EDUCAÇÃO BILINGUE PARA SURDOS E OS DESAFIOS NO … · anseios da comunidade surda e os desafios...
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ANAIS
Congresso Internacional
Seminário de Educação Bilíngue para Surdos
Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Salvador/BA.
Biblioteca Professor Edivaldo Machado Boaventura. CDD: 371.912
Volume 1, 2016. Páginas: 123-134. Publicação: 24 de Abril de 2017
ISSN: 2526-6195
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EDUCAÇÃO BILINGUE PARA SURDOS E OS DESAFIOS NO
COTIDIANO EDUCACIONAL
Luciane Ferreira Bomfim1
Guilhermina Elisa Bessa da Costa2
Reinaldo dos Santos Cordeiro3
Universidade do Estado da Bahia
Departamento de Educação – Campus I, Brasil
RESUMO
O objetivo deste trabalho é propiciar uma visão geral da situação vivenciada pelos surdos no
processo educacional, considerando que durante muitos séculos foram subjugados e aculturados
pelos ouvintes, sobrevivendo à margem de uma sociedade que atenta para a “deficiência” e
ignora as capacidades de cada indivíduo, mesmo as consideradas inerentes aos seres humanos.
O aporte teórico da pesquisa foram: Gesser (2009), Perlin e Strobel (2006), Skliar (1999),
Strobel (2008), Rodrigues (2006). O trabalho propõe apresentar uma breve retrospectiva
histórica da história dos surdos e como eram tratados ao longo dos séculos desde a Idade Média
até a Idade Contemporânea. As abordagens educacionais, como o oralismo e a comunicação
total, frutos de políticas educacionais que buscavam a normalização desses indivíduos, mas
acabaram cedendo lugar ao bilinguismo com seus avanços que permitiram a comunidade surda
começar a vislumbrar e lutar por uma pedagogia surda, que gerou mudanças importantes no
processo educacional dos surdos no Brasil, com avanços na legislação que sustenta as ações que
estão sendo desenvolvidas. Contrapondo a educação inclusiva e a bilíngue, apresentando os
anseios da comunidade surda e os desafios para educação de surdos no cotidiano escolar.
Diante do exposto, é imprescindível trabalhar a identidade e a cultura na perspectiva dos
surdos. A metodologia utilizada para este trabalho foi a pesquisa exploratória, conduzida por
uma pesquisa bibliográfica e documental, com analise das informações em livros, artigos e
periódicos com a abordagem qualitativa. Sem a pretensão de trazer uma solução, almeja-se uma
reflexão acerca da educação bilíngue, que reconheça a cultura surda e as identidades
multifacetadas que a constituem, acreditando ser através dessa educação que a visão político-
social é implementada e, a partir daí, a conscientização e o fortalecimento desse segmento da
1 Luciane Ferreira Bomfim - [email protected]
2 Guilhermina Elisa Bessa da Costa - [email protected]
3 Reinaldo dos Santos Cordeiro 3 - [email protected]
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sociedade que tem se firmado de forma resiliente em busca da construção de um novo capitulo
de sua história.
Palavras–chave: Educação Bilíngue, Surdos e LIBRAS.
INTRODUÇÃO
A educação de surdos é um tema bastante estudado na contemporaneidade, em virtude
das lutas da comunidade e de algumas políticas públicas, que trazem a proposta da
educação bilíngue e com isso a necessidade de conhecer seus princípios norteadores
para estes estudantes de modo a contribuir para a compreensão desse processo, através
do aprofundamento dos conhecimentos desse universo educacional que requer estudos
constantes dadas a sua dimensão.
Com o advento da Lei 10.436/2002 que reconhece a Libras (Língua Brasileira de
Sinais) como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas e do Decreto
5626/2005 que a regulamenta, houve mudanças no ambiente escolar que precisam ser
estudadas e debatidas, pois o que o que ocorre com a educação inclusiva, por vezes não
corresponde ao desejo da comunidade surda. Por isso, se fazem necessários estudos
embasados nas teorias que sustentam a educação bilíngue, a cultura surda e políticas
acessibilidade linguísticas.
