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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO MARCOS HENRIQUE EDUCAÇÃO, ARTE E CULTURA Uma práxis educativa com movimentos de cultura popular afro-brasileira: Jongo, Capoeira e Samba de Bumbo. MESTRADO EM EDUCAÇÃO UNISAL Americana 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

MARCOS HENRIQUE

EDUCAÇÃO, ARTE E CULTURA

Uma práxis educativa com movimentos de cultura popular afro-brasileira: Jongo, Capoeira e Samba de Bumbo.

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

UNISAL Americana

2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

MARCOS HENRIQUE

EDUCAÇÃO, ARTE E CULTURA

Uma práxis educativa com movimentos de cultura popular

afro-brasileira: Jongo, Capoeira e Samba de Bumbo.

Investigar os desafios dos movimentos de arte popular afro-brasileira com

olhar na educação informal, realizados por mestres de cultura popular na

cidade de Campinas, destacando a Capoeira, o Jongo e o Samba de bumbo.

Dissertação orientada pelo Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa.

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

UNISAL

Americana

2014

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Henrique, Marcos.

H448e Educação, arte e cultura: uma práxis educativa com movimentos de cultura popular afro-brasileira: jongo, capoeira e samba de bumbo / Marcos Henrique. Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2014.

151 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL/SP.

Orientador: Severino Antônio Moreira Barbosa.

Inclui bibliografia.

1. Educação e arte. 2. Cultura. 3. Cultura popular. 4. Educação sociocomunitária. I. Título.

CDD 370

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539

Bibliotecária UNISAL – Americana

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Marcos Henrique

Educação, Arte e Cultura. Uma práxis educativa com movimentos de cultura popular afro-

brasileiro: jongo, capoeira e samba de bumbo.

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação no Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em 15/03/2014, pela comissão julgadora:

Banca examinadora

Prof. Dr. : José Geraldo Marques Instituição: UNICENTRO Assinatura: _______________________________________________________

Prof. Dr.: Francisco Evangelista Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL Assinatura: _______________________________________________________

Prof. Dr..: Severino Antônio Moreira Barbosa (Orientador) Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL Assinatura: _______________________________________________________

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Dedicatória

Este trabalho é resultado de frutos de pesquisas e de vivência. Agradeço a

todos os educadores que me auxiliaram no processo de caminhada na

educação e formação, agradeço a todos amigos e companheiros que

conviveram em minhas experiências de vida praticando, dançando, tocando e

cantando a arte e a cultura popular Afro-brasileira.

Esta dissertação traz às respectivas considerações as pessoas que

diretamente e indiretamente me encorajaram a persistir na minha formação

humana e educacional. E outros não mencionados aqui que vem me assistindo

e me ajudando, com olhares positivos.

Dedico, a todos meus familiares, ao meu filho Gabriel Pereira Henrique, aos

mestres de cultura popular Mestre Cícero, Mestra Maria Lice Ribeiro e Mestre

Alceu. Também os impressionantes educadores que me acolheram e

orientaram de maneira positiva e inclusiva Dr. Francisco Evangelista e Dr. José

Geraldo Marcos.

Também aos amigos e companheiros de trabalho, Mirtes Venâncio, Rogério

Donizetti Bueno, Augusto Cesar Lima, Maria de Lurdes, e outros que

indiretamente me acompanharam e apoiaram.

A todos muito obrigado por acreditar e dividir comigo esse sonho.

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Resumo

Este trabalho investiga desafios dos movimentos de arte popular Afro-brasileira, com o

olhar na educação informal, realizado por Mestres de cultura popular na cidade de

Campinas, destacando a Capoeira, o Jongo e o Samba de Bumbo. Assim, a pesquisa

analisa aspectos de arte popular, representa pela música, dança e jogo. A investigação

realiza-se a partir de movimentos culturais, como eles surgiram e de que maneira estes

movimentos conseguiram permanecer vivos até os dias atuais, preservando a história e

tradições. Dessa maneira, de modo qualitativo, como objetivo central, busca-se saber

como as expressões da cultura popular afro-brasileira - Jongo, Capoeira e Samba de

Bumbo - estão atuando em Campinas, principalmente a forma como os mestres

detentores desses saberes representam e expressam sua arte, como realizam seus

ensinamentos, seu trabalho de educação e cultura. Como fundamentação teórica a

pesquisa se basea em conceitos de cultura e arte de vários autores, como ARANHA,

Lucia (1986); CHAUI, Marilena, (1990); GULLAR, Ferreira, (1993) DUARTE Francisco

J.(1991), além de diversos autores na área de educação, filosofia, antropologia, história e

artes. Destacarei as vozes dos Mestres educadores de Campinas: Mestre Cícero,

Capoeirista; Mestra Alessandra, Jongueira; e Mestre Alceu, Samba de Bumbo; Mestres

e detentores de conhecimentos da cultura popular Afro-brasileira.

Palavras chave

Educação sócio-comunitária; cultura popular; Jongo; Samba de Bumbo; Capoeira.

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ABSTRACT

This paper researches challenges faced by the movements of African Brazilian

popular art, with a focus on informal education, carried out by Masters of popular culture in

the city of Campinas, highlighting Capoeira, Jongo and Samba de Bumbo. The paper

analyzes aspects of popular art represented by music, dance and game. This research is

based on cultural movements; how they came about and how these movements have

been able to survive to the present day, preserving their history and traditions. Through a

qualitative research method, it is to be better known how these expressions of the Afro-

Brazilian popular culture – Jongo, Capoeira and Samba de Bumbo – are taking place in

Campinas. More specifically, it is focused on the way these masters or holders of old

knowledge, represent and express their art as well as how they accomplish their teachings

of education and culture. The theoretical construct of this paper is based on concepts of

culture and art, by various authors, such as ARANHA, Lucia (1986); CHAUI, Marilena,

(1990): GULLAR, Ferreira, (1993) DUARTE Francisco J. (1991), apart from many other

authors in the area of education, philosophy, anthropology, history and fine arts. This

paper highlights the voices of Masters of Education in Campinas: Mestre Cicero,

Capoeirista; Mestra Alessandra, Jongueira; and Mestre Alceu, Samba de Bumbo;

Masters and holders of historical knowledge of Afro-Brazilian popular culture.

Key Words

Community education, Popular culture; Jongo; Samba de Bumbo; Capoeira.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO...................................................................................................04

CAPÍTULO I

MEMÓRIAS

1.1 Memória de arte, cultura e vida...................................................................08

1.2 A arte como criação cultural humana...........................................................23

1.3 Origem da arte..............................................................................................32

1.4 Cultura geral.................................................................................................38

1.5 Cultura Popular.............................................................................................47

1.6 Cultura Erudita.............................................................................................51

CAPÍTULO II

A ARTE E EDUCAÇÃO

2.1 Arte e educação: visão panorâmica.............................................................56

2 .2 Arte e educação: Paulo Freire....................................................................65

CAPÍTULO III

ARTE E CULTURA FRO-BRASILEIRA

3.1 Arte popular.................................................................................................73

3.2 Arte na religião.............................................................................................79

3.3 Arte, expressão corporal..............................................................................87

3.4 Arte de expressão popular afro-brasileira....................................................91

3.5 Música, arte de comunicação......................................................................95

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CAPÍTULO IV

VOZES DOS MESTRES

4. 1 Vozes dos Mestres...................................................................................107

4.2 Arte Cultural: A Capoeira...........................................................................110

4.3 Arte Cultural: Jongo Dito Ribeiro..............................................................116

4.4 Arte Cultural: Samba de Bumbo................................................................124

4.5 Escuta do Legado......................................................................................139

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................145

UM NOVO OLHAR..........................................................................................149

REFERÊNCIAS BIBLIBLIOGRÁFICAS...........................................................150

ANEXO 01, Livro Baobá.

ANEXO 02, DVD Tambores de Ouro.

ANEXO 03, Depoimento Matriarcas do Samba de Bumbo.

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INTRODUÇÃO

ALIMENTANDO SONHOS

Como uma criança no pomar me encontro,

Prestes a subir e apanhar frutos,

Quem sabe eles saciem minha fome e sede,

Quem sabe esse alimento me dê forças e coragem,

Quem sabe essa fruta me ajude a enxergar e

compreender,

Quem sabe eu consiga obter a semente da criação,

Quem sabe permaneça me alimentando no pomar.

MARCOS HENRIQUE

Este trabalho tem o escopo de investigar desafios dos movimentos de arte

popular afro-brasileira: a Capoeira, o Jongo e o Samba de Bumbo, a partir da educação

informal realizada por mestres da cultura popular tais como Mestre Cícero, Mestra Maria

Lice Ribeiro e Mestre Alceu, educadores que atuam transmitindo seus conhecimentos na

cidade de Campinas, e região.

Desta forma, a presente dissertação de Mestrado visa contribuir para a

consciência educacional e social de estudantes, pesquisadores e universitários, a fim de

despertar a compreensão sobre influências na formação da arte e da cultura popular afro-

brasileira.

No tocante à cultura brasileira, destacam-se três povos significativos que

contribuíram expressivamente para sua formação: os índios, os negros e os portugueses.

Os povos negros e índios eram vítimas da política de exploração e escravidão humana, a

qual se perpetuou por três séculos no Brasil, durante o período da colonização.

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Diante deste cenário hostil, negros africanos e índios criaram inúmeros

movimentos de resistência que influenciaram a arte e a cultura popular afro-brasileira. No

princípio, tais expressões foram desenvolvidas com o intuito de externar os gritos de lutas,

dores e perdas, além de representar os sofrimentos, as vitórias e a fé em suas divindades

religiosas.

Os movimentos culturais, objetos desta pesquisa, nasceram de expressões

africanas e indígenas: o Jongo (oriunda dos quilombos do Rio de Janeiro, de São Paulo e

do Sul de Minas Gerais), o Samba de Bumbo (dança regional do Sul de Minas Gerais e

de São Paulo), a Capoeira (luta de expressão da resistência do negro contra a opressão

escrava). Muitos outros movimentos afros desapareceram no Brasil, embora alguns povos

tenham resistido por conseguirem refúgio nos quilombos ou por se esconderem nos

guetos, favelas e morros. Nestes lugares afastados das cidades e vilarejos, vive, até hoje,

a maioria de seus descendentes.

A Capoeira, o Jongo e o Samba de Bumbo fazem parte do contexto histórico da

cultura popular brasileira e venceram o tempo preservando parte de suas histórias, seus

saberes e valores culturais. Atualmente, representantes destas manifestações possuem

aceitação social e são reconhecidos como mestres da cultura popular afro-brasileira.

Assim, a presente dissertação tem a prioridade de investigar como os mestres de

culturas populares – especificamente os conhecedores da Capoeira, do Jongo e do

Samba de Bumbo – disseminam seus saberes e salvaguardam as histórias e tradições de

sua arte na cidade de Campinas.

Na tentativa de esclarecer uma série de assuntos sobre a cultura, a arte e a

educação, os textos desta dissertação estão apresentados separadamente. Porém, os

mesmos estão unidos pela interpretação dos temas em uma linha de raciocínio que se

aproxima das discussões sobre os movimentos de arte e cultura popular. Serão

abordados, sumariamente, temas gerais destes movimentos, apontando teorias e

conceitos necessários ao entendimento do assunto discorrido. Para tal, foram utilizados

pensamentos de cientistas sociais e humanistas da área da antropologia, da filosofia, da

educação, da arte e da história.

Nessa construção, alguns conceitos da antropologia se fazem importantes, pois

dela surgiu a necessidade do homem de pensar sobre si e sua cultura, a fim de entender

e vivenciar a cultura do outro. Os pensamentos da filosofia aqui utilizados buscam

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apresentar explicações para as razões e ações das experiências humanas e propõem

observar, conhecer, investigar, discutir e solucionar problemas da vida. Além disso, um

diálogo com autores da educação é feito com o intuito de pesquisar a capacidade de

desenvolvimento intelectual dos seres humanos ao entender, criar e modificar o meio e a

história, que corrobora e mostra fatos da humanidade carregados de traços culturais.

Como embasamento teórico, serão utilizadas as linhas de pensamentos de

ARANHA, Lucia (1986); CHAUI, Marilena, (1990); GULLAR, Ferreira (1993); e DUARTE

Francisco J. (1991). Além dos autores RIBEIRO, Darcy (1981) e (1995); LOPES (2006);

FREIRE, Paulo (2008) e (2011); SAVIANI, (2010); GOMES, M. Pereira (2008); KEESING,

Felix (1961); WHITE, Leslie (2009); ANTONIO, Severino (2008); (2009) e (2010); FAURE,

Élie (1990); HELOISA, M. Correia (2003) e RIBEIRO, José (1970).

Os depoimentos dos mestres educadores são fundamentais para validar esta

dissertação, pois estes são detentores de conhecimentos da tradição e cultura populares.

Por esse motivo, estão em destaque as falas de mestre Cícero (Capoeirista), mestra

Maria Lice Ribeiro, (Jongueira) e mestre Alceu (Sambista de Bumbo).

A partir do presente estudo sobre os já citados movimentos sociais e culturais

afro-brasileiros, pode-se perceber que há um grande desafio para sua efetiva inclusão,

tanto social quanto educacional, pois, ainda nos dias de hoje, a sociedade campineira

demonstra grande resistência a essas expressões populares.

Para um bom desenvolvimento, esta pesquisa está estruturada em três capítulos.

No primeiro, será esplanada a formação do povo brasileiro, juntamente com a história de

vida do autor do presente trabalho, visando justificar a escolha do tema para investigação

sócio-comunitária que o norteia. Inicialmente, o homem será abordado como um ser

cultural contextualizando, simultaneamente, fundamentos das culturas geral, erudita e

popular. Neste capítulo, também serão abordados a formação e o desenvolvimento da

cultura humana.

No segundo capítulo, serão discutidos assuntos relacionados aos conceitos de

educação e arte, sendo estes: a arte na educação e na criação cultural humana, bem

como a sua influência no desenvolvimento das idealizações e criações.

No terceiro capítulo, investigar-se-á a arte na religião; na expressão corporal; na

cultura popular, como elemento afro-brasileiro; e na música, como forma de comunicação.

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No quarto capítulo, evidenciam-se os desdobramentos e os desafios dos mestres

da Capoeira, do Jongo e do Samba de Bumbo para repassar seus saberes e

conhecimentos ao público campineiro.

À metodologia da pesquisa qualitativa, somam-se as entrevistas com os mestres

de saberes populares, pesquisas bibliográficas e, como embasamento teórico, os

professores Groopo e Martins (2007).

Desta maneira, objetivou-se realizar uma pesquisa multifacetada, que busca

destacar a trajetória da cultura popular afro-brasileira na cidade de Campinas e,

principalmente, trazer a voz dos respectivos mestres.

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CAPÍTULO I

MEMÓRIA DE ARTE, CULTURA E VIDA.

1.1 Memória de Arte, Cultura e Vida.

ESPELHO

Parei para me ver ao espelho,

Percebi que a imagem carregava inúmeras histórias.

Viajei no passado,

Fatos e acontecimentos emergiram na memória;

Descobri que sou fruto do meu passado.

O meu futuro será resultado do que irei plantar,

Mas, para tal, é necessário semear um futuro próspero

E separar os bons frutos das colheitas anteriores.

MARCOS HENRIQUE

A linguagem, ao mesmo tempo em que permite o

distanciamento do homem sobre o mundo, por meio da

representação simbólica e abstrata, também é o que

permitirá o retorno ao mundo para transformá-lo.

LUCIA ARANHA.

Na manhã ensolarada de 14 de janeiro, típica de um dia de verão quente

brasileiro, havia no céu pequenas nuvens que passeavam e compunham o cenário. Estas

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se encontravam de várias formas: longes umas das outras, agrupadas ou, ainda,

totalmente isoladas.

Para um bom observador, este fenômeno natural era um valioso sinal de que

haveria chuva ao entardecer. Em solo, pássaros cantavam nas poucas árvores

remanescentes que permaneceram às margens das calçadas das casas. Cachorros

passeavam tranquilamente e transeuntes, alguns apressados e outros dispersos,

caminhavam pelas ruas da cidade.

Naquele momento, estava no meu trabalho, na Guarda Municipal de Campinas,

fazendo o patrulhamento social e comunitário. Tinha como tarefa fazer uma visita à creche

CEMEI Comecinho de Vida, na Vila Orosimbo Maia. Chegando ao local, a diretora e a

vice-diretora discutiam sobre as diretrizes de plano de aulas para o primeiro semestre de

2013. Foi uma grande surpresa e uma luz para que eu pudesse dar início a esta

dissertação. O assunto abordado era a identidade dos novos alunos que ingressariam na

CEMEI, considerando a enorme relevância deste aspecto para a aprendizagem e,

principalmente, para a construção de valores sociais, culturais e educacionais.

O interessante é que o objetivo de minha investigação vai ao encontro do assunto

discutido pelas gestoras. Porém, através de outra vertente: a arte e a cultura popular.

Fiquei aliviado e, ao mesmo tempo, surpreso, pois a resposta estava mais próxima do que

eu imaginava. Tal vertente faz parte da história e da formação do povo brasileiro.

Pautei-me no antropólogo Darcy Ribeiro, quem apresenta as configurações

sociais que formaram o povo brasileiro, as influências dos índios, dos negros africanos e

dos colonizadores para construção social e cultural. Darcy Ribeiro, ao tratar da formação

do povo brasileiro, não apresenta qualquer retrato favorável de uma nação que poderia

ser construída para dar um lar próspero aos futuros filhos que aqui nasceriam. Desse

modo, mostra o Brasil como um lugar indesejável para se viver, embora bom para o

comércio, de acordo com o seguinte fragmento.

O Brasil não nasceu como etnia e se estruturou como nação em consequência da

soma dos desígnios de seus criadores. Surgiu, ao contrário, como uma espécie de

subproduto indesejado e surpreendente de um empreendimento colonial, cujo

propósito era produzir ouro ou café e, sobretudo, gerar lucros exportáveis.

(DARCY RIBEIRO, 1981, p.19).

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Infelizmente, é triste a forma como foi construída a sociedade brasileira, na qual

houve inúmeras perdas. Homens foram usados como ferramentas de trabalho para suprir

as necessidades de outros homens – a saber, dos portugueses – que fizeram do Brasil

sua colônia. Milhares de vidas foram exauridas no tempo do Brasil Colonial, que se

estendeu desde 22 de Abril de 1.500 até tornar-se independente, em 07 de Setembro de

1.822. As primeiras vítimas foram os indígenas, os verdadeiros donos das terras, que aqui

habitavam.

Darcy Ribeiro (1995) discorre como os povos explorados (índios e negros) em

busca de resistência, perderam suas vidas:

O povo brasileiro pagou, historicamente, um preço terrivelmente alto em lutas das

mais cruentas de que se tem registro na história, sem conseguir sair, através

delas, da situação de dependência e opressão em que vive e peleja. Nestas lutas,

índios foram dizimados e negros foram chacinados aos milhões, sempre vencidos

e integrados nos plantéis de escravos. O povo inteiro, de vastas regiões, às

centenas de milhares, foi também sangrado em contrarrevoluções sem conseguir,

jamais, senão episodicamente, conquistar o comando de seu destino para

reorientar o curso da história. (DARCY RIBEIRO 1995, p.26).

Os índios consideravam a natureza uma genitora da vida e desfrutavam dela,

portanto, não compreendiam a razão de ajuntar bens na terra sabendo que, um dia, todos

morreriam. Muitos deles experimentaram a fúria dos colonizadores, que os submeteram

ao trabalho forçado, e morreram devido à ganância e à crueldade daqueles homens.

Quirino, em seu artigo “O Colono Preto Como Fator da Civilização Brasileira”

(1918), contribui afirmando que, com a necessidade de continuar a exploração nas terras

brasileiras, os portugueses lançaram mão de outras colônias.

Não contentes com escravizar o índio brasileiro, destruindo-lhe tribos e nações

inteiras, como se deu no Maranhão e no Pará, como se fez no Guaiá, na zona do

sul, no século XVII, e porque o escravo indígena era mui inconstante e menos

seguro, sobre ser uma propriedade muito controvertida entre os colonos e as

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autoridades, voltaram os colonizadores do Brasil vistas cobiçadas para as terras

da África e daí retiraram a mais rica mercadoria que lhes não forneciam os

silvícolas americanos. (QUIRINO, 1918, p.147).

Os colonizadores substituíram o trabalho escravo indígena brasileiro pela mão de

obra escrava africana, o que gerou a importação de muitos negros ao Brasil.

O negro saía assim do desenraizamento de sua própria tradição- através da

deculturação - para aculturar-se num corpo de compreensões coparticipadas, de

técnicas bem definidas de provimento da subsistência, de crenças e de valores de

uma etnia embrionária. Ali onde, ao contrário, faltaram essas protocélulas étnicas,

o escravo se encontrou só diante do capataz e do senhor. Não podendo entender

ao mais fundo de sua humanidade para conservar-se humano, na condição de

besta de trabalho a que fora reduzido. Nesta circunstância, ao ser deculturado, só

aprendia a falar boçalmente a língua do amo e a produzir, segundo técnicas

inteiramente novas para ele, exibindo por isso, uma infantilidade que parecia ao

seu primitivismo, mas que só exprimia as terríveis condições em que vivia, como

carvão humano. (DARCY RIBEIRO,1981, p.72).

Dessa maneira, o processo de exploração do Brasil trouxe um quadro irreversível

de atraso, no qual negros e índios foram submetidos ao regime de escravidão por três

séculos.

Os africanos eram uma excelente estratégia para fornecer mão de obra escrava

qualificada. De acordo com Quirino (1918), eles já conheciam muitos ofícios da época.

Acrescente-se a essa circunstância, a fundação de feitorias portuguesas em

diversos pontos do Continente, e, chegar-se-á à conclusão de que o colono preto,

ao ser transportado pela América, estava já aparelhado para o trabalho, que o

esperava aqui, como o bom caçador, marinheiro, criador, extrator de sal,

abundante em algumas regiões, minerador de ferro, pastor, agricultor, mercador de

marfim, etc. Ao tempo do tráfico, já o africano conhecia o trabalho da mineração,

pois lá abundava o ouro, a prata, o chumbo, o diamante e o ferro. (QUIRINO,

1918, p.146).

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O colonizador arrancou dali o braço possante dos africanos para impulsionar a

exploração das terras nas Américas, principalmente no Brasil.

Foi, portanto, mister importar desde cedo, o africano e dentro em pouco tempo os

navios negreiros despejavam na metrópole da América Portuguesa e em outros

pontos centenas e centenas de africanos, destinados aos trabalhos da agricultura

e a todos os outros misteres. As próprias expedições bandeirantes não lhe

dispensavam o concurso, pois que de quanto podia servir o negro nada se perdia.

(QUIRINO, 1918, p.147).

Somente em 13 de Maio de 1888, ocorreu o fim da escravidão com a sanção da

lei Áurea. Assim, os negros e seus descendentes obtiveram a liberdade. Com este ato, os

negros foram abandonados, sem direito a qualquer benefício, levando consigo como

herança apenas muito sofrimento, perdas e dores. Foram décadas de sofrimento,

misérias e humilhação, além de perseguição política. Novais (1998) traz uma passagem

de como eram tradadas as comunidades pelos governantes da época e apresenta a cena

mais comum utilizada para despejar e dar um fim a estes condenados da terra.

Para os atingidos pelo ato era a ditadura do “bota-abaixo”, já que não estavam

previstas quaisquer indenizações para os desejados e suas famílias, nem se

tomou qualquer providência de alternativas, essas multidões juntaram restos de

madeira dos caixotes de mercadorias descartados no porto e se puseram a montar

com eles toscos barracões nas costas íngremes dos morros que cercam a cidade,

cobrindo-os com folhas de flandres de latões de querosene desdobrados.

(NOVAIS, 1998, p.23).

Estes povos passaram, então, a integrar as classes sociais dos pobres e

miseráveis que, por várias gerações, buscaram e ainda buscam sair de sua situação de

pobreza e exclusão. Atualmente, muitos descendentes continuam em um regime servil,

realizando e prestando trabalhos manuais de forma precária.

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Dessa forma, o povo que foi condenado a viver em situação sub-humana e a

realizar trabalhos em regime de escravidão nas fazendas na época da colonização,

acumulou como resultado da sua libertação um grande atraso social, pobreza, miséria e

exclusão, sobrando-lhe as periferias das cidades e o descaso social.

Lembro-me da história de vida de meus pais, que, na década de 50, migraram do

interior de Minas Gerais para São Paulo em busca de uma melhor oportunidade de vida.

Locaram-se, assim, em Campinas. Meu pai, Sr. Joaquim, foi trabalhar na mão de obra das

empreiteiras de construção civil; e minha mãe, D. Manoela, trabalhou como doméstica e

cozinheira nos lares. Ambos analfabetos e afrodescendentes. Observando essa trajetória,

passei a entender a continuação do processo de servidão, pois meus pais trabalharam a

vida inteira e se aposentaram na área da profissão que realizavam quando migraram.

Meu pai tornou um profissional exercendo diferentes papéis na área de

construção civil. Iniciou sua carreira como ajudante geral; depois, passou a pedreiro e

chegou a carpinteiro. Enquanto aprendia as técnicas de seu ofício, aplicava tal

conhecimento na construção da casa em que moramos. Recordo que, em minha infância,

brincava pelo quintal de casa usando objetos de materiais de construção como areia,

tijolos, arames e pregos, com os quais criava diversos cenários, passando parte do dia

envolvido nas brincadeiras com meus amigos. Aos finais de semanas, ajudava meu pai a

construir nossa casa, esse fato me possibilitou conhecer e aprender um pouco da

profissão de pedreiro.

Através da ação educativa, meu pai transmitiu seu conhecimento, o que contribuiu

bastante para a minha formação. Freire (2011, p.25), no livro Pedagogia da Autonomia,

menciona que ensinar é poder criar possibilidades de haver uma construção de saberes,

tendo como objetivo ajudar na formação das pessoas. Ao mesmo tempo em que eu

ajudava meu pai, ele me ensinava uma profissão. Freire (2011) afirma que “Quem ensina

aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. A aprendizagem com meu pai

me proporcionou autonomia para, posteriormente, construir minha própria casa.

Minha mãe é uma excelente contadora de contos e fábulas. Na minha infância,

lembro-me de que não havia rádio e nem televisão em minha casa, mas, mesmo assim,

estava sempre cheia de crianças, amigos e vizinhos que se reuniam na sala para ouvir as

histórias bem vivas, interpretadas e narradas por uma voz amorosa e com um linguajar

simples e compreensível. Ela contava histórias de assombração, de aventura, de ambição

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e de religião. Todas tinham algo em comum: ensinavam as crianças a respeitarem e a

serem obedientes aos mais velhos; a acreditar nos mandamentos cristãos para crescerem

e serem cidadãos honestos. Ficávamos envolvidos neste processo de ensinamento e

apreendíamos lições de vida com as experiências e reflexões dos casos que minha mãe

contava.

A filósofa Aranha (1986) afirma que os mitos têm um papel fundamental, pois

contribuem para o desenvolvimento das afetividades humanas. A função do mito não é,

primordialmente, explicar a realidade, mas acomodar e tranquilizar o homem em um

mundo assustador. Os contos, os mitos e as fábulas fazem parte da nossa vida, ilustrando

e oferecendo novas formas de enxergar a realidade e, através das mensagens subjetivas,

auxiliam na construção da educação humana.

Hoje, todas as crianças que frequentavam minha casa são pessoas inseridas na

sociedade e não tiveram quaisquer problemas relacionados a vícios. Vivendo minha fase

adulta, percebo que tive uma infância boa e sadia.

Eu, caçula de oito irmãos, sempre ouvia de meus pais um dito popular: “melhor

pingando do que faltando!”. Sendo assim, meus irmãos mais velhos passaram a infância e

juventude longe da escola, trabalhando e prestando serviços à sociedade, minhas irmãs

como domésticas e meus irmãos como auxiliares de serviços gerais. Todos deveriam

trabalhar para sobreviver, inclusive eu que, ainda na infância, juntava material reciclável e

vendia em depósitos de ferro velho. Ainda na infância, eu procurava produtos que

pudessem ser trocados por algum dinheiro, achei vários frascos de xampu e, por não

frequentar a escola e não saber ler, não notei que os frascos eram de tintura para

cabelos. Usei-os e, assim, surgiu o codinome Biro, tendo como referência o jogador de

futebol Biro-Biro, do Corinthians (1978), que tinha cabelos louros e era pardo.

Todos os meus amigos de infância tinham codinomes que, com o passar do

tempo, foram substituídos pelo nome original de batismo. O meu permaneceu por causa

da prática de capoeira, personalizou-se e continua presente em minha vida até os dias

atuais. A minha infância foi construída com muita liberdade, correndo pelas ruas, matas e

bosques, e com imaginação fértil, carregada de brincadeiras e contos.

No início da adolescência, me apaixonei pela capoeira. Não conhecia o

significado, mas sabia que era uma luta criada pelos negros, escravos brasileiros, para se

defenderem dos feitores e assim conseguir a liberdade. Gostava das músicas, das

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danças, dos saltos e das cantigas que a capoeira trazia e, aos poucos, me familiarizei

com a atividade.

Meu primeiro mestre era descendente de escravos e tinha aprendido capoeira no

vilarejo de um Quilombo em Minas Gerais: Mestre Daniel, um excelente contador de

histórias. Eu adorava ouvi-lo contar fábulas, lendas e, principalmente, entoar as cantigas e

lamentos de capoeira. Hoje, percebo o quanto a capoeira me envolveu com magia e

fantasia que carrega consigo.

No passado, a capoeira foi muito discriminada e quem a praticava deveria sempre

lutar contra os olhares preconceituosos da sociedade, que não a via como uma atividade

esportiva, mas como uma luta de pessoas que apreciavam o espírito hostil. Atualmente,

existem inúmeras academias, escolas e pontos de cultura espalhados pelo território

brasileiro e por outros países, onde mestres ensinam a capoeira como uma forma de

expressão artística.

Meu primeiro mestre afirmava que o berimbau era um instrumento mágico, capaz

de trazer alegria, libertar dores e até realizar curas. Na época, eu queria ter um berimbau

e, então, criei um, usando material reciclável (galho de pitanga como verga, arame de

pneu de bicicleta como corda, e uma latinha de margarina como caixa de ressonância). A

experiência foi bem sucedida. Levei-o para a aula e meus amigos riram muito.

Surpreendi-me quando o mestre me elogiou e até usou o instrumento criado na roda de

capoeira.

Gullar (1993), poeta e crítico de arte, referindo-se à criação e elaboração, afirma

que a criação artística, de maneira geral, é humana; produto da realização do trabalho;

fruto da imaginação, da criação e da expressão do sentimento, tendo representatividade

social.

Criador não é apenas quem faz; quem acha também o é. Assim, uma pedra

encontrada no mato pode ser uma obra de arte... Todos são artistas e ninguém é

artista. Só se esqueceram de uma coisa: para que aquela pudesse ser vista como

obra de arte, foi preciso primeiro que o artista tivesse inventado a arte. (GULLAR,

1993, p.18).

A obra artística é fruto da imaginação humana e é elaborada pelos elementos

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encontrados na natureza ou no meio social, que são modificados e ganham novos

significados.

O desejo que eu tinha de ter um berimbau levou-me a criar o instrumento.

Tocando e cantando, percebi que não me lembrava sempre de todas as letras, então, eu

improvisava. Foi assim que comecei a compor músicas, poesias e a criar coreografias de

expressão popular; obviamente, todos esses fatos aconteceram com a minha maturidade

na arte da Capoeira, após anos de vivência e prática.

Em 1988, conheci meu mestre atual, Mestre Cícero, educador popular da cultura

afro, quem tem me orientado e dado formação até hoje. Além disso, viajei por inúmeros

estados brasileiros conhecendo, tocando e dançando o Bumba Meu Boi, Samba de Roda,

Maracatu e Jongo; escutei muitas histórias, contadas por mestres de conhecimentos

populares. Tudo isso me encheu de vida, de força e de alegria. A minha paixão pela

música, dança e histórias de Capoeira fez com que eu criasse inúmeras músicas, o que

me possibilitou a gravar cinco CDs e um DVD de arte e de cultura popular brasileira.

A elaboração artística conduziu minha aproximação da escola, a qual havia

deixado de frequentar por volta dos 15 anos. Somente, retornei aos 23 anos, cursando o

supletivo, atualmente denominado EJA (Educação de Jovens e Adultos). A minha volta

aos estudos foi por buscar mudanças em minha vida como a maneira de pensar e de

enxergar as coisas. À medida que adquiria novos conhecimentos, minha segurança e

autoestima aumentavam.

Dessa forma, desenvolvi atividades como educador social e professor de

Capoeira, na Escola Salesiana São José, em Campinas, durante 15 anos, atendendo a

crianças e jovens em situação social vulnerável. Neste local, além da atividade de

capoeira os alunos eram encaminhados para aprenderem uma profissão no curso do

Centro Profissionalizante Dom Bosco (CPDB), atividade educativa para profissionalizar

jovens que vêm de famílias carentes.

Nos lugares onde eu frequentava (academias, casas de show, polos culturais), as

pessoas apreciavam o meu trabalho, mas também havia, entre essas, aquelas que

criticavam meus erros na fala, na escrita e na expressão, o que muito me incomodava.

Em 2007, tive a oportunidade de ir para a África. Visitei a região do Kinaxixi, em

Luanda, capital da Angola, através do projeto Missão Humanitária Salesiana. Juntamente

com meu amigo Donizetti, levei os movimentos da cultura popular afro-brasileira,

especificamente, a Capoeira. Fiquei impressionado com o interesse dos angolanos em

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saber da história da cultura brasileira, pois era o que tinham como referência positiva de

seus iguais.

Em Angola, ocorreu algo marcante: numa reunião em que estavam presentes

italianos, espanhóis, franceses e alguns líderes comunitários angolanos, percebi que o

povo angolano não tinha voz de decisão dentro de sua pátria e que os estrangeiros

sabiam muito mais da história de Angola do que os próprios nativos. Darcy Ribeiro (1981,

p.71) colabora dizendo que o povo negro deixou para trás a sua própria história e tradição

por causa da desculturação imposta pelos colonizadores para aculturar-se, num corpo de

compreensões coparticipadas, de técnica bem definida de provimento da subsistência.

Agora, entendo quando os historiadores humanistas apresentam o termo

“desculturar” e porque as políticas impostas aos índios e negros fizeram com que eles

sofressem perdas de seus valores culturais, religiosos e sociais. O povo angolano,

mesmo não sendo escravizado, perdeu muito com a colonização dos portugueses e, até

os dias atuais, sofre convivendo com a pobreza.

Naquela noite, em Angola, percebi que deveria fazer algo mais do que,

simplesmente, ser um educador cultural: “Devo descobrir e reconstruir a minha

identidade. Para isso, precisei necessariamente apoiar-me na história, na cultura, na arte,

nos valores e nas criações que os negros desenvolveram em terras brasileiras”.

Tudo que vi na África fazia parte de mim. Identifiquei-me com os angolanos. Nada

de bom aquele povo sabia sobre seus iguais, apenas que os africanos moram no

continente mais pobre do planeta, tinham sido escravizados servindo às colônias

europeias e que, no mundo, fazem parte da massa popular desprivilegiada.

Outro fato que muito me marcou nessa viagem a Angola foi o convite que recebi

para participar de uma seleção de emprego, no qual uma agência buscava jovens na faixa

etária de dezoito a vinte cinco anos para ingressar na construção civil. A seleção não se

pautava na escolaridade e na condição física, mas, sim, no linguajar do entrevistado. Os

jovens que, no decorrer da entrevista se expressassem em Kimbundo – língua angolana –

ou apresentassem alguma influência da língua nativa, eram dispensados. Isso

caracterizava uma atitude absurda: impedirem os angolanos de falar a sua língua e

expressarem a sua cultura em sua própria nação.

É de suma importância destacar, nesse momento, o pensamento de Darcy Ribeiro

(1981), quando se refere à cultura. O autor afirma que cada homem é sempre e

essencialmente um ser cultural, detentor da tradição que o humaniza. Sua cultura só

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desaparecerá com ele, se for impossibilitado de transmiti-la socialmente a seus

descendentes. Nota-se, portanto, que a política utilizada para desculturar o povo angolano

tem uma consequência irreversível, pois tudo indica que, após algumas gerações, a

língua materna denominada “dialeto” pelos colonizadores desaparecerá e, com o passar

do tempo, ficará mais difícil usar suas expressões, impossibilitando a oralidade nativa.

Apesar dos acontecimentos vivenciados em Angola, não me entristeci. Ganhei

forças, reuni todos os jovens angolanos do projeto que os salesianos atendiam e passei

um dia inteiro cantando, contando histórias e apresentando a arte cultural brasileira.

Quando voltei para Campinas, desejei fazer o mesmo em um projeto de

apresentação teatral que representasse as criações e os conhecimentos dos negros em

terras brasileiras. Em 14 de Novembro de 2009, com meus amigos representantes da

cultura popular afro-brasileira, fiz a abertura da semana da Consciência Negra em

Campinas, no teatro Centro de Convivência Cultural Carlos Gomes.

Em conversa informal com os mestres de cultura popular, foi compartilhada uma

situação: ainda há rejeição e preconceito contra a prática dos movimentos culturais afros,

nos dias atuais. Dentro dessa realidade, continuei qualificando-me a fim de obter maior

segurança pessoal e expandir meu entendimento da arte e da cultura popular brasileira.

Desta forma, resolvi afastar-me por algum tempo dos movimentos culturais e dedicar-me,

assim, aos estudos. Estes me possibilitaram um emprego com estabilidade (funcionário

público municipal de Campinas), o que colaborou para meu ingresso em uma

universidade.

No Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unidade Campinas), fiz o curso

de Administração de Empresas, concluindo em 2005, e percebi que poderia ser mais útil

na área de educação. Por isso, cursei pós-graduação em Educação Social, concluída em

2007. Em 2008, surgiu um novo curso, História da Cultura Afro, no qual ingressei e o

concluí em 2010.

No curso de história da Cultura Afro, conheci uma turma engajada nos

movimentos culturais. Todos possuíam uma representação em sua sociedade. Desta

forma, tive a experiência e a oportunidade de conhecer líderes sociais nas áreas política e

cultural religiosa, educacional, artística, histórica, antropológica; são, também, professores

de capoeira e percussionistas de ritmos afro-brasileiros como maracatu e cirandas. Em

meio a tantos amantes culturais, tive a oportunidade de conhecer excelentes Mestres e

Doutores de Educação Humana, que contribuíram de maneira significativa e participativa

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ao trazer e levar experiências. Além disso, visitamos o museu de Arte de São Paulo

(MASP) e realizamos o primeiro congresso de africanidade, que teve uma expressiva

contribuição e aceitação.

As apresentações dos trabalhos em sala de aula chamaram-me muito a atenção

por serem todas enfeitadas com peças culturais e, até mesmo, comidas em homenagens

às divindades afro-brasileiras. Este curso aflorou minha vida e me incentivou a estudar,

conhecer e saber mais sobre a importância de representar, com consciência, a história da

cultura do povo afro-brasileiro. Através desta experiência de vida, pude trazer uma lição: a

beleza da aprendizagem se encontra no prazer, na alegria e na magia de obter e de estar

com ela.

Posteriormente, ingressei no curso de Psicopedagogia (também na Unisal) com o

intuito de me aperfeiçoar como educador, uma vez que minha área de atuação

profissional é a segurança pública. Além de trabalhar como Guarda Municipal atuando na

repressão e prevenção da violência na cidade de Campinas, realizo atividades sócio-

educativas nas escolas como palestras, jogos, brincadeiras, teatro e músicas; todas estas

atividades visam combater e prevenir a violência e, por meio da cultura de paz, promover

a cidadania.

No curso de pós-graduação em História da Cultura Afro, tive excelentes

professores e uma turma muito empenhada, engajada politicamente na arte popular;

estes me incentivaram a aprofundar os estudos com foco em minha experiência e

formação. Em 2011, me inscrevi como aluno ouvinte no curso de Mestrado em Educação

Sócio Comunitária, na cidade de Americana. E, em 2012, matriculei-me como aluno

regular. Com isso, aprendi que estudar é uma maneira de expressar humildade, esta

desenvolvida com a prática e vivência em que o aluno tem, como resultado, o

autorreconhecimento podendo, assim, entender o seu papel na sociedade.

Percebi que precisava caminhar muito e, nesse percurso, lutar e vencer o primeiro

inimigo invisível: a ignorância. Para tanto, busquei aceitar as críticas e, convivendo com

elas, não enfraqueci, mas as conheci, as entendi e tentei solucioná-las, ou seja, estou

renascendo educacionalmente através da busca pelo aperfeiçoamento na falar, na escrita

e na observação. Vejo-me em um universo de dificuldades para essa formação, no

entanto, sei que, persistindo, os resultados serão atingidos em longo prazo.

Paulo Freire (2008) traz uma passagem no livro Pedagogia do Oprimido que

descreve, em poucas linhas, a mudança de meus pensamentos.

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A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois

momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da

opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o

segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de

ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de

permanente libertação. (FREIRE, 2008, p.57).

Durante a infância e a adolescência, conheci na prática a cultura popular.

Atualmente, procuro o conhecimento, estudando e construindo ideias, criando e recriando

novos pensamentos. A nova maneira de pensar e de ser um sujeito indagador é fruto do

jogo: buscar e querer se libertar. Acredito que herdei de meus pais essa vontade de

mudar, “de Minas Gerais para São Paulo”. Para eles, a mudança foi de localização, mas,

para mim, foi da maneira de pensar e de enxergar a realidade através da inclusão

educacional, resultando em experiência de vida e novas formações.

