal, que foram capazes de perceber que, diante do atraso e da depen-

dência de Alagoas dos recursos do erário federal, que fazem com que onosso Estado disponha do que Carvalho (2005) chama “renda sem produ-

ção", havia de se investir em políticas estruturantes, entre as quais se

destaca a educação superior. O governo estadual – cujo mandato foi con-

cluído em 2006, tal qual fez e continua a fazer o governo federal, respon-

deu às pressões sociais e, encarando os dados educacionais alagoanos, em

termos de ensino superior de graduação, foi capaz de enxergar os seguin-

tes índices de escolarização bruta e líquida no cenário nacional e regional:

Tabela 4 – Taxa de escolarização, por nível de escolarizaçãoe de ensino – 2004

UF Taxa

bruta

Taxa

líquida

UF Taxa

bruta

Taxa

líquida

UF Taxa bruta Taxa

líquida

AC   15,1 6,1 MA 10,4 4,8 RN 9,8 5,6

AL   8,9 4,0 MT 17,2 8,1 RS 25,2 14,4

AP   19,2 8,2 MS 20,4 11,6 RJ 25,5 14,4

AM   13,0 5,3 MG 18,8 10,4 RO 15,1 7,6

BA   10,5 5,5 PR 28,3 17,0 RR 13,9 4,9

CE   12,2 6,4 PB 10,8 5,7 SC 26,1 14,1

DF   34,8 17,7 PA 9,0 4,4 SE 17,1 7,7

ES   22,0 11,9 PE 11,0 6,3 SP 22,4 13,9

GO   22,1 12,1 PI 13,5 6,5 TO 19,2 10,1

Brasil 18,6 10,5

Fonte: IBGE/Pnad, 2004. Tabela elaborada pelo MEC/Inep/DTDIE.

 Por esses dados, encontramos Alagoas com as mais baixas taxas do

 País, quando o Plano Nacional de Educação (2001), apresenta como meta,

para 2011, 30% de taxa líquida, e o Plano Estadual de Educação (2005),

determina 40% para 2015. Diante desse quadro, é impossível a indiferença

de qualquer governante que tenha um projeto de desenvolvimento auto-sustentável para a sociedade alagoana, sobretudo quando o fato se torna

objeto do conhecimento público e elemento considerado por todos os

estudos como entrave definitivo até para o simples crescimento econômi-

co duradouro e consistente.

Assim, credenciadas mais duas universidades públicas estaduais,

expandida a única federal, Alagoas entra no ano de 2006 com instituições

que apresentam o seguinte perfil acadêmico de seus docentes:

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Gráfico 2 - Funesa

 Fonte: DDA/Uneal (2006)

MESTRES

41%

DOUTORES

5%

ESPECIALISTAS

54%

Gráfico 3 - Uncisal

 Fonte: Prograd/Uncisal (2006)

ESPECIALISTAS

71%

MESTRES

18%

DOUTORES

11%

Gráfico 4 - Ufal/Interior

 Fonte: Prograd/Ufal (2006)

ESPECIALISTAS

7%

MESTRES

50%

DOUTORES

43%

 Esse quadro pode tomar um sentido ainda maior se computarmos

os docentes das três IES em cursos de mestrado e os mestres em processo

de doutoramento, o que nos dá a configuração a seguir apresentada:

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Trazendo à baila, finalmente, outro elemento indispensável para o

trabalho docente voltado para a pesquisa e a extensão – que é a forma

como se dá o vínculo trabalhista com a IES temos, no caso das duas

recém-credenciadas universidades estaduais e na expansão da Ufal para o

interior de Alagoas, o seguinte quadro de regime de trabalho:

Gráfico 5 - Uneal

 Fonte: DDA/Uneal (2006)

Gráfico 6 - Uncisal

 Fonte: Prograd/Uncisal (2006)

Gráfico 7 - Ufal/Interior

 Fonte: Prograd/Ufal (2006)

MESTRANDOS

41%

DOUTORANDOSS

59%

MESTRANDOS

92%

DOUTORANDOS

8%

MESTRANDOS

12%

DOUTORANDOS

88%

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Gráfico 8 - Uneal

 Fonte: DDA/Uneal (2006)

Gráfico 9 - Uncisal

 Fonte: Prograd/Uncisal (2006)

Gráfico 10 - Ufal/Interior

 Fonte: DRH/Ufal (2006)

TEMPO

PARCIAL

50%

TEMPO

INTEGRAL

50%

TEMPO

INTEGRAL

33%

TEMPO

PARCIAL67%

DedicaçãoExclusiva

 Para um conhecimento mais preciso dos dados acima apresenta-

dos, vale registrar que a Uneal contava, em 2006, com um total de 201

docentes e a Uncisal com 291, enquanto integravam a Ufal/Interior ape-

nas 58, explicando-se o número pouco expressivo desta última pelo fatode que aquele foi o primeiro ano de funcionamento dos seus cursos, com

plano de ampliação do corpo docente para os próximos três anos. Já quanto

ao Regime de Trabalho, enquanto as universidades estaduais de Alagoas

trabalham com tempo parcial (20 horas) e tempo integral (40 horas), a

 Ufal tem como regra a dedicação exclusiva, sendo os outros regimes con-

siderados excepcionais. Sob esses elementos de caráter acadêmico e polí-

tico-administrativo acima apresentados, parecem estar dadas as condições

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

internas às IES para seu desenvolvimento, como universidades capazes de

se desenvolver, não apenas no ensino, isso sem desprezar o caráter

determinante que têm as políticas públicas das instâncias federadas àsquais se encontram ligadas as estaduais, seja por ação direta, seja pelos

organismos públicos de fomento à pesquisa e à extensão. Daí porque,

quanto ao que pode significar o credenciamento da Uneal, reinstituída

como autarquia, e da Uncisal, como universidade especializada por campo

de saber, hoje atuando em áreas da saúde para além da medicina,15  a par

da expansão da Ufal para o interior de Alagoas, no sentido do crescimen-

to, não apenas da matrícula na graduação, mas das possibilidades de am-

pliação e implantação regular da pós-graduação stricto sensu  e da produ-

ção institucionalizada de pesquisa e extensão necessárias ao desenvolvi-mento e ao bem-estar da população de Alagoas, alguns elementos são

indispensáveis, além das condições internas, incluindo o credenciamento/

crescimento, entre os quais destacamos:

1. a responsabilidade dos poderes públicos estadual e federal com a

sustentabilidade econômica das universidades recém-credenciadas

ou expandidas e seu desenvolvimento harmônico, com valoriza-

ção profissional de seus docentes e servidores;

2. desenvolvimento de políticas públicas das instâncias federadas

às quais se encontram ligadas as IES, que ultrapassem apenas o

custeio, mas que encarem efetivamente a manutenção regular e

até a ampliação das condições de fixação dos docentes nas ins-

tituições, bem como o investimento na ampliação e manutenção

da infra-estrutura instalada em nível adequado ao desenvolvi-

mento de programas e projetos de pesquisa e extensão, seja dire-

tamente, seja por meio dos organismos públicos de fomento;

3. a sintonia da comunidade acadêmica das duas IES estaduaiscom seu projeto pedagógico e seu plano de desenvolvimento

institucionais – que foram elementos chaves para o

15 Além das graduações em Medicina, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia, a IES implantou, no ano de2006, quatro cursos tecnológicos, a saber: Informação na Saúde, Radiologia, Processos Gerenciais em Alimentação eSistemas Biomédicos.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

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D) Financiamento

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12Financiamento da educação superior no Brasil: gastos com as Ifes –

de Fernando Collor a Luiz Inácio Lulada Silva* 

 Nelson Cardoso Amaral**

* Estudo parcialmente financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa (Funape).

** Doutor em Educação (Unimep); professor da UFG; e-mail : [email protected].

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Introdução

O financiamento da educação superior (ES) brasileira, a partir dosanos 1990, tornou-se um tema de extrema relevância em discussões queocorrem no meio acadêmico, nos setores definidores das políticas públicasnacionais e em diversos ambientes da sociedade.

 Essa relevância pode ser explicada pela necessidade de elevarmos opercentual de estudantes de 18 a 24 anos matriculados na educação su-perior e pela enorme expansão ocorrida no setor privado no Brasil, acom-panhada por uma grande inadimplência e por um percentual elevado de vagas que não são preenchidas nos processos seletivos. Associados a essas

causas estão a já conhecida incapacidade financeira do Estado de suportaruma elevação substancial dos recursos públicos que se dirigem às institui-ções públicas, sem comprometer o pagamento dos encargos financeirosda União,1 e a limitada condição das famílias brasileiras para arcarem com

o pagamento das mensalidades escolares (Amaral, 2003).

1 Encargos financeiros da União são aqueles que se dirigem ao pagamento de juros, encargos e amortização das dívidasinterna e externa.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Adiciona-se a esse fato a exigência cada vez maior, no ambiente de

mundo “globalizado", da capacitação das pessoas para exercerem funções

que exigem cada vez mais habilidades que só são desenvolvidas por aque-les que em alguma etapa da vida tenham participado do mundo da educa-

ção superior. Sabe-se, também, que o ambiente em torno da “globalização"

(Batista Júnior, 1998) é fortemente influenciado pelas posições dos orga-

nismos multilaterais,2  principalmente após o estabelecimento da crise do

 Estado de Bem-Estar Social europeu.

A discussão sobre o financiamento da educação superior é sensível,

pois a dependência dos recursos financeiros é responsável pela existência de

amarras à liberdade acadêmica das instituições, o que pode comprometer o

papel desempenhado por elas no processo de desenvolvimento da Nação.

A discussão sobre o financiamento desse nível educacional no Bra-

sil complica-se pela grande diversidade e complexidade das Instituições de

educação superior (IES): são universidades (8,4%), centros universitários

(5,3%), faculdades integradas (5,9%), faculdades, escolas e institutos (73,2%)

e centros de educação tecnológica (7,2%) (Inep, 2005). Além disso, elas

são públicas – federais, estaduais, municipais – ou privadas – particulares

em sentido estrito, comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Predomi-

na, ainda, nesse cenário, um conjunto de instituições que prioritariamentedesenvolvem atividades relacionadas ao ensino de graduação, ficando a

pós-graduação, a pesquisa e as ações mais efetivas de interação com a

sociedade por conta de poucas instituições.

 Entretanto, não se pode falar sobre o financiamento das IES sem se

perguntar o que se espera desse conjunto heterogêneo de instituições, ou

seja, que papel e que funções elas devem desempenhar, considerando-se a

legislação, a cultura e a realidade do país.

As instituições públicas são financiadas pelo fundo público,

3

  e há a“tentativa ou a tentação do controle estatal, a fim de obrigar a universidade

a cumprir seus deveres com a sociedade" (Berchem, 1990, p. 28-29). O

2 Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE) e Organização Mundial do Comércio (OMC).3 O fundo público de um país reúne os recursos f inanceiros colocados à disposição dos seus dirigentes – poderes Executivoe Legislativo – para implementar políticas públicas.

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financiamento das instituições privadas se dá no quase -mercado 4  educaci-

onal, pelo pagamento de mensalidades pelos estudantes e pela assinatura

de contratos com a iniciativa privada. Assim, é o mercado que tende a fazero controle dos rumos das atividades acadêmicas da universidade. Quando o

financiamento com recursos do fundo público se torna insuficiente, as ins-

tituições públicas são forçadas a dirigirem-se ao mercado prestando servi-

ços, oferecendo cursos, assessorias e consultorias remuneradas, e passam,

então, a enfrentar dois pólos de controle: o estatal e o do mercado. O

 Estado e o mercado, cada um a seu modo, procura, em geral, tolher a

liberdade acadêmica da instituição. A ida ao mercado representa, conse-

qüentemente, uma mercantilização da educação superior (Sguissardi; Silva

 Júnior, 2005).

As instituições públicas, por viverem essa tensão entre as ações do

estado e do mercado, passam a desenvolver um conjunto de atividades

que as caracteriza como uma multidiversidade , que é “muito sucintamen-

te, uma universidade funcionalizada, disponível para o desempenho de

serviços públicos e a satisfação de necessidades sociais conforme as solici-

tações das agências financiadoras, estatais e não-estatais" (Santos, 1999,

p. 206). Portanto, as instituições afastam-se da possibilidade de conquis-

tar a autonomia (Fávero, 2000) e inserem-se em um processo deheteronomia (Sguissardi, 2004).

As instituições privadas, por dependerem quase exclusivamente

do pagamento de mensalidades, sofrem pressões dos estudantes, do go-

 verno e da sociedade para que exerçam plenamente as suas funções

acadêmicas. Entretanto, a concorrência imposta pelo quase-mercado

educacional praticamente as forçam a reduzir o valor pago mensalmente

pelos estudantes, o que, além de comprometer a qualidade das ativida-

des desenvolvidas pelas instituições, as impede de dar resposta satisfatóriaàs pressões que recebe.

4 “Quase-mercados   são mercados porque substituem o monopólio dos fornecedores do Estado por uma diversidade defornecedores independentes e competitivos. São quase porque diferem dos mercados convencionais em aspectos importan-tes" (Afonso, 2000, p. 115). Em outros termos, ocorrem diferenças no “quase-mercado" em relação ao mercado livre tantodo lado da demanda como da oferta. As características dos “serviços educacionais" ou da “mercadoria educacional" sãodiferentes das dos serviços e mercadorias típicas. Os maiores controle e regulação do poder público sobre os “fornecedores"e os próprios “serviços" educacionais são muito mais estritos e normatizados.

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

A legislação brasileira, por meio da Constituição de 1988, da Lei de

 Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, e do Plano Nacional de

 Educação (PNE), de 2001, parece estabelecer papéis diferentes e comple-mentares para o setor público e para o setor privado da educação superior

brasileira. Caberia ao setor público o desenvolvimento da pesquisa e da pós-

graduação que, sabidamente, oneram sobremaneira as instituições que as

realizam. Para o desenvolvimento de suas atividades as instituições públicas

teriam garantido, segundo a LDB (artigo 55), uma quantidade de "recursos

suficientes" em seus orçamentos globais. As metas financeiras estabelecidas

no PNE foram vetadas no governo FHC e, dessa forma, segundo o Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o PNE “pode ter se reduzido a uma

mera carta de intenções" (Brasil, 2002, p. 49-50). Há, portanto, que se per-guntar: o que ocorreu com o financiamento das instituições federais de

ensino superior (Ifes), importante conjunto de instituições públicas, ao lon-

go dos anos 1990 e nos primeiros anos do novo século?

 Este estudo explicita uma resposta para essa questão e, para isso,

apresenta primeiro, o perfil do financiamento das IES brasileiras, tanto

públicas quanto privadas. Em segundo lugar apresenta como a legislação

brasileira estabelece as funções e as regras de financiamento das institui-

ções públicas para, finalmente, apresentar o financiamento das Ifes du-

rante os governos Collor, Itamar, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio

 Lula da Silva, destacando os recursos do pagamento de salários e encargos

sociais dos professores e servidores técnico-administrativos em atividade,

para a efetiva manutenção das instituições e aplicação em investimentos.

 Explicita-se ainda o comportamento dos recursos financeiros em relação à

riqueza nacional, representada por três indicadores: o Produto Interno

 Bruto (PIB),5  as despesas correntes do Fundo Público Federal (FPF)6  e os

impostos arrecadados pela União.7

5 O PIB de um país expressa a sua riqueza e é a soma de todos os bens e serviços adquiridos pela população e pelos governos(federal, distrital, estadual, municipal), com os investimentos realizados, além de adicionar a diferença entre exportação eimportação (www.ipib.com.br, acesso em 9/10/2006).6 As despesas correntes do Fundo Público Federal são: pagamento de pessoal at ivo (civil e militar), aquisição de material deconsumo, pagamento de serviços de terceiros (pessoa física e jurídica), pagamento de encargos diversos, pagamento desubvenções sociais e econômicas, pagamento de inativos, pensionistas, salário-família, abono familiar, pagamento de jurose encargos da dívida pública (interna e externa), contribuições de previdência social etc.7 Os impostos da União são os seguintes: Imposto sobre Importação, Imposto sobre a Exportação, Imposto sobre ProdutosIndustrializados, Imposto sobre a Renda, Imposto sobre Operações Financeiras e Imposto Territorial Rural.

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Perfil das IES brasileiras: financiamento

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira (Inep), ao divulgar os resultados dos censos da educação superior,

classifica as IES brasileiras em categorias administrativas, conforme a

 vinculação de suas mantenedoras: instituições federais, estaduais, muni-

cipais, particulares e comunitárias/confessionais/filantrópicas.

 No Censo da Educação Superior de 2004 foram coletadas informa-

ções em 2.013 instituições, sendo 87 federais, 75 estaduais, 62 munici-

pais, 1.401 particulares e 38 comunitárias/confessionais/filantrópicas; das

instituições federais, 55 são classificadas como instituições federais de

ensino superior.Os dados financeiros das IES brasileiras, tanto públicas quanto pri-

 vadas, apurados pelo Inep por meio dos Censos da Educação Superior, nos

anos de 2001 a 2004 (Inep, 2006b) revelam a origem dos recursos que

mantêm o funcionamento das instituições.8

Os recursos que financiam as atividades das instituições federais são,

em sua maior parte, originários da União, 88%; os recursos restantes vincu-

lam-se a convênios, 9%, e receitas próprias, 3%, oriundas de prestação de

serviços e de taxas cobradas dos estudantes. Registra-se que são ínfimos os

recursos aplicados nas instituições federais, pelos Estados e municípios.

As instituições estaduais recebem recursos dos Estados, 87% de

seus recursos, da União, 0,8%, e dos municípios, menos de 0,3%; os

recursos restantes originam-se da execução de contratos, convênios e de

taxas estudantis.

As instituições municipais recebem poucos recursos da União, dos

 Estados e dos municípios, em torno de 5%, sendo que o montante de recur-

sos oriundos de mensalidades atinge um elevado percentual de cerca de

80%; os outros recursos são os do Programa de Financiamento Estudantil(Fies), da ordem de 2,5%, recursos das mantenedoras – em geral fundações

– e de convênios e contratos. Deve-se ressaltar que as IES municipais, apesar

8 Os recursos financeiros apurados no censo de um determinado ano significam aqueles recursos efetivamente gastos noano anterior. Os recursos financeiros presentes neste estudo e que foram apurados pelo Censo da Educação Superior são,portanto, aqueles referentes aos anos de 2000 a 2003.

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

de públicas, cobram mensalidades, fato admitido pelas disposições transitó-

rias da Constituição Federal de 1988 para as IES municipais já existentes

naquele ano.As instituições particulares, no sentido estrito, são financiadas quase

totalmente pelos recursos oriundos do pagamento de mensalidades, 88%,

e do Fies, 5%; os recursos aplicados pelas mantenedoras não chegam a

2% e os recursos restantes originam-se de convênios e contratos. Os re-

cursos aportados pela União, Estados e municípios são ínfimos.

As instituições comunitárias/confessionais/filantrópicas possuem,

assim como as particulares, a maior parte dos seus recursos com origem na

cobrança de mensalidades, 84% e do Fies, 5,5%; as mantenedoras aplicam

2% dos recursos dessas instituições e a União, Estados e municípios, 0,3%dos seus recursos. Os outros recursos são aqueles que se originam de con-

 vênios e contratos.

As instituições federais e estaduais executam muitos contratos e

convênios por meio de fundações de apoio. Deve-se ressaltar que esses

recursos não são apuráveis de forma simples e que, portanto, não estão

presentes em nenhum dos componentes de gastos presentes neste estudo.

A Tabela 1 sistematiza as informações relativas à origem dos recur-

sos que financiam as IES, sejam públicas ou privadas.

