Educação e desenvolvimento: educação básica e diferenças ... · No Brasil do século XIX, a...

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Educação e desenvolvimento: educação básica e diferenças regionais entre as províncias brasileiras do Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco (1850 1870) Vinícius De Bragança Müller e Oliveira 1 Resumo A questão educacional e, especificamente, a instrução primária, é vista como fator fundamental para o desenvolvimento econômico de países e regiões. A teoria da História Econômica Institucional aponta que quanto maior o número de indivíduos de uma sociedade com acesso à educação básica ou quanto mais inclusiva for a trajetória de incorporação dos indivíduos à educação básica maior a chance de obtenção de desenvolvimento econômico de longo prazo. No Brasil do século XIX, a responsabilidade sobre a instrução primária estava sob as províncias e não sob o governo central, o que para muitos autores foi motivo de fracasso, já que as províncias poucos recursos tinham para garantir investimentos em setor tão relevante. Porém, este artigo tenta mostrar que, não obstante a pouca autonomia das províncias, era dado a elas a oportunidades de garantir os investimentos sobre suas responsabilidades e, por isso, as diferenças entre elas (Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco) no que tange aos investimentos em educação básica podem ser comparadas. A conclusão é que havia uma grande diferença no tratamento dado pelas províncias analisadas no que respeita os investimentos em instrução primária e que estas diferenças podem ajudar a entender os resultados do desenvolvimento econômico de cada uma delas. Abstract The educational issue and, specifically, the primary statement, is seen as a key factor for economic development of countries and regions. The theory of Institutional economic history suggests that the greater the number of individuals of a society with access to basic education or the more inclusive for the trajectory of incorporation of individuals to basic education increased the chance of obtaining long-term economic development. Brazil in the 19th century responsibility for primary education was under the provinces and not under the central Government, which for many authors was reason of failure, since the provinces had few resources to ensure investments in industry as relevant. However, this article tries to show that, notwithstanding the little autonomy of provinces was given to them the opportunities to ensure investments on their responsibilities and therefore the differences between them (Rio Grande do Sul, São Paulo and Pernambuco) with respect to public investments in primary education can be compared. The conclusion is that there was a big difference in treatment given by the provinces analysed as regards investments in primary education and that these differences can help you understand the results of economic development of each one. 1 Bacharel em História, Mestre em Economia, Doutorando em História Econômica. Professor do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, Brasil.

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Educação e desenvolvimento: educação básica e diferenças regionais entre as

províncias brasileiras do Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco (1850 –

1870)

Vinícius De Bragança Müller e Oliveira1

Resumo

A questão educacional e, especificamente, a instrução primária, é vista como fator

fundamental para o desenvolvimento econômico de países e regiões. A teoria da

História Econômica Institucional aponta que quanto maior o número de indivíduos de

uma sociedade com acesso à educação básica ou quanto mais inclusiva for a trajetória

de incorporação dos indivíduos à educação básica maior a chance de obtenção de

desenvolvimento econômico de longo prazo. No Brasil do século XIX, a

responsabilidade sobre a instrução primária estava sob as províncias e não sob o

governo central, o que para muitos autores foi motivo de fracasso, já que as províncias

poucos recursos tinham para garantir investimentos em setor tão relevante. Porém, este

artigo tenta mostrar que, não obstante a pouca autonomia das províncias, era dado a elas

a oportunidades de garantir os investimentos sobre suas responsabilidades e, por isso, as

diferenças entre elas (Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco) no que tange aos

investimentos em educação básica podem ser comparadas. A conclusão é que havia uma

grande diferença no tratamento dado pelas províncias analisadas no que respeita os

investimentos em instrução primária e que estas diferenças podem ajudar a entender os

resultados do desenvolvimento econômico de cada uma delas.

Abstract

The educational issue and, specifically, the primary statement, is seen as a key factor for

economic development of countries and regions. The theory of Institutional economic

history suggests that the greater the number of individuals of a society with access to

basic education or the more inclusive for the trajectory of incorporation of individuals to

basic education increased the chance of obtaining long-term economic development.

Brazil in the 19th century responsibility for primary education was under the provinces

and not under the central Government, which for many authors was reason of failure,

since the provinces had few resources to ensure investments in industry as relevant.

However, this article tries to show that, notwithstanding the little autonomy of

provinces was given to them the opportunities to ensure investments on their

responsibilities and therefore the differences between them (Rio Grande do Sul, São

Paulo and Pernambuco) with respect to public investments in primary education can be

compared. The conclusion is that there was a big difference in treatment given by the

provinces analysed as regards investments in primary education and that these

differences can help you understand the results of economic development of each one.

1 Bacharel em História, Mestre em Economia, Doutorando em História Econômica. Professor do Insper,

Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, Brasil.

Introdução

O debate acerca da formação do Estado nacional brasileiro nas primeiras décadas do

século XIX em boa parte se concentra em uma tradicional historiografia que indica uma

excessiva centralização do poder em mãos do império e a conseqüente fragilidade da

autonomia provincial. Esta centralização teria sofrido um pequeno revés durante os anos

de 1830, no período conhecido como regencial (1831-40), mas logo readquirido seu

papel de principal característica do recém fundado país. Segundo esta historiografia, as

tendências descentralistas teriam sido derrotadas em meados do século XIX e só

retornaram após 1870, quando o ideal federalista foi reapresentado sob nova roupagem

e sob a liderança dos grandes produtores rurais do centro-sul brasileiro. O ambiente

institucional e político teria levado ao republicanismo, em parte federalista,

caracterizando a organização do país após a proclamação da república em 1889 e,

principalmente, após a promulgação da constituição de 1891.