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1.2 A Arte como criação cultural humana.

O GRITO

Ei... acenda a luz para que eu possa enxergar;

Façamos silêncio para ouvirmos o som do mundo,

Este é perfeito se nos adaptarmos a ele;

É imperfeito se ele adaptar-se a nós.

Encontro-me no mundo,

Mas meu maior desafio é compreendê-lo.

Meu maior medo é não me ver nele.

Por favor... acenda a luz para que eu possa me enxergar.

MARCOS HENRIQUE

Todos os seres humanos são cultos, pois são todos seres

culturais.

MARILENA CHAUI

No texto anterior, está a história de vida e de formação que me levou a ser um

educador cultural e, a partir de agora, trago autores que tecem considerações acerca da

formação da identidade do povo brasileiro. Como já explicitado anteriormente, os

movimentos de cultura popular que investigarei na cidade de Campinas são o Jongo, o

Samba de Bumbo e a Capoeira. O objetivo é saber como os mestres estão repassando

seus saberes para os iniciados e como realizam este trabalho educativo e cultural. Neste

capítulo, trabalharei com a arte e as criações humanas.

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No princípio, as representações e criações de arte surgiram para suprir as

necessidades do homem. Através destas, o homem introduziu novos elementos capazes

de facilitar a vida.

As criações que o homem realiza, tanto as primitivas como as contemporâneas,

possuem um objetivo e uma representação. Com o desenvolvimento da sociedade, as

criações passaram a ser introduzidas em sua confecção trazendo novos conhecimentos.

Desta forma, muitos processos foram desenvolvidos a fim de trazer facilidades, o que

possibilitou atender a um número maior de pessoas.

No que se refere à arte e ao desenvolvimento da humanidade, Duarte (1991)

apresenta o homem como um ser cultural que, nos tempos remotos, já produzia a arte

através da simbolização.

“Um fenômeno comum a todas as culturas – desde as mais “primitivas” às mais

civilizadas”, desde as mais antigas a mais atual - a arte. A arte do homem pré-

histórico, inclusive, é tudo o que restou, integralmente, desses nossos

antepassados. Qualquer cultura sempre produziu arte, seja em sua forma mais

simples como enfeitar o corpo com tinturas, seja nas formas mais sofisticadas

como o cinema em terceira dimensão, na nossa civilização. A arte nos acompanha

desde as cavernas. (DUARTE, 1991, p.38).

Partindo do fundamento de que as primeiras formas de criação humana foram

feitas pela imitação do que se via na natureza, pode-se observar que o homem busca

inspiração em seu ambiente e cria novos elementos (os objetos e figuras) para expressar

a linguagem através da arte. Este é um recurso valioso para os seres humanos

demonstrarem seus saberes, seus sonhos e suas necessidades.

A partir do momento que o homem cria, ele revela o conhecimento sobre o meio

em que se encontra. Quando essa criação é um objeto que lhe traz facilidades e

benefícios à vida, ele faz uso.

A arte é concebida como expressão, transformando num fim aquilo que, para as

outras atividades humanas, é um meio. É assim que se diz que a arte faz ver a

visão, faz falar a linguagem, faz ouvir a audição, faz sentir a mão e o corpo, faz

emergir o natural da natureza, o cultural da cultura. (CHAUÍ, 2000, p.325).

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O homem, por meio da criação, exprime seus saberes culturais, realiza várias

formas de pensar, sentir e agir. De acordo com Chauí (2000), a arte possui papel

importante para a humanidade: a representação simbólica dos saberes do homem. Ela

exprime sentimentos, podendo transmitir significados carregados de simbologias.

Para Chauí (2000), o homem se autorrevela ao apresentar, contar e representar a

história de seu passado, requerendo o interesse pelo ato de simbolizar a vida.

A linguagem simbólica, privilegiando a memória e a imaginação, nos diz como as

coisas ou os homens poderiam ter sido ou poderão ser voltando-se para um

possível passado ou para um possível futuro; a linguagem conceitual busca dizer o

nosso presente, fala do necessário, determinando suas causas ou motivos e

razões; procura também as linhas de forças de suas transformações e o campo

dos possíveis, como possibilidade objetiva e não apenas desejada ou sonhada.

(CHAUÍ, 2000, p.150).

Portanto, foi através de desenhos e sinais que o homem expressou suas ideias,

reflexões e experiências daquilo que ouvia e enxergava; realizou criações do que

imaginava; simbolizou inúmeras espécies de plantas e animais, além dos fatos e

acontecimentos do cotidiano.

As representações que o homem cria são construídas por ferramentas. Tais

recursos possuem grande influência no processo de elaboração e finalização da ação,

pois, conforme o nível do domínio sobre elas, ele consegue melhores detalhes no

acabamento. Gullar (1993) admite que os desenvolvimentos dos avanços tecnológicos

trouxeram mudanças na forma de produção, nas quais muitas representações elaboradas

pelo homem passaram a apresentar maiores detalhes.

Com os desenvolvimentos das ferramentas e o com o passar do tempo, o homem

incorporou em seu meio de produção as máquinas, estas vieram para produzir em

maior quantidade e auxiliar o homem em suas criações. (GULLAR, 1993, p.73).

Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que as máquinas e as ferramentas

trouxeram mudanças nas elaborações, processando inúmeras cópias de modelos pré-

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estabelecidos. Neste processo de industrialização, o homem deixa de ser o idealizador e

as ferramentas começam a produzir em série. Estas visam atender o mercado exigente,

otimizando o custo de produção. Gullar (1993) acrescenta que os trabalhos de criação

artística vêm sendo drasticamente substituído por máquinas.

Essa observação reflete o estado de espírito do artista em fase de uma realidade

que se transforma a cada dia, do crescimento da civilização industrial que vai

impondo, especialmente nas cidades, uma nova forma de vida e um novo cenário

para o homem. O meio mecânico de reprodução da realidade e de criação de

novas formas torna o artesanato pictórico uma espécie de arcaísmo. (GULLAR,

1993, p.72).

As indústrias e os avanços tecnológicos criaram um novo cenário, influenciando a

arte na modernidade cujos meios mecânicos produzem modelos que expressam o

domínio do homem diante das novas tecnologias. Neste momento de desenvolvimento

industrial, o homem deixa de ser protagonista e a máquina industrial assume este papel,

recebendo comandos para produzir em grande escala.

Alguns artistas se submetem a toda engrenagem ou engessamento de produção

em massa, transformando-se em meros operários de máquinas e correspondendo à

exigência comercial ditada pelo consumo. Gullar (1993) apresenta a crise dos artistas que

se tornaram complemento de máquinas e ferramentas industriais.

Uma crítica aos seus companheiros de que insistia em pintar e o reconhecimento

de que, como acontecera com o artesão comum que perdera a propriedade de

seus meios de produção e teve que se transformar em operário industrial, o artista

artesão já não tem lugar na civilização da máquina. (GULLAR, 1993, p.73).

Assim, as máquinas substituem o homem e ocultam as suas relações com a

criação da arte. O homem deixa de criar e passa a executar comandos. As máquinas

industriais produzem, em grande quantidade, inúmeros modelos preestabelecidos,

processando infinitas cópias para fins comerciais.

Neste cenário, onde o desenvolvimento das tecnologias toma a frente dos

processos industriais para confecção da arte, emerge-se uma crise representada pelos

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avanços tecnológicos, em que novas ferramentas, trabalham sem a presença do homem.

Desta forma, o processo de criação da arte deixa de ter a participação do homem e as

novas criações industriais que o auxiliam não produzem artes, mas sim mercadorias.

Morais (1992) adverte a respeito da crise em que a arte se encontra:

Vai se vendo que, em seu processo de criação, um artista é um trabalhador

privilegiado e feliz, mas que sua bem aventurança cessa quando se instala o

conflito de ver seu trabalho artístico transferido em pura mercadoria. Diz o poeta e

critico ferreira Gullar: Transformados em fornecedores do mercado livre, regido

apenas pela lei da oferta e da procura, os artistas viram-se subitamente diante de

um grave problema: a arte, que se havia libertado da religião e agora se liberta da

proteção do Estado, apareceria nas relações sociais objetivas como simples

mercadoria. (MORAIS, 1992, p.33).

Os artistas, que utilizavam suas mãos para dar vida às criações, devem acoplar-

se às máquinas e fazer de seu corpo meios de produção. O corpo e a máquina juntos

estão governados pelas lógicas do lucro: quanto maior a produtividade, maior é a receita.

O artesão, assumindo tal postura, se insere na cultura industrial: os objetos industriais são

mercadorias e, por isso, neles, os valores de troca oculta e de uso, o próprio trabalho

humano que os criou e a transformação da obra de arte em objeto tendem, também, a

ocultar as pessoas.

Os objetos industriais não são arte, pois a arte é criação do homem. Ela carrega

saberes e conhecimentos culturais de seu idealizador. A criação da arte é o modo pelo

qual o artista se constrói fora de si e consegue dar permanência à fantasia. Quando esta

expressão de criação é exposta ao público de maneira comercial e industrial, torna-se

depreciável.

Nas cidades, especialmente em áreas urbanas, a arte é influenciada pelo

marketing. Este cenário é para satisfazer os desejos de consumo que se modificam no

decorrer do tempo. Tais mudanças são influenciadas pelo crescimento da civilização que

impõe, de maneira comercial, as formas de criações. De acordo com Gullar (1993), a

criação, visando o mercado comercial da contemporaneidade, torna a arte momentânea e

descartável ao que o que se observa é que as condições da sociedade desenvolvida e

contemporânea se caracterizam com a cultura de consumismo onde tudo se transforma

em mercadoria.

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Quando o homem deixa de produzir com suas próprias mãos, as suas criações

deixam de ter um valor sentimental que é passado pela construção e elaboração humana.

A arte, um produto de mercado feito por máquinas em grandes escalas, é transformada

em objetos superficiais, utilizados como materiais decorativos e, atualmente, servem para

atender a demanda do mercado.

Os avanços tecnológicos causaram uma ruptura na tradição: os elementos

criados pelas indústrias, por serem modernos, são construídos para se adaptarem a

inúmeros lugares e ambientes. As mudanças na arte, ocorridas a partir do final do século

XIX, foram influenciadas pelo crescimento populacional das cidades, pelo

desenvolvimento industrial e pelos avanços tecnológicos. Estes acontecimentos

culminaram em uma maior produção da arte tradicional.

Muitos artistas contemporâneos, que vivem da arte, realizam suas criações para

vendê-las. Ao realizar essa ação, a arte que, no passado, surgiu como representação dos

saberes da história e de descobertas da humanidade, passa a ser tratada, na atualidade,

como objeto de comércio. Por outro lado, as novas artes buscam demonstrar os

conhecimentos tecnológicos do homem moderno, utilizando novas ferramentas que

representam seu saber cultural.

Há, também, outro caso: os artistas que buscam preservar os saberes tradicionais

realizando suas atividades de criação da mesma forma que foram aprendidas pelos seus

antepassados. Com esta maneira de agir, as formas culturais se perpetuam de geração a

geração e mantêm a fidelidade e a reprodução idêntica dos modelos recebidos dos

ancestrais.

Na sociedade atual, não existe uma divisão rígida entre os artistas tradicionais e

modernos, mas há aqueles que preferem as novas tecnologias e outros que continuam

utilizando os modelos anteriores. O que se percebe é a escolha de como eles realizam as

criações artísticas, assim, alguns optam por se manter na tradição – provavelmente, por

trabalharem com elementos mais rústicos como pedras, raízes, sementes, troncos, barro

e outros encontrados na natureza – e outros decidem usufruir da tecnologia moderna,

utilizando as ferramentas e tecnologias mais recentes. Isso simboliza a evolução do

homem por meio da complexidade de suas criações, no entanto, muitos artistas valorizam

as novas ferramentas e recursos tecnológicos, mas ignoram a maneira de criação de arte

praticada no passado.

Ao fazer isso, o homem apaga uma parte de sua história, de suas descobertas e

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criações, de seus sonhos e de suas esperanças. Portanto, é necessário que o homem

adquira a consciência e preserve os saberes de seus ancestrais para que a arte não seja

invadida por interesses privados e manipulada pelo comércio.

Tanto as artes antigas quanto as novas são criadas para dar um sentido à

existência dos seres humanos. Antônio (2009) apresenta a arte como conjunto importante

de atividades para a aprendizagem humana das habilidades sensoriais:

Uma necessidade vital: educar os olhos, os ouvidos e os outros campos

sensoriais. Recuperar a capacidade de admiração dos campos sensoriais.

Recuperar a capacidade de administração, de espanto, de assombro, que é a

origem da filosofia, das ciências, das artes, da literatura. Do mesmo modo, é

preciso desenvolver a capacidade de escutar. Escuta da natureza, escuta das

vozes do mundo, e também da nossa própria voz e das vozes dos outros, que

ressoam em nós, estranhamente familiares, como diálogo que não têm começo

nem fim. (ANTÔNIO, 2009, p.119).

A arte traz muitos benefícios: desenvolve as percepções humanas e potencializa a

sensibilidade. Desumanizar as criações artísticas é desumanizar as ações criativas,

porque a arte é o resultado da observação e da escuta da comunicação do homem com o

seu universo.

Neste texto, Chauí (2000) corrobora, afirmando que a arte transmite e relata os

saberes humanos através da linguagem da simbolização. Duarte (1991) destaca que ela

conta o desenvolvimento e os saberes da história da humanidade, sendo assim, ela não

pode ser depreciada. E o crítico Gullar (1993) esclarece que as criações da arte antiga

contribuem para ajudar a sustentar as evoluções das artes da contemporaneidade. Os

artistas modernos utilizam-se dos avanços das novas ferramentas e criam obras capazes

de demonstrar suas descobertas e seus saberes. Morais (1992) admite que os

maquinários produzem materiais descartáveis. Antônio (2009) expõe que a arte recupera

a capacidade de admiração sensorial, desenvolve a observação e a escuta. Ela é um

importante recurso para os seres humanos se desenvolverem culturalmente que não pode

ser desumanizado e transformado em objetos decorativos.

Minha posição consiste em que o desafio presente é assegurar os valores

humanos através da criação da arte, pois mesmo com tantas mudanças sociais,

econômicas e tecnológicas, ela carrega a história da evolução do homem através da

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simbologia.

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1.3 A Origem da Arte.

O HOMEM E A ARTE

Homem, ser simbolizador,

Constrói através da arte o que aprende, vivencia e

imagina,

Tendo, assim,...

A capacidade de originar, definir, atribuir significado às

coisas do mundo,

Podendo, assim,...

Simbolizar os objetos, animais, fatos e acontecimentos.

Ao buscar uma explicação aproximada da realidade,

Liberta-se, brotando, despertando o impulso da criação,

Construindo, enfim,...

Sua própria história, representada pela arte, ciência,

educação, folclore e cultura.

MARCOS HENRIQUE

É no pensamento que está o principal fator da criatividade

do homem.

MÉRCIO GOMES

Vimos que o homem representa o seu habitat através da arte, linguagem

simbólica que transmite mensagens, conta histórias e representa o desenvolvimento; e

que, por meio das criações e ferramentas, idealiza com maiores ou menores detalhes.

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Também, foi visto que o desenvolvimento tecnológico trouxe um novo cenário, onde as

máquinas substituíram o homem, produzindo inúmeros objetos pré-fabricados para suprir

a necessidade do mercado influenciado pelo crescimento populacional. Vimos, ainda, o

risco de depreciação da arte reduzida à mercadoria descartável.

Nesta passagem, serão abordados mais alguns temas sobre a arte, sua origem e

suas representações.

Morais (1992) define a arte como prática de criar formas perceptíveis expressivas

do sentimento humano: a arte como criação de formas perceptíveis do sentimento

humano, pode ser vista de diferentes ângulos. Todos se integrando numa visão mais

ampla da realidade artística. A arte nos transforma através da expressão do sentimento,

ela é capaz de explorar no mais profundo de nós, ocupando um lugar em nossas vidas.

Desde os primórdios, o homem primitivo buscou fazer seus registros criando

simbologias e sinais que representavam o seu modo de vida de inúmeras formas. Pode-

se observar isso nos vestígios desta ação em desenhos das paredes de pedras, nos

utensílios e nos instrumentos de trabalho e caça.

Gullar (1993), em seu livro Argumentação Contra a Morte da Arte, refere-se à

apresentação da arte dizendo que o homem utiliza a linguagem simbólica da arte para

representar o universo em que se encontra.

A pintura é uma linguagem e, portanto, o significado de cada forma só existe em

função do sistema geral em que ele se insere. E essa compreensão lhe permite

ampliar o campo da linguagem pictórica para incluir nela todos os signos de todos

os sistemas da linguagem visual: as garatujas, as letras, os labirintos, etc.

(GULLAR, 1993, p.38).

Através das representações simbólicas, o homem expressa seu meio social e

seus sentimentos. As primeiras criações foram representações dos materiais e animais

que compunham o habitat onde o homem vivia e, ao criar e recriar estas representações e

simbologias, ele demonstra o conhecimento cultural.

De acordo com Faure (1990), no livro Arte Antiga, o artista, desde o princípio, tem

meios para nos fazer olhar para a obra e prender nossa atenção ao transformar os

conhecimentos em jogos simbólicos.

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Agrada-lhe ver vinte rostos rudes e ingênuos debruçados sobrados sobre o seu

trabalho. Ele próprio sente prazer com esse trabalho, que cria um entendimento

obscuro entre si e os outros, entre si mesmo e o mundo infinito dos seres e das

plantas que ele ama, porque esse trabalho é sua vida. Também obedece a algo

mais positivo, a necessidade de fixar algumas aquisições da primeira ciência

humana para que o conjunto da tribo dela tire proveito. A palavra descreve mal aos

velhos, às mulheres reunidas, sobretudo às crianças, a forma de um animal

encontrado nos bosques e que se deve temer ou procurar. Ele fixa, então, o

aspecto e a forma do animal em algum traço sumário. Nasceu a arte. (FAURE,

1990, p.31).

Sendo assim, é possível afirmar que os primeiros traços de arte foram criados

através de inspirações dos diversos elementos encontrados no habitat e, desde os

primeiros momentos de existência humana, o homem já buscava deixar sinais com a

criação de pequenos artefatos e simbologia. Desta forma, percebe-se que a arte e o

homem caminham juntos desde os primórdios. Faure (1990) contribui acrescentando que

ela é, em primeiro lugar, uma ferramenta de utilidade imediata com a qual o homem, além

de se interessar pelo designar dos objetos que o cercam, busca imitá-los ou modificá-los

para servir-se.

Os homens, os jovens, percorrem os bosques. Sua arma é, primeiro, ramo nodoso

arrancado do carvalho ou do olmo, a pedra apanhada no chão. As mulheres ficam

escondidas na morada, no abrigo improvisado ou na gruta, com os velhos e as

crianças. Que em seus primeiros passos titubeantes, o homem defronta-se com

um ideal, o animal selvagem que lhe foge e que representa o futuro imediato da

tribo, a refeição de noite, devorada para dar músculo ao caçador e leite às mães. A

mulher, pelo contrário, só tem diante dela a realidade presente próxima, a refeição

a preparar, a criança a alimentar, o couro a secar, mais tarde o fogo a manter

aceso. É ela, sem dúvida, quem descobre a primeira ferramenta, o primeiro vaso,

é ela o primeiro operário. É de seu papel realista e conservador que resulta a

indústria humana. Talvez ela reúna também em colares dentes e seixos, a fim de

atrair a atenção para si e agradar. (FAURE, 1990, p.30).

Faure (1990) coloca a mulher como gestora dessas criações e atribui a ela a

inspiração da criação, afirmando que, desde o princípio, a arte teve como objetivo servir

as atividades do lar bem como melhorar a aparência no ambiente do lar e no corpo.

Sendo assim, a mulher primata utilizava-se de pequenos dentes e penas de animais para

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se enfeitar e, a partir da natureza, tirava inspiração para criar jarros e cuias para

armazenar alimentos. Observando os ninhos dos pássaros, criava berços e vestimentas

com a pele de animais.

Antônio (2009) acrescenta que o homem vai ao meio natural e, de lá, tira

inspiração para criar novos elementos. Estes são introduzidos no seu habitat e

humanizados, fazendo parte do saber cultural.

Os seres vivos produzem conhecimento, tanto em suas inter-relações com o meio,

como em sua atividade de organização interna e de reprodução. Conhecem

vivendo e vivem conhecendo. Podemos dizer que há uma base biológica no

conhecimento, assim como há uma base epistemológica na vida. Com a

experiência humana, a unidade vida-conhecimento gera novos continentes: de

consciência e autoconsciência, de cultura, de símbolos, de linguagem. Assim,

desvela e acrescenta mundo aos mundos. (ANTÔNIO, 2009, p.43).

Ou seja, a partir do momento que o homem modifica o habitat, transformando-o,

humanizando-o, interpretando seus conhecimentos, introduz novos saberes carregados

de simbologias. A criatividade produz novos objetos e ferramentas, artes geniais que

servem para facilitar a vida do homem.

A filósofa Chauí (2000), no livro Convite à Filosofia, na mesma linha de

pensamento, afirma que o homem cria a arte pela necessidade de sobrevivência.

A arte como expressão e construção. A obra de arte não é pura receptividade

imitativa ou reprodutiva, nem pura criatividade espontânea e livre, mas expressão

de um sentido novo, escondido no mundo, e um processo de construção do objeto

artístico, em que o artista colabora com a natureza, luta com ela ou contra ela,

separa-se dela ou volta a ela, vence a resistência dela ou dobra-se às exigências

dela. (CHAUÍ, 2000, p.323).

O homem percebeu que, para sobreviver, precisava humanizar seu habitat, criar

novos instrumentos que representam o saber cultural. Assim, a história da origem da arte

traz compreensão de como ela é importante no contexto do desenvolvimento da

humanidade. O homem é um ser criativo e, através das suas criações e recriações, ele

demonstra seu saber; este pode ser compartilhado, gerando um conhecimento cultural.

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Conforme Freire (2008), a construção ou a produção do conhecimento do objeto

implica o exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de tomar “distância” do objeto,

de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de “cercar” o objeto ou fazer uma aproximação

metódica. Desta forma, a arte é resultado da criação, da curiosidade, da ação e do

conhecimento, e pode ser apreciada, elaborada e aprendida por outros. Além de ela

mover a imaginação, é uma fonte para a aprendizagem porque o ser humano, através da

intuição desde sua tenra idade, desenvolveu objetos artísticos que representam o

desenvolvimento e o saber cultural.

Como já foi escrito, Morais (1992) define a arte como prática de criar formas

perceptíveis expressivas do sentimento humano. O antropólogo Faure (1990) considera

que o homem através da arte conta sua história. Segundo Antônio (2009), o ser humano

produz conhecimento através da inter-relação com o meio. A filósofa Chauí (2000)

colaborou validando que o homem criou e desenvolveu a arte pela busca da

sobrevivência. Gullar (1993) demonstrou que o homem utiliza a arte para representar o

universo em que se encontra e Freire (2008) considerou que a arte representa a

construção ou a produção do conhecimento humano.

Podemos concluir, portanto, que o homem apropriou-se de seu meio e, através de

sua ação, o transformou criando novos elementos úteis, capazes de facilitar a vida;

desenvolveu a arte, fruto de suas criações – os primeiros elementos foram para uso,

conforto próprio e, principalmente, para sua sobrevivência. À medida que o homem

adquire saberes, ele aumenta suas criações, representando seu conhecimento,

demonstrando o domínio perante o universo em que se encontra.

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1.4 Cultura Geral.

SEMEANDO SABERES

Onde há escuridão, há a esperança de luz,

Luz do fundo das cavernas, do descobrimento do fogo, do

brilhar do gelo, da vasta vida dos campos e florestas e do

desenvolvimento da humanidade,

Um clarão resplandeceu no horizonte, vejo à frente a

imagem do homem promovendo história, arte e cultura, e

outras sementes de saberes.

Que seja útil a escuridão para que a luz ganhe brilho,

graça e gere a esperança para novas criações e, assim, o

homem continue caminhando, semeando, plantando,

colhendo seus frutos e experiências....

MARCOS HENRIQUE.

Na medida em que se apercebe como testemunha de sua

história, sua consciência se faz reflexivamente mais

responsável dessa história.

PAULO FREIRE .

Entendo que, ao contrário dos outros animais, o homem

nasceu incompleto e, por essa razão, teve de inventar-se

e inventar o mundo em que vive.

FERREIRA GULLAR

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No texto anterior, foram apresentadas a origem e as formas de representações de

arte; viu-se que o homem e a arte caminham juntos e que ela surgiu para desenvolver a

vida do homem.

Neste momento, pretendo apresentar reflexões sobre a cultura de maneira geral.

Santos (1983) adianta, em seu livro O que é cultura, a explicação do significado desta

palavra.

Cultura é palavra de origem latina e seu significado original está ligado às

atividades agrícolas. Vem do verbo latino colere, que quer dizer “cultivar”.

Pensadores romanos antigos ampliaram esse significado e o usaram para se

referir ao refinamento de pessoas, isso está presente na expressão cultural da

alma. Como sinônimo do refinamento, sofisticação pessoal, educação elaboração

elaborada de uma pessoa, cultura foi usada constantemente desde então e o é até

hoje. (SANTOS, 1983, p.28).

De fato, a principal vantagem de estudar cultura é que ela contribui para o

entendimento dos processos de transformação da sociedade. A cultura representa todos

os aspectos de uma realidade social humana; diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a

exigência social de um povo ou nação ou, então, de grupo no interior de uma sociedade.

Assim, cultura passa a ser entendida como uma dimensão da realidade social, a

dimensão não material, uma dimensão totalizadora, pois entrecorta os vários

aspectos dessa realidade. Ou seja, em vez de se falar em cultura como a

totalidade de característica, fala-se agora em cultura como a totalidade de uma

dimensão da sociedade. (SANTOS, 1983, p.41).

Desta maneira, consideram-se como cultura todas as maneiras de existência

humana.

Após fundamentar como surgiu o termo cultura, iniciarei com alguns aspectos da

história do homem primitivo, o qual, à procura da sobrevivência, percebeu que o

isolamento o deixava fragilizado e, para sua maior proteção, buscou segurança

construindo sociedades com outros semelhantes.

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No princípio, o homem utilizou como abrigos as cavernas e, com o passar dos

anos, aumentou sua relação social saindo das mesmas. Mais tarde, com o

desenvolvimento histórico, criou vilas, cidades, estados e nações. O homem, em sua

vivência social, constituiu grupos comunitários e, para adaptar-se às diversidades

naturais, modificou e transformou seu habitat. Isto o faz culturalmente diferente de todas

as espécies de animais. Aranha (1986), ao pontuar estas diferenças, apresenta o homem

como um ser social capaz de transformar e humanizar.

O mundo resultante da ação humana é um mundo que não mais podemos chamar

de natural, pois se encontra cada vez mais humanizado, ou seja, transformado

pelo homem. E o trabalho, ao mesmo tempo em que transforma a natureza

adaptando-a às necessidades humanas, altera o próprio homem, desenvolvendo

suas faculdades. (ARANHA, 1986, p.5).

O homem vive em sociedade e toda sociedade possui cultura, pois o mesmo, por

si só, é produtor de cultura, modelada e diferenciada por ação intencional que exerce no

meio que se encontra. Rubem Alves (1981), em seu livro O que é Religião, complementa

afirmando que os animais sobrevivem pela adaptação física ao mundo. Os homens, ao

contrário, parecem ser constitucionalmente desadaptados ao mundo, tal como lhes é

dado.

Gullar, em artigo intitulado Cultura da Terra que foi publicado na Revista Ilustrada

em 2013, reitera a necessidade do homem de viver e conviver em sociedade. Conforme o

autor, a sociedade é produto da imaginação e criação humana. Assim, constituiu-se ao

longo da história uma realidade cultural inventada que alcança, hoje, uma complexidade

extraordinária e fascinante. O homem deixou de viver na natureza para viver na cidade

que foi criada por ele.

Ao construir a sociedade, o homem desenvolve-se socialmente e elabora o saber

cultural ao criar, modificar e adaptar-se ao novo ambiente. Em uma relação dialética, o

homem interage com o ambiente e o torna útil para proveito próprio e comunitário, se

comunicando e adquirindo novos conhecimentos.

Ao abordar o tema da cultura humana, o antropólogo Keensig (1961) traz sua

definição da palavra cultura:

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O sentido científico, uma vez dominado, aproxima-se mais do sentido original da

palavra, que é derivada do verbo latino colere (cultivar ou instruir) e do substantivo

cullus (cultivo ou instrução). Cultura no sentido mais amplo é o comportamento

cultivado, isto é, a totalidade da experiência adquirida e acumulada pelo homem e

transmitida socialmente, ou ainda, o comportamento adquirido por aprendizado

social. (KEESING, 1961, p.49).

A cultura é inerente ao ser humano e sua formação é construída pela vivência,

experiência, aprendizagem e transmissão. Esta última é realizada de inúmeras maneiras:

por meio da linguagem, da convivência e dos estudos, podendo ser adaptada aos

diferentes ambientes em que se insere.

Em seu processo de desenvolvimento, o ser humano sempre está alterando suas

relações. Isto ocorre porque a cultura modifica seus interesses e serve de veículo às

insatisfações, aos conflitos e às mudanças. Estas levam as sociedades a obter novas

criações e conhecimentos tendo, portanto, inúmeras diferenças de subculturas. Gullar

(2013), no que tange às mudanças, afirma que somos seres culturais: quando pensamos,

inventamos os valores que constituem a nossa humanidade.

Todos os elementos de subculturas criados, modificados e transformados

agregam conhecimentos. As pessoas inseridas na sociedade adquirem novos

comportamentos que são transmitidos através das trocas de informações do convívio

social. Quando discorre sobre subcultura, Duarte (1991) acrescenta que dentro de uma

cultura existem grupos distintos, que apresentam formas diferentes de viver, algumas

vezes conflitantes. Podemos encontrar, em uma dada cultura, diversas subculturas.

A cultura é constituída de inúmeras vertentes e, durante o convívio social, está em

constante mudança. São as pessoas em convívio social que cultivam, representam e

transferem valores. Ao conhecer, compreender e dominar o habitat, o homem desenvolve

a cultura identificada pelas elaborações, criações, transformações, construções de

ferramentas e novas descobertas; isto é, pelas transformações da natureza e outras

ações que realiza para trazer benefícios e facilidades à vida.

O conhecimento do homem é caracterizado pelas transformações e criações que

realiza em seu meio social e são feitas através da ação do trabalho, assim, o homem

promove transformações a natureza. Chauí (2000), ao tratar dos saberes culturais

adquiridos através da ação do homem, admite que:

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Conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os

humanos se relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo

sobre ela ou através dela modificando-a. Este conjunto funda a organização

social, sua transformação e sua transmissão de geração a geração (CHAUÍ, 2000,

p.295).

O homem revela, em seu comportamento, os conhecimentos que domina e os

integrantes, que o detêm, podem transmiti-la aos demais. White (2009, p.46) traz a

descrição das formas de representação da cultura elaborada por Taylor (1871 a 1910), o

qual descreve a cultura como complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, direitos,

valores morais, costumes e qualquer outra capacidade de hábitos criados, ensinados e

aprendidos pelo homem em sociedade.

Taylor deixou claro que a cultura é o que é peculiar à espécie humana e enfatizou

a diferença fundamental entre a mente do homem e a dos demais animais.

Rejeitou a noção de que tudo é uma mera questão de grau, de que o homem é só

um primata mais talentoso que o gorila. Deixou claro que a cultura são essas

características não biológicas peculiares ao homem, transmitidas por meios não

genéticos. (WHITE, 2009, p.46).

A cultura é invisível, e faz parte do comportamento do homem. O homem se

diferencia dos animais, que possuem sua condição biológica adaptável ao lugar da

natureza que se encontra. Andrade (1981) demonstra que algumas espécies de animais

se adaptaram a suas condições físicas chegando a ter mudanças biológicas. Desta forma,

conseguiram sobreviver ao meio natural.

Ao longo de centenas de milhares de anos, os animais conseguiram sobreviver

por meio da adaptação física. Os seus dentes e as suas garras afiadas, os cascos

duros e as carapaças rijas, seus venenos e odores, os sentidos hipersensíveis, a

capacidade de correr, saltar, cavar, a estranha habilidade de confundirem-se com

o terreno, as cascas das árvores, as folhagens, todas estas são manifestações de

corpos maravilhosamente adaptados à natureza. Mas a coisa não se esgota na

adaptação física do organismo ao ambiente. O animal faz com que a natureza se

adapte ao seu redor. E vemos as represas construídas pelos castores, os buracos

esconderijos dos tatus, os formigueiros, as colmeias das abelhas, as casas do

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João-de-barro... E o extraordinário é que toda esta sabedoria para sobreviver e

arte para fazer seja transmitida de geração a geração, silenciosamente, sem

palavras e sem mestres. (ALVES, 1981, p.15).

Várias espécies de animais se adaptaram ao meio ambiente para conseguir

sobreviver e, deste modo, a natureza proveu meios de vida para eles.

Diferente é a situação do homem, que é um ser frágil e, por isso, ele tem que criar

meios para sua adaptação. Para esclarecer como o homem se diferencia dos demais

animais, Aranha (1986) traz exemplos de relatos de experiências científicas sobre um

bebê humano e um filhote de gorila. Com isso, percebeu-se que até os 18 meses de vida

ambos apresentavam semelhanças. Porém, após este período, o bebê humano

desenvolveu outras habilidades, o que o diferenciou das outras espécies de animais.

Se criássemos juntos um bebê humano e um macaquinho, não veríamos muitas

diferenças nas reações de cada um nos seus primeiros contatos com o mundo e

as pessoas. O desenvolvimento da percepção da preensão dos objetos, do jogo

com os adultos, é feito de forma similar, até que um dado momento, por volta dos

18 meses, o progresso do bebê humano torna impossível prosseguirmos na

comparação com o macaco, justamente porque aquele adentra o mundo do

símbolo e ultrapassa um limite que animal algum será capaz. (ARANHA, 1986,

p.6).

O bebê humano continuou aprendendo e interagindo com o mundo porque os

seres humanos possuem a inteligência, além da capacidade de memorizar e se

concentrar. Para Gullar (2013), nos diferimos dos outros animais, pois estes se atêm à

sua animalidade e agem conforme suas necessidades vitais imediatas. Assim, utilizando-

se da inteligência, o homem se capacita e se prepara para encarar o mundo, ao contrário

dos animais, que são restritos às condições da natureza genética.

De acordo com Freire (2011), o homem é um ser inacabado, inteligente e cultural;

utiliza de sua percepção, seu raciocínio e, através de ação intencional, transforma o

ambiente tendo como prioridade trazer suporte para a sua existência.

O inacabamento humano do ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser ou

sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento.

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Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente. A

invenção da existência a partir dos materiais que a vida oferecia levou homens e

mulheres a promover o suporte em que os outros animais continuam, em mundo.

Seu mundo, mundo dos homens e das mulheres. A experiência humana no mundo

muda de qualidade com relação à vida animal no suporte. O suporte é o espaço,

restrito ou alongado, a que o animal se prende “afetivamente” tanto quanto para

resistir; é o espaço necessário ao seu crescimento e que delimita seu domínio. É o

espaço em que treinado, adestrado, “aprende” a sobreviver, a caçar, a atacar, a

defender-se num tempo de dependência dos adultos, imensamente menor do que

é necessário ao ser humano para as mesmas coisas. Quanto mais cultural é o ser

maior a sua infância, sua dependência de cuidados especiais. Faltam ao

“movimento” dos outros animais no suporte a linguagem conceitual, a

inteligibilidade do próprio suporte de que resultaria inevitavelmente a

comunicabilidade do inteligido, o espanto diante da vida mesma, do que há nela

de mistério. (FREIRE, 2011, p.50).

O homem, com a capacidade de desenvolver a cultura, cria opção de vida. Este é

um suporte do comportamento humano que o diferencia de outros animais, aos quais falta

liberdade de opção. Nós pensamos e, com nosso pensamento, inventamos os valores

que constituem a nossa humanidade. Essa diferença é essencial, pois nos torna capazes

de criar, produzir, transmitir e apreender a cultura. White (2009) contribui na mesma linha

de pensamento dizendo que tudo que o homem produz faz parte da sua cultura e

nenhuma ferramenta existe fora da organização social ou de ideias e crenças. Sendo

assim, pode-se afirmar que a cultura e o homem são inseparáveis.

Neste texto, Santos (1983) trouxe o significado da palavra cultura. Chauí (2000)

afirmou que a cultura é obra da sensibilidade da criação e da imaginação, e que, ao falar

e se expressar, o homem representa a sua cultura. Aranha (1986) diz que o homem

representa a sua cultura através da capacidade de transformação e de adaptação do seu

habitat. Enquanto Gomes (2008) afirma que um povo tem cultura como uma tradição que

é respeitada, cultuada e, ao mesmo tempo, renovada e refinada.

A definição de cultura é algo que até mesmo os pensadores consideram

complexo, visto que ela aborda inúmeros movimentos sociais. Assim, Aranha (1986, p.5)

traz, de uma forma sucinta, a história do homem; mostra o ambiente de produção

artística, idealizações, criações, transformações e infinitas maneiras de humanizar o

mundo natural.

Após apresentar conceituações de cultura na voz dos pensadores, filósofos e

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antropólogos, reitero que os seres humanos, no decorrer de sua existência, precisaram

estabelecer o domínio do meio natural, transformando e criando novos elementos. Por

intermédio da ação intencional, o homem nomeia novos objetos e dá valor simbólico às

coisas existentes e inexistentes. Desenvolve a cultura que representa todos os saberes e

padrões de comportamentos.

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1.5 Cultura Popular.

METAMORFOSE CULTURAL

Um simples grão de areia, junto a milhares de infinidades

de outros, é capaz de formar um planeta com continentes,

países e cidades.

Um pequeno grão de areia pode se perder entre tantos

outros que servem como base às criações e elaborações

humanas.

Este mesmo grão de areia é livre para habitar nas

profundezas do mar e solto para planar no céu.

Um grão de areia pode conter e contar as histórias da

humanidade e carregar nas suas moléculas a cultura dos

homens.

MARCOS HENRIQUE

Aprendemos e ensinamos porque precisamos descobrir e

criar sentido para a existência, assim como precisamos

recriar a própria existência, junto com os outros.

SEVERINO ANTÔNIO

Gosto de ser homem, de ser gente, porque a minha

passagem pelo mundo não é predeterminada,

preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado,

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mas algo que precisa ser feito e cuja responsabilidade

não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a história

em que me faço com outros de cuja feitura tomo parte é

um tempo de possibilidades, e não de determinismo.

PAULO FREIRE

O texto anterior remete à cultura geral que os seres humanos desenvolvem

através de sua criatividade e necessidade de viver em sociedade. Como foi visto, cultura

é fruto da ação intencional do homem no meio natural. Foi explicitado que a cultura está

em constante modificação, pois o homem, ao buscar novos conhecimentos, gera

movimentos de subcultura, sendo a cultura o que diferencia os seres humanos dos

demais animais.

Neste texto, serão abordados temas relativos à cultura popular, a qual acontece e

se constrói de maneira informal. Alguns exemplos são os comportamentos pelos quais as

pessoas expressam sentimentos em sociedade. No que concerne à cultura popular, Chauí

(2000, p96) afirma que esta tanto pode significar a cultura originada da população, quanto

a destinada à população. Então, as pessoas que a praticam e dela usufruem pertencem a

todas as classes sociais.

Nesta mesma linha de pensamento, Santos (1983) diz a respeito da cultura

popular:

Cultura é uma dimensão do processo social, da vida de uma sociedade. Não diz

respeito apenas a um conjunto de práticas e concepções, como por exemplo, se

poderia dizer da arte. Não é apenas uma parte da vida social como, por exemplo,

se poderia falar da religião. Não se pode dizer que cultura seja algo independente

da vida social, algo qual nada tenha a ver com a realidade onde existe. (SANTOS,

1983, p.45).

Logo, é possível inferir que a cultura popular remete a todos os aspectos de uma

realidade social.

O antropólogo White (2009), no livro Conceito de Cultura, ao citar o homem como

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um ser que produz diversas expressões de cultura, reafirma que a cultura popular

encontra-se em inúmeros blocos da sociedade no modo de pensar, agir, falar e viver, não

distinguindo sexo, raça, religião, idade, profissão, classe social e outras; descreve cultura

como um todo complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, direito, valores morais,

costumes e qualquer outra capacidade de hábitos adquiridos pelo homem como membro

de uma sociedade.

A cultura é um todo integrado. Em um sistema cultural, tudo está relacionado com

tudo o mais. Nenhuma ferramenta existe fora da organização social ou de ideias e

crenças. Assim, ideológico, sociológico e tecnológico são categorias lógicas, úteis

e funcionais, mas não devem ser interpretadas como entidades separadas.

(WHITE, 2009, p.29).

Embora a sociedade seja formada e integrada por várias classes sociais, a cultura

popular atende a todos os membros da sociedade, com maior ou menor intensidade,

podendo sofrer alterações constantes. À vista disso, podemos afirmar que vivemos

regidos por um ambiente cultural, onde a participação do povo produz e transmite cultura.

São as pessoas de diferentes classes sociais – algumas com melhores recursos

econômicos, educacionais e tecnológicos – que constroem a cultura. Essa diferenciação

cria movimentos de subculturas, ou seja, a cultura popular engloba inúmeros movimentos

internos de movimentos de subculturas. Estes por sua vez, oriundos de várias vertentes

que se interagem e em contato com outros, se constroem.