Tabela 1 – Origem dos recursos que financiam as atividades das IES

Organização

administrativa

União

%

Estado

%

Município

%

Mensalidades

%  FIES %

Convênios/Contratos/

Prestação de

Serviços/Mantenedora %

Federais 88 - - - - 12

Estaduais 0,8 87 0,3 - - 11,9

Municipais Soma = 5% 80 2,5 12,5

Particulares - - - 88 5 7

Com./Conf./Filan. Soma = 0,3% 84 5,5 10,2

Fonte: Censo da Educação Superior 2001-2004 – MEC/Inep.

 Verifica-se, portanto, que as instituições federais e estaduais são

financiadas quase exclusivamente pelos fundos públicos federal e estadu-

al; as instituições municipais, particulares e comunitárias/confessionais/

filantrópicas são financiadas basicamente pelos estudantes, por meio do

pagamento de mensalidades.

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As instituições federais gastam cerca de 80% dos recursos com o

pagamento de pessoal, o que engloba o pagamento de pessoal ativo, 49%,

o pagamento de inativos e pensionistas, 22%, o pagamento de benefícios,2,5%, e o pagamento de outras despesas de pessoal, da ordem de 4,5%; as

despesas de custeio das instituições federais atingem 18% e as de capital

não chegam a 2% que são aqueles recursos destinados à aquisição de acer-

 vo bibliográfico, equipamentos, material permanente, obras e instalações.

As instituições estaduais aplicam 74% dos recursos para o paga-

mento de pessoal, sendo 50% para o pagamento de ativos e 17% para o

pagamento de inativos e pensionistas. Os benefícios atingem 1,5% e as

outras despesas de pessoal, 6%. Os recursos de custeio representam 21%

do total de recursos e os de capital, em torno de 5%.As instituições municipais gastam 62% de seus recursos com o

pagamento de pessoal, sendo 56% para o pagamento de ativos. Apenas

0,3% são utilizados para o pagamento de inativos e pensionistas. Os re-

cursos de custeio atingem 25% do total e os de capital, 11%.

As instituições particulares dedicam 53% para o pagamento de

pessoal, sendo 49% para ativos; o pagamento de inativos e pensionistas

não chega a 0,2%; os benefícios, 1,7%, e o restante dirige-se ao paga-

mento de outras despesas de pessoal. Os gastos com custeio atingem 28%

do total de recursos e as despesas de capital atingem 20%.

O pagamento de pessoal das instituições comunitárias/confessionais/

filantrópicas atinge 55% das despesas; o pagamento de inativos é pratica-

mente nulo; os benefícios atingem 2% e as outras despesas de pessoal não

chegam a 2%. As despesas com o custeio atingem 29% do total e as de

capital, 15,5%.

Tabela 2 – Despesas realizadas pelas IES, com pessoal, custeioe capital

Fonte: Censo da Educação Superior 2001-2004 – MEC/Inep.

Pessoal Custeio Capital

Organização

administrativa

Ativo

%

Inativos e

Pensionistas%

Benefícios

%

Outras despesas

%

% %

Federais 49 22 2,5 4,5 18 2

Estaduais 50 17 1,5 6 21 5

Municipais 56 0,3 4 1,7 25 11

Particulares 49 0,2 1,7 2,1 28 20

Com./Conf./Filan. 51 - 2 2 29 15,5

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Nota-se que o percentual aplicado pelas instituições em pessoal ati-

 vo gira em torno de 50% dos recursos gastos pelas instituições, indepen-

dentemente da organização administrativa, sendo que as instituições fede-rais e estaduais possuem como item de suas despesas o pagamento de ina-

tivos e pensionistas, em elevados percentuais de 22% e 17%, respectiva-

mente. Portanto, se quisermos fazer comparações, por exemplo, entre cus-

tos para a formação de um aluno de graduação, não podemos considerar os

gastos que as IES federais e estaduais fazem com o pagamento de inativos

e pensionistas. Verifica-se também o baixo percentual das despesas totais

aplicado em despesas de capital pelas IES federais e estaduais em relação às

IES municipais, particulares e comunitárias, confessionais e filantrópicas.

Funções e financiamento das IES brasileiras

 Há um complexo de funções a serem cumpridas pelas instituições

de educação superior brasileiras, o que compõe um largo espectro de ati-

 vidades desde estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito

científico e do pensamento reflexivo, como prevê a LDB, até encontrar

solução para os problemas atuais, em todos os campos da vida e da ativi-

dade humana objetivando um futuro melhor para a sociedade brasileira,reduzindo as desigualdades, como estabelece o PNE.

Algumas diretrizes estabelecidas no PNE parecem organizar papéis

diferentes e ou complementares para o sistema público e para o sistema

privado. Este está previsto na Constituição Federal (1988), em seu artigo

209, que estabeleceu que o ensino é livre à iniciativa privada, sob as con-

dições de cumprimento das normas gerais da educação nacional e autori-

zação e avaliação de qualidade pelo poder público.

O PNE ressalta a importância do setor privado no processo de ex-

pansão do número de vagas na educação superior: “É importante a con-tribuição do setor privado, que já oferece a maior parte das vagas na

educação superior e tem um relevante papel a cumprir, desde que respei-

tados os parâmetros de qualidade estabelecidos pelos sistemas de ensino".

 Explicita, ainda, que “as instituições não-vocacionadas para a pesquisa,

mas que praticam ensino de qualidade e, eventualmente, extensão, têm

um importante papel a cumprir no sistema de educação superior e sua

expansão, devendo exercer inclusive prerrogativas da autonomia".

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As instituições públicas merecem, no PNE (Brasil, 2001), um desta-

que especial quando se fala da pesquisa e da pós-graduação e, ainda, quan-

do é prevista a expansão de suas vagas para absorver um maior contingentede pessoas carentes e aquelas que só poderiam estudar no período noturno.

O PNE, em suas diretrizes, expressa esses fatos da seguinte forma:

(a) Há necessidade de expansão das universidades públicas para

atender à demanda crescente dos alunos, sobretudo os caren-

tes, bem como ao desenvolvimento da pesquisa necessária ao

 País, que depende dessas instituições, uma vez que realizam

mais de 90% da pesquisa e da pós-graduação nacionais – em

sintonia com o papel constitucional a elas reservado;(b) Ressalte-se a importância da expansão de vagas no período

noturno, considerando que as universidades, sobretudo as fe-

derais, possuem espaço para esse fim, destacando a necessida-

de de se garantir o acesso a laboratórios, bibliotecas e outros

recursos que assegurem ao aluno-trabalhador o ensino de qua-

lidade a que têm direito, nas mesmas condições de que dispõem

os estudantes do período diurno.

Assim, para o setor público, ficariam as responsabilidades de realizarpesquisa, oferecer programas de pós-graduação e desenvolver ações que per-

mitam uma expansão que procure absorver alunos carentes e aluno-trabalha-

dor em cursos noturnos. Ao setor privado especifica-se o papel de suportar

uma grande expansão do número de vagas mantendo-se um determinado

nível de qualidade, além do fato de que a instituição privada classificada

como universidade precisaria, também, desenvolver pesquisa e oferecer pós-

graduação stricto sensu . Dessa forma, o que se notou nos anos 1990 foi a

cristalização de um conjunto de instituições de educação superior que abri-

gou, como já afirmamos, uma grande heterogeneidade entre elas. No que se refere ao financiamento, a legislação brasileira (CF,

artigo 213) estabeleceu em relação às instituições privadas que aquelas

classificadas como comunitárias, confessionais ou filantrópicas, que

comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes fi-

nanceiros em educação e que assegurem a destinação de seu patrimônio

a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder

público, no caso de encerramento de suas atividades, podem receber

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

recursos públicos. Quando se trata de atividades de pesquisa e exten-

são, qualquer instituição privada, mesmo a particular em sentido estri-

to, poderá receber apoio financeiro do poder público.

 No que diz respeito às instituições públicas, tendo em vista o papel

que elas devem desempenhar, os legisladores procuraram estabelecer bases

concretas para o seu financiamento pelo Fundo Público. A Constituição

 Federal de 1988, em seu artigo 207, estabeleceu que as universidades e as

instituições de pesquisa científica e tecnológica gozam de autonomia de

gestão financeira e o artigo 212 vinculou recursos da União, dos Estados, do

 Distrito Federal e dos municípios à manutenção e desenvolvimento do ensi-

no, em todos os níveis:

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, dareceita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferên-cias, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

A LDB em seu artigo 47, no parágrafo quarto, garante a previsão orça-

mentária para que as instituições públicas ofereçam no período noturno, sendo

obrigatório que o façam, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualida-

de dos cursos oferecidos no período diurno. O artigo 55 da LDB é enfático ao

estabelecer que “caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento

Geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das institui-

ções de educação superior por ela mantidas." A LDB legislou, ainda, sobre a

autonomia universitária, explicitando atribuições inerentes às universidades.

 Uma efetiva preocupação com o tema do financiamento e gestão

da educação superior ficou explicitada no PNE com a introdução de obje-

tivos e metas específicas sobre essa temática. Deve-se, entretanto, ressal-

tar, que as metas (a), (c) e (f), apresentadas a seguir, foram vetadas pelo

presidente Fernando Henrique Cardoso.

Algumas metas e objetivos do PNE, relacionadas ao financiamento

e gestão institucional, são:

(a) (vetada) assegurar, na esfera federal, por meio de legislação, a criaçãodo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Superior, cons-tituído, entre fontes, por pelo menos 75% dos recursos da União vincula-dos à manutenção e desenvolvimento do ensino, destinados à manutençãoe expansão da rede de instituições federais; (b) estabelecer um sistema definanciamento para o setor público, que considere, na distribuição de re-cursos para cada instituição, além da pesquisa, o número de alunos atendi-dos, resguardada a qualidade dessa oferta; (c) (vetada) ampliar o programade crédito educativo, associando-o ao processo de avaliação das institui-ções privadas e agregando contribuições federais e estaduais, e, tanto quanto

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possível, das próprias instituições beneficiadas, de modo a atender a, nomínimo, 30% da população matriculada no setor particular, com priorida-de para os estudantes de menor renda; (d) oferecer apoio e incentivo go-

 vernamental para as instituições comunitárias sem fins lucrativos, prefe-

rencialmente aquelas situadas em localidades não atendidas pelo Poder Público, levando em consideração a avaliação do custo e a qualidade doensino oferecido; (e) estimular, com recursos públicos federais e estaduais,as instituições de educação superior a constituírem programas especiais detitulação e capacitação de docentes, desenvolvendo e consolidando a pós-graduação no País; (f) (vetada) ampliar o financiamento público à pesquisacientífica e tecnológica, por meio das agências federais e fundações esta-duais de amparo à pesquisa e da colaboração com as empresas públicas eprivadas, de forma a triplicar, em dez anos, os recursos atualmente desti-nados a esta finalidade; (g) utilizar parte dos recursos destinados à ciênciae tecnologia, para consolidar o desenvolvimento da pós-graduação e dapesquisa; (h) estimular a adoção, pelas instituições públicas, de programasde assistência estudantil, tais como, bolsa-trabalho ou outros destinados aapoiar os estudantes carentes que demonstrem bom desempenho acadê-mico (Brasil, 2001, p. 78-80).

Com relação ao montante dos recursos financeiros aplicados pelo

poder público brasileiro em educação – todos os níveis – os legisladores

ousaram ao propor no PNE que se elevasse

[...] na década, por meio de esforço conjunto da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, do percentual de gastos públicos em relação ao PIB,aplicados em educação, para atingir o mínimo de 7%. Para tanto, os recur-sos devem ser ampliados, anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatroprimeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano.

 No entanto, essa meta foi também vetada pelo presidente Fernando

 Henrique Cardoso.

Os gastos das Ifes nos governos Sarney,Collor, Itamar, FHC e Lula

Tendo em vista a dimensão e a importância das Ifes para o Brasil, em suas

funções de realizar pesquisa e oferecer programas de pós-graduação há que seanalisar como se comportaram os recursos originários do fundo público, excluí-

dos os seus recursos chamados de próprios, e que se dirigiram às Ifes para o

pagamento de pessoal e encargos sociais daqueles trabalhadores em atividade,

para a efetiva manutenção de suas atividades e para os investimentos realizados

pelas instituições. As informações contidas neste estudo analisam os recursos

aplicados nos governos Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), Fernando

 Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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270

 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Os recursos financeiros para o pagamentode pessoal e encargos sociais

Ao se analisar os recursos do fundo público que se dirigiram ao

pagamento de pessoal e encargos sociais, é preciso examiná-lo retirando-

se o pagamento de inativos, pensionistas e precatórios. Dessa forma pode-

mos obter os valores que se destinam ao pagamento daqueles que se

encontram em efetiva atividade em um determinado ano acadêmico.

A Tabela 3 apresenta os valores, em milhões de reais, corrigidos

pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, a preços de janeiro de 2006,

gastos com o pagamento de pessoal e encargos sociais das Ifes, retirando-

se o pagamento de inativos, pensionistas e precatórios. A tabela apresentaainda esses valores em relação a três importantes indicadores da riqueza

nacional, o Produto Interno Bruto (PIB), as despesas correntes do Fundo

 Público Federal (FPF) e o total da arrecadação de impostos da União.

Tabela 3 – Recursos para pessoal e encargos sociais das Ifes retirando-seinativos, pensionistas e precatórios, como percentual do PIB, dasdespesas correntes do FPF e da arrecadação de impostosda União

 Valores em R$ milhões, preços de janeiro de 2006 (IGP-DI/FGV)Ano PIB Despesas Impostos

correntes

do FPF Recursos %PIB %FPF % Impostos

1990 1.697.785 277.019 162.884 9.823 0,58 3,55 6,03

1991 1.725.579 201.352 113.459 6.852 0,40 3,40 6,04

1992 1.681.524 222.591 68.546 5.669 0,34 2 ,55 8,27

1993 1.678.387 285.934 125.715 6.839 0,41 2,39 5,44

1994 1.658.483 276.324 167.905 7.831 0,47 2,83 4,66

1995 1.832.684 315.744 144.248   8.937   0,49 2,83 6,20

1996 1.988.410 326.167 144.353   7.830   0,39 2,40 5,42

1997 2.059.926 334.493 147.838   7.259   0,35 2,17 4,91

1998 2.081.781 368.525 164.946   7.034   0,34 1,91 4,26

1999 1.992.138 381.340 165.869   7.582   0,38 1,99 4,57

2000 1.980.085 356.775 151.286   7.160   0,36 2,01 4,73

2001 1.953.001 381.049 158.464   6.499   0,33 1,71 4,10

2002 1.932.057 376.801 169.142   6.832   0,35 1,81 4,04

2003 1.819.019 355.023 146.786   5.250   0,29 1,48 3,58

2004 1.890.294 371.151 149.975   6.365   0,34 1,71 4,24

2005 1.953.671 428.258 167.884   5.958   0,30 1,39 3,55

2006*   1.961. 486 494.152 187. 932 7.591   0,39 1,54 4,04

* O valor do PIB de 2006 foi estimado com uma correç ão de 4% em relação ao PIB de 2005. As despesas

correntes do FPF e os impostos f oram corrigidos na mesma proporção de cresc imento de 2004 para 2005. Os

recursos das Ifes são os previstos no Orçamento de 2006.

Ifes

Fonte:PIB:http://w w w .ipeadata.gov.br; Impostos: Arrec adação da Receita Administrada pela SRF.

http://w w w .receita.fazenda.gov.br; Recursos das Ifes: 1995-2005 :Execução Orçamentária da União –

http://w w w .camara.gov.br; Desp. correntes do FPF: Execução Orçamentária do Governo Federal e Balanço

Geral da União.

Recursos para pessoal e encargos sociais

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271

Os gráficos 1, 2 e 3 ilustram os percentuais explicitados na Tabela 3.

Gráfico 1 – Total de recursos para pessoal e encargos sociais das Ifes,retirando-se inativos, pensionistas e precatórios, como percentual

do PIB

Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), FHC (1995-2002) e Lula (2003-2006)

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

        1        9        9        0

        1        9        9        1

        1        9        9        2

        1        9        9        3

        1        9        9        4

        1        9        9        5

        1        9        9        6

        1        9        9        7

        1        9        9        8

        1        9        9        9

        2        0        0        0

        2        0        0        1

        2        0        0        2

        2        0        0        3

        2        0        0        4

        2        0        0        5

        2        0        0        6

     %

Gráfico 2 – Total de recursos para pessoal e encargos sociais das Ifes,retirando-se inativos, pensionistas e precatórios, como percentual

das despesas correntes do FPF

Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), FHC (1995-2002) e LULA (2003-2006)

0

0,5

1

1,5

2

2,53

3,5

4

        1        9        9        0

        1        9        9        1

        1        9        9        2

        1        9        9        3

        1        9        9        4

        1        9        9        5

        1        9        9        6

        1        9        9        7

        1        9        9        8

        1        9        9        9

        2        0        0        0

        2        0        0        1

        2        0        0        2

        2        0        0        3

        2        0        0        4

        2        0        0        5

        2        0        0        6

     %

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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272

 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Gráfico 3 – Total de recursos para pessoal e encargos sociais das Ifes,retirando-se inativos, pensionistas e precatórios, como percentualdos impostos

Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), FHC (1995-2002) e LULA (2003-2006)

0

1

2

3

4

56

7

8

9

        1        9        9        0

        1        9        9        1

        1        9        9        2

        1        9        9        3

        1        9        9        4

        1        9        9        5

        1        9        9        6

        1        9        9        7

        1        9        9        8

        1        9        9        9

        2        0        0        0

        2        0        0        1

        2        0        0        2

        2        0        0        3

        2        0        0        4

        2        0        0        5

        2        0        0        6

     %

Os recursos em relação ao PIB caíram de 0,58% em 1990, primeiro

ano do governo Collor, para 0,34% em 1992, ano do impeachment do

presidente. Pode-se, portanto, afirmar que houve uma grande perda da

massa salarial dos professores e servidores técnico-administrativos das Ifes.

 Em preços de janeiro de 2006 (IGP-DI a FGV), o montante de salários

pagos nas Ifes reduziu-se de R$ 9.823 milhões para R$ 5.669 milhões, ou

seja, uma redução percentual de 42,3%. No ano de 1993, primeiro ano do

governo Itamar Franco, o percentual do PIB gasto com o pessoal ativo das

Ifes foi de 0,41%, chegando a 0,47% em 1994, último ano desse governo.

 Em 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso o percentual

subiu para 0,49% e caiu para 0,35% no ano de 2002, último ano de seu

governo. O montante do pagamento dos salários caiu de R$ 8.937 milhões

para R$ 6.832 – uma redução de 23,6%. No governo Luiz Inácio Lula da

Silva, os percentuais foram de 0,29% no ano de 2003 e a previsão para oano de 2006 é de 0,39% do PIB. Há que se considerar que no ano de 2006

efetivou-se o início de uma expansão do sistema em que foram transfor-

madas faculdades em universidades, campus em instituições independen-

tes e foram criadas novas universidades.

 Examinando os percentuais em relação às despesas correntes do

 FPF encontra-se que há uma queda sistemática desse indicador, de 3,35%,

em 1990, para 1,54%, em 2006. Com relação aos impostos arrecadados

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273

pela União os percentuais oscilaram entre 3,5% e 6%, atingindo um valor

de pico em 1992, 8,27%, resultante não do aumento dos recursos das Ifes,

mas sim de uma drástica redução na arrecadação de impostos, R$ 113.459milhões em 1991 para R$ 68.546 milhões em 1992.

Os recursos financeiros paraa efetiva manutenção das Ifes

 Para analisar os recursos financeiros que se dirigiram à efetiva ma-

nutenção das Ifes consideraremos aqueles recursos que se destinaram aos

gastos com outras despesas correntes9 e retiraremos os que foram gastoscom vale-transporte, auxílio-alimentação, assistência médica e odontológica

a servidores e seus dependentes, apoio à educação das crianças de 0 a 6

anos – chamado de vale-creche –, e o Programa de Formação do Patrimônio

do Servidor Público (Pasep), formação do Patrimônio do Servidor Público.