Contudo, alguns autores estão, nos últimos anos, propondo uma revisão desta

historiografia em virtude de novas pesquisas que indicam a possibilidade de reavaliar

se, de fato, a autonomia provincial era tão prejudicada pela centralização excessiva do

poder em mãos do império. Os resultados destas pesquisas surpreendem na medida em

que mostram que as províncias tinham muito mais liberdade, responsabilidades e

investimentos sob suas respectivas administrações do que se pensava. Alguns autores,

então, buscam nos últimos anos definir o alcance desta autonomia provincial,

especificando o que estava sob responsabilidade das províncias e, mais importante,

como as províncias brasileiras usaram esta autonomia em favor de seus

desenvolvimentos locais. Em outras palavras, se a autonomia provincial era maior do

que muitos admitiam até poucos anos atrás, as decisões que cada uma delas tomou, em

variados setores ligados à administração pública, podem guardar relação com a

trajetória de desenvolvimento econômico e social de cada uma delas. Estas trajetórias

não poderiam ser mais lançadas exclusivamente sob a responsabilidade do governo

central do Império Brasileiro, mas sim sob as diferenças impulsionadas pelo uso da

autonomia provincial, por cada uma delas, no que tange a qualidade de suas instituições

locais.

Neste sentido, as instituições locais/provinciais devem ser observadas e comparadas na

medida em que definiam, parcialmente, mas de modo relevante, o funcionamento

institucional sob sua responsabilidade, ou seja, no limite de sua autonomia. Para tanto,

três províncias ganham aqui destaque: Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco. A

primeira, no extremo meridional do país, se caracterizou no período por razoável

estabilidade econômica ligada à sua tradicional participação no mercado interno,

especialmente no comércio de produtos oriundos da criação animal; a segunda

província, São Paulo, foi a região de maior crescimento econômico na segunda metade

do século XIX devido à expansão da lavoura do café e do aumento da exportação deste

produto pelo país; e, finalmente a terceira, Pernambuco, ao contrário, foi um dos casos

mais emblemáticos de decadência econômica visto no século XIX brasileiro, já que de

uma das regiões mais prósperas do país e uma das duas principais produtoras e

exportadoras de cana de açúcar – mais destacado produto brasileiro desde o período

colonial – não apresentou a mesma pujança a partir de fins do século XIX e início do

XX.

Participação da receita arrecadada na Corte e nas províncias na receita geral do Império

(%)

Período Rio Grande do Sul São Paulo Pernambuco

1840-49 6,91 2,13 12,64

1850-59 5,40 2,15 14,39

1860-69 5,92 3,39 13,58

1870-79 5,33 5,02 10,50

1880-89 4,97 8,40 8,88

Fonte: Ministério da Fazenda. Balanço da Receita e Despesa do Império, citado por Diniz, 2002.

A tabela mostra a participação de cada província aqui tratada na receita geral do Império, o que

demonstra a ascensão de S. Paulo, a estabilidade do Rio Grande do Sul e a decadência de

Pernambuco.

O que se propõem, então, é uma análise sobre a autonomia destas províncias e o uso que

fizeram desta autonomia em relação aos gastos públicos. Dá-se, neste estudo, especial

atenção aos gastos públicos em educação básica (instrução primária), setor que, segundo

a Constituição Imperial, estava sob responsabilidade das províncias. Também porque a

questão educacional é vista por autores ligados à escola da Nova Economia Institucional

(NEI) como sendo uma das mais relevantes instituições de um país e/ou região.

Sobre isso, a abordagem institucional apresentada por Engerman e Sokoloff é usada na

medida em que definem instituições como sendo mais ou menos inclusivas, ou seja, que

absorvem ou garantem acesso aos seus benefícios maiores ou menores contingentes

populacionais. Os autores exemplificam esta questão a partir de três itens - acesso a

educação básica, acesso ao sufrágio e acesso à propriedade privada - e na relação entre

maior ou menor inclusão institucional e desenvolvimento econômico.

Em resumo, o artigo apresenta uma comparação entre três províncias brasileiras que,

durante o século XIX, mostraram trajetórias econômicas diferentes entre si, e identificar

como a questão educacional – instituição central para o desenvolvimento de longo prazo

de uma região, segundo Engerman e Sokoloff – foi tratada por cada uma delas,

assumindo que a autonomia provincial no Brasil Império era maior do que a tradicional

historiografia sobre o tema, em geral, admite. Tal comparação pode lançar luz sobre o

entendimento das diferenças entre regiões brasileiras no que tange ao desenvolvimento

econômico de longo prazo.

O debate entre centralização e descentralização no Império brasileiro e a

autonomia das províncias

Parte da historiografia sobre o período imperial brasileiro admite que a divisão de

competências fiscais feita pela Constituição de 1824 e pelos ajustes e reformas que se

seguiram eram favoráveis ao governo central e, no limite, inviabilizavam a

sobrevivência autônoma das províncias. Tal visão é compartilhada por um grupo de

estudiosos que, em casos extremos, como Diniz, explicita a relação de espólio entre o

governo central, o Império, e as províncias, quando diz:

“Com efeito, os dados do Balanço demonstram que, a partir da

década de 1830, a estrutura financeira do Império funcionou

eficientemente no processo de apropriação da renda produzida

nas províncias, principalmente Pernambuco, Bahia, Maranhão,

Pará, São Paulo e Rio de Janeiro. Em conjunto, essas províncias

forneceram 126,65 milhões de libras em tributos ao Império e

receberam 58,70 milhões de libras sob a forma de recursos

nelas despendidos; a diferença em favor do Governo Geral foi,

portanto, de 67,95 milhões de libras. (...) Mas, além do caso

dessas províncias que forneceram recursos sistematicamente ao

Governo Geral, aquelas províncias mais carentes, caso

aumentassem o volume de impostos gerados, também teriam

parte de sua renda remetida para a sede do poder central do

Império.” (Diniz, 2002)

Outros, como Cabral de Melo, estabelece uma relação amparada na idéia de pouca,

quase nenhuma autonomia provincial e que, portanto, as diferenças entre elas devem-se

ao modo que os recursos eram distribuídos pelo governo central entre as províncias. A

conclusão é que as províncias favorecidas pela distribuição dos recursos pelo governo

central apresentaram bons resultados durante o império em detrimento daquelas que

foram prejudicadas. Mais do que isso, Cabral de Melo afirma que:

“é inegável que, durante todo o Segundo Reinado, verificou-se

uma transferência líquida de recursos do norte para o sul, sob

forma de movimento de fundos governamentais; e que o

Império assentou-se num processo de espoliação que no norte

se aparentou bastante a uma situação do colonial do tipo

clássico, isto é, do tipo fiscal.”(Cabral de Melo, 1999)

Diniz, concordando com a esta perspectiva de Cabral de melo, afirma que:

A situação de permanente exação fiscal das províncias

assemelhava-se, para os contemporâneos e opositores da

centralização, a uma situação de tipo colonial. (Diniz, 2002)

Esta perspectiva historiográfica se ampara, e neste sentido é pertinente, na divisão de

responsabilidades fiscais que, de fato, privilegiava o governo central. O que se discute é

a relação entre a fatia disponível às províncias, suas obrigações e a capacidade que cada

uma delas tinha de administrar sua parcial autonomia. Esta diferença pode ser vista,

medida e qualificada se considerarmos que, mesmo sendo pequena a fatia fiscal à

disposição das províncias, ela era suficiente para garantir as responsabilidades definidas

às províncias, gerar superávit e, portanto, determinar investimentos.

Uma hipótese complementar defendida por parte da historiografia sobre o período é a

que versa sobre a necessidade política de aproximação entre os defensores de maior

descentralização e os partidários da centralização excessiva em virtude da manutenção

da unidade territorial e, principalmente, do tráfico de escravos. Esta perspectiva mais

próxima da história política do Brasil, tem como premissa que a pequena

descentralização promovida durante a década de 1840 – associada ao grupo e depois

Partido Liberal – foi uma das responsáveis pelo aumento das revoltas separatistas ou

suficientemente violentas na ação contrária à centralização política do país que colocou

em risco a unidade territorial. Sobre isso, comenta Bosi:

“Nessa altura, os cafeicultores (i.e. valeparaibanos, então novo

pólo de desenvolvimento da lavoura para a exportação),

almejavam um Estado forte, uma administração coesa e

prestante ou, nos seus repetidos termos, precisavam manter a

unidade nacional. Foi a bandeira do Regresso (movimento de

centralização política de meados das décadas de 1830 e 1840).

O padre Feijó, renunciando ao cargo de regente em meio a

dificuldades extremas, fizera perigar o cumprimento desse

desígnio, na medida em que supunha ser inevitável a tendência

separatista de algumas províncias, como Pernambuco e Rio

Grande do Sul” (Bosi, 1993)

O argumento é reforçado por uma famosa intervenção de um importante personagem da

época, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que disse:

“Fui liberal (i.e. defensor da descentralização), então a

liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas

não nas leis, nas idéias práticas; o poder era tudo; fui liberal.

Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios

democráticos tudo ganharam e muito comprometeram: a

sociedade, que então corria o risco pelo poder, corre agora o

risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis,

quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista.

Não sou trânsfuga, não abandono a causa que defendi no dia de

seus perigos, da sua fraqueza, deixo-a no dia em que tão seguro

é o triunfo que até o excesso a compromete” (citado por Bosi,

1993)

Complementando, além da unidade territorial que teria sido ameaçada pela

descentralização da década de 1830 e, por isso, tal movimento centrífugo teria sido

abortado logo depois pelo chamado „regresso conservador‟, a manutenção da oferta de

escravos era vista como sub-produto da capacidade de o Estado Brasileiro de se

posicionar no jogo internacional comandado pela Grã-Bretanha, abertamente contrária

ao tráfico de escravos africanos. Desta forma, argumenta-se, o enfraquecimento do

poder central ante o aumento dos poderes provinciais no Brasil tornaria ainda mais

vulnerável a posição brasileira relacionada à manutenção da oferta de escravos e, vice-

versa, o fortalecimento do poder central ampliaria a possibilidade do país em manter o

tráfico ativo. Esta posição é muito bem argumentada por Bosi, que afirma sobre as

palavras de Bernardo Pereira de Vasconcelos:

“Em outras palavras, o discurso quer dizer: a política de

centralização é o antídoto necessário a uma divisão do país, que

por seu turno (e aí vem a razão calada), seria fatal ao novo

centro econômico valparaibano” (Bosi, 2002)

E, por fim, complementa:

“Tudo se apresenta imbricado: o centralismo se diz nacional e

vale-se do Exército, que toma vulto no período; o tráfico é

utilíssimo à expansão do café, enfim, O partido da Ordem

abraça todas essas bandeiras...” (Bosi, 2002)

Contudo, há uma historiografia vem sendo produzida na última década que, por mais

que aceite a centralização política e fiscal em mãos do governo imperial como uma

característica do Estado brasileiro durante o século XIX, argumenta que tal

centralização não foi fator para que as províncias vivessem em estado de penúria e/ou

que fossem tão dependentes dos repasses do governo central.Portanto, não concluem

que a relativa autonomia provincial era próxima de nula. Ao contrário, tal autonomia

seria real e pode ser vista como fator de desenvolvimento das províncias sem a

manutenção de relações com aquilo que cada uma delas recebia do governo central. O

principal trabalho associado a esta nova abordagem da formação brasileira e do

relacionamento entre a autonomia provincial e a centralização imperial é de Dolhnikoff,

que afirma:

“A autonomia provincial incidia sobre a tributação, as decisões

referentes a empregos provinciais e municipais, obras públicas,

força policial, de modo que os governos das províncias

dispunham de capacidade financeira para autonomamente

decidir sobre investimentos em áreas vitais para a expansão

econômica, o exercício da força coercitiva e o controle de parte

da máquina pública.” (Dolhnikoff, 2005)

Com as mesmas conclusões, relativas à autonomia provincial durante o império

brasileiro, Oliveira diz:

“A divisão das atribuições fiscais entre o governo imperial e as

províncias, feita pelo Ato Adicional de 1834, não foi

modificada durante o processo de centralização do poder

político e administrativo que se seguiu ao „avanço liberal‟.