Na nossa sociedade, uma das principais vozes que norteia a cultura é o

marketing, pois faz com que as pessoas tornem-se adeptas ao pensamento, influenciando

seus gostos e atitudes. São justamente estes fatores subculturais que sofrem mudanças,

ou seja, a cultura se norteia pela classe social das pessoas, pelo avanço nas instruções

educacionais, pelo desenvolvimento tecnológico, pela globalização e outros. Este é um

importante momento em que as pessoas interagem com o mesmo pensamento e

produzem ações ao demonstrarem suas intenções, seus valores e cultura. É possível

encontrar inúmeros movimentos espalhados por diversas regiões, cidades e estados, pois

são as pessoas, que a praticam, que geram significados e dão valores e força social a

estes movimentos.

Chauí (2000), ao conceituar a cultura popular, leva em conta tanto a sociedade em

que é produzida, quanto a sociedade a qual está destinada. White (2009) diz que a cultura

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popular é constituída dos hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma

sociedade. Santos (1983) admite que ela atende a todos os aspectos da vida social.

Duarte (1991) anuncia que a classificação social e as influências socioeconômicas geram

movimentos de subculturas. Gullar (2013) assume que somos seres culturais porque

pensamos, inventamos valores e construímos sociedades.

Assim, concluímos que a cultura popular engloba todos que diretamente e

indiretamente participam da sociedade, existindo em seu interior infinidades de

movimentos subculturais.

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1.6 Cultura Erudita.

GERMINANDO ARTE E SONHO

Mergulhadas na tradição, as raízes profundas de uma

árvore que possui tronco revestido de histórias e galhos

com frutos saborosos carregados de elementos culturais,

está aflorada de sonho, fantasia e esperança.

Em um momento contemplativo, vejo a luz solar desenhar

a sua imagem em solo fértil.

A cultura nasce,

Sendo o fruto de uma pequena semente de criatividade,

Carregando saberes, sentimentos e histórias.

Expressa na ideologia,

Influenciada pela força da mídia, do marketing e dos

avanços tecnológicos.

Seus frutos alimentarão a humanidade.

MARCOS HENRIQUE.

Educar a inteligência é inseparável do educar a

sensibilidade.

SEVERINO ANTÔNIO.

Anteriormente, explanou-se sobre a cultura popular. Mostrei que ela é a cultura

feita, às vezes pelo próprio povo, e pode ter interferência do lugar, da mídia, do marketing,

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dos avanços tecnológicos e da classe social. Mesmo global, esta cultura expressa a

sociedade constituída por classes que buscam diferenciar-se criando movimentos de

subculturas.

No presente texto, apresentarei algumas reflexões sobre a cultura erudita, na

maioria das vezes, oriunda de instituições acadêmicas. Arantes (1981), em seu livro O

que é cultura popular, traz a passagem do trabalho de Hollanda, na qual afirma:

Registra A. Buarque de Hollanda, em seu conhecidíssimo Pequeno Dicionário

Brasileiro da Língua Portuguesa, que a palavra ”cultura”, em seu uso corrente,

significa “saber, estudo, elegância, esmero”; ela evoca os domínios da filosofia,

das ciências e das belas-artes. (ARANTES, 1981, p.09).

Notemos que a cultura é algo que precisa ser adquirido, mas a sociedade

privilegiada socialmente, percebendo essa situação, cria barreiras a fim de tornar o

acesso restrito a sua classe. As barreiras criadas pelas elites fazem com que outras

pessoas, provindas de classes inferiores, não consigam obter acesso às informações que

as permitam adquirir o conhecimento e, assim, ter contato pleno com a cultura,

principalmente, a erudita.

Nas sociedades estratificadas em classes, essas esferas da “cultura” são, na

verdade, atividades especializadas que têm como objetivo a produção de um

conhecimento e de um gosto que, partindo das universidades e das camadas

sociais como os mais belos, os mais corretos, os mais adequados, os mais

plausíveis, etc. Nesse sentido, “ser culto” é uma condição que engloba vários

atributos: ter razão, ter gosto, numa palavra, como diz o nosso dicionário, “saber,

ter conhecimento, estar informado”. (ARANTES, 1981, p.11).

Chauí (2000) contribui apresentando que a cultura erudita é identificada como a

posse de certos conhecimentos, línguas, artes, literaturas e outros saberes. Sendo assim,

para a obtenção destes saberes, faz-se necessário um investimento significativo, o que

restringe o público tornando-se viável, na maioria das vezes, às classes sociais de maior

poder aquisitivo. Dessa maneira, excluem-se as demais classes que não têm condições

financeiras para obter tais informações.

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Em sociedades divididas em classes sociais, é resultado de uma organização

social que confere a alguns o direito de produção e acesso às obras, negando-o a

outros, de tal maneira que, em lugar de um direito, tem-se, de um lado, privilégio e,

de outro, exclusão. Em outras palavras, usa-se a cultura como instrumento de

discriminação. (CHAUÍ, 2000, p.296).

A cultura erudita passa, então, a ser expressa por profissionais, estudiosos,

pesquisadores e pessoas que investiram financeiramente para adquirir conhecimentos.

Ainda nesta temática, Chauí (2000) afirma que o homem, para demonstrar seu poder, cria

uma diferenciação entre as demais classes sociais.

Uma comunidade cria a mesma cultura para todos os seus membros, mas numa

sociedade isso não é possível, e as diferentes classes sociais produzem culturas

diferentes e mesmo antagônicas. Por esse motivo é que as sociedades conhecem

um fenômeno existente nas comunidades: a ideologia. Esta é resultado da

imposição da cultura, embora vivendo em condições sociais diferentes. A ideologia

é uma das maneiras pelas quais as sociedades históricas buscam oferecer a

imagem de uma única cultura e de uma única história, ocultando a divisão social

interna. (CHAUÍ, 2000, p.297).

A classe social privilegiada, a fim de buscar apresentar e representar seus valores

e conhecimentos, procura destacar-se das demais. Ao realizar essa ação, ela impõe na

sociedade padrões, regras e comportamentos por meio da exposição de seus valores e

ideologia, o que culmina na aparição de movimentos de subculturas capazes de

patrocinar seus pensamentos.

Neste contexto, Santos (1983) confirma que cultura erudita é patrocinada por uma

classe social que busca se diferenciar das outras. Para isso, ela cria movimentos sociais

que apenas algumas pessoas com condições financeiras favoráveis conseguem obter.

Esse aspecto de preocupação com a cultura nasce assim voltado para o

conhecimento erudito ao qual só tinham acesso setores das classes dominantes

desses países. Esse conhecimento erudito se compunha ao conhecimento havido

pela maior parte da população, um conhecimento que se supunha inferior,

atrasado, superado e que aos poucos passou também a ser entendido como uma

forma de cultura, a cultura popular. (SANTOS, 1983, p.55).

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O público consumidor da cultura erudita é constituído de pessoas que possuem

condições de investir tanto nas apresentações quanto nas infraestruturas. Assim, ocorrem

apresentações e exposições em lugares restritos, frequentados por membros das classes

sociais privilegiadas, que têm condições de custear estas despesas.

Estes movimentos sociais e culturais são ideologias de uma pequena parcela da

sociedade; esta, para validar suas ações, faz uso dos meios de comunicação de massa

como revistas, TV, rádio, jornais e redes sociais para expor seus pensamentos e modos

de se comportar. Tal representação tem impacto significativo para as pessoas que não

fazem parte desta realidade.

Tais meio de comunicação não só transmitem informações, não só apregoam

mensagens. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de

vida, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir,

maneira de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar.

(SANTOS, 1983, p.69).

O marketing da sociedade elitizada é uma maneira de demonstrar para outras

sociedades, que não possuem padrão de vida social semelhante à dela, que a cultura da

elite é a que rege o gosto social.

E de fato, ao longo da história a cultura dominante desenvolveu um universo de

legitimidade própria, expresso pela filosofia, pela ciência e pelo saber produzido e

controlado em instituições da sociedade nacional, tais como as universidades, as

academias, as ordens profissionais (de médicos, advogados, engenheiros e

outras). Devido à própria natureza da sociedade de classe em que vivemos, essas

instituições estão fora do controle das classes dominadas. (SANTOS, 1983, p.55).

A cultura erudita é patrocinada por uma ideologia de classe social que busca

apresentar e representar sua condição social através do gosto por uma arte mais

refinada, destinada à elite. Arantes (1981) define que é algo a que as pessoas têm que ter

acesso para obter posse. Chauí (2000, p.296) afirma que as classes sociais privilegiadas

possuem condições de custear as despesas. Santos (1983) reitera que é patrocinada por

uma classe social que busca diferenciar-se das outras. Após esses pensamentos onde os

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humanistas dialogaram sobre a cultura erudita é notado que ela é feita e patrocinada por

uma sociedade elitizada, onde impõe valores sociais, a outras que possuem menores

condições financeiras.

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CAPITULO II

2.1 Arte e Educação: Visão Panorâmica.

CRIAÇÃO: LUZ DO PENSAMENTO

Estou com uma ideia na mente.

Gostaria e vou criar algo diferente.

Para isso, a razão tem que dar espaço à emoção;

Para isso, a emoção tem que compartilhar com a razão.

O que vou criar ainda é fantasma, é um feto dentro de

mim,

Que ganhará vida neste mundo já humanizado;

Misturar-se-á com muitas criações,

E compartilhará com outros saberes.

MARCOS HENRIQUE.

Nas considerações ou reflexões até agora feitas, apresentei o desdobramento do

primeiro capítulo, especificamente, os conceitos de arte, criação humana, origem da arte,

cultura geral, cultura popular, cultura erudita. Neste último texto, destaquei como os

movimentos de subculturas são influenciados pelo marketing, pela tecnologia e pela

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política estabelecida pela ideologia de classe social. Agora, passaremos a investigar

alguns aspectos da arte na educação no contexto brasileiro.

O Brasil, por ser um país de vasta extensão territorial, possui inúmeras

representações expressas na criação de elementos artísticos, além de diversos

movimentos culturais que retratam os saberes do povo. Cada região do Estado brasileiro

possui suas próprias expressões de subculturas que, por sua vez, desenvolvem um papel

social, em que os artistas conseguem se representar e transmitir sentimentos através da

comunicação com a arte. No livro Arte- educação – Vivência, experienciação Heloisa

(2003) demonstra a importância das ações de movimentos de arte popular, afirmando que

a arte-educação visa um processo de humanização e, por isso, desempenha um papel

fundamental junto aos indivíduos. Isso possibilita desencadear o autoconhecimento, afiliar

a percepção, aguçar o senso estético e estimular a imaginação, respeitando o potencial

criativo que existe em cada ser humano.

A arte-educação contribui para a constituição do sujeito e a construção do

conhecimento. Desta maneira, as criações possuem potencialidade para estimular o

sentimento humano, além de desenvolver elementos pedagógicos. A educação e a arte

estão vinculadas porque suas funções estão ligadas a criações. Duarte (1991), no livro

Porque arte e Educação, aborda a maneira que os artistas apresentam a arte na

sociedade.

Toda a arte se dá através de formas, sejam elas estáticas ou dinâmicas. Como

exemplo de formas estáticas, temos: o desenho, a pintura, a escultura etc.; como

exemplo de dinâmica: a dança (o corpo descreve formas no espaço), a música (as

notas compõem formas sonoras), o cinema etc. Nas artes “dinâmicas” as formas

se desenvolvem no tempo, ao contrário das “estáticas”, cujas formas não variam

temporalmente. (DUARTE, 1991, p.44).

A arte demonstra os sentimentos de diversas formas de simbolização. Todas

essas maneiras representam o saber cultural de criação e de expressão de um povo e é

justamente nos saberes do povo que nasce a educação popular. Heloisa (2003) afirma

que a arte popular funciona como base propulsora do processo educativo, pois a mesma

possui a capacidade de aguçar a percepção das pessoas, estimulando e facilitando o

processo de aprendizagem. Duarte (1991), ao se referir sobre o processo de

aprendizagem da linguagem, afirma que a arte e a criação são formas perceptivas e

expressivas do sentimento humano. Tais recursos estimulam a inteligência e contribuem

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para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Os dois pensadores humanistas

caminham na mesma linha de pensamento.

A arte-educação no Brasil, segundo Duarte (1991), teve o seu surgimento com o

intuito de atender às atividades domésticas e às funções industriais.

Porém, para ocultar um pouco o seu caráter domesticador, a Lei 5.692/71 trouxe

no seu bojo algumas novidades, como a instituição artística. “Antes dela tínhamos

na escola algumas disciplinas que possuímos o termo “arte” em seu nome”. É o

caso das “artes industriais”, em que se aprendia a fabricar objetos “úteis”; ou das

“artes domésticas”, nas quais se aprendia a cozinhar, a bordar etc. Ou ainda as

aulas de músicas (às vezes denominadas “canto orfeônico”), em que o aluno

cantava, com o acompanhamento do mestre, os hinos do País. Mas, com a Lei, a

arte educação foi “oficializada” nas escolas lado da profissionalização pragmática.

(DUARTE, 1991, p.81).

Diante dessa afirmação, a profissionalização dos alunos era idealizada pela

atividade artística e não tinha metodologia para aguçar a criação, mas apenas para

educar os alunos com o propósito de servirem o mercado de trabalho. As escolas

brasileiras, desde o princípio, ao seguirem esse método, praticavam a técnica de retalhar

as informações, tendo por finalidade fazer de seus alunos meros reprodutores de

pensamentos elaborados.

A escola hoje se caracteriza pela imposição de verdades já prontas, às quais os

educandos devem se submeter. Não há ali um espaço para que cada um elabore

a sua visão de mundo, a partir de sua situação existencial. A escola ensina

resposta. Resposta que, na maioria dos casos, não correspondem às perguntas e

às inquietações de cada um. Se verdadeiras, as dúvidas dos alunos não chegam

sequer a ser colocadas, pois o professor já sabe o que todos devem ou não saber,

antecipadamente. Reproduz-se a cisão da personalidade, presente em nossa

civilização: cria um “mundo teórico abstrato” que serve apenas para fazer provas e

“passar de ano” e que não se articula à vida vivida dos estudantes. A um fosso

profundo entre o que se faz, entre a teoria e a prática. (DUARTE, 1991, p.73).

Embora a arte-educação tenha inúmeros benefícios, tanto humanos quanto

sociais, ela foi restrita ao molde do currículo escolar. Isso fez com que as abordagens das

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expressões artísticas fossem tratadas como exercício manual. Segundo Duarte (1991),

estamos vivendo numa civilização racionalista, a qual pretende separar a razão dos

sentimentos encontrando-se na primeira o valor máximo da vida. A escola educa os

alunos para seguirem regras pré-estabelecidas, que têm como objetivo engessar a

criatividade, não dando possibilidade de formar alunos questionadores e críticos. A política

implantada é para o aluno ser moldado e atender ao mercado de trabalho, ficando a arte e

a criação humana em segundo ou terceiro plano.

O ensino brasileiro tem se voltado para atender às exigências do mercado de

trabalho, com mão de obra barata e sem questionamentos. Alunos são educados para

servirem à linha de produção de fábrica, formada por indivíduos mecanicamente

adaptados e não pensantes. Heloisa (2003) vem ao encontro de Duarte (1991) e faz

críticas à metodologia implantada no Brasil.

Ao ser criada com a lei nº 5.692/71, Educação Artística assumiu o caráter

dogmático que subjaz ao contexto escolar, perdendo desde o início suas

características, sua razão de ser, desfigurando-se. (HELOISA, 2003, p.12).

Partindo dessa observação, percebe-se que a ação do governo não possibilita o

desenvolvimento da criação e nem o senso crítico dos alunos, pois a arte está reservada

para poucas horas-aulas dadas, cumprindo a exigência básica do currículo escolar.

Duarte (1991) corrobora dizendo que:

A arte-educação não deve significar, finalmente, a mera inclusão da “educação

artística” nos currículos escolares. Porque, em se mantendo a atual estrutura

(compartimentada e racionalista) de nossa escola, a arte ali se torna apenas uma

disciplina a mais entre tantas outras. O que está em jogo é a própria estrutura

escolar, em que a educação, entendida como uma atividade lúdica, fundada na

relação e no diálogo, foi transformada em ensino: um despejar de respostas pré-

fabricadas a questões percebidas como absolutamente irrelevantes pelos

educandos. (DUARTE, 1991, p.74).

Nestas últimas décadas, os currículos escolares foram formulados e subordinados

às exigências do mercado. Com isso, a escola está perdendo a sua função de ser

formadora de identidade social e cultural, e se mantém como fornecedora de mão de

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obra. As atividades de artes nas escolas perdem o real valor porque os alunos não

compreendem a importância que a arte tem para o desenvolvimento criativo; esta passa a

ser tratada como uma simples atividade lúdica e, consequentemente, os profissionais da

arte não são valorizados, pois suas atividades propostas são consideradas irrelevantes

para a aprendizagem.

A arte continua a ser encarada, no interior da própria escola, como um mero lazer,

uma distração entre as atividades “úteis” das demais disciplinas. O próprio

professor de arte é visto como “pau para toda a obra”, como um “quebra galho”.

Frequentemente ele é obrigado a ceder suas aulas para “aulas de reposição” de

outras disciplinas. (DUARTE, 1991, p.82).

Na visão de Duarte (1991), a falta de comprometimento e o descaso com a arte-

educação faz com que os alunos sejam prejudicados. É nesta perspectiva que se situam

os debates travados em torno da questão do papel desempenhado pelas escolas, no qual

as mesmas não valorizam as atividades de artes por possuírem políticas curriculares

voltadas somente para atender aos anseios do mercado.

A nova ordem emergente nas políticas públicas na área educacional faz com que

se desvalorizem as atividades lúdicas e valorizem os conhecimentos científicos. Neste

mesmo contexto, Duarte (1991) demonstra que os alunos não estão adquirindo

conhecimento crítico e desconhecem que a própria ciência – que pretende ser um

conhecimento rigoroso – é filha da imaginação.

Aliás, a ciência surge, nos primórdios do século XVII, quando a imaginação de

Galileu leva-o a afirmar: “vamos supor que um corpo caia sem sofrer interferência

do atrito com o ar”. Isto é, imaginemos uma coisa inexistente em nosso mundo: a

queda livre, sem interferência da atmosfera, o movimento contínuo. A imaginação

é, portanto, o dado fundamental do universo humano e o motor de todo ato de

criação. (DUARTE, 1991, p.53).

A própria ciência foi desenvolvida pela criatividade e imaginação humana e teve

como resultado o avanço e o desenvolvimento tecnológicos. A inspiração criativa de

Galileu foi o berço do desenvolvimento científico de toda a humanidade, o que levou

muitos outros cientistas a acreditar na criatividade e na imaginação.

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Outro exemplo de criação científica através de imaginação, citado por Severino

Antônio (2009), no livro Uma nova escuta poética da educação e do conhecimento, traz a

reflexão de que a sensibilidade criativa é capaz de suscitar novas descobertas.

Outro exemplo expressivo: a centelha iluminadora de Guttemberg, o salto criativo

para inventar a máquina de imprimir veio da observação de um equipamento para

esmagar uva. A partir daí, os livros mudaram a nossa relação com o conhecimento

e com a vida. (ANTÔNIO, 2009, p.68).

Precisamos reconsiderar a imaginação, as criações e as inúmeras formas de

expressões. As práticas educativas com esses valores contribuem para o

desenvolvimento da racionalidade tanto pessoal como coletiva. No entanto, a exigência

proposta na formação discente com a didática estabelecida pelos currículos escolares faz

com que os alunos não desenvolvam a criatividade, mas cumpram exercícios pré-

estabelecidos.

Hipertrofiando a razão gera-se, dialeticamente, um profundo irracionalismo, na

medida em que os valores e as emoções não possuem canais para serem

expressos e se desenvolvem. Assim, a dança, a festa, a arte, o ritual são

afastados de nosso cotidiano não criativo, alienante. (DUARTE, 1991, p.64).

O intelectualismo proposto pela atual política educacional é reforçado no ambiente

escolar. Logo, “devem-se aprender aqueles conceitos já “prontos” e elaborados”. Os

alunos, neste processo, aprendem as normas pré-estabelecidas deixando, portanto, de

criar e de aperfeiçoar seus talentos. Portanto, é necessário refletir a forma como tem se

aplicado a educação escolar, em que o processo de construção torna os alunos

“consumidores” de informações e não sujeitos questionadores, ativos de produção. De

acordo com Duarte (1991), as atividades da arte-educação nas escolas foram mal

interpretadas, resultando na adaptação a rígidas regras curriculares formuladas.

O aluno, através das atividades artísticas na educação, tem capacidade e

potencialidade para criar um universo imaginário. Por ser importantíssima no processo de

criação e desenvolvimento humano, a arte foi introduzida no currículo escolar de maneira

racional, por meio de livros didáticos. Estes, por sua vez, não são capazes de demonstrar

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a magia da expressão porque lhes faltam o sentimento, o amor e a sensibilidade humana.

Mesmo havendo políticas inclusivas de atividades artísticas dentro das instituições

escolares, a maneira como elas foram aplicadas não trouxe o real interesse porque

precisam ser interpretadas. Heloisa (2003), ao anunciar a educação nos livros didáticos,

afirma que elas estão estáticas.

A arte é um processo dinâmico da vida, é uma articulação do fluxo sem forma da

experiência sensível, é um desdobrar de aptidões interiores, propiciando a

experiência perceptiva e, sem dúvida, um processo dialético – então, ela opõe-se

frontalmente ao livro didático, que é estático, geralmente reducionista, cerceador

da liberdade. (HELOISA, 2003, p.12).

De modo geral, os livros teóricos não fomentam as sensibilidades dos alunos.

Sendo assim, é necessário que se desenvolvam, dentro do processo de trabalho,

princípios fundamentais de uma ação pedagógica voltada à expressão e à criatividade.

Um dos grandes desafios é a dificuldade de interpretar o que está escrito nos

livros didáticos. Há também outro fator: a falta de interesse dos alunos em realizar os

exercícios propostos. Dessa forma, não se pode desenvolver ou estimular a percepção e

a imaginação, é preciso juntar as duas, tanto a didática quanto a expressão, para que haja

um complemento e, assim, a arte e a cultura popular possam trazer bons resultados

proporcionando sentido à aprendizagem.

A formação do ARTE-EDUCADOR não é só fazer. Ela se completa quando

acompanhada de estrutura, teoria, pratica equilibrada. O embasamento teórico

consolida a atuação do professor e propicia a reflexão crítica. A teoria funciona

como consciência da prática, se estiver interligada a todos os momentos da ação

do professor. Os fundamentos da ARTE-EDUCAÇÃO têm como alicerce, portanto,

a dialética entre a teoria e a prática, vivenciadas principalmente na ação

pedagógica, que deve se embasar nos princípios já enunciados, uma vez que a

tomada de consciência crítica se faz na vivência e na experiência da “ação de

como educar, quando educar, em que educar, quem educar, porque educar... em

ARTE... por meio de quais caminhos, quais materiais e instrumentos”. (HELOISA,

2003, p.48).

Partindo dessa análise, os livros didáticos de artes, segundo Heloisa (2003), são a

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única fonte para que os professores possam atuar. Muitas vezes, pela política da direção

da escola, os professores de artes têm que seguir o currículo pré-estabelecido. Quando

as atividades de artes na escola ignoram a visão dos educadores, estabelecem políticas

quantitativas disciplinares, realizadas de maneira formal e linear. Desta maneira, não

conseguem obter a aproximação significativa para que ocorra o desenvolvimento de

maturação do intelecto e criatividade dos alunos, ou seja, o qualitativo. Sendo assim, os

professores não possuem opções a não ser seguir o regulamento da rede escolar e a

didática do livro. Heloisa (2003) apresenta a crítica do livro e a ineficiência da validade

das informações, afirmando que os professores demonstram insegurança quanto à

validade da utilização dos livros didáticos, mas não encontram saídas para os

enfrentamentos às imposições de ordem hierárquica ou administrativa das escolas.

Os livros didáticos, ao apresentarem expressões artísticas, têm como objetivo

demonstrar exemplos e formas de criações humanas. Se os educandos que buscam

reproduzir o que os livros fornecem não tiverem uma conexão com os exercícios

propostos, ficam sem vínculos e apresentam dificuldades para contextualizá-los,

prejudicando a aprendizagem.

A atividade de artes na área da educação é motivo para uma longa discussão. De

acordo com Duarte (1991), a arte ao ser engessada e hipertrofiada ao molde de currículo

escolar se adaptou à didática de expressões de atividades, a artes estáticas, cuja ação é:

pintar, desenhar, esculpir, recortar, colar, entre outras elaboradas dentro da sala de aula.

O desafio é oferecer novos elementos que contribuam para o desenvolvimento das

criações, além de explorar linguagens capazes de aumentar o crescimento da expressão

criadora dos professores e, principalmente, proporcionar estímulos e vivência aos alunos.

Antônio (2009) contribui com a ideia de que a criatividade humana proporciona

um salto expressivo para levar a novas descobertas, tendo como recompensa o

desenvolvimento da humanidade. Heloisa (2003) considera que as atividades de

expressão artística na educação devem ser repensadas porque ela é um processo

dinâmico da vida. A arte não apenas valoriza o currículo, mas contribui para o

desenvolvimento global dos educandos. Formatar as atividades de artes nos currículos

escolares é fazer com que haja a perda da criatividade, além de prejudicar a força de

transformação que ela proporciona como forma de estímulo para a elaboração e a

expressão humana.

Após essas reflexões relacionadas à arte-educação, afirmo que a via racional

implantada na educação para realizar atividades de artes nos currículos escolares não é a

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melhor forma para atingir o real, pois ela apresenta regras, preposições e conceitos pré-

estabelecidos. A arte está a serviço da cultura, da memória, do patrimônio e,

principalmente, da preservação da identidade. Reconhecer e aplicar os benefícios da arte

em prol do desenvolvimento da educação é caminhar para a construção de expressão da

liberdade. Aprisionar a arte, justificando suas atividades no modelo didático escolar, é

desfigurar a criatividade.

A arte no contexto escolar deve, portanto, ser vivenciada como expressão de

libertação da criatividade humana.

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2.2 Arte e Educação: Paulo Freire.

MATRIZES DA CRIAÇÃO

Na imensidão do céu tudo se conecta.

Todos os elementos e objetos distantes ou próximos, por

alguma, razão se unem.

As nuvens formam-se e transformam-se em infinitas

imagens que, de tanto passear pela imensidão do céu,

cansam e despencam.

A chuva nasce e rega, molha e enche tudo que estiver no

seu caminho, mas persegue consistente e só vai

descansar em suas matrizes: terra, florestas, rios, lagos e

mares.

Na imensidão do céu há um pouco de mim.

Há uma partícula do meu suor.

MARCOS HENRIQUE

Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que

nada sabem, cabe àquele dar, entregar, levar, transmitir o

seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de

“experiência feita” para ser de experiência narrada ou

transmitida.

Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da

educação, os homens sejam vistos como seres da

adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os

educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são

feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência

crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como

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transformadores dele. Como sujeitos.

PAULO FREIRE.

No texto anterior, foi apresentada uma visão panorâmica da arte e da educação

com ênfase na educação brasileira, que sempre teve como característica atender ao

mercado de trabalho. Desta forma, mesmo após a Lei 5.692/71, não houve mudanças,

pois a arte-educação ficou engessada nos livros e não conseguiu estimular os alunos,

desencadeando uma produção de baixa qualidade, o que acaba favorecendo o

descompromisso dos educadores e a incapacidade do desenvolvimento criativo dos

educandos.

Neste capítulo, serão abordados os conceitos de Paulo Freire, com base no

conteúdo descrito nos seguintes livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da

Autonomia, a partir da reflexão sobre a fala de Freire (2008), em que “o opressor causa a

desumanização do oprimido”. Esta ação é tão violenta e tão desumana, que o próprio

oprimido acredita ser normal a situação em que se encontra, sendo desumanizado.

Freire (2008) salienta que o oprimido precisa do seu usurpador, pois a pessoa

oprimida não busca obter mudanças, nem possui força para realizar a transformação e,

muito menos, almeja sonhar para se libertar.

A desumanização, que não se verifica apenas nos que tem sua humanidade

roubada, mas também ainda que forma diferença nos que a roubam, é distorção

da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação

histórica. Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação dos

homens, nada mais teríamos que fazer a não ser adotar uma cínica ou um total

desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela

afirmação dos homens como pessoa, como “seres para si”, não teria significação.

Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto

na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” de injustiça

que gera violência dos opressores. (FREIRE, 2008, p.30).

É pela opressão que ocorre a manipulação dos indivíduos, os quais não veem

alternativas, se calam e, de certa forma, consentem com o sistema feito pelo opressor.

Este impõe a sua visão de mundo fazendo com que todos o obedeçam e sejam guiados

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59

por ele.

Freire (2011) apresenta que o homem, para se libertar, deve ter a vontade e a

consciência de que a sua liberdade irá trazer a transformação e isto irá levá-lo a um novo

momento de vida.

A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-

se na luta por sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter, nos próprios

oprimidos, que se saibam ou comecem criticamente a saber-se. (FREIRE, 2008,

p.40).

A libertação possibilita adquirir autonomia e um maior entendimento sobre os fatos

da vida. Porém, esta mudança deve ser conquistada aos poucos pelos oprimidos, para

não se tornar um problema social e não causar uma nova opressão. Freire (2011) nos

alerta a não esquecermos que a libertação dos oprimidos é a libertação de homens e não

de “coisas”. Desta maneira, o processo de libertação e conquista deve ser sentido por

ambas as partes.

Como já é sabido, a cultura do homem baseia-se nas interações sociais, de modo

que aquela luta deve ser pela libertação do povo oprimido. Uma luta não só individual,

mas social.

A cultura da opressão é tão enraizada no Brasil, que caminha juntamente com o

processo de desenvolvimento histórico do povo brasileiro. Percebemos, no atual sistema

social brasileiro, que carregamos resultados desta cultura feita por opressão. Um exemplo

é a exploração das pessoas menos favorecidas pelas pessoas de classes sociais mais

favorecidas; é o patrão explorando seus empregados; é o homem explorando a mulher; é

a criança sendo explorada pelos adultos; e outros tantos modelos de exploração social

que vivenciamos no cotidiano.

Na educação brasileira que acompanha a manutenção do sistema de exploração,

os alunos que estão em processo de elaboração e criação não possuem incentivos para

que as suas criações sejam livres, capazes de desenvolver a autonomia e o senso crítico.

Elas estão moldadas a exercício de livros, com o objetivo claro e pré-estabelecido de

corresponder às necessidades do sistema, o qual prepara as pessoas para seguirem

regras.

Freire (2011), ao discutir a educação brasileira na Pedagogia do Oprimido, mostra

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que a educação possui uma concepção “bancária”, na qual o professor dita as regras a

serem seguidas, servindo de instrumento e manutenção da opressão. Assim, critica e

mostra que o docente deposita informação para o aluno e este, por sua vez, tem apenas

que absorver o conhecimento sem demonstrar resistência ou questionar qualquer novo

saber.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os

educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.

Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que

se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-

los. (FREIRE, 2011, p.57).

Conforme a educação bancária estabelecida, o bom aluno deve seguir as regras,

não ser crítico, muito menos criativo. Ele, em seu juízo, deve seguir a cartilha imposta

pelos professores. Nestas cartilhas, estão contidas as normas que têm o propósito de

fazer com que os alunos não busquem mudanças e, muito menos, liberdade.

Freire (2011), no que tange à educação para autonomia, admite que ensinar é

transmitir conhecimento e este vem da criticidade, da percepção do problema, do

conhecimento de sua realidade. Assim, o educando poderá compreender e saber que ele

é um ser social capaz de transformar a sociedade. Diante desta situação, o aluno terá

condições de se libertar e não mais baixar a cabeça e se curvar perante o opressor, pois

seu lema será a busca da liberdade e, por ela, ele lutará.

A educação bancária não liberta, ela transforma a educação em um sistema

mecânico e faz com que o aluno não se sinta dono do seu conhecimento, nem saiba

utilizá-lo, pois ele foi programado para cumprir regras e ser comandado.

Se para a concepção “bancária” a consciência é, em sua relação com o mundo,

esta “peça” passivamente escancarada a ele, a espera de que entre nela,

coerentemente concluirá que ao educador não cabe, nenhum outro papel que não

o de disciplinar a entrada do mundo nos educandos. Seu trabalho será, também, o

de limitar o mundo. O de ordenar o que já se faz espontaneamente. O de encher

os educandos de conteúdos. É o de fazer depósito de comunicados –falso saber-

que ele considera como verdadeiro saber. (FREIRE, 2011, p.63).

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A maneira mecânica não problematiza a educação, o aluno passa a reproduzir

apenas as ideias já pré-concebidas e, neste processo de aprendizagem, vem adquirindo

informações ao mesmo tempo em que se sente um ser invisível, pois a educação

engessada o torna alienado.

Conforme Freire (2011), a educação deve ser realizada através da aproximação

do professor com o aluno, e do aluno com o material a ser investigado a fim de promover

um diálogo, uma discussão construtiva, um intercâmbio de saberes.

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que enquanto

educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado também

educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e

em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se,

funcionalmente autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não

contra elas. (FREIRE, 2011, p.63).

Este fato resulta em superação, favorecendo ambos os lados, do educando e do

educador, logo, o professor também aprende enquanto ensina. Freire (2011) apresenta,

claramente, no seu livro Pedagogia da Autonomia, a educação para a consciência

humana, em que o homem tem consciência de que é um ser em constante processo de

formação. Portanto, procura se humanizar e, através desta ação, ele busca compreender

as necessidades do meio em que está inserido.

Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se

propõem a si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si

mesmos como problema. Descobrem que poucos sabem de si, de seu “posto no

cosmo”, e se inquietam por saber mais. Estará, no reconhecimento do seu pouco

saber de si, uma das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão

trágica, descoberta do seu pouco saber de si, se faz problema a eles mesmos.

Indagam, respondem, e suas respostas levam a novas perguntas. (FREIRE, 2011,

p.29).

A essência da educação, conforme Freire (2011), vai ao encontro do querer, do

buscar e de compreender as coisas e fatos da vida. Desta maneira, o homem busca as

liberdades de expressão, de diálogo, de criação, de reflexão, de criticidade, de arte e de

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vida.

A história do povo brasileiro foi construída com opressão e contada de maneira

distorcida pelos opressores para garantir a continuação do sistema pré-estabelecido. Por

outro lado, os descendentes herdaram uma educação cultural que representa a luta de

resistência contra o opressor. Este fato possibilitou que os índios e negros, vitimados pela

exploração, deixassem para seus descendentes uma condição social que expressa um

povo desumanizado. No decorrer da história do Brasil, constata-se que muitos

movimentos de subcultura se perderam pela intolerância dos opressores. Alguns

permaneceram vivos porque o homem, utilizando-se de sua sensibilidade, consegue fazer

história, assegurar, ensinar e aprender a sua cultura.

Certamente, o povo oprimido pôde assegurar seus saberes em plena opressão,

preservando os conhecimentos e repassando de maneira informal a sua história. Tal

educação, componente da cultura popular, foi transmitida no convívio diário, nos

momentos de lazer, religiosidade e festas. Em seu artigo, Abib (2006) afirma que a cultura

popular é um valioso veículo de lazer e estímulo para a aprendizagem, principalmente,

porque é por meio dele que os praticantes se exercitam em liberdade e constroem, assim,

seus conhecimentos.

O lazer como veículo e como objeto da educação. Considera que se pode educar

pela prática do lazer, como também reconhece a importância de se educar para o

lazer. Só que, nesse último caso, preconiza que o melhor estímulo educativo para

o lazer seja o próprio exercício do lazer. (ABIB, 2006, p.65).

Podemos verificar que o processo educativo feito de forma engessada não

consegue acrescentar um sentido real à vida, pois este serve apenas para satisfazer o

sistema, o qual produz pessoas alienadas que têm por objetivos cumprir ordens e regras,

sem poderem agir como pessoas indagadoras, muito menos criadoras.

O modelo de educação informal, realizado através do saber popular, trabalha com

criatividade e participação mútua do educador e do educando. Desta forma, tem como

resultado maior aprendizado, pois a educação é estabelecida para dar sentido à vida e ao

conhecimento aprendido, assim, dando fundamento e reconhecimento cultural.

A reflexão do educador Freire (2008) aqui apresentada leva em conta as

considerações educacionais nos livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da

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Autonomia, destacando que o opressor age pela desumanização e pela exploração e

alienação. Já os vitimados para se libertarem têm que lutar contra o opressor para, então,

obter a liberdade, a conquista que ocorrerá através da construção de sua autonomia.

Neste mesmo contexto, Abib (2006) apresenta a força da educação informal

como forma de resistência do povo oprimido, pois o homem, sendo um ser cultural, a

partir do momento que ele adquire a responsabilidade, passa a representá-la e ser agente

de transformação.

Concluo com o alerta de que temos um enorme desafio pela frente,

principalmente, no âmbito educacional, uma vez que o discurso predominante é feito

pelos opressores que educam a sociedade para a manutenção do sistema de exploração.

Deste modo e a favor de Freire (2011), afirmo que cabe a cada um de nós, buscar uma

solução para construir uma nova realidade. Também acredito que esta renovação precisa

ser realizada em partes e em conjunto, pois só assim conseguiremos nos libertar das

correntes que nos arrastam desde os primórdios da história da nossa pátria, mãe gentil,

Brasil.

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CAPITULO III

ARTE E CULTURA AFRO-BRASILEIRA

3.1 Arte popular.

A OBRA

No pé da serra,

Uma maravilhosa visão.

Um arco de luz cruzou o céu, foi seguido por um

estrondar tenebroso, que colidiu na superfície da terra e

explodiu.

No céu, o vento mexe as nuvens que se metamorfoseiam

em chuva;

Que em solo formam inúmeras trilhas de águas.

Um desses vejo, e é transparente.

Originou as matas virgens; carrega o cheiro, a beleza e a

sabedoria das florestas,

Outro, escuro como a noite sem luar, se formou em uma

grande parede rochosa; desceu a serra percorrendo as

raízes das plantas; carrega a história da origem da

humanidade.

Lá no alto da serra, mais um com suas águas ferozes

prestes a conquistar tudo o que encontrar em seu

caminho. Este carrega armas, papel e tinta para contar

sua história,

Por uma força maior, seus caminhos se unem; todos os

elementos se misturam e fundem,

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Dando vida a uma nova matriz.

No pé da serra, um lago profundo cheio de saberes se

forma

E, em sua margem, inúmeros frutos surgem das criações

e adaptações que se expressam na arte e cultura popular.

MARCOS HENRIQUE.

A obra é a exteriorização dos sentimentos interiores do

gênio excepcional.

MARILENA CHAUÍ.

No capitulo anterior, investiguei a arte e educação. Também, trabalhei com a

análise de Paulo Freire sob o olhar dos livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da

Autonomia. No presente texto, abordarei a arte popular, demonstrando que ela caminha

juntamente com a história da humanidade, desde as organizações primitivas até as mais

civilizadas.

José Ribeiro (1970), escritor e pesquisador do cenário folclórico brasileiro, afirma

que o artista popular busca inspiração nos fatos históricos da sociedade em que vive:

nenhuma arte adquire maior e mais transcendente espírito de universalidade humana do

que essa que trabalha com os elementos reais diretamente obtidos e observados pelos

artistas no meio social que o rodeia. Sendo assim, o artista busca atingir, através de sua

criação, o pensamento popular e, a partir do momento que o alcança, a arte passa a

representar os valores do povo. Pode-se afirmar que ela é capaz de demonstrar os

sentimentos, perpetuar no tempo e carregar os saberes e história, abrangendo valores

sociais expressos na maneira de pensar, viver, produzir e representar os fatos da vida.

Chauí (2000) aponta a importância da criação da arte e demonstra que ela não

precisa ser carregada de beleza, mas possuir significados sociais e isso a torna

compreensível e bela por causa do sentido atribuído. A obra de arte, em sua

particularidade e singularidade, oferece algo universal: a beleza sem necessidade de

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demonstrações, provas, interferências e conceitos. A inspiração da arte popular

representa os sentimentos, os valores morais, políticos e religiosos do povo. Todos esses

se transformam em arte que demonstra a identidade popular.

O povo brasileiro é multicultural e carrega inúmeros saberes de manifestações de

vários povos expressos na arte popular. O entrelaçamento de saberes dos povos

indígenas, africanos e os colonizadores portugueses repercutiu em inúmeros movimentos

de arte popular no Brasil. E, neste aspecto, o antropólogo Keesing (1961) menciona que

as culturas de vários povos diferentes, quando se juntam, podem fundir e criar novas

formas de representações.

Grupos de culturas diferentes, entrando em contato, ficam em situação de um

tomar elementos culturais do outro – ou mais comumente, em situação de cada

um receber elementos “difundidos” do outro. Onde o contato e a difusão ocorrem

com certa continuidade, o processo de transferência chama-se aculturação.

(KEESING,1961, p.63).

Na mesma linha de pensamento, o antropólogo Gomes (2008) contribui:

A própria cultura portuguesa que, ao se relacionar de modo dominante com as

culturas indígenas do litoral brasileiro e com os africanos trazidos como escravos,

que trouxeram modo e instituições de culturas próprias, absorveram e

incorporaram tantos aspectos culturais que terminou se transformando numa

cultura nova, mestiça, sincrética e sintética. (GOMES, 2008, p.41).

No Brasil, os saberes se relacionam dando possibilidades de criar e representar

inúmeros movimentos de expressões populares.