São esses itens de despesas que se caracterizam como benefícios aos ser-

 vidores, muitos deles implantados para amenizar arrochos salariais que

impediram os aumentos lineares nos salários. Retiraremos, ainda, o paga-

mento de professores substitutos e de médicos residentes; os professores

substitutos deveriam ser pagos com recursos de pessoal, o que ocorreu até

o ano de 1996, e o pagamento de médicos residentes caracterizar-se-ia

como bolsas e não como manutenção das instituições. Ressalte-se que a

contratação de professores substitutos se faz necessária pela proibição de

abertura de novos concursos públicos para as vagas deixadas por aqueles

que se aposentaram.

A Tabela 4 apresenta os valores gastos com a efetiva manutenção

das Ifes, excluídos os recursos próprios, em milhões de reais, com preços

de janeiro de 2006, corrigidos pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas,além dos respectivos percentuais em relação ao PIB, despesas correntes do

 FPF e impostos da União.

9 Outras despesas correntes são aquelas que se destinam à aquisição de material de consumo para os laboratórios, paga-mento de água, luz, telefone, fotocópias, pagamento de serviços de terceiros, pagamento de professores substitutos (apartir de 1997), etc.

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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274

 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Tabela 4 – Recursos para a efetiva manutenção das Ifes, excluídos osrecursos próprios, como percentual do PIB, das despesas correntes

do FPF e da arrecadação de impostos da União

 Valores em R$ milhões, preços de janeiro de 2006 (IGP-DI/FGV)

Ano PIB Despesas Impostos

correntes

do FPF Recursos %PIB %FPF % Impostos

1990 1.697.785 277.019 162.884 1.318 0,0777 0,4759 0,8094

1991 1.725.579 201.352 113.459 1.144 0,0663 0,5683 1,0086

1992 1.681.524 222.591 68.546 1.104 0,0657 0,4959 1,6105

1993 1.678.387 285.934 125.715 1.496 0,0891 0,5233 1,1902

1994 1.658.483 276.324 167.905 1.368 0,0825 0,4951 0,8148

1995 1.832.684 315.744 144.248   995   0 ,0 54 3 0 ,3 15 2 0 ,6 90 0

1996 1.988.410 326.167 144.353   1.090   0 ,0 54 8 0 ,3 34 3 0 ,7 55 4

1997 2.059.926 334.493 147.838   951   0 ,0 46 2 0 ,2 84 3 0 ,6 43 2

1998 2.081.781 368.525 164.946   841   0 ,0 40 4 0 ,2 28 1 0 ,5 09 6

1999 1.992.138 381.340 165.869   767   0 ,0 38 5 0 ,2 01 0 0 ,4 62 1

2000 1.980.085 356.775 151.286   830   0 ,0 41 9 0 ,2 32 8 0 ,5 48 9

2001 1.953.001 381.049 158.464   799   0 ,0 40 9 0 ,2 09 7 0 ,5 04 3

2002 1.932.057 376.801 169.142   504   0 ,0 26 1 0 ,1 33 7 0 ,2 97 9

2003 1.819.019 355.023 146.786   426   0 ,0 23 4 0 ,1 20 1 0 ,2 90 5

2004 1.890.294 371.151 149.975   610   0 ,0 32 3 0 ,1 64 5 0 ,4 07 0

2005 1.953.671 428.258 167.884   779   0 ,0 39 9 0 ,1 81 9 0 ,4 64 0

2006*   1. 961. 486 494. 152 187. 932 1.258   0 ,0 64 1 0 ,2 54 6 0 ,6 69 4

* O valor do PIB de 2006 foi estimado com uma correção de 4% em relação ao PIB de 2005. As

despes as correntes do FPF e os impostos foram corrigidos na mesma proporção de crescimento

de 2004 para 2005. Os recursos das Ifes são os previstos no Orçamento de 2006.

Ifes

Fonte:PIB: Ipea – http://ww w .ipeadata.gov.br; Impostos: Arrec adação da Receita A dministrada pela SRF.

http://ww w .receita.fazenda.gov.br; Recursos das Ifes: 1995-2005: Execução Orçamentária da União –

http://ww w .camara.gov.br; Desp. correntes do FPF: Execução Orçamentária do Governo Federal e Balanço

Geral da União.

Recursos para a efetiva manutenção

Os gráficos 4, 5 e 6 ilustram a evolução dos percentuais em relação

aos indicadores estabelecidos.

Gráfico 4 – Total de recursos para a efetiva manutenção das Ifes,excluídos os recursos próprios, como percentual do PIB

Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), FHC (1995-2002) e Lula (2003-2006)

0

0,02

0,04

0,06

0,08

0,1

        1        9        9        0

        1        9        9        1

        1        9        9        2

        1        9        9        3

        1        9        9        4

        1        9        9        5

        1        9        9        6

        1        9        9        7

        1        9        9        8

        1        9        9        9

        2        0        0        0

        2        0        0        1

        2        0        0        2

        2        0        0        3

        2        0        0        4

        2        0        0        5

        2        0        0        6

     %

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275

Gráfico 5 – Total de recursos para a efetiva manutenção das Ifes,excluídos os recursos próprios como percentual das despesas

correntes do FPF

Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), FHC (1995-2002) e Lula (2003-2006)

0

0,1

0,2

0,30,4

0,5

0,6

        1        9        9        0

        1        9        9        1

        1        9        9        2

        1        9        9        3

        1        9        9        4

        1        9        9        5

        1        9        9        6

        1        9        9        7

        1        9        9        8

        1        9        9        9

        2        0        0        0

        2        0        0        1

        2        0        0        2

        2        0        0        3

        2        0        0        4

        2        0        0        5

        2        0        0        6

     %

Gráfico 6 – Total de recursos para a efetiva manutenção das Ifes,excluídos os recursos próprios, como percentual dos impostos

Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), FHC (1995-2002) e Lula (2003-2006)

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1,6

1,8

        1        9        9        0

        1        9        9        1

        1        9        9        2

        1        9        9        3

        1        9        9        4

        1        9        9        5

        1        9        9        6

        1        9        9        7

        1        9        9        8

        1        9        9        9

        2        0        0        0

        2        0        0        1

        2        0        0        2

        2        0        0        3

        2        0        0        4

        2        0        0        5

        2        0        0        6

     %

A evolução dos recursos para a efetiva manutenção das Ifes apre-

sentou-se com as seguintes características:

a) No governo Collor os valores percentuais caíram de 0,077%, em

1990, para 0,066%, em 1992 - houve uma redução nos recursos

de R$ 1.318 milhões para R$ 1.104 milhões, ou seja, uma redu-

ção de 16,2%;

b) No governo Itamar os recursos aumentaram para 0,089% do PIB,

em 1993, e, em 1994, o percentual abaixou para 0,083% do

 PIB;

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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276

 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

c) Em 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso

esse percentual sofreu uma queda para 0,054% do PIB, atingin-

do, em 2002, o valor de 0,026%;d) No período 2003-2006, governo Luiz Inácio Lula da Silva, o

percentual em relação ao PIB passou de 0,023% para 0,064%,

provocando uma recuperação nos valores de R$ 426 milhões

para R$ 1.258 bilhão. Há que se lembrar da expansão dos novos

campi universitários, o que fez aumentar automaticamente os

recursos para a efetiva manutenção das instituições.

 Em relação às despesas correntes do FPF há uma persistente

queda, com flutuações, de 1990 até 2003, passando de 0,476%, em1990, para 0,12%, em 2003, primeiro ano do governo Lula. De 2004 a

2006 houve um crescimento, de 0,16% para 0,25%, retornando a valo-

res percentuais dos anos de 1997-1998. Com relação aos impostos,

retirando-se o ano atípico de 1992 (grande queda na arrecadação dos

impostos), o comportamento é semelhante ao apresentado pelos

percentuais em relação às despesas correntes do FPF: queda até 2003

e recuperação de 2004 a 2006, retornando aos percentuais de 1996-

1997.

Os recursos financeiros parainvestimentos nas Ifes

Os recursos especificados para investimentos são aqueles que se

destinam à aquisição de equipamentos, mobiliários, material bibliográfi-

co, obras físicas etc. Esses recursos, excluídos os diretamente arrecada-

dos pelas instituições, constam da Tabela 5, que apresenta ainda os

percentuais em relação ao PIB, despesas correntes do FPF e Impostos da

 União.

Os gráficos 7, 8 e 9 ilustram os percentuais em relação a esses

indicadores da riqueza brasileira, PIB, despesas correntes do FPF e impos-

tos da União.

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Considerações finais

 Neste estudo tratou-se de examinar o perfil das instituições de edu-cação superior (IES) brasileiras em relação aos seguintes aspectos: origem

dos recursos financeiros que são aplicados nas IES e como são distribuídos

os recursos para o pagamento de pessoal, custeio e capital. As funções das

IES e como se dá o financiamento das instituições na legislação brasileira

foram examinadas em seguida, para, depois apresentarmos como se efeti-

 vou o financiamento nas instituições federais de ensino superior (Ifes) nos

governos Collor, Itamar, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula.

A análise da origem dos recursos das instituições mostrou que as

IFES dependem dos recursos da União, as estaduais são financiadas comrecursos dos Estados e as municipais, particulares e comunitárias/

confessionais/filantrópicas dependem fundamentalmente das mensalida-

des pagas pelos estudantes. Os recursos advindos de convênios, contratos,

prestação de serviços e das mantenedoras não atingem 13% dos recursos

das instituições, sejam elas públicas ou privadas.

Ao se examinar a distribuição das despesas realizadas com pessoal,

custeio e capital explicita-se que a presença de inativos e pensionistas na

execução orçamentária das federais e estaduais deforma a distribuição de

recursos, o que impossibilita uma comparação direta dos dados financei-

ros entre as instituições.

As Ifes constituem um conjunto heterogêneo de instituições insta-

ladas em todos os Estados brasileiros, promovendo uma intensa atuação

na pós-graduação stricto sensu  em quase todos eles e, por isso mesmo,

tornam-se locais ideais para examinarem-se como, ao longo do tempo, os

governantes do País (poderes Executivo e Legislativo) trataram de aportar

recursos financeiros para o pagamento de pessoal em atividade, e para

custeio, no sentido de efetiva manutenção e realização de investimentos. Portanto, a partir do detalhamento dos recursos das Ifes pode-se inferir

em que períodos houve expansão financeira e em que ocasiões o sistema

foi submetido a arrochos financeiros, que provocam degenerescência das

instituições que, como vimos, desempenham o importante papel de

homogeneizar a educação superior em todo o País, contribuindo para

diminuir as desigualdades regionais e para preparar os jovens para implan-

tarem e desenvolverem novas tecnologias.

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Pode-se verificar que houve, a parir de 1990, uma diminuição subs-

tancial nos recursos originários do tesouro nacional com tendência à recu-

peração nos anos 2004 a 2006, no governo Lula, com a ressalva de queuma parte dos recursos se dirigiu ao financiamento da expansão das Ifes

que se consolidou de 2005 para 2006.

 Faz parte da proposta para a educação, apresentada pelo então

candidato Lula, em 2002, no documento intitulado “Uma Escola do Ta-

manho do Brasil", o aumento, em relação ao PIB, do percentual dos recur-

sos financeiros aplicados em educação pública. A Tabela 6 e o Gráfico 10

mostram os valores aplicados de 1989 a 2006 nas Ifes, considerando todas

as fontes de recursos.

Tabela 6 – Total de recursos das Ifes, todas as fontes, comopercentual do PIB, das despesas correntes do FPF e da arrecadação

de impostos da União Valores em R$ milhões, preços de janeiro de 2006 (IGP-DI/FGV)

Ano PIB Despesas Impostos

correntes

do FPF Recursos %PIB %FPF % Impostos

1989 1.696.848 289.169 131.789   16.472   0,9 70 7 5 ,6 96 2 1 2,4 98 51990 1.697.785 277.019 162.884   13.412   0 ,7 90 0 4 ,8 41 7 8 ,2 34 3

1991 1.725.579 201.352 113.459   10.554   0 ,61 16 5,2 41 4 9 ,301 6

1992 1.681.524 222.591 68.546   9.542   0 ,5 67 5 4 ,2 86 9 1 3,9 21 1

1993 1.678.387 285.934 125.715   12.387   0 ,73 80 4,3 32 1 9 ,853 3

1994 1.658.483 276.324 167.905   15.064   0 ,90 83 5,4 51 5 8 ,971 7

1995 1.832.684 315.744 144.248   16.156   0 ,8 81 6 5 ,1 16 9 1 1,2 00 3

1996 1.988.410 326.167 144.353   14.558   0 ,7 32 1 4 ,4 63 3 1 0,0 85 0

1997 2.059.926 334.493 147.838   14.302   0 ,69 43 4,2 75 8 9 ,674 3

1998 2.081.781 368.525 164.946   14.050   0 ,67 49 3,8 12 6 8 ,518 2

1999 1.992.138 381.340 165.869   13.753   0 ,69 03 3,6 06 4 8 ,291 3

2000 1.980.085 356.775 151.286   12.964   0 ,65 47 3,6 33 6 8 ,569 1

2001 1.953.001 381.049 158.464   11.863   0 ,60 74 3,1 13 3 7 ,486 5

2002 1.932.057 376.801 169.142   12.063   0 ,62 43 3,2 01 3 7 ,131 7

2003 1.819.019 355.023 146.786   10.707   0 ,58 86 3,0 15 8 7 ,294 1

2004 1.890.294 371.151 149.975   11.851   0 ,62 69 3,1 93 0 7 ,901 8

2005 1.953.671 428.258 167.884   11.465   0 ,58 69 2,6 77 2 6 ,829 3

2006 1.961.486 494.152 187.932 13.751 0,7011 2,7827 7,3170

* O valor do PIB de 2006 foi estimado com uma correção de 4% em relação ao PIB de 2005. As

de 2004 para 2005. Os recursos das Ifes são os previstos no Orçamento de 2006.

despesas corr entes do FPF e os impostos f oram corrigidos na mesma proporção de cresc imento

Ifes

Fonte: PIB: Ipea – http://w w w .ipeadata.gov.br; Impostos: A rrecadação da Receita A dministrada pela SRF.

http://w w w .receita.fazenda.gov.br; Recursos das Ifes : 1995-2005: Execução Orçamentária da União –

http://w w w .camara.gov.br; Desp. c orrentes do FPF: Execução Orçamentária do Governo Federal e Balanço

Geral da União.

Total de recursos, todas as fontes

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Gráfico 10 – Total de recursos das Ifes, todas as fontes,como percentual do PIB

Sarney, 1989

Collor (1990-1992), Itamar (1993-1994), FHC (1995-2002) e LULA (2003-2006)

0

0,2

0,4

0,60,8

1

1,2

        1        9        8        9

        1        9        9        0

        1        9        9        1

        1        9        9        2

        1        9        9        3

        1        9        9        4

        1        9        9        5

        1        9        9        6

        1        9        9        7

        1        9        9        8

        1        9        9        9

        2        0        0        0

        2        0        0        1

        2        0        0        2

        2        0        0        3

        2        0        0        4

        2        0        0        5

        2        0        0        6

     %

 Nota-se no Gráfico 10 que elevar os recursos totais das Ifes, todas

as fontes, em relação ao PIB, é uma meta importante ainda a ser persegui-

da já que, apenas no ano de 2006, em perspectiva, é que o total de recur-

sos aplicados nas Ifes se elevou em relação ao PIB, depois de uma persis-

tente queda de 1994 a 2005.

As estratégias utilizadas pelos governos, ao longo do tempo, de

redução dos recursos dos fundos públicos aplicados nas instituições públi-

cas atingem frontalmente o que elas possuem de mais caro, a autonomia

acadêmica. Sob o achatamento de seus recursos, há um tolhimento à

liberdade acadêmica das instituições, que passa a dirigir muitas de suas

ações para atender aos interesses utilitaristas de, em geral, exigentes

financiadores privados.

A situação de reversão, que passou a existir a partir de 2006, preci-

sa se manter por muito tempo, a fim de não existir o risco de o Brasil

perder um complexo de instituições que além de “estimular a criação cul-

tural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexi- vo", como prevê a LDB, deveria ter condições para “encontrar solução para

os problemas atuais, em todos os campos da vida e da atividade humana

e abrindo um horizonte para um futuro melhor para a sociedade brasileira,

reduzindo as desigualdades", como estabelece o PNE.

 Financiamento da educação superior no Brasil:gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

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E) Internacionalização

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13Internacionalização da EducaçãoSuperior no Brasil pós-LDB:

o impacto das sociedadestecnologicamente avançadas

 Marilia Costa Morosini*

* Doutora em Educação (UFRS); professora PUC-RS; coordenadora da Rede Universitas (http://www.pucrs.br/faced/pos/

universitas); bolsista Produtividade CNPq; pós-doutora junto ao Institute of Latin American Studies (Llilas), da Universida-

de do Texas; e-mail : [email protected].

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Se uma pessoa tivesse saído do Brasil há 10 anos e retornado hoje,

em 2006, sem ter nesse período, contatos com a realidade brasileira, fica-

ria surpresa com as mudanças que ocorreram na educação superior do País. De um sistema praticamente intocado desde a sua implantação, em

meados do século XIX, essa pessoa encontraria um país com 2.013 insti-

tuições de educação superior (IES), 1.001 na Região Sudeste e somente

118 na Região Norte, 89% privadas e, 73% faculdades, escolas e institu-

tos, 4.163.733 milhões de alunos matriculados em 18.644 cursos e 293.242

funções docentes, dos quais 21% com doutorado, e grande parte das fun-

ções docentes em regime de trabalho parcial (MEC/Inep, 2006).

As IES pautavam-se em uma concepção, de longa data existente,de modelos universitários mistos, de origem napoleônica e/ou humboldtiana,

nos quais a figura de universidade era a regra e, destacadamente a da

universidade pública. A LDB nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da

 Educação Nacional), de 20 de dezembro de 1996, foi um dos marcos

normativos dessa mudança. Hoje, estamos diante de um sistema comple-

 xo e diversificado pendendo para um modelo híbrido, heterônimo e

neoprofissional (Sguissardi, 2003), em um sistema de educação superior

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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conhecimento,1  objeto da educação superior. Mesmo que exista o re-

conhecimento do declínio do monopólio do conhecimento na universi-

dade e em suas antigas funções e a existência de uma diversidade demodelos de universidades e tipos de conhecimento (Delanty, 2001), tal

razão de ser se mantém. A universidade pós-moderna contesta o co-

nhecimento global e reconhece a emergência de conhecimentos locais

e um crescente ceticismo sobre a afirmação de universalismo construído

sobre valores da racionalidade cognitiva.

 No plano do sistema social , as referências são a transnacionalização

e a universalização dos costumes, com conteúdos culturais heterogêneos e

pluricurriculares em uma diversidade de modelos e referenciais sociais, com

tendências residenciais suburbanas e com dispersão do hábitat, em modosde vida caracterizados por estilos imaginativos, alternativos e com rupturas.