Dessa forma, os direitos adquiridos pelas províncias não se

alteraram, permanecendo aqueles que foram determinados pela

descentralização de 1834. Isso significa que, não obstante a

maior parte das rendas fiscais ser de direito do governo central,

às províncias sobraram alguns direitos que possibilitavam

relativa autonomia no que tange a arrecadação, os gastos e os

investimentos. No caso de S.Paulo, foi possível à província

viver um período de crescimento – fosse na arrecadação, fosse

na produção e exportação agrícola.” (Oliveira, 2007)

Portanto, assumir que as províncias não tinham capacidade de garantir o cumprimento

daquilo que estava sob sua responsabilidade parece um exagero se considerarmos que,

mesmo sendo pequena a fatia fiscal destinada às províncias, era suficiente para arcar

com suas contas e investimentos. Desta forma, estava sob responsabilidades das

províncias o manejo de recursos destinados aos setores que definiam como prioridades e

tais definições podem estar na origem das vantagens ou dificuldades que as províncias

tiveram em seu desenvolvimento de longo prazo.

A questão educacional: a teoria institucionalista aplicada ao Império Brasileiro

A abordagem institucional, em sua mais recente vertente, ficou consagrada a partir dos

estudos do economista Douglass North e sua inspiração na economia neoclássica.

North, ganhador do Nobel de Economia em 1993, em conjunto com outro economista, o

norte-americano Robert Fogel, consolidou uma nova abordagem teórica que tenta

aproximar os estudos econômicos e a história nos moldes da economia neoclássica, e

não mais entre as abordagens consideradas heterodoxas. Desta forma e, exatamente por

isso, North é um dos fundadores da chamada Nova Economia Institucional (doravante,

NEI), muito influente nas últimas décadas entre inúmeros estudiosos do

desenvolvimento econômico.

Entre os princípios que norteiam os estudos da NEI estão aqueles listados por North,

quais sejam:

a economia de mercado, em sua abordagem neoclássica – ou seja,

agentes econômicos e racionais que tomam decisões que buscam a

maximização dos resultados – é válida para situações extremas nas quais

os custos de transação e de obtenção de informações são nulos e,

portanto, os agentes tem toda a racionalidade possível;

porém, como esta situação não é vivida, os agentes não tem todas as

informações possíveis e, portanto, sua racionalidade é limitada;

sendo assim, as instituições, ou seja, as regras e leis (instituições formais)

e os costumes (instituições informais) são importantes na medida em que

podem diminuir os custos de transação e de obtenção de informações,

fazendo com que os agentes cheguem mais próximos ao que seria

desejável em sua atuação econômica;

além disso, as instituições são responsáveis pelos estímulos aos agentes

econômicos, principalmente aquelas que legislam sobre os direitos de

propriedade.

Em síntese, define North:

Institutions are the rules of the game in a society or, more formally,

are the humanly devised constraints that shape human interaction. In

consequence they structure incentives in human exchange, whether

political, social, or economic. Institutional change shapes the way

societies evolve through time and hence is the key to understanding

historical change.

(…) Institutions affect the performance of the economy by their effect

on the costs of exchange and production. Together with the

technology employed, determine the transaction and transformation

(production) costs that make up total costs. (North, 1982)

Em complemento, mas não menos importante, North ainda considera que as sociedades

que historicamente desenvolveram instituições melhores – ou seja, que facilitam a ação

dos agentes econômicos ao diminuírem os custos de transação, de obtenção de

informações e garantindo o direito de propriedade – apresentam, em prazos alongados,

melhor desenvolvimento econômico. Assim, apresenta como justificativas para o

melhor desenvolvimento econômico de um país ou região as instituições criadas e, mais

importante, as trajetórias institucionais vivenciadas. Desta forma, North busca em

momentos específicos da História (momentos de criação de uma instituição) e no

conflito entre mudanças e permanências (as trajetórias institucionais de cada país ou

região), as explicações para o desenvolvimento econômico desigual apresentado por

países e regiões diferentes.

A partir das definições de North, outros autores usaram e ampliaram os conceitos

relacionados à economia institucional. A mais relevante, para este trabalho, é a

classificação das instituições historicamente construídas e suas respectivas trajetórias

como inclusivas ou não-inclusivas. Na verdade, algumas instituições, segundo tal

classificação, são mais ou menos inclusivas na medida em que privilegiam ou

reconhecem contingentes maiores da população de um país ou região. Seriam

instituições passíveis de serem classificadas a partir destas qualificações o direito ao

sufrágio, o acesso à propriedade e à educação. Em outras palavras, o direito ao sufrágio

é uma instituição que pode ser mais ou menos inclusiva, sendo que é mais quando é

universal e menos quando restrito a uma pequena parcela da população; assim como o

acesso à propriedade e à educação. E, segundo muitos autores, o desenvolvimento

econômico de um país ou região, em prazos mais alongados, guarda uma relação

positiva com as instituições e seus graus de inclusividade: quanto maior for a inclusão

de contingentes populacionais e maior for seu acesso à propriedade,

escolaridade/educação e direito ao voto, maior será o desenvolvimento econômico desta

sociedade se comparada a outras com instituições cuja trajetória não se caracteriza pela

inclusão de grande parte da população. Alguns trabalhos são esclarecedores sobre tais

definições. Vejamos o que dizem os historiadores econômicos Engerman e Sokoloff,

sobre as relações entre desenvolvimento institucional e desenvolvimento econômico

comparando regiões diferentes do continente americano:

More specifically, in societies that began with extreme inequality, the

elites were both inclined and able to establish a basic legal framework

that ensured them a disproportionate share of political power and to

use that influence to establish rules, laws, and other government

policies that gave them greater access to economic opportunities than

the rest of the population, thereby contributing to the persistence of

the high degree of inequality. In societies that began with greater

equality in wealth and human capital or homogeneity among the

population, the elites were either less able or less inclined to

institutionalize rules, laws, and other government policies that grossly

advantaged them, and thus the institutions that evolved tended to

provide more equal treatment and opportunities, thereby contributing

to the persistence of the relatively high degree of equality.