No passado, os movimentos de arte popular possuíam pouca aceitação e

reconhecimento social pela a classe social elitizada e, portanto, estes movimentos eram

denominados “folclore”, aquilo que expressa a arte do povo. José Ribeiro (1970) traz sua

definição da palavra folclore.

Chama-se folclore o conjunto de atividades, de maneira de sentir, pensar e agir

das camadas populares de uma região. O termo original, em inglês, Folk-lore,

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significa “pensamento popular”, “saber vulgar”. Foi criado pelo estudioso Willian

Thons, em carta que dirigiu à revista “the Atheneum” editada em Londres. “A carta

foi publicada no número 982 da revista, saída no dia 22 de Agosto, seria

comemorada em todo mundo como o “Dia do Folclore” presidido pelo Ministro da

Educação”, e a “Campanha de Defesa do Folclore brasileiro” que publica a

interessante “Revista brasileira de folclore” que até Agosto de 1966 já havia

lançado quinze números. O presidente da República, através da lei 56.747, de 17-

8-1965, instituiu oficialmente o “Dia do Folclore” que deve ser comemorado com

toda intensidade no Brasil inteiro. (JOSÉ RIBEIRO,1970, p.27).

Pode se afirmar que os pensamentos populares representados pela arte, a qual

demonstra os valores sociais do povo, são encontrados nos movimentos e expressões de

folclore. Portando, o Brasil, por ser um país plural, possui inúmeros movimentos de arte e

de cultura popular expressos nos instrumentos, nas comemorações, nas danças, nas

músicas e ritmos, nas festas e jogos, nos monumentos, nas vestimentas, na alimentação,

nas crendices e religiosidade, e em outros comportamentos.

Todos estes movimentos carregam os sentimentos do povo, além de atravessar o

tempo e o espaço, apresentando, contando e interpretando a história através das

expressões de arte.

Podemos afirmar que a arte popular representa o patrimônio imaterial, pois esses

saberes são expressos na criação e na imaginação. Na arte e na cultura popular, os

conhecimentos são repassados às outras gerações e carregam, em seu bojo, os mitos e

contos populares. José Ribeiro (1970) apresenta a diferença entre o mito e os contos

populares.

Para distinguir esses dois antiguíssimos vestígios da imaginação do homem é esta

a sua lição: “Entre o conto popular e o mito existe apenas uma simples diferença

de época e dignidade. O mito é resultado direto e primitivo da transformação dos

elementos míticos em fábulas. É a obra do espírito coletivo espontâneo,

expressado pelos poetas. O conto popular é o ultimo eco, com as graduações que

a transmissão lhe impôs”. (JOSÉ RIBEIRO 1970, p.35).

Partindo desse fundamento, nota-se que a arte popular conta a história do povo e

carrega, em suas simbolizações, o conto e o mito que servem para atribuir-lhe

significados. Para a filósofa Aranha (1986), os signos possuem o poder de expressar

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inúmeros fatos. Assim, quando a arte popular se manifesta, tem como objetivo contar a

história do povo de maneira simbólica, isto é, só quando conhecemos o repertório de

signos, as regras de combinação e as regras de uso desses signos é que podemos dizer

que dominamos uma linguagem.

A arte popular possui inúmeras formas de expressões simbólicas abstratas,

relacionadas e inseridas no contexto social e cultural da sociedade, por isso, os sujeitos

que a praticam são representantes do povo que contribuem para preservar os valores

culturais ao prestar cultos.

Em meio a essa reflexão, Ribeiro (1970) contribui afirmando que o artista popular

busca inspiração nos fatos históricos da sociedade em que vive, podendo, deste modo,

obter a universalidade social. Os pensamentos de Chauí (2000) nos dão uma sugestão

que apresenta a importância da criação da arte e demonstra que ela não precisa ser

carregada de beleza, mas possuir significados sociais; Keesing (1961) que demonstra que

a cultura de vários povos diferentes, quando se unem, recebem elementos “difundidos”

umas das outras; o antropólogo Gomes (2008) afirma, também, que as diferentes culturas

absorvem elementos umas das outras e que, no Brasil, a arte e a cultura popular se

transformaram em uma nova cultura: mestiça, sincrética e sintética.

Após a reflexão dos pensadores, filósofos e antropólogos sobre a arte popular,

concluo que ela é fruto da criação e que o artista busca expressar-se criando movimentos

que anunciam o contexto social em que está inserido. Desta forma, a arte popular só é

popular quando outros membros da sociedade incorporam pensamentos e mensagens,

fazendo dessa expressão uma representação da identidade na linguagem popular.

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3.2 Arte na religião.

E AGORA?

Quem surgiu primeiro?

O homem ou a religião?

Qual o sentido da esperança?

Será que a esperança é movida pela fé?

Então, a arte e os símbolos solucionam os problemas da

humanidade.

Será que para tudo há alguma explicação?

Se não puder comprovar, o Divino consolará.

Então, basta ter fé para criar uma possível solução.

Quem surgiu primeiro?

Quem...???

MARCOS HENRIQUE.

Os símbolos surgem tanto para representar quanto para

interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença

do humano no mundo.

MARILENA CHAUI.

No texto anterior, apresentei a origem e as formas de representações de arte. Foi

visto que ela representa os valores do povo, expressos nos movimentos culturais da

sociedade que simbolizam seus saberes nas danças, nos rituais, nas simbologias, nas

criações, nos gostos e nos costumes. Passarei, agora, a explorar o tema “arte na religião”.

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O homem, em busca de simbolizar seus sentimentos, criou a arte para dar

explicação às diversas coisas compreensíveis e incompreensíveis do mundo. Através da

arte, encontramos os primeiros vestígios de religião. Chauí (2000), partindo desse

princípio, define a palavra religião.

A palavra religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo)

e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes

vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza (água, fogo,

ar, animais, plantas, astros, pedras, metais, terra, humanos) e as divindades que

habitam a natureza ou um lugar separado da natureza. (CHAUÍ, 2000, p.298).

Uma das maneiras que o homem utilizou para expor seus sentimentos e explicar

fatos que não entendia, foi a criação da arte na religião. A arte e a religião caminham

juntas, pois o homem, quando quer simbolizar seus sentimentos, cria imagens utilizando

elementos naturais e imagináveis. Faure (1990) afirma que o homem primitivo, desde sua

idade tenra, já buscava uma explicação através da representação de divindades.

O afresco das cavernas é, portanto, muito provavelmente, o primeiro vestígio

visível da religião, que vai daí em diante, percorrer seu caminho comum com a

arte. Tal como esta a religião nasceu do contato entre a sensação e o mundo. No

começo, tudo, para o primitivo, é natural: o sobrenatural só aparece com o saber.

(FAURE, 1990, p.46).

A necessidade de explicações levou o homem a recorrer às divindades hipotéticas

que poderiam ter criado o mundo e todas as coisas que o cercam. Isso fez com que ele

buscasse apropriar-se de novos saberes para tentar compreender a origem do

sobrenatural. Ao criar elementos simbólicos de ritualização, o homem passou a criar

expressões que apresentassem possíveis explicações através das atribuições de

divindades. Estas possuem significados quando asseguram algum valor cultural e

simbólico. Alves (1981) esclarece que o mundo simbólico possui uma linguagem própria

que é explicável e compreendida pela fé.

Quando entramos no mundo sagrado, entretanto, descobrimos que uma

transformação se processou. Porque agora a linguagem se refere a coisas

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invisíveis, coisas para além dos nossos sentidos comuns que, segundo a

explicação, somente os olhos da fé podem contemplar. (ALVES, 1981, p.21).

Os objetos simbólicos religiosos possuem significações que vêm a existir pelo

poder humano de nomear as coisas, atribuindo-lhes valor. De acordo com Faure (1990),

as divindades religiosas tinham papel importante, pois representavam os sentimentos da

fé, do milagre e do desconhecido.

Mas antes do sobrenatural, tudo se explica na natureza, porque o homem

expressa a todas as formas, a todas as forças, sua própria vontade e seus

próprios desejos. É para atrair que a água murmura, para assustá-lo que o trovão

ribomba, para despertar sua inquietação que o vento agita as árvores, e o animal

está, como ele próprio, repleto de intenções, de malícias, de desejos. (FAURE,

1990, p.46).

Sendo assim, o homem, na busca por explicações para os fenômenos naturais e

sobrenaturais, criou representações de divindades com a finalidade de atenuar a

ansiedade e tirar dúvidas das coisas incompreensíveis. Chauí (2000) acredita que a arte

representa as diversas divindades, por isso, admite que só possa ser compreendida

devido à capacidade de simbolização do homem.

O artista era oficialmente de culto e fabricador dos objetos e gestos dos cultos.

Seu trabalho nascia de um dom dos deuses (que deram aos humanos o

conhecimento do fogo, dos metais, das sementes, dos animais, das águas e dos

ventos, etc.) e era um dom para os deuses. (CHAUÍ, 2000, p.320).

A partir desse princípio, o homem procurou sanar suas dúvidas simbolizando e

representando as divindades para, então, dar significados às coisas incompreensíveis. De

acordo com White (2009):

“Simbolizar” significa representar (...) por um símbolo; um nimbo circundando uma

cruz simboliza “Cristo”, esse significado é bem estabelecido pelo uso. O

significado de “simbolizar” é diferente; como vimos, é criar, definir e atribuir

significados às coisas e acontecimentos, bem como compreender esses

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significados, que não são sensoriais. Portanto, simbolizar é um tipo de

comportamento para o qual, até hoje a ciência não tem nome. (WHITE, 2009,

p.12).

Quando transmite esses saberes e conhecimentos, o homem assegura elementos

culturais e valores simbólicos. Rubem Alves (1981) exemplifica como o homem transforma

um objeto em elemento simbólico:

Uma pedra não é imaginária. Visível, concreta. Como tal, nada tem de religioso.

Mas no momento em que alguém lhe dá o homem de altar, ela passa a ser

circundada de uma áurea misteriosa, e os olhos da fé podem vislumbrar conexões

invisíveis que ligam ao mundo da graça divina. E ali se fazem orações e se

oferecem sacrifícios. (ALVES, 1981, p.22).

Tais recursos de transformação de objetos contribuem para o homem justificar

suas atitudes de dar significado e valor simbólico. Estes valores podem fazer parte da

cultura humana de tanto serem repetidos e utilizados, passando por gerações e

adquirindo uma justificativa e um sentido dados pela fé.

Isto se aplica de maneira peculiar aos símbolos. De tanto serem repetidos e

compartilhados, de tanto serem usados com sucesso, à guisa de receitas, nós os

retificamos, passamos a tratá-los como se fossem coisas. Todos os símbolos que

são usados com sucesso experimentaram esta metamorfose. Deixam de ser

hipóteses da imaginação e passam a ser tratados como manifestações da

realidade. Certos símbolos derivam seu sucesso do seu poder para congregar um

projeto comum de vida. Tal o caso das religiões, das ideologias, das utopias.

Outros se impõem como vitoriosos pelo seu poder para resolver problemas

práticos, como é o caso da magia e da ciência. Os símbolos vitoriosos, e

exatamente por serem vitoriosos, recebem o nome de verdade, enquanto que os

símbolos derrotados são ridicularizados como superstições ou perseguidos como

heresias. (ALVES, 1981, p.28).

Nesse sentido, muitas criações humanas criadas com o intuito de serem

sacralizadas passam a ser homenageadas e cultuadas nos rituais e nas cerimônias

religiosas. Ao realizar estes rituais, o homem simboliza a fé, a arte e homenageia as

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divindades. Para Chauí (2000):

O rito é uma cerimônia em que gestos determinados, palavras determinadas,

objetos determinados, pessoas determinadas e emoções determinadas adquirem

o poder misterioso de presentificar o laço entre os humanos e a divindade.

(CHAUÍ, 2000, p.298).

Com isso, pode-se afirmar que o ritual é a união da arte, da cultura e da religião.

Ele fornece exemplo de criação e atribuição, podendo representar o milagre, a esperança,

a procura, enfim, o ideal. Gomes (2008), na mesma linha de pensamento, assume o ritual

como um ato cerimonial.

Um ritual é composto de um conjunto de comportamentos padronizados, com

começo, meio e fim. Esses comportamentos se diferenciam do comportamento

corriqueiro, embora este também possa ser visto como padronizado, por fazer

parte de uma rotina, de uma repetição de mesmos comportamentos. (GOMES,

2008, p.147).

Os atos cerimoniais possuem tradições que são representadas pelos rituais nos

quais o homem conclama as homenagens às divindades. Através do ritual, procura-se dar

sentido à comunicação dos homens com os deuses, possibilitando unir o passado ao

presente. White (2009) diz que o homem busca criar explicações capazes de dar sentido

às coisas abstratas do mundo. Desta maneira, a religião e as divindades são criadas para

dar esperanças e atenuar os sofrimentos humanos. Segundo o autor:

As mitologias, os rituais, as cerimônias e as organizações sociais contribuíram

para a sobrevivência da espécie humana ao prover ânimo sentimento e

importância, a sensação de que a vida tem sentido, de que vale a pena ser vivida,

oferecendo conforto e consolo quando ocorre uma tragédia. (WHITE, 2009, p.30).

O homem, por meio da fé, procura amenizar os problemas utilizando os símbolos

de representação religiosa como, por exemplo, a promessa realizada para obter auxílio no

enfrentamento das dificuldades e fases da vida.

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Quem elabora é o artista que busca, em suas idealizações, criar formas capazes

de aguçar a percepção e representações das pessoas. Assim, a intenção é provocar,

fazer com que as pessoas reflitam sobre as mensagens subliminares e subjetivas. Cada

receptor, ao observar uma exposição de arte representando uma divindade, tem uma

determinada interpretação e esta é dada de acordo com a fé e o conhecimento cultural.

Pensando no contexto da colonização brasileira, observa-se que tivemos em

nossa terra a influência de vários povos, dentre eles há três mais significativos: os índios,

os negros e os portugueses. Os dois primeiros foram explorados e desumanizados pelo

sistema de escravidão e, consequentemente, criaram inúmeras formas de resistência a

fim de salvaguardarem seu saber cultural. Através do sincretismo religioso, foi possível

preservar os rituais, as divindades e orixás dos povos oprimidos.

A religião afro-brasileira é carregada de simbologias expressas nos sentimentos,

sonhos, desejos e fantasias das pessoas. Estas estão representadas nos cantos, danças

e atos cerimoniais. Abib (2006) traz uma reflexão a respeito do assunto, em seu artigo

Cultura Popular, Educação e Lazer: uma abordagem sobre a capoeira e o samba:

O universo da cultura popular, enquanto um campo extremamente rico e

diversificado, em que a oralidade e a ritualidade abrigam saberes dos mais

significativos, remete a toda uma ancestralidade onde residem aspectos

importantíssimos relacionados à “história não contada” dos derrotados, aos

processos identitários das camadas subalternas da nossa sociedade, ao ethos do

povo oprimido, enfim, à cultura dos excluídos do nosso país. (ABIB, 2006, p.63).

Desta forma, conclui-se que a religiosidade afro-brasileira é a autêntica

manifestação de um grito por libertação, que vem da alma de um povo subjugado, que se

apega às suas raízes e ao seu passado para encontrar forças e continuar resistindo

contra uma situação tão adversa. Freire (2011) apresenta a religiosidade que os negros

desenvolveram no Brasil como uma forma de sistema político e social.

O sincretismo religioso afro-brasileiro expressou a resistência ou a manha com

que a cultura africana escrava se defendia do poder hegemônico do colonizador

branco. (FREIRE, 2011, p.76).

A africanidade na religiosidade brasileira é uma postura rebelde: a arte fantasia os

sonhos dos esperançosos negros e índios. A injustiça humana, pela qual os índios e os

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negros passaram, foi uma das questões centrais para que se criasse a religião afro-

brasileira, expressa em rituais, os quais representam a fé através da arte da criação.

Conforme Chauí (2000), a religião é um vínculo entre o mundo profano e o mundo

sagrado que os homens criaram para dar sentido às coisas incompreensíveis. Faure

(1990) afirma que o homem primitivo desenvolveu o primeiro vestígio visível da religião

através da representação de divindades para, daí em diante, percorrer seu caminho

comum com a arte. Andrade (1981) assegura que o mundo simbólico possui uma

linguagem própria que é explicável e compreendida pela fé. Para White (2009), a religião

e as divindades são criadas para dar esperanças e atenuar os sofrimentos humanos.

Gomes (2008) afirma que a arte, idealizada nos rituais, procura dar sentido à

comunicação dos homens com os deuses, possibilitando unir o passado e o presente

através de rituais. Freire (2011) atestou que a religião afro-brasileira é a representação da

resistência do povo oprimido contra o colonizador opressor.

Diante das exposições dos pensadores sobre a arte na religião, posso concluir

que, nos primórdios da humanidade, a arte e a religião estavam intimamente ligadas e

que ambas foram desenvolvidas pela necessidade humana de buscar uma explicação.

Para tanto, o homem cria simbologias de divindades, além de rituais que explicam o

sentido da crença e da vida. Portanto, a arte na religião está presente em diferentes

manifestações artísticas: nos cultos, nos rituais, nas cerimônias e em todos os lócus onde

o homem busca simbolizar sua fé.

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3.3 Arte, Expressão Corporal.

INQUIETAÇÃO

Queria ser uma estátua,

Mas não consigo!

Preciso olhar, falar e movimentar,

Sinalizar com certa frequência,

Me expressar...

Queria ser somente uma estátua!

Mas não consigo...

Gesticulo, simbolizo,

Crio infinitas maneiras de comunicação,

Bem que poderia ser uma estátua,

As coisas seriam mais simples,

Tudo poderia ser mais fácil

Não pensar, não criar, não modificar, não aprender e nem

ensinar.

Mas, felizmente, não! Não consigo viver sem simbolizar

as coisas do mundo.

Preciso contar as maravilhas do mundo,

De infinitas formas e maneiras.

Queria ser uma estátua!

Mas juro...

Não consigo.

MARCOS HENRIQUE.

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Toda linguagem é um sistema de signos.

LUCIA ARANHA.

No texto anterior, escrevi sobre a arte de simbolizar a fé através da religião.

Apresentei que o homem desenvolveu a religião a fim de dar uma explicação às coisas

incompreensíveis e, desta forma, realizou elaboradas representações de divindades.

Neste processo, criou expressões de rituais religiosos explicitando todos os seus anseios

e desejos. No texto a seguir, argumentarei a arte como representação corporal.

A arte é um elemento simbólico. Através dela, o homem consegue se comunicar

fazendo uso de gestos que são carregados de sinais. Partindo desse princípio e utilizando

os gestos como meio de habilidade humana, pode-se admitir que as expressões corporais

auxiliam na comunicação. Chauí (2000) diz que a gestualidade utiliza o corpo como meio

de comunicação, resgatando a força da linguagem sem palavras: a linguagem simbólica

leva-nos para dentro dela, arrasta-nos para seu interior pela força de seu sentido, de suas

evocações, de sua beleza, de seu apelo emotivo e afetivo.

É pela expressão corporal que o homem demonstra as suas reivindicações de

negação, afirmação, interesse e desinteresse, e também consegue transmitir suas

emoções. Ao manipular conscientemente o seu corpo, produz mensagens, pois a

expressão do corpo é umas das formas de comunicação não verbal, onde o domínio das

habilidades criam movimentos que ganham sentidos, isto é, utilizando-se de gestos, o

homem consegue transmitir suas ideias. Assim, os gestos e expressões servem de meio

de comunicação e são vistos como excelentes recursos para auxiliar na linguagem oral,

pois o homem, ao lançar mão desse recurso, aumenta a interação na transmissão de

mensagens.

Chauí (2000) afirma, também, que a partir do momento em que o homem utiliza o

corpo ele cria a arte de comunicar, podendo transmitir as mensagens para quem o

visualiza. A linguagem é um sistema de signos ou sinais usado para indicar coisas, para a

comunicação entre pessoas e para expressão de ideias, valores e sentimentos. Logo, a

arte da comunicação feita através de gestos e sinais é inventada pelo homem que a

domina e faz dela complemento a mais para apoio à comunicação. Dessa forma, o

homem apropria-se dos gestos e sinais e utiliza esse recurso para facilitar a linguagem de

comunicação com o próximo em seu meio social.

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Cada pessoa possui uma maneira diferenciada na utilização de gestos e sinais.

Estes, quando expressos, apresentam as habilidades do idealizador e também a

identidade cultural que possui. Em inúmeros momentos sociais, o homem utiliza esse

veículo para se comunicar, sendo assim, a arte da comunicação por expressão é

representada em diversos lócus da sociedade. Podemos encontrá-la representada na

dança, em atos fúnebres, rituais religiosos, em apresentações sociais, em passeatas, em

exposições, em teatro e em outros meio de comunicação.

Gullar (1993) relata que a arte existe com a liberdade. Quando o homem se

liberta, ele é capaz de criar e produzir novas formas de expressão:

Serei a última pessoa do mundo a me opor à liberdade, e muito menos à liberdade

de expressão. Todo mundo sabe que a condição da liberdade é continuação

fundamental da criação artística, e não apenas a liberdade exterior ao homem,

mas também a sua liberdade interior. A obra de arte verdadeira é a expressão

dessa liberdade interior e exigência de outra. Mas expressão dialética, porque

nada se faz sem luta, nem fora nem dentro da gente. A liberdade não é obra; seja

a obra de arte, seja a sua vida, seja a vida comum. E essa objetivação da

liberdade, dirigida a determinado fim, ao mesmo tempo em que a torna concreta,

estabelece-lhe limites e gera contradição. Por isso, toda a obra do artista é uma

vitória do artista sobre as contradições implícitas no trabalho criador. Imaginar a

criação artística como um exercício gratuito da liberdade é uma projeção infantil,

reflexo de uma concepção ingênua que confunde a realidade de um mundo sem

resistência. (GULLAR, 1993, p.80).

A construção de liberdade auxilia e contribui para que o homem possa se

expressar. A arte de expressão corporal, ao ser vista como uma valiosa ferramenta de

comunicação, passa a fazer parte da cultura, principalmente, ao ser utilizada para auxiliar

na compreensão de mensagens, quando ela passa a fazer parte da identidade da

sociedade em que se encontra, quando ela representa os acontecimentos e as histórias.

A arte de expressão popular é vista naturalmente nos momentos de lazer, nos

jogos, nas danças; também a encontramos em atos políticos, passeatas, greves, além das

diversas formas de cultuar a religiosidade. E, mais ainda, nas manifestações folclóricas,

que se utilizam das habilidades de expressões corporais. Estas contribuem para contar a

história da humanidade através de representações artísticas. Neste contexto, Chauí

(2000) argumenta que a linguagem de expressão é a força da ação sem palavras. Já

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Gullar (1993) declara que a arte de expressão corporal representa os sentimentos

humanos.

Minhas considerações são: o homem cria várias formas de manifestação de

linguagem e, desde os primórdios, faz uso da expressão corporal para se comunicar

transmitindo mensagens através da arte de expressão. Estas mensagens são realizadas

em diversos momentos da vida: nas danças, nos rituais religiosos, nas apresentações

teatrais, nas celebrações, em diversos contextos sociais, onde o homem consegue

expressar, representar e simbolizar seus sentimentos utilizando a arte de expressão

corporal.

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3.4 Arte de expressão popular Afro-brasileira.

FLORESCIMENTO ARTÍSTICO

Adiante, uma imensa árvore que apresenta belas

ramificações.

Enxergo, em suas raízes, diversos movimentos culturais

Que carregam nos troncos e galhos seivas de saberes.

Estes germinarão no ovário do vegetal, frutos

multiculturais,

Fazendo ecoar criatividades...

Que no relento, o vento, ao sacudir suas folhagens,

Transformam em vozes, de inúmeras formas e

expressões,

Traduzidas em arte, educação, cultura e folclore.

MARCOS HENRIQUE.

Reconhecer a importância dos sentimentos, da

criatividade, da imaginação, da cultura, é inseparável do

reconhecimento dos sujeitos humanos e do seu papel.

SEVERINO ANTÔNIO.

No texto anterior, discorri sobre a arte como expressão utilizada para facilitar a

comunicação. Também, mencionei que ela é uma rica forma de expressão corporal e

contribui para expor os sentimentos através da linguagem sem palavras. Neste texto,

apresentarei a arte corporal como expressão artística das manifestações culturais

brasileiras, dedicada ao folclore.

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O povo brasileiro utiliza muitos gestos para se comunicar. Essa linguagem gestual

foi incorporada no cotidiano pelo contexto histórico que, em seu processo de formação,

teve influência de diversas raças e etnias. No Brasil, há várias formas de representações

culturais, as quais possuem subculturas regionais e influenciaram na formação do povo

brasileiro que teve, no início da sua ocupação, índios, negros e imigrantes europeus,

entre outros povos que contribuíram para a riqueza desse vasto universo cultural.

Tratando-se da formação do povo brasileiro, José Ribeiro (1981) manifesta um

novo mundo além do mar com entrecruzamento cultural.

Os povos-novos, dentre os quais se inclui o Brasil, originaram-se da conjunção de

matrizes étnicas diferenciadas como o colonizador ibérico, indígenas de nível tribal

e escravos africanos, imposta por empreendimentos coloniais-escravistas, seguida

da desculturação destas matrizes, do caldeamento racial de seus contingentes e

de sua aculturação no corpo de novas etnias. Sua característica distintiva é a de

species-navae no plano étnico, já não indígena, nem africana, nem europeia, mas

inteiramente distinta de todas elas. (JOSÉ RIBEIRO, 1981, p.70).

Como já se afirmou, o Brasil, quando descoberto pelos colonizadores portugueses

no século XV, tinha como habitantes diferentes tribos indígenas, em suas terras. No

período de colonização, vários povos como os negros, que vieram da África, e os

europeus, que eram os colonizadores e exploradores das riquezas naturais, foram

introduzidos gerando uma miscigenação étnica grandiosa. Os índios tinham uma forma

particular para se comunicar com os portugueses: utilizavam gestos e sinais para ajudar a

complementar o entendimento das palavras. O mesmo aconteceu com os povos oriundos

da África, além de outros povos europeus e ocidentais que vieram morar no Brasil.

Encontramos exemplos desses recursos de comunicação, feitos por uma gama de

expressões, principalmente nas manifestações populares em que os gestos são utilizados

para representar e comunicar; e nas danças e rituais nos quais a cultura, assim como o

folclore, demonstra seus saberes, expressando sentimentos de alegria, dor, guerra,

perdas, vitórias e conquistas.

Sendo assim, podemos afirmar que a cultura existente, hoje, no Brasil, é uma das

mais notáveis e diversificadas do planeta. Em diversas regiões do país, há manifestações

culturais específicas. E estas riquezas são transmitidas de geração para geração. Gullar

(1993) considera o Brasil como um país plural e aponta as diversas ramificações de

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movimentos culturais criados pelos brasileiros:

É impossível definir, portanto, um traço particular que possa caracterizar uma

possível arte brasileira, mesmo porque os traços que se poderia rastrear na

experiência acumulada não são os mesmos nas diferentes regiões do país. É

certo, porém, que todos nós reconhecemos nestas formas regionais e que a

capacidade criadora do artista consiste precisamente em transcender o que é

particular, regional, e erigi-lo em expressão universal. (GULLAR, 1993, p.85).

Cada região do Brasil possui uma maneira de se expressar regionalmente,

influenciada pelos povos que carregam vários saberes, tradições e histórias. Estes são

apresentados na linguagem, na musicalidade, nos elementos de arte popular, no

sincretismo religioso e em outros elementos de domínio público.

Em terras brasileiras, há inúmeras expressões: algumas com características mais

europeias, outras indígenas e africanas, mas todas misturadas e fundidas pela

nacionalidade. Temos, então, muito mais influências indígenas e negras na região Norte e

maior incidência dos europeus e negros na região Sul do país; todas essas características

estão presentes nas músicas, nas danças e nas manifestações populares; e todos esses

movimentos de subculturas ajudaram na expressão corporal. Neste âmbito, José Ribeiro

(1981) contribui dizendo que o povo brasileiro foi constituído por um entrecruzamento

cultural tendo, em sua formação, povos de diversas etnias e de diferentes partes do

continente. E Gullar (1993) apresenta o Brasil como um país plural com grande

diversidade de movimentos culturais.

Após realizar a leitura dos pensamentos destes autores, pontuo que é justamente

nos hábitos, nos costumes e nas tradições que se realizam e se expressam a identidade

cultural brasileira. Esta é fruto da miscigenação de povos oriundos de várias partes da

terra que aqui se juntaram e criaram uma nova forma de se comunicar, representando

seus mitos, histórias e tradições expressas nos movimentos folclóricos e culturais.

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3.5 Música, Arte de Comunicação.

COMEMORAR A ÁFRICA

Africanizar a nossa história É pensar no passado, Escurecer grandes heróis E os deuses consagrados. Meu avô mandou comemorar A África que habita em nós.

MARCOS HENRIQUE.

O homem apreende o mundo da natureza e o mundo da

cultura. A língua seria o veículo da cultura, que, por sua

vez, é a intermediação entre o homem e a natureza.

MÉRCIO GOMES.

No texto anterior, investiguei a expressão da arte popular afro-brasileira e

apresentei como o povo brasileiro desenvolveu a arte de comunicação popular para servir

de apoio às inúmeras formas de representações culturais que expressam os valores

históricos da sociedade. Neste, manifestarei a música como arte de comunicação.

A arte da comunicação é uma das mais valiosas formas de expressão da

humanidade que, durante milhares de anos, se utilizou e se utiliza dos sinais sonoros e

vocais para se expressar. Ainda nos tempos primitivos, o homem já utilizava meios

sonoros para comunicação. Estes eram feitos através de troncos e sementes de árvores,

couro de animais, gravetos de bambu, além de pedras e conchas. Assim, utilizava os

elementos encontrados na natureza como instrumentos. A princípio, o homem buscou

imitar os sons da natureza e, com os instrumentos que fabricava, reproduzia os sons e

barulhos dos elementos naturais tais como a água, o vento, a chuva, o trovão, os

zumbidos de insetos e os rangidos de animais. O homem é capaz de, até mesmo,

interpretar a si através de sons.

A comunicação sonora tem ocupado um espaço na vida humana como ponto

comum à transferência de informação de um ponto para outro. Dessa maneira, ela

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constitui a forma mais usada para as pessoas transmitirem seus pensamentos e isso não

acontece somente com os seres humanos, pois grande parte das formas de vida

existentes sobre a face da terra se utiliza deste artifício. A diferença entre os seres

humanos e os outros animais é que outros seres possuem, geneticamente, uma maneira

particular para se comunicar, sendo esta determinada pela espécie a que pertence; já nós,

seres humanos, criamos várias formas de comunicação. Aranha (1986) corrobora que o

homem, por ser um animal natural pensante, consegue se comunicar com o seu universo,

assim, poderíamos dizer que o animal também tem linguagem. Mas a natureza dessa

linguagem não se compara à revolução que a linguagem humana provoca na relação do

homem com o mundo.

Partindo desse fundamento, nós agimos e nos comunicamos, no mundo em que

vivemos, por meio dos relacionamentos com outros seres humanos, com animais, com

coisas naturais e artificiais, com os fatos e acontecimentos, e imprimimos essa relação

tanto por meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações. Isso significa que

podemos nos comunicar em diversos níveis por muitas razões, com maior ou menor

intensidade e de inúmeros modos.

Um dos tipos de recursos comunicação é a expressão musical, pois, através da

música, os seres humanos conseguem demonstrar seus pensamentos e representar a

sua cultura.

A cultura, a linguagem, os símbolos, as concepções de mundo, são dimensões do

concreto humano, da história vivida, desde as experiências mais pessoais às

comunitárias e sociais. Essas dimensões são produzidas históricas e sociais,

produzem significações, descobrem e atribuem sentido à existência humana.

Constituem, dessa maneira, a nossa concretude, que abarca também muitas

representações do imaginário. (ANTÔNIO, 2009, p.13).

De certo, a musicalidade é um instrumento valiosíssimo, pelo qual os seres

humanos com a sua vasta imaginação, recorrem aos diversos sons, criando uma

infinidade de ritmos musicais para se comunicar e expressar seus sentimentos. Este

recurso é uma arte capaz de representar os valores culturais do povo, transmitindo

emoções, sonhos, amores, perdas, conquistas e vitórias. A cultura popular bem utiliza

esta amplitude de possibilidades sonoras, demonstrando todas as variações capazes de

caracterizar o homem e, consequentemente, o seu conjunto.

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As músicas e cantigas de cultura popular fornecem elementos de grande valor,

elas carregam em suas letras histórias, contos e fatos do passado, que representam o

contexto histórico tanto do ponto de vista linguístico, como do folclórico e do sócio-

histórico. As letras carregam saberes, falam de assuntos que marcam diferentes épocas e

é através delas que os povos oprimidos, índios e negros, ao expressarem-se contra o

opressor português, contam suas histórias, seus sonhos e esperanças. Desta forma, as

manifestações culturais do povo brasileiro são carregadas de musicalidades que

representam as tradições, as lutas, os gracejos, os amores e, também, exaltam bravuras,

tristezas, alegrias e dores, bem como outros temas decorrentes do dia-a-dia da vida das

pessoas que fizeram parte de um contexto social.

Tratando-se da passagem histórica do povo brasileiro, Darcy Ribeiro (1995) traz

em seu pensamento a miscigenação dos povos como fatores históricos, sociais e culturais

e relata que os saberes desses povos fundiram e criaram uma nova cultura:

O negro escravo africano – misturado, mesclado com os nossos índios e caboclo

na grande formação étnica da Raça Brasileira, trazendo no Bojo dos Navios

Negreiros os cânticos lúgubres – O Soluço contido e as lágrimas – o desespero da

separação, contidos na remada rítmica dos navios escravos, entre o gemer e o

estalar das chibatas ceifando vidas, dilacerando para um e outro no balanço das

ondas bravias do oceano agreste. (DARCY RIBEIRO, 1995, p.24).

Fica evidente a importância da música na cultura popular afro-brasileira que

surge, primeiramente, representando os sentimentos do povo oprimido pelo sistema de

colonização, representando seus sonhos e buscas da liberdade. Abib (2006), em seu

artigo que aborda cultura popular, educação e lazer, ao se referir sobre as manifestações

culturais afro-brasileiras, afirma que:

É a autêntica manifestação de um grito por libertação que vem da alma de um

povo subjugado, que se apega às suas raízes- e ao seu passado - para encontrar

forças e continuar resistindo contra uma situação tão adversa. (ABIB, 2006, p.62).

Os cânticos carregam mensagens expressas na luta contra o feitor colonizador e,

também, anuncia a fé através das orações às divindades “afro-brasileiras”. Portanto, a

arte musical da cultura afro-brasileira é um forte agente de comunicação e expressão

popular, pois envolve as pessoas que participam das atividades nas interações sociais,

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feitas em rodas, cortejos, festas, jogos, brincadeiras, cerimônias, apresentações e rituais.

Tem como principal fator assegurar a história, a cultura, os saberes e as tradições do povo

brasileiro.

De fato, podemos ver as pessoas se comunicando de inúmeras maneiras, tanto

utilizando as vozes como utilizando instrumentos. Podemos observar, quando estão

cantando, jogando, batendo palmas ritmadas e tocando os instrumentos percussivos, o

quão a história e os diferentes sentimentos vividos podem ser representados e

entendidos.

As músicas propiciam grande desenvolvimento rítmico. As danças, as passagens,

os gestos e as expressões ocorrem dentro de uma cadência rítmica musical, determinada

pelo instrumento percussivo afro-brasileiro.

Um dos movimentos de subculturas existente no Brasil e que carrega a

musicalidade, a história e a luta da resistência do negro contra a escravidão é, sem

dúvida, a Capoeira. Desenvolvida e praticada pelos negros, foi criada nas senzalas e

quilombos, utilizada como defesa pessoal para proteger os negros escravos. Abib (2006)

anuncia que a Capoeira, constituída por elementos lúdicos e agressivos, dança e batalha,

vida e morte, medo e alegria, de sagacidade, música, brincadeira, ancestralidade e

ritualidade, caracteriza-se como uma manifestação cultural difícil de ser definida num

único conceito. Ela é considerada como um jogo, uma arte, uma luta disfarçada de dança,

onde os capoeiristas em momento de prática se atacam e se defendem.

Na Capoeira são cantadas cantigas de ladainhas, quadras e corridos. Estas

expressões rítmicas carregam histórias que simbolizam as batalhas, as conquistas e os

atos heroicos dos capoeiristas. As rodas de capoeira são feitas com músicas

acompanhadas por instrumentos percussivos: berimbaus, pandeiros, atabaques e agogôs.

Todos esses instrumentos são marcados por palmas das pessoas que participam e

prestigiam. No início das rodas de Capoeira, os capoeiristas utilizam o estilo musical

conhecido como ladainha, um ato tradicional feito para aclamar, louvar e homenagear os

grandes mestres através de louvações e histórias cantadas.

Eis um exemplo de música de ladainha, em que o capoeirista faz um lamento

reclamando de sua condição social:

Vou-me embora, vou-me embora, Olha, sei, disse que vou, Sei que aqui não sou querido, Mas na minha terra sei que sou,

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Camaradinha... Viva meu Deus. Iê, viva meu Deus camará. Iê, viva meu Mestre. Iê, viva meu Mestre Camará.

Música de domínio Público, cantada pelo Mestre de Capoeira Angola, Waldemar (1981).

Outro conhecimento musical realizado pelos capoeiristas é o corrido de capoeira,

ritmo musical mais acelerado no qual as músicas cantadas carregam histórias e narram

infinitos momentos dos capoeiristas. A seguir, um exemplo de música de corrido,

representada por Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba, BA (23/11/1900 a

08/05/1974), criador da luta regional baiana chamada capoeira Regional:

Menino quem foi seu Mestre, Meu mestre foi Salomão, Discípulo que sempre apreende, E mestre que dá lição, O segredo de são Cosme é quem sabe é Damião, Iê... Viva maior Deus! Iê... Pequeno sou eu!

Mestre Bimba BA

Esta música representa a importância do saber de um educador que aprende ao

ensinar a lição e nela assegura as representações afro-brasileiras através das divindades

de São Cosme e São Damião.

Nas rodas de capoeira, cantam-se as quadras musicais carregadas de infinitas

mensagens, de histórias, de vitórias, das lutas dos negros e, também, demonstram

provocações que os capoeiristas utilizam para desafiar uns aos outros, além das

louvações aos grandes personagens da capoeira que fizeram de suas vidas grandes

histórias de luta e glória. As quadras são cantadas por um capoeirista e compartilhadas

pelas vozes das demais pessoas presentes que formam um coral. Abaixo, um exemplo de

estilo musical denominado quadra, pelos capoeiristas:

A canoa virô, marinheiro, no fundo do mar tem dinheiro! A canoa virô, marinheiro, no fundo do mar tem dinheiro!

Minha mãe chama Maria, Lavadeira de maré, Eu vi tanta Maria, Minha mãe, não sei quem é!

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A canoa virô marinheiro, no fundo do mar tem dinheiro!

(Música de domínio público).

Esta quadra demonstra o abandono familiar e apresenta a passagem e a luta que

as pessoas de classe social baixa realizam para cuidar de seus filhos. No Brasil, é comum

os filhos dos socialmente miseráveis não saberem quem são seus genitores. Nesta

quadra, apresenta-se a busca do filho em saber quem é a sua mãe, de onde ele se

originou:

Joguei meu lenço para cima, de maduro foi ao fundo, Tirei carta de malandro, Me chamaram de vagabundo... Camará!

(Música de domínio público).

Aqui, vê-se o capoeirista que, para praticar sua arte, tinha que lutar contra a

sociedade branca, a qual o tratava como um marginal, com olhar preconceituoso e

pejorativo. O capoeirista, no passado, quando a capoeira era proibida por ser praticada

por marginais, precisava se “camuflar” dentro da sociedade.

Novais (1998) acrescenta que as atividades culturais e religiosas foram

combatidas. Os oficiais da polícia a podiam perseguir e exterminar com qualquer

movimento.

Não se hesitava invadir espaço sagrado dos terreiros de cerimônias de tradição

africana, prender e espancar oficialmente os fiéis, sequestrar e destruir

instrumentos e objetos religiosos. Conforme a tradição herdada da escravidão, a

repressão não se limitava a detenção, mas, dependendo da ameaça podia ir do

espancamento sistemático ao exílio na selva, ao fuzilamento sumário, à degola em

massa. Em suma, nem lares, nem âmbito sagrado, nem corpos e nem vidas, do

ponto de vista dos agentes da ordem, tinham garantias quando se tratava de

grupos populares. (NOVAIS, 1998, p.31).

Os movimentos culturais afro-brasileiros, para resistir às perseguições,

conseguiram preservar seus saberes em lugares afastados da cidade.

Outro movimento de subcultura afro-brasileiro de resistência é o Jongo. O Jongo

é uma dança de origem africana, criada e realizada nos quilombos brasileiros, da qual

participam homens e mulheres. Esta dança é encontrada, hoje, nos Quilombos de Minas

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Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. As cantigas do Jongo possuem papel importante para

a apresentação e contribuem para a comunicação nos momentos e nas passagens das

cerimônias. Em cada passagem no Jongo, que representa um ponto, existe uma gama de

infinidades de pontos, representados por cantigas que demonstram os momentos dos

rituais em que a roda se encontra. As musicalidades dessa expressão cultural são feitas

pelos toques dos tambores, palmas e cânticos em rodas. Os dançarinos são conhecidos

como jongueiros. As danças são realizadas em rodas e, no momento da dança, entram no

centro da roda de jongo pares ou casais, sempre um homem e uma mulher. Essa dança

possui um gingado no corpo e os jongueiros cantam, se comunicam e dançam dando

voltas.