 No plano do sistema político  o modelo de Estado será o caracteri-

zado por espaços políticos supranacionais, transnacionalização das esfe-

ras políticas efetivas, descontrole político da atividade econômica e novos

modelos de eficiência e de qualidade dos serviços públicos.2

 Resumindo o pensamento do autor, nestas sociedades 

tecnologicamente avançadas , estar empregado e, ainda mais, bem empre-

gado, é importante para a posição que o indivíduo vai ocupar na sociedade

e, por conseguinte tal valor passa a orientar as aspirações sociais e indireta-

mente as universitárias. Quanto maior a titularidade acadêmica maior é a

renda e menor o desemprego. No Brasil, os estudantes da educação superi-

or, segundo a renda, apresentam concentração em classe social: 23,4% dos

10% dos mais ricos e somente 4% dos 40% dos mais pobres.3

1 O esforço produtivo é criativo, adaptativo e submetido a exigências de mobilidade geográfica e funcional, flexível e semlocalização. Os recursos produtivos básicos são bens intangíveis, o dinheiro é plástico ou digital e o lócus produtivo são asempresas-rede, em escalas multinacionais e pequenos negócios com bases de circulação e de intercâmbio de bandas largas,redes inteligentes, tendo como enfoque de produção de mercadorias a particularização e não mais a massificação.2 Os governos nacionais constituir-se-ão como supervisores e orientadores e o grande poder subjacente será o das comu-nicações, apoiados em partidos de cartel, com papel mediador e declinante. As formas de organizações sociais em ascensãoserão as ONGs e movimentos sociais e os âmbitos de integração e de referência serão a região, a comunidade territorial osgrupos primários, onde a prestação de serviços será privatizada, semipública e em regressão. As principais fraturas sociaissão: a exclusão social e a precarização do trabalho marcada por desigualdades internacionais e por grandes grupos setoriais.3 Segundo as regiões esses dados se acirram: no Norte os percentuais são 2,1% dos 40 % mais pobres e 25,1% dos 10 %mais ricos; no Nordeste, respectivamente, 0,9% e 25,8%; no Sudeste 5,5% e 22,2%; no Sul 9,4% e 34,1; e no Centro-Oeste5,1% e 21,3%. Os dados foram fornecidos pela Pnad/IBGE-2001 e incluem o rendimento mensal de todos os trabalhos daspessoas ocupadas de dez anos e mais de idade com rendimento. Não inclui população rural de Rondônia, Acre, Roraima,

 Pará e Amapá.

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 É neste contexto que as relações Estado-universidade se transfor-

mam: o Estado reduz seu papel em relação às universidades, principal-

mente quanto ao financiamento, mas fortifica sua presença como Estadoavaliativo, baseado no princípio de que a educação é um bem público e

conseqüentemente deve ter qualidade para que tenha impacto sobre a

sociedade.

Os anos 1990 são marcados pela emergência dos sistemas de ava-

liação da qualidade. Van Damme (2000) identifica como possíveis causas

o potencial declínio de padrões de vida, a massificação da educação supe-

rior, a diminuição da confiança em dirigentes na gestão da qualidade

acadêmica tradicional bem como na habilidade de adequar os egressos

com as necessidades da sociedade; restrições orçamentárias em fundosestagnados e a pressão para aumentar a relação custo-benefício; um mer-

cado mais competitivo na educação superior no qual a qualidade transfor-

ma-se em atributo e em mecanismo rotulante, e a emergência de um

modelo geral de avaliação de qualidade, baseado em programa de melhoria

da função universitária, o qual tem como fases a auto-avaliação, avalia-

ção externa e relatórios públicos.

O mesmo autor reconhece que a globalização da educação superior

se expressa na mobilidade global dos estudantes, em novos provedores de

educação superior – principalmente universidades privadas, campus de uni-

 versidades americanas, franchising e modelos universitários de educação a

distância, liberalização dos serviços educacionais, acordos de comércio in-

ternacionais, tais como o Gats, da WTO, e o impacto de reconhecimento

externo de títulos e diplomas por meio de agências de reconhecimento pro-

fissionais como, por exemplo, as do US, chamadas para operar na Europa,

Abet , Washington Accord , Gate , Equis .4

Tensões são postas entre a relação norte-sul e entre o domínio da

concepção de Estado-Nação ou de transnacionalização. No caso especí-fico do Brasil as tensões colocam-se entre a constituição de uma unida-

de subcontinental, latino-americana, sonho de Bolívar, ou a de uma

4 Uma discussão maior sobre a internacionalização da educação superior transnacional pode ser encontrada no exame daspolíticas internacionais decretadas por organismos multilaterais: aí se ressalta, principalmente, as do Banco Mundial (Siqueira2003).

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unidade pan-americana, sustentada pela doutrina Monroe – América

para os americanos (Morosini, 1997) ou mesmo a de uma realidade

transnacional.Interconectadas com as políticas nacionais e internacionais a Unesco

tem merecido papel de destaque e o tema da internacionalização tem sido

constante, não tanto a questionando, mas procurando minimizar os desafi-

os à integração e à inclusão dos estudantes e professores nesse circulo vital.

 Em 2003, a Unesco realizou a Segunda Reunião dos Parceiros da

 Educação Superior, Paris + 5, ou seja, cinco anos após a Conferência Mundial

de Educação Superior (1998), que teve entre seus temas prioritários a

cooperação internacional5 para a melhoria da qualidade da educação su-

perior, administração e financiamento da educação. Neste encontro de2003 a Unesco dá continuidade à referida Conferência e destaca também

a internacionalização da educação superior. Aponta como desenvolvimentos

mais importantes pós-Paris: a maior complexidade das estratégias e do

crescimento das várias iniciativas voltadas para alcançar ou fortalecer a

internacionalização, devido principalmente à globalização acelerada; a

combinação das racionalidades acadêmica e econômica que impulsionam

o processo; e a importância geral da internacionalização e do contexto

global na discussão sobre políticas posteriores, nos níveis institucional,

sistêmico e internacional na educação superior (2003, p. 159).

 Reconhecendo a urgência de realizar ações, a Associação Internaci-

onal de Universidades (IAU), ligada à Unesco, recomenda que: as IES to-

mem iniciativas de internacionalização, entre as quais a formulação de

políticas institucionais e, especificamente, de currículos para a formação

de cidadãos internacionais e de garantia da qualidade no processo de

internacionalização; ocorra a expansão dos fluxos de internacionalização

para as regiões subdesenvolvidas baseada em códigos de ética internacio-

nais e no desenvolvimento de parcerias entre iguais; haja a remoção deobstáculos à mobilidade e o aproveitamento de professores aposentados

no processo; e finaliza com a necessidade de fóruns para a discussão.

5 Art. 11 – A qualidade exige também que a educação superior se caracterize pela sua dimensão internacional: intercâmbiode conhecimento, redes interativas, mobilidade dos professores e estudantes e projetos internacionais de pesquisa, aomesmo tempo em que levam em conta valores culturais e as circunstâncias dos países.

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Prosseguindo em sua caminhada de orientação à educação superi-

or, em 2006, a Unesco realizou encontro com os líderes do G8 (congregador

dos países desenvolvidos) que reafirmaram seu compromisso com a Edu-cação para Todos6 e o desenvolvimento e avanço da coesão social e da

imigração, bem como a integração dos povos por meio da educação .7

Com tal postura, a Unesco objetiva maximizar o capital social e

humano das pessoas por meio de políticas que reconheçam a diversidade

no setor educacional e no mercado de trabalho, o avanço da inovação e o

estímulo à criatividade. O sucesso de políticas de coesão social, incluindo

educação de cidadãos poderá ajudar a combater a intolerância e a discri-

minação. O sistema educacional deve facilitar a aquisição de tais objetivos

fundamentais, paralelos à consideração de que cada país pode utilizar umconjunto de diferentes políticas para promover a aceitação e a integração

na economia e na sociedade.

 Em 2007, entre os tópicos específicos da educação superior a

 Unesco selecionou o acesso à educação superior, estabelecendo parce-

rias com a International Association of Universities (IAU) e, secundari-

amente, com a American Council of Education (ACE). A IAU estabele-

ceu a Task Force para organizar uma conferência mundial, em 2007,

que debaterá e procurará levantar propostas para o processo de acesso

à educação superior. Tais questões são relacionadas com a inclusão

social de migrantes do exterior, por exemplo, nos EUA os de origem

latina e na União Européia os de origem muçulmana e africana. Já nas

regiões menos desenvolvidas a inclusão via acesso à educação superi-

or, está basicamente relacionada à inclusão de categorias sociais

6 Reconhecem a importância do desenvolvimento de sistemas educativos modernos e capazes de responder aos desafios deuma economia global baseada no conhecimento, "exortando a inversão do Triângulo do Conhecimento – Educação (inclu-indo a formação continuada), Investigação e Inovação" no qual são ressaltados como pontos-chave o desenvolvimento deuma sociedade inovadora global, a construção de habilidades para a vida e o trabalho via uma educação de qualidade,7 Referente a este último item a declaração da Unesco estabelece: promoção de participação cívica, bem como igualdade deoportunidades e entendimento da perspectiva além fronteira, para auxiliar o povo na maximização de seu potencial indivi-dual e para vencer barreiras para sua participação na sociedade. Sociedades eqüitativas e inclusivas que providenciem amaioria das condições para adquirir habilidades e conhecimentos, promover inovações, e orientar-se para o sucesso econô-mico e social. Considera como atributos inovadores e de inclusão de uma sociedade a diversidade cultural e o conhecimentode línguas estrangeiras aberto a novos talentos e a mobilidade da força de trabalho. Facilitar a integração social, cultural eprofissional em nossas sociedades, por meio da promoção do suporte para o aprendizado ao longo da vida e encorajar ascompetências lingüísticas necessárias para o emprego seguro de acordo com os níveis de habilidade e experiência. Tambémafirma a pesquisa conjunta e a parceria do conhecimento, experiências e boas práticas entre os países do G8 e outrosmantenedores dessa área.

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desfavorecidas, vinculadas a questões étnicas como, por exemplo, no

 Brasil, os afrodescendentes e os indígenas.

Os organismos multilaterais têm força de espraiar para outras lati-tudes os temas por eles eleitos. Assim, o tópico imigração e desenvolvi-

mento é também tema da Cúpula Ibero Americana, que se realizou, em

 Montevidéu, em novembro de 2006, e que teve como um dos pontos

centrais a liberdade de imigração e a complexa integração a cultura origi-

nária do país receptor.

Internacionalização das funções

universitárias no Brasil 

 Neste contexto de internacionalização da educação superior, o que

 vem ocorrendo no Brasil, pós-LDB? Para responder a este questionamento

buscamos identificar essa categoria nas funções universitárias de ensino e

de pesquisa.8

Internacionalização da pesquisaA troca de informações, o desenvolvimento de redes de pesquisa,

a socialização do conhecimento caracterizam o que Clark define como a

idade do ouro da universidade, na qual não haveria barreiras de circula-

ção ao conhecimento, e este seria universal. Mesmo que tal utopia ainda

esteja longe de ser alcançada, a troca de informações e as parcerias são

comuns no meio universitário. No Brasil a internacionalização da educa-

ção superior sempre veio acoplada ao desenvolvimento dos programas

de pós-graduação. Esses são fomentados pela cooperação internacionalapoiada pelas duas principais agências governamentais – o Conselho

 Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coor-

denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). É de

8 Alguns resultados anteriores já foram abordados em Morosini (2006).

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

registrar também o apoio à internacionalização por parte de algumas

fundações estaduais de pesquisa, com destaque para a Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).9

O CNPq, criado na década de 50, vem apoiando a formação de

recursos humanos (em 2004, 75% dos investimentos foram para bolsas de

estudo), e a pesquisa científica (25%).10  A Capes volta-se, prioritariamente,

à capacitação de recursos humanos, via programas de pós-graduação.

 No plano do apoio a bolsas no exterior a distribuição percentual de

investimentos entre 1996–2005 identifica, durante todo o período, o predo-

mínio das GDE (doutorado), seguidas das PDE (pós-doutorado) e após das

SWE (doutorado-sanduíche). Entretanto, apesar da predominância ainda

das bolsas de GDE, em 2005, a trajetória desde 1995, identifica uma dimi-nuição das distâncias entre os diferentes tipos de bolsas: GDE (62% para

41%), PDE (20% para 30%) e SWE (13% para 24%, entre 1996 e 2005).

9 Em marco de 2006 a Fapesp abriu inscrições para o programa "Novas Fronteiras" destinado a apoiar doutores com vínculoempregatício na realização de estágios de longa duração em centros de excelência no exterior em áreas de pesquisa aindanão bem desenvolvidas no Estado de São Paulo. (www.fapesp.org).10 Os percentuais de investimento referente a bolsas são de 70% para bolsas no País e 5% no exterior. Nas bolsas no Paísesses variam de 87% na área da Lingüística, Letras e Artes a 71% nas Ciências Biológicas. Nas bolsas no exterior variam de7% na área da Lingüística, Letras e Artes, na área das Ciências Sociais Aplicadas até 4% nas Ciências Agrárias e na Saúde.

 No fomento da pesquisa os investimentos variam de 35% na área da das Ciências da Saúde até 6% na área da Lingüística, Letras e Artes (CNPq, 2006).

Gráfico 1 – Bolsas no exterior segundo a modalidade – CNPq – 2004

 Fonte: http://www.anpq.br.

05

101520253035404550556065707580

Doutorado- GDE Pós- Doutorado- PDEDout or ado Sanduíche - SWE Es tágio Sê nior - ESNEstágio Júnior- Ejr Aperfeiçoam ento- APEEstágio/Esp./Mestrado- SPE/GME

 Examinando o número de bolsas (Gráfico 1) estas apresentam uma

diminuição  entre os anos considerados, de 1.655 para 414. As bolsas de dou-

torado diminuíram de 68%, em 1996, para 44% em 2005, o que representa

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1.118 para 181 bolsas. A modalidade do doutorado-sanduíche (SWE) tam-

bém diminuiu de 227 (1996) para 108 (2006) novas bolsas apoiadas e o PDE

de 254 (1996) para 114 em 2006. Ressalta-se que o maior número de bolsasde doutorado ocorreu em 1992 com um número de 2.843. Provavelmente,

esta política de diminuição de bolsas no exterior e de realocação das bolsas

entre as diferentes modalidades reflita o desenvolvimento da pós-graduação

no Brasil. No primeiro caso é notório o reconhecimento de que programas de

doutorado brasileiros já estão dando conta de uma grande parte da qualifica-

ção do corpo docente do País. No segundo caso – o da realocação das bolsas

entre as diferentes modalidades, a expansão das bolsas de SWE reflete a

complementação dos doutorados brasileiros com a experiência no exterior,

bem como a expansão dos programas de PDE reflete a necessidade de atendi-mento aos doutores na sua formação continuada.

 Examinando o destino dos bolsistas no exterior ressalta-se o pre-

domínio dos USA, seguido da Grã-Bretanha e da França (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Bolsas no exterior, segundo o país de destino – CNPq –1996-2005

 Fonte: Construído a partir de http://www.cnpq.br.

0

10

20

30

40

50

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Estados Unidos

Grã- Bretanha

França

 Alemanha

Espanha

CanadáItália

Portugal

 Austr ália

Holanda

Chile

Outros países

 No caso da cooperação bilateral , o CNPq vinha desenvolvendo-a de

forma pulverizada nas diversas áreas do conhecimento, apoiando projetos

de pesquisa focalizados em áreas de interesse mútuo. Essa mudança en-

 volveu um maior aporte de recursos em um menor número de projetos, de

forma a obter-se resultados de maior impacto institucional e regional. No

Gráfico 3, identificamos as principais parcerias brasileiras. Ressalta-se a

parceria com a França, EUA, Alemanha e Portugal.

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Gráfico 3 – Projetos apoiados por convênio – CNPq – 2000 a 2006

 Fonte: http://www.anpq.br.

A partir deste século, a cooperação sul-sul  vem sendo estimulada,

por meio do apoio aos programas: Cooperação Multilateral: Programa Sul-

Americano de Apoio às Atividades de Cooperação Científica e Tecnológica

(Prosul) – Gráfico 4, Programa de Cooperação Temática em Matéria de

Ciência e Tecnologia (Proáfrica), Programa de Apoio à Cooperação Cientí-

fica e Tecnológica Trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul (Ibas), e o

 Programa Ciências Sociais (Comunidade dos Países de Língua Portugue-

sa). O CNPq participa também da Colaboração Interamericana em Materi-

ais (Ciam), com outros países do continente americano.

Gráfico 4 – Prosul – Participação dos países da América do Sul –2001 a 2005

 Fonte: www.cnpq.br

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 Na formação de recursos humanos o CNPq concede bolsas de dou-

torado e pós-doutorado a estrangeiros no Brasil, no âmbito do acordo

com a Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS) noqual a maioria dos bolsistas provém da Ásia (47%) e da África (31%). Os

bolsistas de países da América do Sul correspondem a 13% e os bolsistas

originários da América do Norte somam 9%. O CNPq também concede

bolsas de mestrado e doutorado por meio do Programa Estudantes-Con-

 vênio – Pós-Graduação (PEC-PG), em articulação com a Capes e o Minis-

tério das Relações Exteriores.

Gráfico 5 – Bolsistas estrangeiros no Brasil – 1996-2005 Fonte: http://www.cnpq.br/.

 No tocante à Capes, neste século, esta vem se destacando por Pro-

grama de Centros Associados, dos quais se pode citar:

 Programa de Centros Associados de Pós-Graduação Brasil/Argenti-

na, fruto da Cooperação Capes/SPU, que tem como objetivos estimular a

parceria acadêmica e o reforço recíproco das atividades acadêmicas e daformação pós-graduada, enfatizando o intercâmbio de docentes e alunos

de pós-graduação. É destinado às instituições de ensino superior (IES) que

possuem cursos de pós-graduação considerados de excelência pelos ór-

gãos respectivos de avaliação (Coneau e Capes).

Programa Capes/Secyt , tem como objetivos apoiar projetos con-

 juntos de pesquisa e cooperação científica vinculadas a instituições de

ensino superior do Brasil e da Argentina que promovam a formação em

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

nível de pós-graduação (doutorado-sanduíche e pós-doutorado) bem como

o aperfeiçoamento de docentes e pesquisadores.

 Buscando uma análise mais pontual – estatística da internacionalizaçãoda educação superior no Brasil, entre 1997 e 2003, segundo a média anual da

produção científica dos pesquisadores doutores, constatamos que, de 1997 a

2000, o número de artigos completos publicados em periódicos especializados

com circulação internacional era de 16.937 por ano e em 2000-2003 passa

para 26.475, por ano, identificando um aumento de 60%. As áreas de maior

coeficiente de produção internacional, ou seja, a relação entre o total da

produção e o número de doutores são a das Ciências Exatas e da Terra (1,21)

e a das Ciências Biológicas (1,09), entre 1997 e 2000 e, entre 2000 e 2003,

destaca-se a área das Ciências Exatas e da Terra (1,20).O aumento na produção científica nacional é muito maior do que o

internacional. Nos artigos de circulação nacional, a média entre 1997 e

2000 era de 16.884 e, entre 2000 e 2003, de 41.393, por ano.

 Examinando o brain drain , deslocamento de estudantes e profes-

sores muito qualificados para outros países, na busca de melhores condi-

ções de estudo e de formação, condições de trabalho, de salários e de

oportunidades em países centrais no mundo da ciência e da pesquisa,

constatamos que dos 82.905 professores estrangeiros nas universidadesamericanas, em 2003/2004,11 1.341 são brasileiros.

 Entre as relações internacionais regionais o Mercosul merece des-

taque. Foi criado em 1991, pelo Tratado de Assunção, o Mercado Comum

do Sul, integrado hoje pelos quatro países originários Argentina, Brasil,

 Paraguai e Uruguai e pelos países associados – Bolívia, Chile, Peru e

 Venezuela. Também em 1991 foi criado o Mercosul Educacional, o qual,

nestes dez anos pós-LDB, teve progresso integrativo na pesquisa universi-

tária. Foram criadas redes de pesquisa praticamente em todas as áreas. O

governo brasileiro tem apoiado essa perspectiva e buscado fortificar a pós-

graduação nos outros países.

11 Segundo a OECD (2006), baseada em dados do Institute of International Education (IIE), de abril de 2004, a contribuiçãoadvém de 14.871 chineses, 7.290 koreanos, 6.809 indianos, 5.627 japoneses, 4.737 alemães, 4.125 canadenses, 3.117reino-unidenses, 2.842 franceses, 2.403 russos, 2.317 italianos, 1.893 espanhóis e 26.874 de outros países, incluindo osbrasileiros.

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Internacionalização da educação superior 

 Em termos da função “ensino", o processo de integração é bastantelento. Isso porque a pesquisa tem autonomia vinculada ao pesquisador, en-

quanto o ensino está inserido em um sistema cartorial que define os níveis, os

pré-requisitos, a qualificação e o regime de trabalho do corpo docente, a orga-

nização didático-administrativa do curso, a infra-estrutura, o egresso, etc.