(…)Although much work needs to be done, our findings from

comparative studies of suffrage, public land, schooling, and other

institutions in the perhaps limited context of the Americas are

consistent with the notion that those societies that began with more

extreme inequality or heterogeneity in the population were more likely

to develop structures that advantaged members of elite classes by

providing them with relatively more political influence or access to

economic opportunities. (Engerman & Sokoloff, 2002)

Também Acemoglu e Robinson, dois dos mais destacados estudiosos de economia

institucional:

Inclusive institutions tend to create a level playing field in business, in

markets and in education, while extractive institutions often create

inequities that run deep. In most societies with extractive institutions,

only the lucky few have access to education, and the ability to start

and operate businesses and reach high levels of economic and social

success. (Acemoglu & Robinson, 2009)

Um outro autor, Peter Lindert, sobre a possibilidade de relacionarmos investimento em

educação primária e desenvolvimento econômico, recentemente escreveu:

The second kind of social spending emerged in the nineteenth century.

Country after country turned toward tax revenues as a basis for

launching or expanding schools, especially primary schools. Yet some

countries took far longer than others to develop universal primary

schooling – and most countries have deficient primary education even

today. These differences in basic schooling have long been recognized

as one of the keys to global income inequalities.1 Of all the kinds of

public spending considered in this book, expenditures on public

schooling are the most positively productive in the sense of raising

national product per capita. Here we concentrate on primary public

education, the kind of education that involves the greatest shift of

resources from upper income groups to the poor. (Lindert, 2004)

Portanto, o que podemos concluir é que as instituições importam para o entendimento

da trajetória histórica que aponta um maior ou menor desenvolvimento econômico de

um país ou região e que, na medida em que pensamos as instituições como inclusivas ou

não, aqueles que criam e desenvolvem instituições que precipitam maior acesso – ou de

um número maior de pessoas – à propriedade, ao direito ao sufrágio e à

educação/escolaridade, tendem a apresentar, no tempo, maior desenvolvimento

econômico.

Em nosso caso, então, o lugar que ocupava a educação – instituição que, sendo

inclusiva, pode ajudar a determinar trajetória de desenvolvimento econômico de um país

ou região – pôde ser determinante para o desenvolvimento de diferenças regionais no

Brasil. E, ainda sobre a citação de Lindert, a diferença em investimento em educação

primária entre os países é característica do século XIX. Em outras palavras, o

investimento em educação primária já era no século XIX visto como fundamental ao

desenvolvimento econômico pelas nações em desenvolvimento.

O debate sobre educação primária no Brasil e a situação das províncias: Rio

Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco

Existem inúmeros trabalhos que tratam das condições apresentadas pela sociedade e

pela legislação brasileira imperial a respeito da educação básica. A maior parte

tangencia quatro questões de capital importância, quais sejam:

a incorporação da obrigatoriedade do ensino básico na Constituição de

1824 e as reformas constitucionais que , de algum modo – direta ou

indiretamente – afetaram a questão educacional;

a carência de um projeto educacional unificado ou nacional, o que

enfraquecia a possibilidade de sucesso do processo educacional

brasileiro;

a aparente contradição entre educação básica e uma sociedade escravista

e radicalmente desigual, o que teria precipitado um baixo investimento

em educação básica (voltada às camadas menos favorecidas da

população) em benefício da educação superior (voltada à elite); e

o equívoco institucional em deixar o investimento em educação básica

em mãos das províncias, dado que estas eram bastante vulneráveis

economicamente ante um desproporcional poder econômico controlado

pelo governo imperial.

Os quatro itens apresentam certa coerência se tratados em conjunto, já que mesmo

legalmente incluída na Constituição de 1824, a obrigatoriedade de oferta de ensino

básico pressupunha uma estrutura burocrática incompatível com o momento histórico

vivido pelo país, ou seja, um país recém independente que carecia tanto de experiência

quanto de, principalmente, capital humano para a formação do funcionalismo público

que garantisse e verificasse tal obrigatoriedade. A inclusão do ensino básico na Carta

de 1824 devia-se, principalmente, a uma quase isolada influência que os princípios e

conseqüências do processo iluminista-liberal europeu exercia sobre o monarca

brasileiro, D. Pedro; contudo, influência que não caracterizava de modo geral o governo

imperial, dada a sua inclinação ao centralismo e, para alguns, absolutismo.

Um agravante da situação fora a reforma de 1834, conhecida como Ato Adicional. Nele,

a responsabilidade sobre a oferta de ensino básico recaía sobre as províncias, que, com

orçamentos reduzidíssimos, não teriam condições nem de efetivar os investimentos em

educação, muito menos de verificar sua efetividade. Isso só mostrava o pouco caso que

se fazia da educação básica, voltada aos grupos menos favorecidos e incompatível com

a escravidão, reflexo de uma sociedade desigual, elitista e que, de modo algum – sob a

leitura institucional – promovia instituições inclusivas. Ao contrário do ensino superior,

em mãos do governo Imperial e, portanto, coeso, pensado estrategicamente e voltado às

elites dirigentes e burocráticas do país, o ensino básico sofreria de inanição, na mesma

proporção de sua insignificância para as elites provinciais – preocupadas com questões

menores envolvendo poderes e favores locais – e da insignificância dos orçamentos

voltados a ela, dada a estrutura institucional equivocada que deixava às províncias –

falidas e dependentes dos recursos que recebiam do governo central – a

responsabilidade sobre tema tão relevante para o desenvolvimento econômico e social

de longo prazo. Tais conclusões aparecem de modo inequívoco em algumas das obras

mais destacadas e usadas como referências bibliográficas sobre o tema. Interessa-nos

em especial o item sobre o possível equívoco institucional em deixar a responsabilidade

sobre a educação primária em mãos das províncias. Eis um trecho retirado de uma obra

de referência sobre o tema:

A Instrução primária, confiada às províncias, vai-se organizando por

um sistema de tentativas e erros, em conformidade com os recursos

limitados de cada uma delas e ao capricho das circunstâncias quais

os predomínios deste ou daquele grupo partidário ou a inspiração

pessoal do presidente, em que se pode encontrar a causa mais

próxima da periodicidade das variações nas políticas locais de

educação. O pessoal docente, quase todo constituído de mestres

improvisados, sem nenhuma preparação específica, não melhora as

primeiras escolas normais que se criaram no país. (Azevedo, 1976)

Um outro autor, Anísio Teixeira, um dos mais respeitados estudiosos sobre a educação

brasileira, assim afirmou, confirmando a tese de Azevedo:

Por isto mesmo, quando, com a independência e as idéias então

dominantes de monarquias constitucionais liberais, procurou-se

organizar o País, já com o pensamento na educação do povo

brasileiro, confiou-se esta tarefa às Províncias, deixando-se o sistema

da elite sob a guarda do poder central, afim de se lhe salvaguardar o

caráter anterior. Chamou-se a esse Ato Adicional de 1834 de

descentralizador, quando, na realidade, pelo menos em educação, só

descentralizava algo que não se considerava suficientemente

importante (Teixeira, 1999)

Portanto, como explicitado pelos autores e trechos citados, a literatura sobre História da

Educação no Brasil atribui o fracasso, ou grande parte dele, da educação básica no

século XIX à impossibilidade das províncias de arcarem com as responsabilidades

inerentes ao tema e previstas na Constituição Imperial. Esta impossibilidade estaria

ligada intimamente à situação de penúria fiscal, financeira e econômica vivida pelas

províncias em benefício do fortalecimento do governo central. Teixeira ainda atribui tal

arranjo institucional que passava às províncias a responsabilidade sobre a educação

básica à pouca importância dada pelo país ao tema.

Contudo, algumas considerações retiradas de documentação relacionada ao tema nos

colocam algumas dúvidas sobre tais afirmações, já que mostram uma consciência muito

mais explícita sobre a importância da educação básica do que a afirmação de Teixeira

nos leva a pensar. Vejamos:

“Não há no Império província alguma que conte com tão subido

número de instituições públicas de instrução elementar, exceto a de

Minhas Gerais que, segundo o mapa que acompanhou o relatório da

Inspetoria Geral da Instrução Pública da Corte, anexo ao apresentado

no corrente ano à Câmara dos srs. Deputados pelo excelentíssimo

Ministro do Império, tem 255 escolas. Proporcionalmente à

população ainda São Paulo leva vantagem nesta parte”. (Relatório da

Instrução Pública, 1857, pelo inspetor geral Diogo de Mendonça

Pinto.)

Claramente, o responsável pela instrução pública de São Paulo usa a questão da

educação básica – que considera em sua província melhor do que nas outras – como

uma vantagem apresentada pela sua província. Alguns anos depois, o presidente de S.

Paulo, ao apresentar uma proposta de revisão das leis relacionadas à educação em sua

província, assim disse:

“E na instrução primária denominada inferior, do primeiro grau ou

elementar, bem pouco adiantados estamos. Aí faltam-nos

principalmente:

Declarar obrigatória a instrução primária. Ao dever do Estado de

propagá-la deve corresponder o direito de exigir dos chefes de família

a matrícula na escola da infância sob seu governo e a permanência

dela aí por todo o prazo preciso a fim de que a cultura da inteligência

e da vontade chegue ao grau que deve se elevar. Não sei com que

ordem de consideração se defende a plena liberdade em cuja posse

vejo esses chefes de mandar ou não seus filhos à escola e de retirar

delas quando lhes apraz. A lei não tolera que o cidadão desbarate os

próprios bens, força-o ao respeito à propriedade, encarando-a como

futuro patrimônio de sua descendência, mas se um pai deserda um

filho de toda a instrução e educação, se assim atenta contra sua sorte,

e portanto o prejudica não nos bens, mas na própria pessoa, a Lei não

se reputa com o direito de intervir, e possuída de respeito diante do

abuso da autoridade paterna, assiste impassível ao estrago insanável

do futuro de uma geração na parte mais preciosa.” (Relatório do

presidente da província de S.Paulo, 1861)

Novamente não reflete uma opinião de alguém que pouca importância dedica à questão

educacional; ao contrário, confirma a hipótese de Lindert sobre a consciência da época

sobre a importância da educação básica para o desenvolvimento das futuras gerações.

Uma declaração semelhante feita pelo presidente da província do Rio Grande do Sul

confirma tal consciência e indica que estava relacionada ao que ocorria em outras partes

do mundo ocidental, desmentindo o suposto descaso dedicado ao tema. Vejamos as

palavras de Rodrigo de Azambuja Villanova, presidente da província gaúcha em 1871:

“Não basta criar escolas, dotá-las com o necessário e provê-las de

bons professores; é preciso que elas sejam freqüentadas, senão pelo

empenho dos pais de família, pela força da lei. (...) É à ignorância do

povo que se deve atribuir o nosso atraso na indústria e na agricultura,

o que nos coloca na retaguarda das províncias que não dispõem de

melhores elementos de prosperidade.”

E também em Pernambuco, tal consciência se manifesta nas palavras do presidente da

província, José Antônio Saraiva, em seu relatório de 1859, quando reivindica maior

investimento público em educação primária. Vejamos:

E nem venha a questão do dinheiro, que não é esta a província que

mais gasta com Instrução pública. Talvez seja a que, em relação aos

seus rendimentos, a que menos despenda para tal fim. Enquanto o

orçamento vigente da Bahia que monta 1.468:816$725 designa

263$000 para este ramo de serviço, o de Pernambuco, que soma

1.516:860$570 à custo consigna...124:743, sendo somente 66:403 para

a instrução pública.