No Jongo, cantam-se ladainhas, também apresentadas no início da roda para

agradecer o momento, homenagear os grandes mestres que morreram e as pessoas

presentes além de Deus e os Orixás, divindades do culto afro-brasileiro, pela

oportunidade de praticar os saberes do Jongo. Aqui, um exemplo de música de Jongo,

cantada em rodas:

Oh! Cheiro do mar. Mar tá tão longe daqui

Oh! Cheiro do mar. Mar tá tão longe daqui

(Música de domínio público).

Observa-se a saudade da terra natal dos negros que foram capturados na África.

O mar representa a lembrança das pessoas antes de serem capturadas e desterradas

para o Brasil.

Cantam-se ainda quadras, utilizadas para apresentar os participantes,

homenagear os tambores, as divindades e os lugares onde são realizadas as

apresentações. No Jongo também há provocações, mas estas são feitas pelos cantadores

jongueiros, que improvisam rimas no intuito de provocar outros cantadores, desafiando-os

e constituindo um jogo de conhecimento, improvisação e sabedoria. As músicas de Jongo

são realizadas com jogo de perguntas e respostas. As perguntas são realizadas pelos

cantadores e as respostas são respondidas em coral pelas demais pessoas que

participam da roda, como se pode ver no seguinte exemplo:

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Quando eu cheguei aqui, nem sei, Eu caí em uma roda de Jongo, Vovô Dito sabia de tudo, Vovô Dito mandou me buscar!

Música do Quilombo, Dito Ribeiro, Campinas-SP.

Vê-se a importância de praticar a cultura popular. Os negros, nos seus refúgios

localizados nos quilombos, criavam um novo ambiente sem serem oprimidos. Desta

forma, sentiam-se livres e, usando a imaginação, conseguiam até resgatar suas origens e

a identidade de seus ancestrais. No momento das festividades, eles apresentam sua

liberdade e demonstram a sua cultura.

Outro movimento de subcultura existente no Brasil, que carrega a musicalidade, é

o Samba de Bumbo. Este se configura em uma dança de cultura popular oriunda das

fazendas de São Paulo e Sul de Minas Gerais. As músicas dessa cultura popular são

classificadas como ponto e, além de demonstrarem o ritual, carregam versos em forma de

diálogos travados entre o cantador e as mulheres cantadoras que respondem em coral. O

Samba de Bumbo possui uma musicalidade que carrega em suas letras metáforas, cheias

de simbologias e saberes populares, como esta:

Eram vinte cinco focinhos de porco que veio comer o carneiro,

Cada um comeu um pedaço levantou o carneiro inteiro.

(Música de domínio popular da cultura brasileira).

Outro exemplo de letra conta que, em meados do século XX, havia um fazendeiro

rico na região de São Paulo que resolveu doar as suas terras para seus vinte cinco filhos.

Começou com o mais velho seguindo uma escala decrescente. A partir do momento em

que os filhos mais velhos iam adquirindo as terras, o filho mais novo negociava com eles,

comprando as terras de seus irmãos. Quando o pai terminou de passar todas as suas

terras, elas já pertenciam a um único dono. Este ponto de samba de Bumbo traz a

discussão da Reforma Agrária, distribuição de terras para a população menos favorecida.

Conforme a história do Brasil, as terras, o poder econômico, político e social continuam

sempre na mesma família e nunca são distribuídos para outras.

Em 1.900, início do século XX, a população formada por descendentes negros

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africanos, índios brasileiros e brancos pobres europeus já almejava a Reforma Agrária no

Brasil. O Samba de Bumbo expressa esse clamor do povo oprimido e o simboliza em arte

e cultura. Tal expressão artística e cultural possui apenas um tambor, carregado por um

mestre cantador que dialoga com as mulheres que o cercam dançando e cantando.

As músicas de Samba de Bumbo são expressas em ladainhas. Estas homenageiam

os deuses, os mestres e as pessoas que fazem parte da apresentação, conforme se vê

na letra a seguir.

Sou eu menina bonita, sou eu, Sou eu que vim aqui batucar, Batuco para Iô, Iô e Iá, Iá! Na batida do tambor, Quero é mais é vadiar!

Na batida do Tambor, Quero é mais é vadiar!

(Música de domínio público).

Nesta música, o cantador chama as mulheres para dançarem e participarem das

festividades do Samba de Bumbo. Ela possui quadras que são feitas nos momentos das

apresentações. Assim como no Jongo, existe um diálogo constante e interação, feitos

com canto, ritmo e dança.

Oh, oh! Oh, oh! Oh, oh! Tem canto e poesia na batida do tambor!

Oh, oh! Oh, oh! Oh, oh! Tem canto e poesia na batida do tambor!

(Música de domínio público).

O diálogo entre a música e a poesia, a forma como os dois se relacionam e se

misturam na música, transmite suas mensagens.

Os movimentos citados e outros existentes no Brasil possuem em comum um

fundo político que representa a voz do povo oprimido; apresentam a força social dessas

vozes através de manifestações culturais. Referindo-se a isso, Abib (2006) ressalta que:

A comunidade é um fator essencial para que as tradições presentes no universo

da cultura popular sejam preservadas, assim como vimos em relação à capoeira e

ao samba. Essas tradições só resistem às transformações impostas pela

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modernidade, justamente por preservarem, ainda que de forma ambígua – pois a

globalização causa mudanças em toda as esferas das relações humanas – as

formas e modos pelos quais as relações sociais se estabelecem no seio daquilo

que mais se aproxima da definição de comunidade. (ABIB, 2006, p.64).

As músicas, na Capoeira, no Jongo e no Samba de Bumbo, são movimentos da

cultura popular que carregam as histórias e as tradições do povo brasileiro. Estes

movimentos de subculturas asseguram e representam, através da arte, da dança e da

musicalidade, a história popular do Brasil.

Neste sentido, o texto de Aranha (1986) contribui afirmando que o homem constrói

relação para se comunicar com o mundo que habita. Esse fato só é possível porque os

seres humanos possuem capacidade de ver, perceber, entender e interpretar através de

instrumentos criados ou através de vozes narradas e cantadas. Antônio (2009) corrobora

com pensamentos de que a cultura, a linguagem e os símbolos são utilizados para

apresentar as concepções de seu mundo, o que demonstra a relação que o homem tem

com o universo e com ele próprio. Darcy Ribeiro (1995) segue com a ideia de que a

miscigenação decorreu de uma mistura de saberes, culminando em uma nova cultura

carregada de musicalidade, ritmo, lendas, contos e histórias. Abib (2006) colabora ao

afirmar que os movimentos folclóricos foram originados do povo excluído que, quando

expressam a sua voz através da arte, da luta, das danças e da religião, desenvolvem

elementos culturais do povo brasileiro.

Após a refletir sobre esses pensamentos humanistas, que trouxeram um diálogo

entre a cultura, a arte e a comunicação como expressões populares afro-brasileiras,

entendo que o povo brasileiro, em sua formação, realizou uma das maiores e mais

fantásticas aventuras culturais, misturando povos com suas singularidades e

transformando as dores e as perdas em arte. Além disso, salvaguardou as crenças e os

saberes, realizando uma comunicação musical e cultural da população afro-brasileira.

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CAPÍTULO IV

4.1 VOZES DOS MESTRES

OLHA O MESTRE

Olha o Mestre,

Soltando a voz,

Anunciando a todos, com alegria, vida, força e coragem

A sua sabedoria,

A sua rebeldia,

A sua ideologia,

A sua resistência,

A sua tradição,

Carregada de arte, poesia e cultura.

Olha a voz do Mestre.

MARCOS HENRIQUE.

Este é o grande momento deste trabalho que visa investigar os desafios dos

movimentos de arte popular afro-brasileira, com o olhar na educação informal, realizada

por Mestres de cultura popular na cidade de Campinas, destacando a Capoeira, o Jongo

e o Samba de Bumbo.

Tal meta realiza-se por meio de entrevistas com os Mestres educadores e tem

como prioridade buscar compreender como eles repassam seus conhecimentos e

asseguram seus valores e tradições; busca-se, também, saber como se encontra o

trabalho na educação da cultura e da expressão popular afro-brasileira. Em resposta,

temos o Jongo, a Capoeira e o Samba de Bumbo, inseridos e atuantes em Campinas, a

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partir da educação realizada pelos mestres.

As entrevistas têm o objetivo de contar com a privilegiada contribuição da

participação de educadores sociais como Mestre Cícero, na Capoeira, Mestra Maria Rita

Ribeiro, no Jongo, e Mestre Alceu, no Samba de Bumbo. Estes vêm emprestar suas

vozes, sua sabedoria, sua história e suas visões de mundo. Neste contexto, corrobora

Abib (2012):

Neste sentido, é um “privilégio”, fazer parte de um grupo social que transmite seus

saberes e conhecimentos sem depender dos processos formais

institucionalizados, pois dispõe de um sistema simbólico que determina um

repertório cultural detentor de suas próprias formas de transmissão, pautado pela

memória e oralidade como referência principal desse processo, colocando em

questão a escola e a educação de que somos herdeiros, e a possibilidade de um

diálogo entre a oralidade e a escrita que a cultura popular pode proporcionar.

(ABIB, 2012, p.62).

Com essas entrevistas, procura-se interpretar os sentidos e os significados das

experiências vividas desses guardiões culturais, além de ter a responsabilidade de

assegurar, por registros orais, os valores culturais expressivos dos segmentos de cultura

popular do povo brasileiro. Abib (2012), em sua dissertação, apresenta uma pesquisa

sobre a cultura popular e o jogo de saberes na roda. Assim, contribui demonstrando a

missão do mestre:

O mestre é aquele que é reconhecido por a sua comunidade, como detentor de

um saber que encarna as lutas e sofrimentos, alegrias e celebrações, derrotas e

vitórias, orgulho e heroísmo das gerações passadas, e tem a missão quase

religiosa, de disponibilizar este saber aqueles que a eles recorrem. (ABIB, 2012,

p.65).

O mestre, segundo Abib (2012), é um detentor da cultura que tem como desejo

transmitir seus conhecimentos. Para isso, ele trabalha repassando os saberes aos

iniciados e discípulos. Agindo, assim, a cultura é semeada no meio social, ganha força e

perpetua, pois consegue resistir através dos conhecimentos humanos.

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A presente entrevista irá assegurar as histórias dos mestres de Campinas (SP),

quem transmite seus ensinamentos na oralidade, de maneira informal. Isso me leva a crer

que eles conseguem cumprir a missão e preservar os valores culturais e sociais

expressos na arte, na tradição, na religiosidade, na expressão, nos ritmos e na

musicalidade.

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4.2 Arte cultural: A Capoeira.

IDEOLOGIA DE VIDA

Dormi....

E sonhei que a capoeira era um jogo de morte.

Acordei....

E vi que a capoeira é para vadiar.

Vadiei...

E descobri que esta é minha vida.

MARCOS HENRIQUE.

O indivíduo tem cultura como parte de sua formação

intelectual e comportamental.

MERCIO PEREIRA GOMES.

Era uma quarta-feira à noite de Novembro, calor, clima tropical, verão. Havia caído

uma chuva passageira. O tempo estava umedecido e a academia estava lotada de

capoeiristas. Fiquei observando e, após o treino de capoeira, toquei e cantei no momento

da roda. Este é o ultimo ritual antes de terminarem as atividades.

Por volta das nove e meia da noite, chamei o Mestre para a entrevista e ele me

pediu um tempinho, pois precisava colocar as suas coisas em ordem. No entanto, eu já

vinha várias vezes, no decorrer do ano, comentando sobre a entrevista e, naquela noite,

ela finalmente aconteceria.

Os alunos se despediam, enquanto eu observava o Mestre cumprir todas as

obrigações administrativas da academia. Ao término, ele me disse que estava pronto, mas

que a entrevista deveria ser rápida, pois ele já possuía outros compromissos. Então,

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peguei duas cadeiras e as coloquei uma de frente para a outra. Sentei-me em uma e, na

outra, o Mestre de Capoeira. Pedi para que um dos alunos ainda presentes captasse a

entrevista na filmadora. Este pegou mais uma cadeira e fizemos um pequeno círculo.

Eis a entrevista:

Cícero Gabriel Pinto, Mestre de Capoeira, nasceu em 1964, residente em

Campinas. Realiza oficinas de Capoeira em sua academia, situada na Rua Cesar

Bienrimbach, 125, no centro de Campinas. Contato (019) 3233-7499, Academia Cordão

de Ouro.

1) O que é Capoeira? Como a conheceu? O que aprendeu e o levou a praticá-la e a

ensiná-la?

- A capoeira é minha vida, é a cultura, algo que eu prezo bastante. Ela é uma filosofia, é

minha profissão. Sou praticante de capoeira desde 79. Tive contato com a capoeira em

uma viagem de excursão na praia e, lá, vi uma pessoa jogando capoeira... eu fiquei a

metade do dia só assistindo. Quando voltei de viagem, comecei a praticar capoeira.

2) Há quanto tempo a ensina e qual é o seu objetivo ao ensiná-la? A criatividade ajuda em

seu trabalho?

- Eu ensino capoeira desde 86. Tenho como objetivo, ao ensinar a capoeira, formar as

pessoas.

3) Seu sustento financeiro vem da atividade que pratica ou possui outros recursos? Faz

parcerias com órgãos governamentais? Como é essa parceria?

- Sim, vivo da capoeira desde 92... vivo somente de capoeira. Já tive parceria quando tive

um projeto da prefeitura de campinas em 97, Projeto Capoeira, este levava a capoeira

para as escolas. Mas acabou. Atualmente, vivo com a renda da academia.

4) Para quem você a ensina? Qual a faixa etária deles?

- Ensino para crianças, jovens e adultos. O público de jovens e adultos é predominante.

Inicialmente, todos participam da mesma aula, só que ficam em um espaço separado.

Procuro dividir, nas aulas, os iniciantes para um lado e os mais velhos para outro.

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5) Onde são suas aulas ou oficinas? Como você tem ensinado? Como você faz a

conscientização de seus iniciados?

- Isso é feito durante as aulas de Capoeira, muitas vezes, no bate papo, uma hora

descontraída. Essa consciência de nossas raízes, da nossa cultura, da história, no tempo

do Brasil Colonial. Todos os alunos querem dar pernadas, não querem saber de histórias.

6) Utiliza recursos pedagógicos: documentários, filmes, CDs e DVDs? Acha esses

recursos importantes? Por quê?

- Toda instrumentação, movimento de capoeira, faço no espaço físico da academia. Utilizo

o berimbau, o pandeiro, o atabaque, o agogô que dá o ritmo diferente. A gente trabalha

para a pessoa aprender a fazer ginga. Esses são os recursos pedagógicos. A capoeira é

expressa no ritmo, na musicalidade em uma porção de coisas. Temos DVDs e CDs de

capoeira para apoiar as aulas. A capoeira tem criatividade. Ela possibilita de ser criativa, a

capoeira dá liberdade para a criatividade, isso é importante.

7) Sobre mitologias. As histórias, contos e lendas estão presentes em sua modalidade?

Quem são os personagens? O que eles significam?

- É, a gente sempre trabalha com histórias das tradições. É inevitável falar da vida dos

capoeiristas no passado, do comportamento, entendeu?! A capoeira é muita tradição, tem

que gostar. Ela se desenvolve de várias formas, temos que ter essa consciência.

8) Qual o gênero de seus alunos?

- Tem época que têm mais meninos, outras mais meninas. Hoje tem mais homens.

Participam todos das mesmas atividades. Para se formar na capoeira demora entre sete a

dez anos... em sete anos, dependendo, eles se formam.

9) Você acredita que existe algum preconceito em relação ao homem e à mulher? Há

diferença de quantidade de formados? Por quê?

- A capoeira é para homem, menino e mulher. Com o passar do tempo, a mulher

capoeirista se relaciona, namora, casa e têm filhos. Aí, ela vai cuidar do filho. E... a

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mulher, o preconceito rola de todas as formas. Há resistência pelo gosto, pela

participação, pela movimentação.

10) Como vem apresentando suas atividades e quais são os desafios que você enfrenta

para poder exercê-las em Campinas?

- Através de eventos de capoeira, em locais públicos, fazendo rodas, através da mídia

rádio televisão. Uma das maneiras, por exemplo, é o trabalho constante, trabalho que

resiste ao tempo, 24 anos no mesmo local.

11) Você percebeu alguma mudança na aceitação de sua modalidade? Como era antes e

como ela está atualmente?

- A resistência na sociedade ainda existe, né?! Apesar de que a capoeira está em tantos

países, nas novelas, nos filmes. Mas, ainda há resistência e preconceitos. Alguma coisa

relacionada, que faz a diferença enquanto alguns trabalham para aumentar ainda mais a

desconfiança na sociedade.

12) Existe preconceito, discriminação, barreiras sociais, nas suas ações e intervenções

sociais? Como você percebe isso?

- Poxa vida! Se todas as pessoas olhassem que a capoeira faz bem para a sociedade...

Ela tira das drogas, do mau caminho, de más companhias. Mas, a gente vê os desleixos

dos órgãos governamentais. Ela já funciona na sociedade e, principalmente, nas

periferias, onde as pessoas se encontram. Aqui, na minha academia de capoeira, elas

acabam crescendo, ganhando valor e criando valores. Se eles tivessem ficado largados,

sem praticar esse tipo de esporte, o destino seria outro. A capoeira tem um “quezinho”

que atrai de ricos a pobres, ela é um esporte social.

13) No que você faz, você se julga capaz de trazer alguma mudança ou transformação no

meio social?

- Da minha parte, já fiz mais trabalhos sociais. 15 anos, já; criei várias pessoas na

academia que hoje estão bem. Para mim, tem o objetivo de melhorar, só que a gente vai

fazendo um trabalho de formiguinha. O governo realiza o programa e os capoeiristas não

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sabem pegar esse dinheiro por não terem formação. Desta maneira, fica difícil.

14) Você se sente uma pessoa realizada pessoalmente, profissionalmente, socialmente?

De que maneira?

- Como capoeirista, sim; financeiramente não. Eu, “capoeiristicamente”, viajei, conheci o

mundo e o Brasil, né?! Pessoas de bem, meus amigos... e, assim, vamos seguindo. Isso

para mim é tudo que quis... Foi a opção que escolhi. Até hoje dá para sobreviver. Espero

que lá pra frente a capoeira consiga socializar, entrar na sociedade e que o governo olhe

para os mestres, estes fazem bem para a sociedade.

15) Vale a pena ser educador social? Por quê?

- Olha, é... Não sei, se a pessoa quiser aprender e ensinar capoeira, viajar,

financeiramente, ele pode fazer. A capoeira, no Brasil, não é reconhecida. Uma coisa,

entende?! Até hoje, mestres lá fora se dando bem, as pessoas querendo saber da

capoeira, querendo saber a cultura, o valor. Então, os brasileiros que querem viver não

podem deixar de estudar. Ela está ganhando outra forma. As pessoas precisam se

envolver na política, tem que saber dessa força, requisitar verbas para projetos.

16) Você ama o que faz?

- Até por isso que estou aqui. Se não amasse muito a capoeira, eu teria desistido. São

caminhos com momentos gloriosos e difíceis, também.

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4.3 Arte cultural: Jongo, Dito Ribeiro.

TOCO O TAMBU

Toco o tambu,

Esse samba me acalma,

Alimenta minha alma,

Alivia a minha dor.

Ele expressa a liberdade,

Samba de qualidade,

Samba que me conquistou.

O terreiro que sai fica lá, não fica aqui,

Vim no navio negreiro, no tempo do cativeiro.

MARCOS HENRIQUE

Cultura é constituída de sistemas de símbolos que

articulam significados.

ANTÔNIO AUGUSTO ARANTES

Na primeira segunda-feira do mês de Novembro de 2013, liguei para a fazenda

Roseira. Era nove horas trinta minutos, quando atendeu a mãe da Alessandra Ribeiro,

Dona Maria Lice Ribeiro, que ficou como responsável das atividades da fazenda.

Perguntei se ela poderia me atender para uma entrevista e ela me disse que somente na

sexta-feira, à tarde, daquela mesma semana. Também perguntei sobre sua filha, a

Alessandra do Jongo, e ela comentou que a mesma estava acamada, pois tinha passado

por uma cirurgia de redução de estômago, e que permaneceria de repouso por algumas

semanas. Desejei melhoras e marcamos o encontro para sexta-feira, no fim da tarde.

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Nesta época, era horário de verão, então, perguntei se poderia chegar às cinco horas da

tarde e ela me disse que não haveria problema.

Na sexta-feira, fiz uma ligação confirmando minha ida para a entrevista na Fazenda

Roseira e ela me disse que seria melhor após as dezoito horas. Era mais um dia bem

quente, o mormaço aquecia mais ainda o clima, que era refrescado com as sombras das

copas dos ipês, das seringueiras e dos chapéus de palhas. Chegando ao local, percebi o

movimento de um grupo de jovens. Estes estavam construindo cenas para um filme de

curta metragem. Enquanto aconteciam as atividades cinematográficas, eu realizava a

entrevista na varanda da casa da fazenda Roseira, com a mãe da Alessandra Ribeiro.

Segue a entrevista:

Dona Maria Lice Ribeiro, Campineira, nascida em 1944. Educadora cultural, mãe e

avó de duas mulheres, filhas do falecido Dito Ribeiro, o Mestre que, no passado, trouxe o

Jongo para Campinas.

A fazenda Roseira está instalada na Avenida John Boyd Dunlop, s/n, Jardim

Ipaussurama, Campinas - SP. Telefone (19) 99913-4322 e (19) 3227-5633.

1) O que é Jongo? Como o conheceu, aprendeu e o que a levou a praticá-lo e a ensiná-

lo?

- O Jongo é uma dança dos escravos, uma dança metafórica. Dançam, cantam e falam

uma coisa que no fundo quer dizer outra. O Jongo é da região sudeste do Brasil, Minas

Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O Jongo muito conhecido é o de Guaratinguetá.

Surgiu no tempo do café, quem dançavam eram os escravos. Nos quilombos, nas

fazendas cafeeiras, nas poucas horas de diversão, eles “jongavam”. O Jongo é de matriz

africana porque eram os escravos que dançavam, eles que vieram com essa dança aí.

2) Há quanto tempo ensina e qual é o seu objetivo ao ensinar? A criatividade ajuda em

seu trabalho?

- Meu pai era mineiro, veio da cidade de Caldas, na década de trinta, eu não tinha nascido

ainda, estou repetindo o que ouvi de minha mãe. Ele, aqui em Campinas, já fazia Jongo,

quando eu tinha mais ou menos cinco anos. Eu me lembro... a minha casa cheia, eu me

lembro que eles faziam o Jongo na época das festas juninas, festa de São Pedro. Meu pai

fazia esta festa. Erguia um mastro e rezava um terço e, depois, passava a noite inteira

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dançando o Jongo. Eu lembro que, em uma ocasião, eu criança estava no quarto e

escutava as donas, lá, dançando Jongo... Esta é uma música de ponto de Jongo:

Seu Benedito Ribeiro, o que mais,

Sua casa cheira,

Cheira cravo e rosa,

O que mais,

Flor de laranjeira.

(Música de domínio público)

- Ali ia a noite inteira, aquele Samba, aquelas mães dançando. Crianças naquela época

não participavam. Após o falecimento de meu pai, o Jongo deu uma adormecida na minha

vida. Nenhum dos filhos de meu pai continuou com a tradição. Não sei por que, parou de

fazer, ficou adormecido anos... E a Alessandra, minha filha, já jovem, foi em uma festa no

Tainã, chegou em casa alegre e disse para mim “Mãe, conheci uma dança que a música

não sai de minha cabeça. Que coisa, Jongo, uma dança chamada Jongo!” Eu não

conhecia como Jongo, pois meu pai chamava de Caxambu, que quer dizer a mesma

coisa. Lá em Minas, era conhecida por Caxambu, mas é o mesmo que Jongo; conhecido

como Caxambu ou Jongo. E ela ficou, sabe?! Queria aquele Jongo, queria aquele jongo!

Em casa, vamos fazer esse Jongo... Quando chegou em Julho, ela foi atrás da pessoa

que fez esse Jongo no Tainã e trouxe para minha casa. A casa lotou, ela convidou os

amigos e uma casa popular, com cento e vinte pessoas! A gente não podia nem andar,

rs... O quintal, o povo fervendo no Jongo, e dançavam e dançavam. No dia seguinte, meu

irmão foi em casa, meu irmão mais velho, falou “Isso que eles estavam dançando aí, era o

que papai fazia, Caxambu”. A Alessandra, então, disse “é isso, é isso que me fez ficar!

Ah... é a ancestralidade né!”. Os filhos, ninguém seguiu! E ela ficou apaixonada, arrumou

um grupo de pesquisa, foram pesquisar, foram para Guaratinguetá. Eles disseram “Seu

avô foi jongueiro e Jongo é uma dança de tradição, vai passando para avô, neto, bisneto,

tataraneto. É uma dança de tradição. Se seu avô foi jongueiro, você é, pois é tradição!”

Então, foi onde ela formou o Jongo Dito Ribeiro, em homenagem ao meu pai. Ela deu o

nome dele ao Jongo.

- No início, nós cantávamos as músicas de outros grupos, das outras comunidades

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Jongueiras, do Rio, de São Paulo. Com o passar do tempo, fomos criando as nossas

próprias músicas. Ninguém senta para escrever a música do Jongo. As músicas vêm,

está na roda, de repente, um sai com uma, outro responde, porque é uma dança

metaforada, onde canta uma coisa, querendo dizer outra. Então... Nós já temos até um

CD, com músicas só nossas (risos). A turma foi inventando (risos).

3) Seu sustento financeiro vem da atividade que pratica ou possui outros recursos?

Possui parceria com órgãos governamentais? Como é essa parceria?

- Não, o Jongo não dá nenhum sustento. Cada pessoa possui uma profissão que lhe dá

um sustento.

4) Para quem você o ensina? Qual a faixa etária deles?

- A maioria são estudantes e universitários. O nosso Jongo possui um diferencial de

outras comunidades, devido ao grau de estudo dos participantes. A maioria dos

participantes são estudantes.

5) Onde são suas aulas ou oficinas? Como você o tem ensinado? Como você faz a

conscientização de seus iniciados?

- O Jongo se apresenta nas escolas, universidades, em vários lugares, onde convida e, se

der estaremos por lá. Não tem custo, apenas uma ajuda de custo para o transporte. As

pessoas pagam o quanto quiserem. Algumas, o cachê é de acordo com o bolso de quem

está contratando. Não tem uma faixa de preço, a gente vai dançar até gratuitamente.

Esse dinheiro é revertido para a comunidade.

- Arrumar os tambores e pano para roupas. O jongo é uma tradição do povo afro-

brasileiro. No passado, era passado verbalmente e, atualmente, nós continuamos

passando normalmente como era antes (risos).

6) Utiliza recursos pedagógicos: documentários, filmes, CDs e DVDs? Acha esses

recursos importantes? Por quê?

- As pessoas que querem dançar o Jongo e aprender, nós fazemos oficinas

quinzenalmente e para as mulheres que não possuem saias nós emprestamos.

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Começamos com os cantos. As pessoas irão aprender a cantar, pegar os passos do

jongo. Se as pessoas tiverem habilidade de tocar e quiserem aprender, aqui temos os

oficineiros dos toques. Então, seguimos a inspiração do dia, como segue o dia nós

aplicamos.

7) Sobre mitologias. As histórias, contos e lendas estão presentes em sua modalidade?

Quem são os personagens? O que eles significam?

- A gente respeita muito os Tambus, que são considerados a nossa ligação com os

ancestrais, com quem fez o jongo primeiro. A gente tem muito respeito ao Tambu! A

primeira coisa quando entra na roda é cumprimentar Tambu, em respeito ao mais velho.

O Tambu, ali, está representando quem chegou primeiro. Daí, a pessoa sai dançando e

quem quiser fazer o Jongo pode! Não é impedido de fazer. Mas, o Jongo é tradição! Para

se ter um grupo de Jongo tem que ter alguém mais velho, que foi jongueiro. Não, não é

uma dança, ela segue uma hierarquia do mais velho que foi passando de pai para filho, de

neto para bisneto.

8) Qual o gênero de seus alunos?

- O nosso Jongo, em particular, é composto, na maioria, de mulheres (risos). A Jongueira,

a coordenadora geral é a minha filha Alessandra.

9) Você acredita que existe algum preconceito em relação ao homem ou à mulher? Há

diferença de quantidade de formados? Por quê?

- A Alessandra é minha filha, ela é mulher e a maioria das pessoas são mulheres. É... tem

homens, mas a grande maioria é composta por muitas mulheres. Em muitas

comunidades, são os homens, o mestre maior, mas o nosso é mulher.

10) Como vem apresentando suas atividades e quais são os desafios que você enfrenta

para poder exercê-las em Campinas?

- Para quem quer seguir o Jongo, a pessoa vem aprender com a gente e aprende a

dançar. O jongo não é uma dança. Ah... Vamos brincar de Jongo. Não! Ele tem um certo

ritual.

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11) Você percebeu alguma mudança na aceitação de sua modalidade? Como era antes e

como ela está atualmente?

- Nós sentimos que é muito bem recebido. As pessoas vêm, querem dançar, entram na

roda. Não vejo, assim, nenhum tipo de preconceito, na cidade de Campinas.

12) Existem preconceito, discriminação, barreiras sociais, nas suas ações e intervenções

sociais? Como você percebe isso?

- Em certas escolas e comunidades, tem crianças que ficam receosas por causa do

Tambu. Eles ligam o Tambu com a religiosidade. Não tem nada a ver, o Tambu do Jongo

é para dar o som. Os índios e os escravos se comunicavam com o som do Tambu. No

Jongo, é a mesma coisa. Não é religião, já me perguntaram... Não, não tem nada a ver

com a religião! Mas, ele tem um ritual. Tambu é para fazer o som, o ritmo! Não tem nada

a ver com a religião. Mas, tem certas pessoas que possuem receios por conta do Tambu,

pensam que é ou tem a ver com a religião, mas, isso não tem nada a ver. Mas, a maioria

das pessoas que dançam Jongo, se jogam, entende e compreende que o Jongo é uma

dança.

13) No que você faz, você se julga capaz de trazer alguma mudança ou transformação no

meio social?

- Ah... Sim, a Alessandra, através do Jongo, se tornou muito popular, muito conhecida em

muitas comunidades. Onde ela está “Alessandra! Alessandra do Jongo!” Eles sabem que

ela é do Jongo. Para quem frequenta o Jongo, o novato, se eles continuarem

frequentando, bem... Eles ficam conhecidos como “fulano do Jongo”, “beltrano do Jongo”

(risos).

- Lembro uma vez que, quando eles foram dançar em Rio Claro, em um evento de virada

cultural, os rapazes e as moças de lá foram acompanhar para dançar o Jongo. E um dos

rapazes era bem conhecido. As pessoas cumprimentavam. Ele conseguiu isso através do

Jongo, esse é o reconhecimento.

14) Você se sente uma pessoa realizada pessoalmente, profissionalmente, socialmente?

De que maneira?

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- Eu me sinto porque dei uma volta ao passado. Eu me lembro quando tinha uns cinco

anos, quando via meu pai fazer. Mas, a gente não dançava, não participava. As crianças,

naquela época, não faziam parte. E, depois, ficou parado, ninguém falou mais nada.

Minha mãe, depois dele, bem depois, faleceu... E nunca falou nada de Jongo. Hoje, nós

não temos uma resposta porque ficou esse vácuo! Mas, felizmente, a Alessandra foi atrás

e fez, quis saber e trouxe de volta, tanto é que, eu com setenta anos, sou a mais nova!

Minhas irmãs mais velhas, meus irmãos com mais de oitenta anos, fazemos parte da

comunidade do Jongo. Meu irmão toca, minha neta que veio depois, também... O Jongo

envolveu toda a família (risos). Eu acho muito gratificante esse contato com os jovens, me

faz muito bem.

15) Vale a pena ser educador social? Por quê?

- Com certeza, fazemos por amor e com amor.

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4.4 Arte cultural: Samba de Bumbo

VENTO DISTRAÍDO

Vento distraído... Com rumo incerto, Leva e trás Um som... Do Tambor, Tum - Tum! Lá vai, lá vem, O Negro. Cambaleando... Praticando sua Cultura! Vadiando... Tocando seu Tambu, Olha lá o Negro!

MARCOS HENRIQUE

O homem produz a sua própria história.

LUCIA MARIA DE ARRUDA ARANHA

Era uma quinta-feira, à noite. Fui até a sede do Urucungos Piutas Quingentes, na

Rua Dr. Arnaldo de Carvalho, nº 1.030, Castelo, Campinas-SP.

Cheguei ao local, uma casa, modelo antigo das primeiras casas populares de vilas.

Ainda com portões, portas e janelas de madeiras, com cor azul celeste. As paredes

pintadas por cal branca. No quintal da casa, um corredor largo cimentado com várias

ilhas, nestas, cultivam árvores de frutos medicinais: romã, limão, cravo e acerola. Ao lado

das portas da cozinha e da sala que dão acesso à casa, vasos com plantas consagradas:

Comigo-Ninguém-Pode, Santa Maria, Espada de São Jorge, Arruda, Alecrim e Carqueja.

Cheguei por volta das oito de meia da noite. Estavam, pela casa, o Mestre Alceu,

sua esposa, sua irmã e mais duas pessoas integrantes do grupo e fui bem recepcionado.

Foi feita uma roda de cadeiras e, no centro, colocado um caixote de madeira que servia

de mesa, em cima do qual tinha uma jarra de água bem gelada. As meninas perguntaram

do que se tratava a minha visita, eu falei que queria fazer uma entrevista com o Mestre

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Alceu, sobre o Samba de Bumbo como material para a minha pesquisa de Mestrado. Elas

acharam legal, permaneceram por ali atenciosas e em silêncio. Mestre Alceu, neste

momento, tinha ido trocar de camiseta, queria colocar uma com que se sentisse mais à

vontade para a entrevista.

Pronto, Mestre Alceu chegou à roda de conversa, sentou-se ao meu lado direito,

próximo do gravador de voz e em frente à câmera filmadora. As meninas, em silêncio,

ficaram escutando a conversa.

A seguir, a entrevista:

Alceu José Estevam, Campineiro, nasceu em 1.959, filho de Dona Enerstina e

neto de Sr. Nestão. Seu avô, no passado, fazia o Samba de Bumbo. Possui o centro

cultural “Urucungos Piutas Quingentes”.

1) O que é Samba de Bumbo? Como o conheceu, aprendeu e o que o levou a praticá-lo e

a ensiná-lo?

- Olha, o Samba de Bumbo... Ele é o seguinte: existe um tipo de Samba, no estado de

São Paulo, que é único, que ele é identificado como Samba Rural Paulista. Dentro do

Samba Rural Paulista, você tem Samba Lenço e você tem o Samba de Bumbo. Esses

dois mantêm a integridade rítmica e melódica de um tipo de Samba identificado como

Samba Antigo, Samba Grosso, Samba de Roda, Samba de Pirapora, Samba Capineiro.

Eu sou descendente de família de Bumbeiro e de Sambadeira.

- Ah... eu conheci o Samba desde criança. O meu pai me levava em uma excursão em

Bom Jesus de Pirapora. No dia 06 de agosto, neste dia era o dia que acontecia o Samba.

Então, as pessoas iam à missa e, depois que cumpriam as suas obrigações espirituais,

almoçavam e depois dançavam o Samba, que rolava próximo à antiga cadeia que tinha

em Bom Jesus de Pirapora, onde está até hoje conhecido como Barracão. É ali, onde que

acontecia este Samba, neste Barracão. Passou por lá o Candeia e vários sambistas de

São Paulo. Mas, foi daí que eu conheci o Samba de Bumbo.

- O bumbo, chama Samba de Bumbo... Ele é um material importante! Que é uma cultura

imaterial. Embora seja imaterial, o bumbo ele é material... (risos). Resgatei o bumbo de

meu avô, ele estava na casa de uma pessoa e estava bichado, quer dizer, o bumbo, ele

estava sem função, estragando! Estava lá no fundo, no quartinho da casa dessa pessoa e

eu fui lá. Fui lá porque esse bumbo foi meu avô que fez! Ele tinha feito um bumbo, chama

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Sete Léguas. Então, ele cumpriu a função, depois, ele ficou lá, né?! Naquele lugar...

Naquelas casas de milagres, sabe?! Onde deposita as coisas para os Santos. Então, meu

avô resolveu deixar lá.

- É... A história dele é assim: ele surgiu, é a mesma história, por exemplo, como surgiu a

maioria das manifestações desse triângulo caipira, que é identificado como Minas Gerais,

São Paulo e uma parte de Goiás! Que chama de triângulo caipira. Então, tem as

Congadas, as Folias de Reis. Esses movimentos populares surgiram de uma necessidade

de um ciclo religioso. No caso, a figura de Bom Jesus de Pirapora. É... Junto, também,

por uma questão de emancipação dos negros diante de uma realidade de um povo...

Quer dizer, surge, por exemplo, como uma opção de lazer. Não é como... como que é

meio misturado essa coisa religiosa, profana, ficar meio junto ali, né?!

2) Há quanto tempo ensina e qual é o seu objetivo ao ensinar? A criatividade ajuda em

seu trabalho?

- Olha, eu acho que é desde a década de oitenta, oitenta e cinco, sempre no Urucungos,

“Urucungos Piutas Quingentes”, a minha base, onde eu desenvolvo agora.

3) Seu sustento financeiro vem da atividade que pratica ou possui outros recursos?

Possui parcerias com órgãos governamentais?

- Eu vivo de cultura popular, mas eu tenho uma empresa, que chama NEI, micro empresa

individual. Através dessa empresa é que eu realizo as minhas oficinas, as minhas

atividades. Para você, que realiza uma atividade no SESC, muitas vezes eles exigem nota

fiscal, e é aí que você tem que ter uma empresa para poder emitir nota, essas coisas

todas. E, também, através de projetos. Faço vários que envio para a secretaria do Estado,

do ministério da Cultura que é de onde a gente vai desenvolvendo os projetos. E... De

acordo com a finalidade do projeto, você tem a possibilidade de um ganho. Tem projeto

que não tem possibilidade, você tem que investir no próprio projeto e em outros não!

Você tem possibilidade de ganho.

- Mas... É... A gente fala que sobrevive de cultura popular, mas isso aí é... é uma utopia,

né?! A pessoa vai falar, assim “Nossa, a pessoa vive de cultura popular, o cara é mágico!”

É muito complicado viver de cultura popular! Se fosse viver, assim, de artes plásticas,

músicas... É... de teatro... Mas, de cultura popular é mais complicado, né?!

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4) Para quem você ensina? Qual a faixa etária deles?

- Vou te explicar como é que funciona. As pessoas vêm participar no Urucungos e elas

aprendem várias danças. Uma delas é o Samba de Bumbo. Agora, as pessoas vêm e

acabam recebendo essas informações sobre o Samba de Bumbo. A grande maioria são

universitárias, do gênero feminino, mulher... Aqui, o que mais tem é mulher. (risos).

5) Onde são suas aulas ou oficinas? Como você tem ensinado? Como você faz a

conscientização de seus iniciados?

- Mas eu já fiz várias oficinas, né?! Por aí afora, no Brasil, inclusive fora do Brasil, com o

Samba de Bumbo. Fiz Samba em várias unidades do SESC, mas, a base sempre foi

dentro do grupo Urucungos.

6) Utiliza recursos pedagógicos: documentários, filmes, CD’s e DVD’s?

- Não, as atividades com Samba de Bumbo são na prática, dançando, cantando e

representando. Como o Samba de Bumbo é, ele por si ensina como a gente faz.

7) Sobre mitologias. As histórias, contos e lendas estão presentes em sua modalidade?

Quem são os personagens? O que eles significam?

- O Samba de São Paulo é um Samba mais Caipira, e o Samba de Bumbo, juntamente

com o Samba Lenço, eles dão essa conotação bem caipira. É... ele é uma metáfora, tanto

o Samba Lenço como o Samba de Bumbo é uma metáfora porque as letras, que são

expostas nas cantorias, você fala assim “é uma coisa tão simples” mas, por trás dela, está

dizendo uma outra coisa, né?!... Por exemplo:

Eram vinte cinco focinhos de porco que veio comer o carneiro,

Cada um comeu um pedaço levantou o carneiro inteiro.

(Música de domínio popular da cultura brasileira).

- Está dizendo o seguinte: que tinha um fazendeiro rico, aqui na região, que resolveu doar,

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dar a suas terras para os vinte cinco filhos seus. Enquanto que o pai dentro de uma

escala decrescente, ia repassando para os filhos sua herança. O caçula, o filho mais

novo, chegava para o mano mais velho e falava assim “O que você vai fazer com essa

terra? Dá para mim ou vende para mim...” E ele foi adquirindo as terras dos manos, né?!

Quando o pai terminou de passar todas as suas terras para os seus filhos, já estava na

mão do caçula toda a terra. Então, quer dizer que a discussão da Reforma Agrária é uma

discussão, assim, quer dizer, de pai para filho, a terra continua sempre na mesma família

e nunca é distribuída para os outros. Então como é que vai dizer, como é que poderia

dizer isto? Em 1930, por exemplo. Não é! Ou em 1900... Então, têm que ser através de

uma metáfora. E ainda tirou um barato porque o carneiro, pela primeira vez, voou no

estômago de vinte e cinco pessoas. Então, essa é uma lógica... Então, o Samba de

Bumbo, ele tem esta característica; é profano, é religioso, é opção de lazer, mas também

ele é uma resistência muito grande da comunidade afro.

8) Como seus alunos participam?