 Em nível de integração regional merece destaque o Mercosul, que

 vem buscando a criação de um mercado comum não mais somente entre

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, mas ampliou seu espectro para pa-

íses da América do Sul. Para a integração da função ensino, torna-se

importante o desenvolvimento de um sistema de avaliação que seja menosdoméstico e mais latino-americano, seja mais efetivo, seja mais confiável,

mais transparente, possibilite a transferência de créditos, a mobilidade, a

cooperação e o intercâmbio de alunos e professores.

 Para que o Mercosul Educativo se efetive, várias ações estão sendo

desenvolvidas, tais como: estabelecimento dos mecanismos de reconheci-

mento de diplomas de graduação somente para a realização de pós-gra-

duação em um dos outros países integrantes do Mercosul e/ou para in-

gresso na carreira acadêmica superior. Na equivalência de cursos foi im-

plantado o Mecanismo Experimental de Credenciamento para Cursos de Graduação  do Setor Educacional do Mercosul que se destinou a promover

o conhecimento mútuo e estimular a melhoria da qualidade da educação

superior (graduação). Esse mecanismo foi implementado entre 2003 e 2006

para os cursos de Agronomia, Engenharia e Medicina. Hoje esse mecanis-

mo está se transformando em prática usual para todos os cursos, confor-

me havia sido estabelecido nas metas do programa.12

12  Foram fixadas as seguintes metas para a definição dos projetos a serem executados: colocar em funcionamento o Mecanismo Experimental de Reconhecimento para as carreiras de graduação em Agronomia, Engenharia e Medicina; au-mentar a sua aplicação para as outras carreiras; aprovar um acordo de reconhecimento de cursos de graduação; implementarum programa de capacitação de pares avaliadores; aprovar um acordo de mobilidade; colocar em funcionamento umprograma de mobilidade de estudantes, docentes, pesquisadores e administradores; eliminar as restrições legais que dificul-tam a implementação do Programa de Mobilidade; implementar um programa de pós-graduação em políticas públicas;operar um banco de dados de programas de pós-graduação na região; consolidar os programas de pós-graduação da regiãono marco do Protocolo de Integração Educativa para a Formação de Recursos Humanos em nível de Pós-Graduação entreos países-membros do Mercosul; coordenar a reunião especializada em Ciência e Tecnologia do Mercosul, em desenvolvi-mento de atividades de interesses comuns; implementar ações conjuntas na área de formação docente, com a Comissão

 Regional Coordenadora de Educação Básica; aprovar um acordo de reconhecimento de títulos de nível terciário não-universitário para a continuidade de estudos nos países do Mercosul.

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Já a Integração do Mercosul, em termos de exercício profissional

não ocorreu, progresso, acarretado, principalmente pela identificação de

desemprego estrutural nos paises da América Latina. Na América Latina há propostas de integração de cursos na gradu-

ação similar ao que vem ocorrendo na União Européia,13  com o projeto de

 Bolonha. Cita-se a proposta do Centro Nacional de Evaluación para la

 Educación Superior (Ceneval): Projeto 6x4 Uealc (Unión Europea, América

 Latina y el Caribe). Seis profissões em quatro eixos: um diálogo universitá-

rio . Esta proposta abarca seis profissões (administração, engenharia elétri-

ca, história, medicina, química e matemática) e quatro eixos principais

(competência profissional, créditos acadêmicos, formação para a inovação

e investigação e acreditação e evolução). Ela baseia-se em competênciasacadêmicas mais do que em disciplinas e tem como objetivo maior estabe-

lecer as condições operativas que propiciem uma maior compatibilidade e

convergência dos sistemas de educação superior, por meio do diálogo e do

trabalho colaborativo entre instituições. A colaboração está centrada nas

práticas e enfoques educativos de profissionais de carreiras específicas a

fim de construir marcos de referência que orientem a mudança e aumen-

tem a pertinência e qualidade da oferta educativa. O Ceneval utiliza a

noção de competências da EU,14  a reestruturação da “licenciatura" para

fazê-la mais flexível e oferecer a quem cursa uma preparação voltada àcomunidade, ênfase à qualidade das aprendizagens, com uso abundante

das tecnologias de informação e comunicação (TIC), e a manutenção da

atratividade nas IES.15

 Essas competências se sintetizam em competências básicas (como o

uso adequado da linguagem escrita, oral e matemática), genéricas (capaci-

dade de análises e sínteses, auto-aprendizagem, resolução de problemas,

13 Na UE os princípios de um sistema de reconhecimento de títulos e diplomas buscam considerar: convergência semharmonização; respeito pela diversidade nacional e cultural; flexibilidade na mudança do ambiente, respeito pela autono-mia institucional, perspectiva de poderes de baixo para cima, perspectiva do mantenedor institucional, avaliação da melhoria,levando em conta um balanço entre melhoria interna e externa das funções de avaliação; existência de valor agregado nossistemas de avaliação da qualidade; e construção de experiências metodológicas de avaliação da qualidade.14 “... combinação dinâmica de atributos – com respeito ao conhecimento e sua aplicação, as atitudes e responsabilidades– que descrevem os resultados do aprendizado de um determinado programa, ou como os estudantes serão capazes dedesenvolver-se ao final do processo educativo..." (Comissão Europea, s.d., p. 280).15 O CENEVAL ainda esclarece que o processo principal é o de aprendizagem no qual se faz necessário conhecer e compre-ender (conhecimento teórico de um campo acadêmico); saber como atuar (aplicação prática e operativa do conhecimento acertas situações) e saber como ser (valores como parte integrante da forma de perceber aos outros e viver em um contextosocial).

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aplicação de conhecimentos, gestão da informação, etc.) e específicas (mé-

todos e técnicas específicos próprios de uma profissão).16

 Em outubro de 2006, na conferência da International Associationof Universities, foram apresentados os resultados da pesquisa sobre

internacionalização da educação superior na qual se configura um quadro

relativamente positivo em termos da valoração da importância da

[...] internacionalização e do incremento no número de IES que se moveude uma situação secundária para um approach (aproximação) de planeja-mento da internacionalização. O quadro é menos encorajador no nívelnacional [...] os governos nacionais não deram uma adequada atenção àeducação internacional e não assumiram o papel que eles deveriam tê-lofeito em termos de política nacional e financiamento da pesquisa interna-

cional, de projetos de desenvolvimento e de mobilidade e também paraassegurar a apropriada avaliação da qualidade e sistemas de acreditaçãopara programas além da fronteira.

 Entre as tendências observadas foi destacado

[...] um contínuo crescimento nas redes institucionais, na mobilidade dosestudantes, na seleção de estudantes não-pagantes, na dupla diplomaçãoe na pesquisa como forma internacional de colaboração, bem como chavepara a cooperação internacional na busca da competitividade nacional comorazão para a internacionalização.

As atividades além fronteira podem dar uma importante contribui-

ção para o fortalecimento da educação superior se forem desenvolvidas e

disponibilizadas efetivamente e com responsabilidade. Recomenda-se que:

A educação superior além fronteira deve buscar contribuir para o desenvol-

vimento econômico, social e cultural das comunidades , fortalecer a capaci-

dade da educação superior nos países em desenvolvimento, a fim de promo-

 ver a eqüidade global; além de formar experts profissionais e disciplinares

deve desenvolver nos estudantes o pensamento crítico  que subjaz a cida-

dãos responsáveis nos níveis local, nacional e global; deve ser acessível não

16 As competências básicas são entendidas como capacidades intelectuais indispensáveis para a aprendizagem de umaprofissão e incluem as competências cognitivas, técnicas e metodológicas adquiridas em níveis educativos prévios. Ascompetências genéricas são atributos compartilhados que podem criar-se em qualquer disciplina, comuns entre as profis-sões. Sua importância radica na necessidade de responder às demandas de um mundo em mudança. As competênciasespecíficas relacionam-se com a disciplina e são próprias de cada profissão. Permitem a comparabilidade entre os diferentesprogramas de uma disciplina e a definição de cada profissão e são conseqüência dos conhecimentos e das habilidadesadquiridos por meio de um programa educativo e resultam da aprendizagem.

Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

somente para aqueles que podem pagá-la, mas também para qualificados

estudantes com necessidades financeiras ; deve ter os mesmos altos padrões

de qualidade acadêmica e organizacional em todo o local onde ela é ofertada;ser avaliada pelo público, estudantes e pelo governo ; deve possibilitar a

expansão de oportunidades para a mobilidade internacional de professores,

pesquisadores e estudantes.

Considerações finais

A internacionalização da educação superior apresenta diferen-

tes estágios de desenvolvimento no Brasil pós-LDB. Por sua naturezade produção de conhecimento a universidade sempre teve como norma

a internacionalização da função pesquisa. Assim, a internacionalização

da educação superior é mais ágil e mais rápida na função acadêmica de

pesquisa. Isso porque a função investigativa tem uma autonomia liga-

da ao pesquisador e este busca relações internacionais para o desen-

 volvimento do conhecimento. Já a função ensino, principalmente o de

graduação, é controlada pelo Estado e, no caso brasileiro fortemente,

desde o processo de (re)credenciamento de uma IES, autorização e re-

conhecimento de cursos superiores, adequação às diretrizes curriculares

dos cursos, implantação e execução do processo de avaliação

institucional e o reconhecimento de títulos e diplomas realizados no

exterior. O formalismo e a dependência às políticas estatais dificultam

a autonomia da função ensino no contexto da internacionalização da

educação superior. Com o crescimento dos blocos econômicos, a

internacionalização da função ensino vem sendo estudada e estratégi-

as estão sendo propostas, tanto na União Européia como na América

 Latina. Entretanto, fica claro que predomina, no Brasil, ainda de formaincipiente, o Modelo Periférico , processo que se caracteriza pela pre-

sença de atividades internacionais em alguns setores da IES e não o

modelo central de internacionalização da educação superior, onde toda

a IES está imbuída desta característica.

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F) Trabalho Docente 

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14Universidade, sociedade do

conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

 Maria das Graças Martins da Silva*

Tânia Maria Lima Beraldo**

* Mestre em Educação (UFMT); professora da UFMT; e-mail : [email protected].

** Doutora em Educação (Unicamp); professora da UFMT; e-mail : [email protected].

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 Neste capítulo discutimos a educação superior no contexto da cha-

mada sociedade do conhecimento, tendo como foco o papel que vem

sendo atribuído à universidade e, por sua vez, os desafios que se lançamao professor universitário com vista à realização da educação universitá-

ria. Esse propósito exigiu buscar relações entre o projeto sociopolítico e

econômico mais amplo, sociedade do conhecimento e universidade, a fim

de deslindar caminhos para o trabalho docente. O texto foi organizado em

três partes. Na primeira, apresentamos considerações gerais sobre a socie-

dade do conhecimento e sobre o sentido que é atribuído à ciência e à

tecnologia na produção das inovações que fomentam a competitividade

econômica. Na segunda parte, focalizamos a universidade brasileira nocontexto da globalização excludente, observando as orientações do poder

público para a educação superior, especialmente para a pós-graduação. A

centralidade na pós-graduação justifica-se por ela ser lócus privilegiado

para a formação de docentes da educação superior, conforme artigo 66,

da Lei Nº 9.394/96 (Brasil, 1996), e para a produção de conhecimentos e

de tecnologias (Brasil, 2004a). Finalizando, apresentamos nossas reflexões

sobre os desafios que se impõem aos docentes que atuam na educação

 Universidade, sociedade do conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

superior, considerando a realidade posta e a utopia que é (ou deveria ser)

inerente ao trabalho educacional. Destacamos, então, a necessidade de

aprofundamento de estudos e de ampliação das discussões sobre a proble-mática em questão, entendendo que “[...] à medida que o trabalho da

educação é reposicionado dentro da nova ordem global, o papel dos agen-

tes de mudança também é reposicionado" (Goodson, 1999, p. 113). A

não-compreensão dos posicionamentos assumidos pode resultar em mu-

danças cujos efeitos são totalmente diferentes daqueles que desejamos.

Sociedade do conhecimento:

que conhecimento e que sociedade? 

 Na atualidade, o discurso que ganha destaque na mídia, nos sindica-

tos, na literatura educacional, na academia, enfim no cotidiano, dá

centralidade ao termo globalização , também denominado mundialização 

(Carnoy, 2002). Esse fato decorre da internacionalização da economia, fe-

nômeno que cria uma teia de relações entre as diferentes nações do globo e

envolve até mesmo as sociedades menos organizadas, segundo a lógica

capitalista. Isso é possível porque a globalização traz em si o globalismo ,

[...] construção ideológica que pretende explicar e justificar a globalizaçãocom todos seus abusos, excessos, assimetrias e perversões e estendê-laspelo mundo com uma clara estratégia dos países industriais para conquis-tar mercados, acrescentar laços de dependência externa e aprofundar aclássica divisão internacional do trabalho, além de exercer dominação ide-ológica, política, econômica, científica e tecnológica (Borja apud Cunha,2006, p. 259).

 Essa tessitura complexa e contraditória que caracteriza a sociedade

contemporânea tem implicações diretas na educação superior, particular-

mente na universidade, instituição social interessada na “formação dequadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de do-

mínio e cultivo do saber humano", conforme preceitua o artigo 52, da Lei

nº 9.394/96 (Brasil, 1996). Tais implicações precisam ser investigadas a

fim de se vislumbrarem as potencialidades da educação e as possibilidades

de enfrentamento dos desafios da sociedade globalizada. Analisando o

papel da universidade em tempos de globalização, Sobrinho (2004) desta-

cou três aspectos relevantes: a) o acúmulo de conhecimentos, ocorrido

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nos últimos 50 anos, é incomparavelmente superior ao de qualquer outro

período; b) há uma tendência de passagem da ciência básica (considerada

muitas vezes desinteressada) para os contextos de aplicação e de controlede conhecimento; c) o desenvolvimento científico e tecnológico afeta tanto

as macro como as microdimensões da vida humana.

O crescimento exponencial do conhecimento ocorrido na

contemporaneidade favoreceu a realização do que vem sendo denomina-

do de Terceira Revolução Industrial. Esta nova revolução   se caracteriza

pelo acentuado interesse do capital pela ciência, pois o valor de um pro-

duto industrializado não se esgota na qualidade e/ou na quantidade de

material que ele agrega, mas, envolve sua capacidade de ser competitivo

em relação a outros da mesma ordem no mercado, o que implica conside-rar a qualidade e a quantidade de conhecimento que ele traz. A intensida-

de com que o conhecimento científico e tecnológico se processa revela-se

nas inovações dos produtos postos à venda diariamente, em uma veloci-

dade não vista antes, e com a tônica da descartabilidade. Nesse contexto,

a marca das inovações manifesta-se no que tem sido denominado de con-

fluência de mídias . Um aparelho celular de última geração, por exemplo,

representa muito mais do que um telefone móvel, uma vez que pode

funcionar como agenda, relógio, despertador, gravador, máquina fotográ-

fica, filmadora, rádio, televisão. Além disso, envia mensagem escrita, toca

música no formato MP3 e possibilita acesso à Internet.

A confluência de mídias faz com que a informação seja processada

de forma veloz e extensiva, em tempo quase real, tornando o mundo uma

aldeia global (Ianni, 2003). Nessa aldeia, os grandes capitalistas podem

identificar nichos ideais para realizar investimentos financeiros e, em caso

de risco, podem movimentá-los rapidamente para outras regiões do mun-

do, visando à garantia dos lucros desejados.

A transformação do conhecimento em insumo, ou seja, em produtode valor potencialmente econômico, tem implicações epistemológicas para

a própria ciência, pois esta passou a ser vista também como mercadoria.

 Dessa forma, ela declina da sua função de ser atividade interessada na inter-

pretação crítica dos fenômenos físicos e sociais para tornar-se uma ativida-

de de caráter utilitário, fomentada e controlada por interesses econômicos.

Os altos índices de pobreza e de analfabetismo que ocorrem no

mundo de hoje dão evidências de que o desenvolvimento exponencial da

 Universidade, sociedade do conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

ciência e da tecnologia não alterou as distorções sociais que ocorrem no

mundo. Enquanto uma minoria privilegiada consome, compulsivamente,

bens e serviços derivados da tecnociência para preservar seu status quo ,cerca de 35 milhões de pessoas morrem a cada ano, corroídas pela fome.

 Essa contradição revela que a sociedade do conhecimento é também a

sociedade da exclusão, da indústria da guerra, da indiferença. Revela, por

igual, que a ciência não é neutra e muito menos universal, como foi apre-

goado no ideário da modernidade.

O consumo compulsivo dos produtos da tecnociência afeta vee-

mentemente a cultura humana, pois cria paixão pelo efêmero, pela moda,

pela grife e pela aparência, em uma inversão de valores que se distancia do

 verdadeiro sentido atribuído ao termo humanidade . Esse tipo de paixãonão potencializa a aquisição de conhecimento e a reflexão criadora que

nutre e promove a cultura. Ao invés disso, dá azo ao comércio de símbo-

los, que são rapidamente substituídos. “Em outras palavras, a mercadoria,

que já é um fetiche, se duplica numa imagem de prestígio, poder, juventu-

de, sucesso, competência etc., portanto, num simulacro de si mesma, e é

esse simulacro que opera na esfera do consumo" (sic) (Chauí, 2001, p. 22).

 No contexto da globalização, fica entendido que países que ainda

não atingiram o nível de desenvolvimento desejado, como é caso do Bra-

sil, precisam adequar rapidamente suas velhas estruturas políticas, econô-

micas, sociais, jurídicas, educacionais à nova lógica econômica, posto ser

questão-chave para entrar na ciranda da competitividade instaurada em

escala global. Isso explica o conjunto de reformas que foram promovidas

nas últimas décadas nos diversos setores da administração pública, de

modo evidente, inclusive no campo educacional.

 Em se tratando da educação superior, subtende-se que tais insti-

tuições precisam dar respostas positivas e imediatas às demandas do mer-

cado, o que comporta a adoção da mesma lógica que rege as relações deprodução. Espera-se que a universidade se renove a galope, porque ela é o

espaço voltado, por excelência, para o desenvolvimento de pesquisas e

para a formação de profissionais criativos, dinâmicos, inovadores, compe-

titivos, aptos para ingressar no mundo do trabalho que, cada vez mais, se

torna seletivo, exigente e flexível.

Sob essas sinalizações devem ser compreendidas as reformas da

educação superior e as adaptações legais ocorridas nos últimos anos, da

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mesma forma que, sob elas, deve ser analisado o trabalho do docente na

universidade e aquilo que ele produz, ou pretende produzir, na esfera do

conhecimento e de projetos educacionais.

 A universidade brasileiraem tempos de globalização

Analisar a universidade brasileira na contemporaneidade exige con-

siderar o papel que a ela foi estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da

 Educação Nacional (LDB), e em outros dispositivos legais que deram sus-

tentação a ela. Antes disso, é pertinente observar o sentido que é dado aotermo Lei. Conforme observou Severino (1997), a lei pretende ser a expres-

são do direito das pessoas que vivem em sociedade. O direito, por sua vez,

surgiu como tentativa de instauração de determinada ordem social pelo

zelo de simetria nas relações que se processam entre as pessoas. A LDB e

demais textos legais dela conseguintes deveriam, portanto, expressar zelo

por práticas educativas verdadeiramente democráticas. Contudo, análises

realizadas por pesquisadores do campo das políticas educacionais (Saviani,

1997; Belloni, 1997; Severino, 1997; Freitas, 1999) revelam contradições

na referida Lei decorrentes das relações de poder que se estabeleceram no

processo de elaboração, promulgação e materialização em iniciativas go-

 vernamentais. As análises que incluem o período relativo ao governo Luiz

Inácio Lula da Silva – considerado representante dos grupos populares –

(Sguissardi, 2006; Silva Júnior e Sguissard, 2006; Carvalho, 2006; Otranto,

2006) indicam que houve mais continuidade do que ruptura com a deno-

minada modernização conservadora que caracteriza as políticas neoliberais.1

Compreender o papel atribuído à universidade no contexto da mo-

dernização conservadora requer entendimento do sentido paradoxal dessetermo (modernização/conservação), o que pode ser explicado pela

readequação da teoria do capital humano , em que mudam conceitos, mas

1 No Brasil, a modernização conservadora iniciada no governo Fernando Collor de Mello (1990-1991) foi assumida porItamar Franco (1992-1993), recrudescida no governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e está sendo mantidapelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (Sguissardi, 2006).