Porém, mesmo sendo às três província a preocupação e a importância dada a questão

educacional, diferenças significativas são vistas quando analisamos quantitativamente o

comportamento de cada uma delas em relação à instrução. As tabelas abaixo mostram

alguns números sobre a educação primária pública das três províncias durante duas

décadas do século XIX, entre 1850 e 1870. Comecemos por São Paulo:

Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província

de S. Paulo, 1850 - 1870

Ano Nº de alunos Nº de escolas

1850 Não disponível 163

1851 4225 Não disponível

1852 5375 183

1853 4337**** Não disponível

1854 5001 155

1855 5667 176

1856 5690 188

1857 5847 205

1858 6264 215

1859 6824 219

1860 7254 220

1861 6989 238

1862 5503 238

1863 5503** 246

1864 7232 248

1865 7276 270

1866 7586 Não disponível

1867 Não disponível Não disponível

1868 Não disponível Não disponível

1869 Não disponível 348

1870 8859 Não disponível

Fonte: relatórios anuais da Inspetoria da Instrução Pública da Província e Relatórios anuais do presidente

da província de S. Paulo. ** Número que não considera os municípios de Indaiatuba, Juquery, Iguape,

Taubaté, Paraibuna e Capivari, que não mandaram os relatórios. Além disso, “Devo declarar que o

número de meninos e meninas que aprendem atualmente a ler e a escrever não é o normal. Mostra-se

inferior ao dos anos anteriores em razão de se terem fechado recentemente muitas escolas, pela demissão

dada a tudo quanto era professor contratado.” (relatório do Inspetor da Instrução Pública da província de

São Paulo, 1862 e 1863). Os relatórios dos dois anos foram apresentados em conjunto, portanto, não há

informações sobre os números separados por ano (1862 e 1863, respectivamente). **** Não incluídas as

escolas do Paraná, já que no ano anterior foram separadas a província paulista da paranaense.

Vejamos agora os números de Pernambuco:

Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província

de Pernambuco, 1850 - 1870

Ano Nº de alunos Nº de escolas

1850 Não Disponível Não disponível

1851 2.138 Não disponível

1852 2.927 Não disponível

1853 3.278 Não disponível

1854 3.452 Não disponível

1855 3.801 Não disponível

1856 3.636 Não disponível

1857 4.209 Não disponível

1858 5.912 Não disponível

1859 4.430 112

1860 4.568 269*

1861 4703 101

1862 4300 103

1863 4386 106

1864 4658 119

1865 5893 112

1866 6940* 197

1867 8.198 203

1868 6252 (8983)* 217

1869 6239 (9323)* 232

1870 9822 269

Fonte: Relatórios de presidente da província de Pernambuco. * Números apresentados em balanço feito

em 1871, não nos relatórios anuais.

E, finalmente os números do Rio Grande Do Sul:

Número de alunos matriculados e de escolas públicas de Instrução primária na província

do Rio Grande do Sul, 1850 - 1870

Ano Nº de alunos Nº de escolas

1850 3532 95

1851 3542 Não disponível

1852 3549 Não disponível

1853 3812 105

1854 3481 121

1855 3764 120

1856 3808 120

1857 4830 144

1858 4120 152

1859 4801 189

1860 5568 Não disponível

1861 5828 154

1862 5416 Não disponível

1863 6012 167

1864 6293 167

1865 6806 Não disponível

1866 5856 187

1867 Não Disponível 206

1868 7286 222

1869 7949 Não disponível

1870 7019 212 (246)*

Fonte: relatórios anuais de presidentes da província do Rio Grande Do Sul e Relatórios da Secretaria da

Instrução Pública do Rio Grande Do Sul (balanço de 1876). * Números dados pelo presidente da

província de Pernambuco, em um exercício de comparação entre as províncias em relatório anual de 1871

e número referente a 1871 retirado de relatório da Secretaria da Instrução Pública do Rio Grande do Sul,

respectivamente.

Como se vê, a trajetória dos números relacionados à educação nos mostra um montante

maior de alunos em escolas públicas de instrução primária em Pernambuco, seguido de

São Paulo e Rio Grande do Sul. Em número de escolas, São Paulo, Pernambuco e Rio

Grande do Sul, Porém, se colocarmos mais três itens perceberemos que tais conclusões

são falsas: a população e o investimento absoluto e o investimento em relação a receita

de cada província. Vejamos:

Estimativas de população livre das províncias de São Paulo, Rio Grande do Sul e

Pernambuco, anos selecionados

Província Ano População livre

São Paulo 1858 410.000

Rio Grande do Sul 1858 390.000

Pernambuco 1858 630.000

Fonte: Relatório do presidente da província do Rio Grande do Sul, 1858.

Província Ano População livre

São Paulo 1864 600.000

Rio Grande do Sul 1863 315.000

Pernambuco 1861 900.000

Fonte: relatórios dos presidentes das províncias para os casos pernambucano e gaúcho e Relatório da

Inspetoria da Instrução Pública para o caso de S. Paulo.

Alguns anos depois, em 1870, a população livre de S.Paulo era de aproximadamente

800.000 enquanto a de Pernambuco, no mesmo ano, era de aproximadamente

1.000.000. Vejamos a comparação entre anos diferentes da mesma província e a relação

entre população livre, número de alunos e número de escolas públicas de instrução

primária.

Comparação entre anos diferentes para a província de Pernambuco

Ano População (P) Nº de Alunos

(A)

Nº de escolas

(E)

P/A P/E

1858 630.000 5912 112* 106 5625

1861 900.000 4703 238 191 3781

1870 1.000.000 9822 269 101 3717

*Não havia número de escolas disponível para o ano de 1858, então foi usado o número de 1859.

Supondo que de uma não para o outro não há grandes diferenças nestes números e que, mesmo tendo, o

número de escolas seria maior em 1859 do que 1858, a relação é aproximada, porém significativa, não

havendo prejuízo analítico. Fonte: Relatórios de presidentes da província de Pernambuco, anos

selecionados.