Desta forma, conhecer a realidade escolar, principalmente na educação básica, dará uma
perspectiva das mudanças que já ocorreram e quais os desafios que se desenham nas
ofertadas inclusivas e na proposta bilíngue das escolas públicas, este último ao qual
corresponde o desejo da comunidade surda, mas distante da maioria dos indivíduos em
virtude principalmente de questões: técnicas (falta de pessoal qualificado e materiais
adaptados) e políticas (visão deturpada da educação de surdos, baixo investimento para
formação de pessoal e criação de espaços especializados).
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O artigo foi dividido em três tópicos: Retrospectiva acerca dos princípios que
preconizam a educação de surdos. No segundo, foi apresentado um paralelo entre a
educação inclusiva e a educação de surdos, com o questionamento sobre qual a escola
os surdos desejam e um breve resumo da proposta da educação bilíngue. No terceiro, foi
apresentado os principais desafios para a educação de surdos no cotidiano escolar na
contemporaneidade.
1. RETROSPECTIVA DOS PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM A
EDUCAÇÃO DE SURDOS
A trajetória da educação de surdos é marcada por lutas e desafios desde a Idade Média
até a Idade Contemporânea, são vários os movimentos que ocorreram para chegar aos
dias atuais, que também continuam sofrendo influência das políticas públicas e das leis
que abordam a educação de surdos, apresentado ao longo dos últimos dois séculos,
diferentes abordagens e propostas educacionais para estes sujeitos.
Trataremos aqui a partir do Oralismo, este que representou a negação da identidade
surda e ganhou força a partir do Congresso de Milão em 1880, quando as línguas de
sinais foram banidas das escolas, com isso, um período de trevas se inicia na contra mão
da ampla valorização e aceitação que já haviam conquistado as línguas de sinais.
A filosofia oralista, usava a integração da criança surda à comunidade ouvinte com a
ideia de dar-lhes condições de desenvolver a língua oral (no caso do Brasil, o
português). Esta filosofia percebe a surdez como uma deficiência que deve ser
minimizada através da estimulação auditiva (GOLDFELD, 1997, p. 30 e 31).
A abordagem oralista, baseia-se na crença de que esta é a única forma desejável de
comunicação para o sujeito surdo, percebendo a surdez como um problema patológico
que carece de tratamento clínico e a língua de sinais (LS) como obstrutora no
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desenvolvimento da fala, designando-os como pessoas as quais o déficit aditivo
imprime valores e representações que não o identifica. Contrariando o que Skliar (1997,
p.33 apud GESSER, 2009 p.46) afirma ao dizer que : “a construção das identidades não
depende da maior ou menor limitação biológica, e sim de complexas relações
linguísticas, históricas, sociais e culturais.”
Impedir a comunicação gestual resultou no fracasso do Oralismo. Diante desse quadro
que não atendia às expectativas ouvintes e menos ainda a dos surdos, começou a ser
desenvolvida a partir de meados de 1960, graças aos estudos linguísticos de William
Stokoe (1960), e mais tarde com contribuições de Klima e Bellugi (1979), a
Comunicação Total onde se ponderava a inclusão de todo o espectro dos modos
linguísticos: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala, leitura orofacial,
alfabeto manual, leitura e escrita no intuito de promover a comunicação e garantir o
acesso à educação (FREEMAN, 1999, p.171).
Houve avanços significativos na comunicação entre crianças surdas e ouvintes, porém
as habilidade de leitura e escrita continuavam muito limitadas, além do esperado.
Capovilla (2001) traz um experimento dinamarquês da década 70, onde algumas
professoras foram filmadas enquanto ministravam aulas em classes de surdos e
posteriormente indagadas sobre o que estavam a comunicar. Tamanha foi a surpresa e
estranheza delas em não conseguirem definir exatamente o que estavam a falar com o
grupo. Por não poupar recursos no esforço de transmitir as ideias, a Comunicação Total
não possuía características padronizadas, nem parâmetros gramaticais claros, cada
pessoa com sua forma peculiar de expressão transmitia a mensagem ao seu modo, o que
a tornava um amontoado de informações disformes e de clareza pouco duradora.
A Comunicação Total não foi adiante, porém abriu as portas para um abordagem
educacional que, ao contrário das anteriores, trouxe para os surdos uma ideologia que
tem como pressuposto básico primeiramente aquisição LS, que é considerada sua língua
natural, através do contato com pessoas fluentes, sejam seus pais, professores ou pares e
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posteriormente da língua oficial de seu país na modalidade escrita como L2, e só
posteriormente a aquisição da L2 (língua oficial de seu país) na modalidade escrita, sem
almejar uma vida semelhante a do ouvinte, podendo assumir sua surdez (GOLDFELD,
1997, p. 38).