- Elas representam assim... A grande verdade é que não fosse as mulheres não existiria o

Samba de Bumbo. Tudo o que eu apresento aqui é a maneira que eu via o Samba de

Bumbo, de que maneira eu via o Samba de Bumbo, eu via quando era criança. As

mulheres sambando e os homens tocando nas rodas... Na verdade, eu não compreendo

muito isto, mas procuro interpretar ao meu modo. É... elas, as mulheres, são guardiãs,

têm uma capacidade de absorver e guardar as cantorias, elas são muito importantes

como liderança. Elas que põem pressão para fazer. “Vamos fazer!” São elas que

mandam. Eu acabo cedendo. (risos). As mulheres têm a capacidade de salvaguardar na

memória, têm a capacidade de manter o grupo, neste ambiente, possuem a capacidade

de estar sem o preconceito da sociedade. Aqui, elas possuem uma identidade, cada uma

possui um papel onde há o respeito. Aqui, todas possuem inclusão, mesmo porque cada

membro depende um do outro para aguentar o baque do dia-a-dia.

9) Você acredita que existe algum preconceito em relação ao homem ou à mulher? Há

diferença de quantidade de formados? Por quê?

- A gente focou em cima das mulheres, todo esse... os trabalhos feitos, que foram

resgatar as matriarcas do Samba de Bumbo: Dona Ana, Dona Luzia, Dona do Rosário,

Dona Edna, Dona Lívia, Dona Marta. Então, essas pessoas, são as salvaguardas. Nós

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nos preocupamos salvar, guardar essa manifestação pela ótica das mulheres. Porque, na

verdade, se a gente perceber, que a maioria das manifestações afros, tanto coletiva, seja

ela empírica ou não, as mulheres possuem um papel muito importante. Isso acontece,

embora, por exemplo, o Afoxé, o Maracatu, que são manifestações altamente machistas,

né?! Tocadas e dançadas, principalmente, por homens. Mas, são as mulheres que

mantém essa integridade no Maracatu e no Afoxé. E, assim, era o Samba Lenço, o

Congo, a Congada. Então, nós resolvemos trabalhar por essa ótica. As mulheres

possuem um papel muito importante e as matriarcas de Samba de Bumbo, estas estão

sendo, aqui para nós, um celeiro de irradiação... Né?!

10) Como vem apresentando suas atividades e quais são os desafios que você enfrenta

para poder exercê-las em Campinas?

- Porque, na verdade, o meu trabalho, como é que o mestre transmite, né?! Você vai ver

várias teses, livros e documentários, cada um vai desenvolver de uma forma. Mas, na

verdade, isto aí não tem uma linha. O mestre, ele nasce com aquele dom... Se você

chegar para o mestre e lhe falar assim “Como é que você ensina o Samba de Bumbo?

Como desenvolve a sua metodologia? Como você faz?” Ele não vai saber! O verdadeiro

mestre mesmo, às vezes, ele nem sabe que ele é mestre, mas ele tem a responsabilidade

de transmitir. As pessoas que tem que chamá-lo de mestre, não ele se intitular... “Oh!

Agora, sou mestre! Aí... nossa sou mestre!”. Dentro da lógica deles, não tem lógica, não

absorve isso de uma forma de querer. “Olha! Olha, agora que sou Mestre, sabe...” Ele é,

mas as pessoas que acabam rotulando ele como mestre e, aí, as coisas vai ficando bom

mesmo, né?! E ele vai indo. Tira onda, “sou mestre. Oh... estão convidando eu para

Brasília, vou andar de avião, tão me levando lá para Chicago!”, né?!.... Esse negócio de

ser mestre é bom, né?! Entendeu, também... (risos).

- Em exemplo, o mestre Suassuna... ele, como mestre, tem como um dos objetivos

salvaguardar os saberes populares. Exemplo, o Maracatu. Ele como Mestre pode e é

responsável para fazer isso. Então, é a mesma coisa, eu sou uma pessoa muito

desapegada a essa questão de mestre! Porque eu acho que a primeira preocupação é

sobre aquilo que você sente. A responsabilidade que você tem com essa cultura imaterial,

que chegou a sua mão, mas... por exemplo, eu sou descendente de família de Bumbeiro

e de Sambadeira, e em um determinado momento, como qualquer adolescente que está

querendo se descobrir para o mundo, arrumei minhas coisas, fui fazer teatro, fui fazer

músicas! Eu queria ser o rapaz do mundo. Aí, como eu descobri que o mundo é mais

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profundo. Aí, eu voltei. “Não, vou ser só o rapaizinho da quebrada mesmo, sabe!” É muito

bom, né?!... (risos). Mas, também, para ser um rapaizinho da quebrada, também, é muito

complicado... porque têm milhões de rapaizinho da quebrada!... Mais um, né?!... (risos).

Então, falei assim “Vou ficar quietinho no meu canto”, e estou aqui.

11) Você percebeu alguma mudança na aceitação de sua modalidade? Como era antes e

como está atualmente?

- Não era todo mundo que fazia Samba, por exemplo, em 1930, quem fazia Samba,

antigamente, 1930 e 1940, quem fazia Samba de Bumbo era marginalizado. Os próprios

negros, inclusive, marginalizavam os negros que faziam Samba de Bumbo porque era

uma época que, para a ascensão do negro...! Não podia se identificar muito com essa

coisa de preto. Principalmente, os caminhos que tinham que ser desfeitos na sociedade.

Então, quanto mais distante, mais terno, mais cabelo liso, mais a cultura do outro. Então,

quem fazia Samba de Bumbo era multimarginalizado. E, hoje, o Samba de Bumbo é uma

das preciosidades... Então, ele tem essa conotação interessante, quer dizer... primeiro,

pela necessidade de se expressar, a necessidade do lazer e, também, a necessidade, por

exemplo, de conferir na sociedade através da religião. Quer dizer, tu aceita a religião do

outro como uma condição para você aparentemente estar sendo aceito na cidade. Em vez

de fazer macumba, ele vai fazer lá o pai nosso lá. Lugar em que agora ele é interessante

porque mostra, assim, o lado caipira, né?! O negro caipira se vê.

- O Samba de Bumbo junto com o Jongo, aqui em Campinas, é assim uma... é uma

pérola. Não dá pra você falar assim de negritude se não falar sobre esses dois elementos.

Pode ser a cultura erudita, da elite negra. Isso aí... É muito importante... você e eu, fico

muito feliz que as pessoas, por mais, elitistas que elas sejam, que ela consiga

compreender o Samba de Bumbo como uma coisa, um elemento importante de

sustentação da comunidade negra.

12) Existe preconceito discriminação, barreiras sociais, nas suas ações e intervenções

sociais? Como você percebe isso?

- Não, tranquilo porque as informações, hoje, é... são bem disseminadas, né?! Então,

hoje, quando você fala de cultura popular, cultura afro, ela é bem aceita. Agora, o aspecto

cultural, no nosso país, é um processo que está ainda em ebulição. Então, ainda, as

pessoas vê uma cultura muito elitista, né?! Fazer cultura no Brasil é um processo muito

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elitista. Levando em consideração que cultura é aquela coisa, não é?... É assim é... por

exemplo, Você vê por aí “Vamos fazer rolezinho no shopping”, mas ninguém faz rolezinho

na biblioteca, nos museus, no teatro. Porque... porque é também impeditivo, né?! As

pessoas estão excluídas dos museus dos teatros das coisas culturais. Então, elas fazem

os rolezinhos no shopping, né?! Então, para se fazer cultura neste país ainda é um

processo que apenas alguns possuem acesso aos bens de informação imaterial, né?!

Agora, isso não significa que o povão não têm cultura, tá?!... O povão têm muita cultura,

só que não têm acesso à cultura. Mas, assim... é um preconceito de quem detém o

processo de informação.

- Um outro exemplo: entre o Samba de Bumbo e o Tererê... Tererê, que é um processo de

alguma coisa que ficou perdida lá atrás... Hoje, por exemplo, você vê batida de funk com

resquício de Samba de Terreiro. Mas existe uma massificação tão cruel em cima desse

processo que a gente acaba odiando o nosso subproduto, mas ainda... É... existe o

preconceito! Burro, né?... O preconceito de pessoas que acham que qualquer batida de

batuque é Macumba! E elas estão certas que batuque, literalmente, na língua Quimbundo

é batuque mesmo. Macumba é batuque, né?! Só que elas identificam como uma coisa de

feitiçaria, coisa do mal. Disseram que Macumba é isso, mas, Macumba é batuque, de

macumbeiro de batuqueiro! Então, as pessoas, elas têm esse tipo de preconceito. É um

preconceito contra a religião de matriz africana. Então, qualquer coisa que bate já é

Macumba, já é... Feitiçaria... Então, identificam isso. Eu acho que isso é um dos maiores

problemas e é, por isso, que eu chamo de preconceito burro porque as pessoas não

sabem que Macumba é batuque... Entendeu? Então, é falta de identidade.

- Não existe preconceito, por exemplo, em que o legado da cultura popular veio da época

de Getulio Vargas para cá. Vargas que criou o Museu do Folclore, onde Mario de Andrade

fez aquelas pesquisas, né? Do nosso folclore, de lá para cá. É... a sociedade aprendeu a

valorizar essa cultura popular, mesmo que utilize ela para manter curral eleitoral. É muito

comum, no Nordeste, você ver companhias folclóricas serem utilizadas para manter

cacifes, cadeira eleitoral... Por exemplo, época de copa do mundo, as pessoas querem

saber do nosso folclore... Então, mostra-se tudo que tem. Depois que acaba, parece que

não existe mais! Só nos lugares mesmo. Então, eu vejo que isso é um tipo de

preconceito do próprio sistema, sobre a cultura popular. Porque é... a cultura popular, ela

é resquício de uma cultura erudita que se deu há muito tempo. Por exemplo, se você

pega o Bumba meu boi, é cultura popular, mas ele é um Auto, e Auto é uma complexidade

tremenda. Tanto é que as igrejas utilizam os autos, né?! Então, o Bumba meu boi é um

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auto. É um processo muito grande e feito pelas pessoas da comunidade. Então, como é

que este processo erudito vem da África, que vai à Península Ibérica e chega aqui pelos

Astúrios, e encontram aqui com os índios, com os negros, e vai fazendo, e vai se

misturando, né? E aqui se cria. Tudo isso é uma erudição de 4.000 anos e feito por

pessoas, por mestres, aqueles mestres, que nem sabe porque estão fazendo, que estão

lá, perdidos. Então é... esse o legado que faz com que acelere o tipo de preconceito, por

falta de informação. As pessoas acham que a cultura popular é coisa de beberrão, de

menor potencial dentro da sociedade, enfim... Quando você fala assim de música popular

brasileira, pode identificar que as pesquisas são feitas em cima das Folias de Reis, do

Baião, do Xote, do Xaxado, da Chula, da Charanga, do Cateretê. – Então, é assim, as

músicas populares da elite, para se mostrar exclusiva, colocou que música popular

brasileira é aquela música de punho mais elitizado... Não é! Mais chique, como as

músicas de Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil, não é... Mas... a Música popular

brasileira é qualquer música produzida no Brasil, podendo ser Brega, Samba, até Funk.

- Então, existe uma frescura! Se você chegar, por exemplo, nestes cantores populares e

perguntar o que eles cantam, eles vão dizer que cantam porque ganham dinheiro. Mas

nem tudo que eles cantam, eles gostam, muito menos é o que acreditam... Então, as

pessoas são influenciadas, o que é ainda o requício do Brasil. Em que as pessoas

costumam pagar R$4.000 (quatro mil reais) num brinquedo de Playstation, para provar

que podem sendo que, em qualquer lugar do país, em outro lugar no mundo, é muito mais

barato. Se você vai comprar na Argentina, que é um país que está economicamente

ferrado, lá se encontra por R$2.000 (dois mil reais). Mas se você for comprar na Europa,

você irá pagar U$ 400 (quatrocentos dólares)... Por quê? Porque tem uma elite no Brasil

que compra e paga para se manter diferenciada. A pirâmide não é mais pirâmide, é um

losango porque a classe C, por exemplo, tem acesso e, se vacilar, vai ter pessoas

fazendo Samba de Bumbo com Playstation... (risos). Paga R$ 4.000 (quatro mil reais) em

um jogo eletrônico, mas não paga R$ 30,00 (trinta reais) para trocar um couro de um

tambor!

- As pessoas, quando elas compreendem o que são, o que elas representam, essas

pessoas, quando tem esse contato e percebem a importância, ela se torna uma pessoa

melhor. Ela traz para dentro de si uma identidade, que ela tem orgulho. Ela levanta a

cabeça e anda de pé, com a espinha ereta! Sempre quiseram que nós andássemos de

cabeça baixa e corpo curvado. Então, quando ela percebe que aquilo é dela... Então, ela

chega nos lugares e se sente uma pessoa incluída... Então, isso é um legado importante.

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Então, há mais, muito mais para oferecer... Que, através do Samba de Bumbo, vai uma

outra discussão, uma discussão mais profunda, dentro da realidade ambiental... Ter

consciência da política... As pessoas, que poderá ser seu parceiro, além do legado,

histórico, geográfico. Por exemplo, se você fizer uma atividade junto com as crianças, é

uma atividade que irá ficar permanente na vida delas, que elas nunca mais vão esquecer

disto, né?!

- Então, você vendo isto percebe que ela faz parte de uma atividade, que leva o nome da

cidade de Campinas, que se chama Samba de Bumbo Campineiro. Isso é muito

importante para ela. Quando ela perceber e entender essa cosmovisão... porque não é

uma coisa assim fácil de identificar. Porque não só é um estado, é um modo. Não adianta

a pessoa querer se identificar, ela tem que compreender um outro sistema que não se

ensina. É como ocorre dentro de um celeiro de Candomblé: as pessoas vão lá aprendem

um xerezinho aqui. Mas, o que traz, detrás na cabeça, isso nunca ela irá aprender!

Apenas o tempo e a vivência e a experiência de vida irá ensinar. Então, isso é uma

questão de vida. Isto é um tempo. Por exemplo, se for comparar a vivência, é... do mestre

Ramires lá de Vinhedo, que já está com seus setenta anos, comigo, eu ainda sou uma

areia... dos conhecimentos que ele tem sobre o Samba de Bumbo. E isto é muito bom a

gente reconhecer. Bem, eu sei disso, mas tem gente que não reconhece isto.

13) No que você faz, você se julga capaz de trazer alguma mudança ou transformação

no meio social?

- Estão, hoje, por exemplo, tem o agente Griô, que é chique falar Griô né?!... (risos). É

uma palavra afrancesada, que é utilizada para identificar os contadores de histórias, do

coletivo da África. Daquele que detém a história da comunidade. Agora, nós temos no

Brasil a lei Griô, lei dos mestres, mas é a mesma coisa. Então, você vai ver várias

definições, né? Então, você vai ver, assim... Não sou mestre, eu sou Griô, um exemplo,

por exemplo, se você pegar algum mestre identificado de movimento negro, ele vai dizer

que é um Griô. Aqui em Campinas, temos o mestre Marquinhos Crespim, fala que é Griô,

porque a palavra é mais chique do que de mestre. Aqui em Campinas, você conhece

alguns mestres bem bacanas.

14) Você se sente uma pessoa realizada?

- As pessoas, quando elas começam, uns chegam afobados querendo tocar, acham que

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já sabem tocar o bumbo. Já sabem tocar, já tem uma vivência porque aprendeu fazer

umas quatro melodias, já... ficam lá. Já sabem e até saem por aí dando aula... (risos).

Entendeu?... Mas não é isso! É mais que isso, é uma decisão. Com o tempo, por mais,

que você ensina e fale “Olha, Samba de Bumbo é isso, não é aquilo!”, por exemplo, tem

duas pessoas que estão sendo preparadas, que eu gostaria muito que dessem

continuidade, que é Robsinho o e a Joice. Claro, são meus filhos! Mas não é aula, como a

gente vê por aí. Aula tradicional... Não, é uma questão de tempo, assim como eu tive meu

tempo, porque eu fui forjado desde criança, tal. Eu tinha medo de pegar num Bumbo, por

respeito. Não se pode tocar como alguém que chega em qualquer rodinha e toca.

Entendeu, né? Tinha todo um ritual. O que eu tento transmitir para eles não é ensinar,

eles vão fazer o Samba de Bumbo no tempo deles, mas, antes, eles estão sacando... Eles

estão percebendo... Eles vêm e desaparecem. Depois, voltam. É isso, uma hora eles vão

perceber.

- É diferente de eu fazer isto no SESC. Chego lá “Oi, gente. Vamos fazer Samba de

Bumbo! Vamos, vamos...”. (risos). Então, quando você transmite para o outro, assim,

você, desta forma... é esse o ensinamento, é a questão de tempo, tempo deles, por ser

crianças, jovens e adolescentes.

15) Vale a pena ser educador social? Por quê?

- Sim... Eu sou uma pessoa assim, onde tudo que eu quis fazer na vida, eu fiz. Entendeu?

Por exemplo, quis viver de cultura popular... (risos). Ah, eu também não sei fazer muitas

coisas, fora isso. Sei capinar mal e agora que estou aprendendo a fazer uma comidinha,

entendeu... Mas eu só sei fazer isso! Só sei é ficar pensando, inventando as coisas para

querer, um lance. “Vamos fazer um edital, vamos fazer um projeto, vamos fazer!”. Então,

é... eu sou um sonhático! (risos). Ainda bem que sou casado. Que a minha mulher é pé no

chão e que me segura! “Vamos fazer um Samba de Bumbo em Marte! Vai ser demais!”.

Eu sou assim, escrevo um projeto e bate lá na NASA e apresento “Olha, tem um

projetinho aqui para vocês...”, né?!

- Mas é isso que me alimenta! Eu não tenho assim uma mente, eu sei que poderia fazer

mais, mas eu não tenho uma coisa assim. Ah... eu poderia ter feito isto, acho que o que

eu estou fazendo é o que tem que ser feito. Então, eu não tenho assim muitas

preocupações em fazer por fazer porque tem que ser feito, sabe? Não, porque você é

uma pessoa importante dentro do grupo do Urucungos; não, porque você tem que ser, é o

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tempo, né?! A vida possui três linhas: a linha de cima, a linha do meio e a linha de baixo.

E o modo operante dela tem que ser como uma linha senoidal. Então, uma hora você está

lá em cima, outra hora você está no meio, e outra você está lá embaixo. Aí, você dá uma

melhorada e vai para a linha do meio. Mas, quando você olha para trás, você fala assim

“Puxa vida, olha só o quanto eu já passei!”. A vida é interessante quando ela é senoidal.

Imagine se você fosse muito rico, mas muito rico mesmo, só na linha de cima; ou então

muito pobre, só na linha de baixo. A vida não teria a menor graça. Então, ela só vale a

pena porque a vida faz essa onda, senoidal; uma hora, está lá embaixo, outra no meio, e

outra por cima. Aí olha “Puxa vida, sobreviver é uma aventura!”.

- Meu avô pagou a promessa e, como prenda, deixou o Bumbo em uma casa de Santos,

e ficou lá por décadas. Aí, eu incomodado com isso, falei assim: “Não, vamos colocar para

funcionar!” O que eu sabia, que não tinha mais bumbo, que não tinha mais Samba! E...

Dona Aurora, também estava parada com o Samba dela. Aí, eu fui lá, na Tainã. Eles

estavam, na época, construindo alfaias de Maracatu. Aí eu falei assim: “Vamos fazer uma

coisa...” porque eu não queria restaurar o Bumbo sozinho, queria que fosse um ato

coletivo, um ato da comunidade, que abraçasse o bumbo. Então, aproveitei que estava,

fazendo as alfaias de Maracatu, lá no Tainá. Aí... falei assim: “Vamos, restaurar um

bumbo!”. Aí, nós restauramos esse bumbo e fomos lá em Vinhedo e restauramos o

Trovão. Então, quer dizer, através deste meu ato, de pegar esse bumbo, quer ver... não foi

uma coisa assim: “É, agora vou fazer isso vai ser legal!” Não foi uma coisa instintiva, né?!

Tinha as possibilidades para fazer outras coisas. Mas eu foquei naquilo lá. Restauramos

dois bumbos e, hoje, está em funcionamento, o Azulão e o Trovão. E o Samba da Dona

Aurora está a todo o vapor. Então, esse é o meu grande legado. Assim... Mas isso são

poucas pessoas que sabem, né?! Porque a minha maior preocupação mesmo é manter o

Samba de Bumbo, vivo...

16) Você ama o que faz?

- Então, ainda não descobri outra coisa que me deixasse mais feliz ainda, porque o que

eu faço já me deixa feliz, mesmo com a minha doença. As pessoas falam assim: “Nossa,

Alceu, você perdeu dois rins e tá com essa alegria toda, brincando, cantando, tirando

sarro!” Falo assim para elas: “Poxa, já perdi dois rins, agora vou perder minha alegria,

meu humor?! (risos)”. Então, é... Eu tenho uma capacidade muito grande de absorver a

energia onde estou, e fazer as coisas. Então, parece que a minha vida melhorou, depois

que fiquei doente.

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4.5 ESCUTA DO LEGADO

ARTE E VIDA

A arte imita a vida,

A vida imita a arte.

Não deixamos escapar nem uma nem outra.

Nem pela contemplação,

Nem pela participação,

Nem pela criação e, principalmente,

Nem pela sensibilização.

É maravilhoso ser artista e produzir-se aquilo que se

acredita.

Sim...

Acreditar, produzir, criar é o dom do artista e isso é

maravilhoso,

Isso...

A Arte faz a vida ser maravilhosa.

MARCOS HENRIQUE

O homem, com a capacidade de desenvolver a cultura,

cria opção de vida.

PAULO FREIRE

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Esta dissertação teve como prioridade preservar as vozes e histórias dos saberes

culturais dos mestres da cultura afro: Cícero Gabriel Pinto (mestre Cícero), capoeirista;

Maria Lice Ribeiro (mestra jongueira); e Alceu (mestre de Samba de Bumbo), que atuam

transmitindo seus conhecimentos na cidade de Campinas. A relevância começa com o

tema, que marca um lugar de resistência, valorizando a criação, a tradição e a memória

destes mestres.

Busquei analisar de que modo são transmitidos e assegurados as histórias e os

valores desses movimentos culturais; e procurei saber quais os desafios dos movimentos

de arte popular afro-brasileira.

Através de relatos de histórias de vida, percebemos que todos os mestres tiveram

um motivo, sendo este a força motriz que os levaram a conhecer e a praticar a cultura

popular. O educador popular mestre Cícero, sobre a sua formação da arte que pratica,

afirma: “A capoeira é minha vida, é a cultura, algo que eu prezo bastante.”. A educadora

Maria Lice Ribeiro, mestra jongueira, diz: “O Jongo é a dança que papai fazia. O

Caxambu era o nome que ele dava.”. Para ela, o Jongo é algo que faz com amor e por

amor. E o mestre Alceu diz que o Samba de Bumbo é a prática da cultura popular que o

alimenta. Portanto, percebemos que não é apenas um gosto pessoal, mas uma identidade

de vida, um prazer, uma alegria e uma esperança que se renova a todo instante, de quem

está praticando ou ensinando a atividade cultural. As atividades de cultura popular foram

adquiridas pelos mestres de maneira informal, sendo assim, seguem mantendo essa

tradição de ensino para repassar seus saberes.

Cícero, mestre de capoeira, contribuiu contando que teve seu primeiro contato

com a capoeira quando foi a um passeio e assistiu a uma roda na praia. Ali permaneceu a

metade do dia, só observando e, assim que voltou, nunca mais parou. Maria Lice Ribeiro,

jongueira, lembra de que seu pai, Dito Ribeiro, fazia o jongo na época das festas juninas,

festa de São Pedro, realizada no mês de Julho. Também admite que, ao realizar essa

atividade, ela resgata a memória e a alegria de seu pai, já falecido.

Ao ouvir sua voz que traz a memória de como conheceu o Jongo, Maria Lice

Ribeiro em entrevista, relata:

Meu pai era mineiro, veio da cidade de caldas, na década de trinta, eu não tinha

nascida ainda, eu estou repetindo o que ouvi de minha mãe. Ele aqui em

Campinas Já fazia jongo. Quando eu tinha mais ou menos cinco anos. Eu me

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lembro a minha casa cheia, eu me lembro que eles faziam o jongo na época das

festas juninas, festa de São Pedro... Meu pai fazia esta festa.

Alceu, mestre de Samba de Bumbo, acrescenta:

Então, esse é o meu grande legado (...) a minha maior preocupação mesmo, é

manter o Samba de Bumbo vivo. (...) O Mestre, ele têm uma responsabilidade,

importante que, é transmitir aquela manifestação, para outras gerações. Isto é o

legado sagrado da pessoa é como um dom.

De maneira informal e através das criações e novas adaptações, os mestres de

cultura popular transmitiram e permanecem transmitindo seus conhecimentos, apoiados

na tradição. A Capoeira, o Jongo e o Samba de Bumbo possuem simbolizações

expressas nos rituais. Assim, mestre Cícero alega que a capoeira segue uma tradição. Ele

trabalha com histórias das tradições e acrescenta que é inevitável não falar das vidas dos

capoeiristas do passado. Também, anuncia que em suas oficinas de capoeira, busca

diversificar, desta forma, o mestre sempre traz algo novo dentro da modalidade. Segundo

o mestre Cícero: “A capoeira é expressa no ritmo, na musicalidade, em uma porção de

coisas!”. A jongueira Maria Rita Ribeiro anuncia que inicia as rodas de Jongo cantando as

músicas e afirma: “A gente respeita muito os Tambus, que são considerados a nossa

ligação com os ancestrais, com quem fez o Jongo primeiro.”. Ainda admite que as

tradições estão na maneira em que ensina o Jongo aos iniciados, respeitando os

instrumentos simbólicos. De acordo com a jongueira, “A gente tem muito respeito ao

Tambu, tanto é que a primeira coisa quando entra na roda é cumprimentar o Tambu, em

respeito aos mais velhos.”. O mestre Alceu da cultura popular de Samba de Bumbo

assegura que ele é um movimento de resistência muito grande da comunidade Afro: “O

Samba de Bumbo como uma coisa, um elemento importante, de sustentação da

comunidade negra.”

As músicas, os cânticos e as expressões artísticas são valiosos recursos para os

mestres de Capoeira, Jongo e Samba de Bumbo demonstrarem seus saberes, seus

sonhos e necessidades, revelando, então, os conhecimentos sobre o meio em que se

encontram. As representações simbólicas desses saberes são repassados para os

iniciados com sentimentos, podendo estes transmitir significados carregados de

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simbologias, privilegiando a linguagem simbólica, a memória e a imaginação.

Sobre a maneira de divulgar os conhecimentos da arte e da cultura afro-brasileira,

o mestre Cícero conta que ministra a capoeira desde 86, com o objetivo de ensinar a

Capoeira e formar as pessoas. Também, relata que vive da capoeira desde 92. A renda é

de sua própria academia e os ensinamentos são para crianças, jovens e adultos, porém, a

maior parte do público é composta de estudantes universitários. Ao se tratar do

preconceito e da discriminação sobre a cultura popular na cidade de Campinas, mestre

Cícero alega:

A resistência na sociedade ainda existe. Né! A pesar que a capoeira estar em

tantos países, nas novelas e nos filmes. Ainda há resistência e preconceitos.

Alguma coisa relacionada que faz a diferença enquanto alguns trabalham para

aumentar ainda mais a desconfiança na sociedade.

Em relação ao Jongo, Maria Rita Ribeiro conta que ensina para a grande maioria

formada de estudantes e universitários. Além disso, acentua que não cobra nada para

ensinar, todos que praticam o Jongo possuem algum ofício. Porém, acrescenta que

realiza apresentações e, nestas, têm um cachê simbólico que serve para a manutenção

dos materiais e instrumentos. Ainda, no que se refere ao preconceito no Jongo, Maria Rita

atesta que “Em certas escolas e comunidades, têm crianças que ficam meio receosas por

causa do Tambu.”.

Quanto ao Samba de Bumbo, o mestre Alceu revela que são os projetos de arte e

de cultura popular que o ajudam a se manter. Segundo o mestre: “Existe uma

massificação tão cruel em cima desse processo que a gente acaba odiando o nosso

subproduto, mais ainda... O preconceito de pessoas que acham que qualquer batida de

batuque é Macumba.”.

Desta maneira, o que notamos sobre a postura das pessoas, da sociedade é que

os comportamentos que expressam possuem sentimentos de discriminação religiosa no

que concerne à cultura afro. Os mestres educadores buscam desmistificar e demonstrar

para as pessoas, que não enxergam com bons olhos, que os movimentos realizados

fazem parte da cultura popular; que os instrumentos afro, principalmente, os tambores e

os Tambus, se remetem à todos os aspectos de uma realidade social do conhecimento de

um povo que teve seus saberes oprimidos. Neste contexto, mestre Cícero admite que

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trabalha com o lúdico da capoeira utilizando o berimbau, o pandeiro, o atabaque, o agogô.

Ao se tratar dos lugares onde ensinam e divulgam a cultura popular, mestre

Cícero diz que as suas apresentações de Capoeira em Campinas são feitas nas praças e

em festas de formatura, conhecidas por “batizados de Capoeira”. Já o Jongo, segundo a

Mestra Maria Rita Ribeiro, procura conscientizar os praticantes nos momentos em que se

fazem as apresentações. De acordo com a Maria Rita Ribeiro:

Tambu é para fazer o som, o ritmo. Não tem nada a ver com a religião. Mas tem

certas pessoas que possui certos receios por conta do Tambu, pensam que é, ou

tem a ver com a religião, mas isso não tem nada a ver. Mas a maioria das

pessoas que dançam Jongo, se jogam na roda, e entendem e compreendem que

o Jongo é uma dança.

Ainda, Maria Rita Ribeiro contribui expondo que o Jongo se apresenta nas

escolas, universidades, em vários lugares. E o mestre Alceu alega que realiza suas

oficinas em sua sede, no Urucungos. Também faz diversas oficinas no SESC, em todo

Brasil e no exterior. Quanto ao Samba de Bumbo, mestre Alceu afirma: “Meus

ensinamentos são repassados para a maioria de pessoas formada por estudantes que

praticam que geram significados e dão valores e força social a estes movimentos.”.

Para os desinformados, ainda nos tempos atuais, restam dúvidas e receios sobre

a prática da cultura afro. Os mestres convivem com essas políticas, percebem que a

discriminação, mais do que nunca, continua e está muito viva no presente momento. Ela é

disfarçada através da exigência pela formação educacional. Desta forma, estes mestres

vêm lutando para que os valores culturais prevaleçam juntamente com os educacionais.

Faz-se urgente realizar a conscientização da nossa história e adaptar-nos com as

experiências educacionais positivas, para que possam trazer uma nova luz e resolver as

necessidades culturais na sociedade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

DESPEDIDA

A Deus a Deus,

Peço licença, que eu vou-me embora.

Vou com a paz de Deus, dos santos e orixás.

Sim, eu vou-me embora.

A Deus, a Deus.

MARCOS HENRIQUE.

Reconhecer a importância dos sentimentos, da

criatividade, da imaginação, da cultura, é inseparável do

reconhecimento dos sujeitos humanos e do seu papel.

SEVERINO ANTÔNIO.

As investigações desta dissertação tiveram a intenção de entender os

movimentos de arte popular Afro-brasileira, com olhar na educação informal, realizado

pelos mestres de cultura popular, na cidade de Campinas, destacando a Capoeira, o

Jongo e o Samba de Bumbo.

Ao considerar a amplitude dessa pesquisa, antecipo que, para que se faça o real

entendimento das investigações, é necessário haver maior busca, tanto na área histórica,

quanto na social e educacional.

Foram feitas leituras de pensadores humanistas na área da Antropologia,

Filosofia, História, Educação e Cultura, destacando-se as vozes dos mestres educadores

populares de Campinas: mestre Cícero, capoeirista; mestra Maria Lice Ribeiro, jongueira;

e mestre Alceu, no Samba de Bumbo.

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As perguntas formuladas para os mestres forneceram a essa pesquisa

dissertativa um pouco a respeito da natureza de como o processo de ensino da cultura

popular acontece, como os mestres repassam seus conhecimentos para os iniciados. Foi

um grande desafio estudar a arte e a cultura popular através da educação informal,

praticada pelos mestres educadores da cidade de Campinas. Na medida em que foram

avançando as investigações com os mestres, observei as estratégias de cada um para

realizar a educação de seus saberes para os iniciados em cultura popular.

Nas entrevistas com os mestres, recordo Freire (2008) para auxiliar o

entendimento sobre a conscientização de formar indivíduos com autonomia e com

apropriação critica do conhecimento. É necessário capacitá-los para a produção da

construção humana. Para tanto, os representantes da arte e da cultura popular procuram

repassar seus conhecimentos embasados nas histórias e tradições. Os mestres, então,

apoiam-se em contos, lendas e superstições. A autora Aranha (1986), neste aspecto,

destaca o desenvolvimento da afetividade humana através de contos e mitos, os quais

contribuem para a aprendizagem e formação dos valores educacionais. Algumas

estratégias estão mantidas até a atualidade e, no passado, essas estratégias de

resistência serviram para camuflar as reais intenções embutidas nos movimentos

culturais, tanto na Capoeira quanto no Jongo e no Samba de Bumbo.

Estes movimentos possuem, como referência em comum, a presença das

musicalidades, produzidas em ladainhas, quadras, corridos e versos. A linguagem que as

músicas carregam representa os saberes dos povos oprimidos. Estes saberes são

assegurados através da metáfora. Nestes, os negros, os índios e todos os que compõem

as classes exploradas compartilham seus sonhos e esperanças de um dia ter a liberdade

e o direito de lutar pelas conquistas da vida. A linguagem figurada, que as letras dessas

músicas possuem, é uma forma de representar a resistência. Através da arte de

expressar, foram desenvolvidos movimentos de manifestações populares, culminando na

identidade cultural do povo brasileiro.

Também, há liberdade para as adaptações que são instigadas pelas forças

externas que a sociedade exerce. Assim, eles não param, sempre estão reconstruindo

maneiras diferenciadas para promover sua arte e cultura popular. O poeta e crítico de arte

Gullar (1993), referindo-se à criação e à elaboração da arte, corrobora que a criação

artística, de maneira geral, é humana; é produto da realização do trabalho; é fruto da

imaginação, da expressão do sentimento, tendo representatividade na comunicação

social.

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Os mestres, detentores dos saberes populares que idealizam a educação na

construção da cultura popular em Campinas, são pessoas que buscam realizar algo a

mais do que o esperado, uma vez que estes mestres carregam experiências capazes de

transformar e conscientizar o meio social onde se encontram.

A Capoeira, o Jongo e o Samba de Bumbo são movimentos culturais de

conscientização da luta de resistência do povo brasileiro, que sofreu com a colonização e

a exploração imposta pelos colonizadores europeus. A Capoeira, uma luta em que os

capoeiristas fazem de seu corpo instrumento de defesa e ataque. O Jongo, no qual os

jongueiros dançam, cantam e festejam os saberes dos ancestrais através dos tambores.

E o Samba de Bumbo, expressão afro-brasileira interiorana, que se aproximou da

religiosidade dos dominadores e se expressou através do sincretismo religioso,

transmitindo seus sonhos e conscientizando com o uso da linguagem metafórica.

Vimos que a questão histórica, a identidade cultural e o desejo de representar os

valores e tradições do povo é o que move os mestres a exercerem as atividades de

educadores sociais. Duarte (1991) colaborou afirmando que a arte conta o

desenvolvimento e saberes da história da humanidade. Existem inúmeras formas de

representações de arte de cultura popular que apresentam os valores históricos e

culturais. É justamente nos hábitos, nos costumes, nas tradições que se realizam e

expressam a identidade cultural brasileira. A paixão pela arte e cultura popular dos

mestres os faz contadores da história do povo brasileiro, pois eles, ao exercerem a

profissão de educadores sociais, asseguram e carregam fatos, acontecimentos dos

diversos povos que constituíram o Brasil.

Percebemos que os mestres entrevistados fazem parte de um ciclo de

educadores movido pela paixão, pelo amor de representar na arte e na cultura popular,

além de praticar a sua arte de educar através da educação informal. Ninguém pode

duvidar da força e da coragem destes heróis, que frequentemente propõem o máximo de

esforços para expor a cultura popular afro-brasileira na sociedade e, assim, repassar e

apresentar seus saberes.

O que pôde ser percebido nesta investigação foram as histórias de vida com

conquistas, os triunfos e a força de esperança que os mestres educadores de cultura

popular preservam e carregam. E, através de suas experiências de vida e sensibilidade

humana, nos fazem pensar nas infinitas maneiras de realizar a educação, principalmente,

a informal que é uma porta aberta para a criatividade e uma marcha de aprendizagem

constante.

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A arte está a serviço da cultura, da memória, do patrimônio e principalmente da

preservação de identidade. Reconhecer e aplicar os benefícios que a Capoeira, o Jongo e

o Samba de Bumbo representam, em prol do desenvolvimento da educação, é caminhar

para a construção de expressão da liberdade, além de justificar as atividades de

criatividade.

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UM NOVO OLHAR

Um novo olhar

Um diferente olhar

Um persistente olhar

Uma nova maneira de olhar para os amantes da vida e da cultura.

Sinceramente, amei realizar essa pesquisa. Todos os mestres entrevistados são

meus amigos e companheiros de cultura popular. Antes de fazer essa investigação, eu os

conhecia nas rodas, nas festas, nas manifestações, nos encontros de movimentos

culturais. Cumprimentavam-se e, alegremente, conversavam como amigos. Já os

respeitava como grandes mestres e, agora, os considero muito mais, pois tive a

oportunidade de conhecer o passado destes heróis.

Foi uma experiência mágica. Acredito que foi o grande tesouro desta dissertação.

Fiquei muito feliz com essa extraordinária experiência. Ganhei, com isso, entusiasmo e

ânimo para seguir com meus planos: continuar compondo músicas e levando os saberes

da cultura popular para outras pessoas. Agora, mais do que nunca, escreverei livros de

contos populares e de poesias, além de artigos. Pretendo, também, dar prosseguimento

aos estudos ainda neste ano e, com a grandeza da força e sabedoria de Deus, ingressar

em um Doutorado. Continuarei, se Deus quiser, estudando e ajudando meus amigos e

mestres a promover a cultura popular afro-brasileira.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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132

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MARCOS HENRIQUE

BAOBÁ: ÁRVORE CONSAGRADA

HISTÓRIAS, CONTOS, POESIAS E SABERES POPULARES

2014

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Prefácio

Nas festas, rituais e rodas de conversas com os anciões conhecedores de contos e

histórias no Brasil, possuem saberes populares que não se encontram nos livros

acadêmicos. Todavia, estão aflorados na sociedade, contidos na memória dos mestres

populares, e representados nas histórias, contos, músicas e poesias de povos resistentes.

Busquei aqui relatar histórias de culturas populares embasadas dentro do contexto

histórico da colonização brasileira. Pude reviver os anseios dos negros e índios, povos

oprimidos que serviram de mão de obra de exploração no processo brasileiro de

colonização.

Esses povos se expressaram criando inúmeras formas de movimentos culturais.

Na atualidade, encontramos esses simbolismos nas artes, nas danças, nos cânticos, no

sincretismo religioso e nas manifestações culturais afro-brasileiras.

Este livro trata dessas manifestações... e muito mais.

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BAOBÁ: ÁRVORE SIMBÓLICA

Certa manhã de verão, ao passear pelas matas tropicais do Brasil, no intuito de buscar o

equilíbrio emocional, espiritual e humano, resolvi repousar à sombra de um jacarandá e

percebi Xangô, guerreiro pai da justiça, espírito do culto e divindade afro-brasileira, que

passou por lá e me abençoou.

Lembro-me de que era um dia lindo, daqueles majestosos, céu azul, poucas nuvens e sol

radiante.

Estava eu presente, longe do barulho da cidade, em pleno contato com a mãe natureza e

seus filhos, pássaros, animais e insetos, que habitam ainda nos pequenos lugares

preservados nos bosques, matas e jardins das grandes cidades. Naquele paraíso natural

resolvi ficar.

Segui as trilhas na mata, outros encantados se apresentaram. Apanhei algumas sementes

e me alimentei. Oxossi, guerreiro caçador, ficou feliz.

Continuei firme e, então, avistei um arbusto de espinhos que estava sufocando uma linda

flor. Retirei-o e Iansã, rainha dos animais, da mata e das pedras preciosas, sorriu,

aprovando.

Bebi das águas cristalinas da cachoeira, lavei meu rosto e molhei a cabeça. Iemanjá,

rainha do mar, se encontrava também ali, cuidando das fontes e das forças das águas.

Graças ao bom Deus, voltei para o meu lar, mais leve e pronto para encarar os afazeres

da vida.

Agradeci, dando glórias a esse mesmo Deus, que nos deu as matas, florestas e a beleza

da natureza, cheia de vida e magia, para o homem viver e conviver em harmonia.

A obra

No pé da serra,

Uma maravilhosa visão:

Um arco de luz cruzou o céu, foi seguido por um estrondar

tenebroso, que colidiu na superfície da terra e explodiu.

No céu, o vento mexe as nuvens que se metamorfoseiam

em chuva,

E que, no solo, formam inúmeras trilhas de águas.

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Uma dessas eu vejo, e é transparente.

Originou as matas virgens, carregando o cheiro, a beleza e a

sabedoria das florestas.

Outra, escura como a noite sem luar, que formou-se em uma

grande parede rochosa e desceu a serra percorrendo as

raízes das plantas, carrega a história da origem da

humanidade.

Lá no alto da serra, mais uma trilha, com suas águas

ferozes, prestes a conquistar tudo o que encontrar no

caminho, carrega armas, papéis e tintas para contar a

história.