Comparação entre anos diferentes para a província de São Paulo

Ano População (P) Nº de Alunos

(A)

Nº de escolas

(E)

P/A P/E

1858 410.000 6264 215 65 1906

1864 600.000 7232 248 83 2419

1870 800.000 8859 348* 90 2298

* Não está disponível o número de escolas em 1870, assim usamos o número relativo a 1869. Como não

há tendência de diminuição do número de escolas, a razão entre a população livre e o número de escolas

deve ser, de fato, menor. Fonte: Relatórios de presidentes da província de S.Paulo, anos selecionados

Comparação entre anos diferentes para a província do Rio Grande do Sul

Ano População (P) Nº de Alunos

(A)

Nº de escolas

(E)

P/A P/E

1858 390.000 4120 152 94 2565

1861 266.000 5828 154 45 1727

1863 315.000 6012 167 52 1886

Fonte: relatórios de presidente da província do Rio Grande do Sul, anos selecionados

Os números referentes à população são frágeis e, por isso, podem ser questionados,

mesmo que como estimativa não parecem comprometer a análise. Para reforçar tal

fragilidade, podemos, em nome da conclusão que tiramos destes números, usar outras

variáveis relacionadas às despesas gerais e aos gastos das províncias em educação

primária.

Tabela de despesas, despesas em obras públicas e educação em Pernambuco, 1860 - 1870

Exercícios Despesa Despesas obras

públicas

Despesa/despesa obras

públicas (%)

Despesas

educação

Despesa/despesa

educação (%)

1860-61 1.095:400$932 437:492$481 39 78:440$000 7

1861-62 1.328:519$771 254:386$387 18 82:137$000 6

1862-63 1.233:139$987 338:618$782 27 109:664$000 8

1863-64 1.401:295$005 404:004$121 28 111:149$675 7

1864-65 1.560:533$841 553:441$326 35 124:024$165 8

1865-66 1.831:731$180 527:063$009 28 167:280$000 9

1866-67 1.748:426$919 797:363$127 45 138:593$000 11

1867-68 1.682:381$169 636:141$897 37 228:400$000 13

1868-69 1.865:022$276 486:232$764 26 247:136$665 13

1869-70 2.048:922$396 525:726$266 25 268:880$000 13

Fonte: Balanço feito e exposto no relatório do presidente da província de Pernambuco, Frederico de

Almeida e Albuquerque, em 01 de Abril de 1871.

Tabela de despesas, despesas em obras públicas e educação no Rio Grande do Sul, 1860 -

1870

Exercício Despesa Despesa com

obras públicas

Despesa/despesa

com obras

públicas (%)

Despesas com

educação

Despesa/despesa

com educação

(%)

1860-61 843:703$753 68:032$846 8 101:692$566 12

1861-62 960:432$431 51:998$075 5 113:710$817 12

1862-63 1.342:229$717 44:720$958 3,5 163:959$574 12

1863-64 1.285:309$635 64:297$692 5 176:285$685 13,5

1864-65 1.008:283$440 28:201$384 2,5 179:002$785 17,5

1865-66 1.070:628$546 12:750$000 1 173:658$387 16

1866-67 966:527$137 92:427$452 9,5 174:778$372 18

1867-68 1.141:527$406 123:780$630 11 192:033$359 16

1868-69 1.607:881$215 69:253$566 4,5 199:615$162 12,5

1869-70 1.742:629$208 XXXXXXX XXXXXXXX 229:584$424 13

Fonte: Livros da Tesouraria Provincial

O caso gaúcho é ainda mais destacado na medida em que em praticamente todos os anos

da década de 1860, com exceção dos três primeiros a despesa com educação primária é

a maior entre todos os orçamentos da província. Vejamos:

Ano Gastos com educação Gastos força policial Gastos aparato fiscal

1859-60 135:728$114 132:001$529 137:901$178

1860-61 101:692$566 113:279$388 117:644$806

1861-62 113:710$817 108:838$372 122:527$795

1862-63 163:959$574 123:629$679 135:649$986

1863-64 176:285$685 125:982$705 141:841$124

1864-65 179:002$785 139:449$598 135:725$654

1865-66 173:658$387 102:731$988 137:894$399

1866-67 174:778$372 136:124$542 149:432$160

1867-68 192:033$359 136:591$457 159:881$794

1868-69 199:615$162 144:558$881 165:995$226

1869-70 229:584$424 163:058$050 165:995$226

Fonte: Livros da Tesouraria provincial do Rio Grande do Sul

Conclusão

A centralização do poder político em mãos do governo Imperial durante o século XIX

no Brasil não pode servir de argumento para o pouco envolvimento provincial em

algumas questões consideradas já à época como relevantes, tais como a educação

primária. Isso porque a autonomia provincial, mesmo que tímida, era suficiente para que

cada uma delas mantivesse seus compromissos e obrigações, além de definirem,

individualmente, como dividiam seus orçamentos entre os vários setores sob suas

administrações.

Sendo assim, três províncias foram analisadas em seus gastos com educação primária,

na medida em que educação primária é vista, pela literatura institucional, como um dos

três itens que compõem o que chamamos de instituições inclusivas: a educação

primária, o acesso ao poder político e voto, e o direito de propriedade e distribuição da

riqueza.

Desta forma, os números referentes aos investimentos em educação primária das três

províncias – Rio Grande Do Sul, São Paulo e Pernambuco – mostram claramente a

relevância do tema para as três, com destaque positivo ao Rio Grande do Sul e negativo

a Pernambuco. Os números ligados a quantidade de alunos matriculados, de escolas,

investimentos públicos, mesmo se comparados a outros setores, confirmam uma maior

disposição dos gaúchos em alavancar a instrução primária de sua província vis a vis aos

pernambucanos. O caso paulista, intermediário, mais se aproxima do gaúcho do que do

pernambucano, indicando que a educação primária na província de S. Paulo também

ocupava importante destaque nos gastos públicos provinciais.

Desta forma, tentou-se argumentar que a análise do Império brasileiro a partir da

excessiva centralização não capta as especificidades de cada província, principalmente

porque alguns dos mais relevantes setores e instituições estavam sob suas

responsabilidades, tais como investimento em educação primária, e que tais instituições

s suas trajetórias e especificidades podem estar na origem das diferenças regionais vistas

no país até os dias de hoje.

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Fontes

Relatórios de presidente de província

Relatório da Inspetoria da Instrução Pública de São Paulo

Livros da Tesouraria da província do Rio Grande do sul