A abordagem bilinguista, surge no final da década de 70, na atualidade é a mais
reivindica, por ser considerada adequada para propostas de ensino dos surdos, por
reconhecer e basear-se no fato de que esse indivíduo vive numa condição bilíngue e
bicultural, isto é, convive no dia a dia com duas línguas e duas culturas. Aos
profissionais que atuam de forma direta com surdos, não basta apenas conhecer a
Língua Brasileira de Sinais para atuar eficazmente na escola, é necessário também, a
imersão cultural através da participação e vivência na comunidade surda, aceitação da
diferença e paciência para inteirar-se nela (VILHALVA, 2004, p.1).
Grandes avanços são conquistados, agora com participação dos pesquisadores surdos na
luta por uma educação bilíngue alicerçada em uma Pedagogia Surda, dentro de uma
perspectiva que requer muita flexibilidade e criatividade dialógica sinalizada, sempre
reafirmando a importância da mediação intercultural voltada para construção de uma
identidade surda, sem a antiga hibridação ouvinte, em um processo de ensino-
aprendizagem com vistas à prática social, que respeite o sujeito sócio-histórico com a
devida preocupação e valorização da questão linguística.
A luta travada pela comunidade surda não termina por aqui, diria até que esse é apenas
o começo, considerando o árduo trabalho que se tem para implementar as conquistas já
alcançadas de modo a garantir aos surdos e familiares o direito de optarem pela
abordagem educacional que mais se aproxime do seus desejos.
2. INCLUSÃO EDUCACIONAL DOS SURDOS: QUE ESCOLA OS
SURDOS DESEJAM?
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A luta em prol da educação de surdos no Brasil é marcada por inúmeros confrontos em
prol de uma educação idealizada pela comunidade surda. Advêm de uma trajetória
marcada pela exclusão, hegemonia, o embotamento das escolas especiais e o domínio da
cultura ouvinte sobre os surdos. Porém, nada disso foi impedimento para que a
comunidade surda se reunisse e lutasse em prol dos seus direitos, em busca de uma
educação que atendesse as suas especificidades.
Começaremos com LDB 9394/96, que no Capítulo V, nos Artigos 58, 59 e 60 versa
sobre a Educação Especial de uma forma geral e “garante” aos educandos com
necessidades especiais, instituições com adaptações curriculares, com suporte
profissional e material especializado, visando a sua efetiva integração4 na vida em
sociedade. Apesar do discurso político de “escolas inclusivas”5, a LEI é mais simplória
e condizente com a realidade brasileira, tratando do assunto como integração de alunos
em classe comuns de ensino regular (Art.58, § 2º), nomenclatura mais adequada para o
processo que vem ocorrendo na prática.
A LEI Nº 10.436 de 24 de Abril de 2002, outorgada pelo então presidente: V. Ex.a
Fernando Henrique Cardoso trata especificamente de assuntos pertinentes aos surdos e
reconhece a LIBRAS como língua oficial dos mesmos, onde no Art.1º parágrafo único,
se lê:
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-
motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de
transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do
Brasil.
4Afigura-se consensualmente que a integração pressupõe uma “participação tutelada” numa estrutura com
valores próprios e aos quais o aluno “integrado” tem que se adaptar. (RODRIGUES, 2006) 5 Podemos considerar Escola Inclusiva aquela cujos pressupostos estão centrados na comunidade, livre de
barreiras (desde as arquitetônicas às curriculares), promotora de colaboração e de equidade. Com práticas
que valorizam o contributo ativo de cada aluno para a construção de um conhecimento partilhado que
atinge a qualidade acadêmica e sociocultural sem discriminação. (RODRIGUES, 2006)
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O reconhecimento da LIBRAS foi um marco de fundamental importância para o
desenvolvimento de políticas adequadas de acessibilidade. O decreto Nº 5.626, de 22 de
dezembro de 2005 que regulamenta a LEI e foi elaborado depois de ampla discussão
nacional é reflexo disso. Neste documento podemos destacar os seguintes capítulos: II.