 Universidade, sociedade do conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

permanece o fundamento de conservação da natureza excludente das re-

lações sociais, conforme observou Frigotto (1996). Explica o autor que a

teoria do capital humano foi formulada no cerne das teorias do desenvol- vimento nos centros mais avançados do capitalismo monopolista, tendo

se disseminado de forma rápida pelos países do Terceiro Mundo. No Brasil,

fez escola no final da década de 1960, divulgando e concretizando a idéia

do economicismo na educação. Anos depois, entre as décadas de 1970 e

1980, foram explicitadas novas demandas para a educação, presentes em

documentos dos organismos internacionais (Fundo Monetário Internacio-

nal – FMI, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento –

 Bird, Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, Comissão Econô-

mica para a América Latina e o Caribe – Cepal), anunciando-se os limitesdas concepções da teoria do capital humano e propondo-se nova adequa-

ção da educação aos interesses econômicos.

 Miranda (2005) fazendo referência a conteúdos presentes em do-

cumentos produzidos no início da década de 1990, pela Cepal,2 destaca

idéias ou propostas centrais ali expressas: a institucionalização do conhe-

cimento, a fim de oferecer acesso aos códigos da modernidade ; a difusão

dos materiais científico-tecnológicos; e o fomento às políticas que propi-

ciem uma gestão institucional responsável. No discurso dos documentos

dos organismos internacionais, evidencia-se a centralidade no conheci-

mento como estratégia para enfrentar o desafio da revolução tecnológica,

matriz de novo tempo de prosperidade. Implicitamente, outro padrão de

conhecimento tem sido forjado, conforme explicita a autora: menos

discursivo, mais operativo, menos particularizado, mais interativo, comu-

nicativo, menos intelectivo, mais pragmático, menos setorizado, mais glo-

bal, não apenas cognitivo, mas também valorativo e expresso em atitude.

Trata-se de tipo de conhecimento que se adquire pela ação (o saber fazer ),

pela utilização (o saber usar ) e pela interação (o saber comunicar ).O próprio conceito de sociedade do conhecimento, ao oferecer sus-

tentação ideológica ao processo de reestruturação capitalista, imprime

exigências educativas e de formação a ele condizentes. Conecta-se, pois,

2 Os documentos referidos pela autora são: "Transformación productiva com equidad", 1990; "Educación y conocimiento:eje de la transformación productiva com equidad", 1992.

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

assinala que, apesar das dificuldades, o Brasil construiu, nas últimas quatro

décadas, uma comunidade científica e tecnológica de mais de 60 mil pes-

quisadores com doutorado, sendo possível afirmar que:

[...] pela primeira vez na história do País, existe em muitas áreas da ciênciae da tecnologia uma 'densidade de competências' suficiente para contri-buir de forma decisiva para a realização de ambiciosos projetos de desen-

 volvimento com conhecimento nacional (Ibidem, p. 57).

 Nova agenda, pois, faz-se necessária, de forma que os avanços em

ciência, tecnologia e inovação “[...] contribuam para uma melhor posição

do Brasil no contexto internacional [...]", o que requer entender a política

nessas áreas como parte da política econômica na sua totalidade, especi-almente como um dos elementos centrais da política industrial . (Ibidem,

p. 79). O documento afirma que, a par dessas questões, o modelo de pós-

graduação deve conformar-se “[...] às condições contemporâneas de pro-

dução e aplicação do conhecimento", o que representa, entre outras me-

didas listadas, “[...] criar, no âmbito da universidade, agências de inova-

ção, aptas a estimular e dar suporte à realização de projetos em parceria

entre pesquisadores acadêmicos e empresas" (Ibidem, p. 228). Nesse senti-

do, já é possível identificar no entorno de algumas universidades (incluin-

do as federais) mecanismos que possibilitam o estreitamento das relaçõesempresa e academia: escritórios para patenteamento e licenciamento

tecnológico, parques tecnológicos, encubadoras de empresas, etc.

 Nota-se que a promoção do bem-estar social é considerada decor-

rência do desenvolvimento científico e tecnológico. Subentende-se que a

comunicação instantânea e planetária seria fator de democratização de

conhecimentos e de coesão humana. “É como se não houvesse nenhum

problema na tão glorificada sociedade do conhecimento e em sua correlata

economia do conhecimento" (Sobrinho, 2004, p. 8).

A relação direta entre pesquisa e progresso econômico e social ex-

plica porque a pós-graduação é convocada a dar prioridade a determina-

das áreas do conhecimento em detrimento de outras.

A política industrial voltada para setores estratégicos – a indústria desoftware , fármacos, semicondutores e microeletrônica, e bens de capital– como também nas áreas consideradas ‘portadoras de futuro'(biotecnologia e nanotecnologia) são campos nevrálgicos na correlaçãode forças internacionais em que o Brasil apresenta enorme potencialidade

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e nas quais a pós-graduação deveria dar maior atenção. Nessa perspecti- va, torna-se necessário o fortalecimento dos programas espacial e deenergia, a criação de programas de exploração do mar e da biodiversidade,assim como o efetivo desenvolvimento da região amazônica como ins-

trumento de integração nacional (Brasil, 2004a, p. 46).

 Em relação à avaliação da qualidade dos programas de pós-gradu-

ação, são propostos indicadores que dêem ênfase à produtividade dos

professores e alunos bem como à participação desses na produção cientifica

e tecnológica dos laboratórios ou nos grupos de pesquisa integrados à

pós-graduação (Brasil, 2004a). A pauta de sugestões quanto aos critérios

de avaliação inclui, entre outros:

– Produção tecnológica e seu impacto e relevância para o setor econômico,industrial e social, através de índices relacionados a novos processos e pro-dutos, expressos por patentes depositadas e negociadas, por transferênciade tecnologia e por novos processos de produção que poderão dar uma

 vantagem competitiva ao país;– Incentivo à inovação através da adoção de novos indicadores, que esti-mem o aumento do valor agregado de nossos produtos e a conquistacompetitiva de novos mercados no mundo globalizado. Um maior pesodeve ser dado a processos inovadores, que refletirão em maiores oportuni-dades de emprego e renda para a sociedade (sic) (Brasil, 2004a, p. 59).

 Nesses excertos, chama a atenção a recorrência ao termo inovação 

e sua relação com a pesquisa realizada na universidade. A concepção deinovação apresentada não é referente a buscar o novo  no plano da ideali-

zada  autonomia especulativa do saber , conforme o modelo clássico de

universidade de pesquisa (modelo alemão). O novo deve ser buscado na

fina articulação entre os centros de pesquisa/sistemas educacionais e as

empresas que estabelecem os critérios de qualidade, de produtividade e de

evolução.

O sentido atribuído à inovação no contexto da pesquisa acadêmica

foi identificado por Oliveira (2002), no documento que resultou da confe-rência Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios para a sociedade brasileira,

realizada em 2001 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Conforme ob-

servou Oliveira (op. cit., p. 76), no citado documento, o termo é concebido

como “[...] o principal determinante do aumento da produtividade e da

geração de oportunidades de investimento. A inovação compreende a in-

trodução e exploração de novos produtos, processos, insumos, mercados e

formas de organização".

 Universidade, sociedade do conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Também nessa linha, o termo aparece no artigo 2º, da Lei de Inova-

ção Tecnológica (Brasil, 2004a) como “[...] introdução de novidade ou

aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novosprodutos, processos ou serviços". Refere-se, portanto, à capacidade de

transformar recursos técnicos em riquezas econômicas e supostos benefí-

cios sociais.

As orientações expressas no IV PNPG e corroboradas na Lei de Ino-

 vação Tecnológica indicam que à pós-graduação cabe a tarefa de produzir

profissionais dispostos a contribuir para o processo de modernização do

 País o que requer interesse pela inovação. Em outras palavras, requer ca-

pacidade de aplicar o conhecimento na solução de problemas concretos

enfrentados pela sociedade criando assim, novos produtos e novos pro-cessos produtivos (Idem).

A universidade, portanto, é responsabilizada pela produção da ci-

ência, tecnologia e inovação e pela formação científica e tecnológica de

alto nível, com o intuito de fundamentar o crescimento econômico do

 País. Em torno dessa idéia-chave, parece manifestar-se a política de pós-

graduação, entendendo a produção do conhecimento associada a resulta-

dos imediatos, pragmáticos, colocando a cultura e a educação como ele-

mentos civilizadores em segundo plano (Silva Júnior, 2005).

 Pergunta-se: em que medida a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-

ção, aprovada em 1996, dessa forma, sob o contexto das mudanças polí-

tico-econômicas em pauta, seria fonte de inspiração e base legal para esse

movimento que, ao que parece, está em curso? A resposta não pode ser

absoluta nem linear, pois a LDB oferece um traçado geral que as políticas

públicas, no conjunto, acabam editando e concretizando a indicação da

necessidade de análise mais ampla. Contudo, uma avaliação preliminar da

 LDB de 1996 mostra-se capaz de revelar a ênfase dada ao desenvolvimen-

to da pesquisa, o que pode ser ilustrado pelo artigo 43, que define asfinalidades da educação superior: dos oito itens constantes, quatro men-

cionam a pesquisa científica ou a ciência e tecnologia.

A afirmação ou a consolidação da atividade de pesquisa na ins-

tituição universitária, por sua vez, é construída no artigo 45, que insti-

tui que “a educação superior será ministrada em instituições de ensino

superior públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou

especialização", trazendo como conseqüência a diferenciação entre a

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universidade e as demais instituições por efeito do desenvolvimento da

pesquisa naquela. (Brasil, 1996). Se não, veja-se o artigo 52, em que a

universidade é definida, entre outros aspectos, como instituição de pes-quisa, sendo também caracterizada, no inciso I, pela “produção intelec-

tual institucionalizada, mediante o estudo sistemático dos temas e pro-

blemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural,

quanto regional e nacional". (Idem).

 Portanto, no conjunto, verifica-se um destaque ao termo pesquisa

e/ou tecnologia, cujos desdobramentos e significados carecem de análise

mais aprofundada. Se bem que, assim, é possível perceber que a referida

legislação se insere em um panorama político-econômico (datado a partir

da década de 1990) que alavanca um conjunto de reformas a ele condi-zentes, iniciando novo ciclo que detém uma agenda própria.

 No campo da educação superior, essa agenda é sustentada pelos

princípios da diversificação e da diferenciação, expressos na LDB de 1996 e

nos vários decretos e leis que a cercam, tanto no período que a antecede

como no que a sucede. Essa orientação se reflete na organização acadêmi-

ca, nas finalidades institucionais, nos cursos ofertados (como os seqüências

e os tecnológicos), conforme analisam Catani, Oliveira e Dourado (2004).

 Para os propósitos deste texto, importa, sobretudo, analisar se a

política da educação superior, na esteira da LDB de 1996, tem expressado

uma tendência de tecnologização do conhecimento científico capaz de

afetar a instituição universitária e o trabalho docente, o que nos remete a

 vários sinais que corroboram para uma resposta afirmativa. Contudo, é

preciso lembrar que essa tendência já se expressava antes, por exemplo, na

 Reforma Universitária de 1968, momento em que o governo militar “[...]

baseava sua linha de raciocínio também nas questões de segurança inter-

na e de desenvolvimento nacional", e em que a ciência e a tecnologia se

coadunavam com tal pensamento, visto ser este o caminho para chegar aodesenvolvimento (Trigueiro, 2003, p. 15). É possível argumentar, então,

que a atual LDB agudiza, aprofunda essa inclinação, agora se

compatibilizando com o pensamento neoliberal e a globalização excludente.

Como exemplo emblemático da materialização desse ideário nas po-

líticas públicas, pode-se também citar a já mencionada Lei de Inovação

Tecnológica (Lei nº 10.973/2004), que no artigo 1º estabelece “[...] medidas

de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente

 Universidade, sociedade do conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

produtivo, com vistas ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvol-

 vimento industrial do País" (Brasil, 2004b). Faculta às instituições de ciência

e tecnologia a celebração de contratos de transferência de tecnologia elicenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação,

com contrapartida de valores, podendo o servidor público envolvido receber

pagamento e afastar-se das atividades de docência.

 Essas alterações, combinadas com o financiamento insuficiente das

instituições públicas e com a precarização salarial dos docentes, certa-

mente estimulam a que se busque, por meio da pesquisa científica

mercadorizada, fonte de renda, seja para viabilizar a condição de trabalho,

o funcionamento da instituição, seja para estabelecer a sustentação pes-

soal e familiar do docente. A saída para os problemas é traçada no sentidodo pragmatismo, do mercado, do modelo de educação economicista e

instrumental, do docente empreendedor, aquele que põe essa engrenagem

a funcionar – o que certamente causa, no seu interior e ao seu redor,

ambigüidades, incertezas, desencontros.

Professor universitário: dilemas

e perspectivas no contexto da globalizaçãoA educação é prática social que se define a partir do e no conjunto

das relações sociais. Da mesma forma que o capitalismo apresenta, no

curso da história, formas distintas de organizar-se, construindo novas adap-

tações de acordo com as necessidades de sustentação e de potencialização

de suas forças, também a educação vai se modificando e alterando a sua

história. Entretanto, não se pode concebê-la a reboque das relações pro-

dutivas. Ela é prática social e, como tal, mobiliza interesses diferenciados

e complexos, podendo potencializar iniciativas que pretendem legitimar aordem estabelecida como também outras que lhes são divergentes ou mesmo

antagônicas.

Análises realizadas por Goodson (1999), sobre as atuais iniciativas

de reestruturação dos currículos, indicam que estamos vivendo uma crise 

de posicionamento . No meio dessa crise “[...] não há onde se firmar e,

permanecer no mesmo local é se arriscar a ficar em uma posição que pode

sofrer mudanças" (Ibidem, p. 114).

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O docente da educação superior, que deseja construir projetos pau-

tados em princípios democráticos, precisa estar atento à natureza e ao

ritmo das mudanças, mantendo uma atitude de suspeição em relação aosfundamentos de sua atuação profissional. Assim, pode identificar as con-

tradições, dilemas, desafios e possibilidades de seu trabalho. Nessa pers-

pectiva, é profícuo buscar respostas para indagações como: Quais são as

implicações das inovações, com sentido mercadológico, na educação su-

perior? Qual é a concepção de ciência explicitada no trabalho do docente?

Que sentido é atribuído à educação? Qual é a finalidade da docência

universitária no contexto da sociedade do conhecimento?

As reflexões que temos realizado sobre essas indagações chamam a

atenção para a necessidade de nós, educadores, aprofundarmos os estu-dos e ampliarmos o debate sobre questões como as pontuadas a seguir:

• As atuais políticas educacionais para a educação superior brasileira

induzem ao estabelecimento de relação direta entre o trabalho do-

cente e as inovações requeridas pela produção econômica. Nesse

sentido, as inovações proclamadas têm implicações negativas so-

bre a educação porque remetem à formação pragmática, centrada

na produtividade, na excelência, na competitividade, em detrimen-

to da formação omnilateral, crítica e ética que historicamente vem

sendo apontada como papel da universidade. O distanciamento

dessa função social não vitima somente a universidade, mas tam-

bém a própria sociedade que se vê desprovida dessa importante

instância reflexiva, cultural e civilizacional (Sobrinho, 2004).

• À medida que a produção de conhecimento fica atrelada ao avanço

da tecnologia e à demanda do mercado, as informações produzi-

das, ou mesmo o produto criado, tornam-se secretos, particulares e

transformam-se em objetos de disputa por poder. Desconsidera-seassim que a ciência faz parte do patrimônio cultural da humanida-

de e que sua finalidade é “[...] ampliar os horizontes de liberdade,

expandir a capacidade de percepção dos nossos sentidos e compre-

ender as relações existentes na natureza, bem como aquelas gera-

das pelos grupamentos humanos" (sic) (Godoi Filho, 2006, p. 1).

• A explosão de conhecimento e a velocidade com que são produzi-

dos e difundidos motivam rompimento com antigos referenciais de

 Universidade, sociedade do conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

tempo e de espaço, criando aproximações com o descartável, o

efêmero. Destarte, a educação fica comprometida, porque focaliza

apenas o presente, o imediato, a inovação, o lucro. Como explicaChauí (2001), educação exige relação com o tempo, com o passa-

do, com a cultura instituída, com a história. Há educação e, por-

tanto formação profissional quando há obra de pensamento, e

[...] há obra de pensamento quando o presente é apreendido como aquilo queexige de nós o trabalho da interrogação, da reflexão, da crítica, de tal maneiraque nos tornamos capazes de elevar ao plano do conceito o que foi experi-mentado como questão, pergunta, problema, dificuldade (Ibidem, p. 9).

• Os fenômenos e os objetos tecnológicos, quando remetidos àeducação superior, exigem que se defina que tipo de homem e

que tipo de mulher se quer formar, a que se destina a educação.

Supõe que se considerem suas conseqüências

[...] para a humanização ou a realização de todo o potencial humano emum mundo dominado, material e ideologicamente, pelo lucro fácil, pelasguerras, pela destruição da natureza e desumanização das condições de

 vida dos povos (Ciavatta, 2006, p. 911).

• Os princípios defendidos pela chamada sociedade do conheci-

mento  motivam a redução da docência universitária a um con-

 junto de ações neotecnicistas referenciadas na competitividade,

quantidade e nas inovações requeridas pelo mercado. Nessa

conceituação, a pesquisa é considerada uma estratégia para pro-

dução de inovações, desprezando-se o significado que remete à

postura epistemológica que favorece a interpretação dos aconte-

cimentos do mundo, a aprendizagem e a produção de conheci-

mento socialmente relevantes. O produtivismo acadêmico   (gru-

pos de pesquisas isolados e competitivos, publicação compulsivade artigos e de livros, participação intensiva em eventos científi-

cos; prestação de serviços a empresas com restrito fim mercantil,

etc.) parece, pois, carregar uma valoração que se sobrepõe às

experiências didáticas e ao conhecimento pedagógico.

 Movidas por questionamentos que essas reflexões suscitam, temos pro-

curado desenvolver ações que nos insiram nos debates sobre os problemas

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educacionais de Mato Grosso. O primeiro passo dado nessa direção foi a cria-

ção, em 2001, de um Grupo de Trabalho – GT Universidade – no Seminário de

 Educação, evento acadêmico realizado anualmente no Instituto de Educaçãoda Universidade Federal de Mato Grosso, sob a coordenação do Programa de

 Pós-Graduação em Educação. O Grupo foi estratégico para aglutinar pessoas

provenientes de diversas instituições e divulgar a produção de pesquisa na

área da educação superior, problematizando temáticas e realidades diversas.

 Foi o estímulo necessário para que um grupo de professores da

instituição se organizasse para desencadear outras atividades, destacan-

do-se inicialmente as relacionadas com o desenvolvimento de estudos e

pesquisas na área de política e docência universitária. Entre outras ações

empreeendidas, cita-se a realização de três cursos de especialização emdocência na educação superior (com a participação de docentes da insti-

tuição na condição de professores e de alunos do curso) e do Ciclo de

 Estudos e Debates, evento que congregou docentes para debater temáticas

 variadas (universidade, conhecimento, docência universitária, currículo,

avaliação, pesquisa e uso de novas tecnologias da comunicação na educa-

ção superior). Além disso, o grupo está desenvolvendo pesquisas sobre a

formação de professores universitários em estágio probatório, com o in-

tuito de subsidiar a elaboração de uma política institucional de professo-

res universitários.