Por uma força maior, todos esses caminhos se unem, todos

os elementos se misturam e se fundem,

Dando vida a uma nova matriz.

No pé da serra, um lago profundo cheio de saberes se

forma,

E em sua margem inúmeros frutos surgem das criações e

adaptações, que se expressam na arte, na religiosidade e na

cultura popular.

A religiosidade no Brasil é plural e sincrética, tendo participação de várias culturas dos

povos, principalmente a dos negros africanos e a dos índios brasileiros.

A africanidade na religiosidade brasileira é uma postura de resistência social e cultural,

podendo ser uma maneira de fantasiar os sonhos e as esperanças. FREIRE (2011)

apresenta a religiosidade que os negros desenvolveram no Brasil como uma forma de

sistema político e social.

O sincretismo religioso afro-brasileiro expressa a resistência ou a manha com que

a cultura africana escrava se defendia do poder hegemônico do colonizador

branco. (FREIRE, 2011, p.76).

Dessa forma, pode-se afirmar que a religiosidade afro-brasileira é a autêntica

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manifestação de um grito por libertação, que vem da alma de um povo subjugado que se

apega às suas raízes.

Religião

Conversando com Deus, criei as divindades. Expus meus sentimentos, minha aflição, Minha alegria, minha dor e minha esperança. Nos cultos, nos rituais e nas cerimônias Simbolizei a fé.

O homem, ao buscar uma explicação para os fatos incompreensíveis e compreensíveis

da vida, cria a religião.

A religião representa a fé, a crença e, principalmente, elementos de valores simbólicos,

expressos nas tradições e pelas divindades dos santos e orixás.

São os homens que nomeiam e exprimem valores e sentimentos às coisas, objetos e

animais.

Seres humanos

Seres humanos

Sentem, pensam, alegram, choram.

Seres compostos de corpo e alma.

Seres finitos e infinitos,

Que vivem no tempo e caminham para a eternidade,

Que são inteligentes livres e responsáveis.

Trazendo uma demonstração de simbologia mística, apresento o baobá. Árvore de

natureza grandiosa, magnífica e cheia de vida e graça. Dentre todas essas forças e

símbolos da natureza, destaco o símbolo da resistência universal, força, vitalidade e

grandeza.

Milhares de baobás são encontrados nas matas, florestas e nas planícies africanas.

E, com sua majestosidade, resiste ao tempo.

África, berço da humanidade, nesse grandioso continente proveu as vidas do nosso

planeta azul, chamado terra.

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Terra

Onde moram e descansam os seres viventes,

Onde germina a vida,

Onde se cultivam saberes,

Onde se encontra a semente da criação,

Onde cresce o conhecimento aflorado em cultura.

O baobá produz vida em seu útero, vida provinda de uma pequena semente que,

quando germinada, transforma-se em uma exuberante árvore.

Árvore, símbolo de resistência que demonstra a sabedoria da ancestralidade, feita

pelos conhecimentos naturalmente construídos e esculpidos pelo tempo.

O exuberante baobá

Quanto mais antigo,

Mais belo,

Quanto mais belo,

Mais antigo.

Árvore de troncos firmes e fronte verdejante, impressiona pela sua grandeza

peculiar. E nas suas folhagens protege e abriga os pássaros que constroem seus ninhos,

além de fornecer repouso para outras espécies, que estão migrando.

O baobá, árvore cheia de magia, dono de uma beleza sem igual, majestosa. Capaz

de resistir ao calor do sol que castiga o solo, a fauna e a vida africana. Árvore frondosa,

resistente ao vento e à tempestade, que lava e varre tudo que encontra nas planícies e

matas do continente mais antigo do mundo.

O baobá

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É uma árvore africana, Com madeira de grande resistência. Proprietária de uma vitalidade gigantesca, Acolhedora de animais, pássaros, répteis, E de milhares de vidas. Símbolo de força e resistência, Magia e graça.

Em sua grandeza, é capaz de abrigar famílias de nativos africanos e de assistir com seus

frutos, pai, mãe e filhos que buscam refugiar-se junto de sua enorme copa.

Possui uma resistência grandiosa, possibilitando desafiar o tempo, o sol, a chuva, o

vento e as tempestades. Desfruta também da beleza e da harmonia da natureza,

banhando-se com o orvalho formado com o sereno da noite.

A copa protege e refresca o solo, a casca e a semente servem de remédio para curar

enfermidades. As cinzas de suas raízes servem para serem consagradas, em momento

de graça e oração, aos deuses e orixás.

O baobá, árvore consagrada, é um exemplo de vitalidade. Originário do continente mais

antigo, e desde o princípio nos ensina que o homem é um ser natural e que deve viver,

conviver e dialogar com a mãe natureza.

Semente da criação

O homem, com toda sua fé, Busca representar o ontem, O agora e o amanhã, E explicar o inexplicável, O desconhecido, O inculto, E nomear as diversas criações desta vida.

São intangíveis os acontecimentos e histórias da relação entre o homem e a árvore.

Dois seres vivos que constroem analogias surpreendentes.

Esse diálogo inicia-se logo ao raiar do amanhecer, continuando ao longo do dia,

permanecendo ao anoitecer e invadindo a boca da noite e o manto sereno da madrugada.

O homem e as árvores trocam experiências de maneira informal, com a força,

sabedoria e toda tranquilidade peculiar da mãe natureza.

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Árvore

Árvore, o vegetal

Riquíssimo em potencial,

Sinaliza, promove conhecimentos,

Dando possibilidade aos homens,

De caminharem, crescerem e se descobrirem.

A todo instante o homem, a árvore e os fenômenos da natureza estão se

comunicando, direta ou indiretamente, causando reações que levam o homem a ter uma

mudança em seu comportamento.

O homem e a natureza

O homem em convívio com a natureza,

Dialoga, destrói e se constrói,

Semeia, cuida e colhe frutos do seu trabalho,

Descansa em sombra,

Protege-se nas copas,

Alimenta-se.

O homem e a árvore sempre foram bem próximos, fato é que as civilizações

crescem junto à sombra da árvore genealógica de seus ancestrais. Exemplo clássico da

ciência humana, que busca dar explicação à existência e história, utilizando o símbolo da

árvore como vitrine, para explicar as ramificações de criação da vida e da ciência.

Ciência

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O homem vem caminhando,

Se formando e se alimentando em sabedoria.

A sua ciência é construída e reconstruída dia a dia,

Dês da raiz,

Dês do nascimento,

Dês do primeiro fôlego de vida,

Dês do princípio da semente de sua criação,

Dês de agora e depois.

Ao fazer uma alusão à religião dos colonizadores, de que Deus criou o homem e o

colocou no paraíso, o livro de Gênesis, onde é mencionada a origem do homem, discorre

assim:

E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o

fôlego da vida e o homem foi feito alma vivente. E plantou o Senhor Deus um

jardim no Éden, na banda do oriente: e pôs ali o homem que tinha formado. E o

Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para

comida: e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem

e do mal. (Gênesis 2:7-9).

Nesse jardim, houve a existência da árvore da vida, que, segundo a crença, era

capaz de prover todas as necessidades do homem.

Mas o homem, sendo um ser incompleto devido sua condição natural por possuir

cultura – e, por si só, produtor de cultura - buscou mais e desobedeceu a Deus e, assim,

como resultado, passou a trabalhar para sobreviver. Trabalhando, possibilitou que os

homens descobrissem que podem aprender, com a vida e com a sua própria cultura...

Cultura, patrimônio da humanidade.

O homem, em sua vivência,

Cria e constrói saberes,

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Que são transmitidos à sociedade,

Através da construção da educação.

Podemos reconhecer tais saberes em inúmeros fatores culturais: na linguagem, na

ciência, na tecnologia, na filosofia, na educação, nas artes, nas vestimentas, nas

construções e em todas as criações, transformações e adaptações humanas.

Qualidade multimilenar

Não possuímos apenas as qualidades de nossos genitores.

Nossos antecessores também as transmitem.

O DNA do homem é multimilenar,

Com potencialidade de diversas faculdades.

Estas, traduzidas em dons.

ALVES (1981), em seu livro “O Que é Religião”, diz que os animais sobrevivem pela

adaptação física ao mundo. Os homens, ao contrário, parecem ser desadaptados ao

mundo, tal como este lhes é apresentado.

Essa situação fez com que o homem buscasse modificar o seu meio, através da

ação do trabalho. O trabalho fez com que o homem se desenvolvesse socialmente, tendo

como resultado o saber cultural. Na mesma linha de pensamento, FREIRE (2011)

acrescenta citando que o homem é um ser inacabado, inteligente e cultural, e que se

utiliza de sua percepção, seu raciocínio, e através de ação intencional transforma o

ambiente, tendo como prioridade, trazer suporte para a sua existência.

A invenção da existência a partir dos materiais que a vida oferecia levou homens e

mulheres a promoverem o suporte em que os outros animais continuam no

mundo. Seu mundo, mundo dos homens e das mulheres. A experiência humana

no mundo muda de qualidade com relação à vida animal no suporte. O suporte é o

espaço, restrito ou alongado, a que o animal se prende “afetivamente” tanto

quanto para resistir; é o espaço necessário ao seu crescimento e que delimita seu

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domínio. É o espaço em que, treinado, adestrado, “aprende” a sobreviver, a caçar,

a atacar, a defender-se num tempo de dependência dos adultos imensamente

menor do que é necessário ao ser humano para as mesmas coisas. Quanto mais

cultural é o ser maior a sua infância, sua dependência de cuidados especiais.

Faltam ao “movimento” dos outros animais no suporte a linguagem conceitual, a

inteligibilidade do próprio suporte de que resultaria inevitavelmente a

comunicabilidade do Inteligido, o espanto diante da vida mesma, do que há nela

de mistério. (FREIRE, 2011, p.50).

Ao criar, modificar e adaptar o ambiente, o homem interage com a natureza,

modifica, tornando-a útil para proveito próprio.

Magia

Olha que magia acontece

Todas as vezes que o homem consegue se representar.

Todas as construções são novas,

E a cada instante um novo momento que se renova.

Este representa a criação e aprendizagens.

Olha que magia acontece

Todas as vezes que o homem consegue se expressar.

O homem, ser pensante, criativo e criador, desenvolve novas ferramentas

oriundas de inúmeros elementos naturais. Ainda, na atualidade, encontramos antigas

ferramentas construídas por partes de árvores. Destas o homem utiliza os galhos, troncos,

raízes e folhas e produz novos instrumentos.

A terra, habitat natural do homem e de milhares de outras espécies, é onde o

homem se destaca e se diferencia dos animais por ser criativo. Está condição contribuiu

para que ele conseguisse resistir e sobreviver às adversidades da vida.

Feto

Ainda no ventre materno,

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O bebê humano, mesmo sem presenciar o mundo real,

Se manifesta criando um mundo imaginário.

CHAUÍ (2000), em seu livro “Um Convite à Filosofia”, acrescenta que o homem,

através da criação, exprime seus saberes culturais, realiza várias formas de pensar, sentir

e agir. (CHAUÍ, 2000, p.325).

Ainda nos tempos remotos da humanidade, a árvore o auxilia, fornecendo matéria-

prima para construção de ferramentas e instrumentos, lenha para cozer alimentos e

madeira para o fogo, podendo, assim, iluminar a noite e aquecer o corpo.

A apropriação do fogo pela cultura do homem foi o primeiro grande passo para o

progresso. As civilizações primitivas ao descobrirem que, com o atrito de dois gravetos em

um molho de arbustos secos, poderiam fazer fogo, criaram o fogo e o controlaram.

Foi ao observar o fogo, e perceber que ele não é apenas um fenômeno da natureza,

que o homem pode possuir e usar o fogo em seu beneficio. Ele o faz.

As primeiras fontes de energia com o fogo eram provenientes de madeira, galhos e

troncos de árvores.

Fogo

Uma brasa,

Uma faísca que se metamorfoseia,

E se transforma em fonte de energia.

Alimentado pelos ramos, folhagens e galhos,

E que, em mãos criativas,

É, foi e sempre será

Palco das histórias, criações e iluminações humanas.

O homem, em convívio com a natureza, aprende a observar, sentir e construir,

criando novos elementos.

No passado da história da humanidade, em plena expansão marítima, século XV, os

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povos europeus, principalmente os portugueses, através da criação de barcos

contribuíram para a transição da passagem da humanidade em seu mover da idade

média para a idade moderna.

Naquele tempo, os barcos eram feitos de madeira, proveniente das matas e florestas

existentes.

Esse feito, fez com que o homem passasse a desafiar o mar, e, assim, conseguisse

descobrir novas terras e novos continentes com povos e culturas diferentes.

O processo civilizatório, acionado pela revolução tecnológica que possibilitou a

navegação oceânica, transfigurou as nações ibéricas, estruturando–as como

impérios mercantis salvacionistas. Assim é que se explica a vitalização

extraordinária dessas nações, que de repente ganharam uma energia expansiva

inexplicável numa formação meramente feudal e também numa formação

capitalista. (RIBEIRO, 1995, p.64).

A árvore, fornecedora da matéria-prima para a construção de transporte marítimo,

continuou e continua na vida do homem.

Árvore

Madeira leve, capaz de boiar,

Inspirando o homem a construir embarcações,

Capazes de avançar além do horizonte.

Para conhecer e descobrir novas águas e mundos

E outros novos semelhantes.

Ao longo da passagem dos séculos, a árvore continua cumprindo a missão de

harmonizar a natureza, estabilizando o tempo, reciclando o oxigênio e purificando o ar,

gerando alimento através dos frutos, provendo a oxigenação na terra, fornecendo sombra

e proteção aos seres vivos, além de ser fonte de inspiração para construção de meios de

transporte.

O resultado da expansão marítima europeia fez com que fossem descobertos novos

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continentes, nunca antes pisados pelos povos europeus.

As descobertas marítimas levaram ao descobrimento dos continentes da América e

da África. Nestes, foram explorados os recursos naturais, madeira, ouro e pedras

preciosas, e as novas terras descobertas foram invadidas e os povos que ali habitavam

foram dizimados e oprimidos.

As terras brasileiras foram colonizadas como resultado da expansão marítima

europeia. Conforme NOVAIS (1998), a expansão marítima tinha como propósito descobrir

novas terras, explorá-las e captar recursos para investir no desenvolvimento da

industrialização, na economia capitalista, no estímulo à economia internacional,

principalmente, a europeia.

Essa prodigiosa escala da redução obviamente tanto implicava uma corrida voraz

pela disputa das matérias-primas disponíveis em todas as partes do mundo, como

também exigia a abertura de um amplo universo de novos mercados de consumo

para absorver seus excedentes maciços. Foi essa ampliação na escala das

demandas e das exportações que gerou o fenômeno conhecido como

neocolonialismo ou imperialismo, que levou as potências industriais, na segunda

metade do século XIX, a disputar e dividir entre si as áreas ainda não colonizadas

do globo ou restabelecer vínculos de dependências estreitos com áreas de

passado colonial. (NOVAIS, 1998, p.12).

Neocolonialismo no Brasil

Explorem essa nova terra,

Arranquem tudo o que der lucro,

Comecem com o pau-brasil,

Peguem as folhas, os galhos, os troncos,

Tirem as raízes também,

Cavem bem fundo,

Matem, desumanizem, escravizem todos e tudo.

Explorem essa nova terra,

E retirem tudo.

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O antropólogo Darcy Ribeiro, em seu livro “Os Brasileiros” (1981), apresenta as

formas de configurações sociais que formaram o povo brasileiro, as influências dos índios,

dos negros africanos e dos colonizadores para a construção social e cultural.

RIBEIRO (1981) discorre que, ao tratar da formação do povo brasileiro, não se

demonstra nenhum retrato favorável de uma nação que poderia ser construída para dar

um lar próspero aos futuros filhos que aqui nasceriam. Não, ele apresenta o Brasil como

um lugar indesejável para se viver, mas bom para o comércio.

O Brasil não nasceu como etnia e se estruturou como nação em consequência da

soma dos desígnios de seus criadores. Surgiu, ao contrário, como uma espécie de

subproduto indesejado e surpreendente de um empreendimento colonial, cujo

propósito era produzir ouro ou café e, sobretudo, gerar lucro exportáveis.

(RIBEIRO, 1981, p.19).

Os povos negros da África foram capturados de sua terra matriz e desterrados para

outros continentes para servir ao regime colonial. Na colonização brasileira houve

inúmeras perdas de homens que foram usados como ferramentas de trabalho para suprir

as necessidades dos colonizadores portugueses, que fizeram do Brasil uma colônia.

Pequena semente

A semente e a esperança

Crescem de dentro para fora,

Não de fora para dentro.

Milhares de vidas foram exauridas no tempo do Brasil Colonial, que se estendeu

desde 22 de Abril de 1500 até a independência em 07 de Setembro de 1822. Aos povos

negros, desumanizados com a prática da escravidão no Brasil, só restaram a eles ter

esperança.

Navio negreiro

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No porão do navio negreiro,

Eu e meus irmãos chegamos aqui,

Meio mortos meio vivos, foi sim,

Meio mortos meio vivos, foi assim...

Que resistimos.

O Brasil possuiu três ciclos de colonização que culminou na exploração de mão

de obra escrava de índios e negros, e a vinda de europeus para conhecer as riquezas em

terras brasileiras.

Conforme a história, o Brasil foi descoberto em 1.500 e somente a partir de 1.530

foi que se iniciou o ciclo de exploração, processo lento no início: o reconhecimento do

território era feito conforme o material explorado. Nas regiões costeiras foi retirado o pau-

brasil.

O ciclo do açúcar iniciou-se no século XVI, instalado na região do Nordeste do

Brasil, especificamente Pernambuco e Bahia, e permanecendo até o século seguinte. O

açúcar era produzido em grandes quantidades nos séculos XVI e XVII, nos engenhos do

Brasil. Essa produção abastecia o mercado europeu.

Os negros foram capturados na África e submetidos à escravidão no Brasil, e em

plena situação desumana conseguiram se expressar e desenvolver uma dança cultural.

O Maculelê, o ritmo dos facões ao cortar a cana-de-açúcar, inspirou os negros a

desenvolverem essa dança afro-brasileira.

Maculelê

Sou eu,

Sou eu,

Sou eu, sou eu, Maculelê.

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Sou eu.

(Música popular e cultural de domínio público).

O nome da dança é afro-indígena-brasileira: “Macu” representa a dança, “Le-lê” é

o nome dos bastões.

ROCHA (1981), participando de um capítulo do livro “O que é religião, igreja e

mito” faz uma citação do dicionário Aurélio, que apresenta o significado do mito. Discorre

que o mito é um fato, uma passagem dos tempos fabulosos; tradição que, sob a forma de

alegoria, deixa entrever um fato natural, histórico ou filosófico; coisa inacreditável.

Mito

O mito fala enviesado,

Fala bonito,

Fala poético,

Fala sério,

Fala sorrindo,

Apresenta sem existir,

E existe sem ter direito óbvio.

Para ROCHA (1981), mito representa o saber popular. Ele expressa a tradição,

tendo como objetivo entrever os fatos, carregando mensagens que não estão ditas

diretamente, sendo estas figuradas.

Um conto mitológico africano dessa dança cultural, representado por histórias, é a

lenda do surgimento do Maculelê.

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A lenda do Maculelê, dança afro-brasileira.

Em uma região na África, uma tribo saiu para caçar. Foram nessa

caça todos os homens e guerreiros, ficando apenas os anciões, as

mulheres e as crianças. A tribo inimiga, percebendo que esta estava

desprotegida, atacou. Surgiu um espírito guerreiro, “Maculelê”, que,

com dois bastões, venceu o inimigo. A partir desse momento, a tribo

que foi defendida pelo espírito do Maculelê realiza danças, cânticos

e rituais para homenageá-lo.

(Conto de Maculelê, ritmo de tradição popular afro-brasileira cantado

por Cícero Gabriel Pinto, “Mestre Cícero”, Campinas-SP, em 2000).

Para dançar o Maculelê, utilizam-se dois bastões, provenientes de madeira.

Olha lá, seu moço

Olha lá, seu moço, traga o facão e a foice,

Que a cana está madura dentro do canavial.

Quando ouvir facão bater

Quero ver cana cair.

Quando ouvir, ouvir, ouvir,

Quero ver cana cair.

O Maculelê é uma dança afro-brasileira, praticada pelos capoeiristas, que utiliza

bastões de madeira provinda das biribas, árvores típicas do Brasil, que fornecem madeira

para fazer berimbau, instrumento percussivo que os capoeiristas utilizam para tocar.

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A manifestação do Maculelê era vista socialmente na festa de Nossa Senhora

Aparecida, em Santo Amaro, Bahia. Quem realizava era o Mestre Popó, que até hoje é

homenageado na musicalidade cultural afro-brasileira.

Eu dei um corte com o facão na samambaia;

Maculelê, que é bom, ele não faia.

(Música de Maculelê de domínio público).

O homem, através de seu gênio criativo, utiliza madeira para dançar o Maculelê.

Com a descoberta do ouro em terras do Estado de Minas Gerais, no final do

século XVII e início do século XVIII, vieram para o Brasil milhares de portugueses que

almejavam enriquecimento rápido, culminando no segundo ciclo da colonização brasileira.

Algumas pessoas foram favorecidas pelo ouro em Minas Gerais; outras, porém,

não conseguiram enriquecer, mas criaram fantasias. Estas, expressas em contos e

histórias que funcionam na sociedade como atenuadora de frustração.

Muitos contos populares surgiram para contar os fatos inacreditáveis. Esses

contos são de conhecimento dos antigos, que utilizam esse artifício para dar sentido aos

seus sonhos e desejos.

Mãe do Ouro

Ao anoitecer, em terras mineiras, uma tocha de luz vem clareando

as montanhas. Essa tocha é conhecida pelos antigos da região

como “Mãe do Ouro”, pedra mais valiosa de todos os minerais

preciosos.

Os sábios da região contam que o lugar em que ela aparece é um

local predestinado a ter muito ouro. Alguns antigos mineradores

supersticiosos viam a Mãe do Ouro em vários lugares: indo em

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direção às nascentes de águas, em tocas dos morros, nas cavernas,

nos córregos de águas e nos cumes das montanhas.

Quem conseguisse pegar a “Mãe do Ouro”, o que era algo muito

difícil de fazer, ganharia uma fortuna e ficaria muito rico. Mas tinha

que guardar a “Mãe do Ouro” em um local bem seguro, e somente

um baú feito de madeira de lei, provindo da árvore de aroeira, seria

capaz de guardá-la.

(Conto popular brasileiro, contada pela Manoela Ponciana Jesuino,

“Dona Manô”, Campinas-SP, em 2014).

A aroeira, por ser de madeira de lei com alta resistência, é capaz de guardar a

“Mãe do Ouro”. O homem e as árvores se encontram até nos mitos.

Por último, o ciclo do café nos séculos XVIII e XIX. O café e seus derivados

seriam os principais produtos.

As plantações de café trouxeram amplo desenvolvimento em diversos prismas,

principalmente na urbanização das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Estimulou

a construção de estradas de ferro, gerou capital que impulsionou a economia e a

industrialização do Brasil.

Para apanhar café, utilizou-se muita mão de obra: a princípio, os negros

escravizados; depois, os novos camponeses que migraram para o Brasil vindo em busca

de oportunidade na vida.

Alguns contos nasceram com as safras de café no Brasil. Trago um destes, sendo

uma supertição popular.

“Café Felippe”, a semente do amor

As colheitas de café eram realizadas por grupos de pessoas que

trabalhavam nas lavouras. Alguns grupos eram constituídos de

famílias; outros, de amigos. Normalmente, os grupos eram de

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pessoas empreiteiras que recebiam pelo café que apanhavam.

Naquele tempo se trabalhava de sol a sol, e, sendo assim, os

apanhadores de café, colhiam enquanto estivesse com luz.

No decorrer do trabalho, se alguém encontrasse uma semente de

café rara, café com sementes grudadas, “Café Felippe” (nome

popular), representaria sorte para as pessoas que ali estavam

trabalhando. Para os homens e mulheres, solteiros, significava que

iriam arrumar namoradas e namorados. Nesse ambiente de trabalho

as sementes gêmeas de café eram ponte para aproximar os

românticos supersticiosos.

(Conto de conhecimento popular, contada pela Manoela Ponciana

Jesuina, “Dona Manô”,Campinas-SP, em 2014).

O pé de café é uma árvore de frutos que os homens utilizam para produzir o café

que é consumido, servindo de estímulo e fonte de energia.

Naquela época também se desenvolvia a pecuária, que, até então, era para suprir

as necessidades básicas: meio de transporte, leite comunitário e fornecimento de carne.

Com o aumento da população foram utilizadas tanto maiores áreas de terrenos para a

pastagem de rebanhos, quanto mão de obra para cuidar dos gados.

Um pastoreio utilizou um tambor para dar ordem aos rebanhos, nascendo o

Samba de Bumbo. Em vez do pastor utilizar a voz, ele batia o tambor e, conforme o toque

produzido do tambor, o gado ia para o curral, ia pastar, ia tomar água, etc.

O Samba de Bumbo, possui um saber e característica próprios; é profano, é

religioso, é opção de lazer, mas também é uma resistência da comunidade africana.

É uma dança de cultura popular afro-brasileira, oriunda das fazendas de São

Paulo e Sul de Minas Gerais, em que, no geral, as músicas são classificadas como

pontos. Estes, além de demonstrarem o ritual, carregam versos em forma de diálogos

travados entre o cantador e as mulheres cantadoras, que respondem em coral.

Essa manifestação popular e folclórica, juntamente com o Samba-Lenço, ambas,

dão essa conotação bem caipira, e a música presente nesse segmento representa uma

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metáfora. Tanto o Samba-Lenço como o Samba de Bumbo são metáforas, porque as

letras que são expostas nas cantorias representam uma coisa bem simples, mas, por

detrás dela, estão dizendo outra coisa bem mais profunda e complexa.

Música de Samba de Bumbo

Era vinte cinco focinho de porco que veio comer o carneiro,

Cada um comeu um pedaço, levantou o carneiro inteiro.

(Música de domínio popular da cultura brasileira)

Conto:

Desejo popular para distribuição de terras

Existiu um fazendeiro rico, na região de São Paulo, que resolveu

doar, dar suas terras para seus vinte e cinco filhos. Enquanto o pai,

dentro de uma escala decrescente de idade, ia repassando para os

filhos a herança, o caçula chegava para o irmão mais velho e

negociava.

Dessa maneira, foi adquirindo as terras dos irmãos!

Quando o pai terminou de passar todas as suas terras para os seus

filhos, já estava na mão do caçula toda a terra.

Esse ponto traz a discussão da Reforma Agrária, em que a

preocupação da terra continua sempre na mesma família e nunca é

distribuída para os outros.

Diziam através de uma metáfora. Essa é uma lógica...

(Conhecimento de História Oral, feito por Alceu José Estevam,

Mestre Alceu, Campinas-SP, em 2013)

O Samba de Bumbo é realizado por homem e mulheres. Nessa dança há um

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dialogo entre o bumbo e as mulheres, onde o bumbo faz as perguntas e as mulheres

respondem e indagam seus anseios.

Mais uma vez, a árvore fornece a madeira para fazer a caixa de ressonância. O

bumbo, instrumento de origem afro-brasileira, é construído artesanalmente com madeira e

couro. Quando é tocado transforma o ambiente, trazendo luz, magia, brilho e festa, tudo

isso na dança, no canto, nas expressões do saber popular.

Os movimentos sociais da cultura africana, foram perseguidos em todo o Brasil e

os negros, para resistir à opressão, realizaram inúmeras estratégias para manter vivos

esses movimentos.

Trago a passagem de uma história que representa a maneira de resistência popular

afro-brasileira:

Mulher de onze meses

Em uma das fazendas de café do Estado de São Paulo, existia a festividade que os negros faziam aos finais de semana. Famílias se reuniam e dançavam e cantavam o Samba de Bumbo. A perseguição, naquela época, aos movimentos sociais e culturais que os negros realizavam, era apoiada pela sociedade branca, principalmente, os fazendeiros. Certa ocasião, os fazendeiros e a força policial armaram uma emboscada para destruir o tambor e acabar com as batucadas dos pretos batuqueiros, e pôr término no Samba de Bumbo. Sendo assim, convidaram para fazer uma apresentação em um vilarejo da fazenda vizinha. Na volta, os perseguidores iriam simular uma situação de briga e, no meio da confusão, destruir o bumbo. As pessoas, não percebendo o mal, que estava para acontecer, foram e fizeram a apresentação, festejaram. E quando estavam se preparando para ir embora, alguém da comunidade, que assistiu e viu a beleza, a magia e a alegria da dança, alertou sobre a conspiração. Para proteger o tambor, um homem se vestiu de mulher e colocou o tambor na frente, parecendo uma mulher que estivesse grávida. Na volta, os grupos foram divididos: primeiro, foi o grupo das mulheres e crianças; em seguida, o grupo dos homens. Os feitores que estavam na espreita não atacaram o primeiro grupo, pois só havia mulheres e crianças, e uma mulher negra, muito grande e gorda, “grávida de onze meses”. Assim que se aproximaram os homens, eles investiram com o intuito de encontrar o tambor e o destruir. Mas não o encontraram. Deixaram os negros seguir viagem e continuaram ali, na espreita. No dia seguinte, os grupos de opressores perceberam que não tiveram êxito na maldade, ficando sem uma explicação de como o bumbo conseguiu passar por eles sem que percebessem.

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E bastante curiosos para saber como os negros conseguiram se esquivar e não deixar que destruísse o tambor! Até hoje, eles se perguntam... Mas os negros, que de burros não tinham nada, sabiam que a mulher de onze meses era quem carregava alegria, saúde, vida, cultura e axé das festividades de Samba de Bumbo. (Conto de saber popular da cultura afro-brasileira)

Esse e muitos outros exemplos de saberes populares fizeram com que os

movimentos de cultura africana permanecessem vivos e dando vida e sabedoria cultural

às pessoas até hoje.

A vida

A vida, em toda sua beleza,

É grandiosa em simplicidade,

Pois lá aparece a sabedoria;

Está lá o grande segredo

De como se vive.

Um dos grandes desafios da humanidade é conseguir vencer as adversidades da

vida, construindo a sabedoria e cultivando a alegria.

O serviço braçal era a principal mão de obra, utilizado para realizar tarefa tanto nas

roças quanto nas vilas e cidades.

Muitos escravos afro-brasileiros trabalhavam em lavouras, tanto nas de cana-de-

açúcar, quanto nas plantações de café, e em outras, como a lavoura de laranja.

A colheita da laranja, no princípio, ocorreu utilizando a mão de obra dos escravos,

que, aos poucos, foram sendo mesclados aos povos europeus que migravam da Europa

para ter uma oportunidade de vida no Brasil.

Manifestação popular cultural, criada e desenvolvida pelo tralho escravizado no

Brasil, com riquíssimos movimentos de arte e musicalidade além da expressão corporal, é

o Samba Lenço.

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O Samba-Lenço é uma manifestação cultural popular, que nasceu

fruto do trabalho escravo. No momento em que os lavradores iam

colhendo manualmente a laranja, eles iam cantando e dançando.

Os passos do Samba-Lenço remetem à representação da colheita

da laranja.

(saber popular da cultura afro-brasileira)

Música de Samba-Lenço:

Apanhar laranja

Fui apanhar laranja, laranja caiu.

Eu olhei para cima, morena sábia sumiu,

Ora, uê! Uê, Uá!

Pinica a lima, prá laranja madurá!

(Música de domínio público)

Observamos a tristeza do povo negro, em que a convivência com as frustrações

são constantes. Vemos a demonstração da dificuldade que o negro possuía de adquirir

bens materiais no Brasil, não conseguindo alcançar e, muito menos, comprar algo para

sua melhoria individual e social. Também se apresenta o saber popular, passado de

geração em geração através de dicas de como amadurecer mais rapidamente uma fruta.

Essa expressão artística possui apenas um tambor, carregado por um mestre

cantador que dialoga com as mulheres que o cercam, dançando e cantando.

O tambor é feito de madeira e couro, e ao ser tocado por um mestre de

conhecimento cultural, transmite mensagens.

A madeira e o homem se comunicam de inúmeras formas e maneiras. A arte da

comunicação é uma das mais valiosas formas de expressão da humanidade, que durante

milhares de anos se utilizou e se utiliza dos sinais sonoros e vocais para se expressar.

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O Brasil é um país com uma enorme extensão territorial. Para se fazer o

povoamento nas terras brasileiras foram utilizados os bandeirantes. Estes, além de

fazerem o reconhecimento das terras, observavam e avaliavam os lugares que possuíam

riquezas naturais e condições favoráveis para cultivo.

Juntamente com as expedições dos bandeirantes iam os jesuítas, que buscavam

converter os silvícolas brasileiros à religião dos dominantes.

Conto:

Limeira, cidade da fruta “milagrosa”

Diz a tradição que os bandeirantes pelo Brasil afora costumavam realizar algumas paradas. Uma dessas, era num pouso situado a 27 léguas de São Paulo, às margens do ribeirão Tatuhiby (denominação dada pelos silvícolas, que, em tupi-guarani, significa tatu-pequeno). Essa região ficará depois conhecida, nos roteiros dos bandeirantes, como Sertões do Tatuhiby, e o pequeno pouso chamava-se Rancho do Morro Azul, pela sua proximidade de uma elevação que, à distância, tinha matizes azulados. A origem de Limeira, cidade do interior paulista, tem seu nome diretamente ligado a um acontecimento lendário e consagrado, que todos os relatos invariavelmente situam no ano de 1781, e que passamos a narrar. Diz a lenda popular que uma caravana que se dirigia aos sertões de Araraquara acampou na margem do Ribeirão Tatu, na baixada onde deságua o Córrego da Bexiga. Dela fazia parte um franciscano, Frei João das Mercês, que ia em missão religiosa de evangelizar os índios brasileiros. Esse padre carregava laranjas de várias qualidades e distribuía para as pessoas que encontrava nos vilarejos, e semeava a cultura de que aquela fruta era muito especial, sendo capaz de trazer fonte de energia, saúde e vitalidade. Dessa maneira, Frei João, sempre com seu patuá, carregava laranjas “milagrosas”. Contam que durante a noite sentiu-se mal, e algumas pessoas falavam que era por causa de tanto comer limas, e que uma dessas tinha sido envenenada. Ao ingeri-la, adoeceu e morreu. E, conta a lenda, ali mesmo foi sepultado. Ao lado de uma cruz improvisada foi enterrada também a sacola com as limas restantes, que ninguém se atreveu a comer. Teria brotado dalí uma dadivosa limeira, nascida das limas do desafortunado frade. Os viajantes continuaram a pousar nesse recanto, que passou a ser o Rancho da Limeira e, hoje, cidade de Limeira. (Conto de saber popular)

Limeira foi fundada em 1826, tendo como referência a fertilidade de suas terras

próprias para plantação e cultivo de laranjas, com muitos negros escravos trabalhando

nas lavouras.

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Quantas sementes tem uma laranja?

Quer descobrir Quantas sementes têm uma laranja? Parte a ou retire sua casca, Espreme o gomo, que você vai saber. Não deixe a laranja te iludir com seu gostoso aroma, Nem te ganhar com o mel de seu sumo saboroso. Nem te enfeitiçar com a beleza de sua cor, cheiro e sabor, É capaz de apaixonar homens e mulheres, De despertar o sorriso da criança, E, assim, tudo na vida esquecer.

Quem é capaz de descobrir Quantas sementes têm a laranja?

(Música de domínio popular)

O Samba-Lenço é uma dança de conhecimento cultural afro-brasileiro, tendo

nascido em uma das cidades do interior de São Paulo que cultivava laranjas. Os negros,

ao irem colher laranjas, cantavam e dançavam.

Outro conto de trabalho popular é a expressão cultural Coco.

As atividades no campo, ainda ao final da colonização, eram feitas em turma, onde se juntava um grupo de pessoas para realizar uma tarefa. Um exemplo prático daquela época era a construção de casa de sapé, feita com capim sapé, barro de argila, folha de buriti, palha de coqueiro, pedaços de madeira e cipó. Essa casa é proveniente do saber africano e indígena brasileiro. Os negros, quando estavam amassando barro para levantar as paredes da casa de sapé, nesse momento do trabalho eles, sem querer, começaram a pisar ritmado e assim produziram um som e uma dança com as pisadas que faziam. Ao mesmo tempo em que pisavam, também batiam palmas e cantavam. Nascia assim o Coco, dança caipira popular brasileira.

(Conto de conhecimento popular afro-brasileiro contado por Alceu

José Estevam, Mestre Alceu, Campinas-SP. 2013 ).

Música:

Agora que eu cheguei, agora ’bora vadiar,

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Minha gente, anima o Coco, não deixa o Coco acabar.

(Música de Coco, de domínio público).

O negro, o índio, e todos os outros povos oprimidos no Brasil foram e são criadores

da felicidade.

Foram em momento de dor, de luta, de trabalho, de perseguição, que os homens

oprimidos, os marginalizados, utilizaram de sua criatividade para atenuar o sofrimento.

Desta forma desenvolveram o nosso saber cultural.

Os movimentos culturais afro-brasileiros, para resistir às perseguições,

conseguiram esconder seus saberes em lugares afastados da cidade.

Outro movimento de subcultura afro-brasileiro de resistência é o Jongo. O Jongo

é uma dança de origem africana, criada e realizada nos quilombos brasileiros. Essa dança

é encontrada, hoje, nos quilombos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

Dela participam mulheres e homens. As cantigas do Jongo possuem papel

importante para apresentação e contribuem para a comunicação nos momentos e

passagens das cerimônias.

Cada passagem no Jongo representa um ponto. Existe uma infinidade de pontos

de Jongo, e os pontos são representados por cantigas que demonstram os momentos

exatos dos rituais em que a roda de dançarinos se encontra.

A musicalidade dessa expressão cultural é feita pelos toques dos tambores,

palmas e cânticos em rodas. Os dançarinos são reconhecidos como jongueiros. As

danças são realizadas em rodas. No momento da dança, entram ao centro da roda de

Jongo, pares ou casais, sempre um homem e uma mulher. Essa dança possui um

gingado no corpo, e os jongueiros cantam, se comunicam e dançam dando voltas.

No Jongo cantam-se ladainhas, também apresentadas no início da roda para

agradecer o momento, homenagear os grandes mestres que morreram e as pessoas

presentes, além de Deus e dos orixás, estas, divindades do culto afro-brasileiro,

agradecendo pela oportunidade de praticar os saberes do Jongo.

Exemplo de música de Jongo, cantada em rodas:

Oh! Cheiro do mar. Mar tá tão longe daqui.

Oh! Cheiro do mar. Mar tá tão longe daqui.

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(Música de domínio público, cantando pelo Grupo de Jongo Dito Ribeiro)

Sente-se a saudade da terra natal dos negros que foram capturados na África. O

mar representa a lembrança das pessoas antes de serem capturadas e desterradas para

o Brasil.

Cantam-se também quadras, que são utilizadas para apresentar os participantes,

homenagear os tambores e as divindades, e os lugares onde estão sendo realizadas as

apresentações. Também no Jongo há provocações, mas estas são feitas pelos

cantadores jongueiros, que improvisam rimas no intuito de provocar outros cantadores.

Esse é o desafio: é um jogo de conhecimento, improvisação e sabedoria.

As músicas de Jongo são realizadas com jogos de perguntas e respostas, sendo

que as perguntas são idealizadas pelos cantadores e as respostas são respondidas em

coral pelas demais pessoas que participam da roda.

Exemplo de música de jongo, respondida em coral:

Quando eu cheguei aqui, nem sei, Eu caí em uma roda de Jongo. Vovô Dito sabia de tudo, Vovô Dito mandou me buscar!

(Música do Quilombo Dito Ribeiro, Campinas-SP)

Vemos a importância de praticar a cultura popular. Os negros, nos seus refúgios

localizados nos quilombos, criavam um novo ambiente onde não eram oprimidos. Dessa

forma, eram livres e, usando a imaginação, conseguiam até resgatar suas origens e a

identidade de seus ancestrais.

No momento das festividades eles apresentam sua liberdade e demonstram a

cultura.

Os tambores do Jongo “tambu” são feitos de madeira, e tocados nas rodas de

Jongo, trazendo vida, alegria e festa, além de assegurar a história e a cultura do povo

afro-brasileiro.

As árvores fornecem madeira, e os homens as utilizam para contar sua história e

desenvolver sua cultura.

Um dos movimentos de subculturas existentes no Brasil, que carrega a

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musicalidade, a história e a luta da resistência do negro contra a escravidão, é sem

dúvida, a capoeira. Desenvolvida e praticada pelos negros, foi criada nas senzalas e

quilombos, e utilizada como defesa pessoal para proteger os negros escravos. ABIB

(2006), ao se referir à capoeira, afirma que:

A capoeira, constituída por elementos lúdicos e agressivos, dança e batalha, vida

e morte, medo e alegria, de sagacidade, música, brincadeira, ancestralidade e

ritualidade, caracteriza-se como uma manifestação cultural difícil de ser definida

num único conceito. (ABIB, 2006, p.63).

A capoeira é considerada como um jogo, uma arte, uma luta disfarçada de dança,

onde os capoeiristas, no momento da prática, se atacam e se defendem uns dos outros.

Berimbau Celeste

Oxalá, grande pai eterno, criador do universo, céu e a terra. Um dia

estava ele, em passeio pela galáxia, seguindo as rotas das estrelas

e, ao viajar pelas diversas constelações e planetas, parou em uma

pequena lua localizada no meio da imensidão do cosmo.