Que inclui a LIBRAS como disciplina curricular; III. Trata da formação do professor e
do instrutor de LIBRA; IV. Aborda o uso e a difusão da LIBRAS e da língua portuguesa
para o acesso das pessoas surdas à educação, e o VI. Que garante o direito à educação
das pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Em consonância com a Declaração de
Salamanca, que destaca a importância da Língua de Sinais como meio de comunicação
dos surdos, além disso, reconhece e provê que todas as crianças tenham acesso a
educação na língua gestual do seu país.
Com a nova legislação e os avanços nos estudos das questões cognitivas relacionadas
aos surdos, á segregação que ocorria nas “escolas especiais” de forma explícita, começa
a ser escamoteado através integração desses educandos em classes comuns. Sem o
devido preparo dos professores e o suporte especializado, o fracasso escolar tem sido a
consequência observada na prática, o indivíduo é lesado em seu direito de acesso a
educação de qualidade.
Outro problema para os alunos surdos inseridos nas classes comuns é a ausência de
referenciais surdos. Fato que enfraquece a cultura e produz à baixa autoestima, além de
uma sensação de incompetência diante da dificuldade na compreensão de conteúdos
considerados simples, mas que não são alcançados e resultam em reprovação e evasão
escolar. Por este motivo, a maioria da comunidade surda, deseja uma educação bilíngue.
2.1 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA OS SURDOS
A proposta de educação bilíngue embora recente é uma luta da comunidade surda que
surge em discordância ao modelo de inclusão educacional, segundo eles as escolas
inclusivas não atendem aos seus direitos e não valorizam a sua cultura. Segundo a
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presidente da Feneis, Karin Strobel (in Revista Feneis, 2011): "a escola bilíngue é
comprovadamente a melhor para a socialização, alfabetização e inclusão social de
surdos”.
Num documento elaborado pela comunidade surda, conhecido como Pré-Congresso ao
V Congresso Latino Americano de educação bilíngue para surdos, realizado em Porto
Alegre/RS, no salão de atos da reitoria da UFRGS, nos dias 20 a 24 de abril de 1999, há
uma declaração do ideal de escolas almejada em um documento intitulado: “A educação
que nós surdos queremos”. Neste documento, eles enumeram uma serie de
reivindicações e apresentam outras recomendações para serem efetivadas neste modelo.
O documento está dividido em três temáticas são elas: 1. Políticas e práticas
educacionais para surdos; 2. Comunidade, cultura e identidade; 3. Formação do
profissional surdo. O bilinguismo entendido como uma escola na qual a comunidade
surda sonha e luta, em um espaço que atenda as especificidades desta minoria, além de
fomentar a construção de sua identidade surda com as diferenças e complexidades, sem
as imposições de “normalidade” e nem o ouvintismo6.
Para Skliar, (2010), as mudanças decorrentes do aprofundamento teórico sobre a surdez,
fundamentado numa visão sócio-antropológica, são importantes, mas ainda não podem
ser consideradas por si só como suficientes para firmar um novo olhar sobre a surdez,
pois existem muitas limitações nas organizações de projetos políticos e direitos
linguísticos.
É importante ressaltar que no modelo sócio-antropológico, a Língua de Sinais é vista
como caminho indispensável para a educação do surdo, sendo a existência das
comunidades, identidades e experiências visuais, marcas que os diferencia de qualquer
outro grupo, pois o que distingue um surdo de um ouvinte não é apenas audição, mas os
6 Ouvintismo - neologismo utilizado pelo autor Carlos Skliar (1998, p 15) para descrever “um conjunto de
representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse
ouvinte”.
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contextos sociais, visuais e culturais em que podem estar inseridos. Almeida (2000)
explica que não existe uma patologia nem uma inferioridade do sujeito em relação aos
demais, à surdez é vista como uma diferença e não como deficiência.
Conforme Skliar (1998) o Bilinguismo não se limita apenas a aquisição de duas línguas,
mas a aplicação do termo na área da educação dos surdos deveria aludir à sua
concepção pedagógica, isto é, ao direito dos sujeitos que possuem uma língua
minoritária de serem educados nessa língua, por que senão, não haverá de fato a
inclusão e sim uma adaptação, já que a língua portuguesa é a principal forma de
comunicação.
A proposta bilíngue defende a ideia de classes e escolas especializadas para surdos, e só
a partir do segundo ciclo do Ensino Fundamental a inserção em escolas e classes
comuns, quando já adquiriam a língua de sinais e estão alfabetizados no português.