Consideramos que os investimentos feitos nessa área são ainda

incipientes, mas representam algumas das possibilidades de fazer da

docência uma prática social comprometida com a emancipação humana e

da pesquisa uma tarefa de vida.

 À guisa de conclusões

 Ensaiando um desfecho para esta reflexão, é importante afirmar

que, em tempos de globalização, a adoção de projetos educativos

referenciados em princípios democráticos, coletivos, emancipadores é uto-

pia sujeita a muitas previsões e narrativas. Paradoxalmente, a utopia –

concebida aqui como expressão de intencionalidade e desejo de mudan-

ças - é fator preponderante na definição de projetos educativos consisten-

tes que auxiliem os processos de resistência à lógica competitiva e excludente

 Universidade, sociedade do conhecimento, educação:o trabalho docente em questão

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

instaurada como fato social inexorável. A definição de tais projetos requer

revisão da concepção de ciência e da ideologia que sustenta o trabalho

docente. Requer ainda disposição para ir ao encontro dos pares, reconhe-cendo-os não como concorrentes, mas, sim, como partícipes de projetos

educativos comuns.

 É no fulcro deste processo de recuperação de intencionalidades, de

princípios e de espaços que se pode desnaturalizar a realidade e lançar

dúvidas sobre o discurso que relaciona mecanicamente felicidade, pro-

gresso econômico, disposição para o trabalho, criatividade, competitividade,

conhecimento aplicável, renda. Pode haver algo errado nesta lógica, se

não for questionado o modelo que a acompanha que está subjacente a

cada um dos temas. Esvaziar o referido discurso e suas respectivas teorias pelo uso da dimensão crítica é desafio que se impõe a nós, docentes da

educação superior. Faz-se necessário definir outros posicionamentos e

outros pressupostos para que a universidade não se converta em fator de

produção, mas em um dos alicerces importantes na trajetória da constru-

ção humana. Certamente, isso envolve formação-educação, a nossa parte ,

a que pode estar sendo esvaecida, esmorecida. Nessa perspectiva, a reto-

mada de experiências coletivas para pensar o mundo que nos cerca pode

conter um potencial de transformação do trabalho docente na educação

superior e deste mundo.

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G) Reforma

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15Reforma da educação superior 

brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:

 políticas de expansão, diversificaçãoe privatização da educação

superior brasileira Vera Lúcia Jacob Chaves*

 Rosângela Novaes Lima**

 Luciene Miranda Medeiros***

* Doutora em Educação (UFMG); professora da UFPA; e-mail : [email protected].

** Doutora em Ciências Sociais (Unicamp); professora da UFPA; e-mail : [email protected].

*** Doutora em Ciências Sociais (Unicamp); professora da UFPA; e-mail : [email protected]

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Introduzindo a temática de estudo

A reforma da educação superior empreendida nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-

2006), para ser compreendida, exige a análise do contexto da reforma do

 Estado capitalista e seus desdobramentos que se configuram nas transfor-

mações implementadas nas políticas sociais. No entanto, a discussão so-

bre o caráter do Estado capitalista e a redefinição de seu papel está inserida

em um movimento maior de reformas estruturais adotadas como estraté-

gia para a superação das crises do capitalismo.

Seguindo essa lógica, o objetivo deste trabalho consiste em discutiro papel que o Estado brasileiro passou a assumir, em face das reformas

estruturais adotadas no País da década de 1990 aos dias atuais, e as con-

seqüências reais para a política educacional, especialmente na educação

superior.

Como ponto de partida, adotamos a premissa de que a crise

conjuntural que afeta a educação superior está interligada ao movimento

de reforma do Estado, implementada pelo governo brasileiro como parte

 Reforma da educação superior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:políticas de expansão, diversificação e privatização da educação superior brasileira

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

da estratégia mundial de enfrentamento da crise de acumulação do capi-

tal. A centralidade dessa reforma consiste na redefinição do papel do Esta-

do que reafirma, por um lado, o valor do Estado democrático como oâmbito natural da justiça e como instância estratégica de redistribuição de

recursos, ao mesmo tempo em que, ele é desmantelado em função do

reforço darwiniano do mercado, procurando, a qualquer custo, a manu-

tenção dos lucros. Essa crise, portanto, se manifesta de forma tencionada,

notadamente devido à supressão dos vários direitos de cidadania.

 Neste texto, explicitaremos alguns elementos centrais da reforma

do Estado brasileiro e da política da educação superior implementada nos

governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz

Inácio Lula da Silva (2003-2006) e o processo de expansão, diversificaçãoe privatização desse nível de ensino, para cumprir as seguintes tarefas: a)

refletir sobre a reforma do Estado e seus efeitos na implementação das

políticas de ajuste neoliberais, em especial no campo das políticas sociais;

b) analisar as conseqüências dessa reforma nas políticas implementadas

na educação superior brasileira nos governos de Fernando Henrique Car-

doso e Luiz Inácio Lula da Silva, com ênfase para o período após a apro-

 vação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/

1996).

 A Reforma do Estado e as políticasde ajuste estrutural 

As reformas do Estado, implementadas na América Latina nos anos

1990, tiveram como fundamento a doutrina neoliberal. De acordo com

essa concepção, a responsabilidade pela crise econômica dos países capi-

talistas é do próprio Estado que, ao longo dos anos, produziu um setorpúblico ineficiente e marcado pelo privilégio, diferente do setor privado,

que desenvolve as atividades com eficiência e qualidade. Esse argumento

 vem sendo utilizado para justificar a necessidade de reduzir o tamanho do

 Estado, em especial na oferta dos serviços sociais à população. Para os

defensores do neoliberalismo, as conquistas sociais, como o direito à edu-

cação, à saúde, aos transportes públicos, entre outros, devem ser regidos

pelas leis do mercado, ou seja, o Estado deve liberar os serviços sociais

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para exploração do mercado capitalista, direcionando suas ações com vis-

tas à reprodução do capital.

As políticas de ajuste estrutural desenvolvidas, na América Latina,centraram-se na desregulamentação dos mercados, na abertura comercial

e financeira, na privatização do setor público e na redução do Estado. A

implantação dessas políticas tem provocado uma exclusão social e econô-

mica muito grave e o Estado age apenas nos casos de “alívio" da pobreza

absoluta e de produção de serviços que a iniciativa privada não quer exe-

cutar, principalmente por meio de programas assistencialistas. São abolidas

as idéias de “direitos sociais e a obrigação da sociedade por meio da ação

do Estado garanti-los, bem como a universalidade, igualdade e gratuidade

dos serviços sociais" (Soares, 2001, p. 44).O argumento é o de que, para solucionar a crise do Estado, é ne-

cessário reduzir o déficit causado por excessivos gastos públicos com pes-

soal e políticas sociais. Como conseqüência, a privatização vem sendo

utilizada com a finalidade de reduzir a presença do Estado, tanto na área

produtiva quanto na área social.

 No Brasil, a doutrina neoliberal passa a direcionar a política brasileira

a partir do governo de Fernando Collor de Mello. No entanto, nos governos

de Fernando Henrique Cardoso essa política foi acentuada por meio de uma

série de reformas no Estado, tendo a privatização como um dos eixos cen-trais. Os pressupostos básicos da reforma do Estado no Brasil estão especi-

ficados no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado , publicado em

novembro de 1995, que “define objetivos e estabelece diretrizes para a re-

forma da administração pública brasileira" (Pereira e Spink, 1998, p. 186).

 Essa reforma tem por finalidade intensificar a abertura do mercado

para investimentos estrangeiros, provocando a falência de vários setores da

economia nacional. Como resultado, aumentou o desemprego e a demanda

por serviços públicos de assistência social, previdência, saúde e educação,

entre outros. A defesa da universalização dos direitos sociais foi substituída

pela da focalização e o princípio da igualdade pelo da eqüidade.

As propostas de focalização no ataque à pobreza e de economicidade eeficiência, consagradas no chamado ‘Consenso de Washington', e, emparticular, nos programas do Banco Mundial, a nosso modo de ver nãopassam de tentativas de ‘racionalizar' a situação de agravamento geral dapobreza e do desamparo social a que foram conduzidos quase todos ospaíses periféricos na última década, independentemente de sua matrizhistórica de desenvolvimento econômico e político (Soares, 2001, p. 22).

 Reforma da educação superior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:políticas de expansão, diversificação e privatização da educação superior brasileira

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Políticas sociais têm sido direcionadas à população de baixa renda,

aliviando a miséria dos excluídos, mantendo, entretanto, a desigualdade

social e a pobreza. Na área educacional, a política de focalização, mani-festa-se por meio da priorização dos recursos da União para o atendimen-

to ao ensino fundamental; pela criação de bolsas para os estudantes do

ensino superior privado, a exemplo do Programa Universidade para Todos

(ProUni); e pela redução dos investimentos públicos às instituições de

ensino superior (IES), públicas induzindo-as à captação de recursos no

mercado capitalista. Como conseqüência, a educação superior deixa de ser

direito social transformando-se em mercadoria.

As reformas implementadas na educação superior, nas décadas de

1990 e início dos anos 2000, seguiram as diretrizes dos organismos inter-nacionais, cuja tese é a de que o sistema de ensino superior, deve se tornar

mais diversificado e flexível, objetivando uma expansão com contenção

nos gastos públicos.1

 Essa flexibilização na oferta do ensino superior fortaleceu-se com a

construção de um consenso sobre a ineficiência e ineficácia dos serviços

públicos em geral. No caso específico da universidade pública, ganhou

força o argumento da necessidade de diversificação das fontes de financi-

amento, via setor privado, e o fortalecimento da expansão do ensino su-

perior privado, por meio da liberalização dos serviços educacionais e da

isenção fiscal, como será evidenciado a seguir.

Reforma da educação superior brasileira –de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva

A política educacional executada pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva revela o caráter ideologi-

camente privado assumido na reforma da educação superior brasileira.

1 Esses dois elementos estão estabelecidos no documento La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiência,publicado em 1995, pelo Banco Mundial, no qual são apresentadas as diretrizes para a reforma da educação superior, naAmérica Latina, Ásia e Caribe. Essas diretrizes foram seguidas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e de LuizInácio Lula da Silva, na implementação da política educacional brasileira, em especial nas reformas da educação superior.

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 Essa reforma foi implementada por meio da edição de uma série de instru-

mentos normativos, tendo como marco de referência a LDB, aprovada em

20 de dezembro de 1996, na qual o Estado assumiu papel destacado nocontrole e na gestão das políticas educacionais.2

 Entre as diversas alterações adotadas na educação superior brasi-

leira a partir da LDB, merece destaque, nesse estudo, a flexibilização/frag-

mentação por meio da diversificação institucional e a expansão pela via

do setor privado, acentuando a privatização desse nível de ensino.

A LDB define no art. 20 três tipos de instituições privadas de ensino:

as particulares, em sentido estrito (empresariais); as comunitárias; as

confessionais e filantrópicas. Observa-se, no entanto, uma imprecisão na

definição das instituições confessionais e comunitárias como IES de direitoprivado. São consideradas comunitárias as IES que tiverem a presença de

representantes da comunidade na sua entidade mantenedora. Às confessionais

é exigida, além da presença de representantes da comunidade, que tenham

orientação confessional e ideologia específicas. Essa imprecisão contribuiu

para que a maioria das IES, consideradas sem fins lucrativos, se

autodenominem, simultaneamente, de comunitárias, confessionais e filan-

trópicas, favorecendo as grandes empresas de ensino superior que, por se-

rem julgadas filantrópicas, continuem a receber subsídios públicos.

A subdivisão do setor privado em duas vertentes diferenciadas: deum lado os tidos como não-lucrativos e, de outro, os que se apresentam

como empresas lucrativas; oferece nova configuração à disputa clássica

entre os defensores da escola pública e os defensores da escola privada. Ao

distinguir-se das instituições lucrativas, as confessionais ou filantrópicas

 visam aproximar-se do setor público reivindicando o acesso a verbas pú-

blicas. Utilizando a justificativa do caráter não-lucrativo essas instituições

se autodenominam de públicas não-estatais. A aprovação da LDB, no en-

tanto, favoreceu não apenas as instituições ditas não-lucrativas, mas tam-

bém o setor empresarial que almeja somente o lucro.

2  Entre as outras medidas legais baixadas para a educação superior aprovadas nos dois governos de Fernando HenriqueCardoso destacam-se: a Lei nº 9.192, de 21 de dezembro de 1995 (que estabeleceu normas para a escolha de dirigentes dasuniversidades federais); a Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995 (que criou o Conselho Nacional de Educação (CNE), aomesmo tempo em que instituiu o exame nacional de cursos para os alunos que concluem a graduação); o Decreto nº 2.207, de15 de abril de 1997, logo alterado pelo Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997 (que alterou artigos da LDB, em especial osque se referem à diversificação das instituições de ensino superior); o Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001 (que revogou osdois decretos anteriores, alterando as regras de organização do ensino superior e da avaliação de cursos e instituições).

 Reforma da educação superior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:políticas de expansão, diversificação e privatização da educação superior brasileira

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

 Nesses dez anos de vigência, a LDB vem sofrendo alterações, exigidas

pela matriz neoliberal, que se expressam no ajuste e na reestruturação

educacional impostos aos países da América Latina pelos organismos in-ternacionais como o Banco Mundial (BM). Na educação superior, as alte-

rações foram feitas por meio da edição de decretos, leis, portarias e outros

instrumentos normativos. Para efeito deste estudo, destacamos as altera-

ções instituídas no Decreto nº 2.207, de 5/4/1997, alterado pelo Decreto

nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, que regulamentou o Sistema Federal

de Educação – por meio do qual o governo normatizou as atribuições das

instituições superiores privadas de ensino, admitindo de forma definitiva

as instituições com fins lucrativos e estabelecendo a diversificação das

instituições de ensino superior em cinco tipos: I – universidades; II – cen-tros universitários; III – faculdades integradas; IV – faculdades; e V –

institutos superiores ou escolas superiores.

 Embora esse decreto tenha sido fundamental para a estrondosa

expansão do empresariamento do ensino superior no Brasil, a consolida-

ção desse processo se deu por meio da instituição, novamente autoritária,

do Decreto nº 3.860, do dia 9 de julho de 2001, que alterou as regras de

organização do ensino superior e da avaliação de cursos e instituições, e

definiu nova mudança na diversificação das instituições de ensino superi-

or. Em lugar dos cinco tipos de instituições de ensino superior, o novo

decreto estabelece apenas três: I – universidades; II – centros universitári-

os; III – faculdades integradas; faculdades; institutos superiores e/ou es-

colas superiores. Observa-se, no entanto, que, de fato, não foi alterada a

natureza das IES existentes, sendo apenas reagrupadas diferentemente.

 Dando continuidade à reforma privatista da educação superior, o go-

 verno de Luiz Inácio Lula da Silva aprovou os seguintes instrumentos legais:

 Decreto nº 4.914, de 11/12/2003 (dispõe sobre os centros universitários, alte-

rando o art. 11 do Decreto nº 860, de 9 de julho de 2001); Lei nº 10.861, de14/4/2004 (que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Supe-

rior – Sinaes); Lei nº 10.973, de 2/12/2004 (que dispõe sobre incentivos à

inovação tecnológica); Lei nº 11.079, de 30/12/2004 (que institui a Parceria

 Público Privada - PPP); o Decreto Presidencial nº 5.225, de 1º/10/2004 (que

elevou os centros federais de educação tecnológica – Cefets – à categoria de

instituições de ensino superior); o Decreto Presidencial nº 5.245, de 18/10/

2004 transformado na Lei nº 11.096/05 (que criou o Programa Universidade

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para Todos – ProUni); o Decreto Presidencial nº 5.205, de 20/12/2004 (que

regulamenta as fundações de apoio privadas no interior das Ifes); o Decreto

 Presidencial nº 5.622, de 19/12/2005 (que regulamenta a educação a distân-cia no Brasil e consolida a abertura do mercado educacional brasileiro ao

capital estrangeiro); e mais recentemente o Decreto nº 5.773, de 9/5/2006

(que estabelece normas para as funções de regulação, supervisão e avaliação

das instituições de ensino superior) e o Projeto de Lei nº 7.200/06, encami-

nhado pelo governo federal ao Congresso Nacional, em junho de 2006, que

estabelece nova regulamentação para a educação superior brasileira.

 Esse conjunto de medidas normativas, mantém, fortalece e dá con-

tinuidade à política de expansão do ensino superior sob a lógica da diver-

sificação e da privatização. É importante ressaltar que a diversificação dasinstituições de ensino superior segue as orientações do Banco Mundial

para a educação superior na América Latina, sistematizadas no documen-

to: La enseñanza superior : las lecciones derivadas de la experiência (1995),

que recomenda:

A introdução de uma maior diferenciação no ensino superior, ou seja, acriação de instituições não-universitárias e o aumento de instituições pri-

 vadas podem contribuir para satisfazer a demanda cada vez maior de edu-cação superior e fazer com que os sistemas de ensino melhor se adeqüem

às necessidades do mercado de trabalho (Banco Mundial, 1995, p. 31).

 Essa política de diversificação institucional e da liberalização para a

criação de instituições isoladas, se expressa por meio dos dados do Censo

da Educação Superior que mostram que, no Brasil, havia, em 2005, 2.165

instituições de educação superior; dessas, 176 eram universidades, 114

centros universitários, 117 faculdades integradas, 1.574 faculdades/esco-

las/institutos e 184 centros federais de educação tecnológica e faculdades

de tecnologia (Brasil, 2005).

 No período pós-LDB, de 1996 a 2005, ocorreu um crescimento de27,5% no número de universidades e de 144,8% no número de faculda-

des, escolas e institutos. Observa-se uma tendência à substituição do modelo

de faculdades integradas, que apresentaram um decréscimo de 18,2% no

período analisado, pelos centros universitários e os centros de educação

tecnológica e faculdades tecnológicas que apresentaram maior crescimen-

to no período pós-LDB. No ano seguinte à aprovação da LDB, iniciou-se a

criação de centros universitários, passando de 13 centros em 1997, para

 Reforma da educação superior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:políticas de expansão, diversificação e privatização da educação superior brasileira

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

114 IES desse tipo em 2005, um crescimento de 777%. Os centros de

educação tecnológica e faculdades de tecnologia foram criados a partir de

1999, após a aprovação do Decreto n. 2.208 de 1997, que transformou asescolas técnicas federais em centros federais de educação tecnológica.

 Esse tipo de IES foi a que apresentou o maior crescimento após a aprova-

ção da LDB passando de 16 em 1999, para 184 em 2005, aumentando

1.050% em apenas seis anos. A Tabela 1 evidencia a evolução da diversi-

ficação institucional.

Tabela 1 – Evolução das IES no Brasil, por organização acadêmica –1996-2005

 Ano Universidades  Centros

universitários

Faculdades

integradas

Faculdades,

escolas e

institutos

Centros de

educação

tecnológica e

 faculdades de

tecnologia

1996 138 0 143 643 0

1997 150 13 78 659 0

1998 153 18 75 727 0

1999 155 39 74 813 16

2000 156 50 90 865 19

2001 156 66 99 1.036 34

2002 162 77 105 1.240 53

2003 163 81 119 1.403 932004 169 107 119 1.474 144

2005 176 114 117 1.574 184

1996/2005

%  27,5 - -18,2 144,8 -

Fonte: MEC/Inep/Deaes, 2006.

Ao analisarmos a diversificação institucional nas IES públicas e pri-

 vadas, os dados do Censo da Educação Superior demonstram que o setor

privado expandiu de forma mais acentuada que o setor público, evidenci-ando o aprofundamento da política privatista adotada pelos governos bra-

sileiros no período pós-LDB. Das 922 IES existentes no Brasil, em 1996,

211 eram públicas (22,9%) e 711 eram privadas (77,1%). No ano de 2005,

eram 2.165 IES no País, sendo 231 (10,7%) públicas e 1.934 (89,3%) pri-

 vadas. O crescimento das IES no período foi de 134,8%, sendo que as

públicas cresceram 9,5% e as privadas 172%. O Gráfico 1 mostra a evolu-

ção das IES públicas e privadas pós-LDB.