Esse pequeno astro inabitável tinha um brilho natural que provinda

de suas pedras preciosas, possuindo uma beleza imensurável.

Ali, naquele ambiente agradável, cheio de preciosidade resolveu

contemplar o universo. Ficou abismado e feliz com o que via.

Naquele paraíso celeste, resolveu criar um instrumento que

contemplasse e simbolizasse tudo o que via e sentia.

Queria sim, representar o universo através do som, criar um

instrumento que possuísse um som encantador.

Oxalá descansou e deixou que os próprios astros do universo

apresentassem o instrumento para ele.

Todos os planetas e estrelas queria trazer algo para agradar seu

criador. O pai, percebendo que diante dele havia milhares de

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criações apresentadas pelos astros, pegou a essência de cada uma

e criou o instrumento que representa a beleza do som do universo.

Iniciou com o anel de Saturno, amarrou as extremidades com o rabo

do cometa Halley, e juntou a representação da lua em quarto

crescente. Pronto... Criou o berimbau celeste, que representa o som

dos astros.

Um guardião dos conhecimentos divinos, em seu momento de

espiritualidade, quando estava realizando uma oração, ouviu o som

do instrumento e maravilhou-se. Olhou para o céu e notou que,

naquela noite, as estrelas estavam com todo esplendor e brilho.

Naquele exato momento, o guardião dos conhecimentos divinos,

teve uma maravilhosa visão. Contemplou, no céu, a imagem do

berimbau formada pelas estrelas.

Na manhã seguinte, para representar sua visão, foi na mata e

apanhou madeira de biriba, boa e resistente para verga, amarrou as

extremidades e envergou com arame e, para finalizar, colocou a

cabaça para ser uma caixa de ressonância.

Nascia assim a criação do berimbau, que, ao ser tocado, reproduz o

brilho e o som das estrelas.

(Conto mitológico popular da cultura afro-brasileira)

Berimbau, instrumento afro-brasileiro que, ao ser tocado, dá ritmo e vida para os

capoeiristas praticarem sua arte.

Uma das estratégias dos capoeiristas para desmistificar a capoeira como luta foi introduzir

a musicalidade na capoeira.

A capoeira é a alegria e também a dor dos poetas e compositores capoeiristas, que, ao

recordarem o passado, demonstram seus sentimentos, amor, devoção e sonhos.

Sou capoeira

Sou capoeira, olha sei que sou, Eu vim aqui, foi para vadiar,

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Faço bonito, só porque tenho talento, E solto meus movimentos com a voz do coração.

A música na capoeira é uma causa nobre, a ânsia de liberdade onde se expressam todas

as dores e alegrias dos capoeiristas.

As músicas e ladainhas presentes no universo da capoeira são também elementos

importantíssimos no processo de transmissão de saberes, pois através delas se

cultuam os antepassados, seus feitos heroicos, seus exemplos de conduta, fatos

históricos e lugares importantes para o imaginário dos capoeiras, o passado de

dor e sofrimento dos tempos de escravidão, as estratégias e as astúcias presentes

nestes universos, assim como também as mensagens cifradas, que exigem uma

certa “iniciação” para poderem ser compreendidas. (ABIB, 2012, p.68).

Os poetas praticantes de capoeira utilizam como inspiração a sua imaginação, e criam

músicas dando significados históricos aos seus sentimentos.

Lá no céu irei jogar capoeira

Quando eu partir, quando eu partir,

Sei que muitos vão chorar,

Vão sentir a minha falta, só porque gostam de mim.

Eu vou estar muito feliz,

Vou jogar a capoeira, viajar entre as estrelas, irei conhecer outras

dimensões,

E lá no céu

Reunirei todas as estrelas, chamarei os grandes mestres que a terra

já conheceu,

E ao som do berimbau

Capoeira irei jogar, em homenagem ao meu Deus.

Iê... Viva meu Deus, camará,

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Iê... viva meu mestre,

Iê... quem me ensinou,

A Capoeira.

(Ladainha de capoeira)

O berimbau é um instrumento percussivo afro-brasileiro, feito por verga de biriba,

cabaça e arame. Nele se utiliza uma baqueta e uma pequena pedra para se tocar.

A árvore fornece madeira para fazer berimbau e assim os capoeiristas conseguem

praticar sua cultura e arte.

O processo de colonização no Brasil teve inúmeros movimentos de resistências,

alguns que levaram ao conflito direto entre o opressor e os oprimidos, e outros em que os

oprimidos criavam situações para obter a liberdade.

A participação histórica da Palmeira-Real na vida dos escravos.

A Palmeira-Real, também conhecida como Palmeira-Imperial, é uma planta vista

popularmente como coqueiro, É uma planta característica da América Tropical. É alta,

graciosa, com o seu tronco ligeiramente afunilado e embarrigado na sua base; lembra

uma imensa coluna de concreto, rumo ao céu, com uma vasta coroa de folhas que

parecem penas em cima do tronco. Ela, a Palmeira-Real ou Imperial, chega a atingir 50m

(Cinqüenta Metros) de altura.

É originária das Antilhas e da América Central, tendo sido introduzida no Brasil em 1.809 e

a primeira espécie dessa Palmeira, foi plantada por Dom João VI no “Real Horto”,

atualmente “Jardim Botânico” do Rio de Janeiro.

Desta espécie, originam-se todas as outras palmeiras que ornamentam as ruas, praças e

parques da cidade do Rio de Janeiro e outras cidades do nosso país.

Planta sagrada

Quando, na época, da colonização do Brasil por Portugal, houve o início do grande e abominável período da escravidão, dos negros da África e também os índios e os bugres do próprio Brasil. Falavam que os escravos eram arredios, que às vezes, tinham comportamento que, do ponto de vista dos colonizadores, mereciam castigos e represálias severas. Era sim, a maldição do homem branco, sobre o homem negro, era o desejo, a ganância de uma

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prosperação as custas de uns menos favorecidos, de uns menos propiciados, pela sociedade hipócrita, da época. Quando da colonização do Brasil por Portugal, foram plantadas as Palmeiras-Reais e o Rei Dom João VI queria ter a exclusividade desta espécie de planta e mandava para que os seus “fiéis feitores”, colhessem as sementes das plantas e as queimassem para que não houvesse mais espécie, tendo o objetivo de possuir domínio único da planta. Passou o tempo... e, os escravos, que para burros tinham nenhuma vocação, começaram, nas madrugadas, a trepar nas palmeiras-Reais-Imperiais e colher os seus frutos-sementes e armazená-los para que com o dinheiro arrecadado comprassem as suas “Cartas de Alforria” ou seja, as suas “Carta de Libertação do Subjugo”. Conta-se que muitos e muitos dos escravizados conseguiram suas “Cartas de Alforria” com a venda dos frutos-sementes das Palmeiras-Reais-Imperiais e que graças a elas passaram a viver fora do regime da escravização. Por isso, para eles, os escravizados da época, esta é uma planta-sagrada que teve uma participação histórica positiva em suas vidas.

Saber popular brasileiro contado por Ademir Pavani Fernando, Campinas-SP, em 2001.

O homem ser inteligente e criativo, utilizou Palmeira-Real, uma espécie de árvore, está

apresentou simbolismo sócio econômico do Brasil no período colonial, neste tempo havia

o domínio dos opressores que ostentavam o poder através da exploração humana, era a

maldição do homem branco sobre o homem negro, era o desejo, a ganância de uma

prosperação às custas de uns menos favorecidos.

Os homens explorados, para se livrar dessa situação desumana, utilizou a ganância do

inimigo e proporcionou um novo destino.

A batalha da vida

Não esperamos um paraíso, em terra ou no céu, Somos provocados a todo instante, Incitados a encarar os fatos, Desafiar o destino que nos fora forjado, Esta é a grande batalha, Desafiar e vencer as adversidades da vida, Para fim de obter a liberdade.

A sabedoria dos negros mesmo em uma condição adversas soube utiliza-la e assim

adquirir a liberdade.

Desafios

A cada dia que ressurge

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Uma semente de esperança nasce, Se semearmos em terras férteis, Criaremos possibilidades, De ter futuramente uma floresta, Cheia de vida, oportunidades e liberdade.

A colonização no Brasil trouxe um quadro irreversível de atraso, em que negros e

índios foram oprimidos, e somente em 13 de maio de 1888 ocorreu o fim da escravidão,

com a sanção da lei Áurea; assim, os negros e seus descendentes obtiveram a liberdade.

Após o processo de colonização do Brasil, os povos que foram escravizados

passaram então a integrar as classes sociais dos pobres e miseráveis, que por várias

gerações buscaram, e ainda buscam, sair de sua situação de pobreza e exclusão.

Herança do colonizador.

Ai “Sinhora” Princesinha Isabel.

Essa foi demais,

Mentiu que deu a liberdade,

Pra corrente não volto jamais.

Após a escravidão no Brasil, os negros e seus descendentes que serviram por

três séculos foram abandonados. Muitos já fragilizados pela exploração morriam, outros

saiam e se abrigavam no refúgio da mãe natureza e ali buscavam sobreviver.

Este novo período desse povo trouxe inspiração às criações de vários

movimentos culturais. Muitos se perderam, mas alguns permaneceram dentro de outras

manifestações de saberes da cultura africana.

Um dos locais onde os negros buscavam se refugiar foi nas regiões litorâneas. Ali,

buscavam sustento (pesca marítima) nas águas das praias do Brasil.

Vilas se formaram por pescadores que trabalhavam em comunidade. Desse

ambiente todas as pessoas participavam, tanto os homens quanto as mulheres.

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Para realizar a pesca, os homens avançavam mar adentro e as mulheres ficavam

à beira da praia.

Com suas jangadas, os pescadores iam pescar o peixe xaréu; e, para se

comunicar, cantavam. As mulheres, na margem, respondiam.

Para além das profundezas do mar

De acordo com a cultura e a religião afro-brasileira, habita no mar

uma deusa, que é a rainha do mar, chamada Iemanjá. Esta, ao sair

para namorar, se acaso encontrasse um pescador arrastava-o para

as profundezas do mar, a fim de coabitar com ela. Os homens

pescadores, para vencer o medo desse mal, se comunicavam com o

canto. O canto, no momento da pescaria, demonstra, pela voz, a

presença do companheiro de trabalho. As mulheres, às margens,

cantam, clamando para que nada ocorra com seus maridos.

(Conto de conhecimento popular afro-brasileiro contado por Cícero

Gabriel Pinto, Mestre Cícero, Campinas SP. 2004 ).

As supertições, contos e mitos são representados de inúmeras formas. Cada

conhecedor da cultura popular expressa os conhecimentos e assegura os saberes

culturais. Um exemplo de manifestação de expressão realizado pelo povo é o lamento:

Filho de Iemanjá

Pescador, o que trouxe para ela?

Iemanjá, que namorou.

A jangada voltou sozinha,

E os olhos da morena marejou.

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Chorou, chorou de fazer dó,

Quando a jangada voltou só.

Sou pescador, moro na beira do mar.

Também sou filho de Iemanjá.

Iê, nanaê, lê, nagôo,

Iê, nanaê, aê, iê, puxa.

(Música de puxada de rede, domínio público, saber cultural afro-

brasileiro)

A pesca litorânea brasileira, com a participação dos saberes religiosos,

mitológicos e culturais, culminou em uma manifestação folclórica chamada Puxada de

Rede do Xaréu:

No mar

No mar, no mar, no mar,

No mar eu vim pescar.

No mar, no mar, no mar, oh mãe sereia,

Ela é sereia.

(Cantiga de Puxada de Rede, domínio público)

A jangada é uma embarcação rústica, feita com madeira e corda, que serve de

meio de transporte e de ferramenta de trabalho para os pescadores.

A árvore fornece madeira para a construção da jangada e, assim, o homem pode

ir ao mar e retirar seu sustento. A manifestação que assegura a dança Puxada de Rede

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do Xaréu é a capoeira. Os capoeiristas costumam apresentar esse fato social e cultural

em suas festas.

Outros negros, libertos, foram para as matas. Dessa forma, investiram nas

florestas brasileiras, vivendo por meio da caça e do plantio e colheita de frutos.

Para adentrar na mata, alguns negros, supersticiosos e religiosos, pediam

permissão aos espíritos que habitam nesse ambiente. Estes atendiam seus pedidos,

evitando que algum acidente ocorresse com eles, que um animal os devorassem ou um

bicho peçonhento lhes picasse, causando a morte. Também pediam para ter a inteligência

e a astúcia do maior caçador do culto da divindade afro-brasileira, Oxóssi.

Missão das divindades

Era uma vez, uma tribo constituída de crianças e mulheres, pois estas possuíam

sensibilidade e inteligência capacitando viver e conviver em paz e em harmonia.

Alguns homens guerreiros de uma tribo inimiga resolveram atacar essa tribo, mas

não conseguiram invadir, pois essa tribo possuía um escudo mágico que a

protegia.

Sendo assim, eles aguardaram ao derredor da tribo, cercando para que ninguém

pudesse entrar nem sair. Dessa forma, e de acordo com os pensamentos da tribo

inimiga, o tempo iria passar, e a fome e o desespero iriam fragilizá-los e, assim, se

entregariam.

O inimigo, com seu plano infalível, ficou aguardando do lado de fora para capturar

quem fosse sair para buscar algum alimento.

O tempo foi passando, passaram-se dias, semanas, meses e anos, e nada do

pessoal da tribo que estava sitiada sair.

Após anos de espera foram embora, não conseguindo invadir a tribo de crianças e

de mulheres. Os inimigos não entendiam como eles estavam conseguindo

sobreviver.

Os inimigos não sabiam que aquela tribo era devota de Oxóssi, guerreiro caçador.

Este, com toda a sua astúcia e capacidade de realizar algo impossível, provinha à

tribo sitiada o alimento, suprindo assim as necessidades.

Oxóssi todos os dias ia caçar e, passando pelos inimigos sem que eles

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percebessem, trazia alimento e água para as mulheres e crianças.

Utiliza, Oxóssi, lança e escudo. Até hoje os conhecedores da cultura e da religião

africanas o homenageiam.

Esse grande guerreiro caçador é referência de amigo e protetor, que cuida das

crianças e das mulheres.

(Conto de conhecimento popular afro-brasileiro contado por Cilene

Meira, de Hortolândia-SP, em 2013 ).

Oxóssi, símbolo de guerreiro caçador, mestre em caça que, ao caçar, faz uso de

sua lança e escudo.

Os conhecedores e acolhedores da cultura africana professam sua fé neste

grande guerreiro que habita nas matas e florestas.

Os elementos provindos das árvores se encontram até nos contos mitológicos

culturais e religiosos africanos.

A história da colonização brasileira é triste. Os negros escravos, ao serem

castigados, eram levados ao tronco; e depois de libertos, foram morar em casas de

madeira chamadas de barracos, que, juntados, formavam favelas.

A madeira fez parte das condições sociais do povo brasileiro, principalmente dos

negros que foram escravizados, que, mesmo após a libertação, utilizaram a madeira

como matéria-prima para construir abrigos.

Desfloração

Uma criança, em seu tempo precioso,

Observa despretensiosamente as flores desprenderem do ipê.

Muitas flores possuem viagem curtas,

E formam um tapete florido de folhagens ao redor da árvore.

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Outras, porém, são carregadas pelo vento,

Rodopiam, planam, desafiam o ar,

Perdem-se no campo;

Mas são contempladas, amparadas em plena liberdade

Pelos olhos atentos

E pelo sorriso da criança.

O homem sempre teve vontade e curiosidade de voar. O voo, pela sua simbologia e

representatividade de liberdade, inspira a criação, representa a sensação de superar os

obstáculos terrestres, podendo levar à felicidade.

O aeronauta brasileiro, o mineiro Alberto Santos Dumont (*20/06/1873 +23/07/1932),

construiu o primeiro avião que desafiou o ar. Este era feito de madeira e utilizou motor. Foi

um grande feito do século XX:

Presságio do aeronauta brasileiro Santos Dumont, contornando em 1901 a torre

Eiffel, o ícone internacional do progresso técnico e científico, com um balão

dirigível; em 1917 levantando voo com o 14 Bis e inaugurando a era da máquinas

voadoras, com o patrocínio do governo do Brasil. (NOVAIS, 1998, p.35).

A árvore segue contribuindo com a humanidade, dando possibilidade de o homem

continuar sonhando e colocando em prática esses sonhos, criando e reinventando

sempre.

A árvore contribui também para a criação humana fornecendo matéria-prima de

celulose, do qual é feito o papel, e possibilitando registrar os feitos, as histórias, os contos

e as maravilhas do mundo.

Com o papel o homem simboliza a arte, a escrita, a fé, as múltiplas ciências, as

histórias, os projetos, os sonhos, enfim, toda sua cultura.

Papel

Debaixo de uma copa de baobá,

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Um homem se debruça

Folheando uma folha de livro,

Livro feito de celulose.

O homem, para o seu crescimento cultural, utiliza-se de livros cuja fonte de matéria-

prima é proveniente da celulose retirada das árvores, livros estes que são feitos passando

por um processo industrial.

Sempre, na história da humanidade, os seres humanos buscaram dominar outros

semelhantes: tribos guerreiam contra outras tribos, reinos e povos buscam dominar e

oprimirem-se uns aos outros, e nações procuram expor seu poderio sobre as demais.

Instrumentos de combate, espadas, armas de fogo e armas químicas, além das

engenharias, tecnologias, ciências; tudo foi e é utilizado para esse fim.

Atualmente, mesmo com todas essas atividades de poder, os homens demonstram

seu domínio sobre os seus semelhantes através da conquista pelo poder monetário.

O dinheiro é o símbolo que o representa. As notas podem ser feitas de papel,

retirado da celulose provida das árvores.

Dinheiro

Símbolo e representação de poder aquisitivo dos homens.

Para a sua elaboração

São retiradas vidas de árvores.

Para a sua aquisição

Os homens exploram, oprimem, poluem, destroem... e se matam.

Dinheiro,

Símbolo de vida e de morte.

Portanto, o homem utiliza-se desse riquíssimo vegetal, confeccionando infinidades

de notas de valores. Algumas dessas criações representam a ação do homem perante

seus semelhantes e o universo em que vive, podendo daí resultar vida ou morte.

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Uma moeda para poucos

Real,

Moeda brasileira.

A maioria está nas mãos de poucos brasileiros.

A minoria circula e transita

Na massa populacional dos humildes trabalhadores.

Real,

Uma moeda para poucos.

Ainda na contemporaneidade, após séculos de existência, o Brasil carrega

resquícios da colonização de exploração. Os descendentes dos povos oprimidos, para

sobreviver, trabalham arduamente para adquirir o mínimo de moeda de troca, e os

dominadores os exploram fornecendo-lhes salários que não são capazes de trazer

transformação social.

O nível de desigualdade social no Brasil é enorme, a pobreza faz com que se

acentuem as diferenças de padrão e de perspectivas de vida. No entanto, mantivemos a

prática da cultura de exploração no Brasil, e utilizamos o capital como justificativa.

Citando uma reflexão de SANTOS (1983), em seu livro “O Que É Cultura”, este

justifica a ação dos colonizadores, e afirma que as primeiras das concepções dos

escravos sobre liberdade traziam preocupação quanto aos aspectos de uma realidade

social.

Dessa forma, os povos oprimidos, que tiveram sua identidade prejudicada pela

escravidão, criaram expressões capazes de simbolizar suas lutas e anseios e, utilizando

seus conhecimentos trazidos da África, recriaram outras expressões novas no Brasil,

traduzidas em arte e cultura popular. Assim, cultura diz respeito a tudo aquilo que

caracteriza a exigência social de um povo ou nação, ou, então, de grupos no interior de

uma sociedade.

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Ser social

O homem e a sociedade,

Estão intimamente ligados.

Sem uma parte não existe a outra.

Sem as exigências dos homens

Não há cultura e valor social.

O homem é um ser frágil, e para sua sobrevivência vive em sociedade. Existem

múltiplos modelos sociais, com maior ou menor número de pessoas, com maior ou menor

desenvolvimento tecnológico.

Nas florestas e matas tropicais existem as seringueiras, árvores de porte grande de

cuja seiva se extrai a borracha natural. O homem a utiliza em inúmeros lugares; dessa

forma, a seiva da seringueira fornece matéria-prima para as indústrias.

Seringueira

Aqueles homens

Com facas nas mãos

Machucam as seringueiras,

Fazendo escorrer de seus troncos

Látex natural,

Sangue e vida.

A árvore e o homem são representações da mãe natureza. O homem, sendo um ser

racional, procura observar a importância da árvore e busca dialogar, construindo, criando,

aperfeiçoando novos saberes.

ARANHA (1986) corrobora, afirmando que o homem, em sua vivência social,

constituiu grupos comunitários e, para adaptar-se às diversidades naturais, modificou e

transformou o seu habitat.

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O mundo resultante da ação humana é um mundo que não mais podemos chamar

de natural, pois se encontra cada vez mais humanizado, ou seja, transformado

pelo homem. E o trabalho, ao mesmo tempo em que transforma a natureza,

adaptando-a às necessidades humanas, altera o próprio homem, desenvolvendo

suas faculdades. (ARANHA, 1986, p.5).

Dessa forma, podemos afirmar que os seres humanos, no decorrer da existência,

precisaram estabelecer o domínio do meio natural, transformando e criando novos

elementos.

O homem e suas criações

O homem, com suas criações, Interage com o ambiente Tornando-o mais humano.

Ainda na contemporaneidade, em plena floresta amazônica, habitam os ribeirinhos,

os quais constroem suas casas em palafitas Esses caboclos brasileiros, descendentes de

índios, negros e europeus, buscam sustento em águas do rio Amazonas.

Dessa maneira, a pesca é o principal recurso natural para prover vida ao povo

flutuante que se abriga em casas de madeira.

As palafitas são casas feitas de madeira proveniente da floresta amazônica, hoje

reconhecida como patrimônio da humanidade.

A floresta amazônica possui uma fauna exuberante, onde milhares de espécies

vegetais se encontram em seu estado natural, dando abrigo à diversidade de animais.

Vida de João

Nos galhos e copas, o pássaro joão-de-barro

Constrói sua casa para viver

Em plena floresta amazônica.

Os ribeirinhos, João e Maria,

Habitam em palafitas

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E utilizam a pesca para sobreviver.

O homem e a árvore, sem dúvida, possuem laços muito fortes, com as árvores

fornecendo matéria-prima para o homem fazer moradas.

Os contos e histórias são ações culturais das comunidades ribeirinhas, que

compartilham seus conhecimentos contando experiências ricas e vivas.

Luar, fonte de imaginação e conhecimento

Certa vez, numa roda de conversa, um sábio líder indígena estava

reunido com os curumins, conversando e contando fábulas e

histórias da região.

Um garoto pediu licença ao chefe e lhe fez uma pergunta, daquelas

que somente o olhar, a percepção e a sabedoria da criança

conseguem perceber. Perguntou: - Quando a lua está mais próxima

da terra? O sábio, por reconhecer que a lua é um pequeno astro

presente na órbita da terra, girando dias, semanas e meses na

mesma distância, deu como resposta que a lua não se aproxima

nem se distancia da terra, ela fica lá no céu rodeando a terra, e nós

a enxergamos em formas variadas.

A criança, não satisfeita com a resposta, disse ao chefe - Eu sei

quando a lua está mais próxima da terra: quando ela fica bem

grande! Aí, as águas do rio e da maré sobem e nós nos

aproximamos da lua.

(Conto de saber popular brasileiro)

O olhar de uma criança em relação ao universo é diferente do olhar adulto: a

criança vive, sente e se deixa conhecer. Vem de encontro a esse diálogo ANTÔNIO

(2009), que corrobora afirmando que, sem imaginação não haveria conhecimento, não

haveria elaboração ativa de dados, não haveria interpretação nem construção de teoria.

Naquele local onde se tem a natureza para observar e as casas flutuantes para

brincar, a criança cresce descobrindo o valor da sua percepção e criatividade,

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desenvolvendo e construindo um universo mágico de histórias, aprendizagem e cultura.

Um olhar

Traga mais água,

Coloquemos nesse tronco.

Façamos silêncio.

Este é melhor espelho natural,

Para contemplar a imagem espelhada do céu.

Muitas outras criações com a utilização da madeira serviram de inspiração para o

homem.

Um bom exemplo é o automóvel que conhecemos hoje. Quem imaginaria que

centenas de anos se passaram para que houvesse a revolução industrial e assim o

homem pudesse chegar ao resultado do automóvel atual.

Podemos citar as carruagens, as charretes, as carroças que ajudaram a erguer

cidades e nações.

Esses meios rudimentares de transporte culminaram, em sua evolução, na criação

do automóvel. Porém, com os avanços tecnológicos e industriais, atualmente os carros

são feitos de outros materiais.

Caminhando para o progresso

Um gigantesco baobá fornece sombra a um homem.

Este, ao escalar seu tronco e chegar à copa,

Aumenta sua visão

E percebe que pode enxergar mais longe.

Fazendo uma reflexão sobre a condição dos brasileiros durante a era colonial, em

que a sociedade era dividida em classes sociais, foi criado um jargão popular: “Sem eira

nem beira”.

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Esse jargão não foi criado para simbolizar as pessoas de poder aquisitivo favorável

durante a colonização do Brasil, séculos XVI a XVIII, as quais, para representarem sua

condição social, faziam casas e telhados com beirais, moda típica da época.

Esse jargão e ditado popular surgiu para representar as pessoas que não tinham

nenhuma condição financeira para ter uma casa.

Os negros daquela época, escravizados, nem lugar para moradia podiam ter.

O Brasil cresceu negando abrigo aos indígenas e aos negros, que não poderiam ter

um lar para morar, só poderiam servir ao sistema político implantado na colonização.

O beiral da casa é construído de madeira, que simbolizava os valores populares da

época em que os brasileiros a utilizavam em suas casas para diferenciarem e

representarem sua condição social. Principalmente os senhores fazendeiros, donos de

terras.

Desejo do negro

Meu sonho,

Busco repousar em uma sombra.

Neste imenso chão, não tenho casa e nem abrigo,

Não entendo por que não consigo sonhar.

Sinto muito,

E não sei por que não tenho forças para mudar.

A escravidão brasileira acarretou um desequilíbrio social que até hoje os brasileiros

carregam, e que é formado por uma minoria da classe dominante e uma maioria de

dominados, essa maioria representada pelos trabalhadores.

No passado, em pleno período da escravidão, os dominados eram constituídos por

povos oprimidos, forçando-se índios e negros e seus descendentes a buscarem abrigo

refugiando-se em quilombos, guetos e morros, lugares de resistência popular.

Nesses locais eles externavam seus sentimentos e recriavam sua cultura, que

estava sendo sufocada. A formação desses povos oprimidos culminou na cultura popular

brasileira.

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Sujeito

Olha o homem!

Ele nasce, cresce e se desenrola,

Aprimora e aperfeiçoa,

Pelo estudo, pelo diálogo,

Pelo convívio social,

Pela reflexão,

Pelas descobertas das coisas da vida.

ABIB (2006), em seu artigo que aborda a cultura popular e educação e lazer, ao se

referir sobre as manifestações culturais afro-brasileiras, corrobora e afirma que:

É a autêntica manifestação de um grito por libertação que vem da alma de um

povo subjugado, que se apega às suas raízes e ao seu passado para encontrar

forças e continuar resistindo contra uma situação tão adversa. (ABIB, 2006, p.62).

Essa manifestação carrega mensagens expressas em vários exemplos: nas

danças, nos cânticos, nos ritmos, além das crenças religiosas.

Sou negro

Eu vou caminhando neste chão,

Pela estrada eu cultuo o meu valor.

Na minha memória conto belas histórias,

No toque e batida do tambor.

Sou Maracatu,

Sou eu, sou eu, Maculelê.

Sou o Jongo, sou a Capoeira, para quem quiser saber,

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Sou o Jongo, sou a Capoeira, para quem quiser saber!

Sou samba, sou samba de roda,

E a festa de terreiro.

Sou a pele do tambor, sou o axé do mandingueiro,

Sou a pele do tambor, sou o axé do mandingueiro!

Eu sou negro, sim,

Eu sou negro, sim!

Os movimentos de cultura popular possuem inúmeros saberes de histórias e

contos populares, representados na musicalidade, nas danças, nos cantos e jogos. São

utilizados instrumentos percussivos e harmônicos e na elaboração desses instrumentos

são utilizados troncos, galhos e raízes.

Tambor

Toca tambor, bate tambor,

Quero ouvir o som da terra.

Ê, ê, ê... Eia!

O tambor faz o coração balançar.

Algo que carregamos e cultuamos são os contos populares brasileiros, que cada

vez estão ficando mais raros. Muitos ritmos brasileiros, originários da cultura africana,

surgiram do excepcional gênio criativo do artista popular.

Samba para o Rei

A história do ritmo musical afro-brasileiro, onde um ritmista de

Pernambuco queria fazer um samba para o Rei, algo que seria

marcante, capaz de mexer com o sentimento, com a emoção, com o

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coração de todos que a escutassem.

De tanto pensar, pelejar, cansou-se e caiu no sono. Em sonho, teve

uma visão de uma grande nação em festa, onde os povos dançavam

ao som dos tambores, em um ritmo contagiante capaz de fazer o

coração pulsar.

Acordou com o coração pulsando forte. Naquele instante ele, sem

dúvida, percebeu que tinha a ideia certa para fazer o samba para o

Rei. Criou, então, o Maracatu, ritmo que imita a batida do coração.

(Conhecimento popular da cultura afro-brasileira)

O Maracatu possui, como sua maior predominância, instrumentos de percussão.

Ele teve origem nas congadas, outra dança cultural realizada para fazer a Folia de Reis.

No Maracatu, os tambores de diversos tamanhos que realizam a percussão são

conhecidos como alfaia, caixa, ganzá, gonguê e xequerê.

O Maracatu é uma arte de expressão popular afro-brasileira e faz parte do

sincretismo religioso, onde se faz reviver e representar a visita dos três reis magos, logo

após o nascimento de Jesus. Essa expressão popular pernambucana foi adaptada e,

através dos instrumentos percussivos, representa os saberes e os ritmos das etnias

africanas e indígenas.

O tambor é um instrumento percussivo, e os brasileiros, para confeccioná-lo,

utilizam madeira e troncos de árvores.

Samba de Rei Mandingueiro

Em qualquer esquina,

Morros, guetos e cidades,

Em qualquer parte deste meu país,

Levo meu samba.

Samba de rei mandingueiro,

Para minha vida ser mais feliz.

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Trago alguns exemplos de instrumentos percussivos e harmônicos: flauta doce,

violão, piano, pandeiro, tambor, berimbau e muito outros não citados aqui, e que utilizam

madeira na sua confecção.

Dessa forma, o homem consegue se expressar com a elaboração de música,

alegria, harmonia, tranquilidade, tristeza... Consegue, também, representar a fé e todos os

seus conhecimentos são expressos na cultura.

Mestre e tradição

Não venha com mau agouro,

Nem traga presente mandingado.

Deus é justo e protetor,

Deu-me um corpo fechado.

O segredo e os fundamentos.

Meu mestre me ensinou

A luta guerreira, e preservar a cultura brasileira.

Temos inúmeras expressões de movimentos de subcultura afloradas por todo o

Brasil, representadas pelos descendentes dos colonizadores europeus e, principalmente,

por índios e negros.

Também temos representantes afro-brasileiros na cultura erudita. Um exemplo de

orgulho nacional de um homem, fruto da miscigenação brasileira, descendente dos

negros, é o poeta e músico Carlos Gomes (*1836 +1896). Nascido em Campinas, cidade

do interior de São Paulo, última cidade do Brasil a aceitar a condição dos escravos como

pessoas livres. Antônio Carlos Gomes, foi, é e sempre será um músico erudito

mundialmente reconhecido. Escreveu inúmeras óperas, tendo como sua grande obra: “O

Guarani”.

Guarani, nome de uma tribo e língua indígena, povo que habitava no Brasil no atual

Estado de São Paulo; esse povo, antes da chegada dos colonizadores, era representado

por milhares de silvícolas. Após a ação dos colonizadores e o crescimento das cidades,

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notamos que a cultura e os saberes dos índios se perderam, e no Brasil existem ainda

poucas tribos indígenas que conseguiram resistir nas matas e florestas, mas a grande

maioria das tribos brasileira, foram extintas, a onde os colonizadores habitam.

Na cidade de Campinas, ruas, praças e bairros prestam homenagem a Carlos

Gomes, esse grande gênio.

Campinas, terra de Carlos Gomes

Carlos Gomes, terra de Campinas. Quando Carlos Gomes estava vivo, a praça fazia sentido. O revoar das andorinhas pela aurora o inspirava, As idas e vindas das andorinhas davam uma linda melodia. A liberdade do vira-lata poderia levá-lo ao infinito. O aviso da locomotiva era uma nota musical. Mas ele está ali, firme, forte e rígido, Uma estatueta de um herói dos brasileiros, Um orgulho dos campineiros. Campinas, terra de Carlos Gomes, Carlos Gomes, terra de Campinas.

O maestro utilizava-se de uma vara para reger, proveniente de madeira que, ao

ziguezaguear nas mãos do maestro, fazia com que a orquestra produzisse música,

enchendo a vida de magia, harmonia, alegria e sonhos.

É impressionante a relação do homem com o material proveniente da árvore. Até

mesmo nos ditos populares há relação entre o homem e a árvore. Podemos dizer que o

homem sábio semeia em terras férteis para, em um futuro próximo, colher bons frutos.

Tudo que o homem produz é fruto do seu saber, que, ao longo da história,

representam seus valores e cultura.

O tempo

O tempo nos ensina

A esperar e adquirir respeito às coisas,

A obter educação,

A inculcar o amor pelo próximo.

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E é por isso mesmo que o tempo

Respeita o próprio tempo.

Ao voltarmos nossa visão para a África, esse imenso continente, trago uma

passagem onde uma criança nativa, ao brincar pelas savanas africanas, avista um

pequeno pássaro que caiu do ninho.

Descobrindo a liberdade

O menino, com toda alegria, força, coragem e agilidade, apanha o

pequeno pássaro. Na sua pequena mão, o vê soltando os primeiros

piados que, futuramente, irão se transformar em um canto.

Essa criança, percebendo o futuro promissor daquele passarinho,

resolveu recolocá-lo de volta ao ninho.

Escalou o tronco e os galhos com todo o cuidado para não ferir o

pequeno pássaro. Ao chegar ao ninho, o introduziu novamente.

Nesse lugar seguro, o passarinho foi acolhido por gravetos, folhas e

pequenas plumas de sua genitora.

A criança o deixou lá, em seu mundo, protegido de possíveis

predadores.

Ao descer da árvore teve uma grande surpresa: o passarinho tinha

deixado sua árvore e encontrava-se no solo. O menino sorriu e

compreendeu tudo aquilo: percebeu que o passarinho estava

descobrindo um novo ciclo da vida. Vida em liberdade, com novas

descobertas e horizontes.

(Conto de saber popular)

Passarinho

Passarinho, passarinho,

É tão lindo seu cantar!

Mas tão lindo, mas tão lindo,

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Que eu quero te soltar.

Em terras africanas, ainda antes da chegada dos colonizadores europeus, já

habitavam animais e homens. Estes, em convívio com a mãe natureza, eram unidos

apesar das diferenças geográficas. Em momento de dificuldade de sobrevivência, devido

à estiagem e outros fenômenos naturais, migravam para outros lugares mais propícios

para a vida.

Os colonizadores europeus, ao perceberem o potencial daquele continente,

exploraram, roubaram as riquezas naturais, mataram, capturaram os animais para

comercializarem, escravizaram os homens para servirem em outras terras. Separaram o

território, dividindo-o em várias nações.

Os homens e os animais, que antes eram livres nos territórios africanos, passaram

a conviver com cercas que os limitam de viver livremente. A cerca delimita as terras,

isolando povos e respectivas culturas. Naturalmente, utilizava-se madeira para a

confecção de cercas.

Anseio

O homem busca se libertar;

Para isso procura se desprender da cerca.

A liberdade irá levá-lo à elaboração de novas criações.

Percebemos que nestas passagens expusemos a presença do homem na terra,

comunicando-se com a árvore.

E a árvore se faz presente desde o princípio, aquecendo as noites frias, iluminando

as noites escuras, assando e cozendo o alimento, além de ser fonte de matéria-prima

para as criações e invenções humanas.

A árvore e o homem

Impressionante!

Na passagem do homem sobre a terra,

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A árvore se faz presente desde o anúncio do nascimento,

Com criação e construção de berço.

Também se faz presente

Na despedida da vida do homem em seu caixão.

Árvore e o homem...

Impressionante companheira.

Em todo momento da humanidade há presença e existência da árvore na vida humana. E

ela vem nos acompanhando há muito tempo, auxiliando a vida do homem na terra.

O homem, hoje, conseguiu sobreviver porque as árvores em seu ambiente natural, matas,

florestas, campos, planícies e montanhas, vêm provendo ar e vida.

Mas o homem, em busca de desenvolvimento, descobertas, riquezas, poder e progresso,

age impiedosamente para alcançar suas cobiças e satisfazer seus desejos. Não percebe

que a natureza sempre o acolhe, por mais que pese a sua vil transgressão.

Lacunas de formação

Me disseram que é difícil estudar e aprender.

Ao exercitar,

Percebo que o mais difícil é formar homens com personalidade.

A vida é uma universidade, onde os elementos da natureza são os professores mais

pacientes do universo. Pela busca desenfreada do capital, nos excluímos desse valioso

professor natural, que nos auxilia e nos acompanha dia a dia.

O homem, em sua busca de liberdade, tenta aperfeiçoar, instruir, profissionalizar e obter

cultura. Correndo contra o tempo, desapercebido, risca e rabisca sua história. Não nota

que a mãe natureza é paciente; ela escreve e desenha, construindo e reconstruindo

calmamente seu roteiro.

O homem livre

O homem livre

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Frequenta escola,

Adquire conhecimento,

Gera cultura.

Percebe que não se deve apenas aprender para a escola,

Mas para a compreensão da vida.

Na época atual, cada vez mais raros são os passeios às matas, bosques e parques,

lugares onde encontramos espécies variadas de árvores.

Ao passear pelas matas tropicais, fui recepcionado pelos deuses e orixás,

guardiões dos saberes da cultura afro-brasileira, que cuidam da natureza, rica e

acolhedora, demonstrando, em seu simbolismo, força e resistência...

O sagrado se instaura graça ao poder do invisível. E é ao invisível

que a linguagem religiosa se refere ao mencionar as profundezas da

alma, as alturas dos céus, o desespero do inferno, os fluidos e

influência que curam, o paraíso, as bem-aventuranças eternas e o

próprio Deus. Quem jamais viu qualquer uma destas entidades...

(ALVES, 1981, p.21).

Nesse texto, o sincretismo religioso brasileiro e os contos e mitologias populares

dialogaram, juntamente com os pensamentos dos humanistas que os fundamentaram.

Conhecimento humano

No decorrer da vida

O homem vai se alimentando de conhecimento,

E por ser portador de uma alma imortal

Contempla a cultura,

E constrói um arranha-céu de saberes.

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As amarrações das ideias foram feitas com poesias que, ao mesmo tempo que

ligam os pensamentos, trazem momento de reflexão.

A árvore foi o centro da inspiração que acompanhou todo o percurso do diálogo.

O baobá

Árvore africana,

Mística e histórica,

Resistente e exuberante,

Viva e grandiosa.

Este pequeno livro procurou meditar e refletir no simbolismo da árvore, buscando,

assim, realizar uma analogia da árvore com os seres humanos e com o desenvolvimento

cultural brasileiro.

Luz da revelação

A cultura é a luz reveladora

Da criação, da imaginação

E da intimidade do homem.

Tivemos, como resultado, uma história com muitos fatos tristes de exploração e

desumanização, mas cheia de vida, fantasia e sonhos, traduzida na arte e cultura

populares, expressada nas mitologias, contos, histórias, danças, cantigas e cultura do

povo brasileiro.

Bons frutos

O homem

Não precisa apenas alimentar o seu corpo

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Com produtos digestíveis e perecíveis.

Mais do que nunca, precisa buscar alimentar seu espírito,

Para surgirem bons frutos e novas criações

Que alimentarão a humanidade.

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Referências:

ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Cultura popular, educação e lazer - uma abordagem

sobre a capoeira e o samba. São Paulo: Artigo da UFBA e UNICAMP, 2006.

ALVES, Rubem. O que é Religião. Coleção Primeiros Passos. Vol. 5. São Paulo:

Brasiliense, 1981.

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando - Introdução à Filosofia. São Paulo:

Moderna, 1986.

ANTÔNIO, Severino. Uma nova escuta poética da educação e do conhecimento -

Diálogos com Prigogine, Morin e outras vozes. São Paulo: Papirus, 2009.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. Coleção Primeiros Passos. 60a. ed. São

Paulo: Brasiliense, 1982.

CHAUÍ, Marilena. Um Convite a Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

DUARTE Jr., João Francisco. Por que arte-educação? São Paulo: Papirus,1991.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

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NOVAIS, Fernando A. (org.). República - da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo:

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RIBEIRO, Darcy. Os Brasileiros - Teoria do Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.

RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro - a formação e o sentido do Brasil. 3a. ed. São Paulo:

Companhias das Letras, 1995.

RIBEIRO, Prof. José. Brasil no Folclore. Rio de Janeiro: Aurora, 1970.

ROCHA, Everardo. O que é Mito. Coleção Primeiros Passos. 5a. ed. São Paulo:

Brasiliense, 1981.

SANTOS, José Luiz dos. O que é Cultura. Coleção Primeiros Passos. 16a. ed. São Paulo:

Brasilense,1983.

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