Defensores do bilinguismo garantem que as escolas bilíngues não são de forma alguma
segregacionista, já que os surdos têm interação com quase 90% de ouvintes a sua volta,
que segregacionista é a atitude de impor que surdos e ouvintes estudem no mesmo
espaço sem as mesmas condições de aprendizagem.
3.DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO COTIDIANO ESCOLAR.
Estudar essa temática exige responsabilidade, principalmente quando tratamos de
estudantes que necessitam superar as barreiras linguísticas existentes no Brasil, onde se
apresentam inúmeros desafios.
Para atender as demandas dos educandos surdos é preciso considerar a necessidade da
presença do intérprete e professores bilíngues, como também a inserção da Língua de
Sinais em todo o âmbito escolar, através da LIBRAS como disciplina curricular e cursos
de LIBRAS para comunidade, evitando que a comunicação fique restrita a surdos e
intérpretes. Além disso, são necessárias adaptações curriculares contextualizadoras que
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considerem a cultura e a forma particular de apreensão (visual) e construção de
conhecimentos do “povo Surdo” 7.
Essa estrutura educacional, entre outros aspectos que preconizam a LEI, favorece a
desconstrução das antigas escolas especiais, segregadoras que desconsideravam a
cultura dos surdos e contribuíam para o fracasso escolar. Com a construção de escolas
ou classes especializadas, voltadas para o cumprimento funcional da educação que é o
desenvolvimento pleno da capacidade cognitiva e social do indivíduo, tirando o olhar
das limitações e buscando as possibilidades e potencialidades de cada um, como
afirmado no quarto pilar da educação (aprender a ser) quando diz que:
[...] a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa -
espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade
pessoal, espiritualidade. Todo ser humano deve ser preparado, especialmente
graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos
autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de
modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias
da vida. (DELORS, 1999, p.99)
Diante dessa perspectiva é preciso garantir a apresentação dos conteúdos com base no
respeito às diferenças, possibilitando aos estudantes surdos, um desenvolvimento em pé
de igualdade com os demais estudantes das classes comuns. Também, faz-se necessário
o enfrentamento da exclusão com um olhar atento, buscando entender os fatores
individuais e coletivos, que favorecem os avanços educacionais pretendidos por uma
educação ética.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória da educação de surdos é provida de desafios, que ao longo dos anos vem
sendo superados. A caminhada a ser percorrida é longa, em busca do ideário desta
comunidade para fazer valer os direitos já conquistados com muitos dilemas a enfrentar,
7 É formado por sujeitos surdos que compartilham os costumes, histórias, tradições em comum que
pertencem às peculiaridades culturais, ou seja, constroem sua concepção de mundo através do artefato
cultural visual, podem ou não habitar no mesmo local, mas estão ligados por uma origem, por um código
ético de formação visual, independente do grau de evolução linguística. (STROBEL, 2008, p.34).
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que vão além do reconhecimento linguístico, pois apenas o uso da língua de sinais não
irá garantir uma educação de qualidade. A proposta bilíngue visa o uso de metodologias
que atendam as especificidades dos educandos surdos, um espaço onde possa
desenvolver a sua identidade com outras crianças surdas.
A luta por escolas bilíngues se constitui em uma questão de direito humano, de ter
acesso à instrução em Libras, de ser educado num ambiente onde seu instrutor seja
surdo ou o professor seja fluente na língua de sinais, um espaço que permita ao surdo
construir sua identidade com os valores de sua cultura com o reconhecimento de sua
cidadania.
Sem a pretensão de trazer uma solução, este artigo almeja uma reflexão acerca da
educação bilíngue para surdos com reconhecimento da cultura surda e das identidades
multifacetadas que a constituem, acreditando ser através dessa educação que a visão
político-social é implementada e, a partir daí, a conscientização e o fortalecimento desse
segmento da sociedade que tem se firmado de forma resiliente em busca de um novo
capitulo da sua história.
REFERÊNCIAS:
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BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre em Língua Brasileira de Sinais -Libras e
dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 abr. 2002.
Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ Acesso em: 03 de julho de 2016.
_______. Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de
2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei 10.098, de 19 de
dezembro de 2000. Disponível em: //www.planalto.gov.br/ Acesso em 03 de julho de 2016.
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