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Chama a atenção o fato de que, tanto no setor público como no

privado, a diversificação institucional é uma característica desse nível de

ensino. Analisando os dados do Censo da Educação Superior no período

pós-LDB, fica evidente que a forma de organização institucional predomi-

nante no setor privado é de faculdades, escolas e institutos, com 515 IES

desse tipo, no ano de 1996, passando para 1.493, em 2005, apresentando

um crescimento de 190%. As universidades têm sido a forma de organiza-

ção mais predominante no setor público que no privado. Das 231 IES

públicas em 2005, 90 eram universidades (39%) enquanto no setor priva-

do, das 1.934 IES, apenas 86 eram universidades (4,4%). Observa-se, ain-

da, que as IES organizadas em faculdades, escolas e institutos vêm decres-

cendo a cada ano no setor público, apresentando, no período de 1996 a

2005, um crescimento negativo de 36,7%. Outro tipo de IES que vem

decrescendo são as faculdades integradas, que, no período analisado, fo-

ram reduzidas em 63,6% no setor público e 14,4% no setor privado. Poroutro lado, o tipo de IES que mais cresceu no período em estudo foram os

centros de educação tecnológica e faculdades tecnológicas que, apesar de

serem o tipo de organização institucional mais recente no País, apresenta-

ram no setor público um crescimento de 231,3%, no período de 1999 a

2005, e no setor privado cresceram 1.625%, de 2001 a 2005, passando de

8 IES para 131. A Tabela 2 mostra a evolução das IES públicas e privadas,

por organização acadêmica no período pós-LDB.

Gráfico 1 – Evolução das IES públicas e privadas, Brasil – 1996-2005 Fonte: MEC/Inep/Deaes

77,1%

22,9%   10,7%

0

500

1000

1500

2000

privadaspúblicas

89,3%

 Reforma da educação superior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:políticas de expansão, diversificação e privatização da educação superior brasileira

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

Os dados do Censo evidenciam que a política implementada no

 País para a educação superior favoreceu também a expansão desse nível

de ensino, com ênfase para o setor privado. Ao analisarmos o Plano Naci-

onal de Educação, elaborado em 1998 e aprovado pela Lei nº 10.172, de 9

de janeiro de 2001, fica evidente que o governo reconhecia a necessidadede expansão do ensino superior no Brasil, mas defendia que essa devia ser

feita com a “racionalização dos gastos e diversificação do sistema" além, é

claro, da contribuição valiosa das instituições privadas. A meta a ser atin-

gida, em dez anos, era a do atendimento de 30% da população, na faixa

etária de 18 a 24 anos, sendo estabelecido que o setor público teria uma

expansão de vagas que se mantivesse em uma proporção nunca inferior a

40% do total.3  Essa meta, no entanto, está longe de ser atingida, uma vez

que em 2004, os dados da Pnad (2004) apontam que apenas 10,5% da

população brasileira de 18 a 24 anos, teve acesso a esse nível de ensino. Para agravar essa situação, o PNE prevê, ainda, que a expansão

dependerá de uma racionalização, no uso dos recursos, que diminua o

Tabela 2 – Evolução das IES públicas e privadas, por organizaçãoacadêmica, Brasil – 1996-2005

Universidades  Centros

universitários

Faculdades

integradas

Faculdades,

escolas e

institutos

Centros deeducação

tecnológica e

 faculdades de

tecnologia

 Ano

Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada

1996 72 64 0 0 11 132 128 515 0 0

1997 77 73 0 13 1 77 133 526 0 0

1998 77 76 0 18 0 75 132 595 0 0

1999 72 83 0 39 2 72 102 711 16 0

2000 71 85 1 49 2 88 83 782 19 0

2001 71 85 2 64 2 97 82 954 26 8

2002 78 84 3 74 3 102 80 1.160 31 22

2003 79 84 3 78 4 115 82 1.321 39 54

2004 83 86 3 104 3 116 86 1.388 49 95

2005 90 86 3 111 4 113 81 1.493 53 131

1996/2005%

  25 34,4 - - -63,6 -14,4 -36,7 189,9 - -

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

3 Essa meta de ampliação do ensino superior público, prevista no Plano Nacional de Educação, foi vetada por Fernando Henrique Cardoso, mantido o veto por Luiz Inácio Lula da Silva, o que confirma a hipótese de que a expansão desse nívelde ensino se dará principalmente pelo setor privado.

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gasto por aluno, nos estabelecimentos públicos; da criação de estabelecimen-

tos voltados mais para o ensino que para a pesquisa; da ampliação do ensino

pós-médio; e do estabelecimento de parcerias entre União, Estados e institui-ções comunitárias, para ampliar, substancialmente, as vagas existentes.

 Pode-se afirmar que a política de expansão das IES privadas refle-

tem, de um lado, a omissão dos governos em relação à expansão das

instituições públicas, criando uma reserva de mercado para o setor priva-

do. Por outro lado, é recorrente a liberalização e desregulamentação desse

setor que tem encontrado facilidades para expandir, por meio da adoção

pelo Estado brasileiro de uma série de mecanismos, tais como: a liberalização

dos serviços educacionais, isenções tributárias, isenção da contribuição

previdenciária das filantrópicas, isenção do salário educação, bolsas deestudo para alunos carentes via programa do Crédito Educativo hoje trans-

formado no Financiamento Estudantil (Fies), empréstimos financeiros a

 juros baixos por instituições bancárias oficiais como o Banco Nacional de

 Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Programa Universidade

para Todos (ProUni),4  entre outras formas de estímulo.

Sobre a expansão do setor privado, os dados do Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) são reveladores

da política desenvolvida pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e

 Luiz Inácio Lula da Silva. Ao analisarmos os dados oficiais sobre o ensino

superior brasileiro, observa-se que a predominância do setor privado, tan-

to em relação ao número de instituições, como de alunos atendidos e

cursos de graduação, é uma característica do quadro desse nível de ensino.

 De acordo com o Censo da Educação Superior (MEC/INEP), no ano

de 2005, foram registradas 4.453.156 matrículas em cursos de graduação

presenciais, sendo 1.192.189 em IES públicas e 3.260.967 em IES privadas,

o que corresponde respectivamente, a 26,8% e 73,2% do total de matrícu-

las. Analisando o período de 1996 a 2005, verifica-se um crescimento de

4 Entre as políticas privatistas do governo Lula destaca-se o Programa Universidade para Todos (ProUni) implementado peloentão ministro da Educação, Tarso Genro, que nada mais é do que a extensão dos benefícios fiscais que as IES filantrópicas

 já possuem para todas as instituições de ensino superior privadas, em “troca" de preenchimento das “vagas ociosas" poralunos “carentes", afrodescendentes, portadores de necessidades especiais, indígenas, ex-presidiários. Na prática, repete-sea mesma política dos governos anteriores de transferência de verbas públicas para as privadas, a diferença é o discursodemagógico e populista de “inclusão dos excluídos" no ensino superior. É uma política discriminatória, pois aos ditos“excluídos" o governo oferece uma educação de qualidade duvidosa, segundo dados do próprio Ministério de Educação.

 Reforma da educação superior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:políticas de expansão, diversificação e privatização da educação superior brasileira

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 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB

138,3% alunos matriculados no ensino superior brasileiro, observa-se, no

entanto, que no setor privado esse crescimento foi de 187,8%, mais do

triplo que o apresentado pelo setor público, que cresceu 62,1%.Segundo ainda dados divulgados pelo referido Censo, foram

registrados em 2005, 20.407 cursos de graduação presenciais ofertados

pelas IES no Brasil, sendo 6.191 cursos ofertados por IES públicas e 14.216

por IES privadas, correspondendo a 30,3% e 69,7 %, respectivamente.

Observando o período de 1996 a 2005, o percentual de crescimento de

cursos de graduação presenciais foi de 207,1% em todo o País, sendo que

nas IES públicas, cresceram 107,9% enquanto nas privadas 287,8%. A

Tabela 3 mostra a expansão das matrículas e cursos no período pós-LDB.

Tabela 3 – Evolução das matrículas e cursos de graduaçãopresenciais, por setor, Brasil – 1996-2005

Outro dado significativo para a análise da política de privatizaçãoimplementada pelos governos neoliberais brasileiros é o fato de que o

acelerado crescimento do ensino superior evidenciado acima, não tem sido

suficiente para atender à demanda populacional uma vez que a taxa de

escolarização nesse nível de ensino é muito baixa. De acordo com os da-

dos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004 (Pnad/IBGE),

a taxa de escolarização era 18,6%, em 2004, enquanto a taxa líquida, era

de, apenas, 10,5%. Isso quer dizer que, dos 24.072.318 jovens brasileiros

Cursos

MatrículasAno

Total Pública Privada Total Pública Privada

1996   6.644 2.978 3.666 1.868.529 735.427 1.133.102

1997   6.132 2.698 3.434 1.945.615 759.182 1.186.433

1998   6.950 2.970 3.980 2.125.958 804.729 1.321.229

1999   8.878 3.494 5.384 2.369.945 832.022 1.537.923

2000   10.585 4.021 6.564 2.694.245 887.026 1.807.2192001   12.155 4.401 7.754 3.030.754 939.225 2.091.529

2002   14.399 5.252 9.147 3.479.913 1.051.655 2.428.258

2003   16.453 5.662 10.791 3.887.771 1.137.119 2.750.652

2004   18.644 6.262 12.382 4.163.733 1.178.328 2.985.405

2005   20.407 6.191 14.216 4.453156 1.192.189 3.260.967

1996-

2005? % 207,1 107,9 287,8 138,3 62,1 187,8Fonte: MEC/Inep, 1996-2005.

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que estão na faixa etária de 18 a 24 anos, apenas 10,5% estão matricula-

dos no ensino superior. Comparando com dados de outros países, fica

evidente que o Brasil apresenta uma das piores taxas de escolarizaçãobruta, perdendo apenas para o Paraguai e África do Sul, Coréia, 72%;

 EUA, 72%; Portugal, 47%; Argentina, 48%; Chile, 38%; Uruguai, 34%,

 Bolívia, 33%; Colômbia, 22%; Cuba, 21%; México, 20%; África do Sul,

15%; Paraguai, 14% (Unesco, 2003). Com isso, percebe-se a dimensão do

problema a ser enfrentado em um mundo globalizado onde a ciência, a

tecnologia e a cultura são fundamentais para o desenvolvimento societário.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004 (Pnad/

IBGE) mostra que a desigualdade na distribuição de renda no Brasil é cada

 vez mais acentuada. Dos 181.270.380 moradores em domicílios particula-res permanentes, 17.670.978 (9,7%) pertencem à classe de rendimento

mensal domiciliar de até 1 salário mínimo; 35.934.490 (19,8%) pertencem

à classe de renda mensal de 1 a 2 salários mínimos e 29.255.748 (16,1%)

são moradores em domicílios cuja renda mensal é de 2 a 3 salários míni-

mos. Portanto, nessas faixas mais baixas de rendimento, encontra-se um

total de 45,7% dos habitantes do País. Os moradores em domicílios parti-

culares, cuja renda mensal é acima de 20 salários mínimos, são 6.669.825

o que representa 3,7% da população residente no Brasil.

 Em estudo realizado para o Inep, Amaral (2006) demonstra, por

meio da análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicíli-

os de 2004, que a expansão do setor privado chegou ao limite devido ao

baixo rendimento médio mensal das famílias residentes em domicílios par-

ticulares no País. Essa desigualdade evidencia que a política de expansão

do ensino superior pela via do setor privado, encontra limites que se dão

pela própria incapacidade financeira das famílias de manterem seus filhos

nesse tipo de estabelecimento de ensino.

Considerações finais

A reforma do Estado brasileiro implementada nos governos de

 Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da adoção

de uma série de ajustes estruturais na economia, trouxe conseqüências dire-

tas para a política educacional brasileira, com ênfase na educação superior.

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O movimento de privatização desse nível de ensino tem sido inten-

so e se evidencia tanto pela expansão do setor privado como pela

privatização das IES públicas. Esse movimento vem transformando a uni- versidade públ ica em um mode lo educacional que pr iv il eg ia a

mercantilização do ensino como a principal forma de superação da crise

institucional que ela vivencia. Assim, a privatização interna das institui-

ções públicas ocorre por meio da utilização de diferentes mecanismos,

entre os quais destacamos: criação de fundações de direito privado; co-

branças de taxas de mensalidades de cursos de pós-graduação lato sensu ;

convênios e contratos de prestação de serviço com empresas privadas para

o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão, com a

finalidade de captar recursos no mercado.Os dados evidenciam que a política para a educação superior, pro-

movida pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio

 Lula da Silva, incentivou a ampliação da oferta desse nível de ensino com

a redução dos custos e o privilegiamento da mercantilização do mesmo,

seja por meio do crescimento de IES privadas com fins exclusivamente

lucrativos ou da abertura das IES públicas para o mercado.

 Para implementar essa política, os governos neoliberais brasileiros

defenderam o afastamento do Estado da manutenção plena da educação

superior pública (o que ficou explícito nos vetos do Plano Nacional de

 Educação por Fernando Henrique Cardoso e sua manutenção pelo gover-

no de Luiz Inácio Lula da Silva)5  incentivando a livre competição

mercadológica entre as instituições de ensino superior. Com isso, as polí-

ticas para a educação superior foram reduzidas a uma política de gastos,

ao mercado e ao econômico, “aproximando-se as universidades públicas

ao modelo de empresas prestadoras de serviços que conduzem a novas

formas de organização e gestão, acirrando o movimento de concorrência

entre essas instituições" (Chaves, 2005).A redução dos investimentos públicos e a defesa da diversificação

das fontes de financiamento foram centrais na reforma da educação su-

perior adotada no País. Essa reforma cumpre as orientações do Banco

5 Dos sete vetos feitos pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao Plano Nacional de Educação e mantidos por Lula, amaioria refere-se ao financiamento da educação superior pública.

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 Mundial que apresenta como uma de suas teses a de que a crise da educa-

ção brasileira deriva do modelo de universidade de pesquisa (modelo

humboldtiano), que seria excessivamente unificado e caro. Nesse sentido,a defesa da indissociabilidade entre ensino-pesquisa e extensão é inviável

teórica e financeiramente, como se evidencia no relatório:

[...] maior autonomia institucional é a chave para o êxito da reforma doensino público superior, especialmente a fim de diversificar e utilizar osrecursos mais eficientemente (...) A experiência demonstra que se quer emque as instituições estatais melhorem sua qualidade e eficiência, os gover-nos deverão efetuar reformas importantes no financiamento a fim de mo-bilizar mais recursos privados  para o ensino superior em instituições esta-tais (...) de várias maneiras: mediante a participação dos estudantes   nosgastos; arrecadação de recursos de ex-alunos ; utilização de fontes exter-

nas ; realização de outras atividades que gerem receitas   (Banco Mundial,1995, p. 44 e 69) (grifos nossos).

 Essa tese fundamenta-se no argumento de que o conhecimento

propiciado pelo ensino superior deve ser visto como um investimento pro-

dutivo (pois garante ganhos), um bem privado ou uma mercadoria de

interesse individual negociado no mercado de trocas. Isso fortalece a idéia

de que o Estado deve se afastar da manutenção desse nível de ensino uma

 vez que a educação superior passa a ser considerada como um serviço

público não exclusivo do Estado e competitivo.Assim, a reforma em curso na educação superior brasileira vem

paulatinamente transformando as Instituições de Ensino Superior públi-

cas em organizações sociais, cujos contratos de gestão estabelecidos com

o governo, por meio do Plano de Desenvolvimento Institucional, traduzem

a proposta do Plano Diretor da Reforma do Estado preconizada por Bresser

 Pereira. Trata-se, de fato, da implantação de um Estado, economicista e

empresarial-gerencialista, onde a satisfação das demandas do mercado e

de sua lógica da competição ocupam lugar de destaque.

Após dez anos da promulgação da LDB, os dados evidenciadosneste estudo revelam que a política expansionista adotada, pelos governos

de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da

diversificação institucional e pelo aprofundamento da privatização do en-

sino superior, sem acréscimo de recursos públicos, apesar de ter promovi-

do a expansão do acesso, não corresponde à grande demanda populacional

existente, em especial, na faixa etária de 18 a 24 anos. O Censo da Educa-

ção Superior demonstra que apenas 10,5% desses jovens tiveram acesso à

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educação superior sendo que, a maioria expressiva dos alunos matricula-

dos no ensino superior brasileiro, 73,2%, está no setor privado e em insti-

tuições isoladas de ensino que não desenvolvem pesquisa e extensão. É possível afirmar que a meta estabelecida no Plano Nacional de

 Educação de atender 30% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos no

ensino superior até 2011 está longe de ser cumprida pelo governo, se

mantidas essas políticas. Somente com acréscimo significativo de recursos

públicos esse quadro poderá ser alterado em médio prazo.

 Ressalta-se que a Reforma da Educação Superior proposta pelo

governo Luiz Inácio Lula da Silva e encaminhada ao Congresso Nacional

por meio do Projeto de Lei 7.200/2006,6 não contribuirá para a mudança

desse quadro, uma vez que limita os recursos para as Ifes em 75% dos18% dos recursos de impostos vinculados da União por um período de 10

anos, além de manter a Desvinculação de Recursos da União (DRU) no

cálculo orçamentário. Por esse mecanismo, subtrai-se 20% das receitas

tributárias (sobre as quais as receitas vinculadas são definidas). Assim, em

2005, R$ 31 bilhões foram subtraídos da base de cálculo, o que significou

retirar R$ 5,6 bilhões do orçamento da educação.

Ao mesmo tempo em que pretende reduzir, ainda mais, os recursos

para desenvolvimento e manutenção das instituições federais de ensino

superior, o governo as estimula a captarem recursos no mercado capitalis-

ta com vistas a minimizarem a crise institucional que vivenciam (Santos,

1996). A intenção é atrelar a educação à lógica do capital, na medida em

que a universidade pública, ao buscar recursos no setor privado, ficará

atrelada aos interesses empresariais, à inovação tecnológica e ao comércio

exterior, entre outros.

 Desse modo, a educação de direito público e dever do Estado será

transformada em uma atraente mercadoria a ser negociada no mercado

capitalista de serviços, nacional e internacional. Ora, sem a garantia definanciamento público para o sustento integral, as IES públicas seguirão

a lógica da gestão empresarial, perdendo a frágil autonomia que ainda

6 O PL nº 7.200/2006, tramita no Congresso Nacional em regime de prioridade, recebeu 368 emendas parlamentares e, foiapensado ao PL 4.212/04, do deputado Átila Lira que, por antigüidade, tornou-se o projeto principal e será analisado emconjunto com dois outros projetos.

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possuem, na medida em que a agenda da universidade será definida a

partir dos interesses privados.

 É importante salientar, ainda, que esse projeto do governo federalmantém a excessiva fragmentação da educação superior brasileira. Pela

proposta, as IES poderão ser organizadas em universidades, universidades

tecnológicas, faculdades, centros universitários e centros tecnológicos.

 Embora essa subdivisão da educação superior seja um pouco menor do

que a atual, as emendas ao PL resgatam e até aumentam ainda mais a

fragmentação desse nível de ensino.

 Em síntese, podemos afirmar que a reforma em curso para a educa-

ção superior brasileira, dificultará ainda mais o acesso da maioria da po-

pulação ao ensino superior público e de qualidade que é um direito detodos e deve ser garantido pelo Estado brasileiro. A formação de profissi-

onais de alta qualidade é uma necessidade urgente para o desenvolvimen-

to da sociedade brasileira com redução da exclusão social.

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