EDUCACÄO E EMPREGO: UM A AVALIAÇÂO CRITICA ( 1* Parte...

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/ EDUCACÄO E EMPREGO: UM A AVALIAÇÂO CRITICA ( 1* Parte ) MARTIN CARNOY INDICE DO ARTIGO 1» PARTE — Prefacio Introducaci I — Teorías sobre Mercados de Traballio e Desemprego PARTE — II — Urna interpretacáo do problema do emprego nos países nao industrializados IH — Medidas programáticas para planejadores Traduzido do original em inglés: «Education and employment: a critical appraisal» por Carlos Marcio Chaves. Fublicacâo do Instituto Internacional de Planejamento Educacional (UPE) na série Fundamentos do Planejamento Educacional. Copyright © "UNESCO. 1977. Reprodugäo proibida. CADEBNOS DE PESQUISA/30 79

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EDUCACÄO E EMPREGO: UM A AVALIAÇÂO CRITICA

( 1* Parte )

MARTIN CARNOY

I N D I C E DO ARTIGO

1» PARTE — Prefacio

Introducaci

I — Teorías sobre Mercados de Traballio e Desemprego

2» PARTE — II — Urna interpretacáo do problema do emprego nos países nao industrializados

IH — Medidas programáticas para planejadores

Traduzido do original em inglés: «Education and employment: a critical appraisal» por Carlos Marcio Chaves. Fublicacâo do Instituto Internacional de Planejamento Educacional (UPE) na série Fundamentos do Planejamento Educacional.

Copyright © "UNESCO. 1977. Reprodugäo proibida.

CADEBNOS DE PESQUISA/30 79

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FUNDAMENTOS DO PLANEJAMENTO EDUCACIONAL

TÍTULOS DA SERIE

1. Que é planejamento »'(.¡ucaciünal? P. H. Coombe

2. Os planos de desenvolvimento da educaçâo e o plane­jamento económico e social. K. Poignant

3. Planejamento educacional e desenvolvimento de recursos humanos. H. Harbison

4. O planejamento e o administrador educacional. C. B. Beeby

5. Contexto social do planejamento educacional. C A. Anderson

6. Custos dos planos educacionais. J. Vaisey, J . D. Chesswas

7. Problemas da educagäo rural. V. L. Griffiths

8. Planejamento educacional: funçâo do consultor. Adam Curie

9. Aspecto demográfico do planejamento educacional. Ta Ngoc Châu

10. Análise do custo e das despesas da educaçâo. J. Hallak

11. A profissäo de planificador educacional. Adam Curie

12. Condicöes para o éxito no planejamento educacional. G.C. Ruscoe

13. Análise de custo-e-benefício no planejamento educacio­nal. Mauren Woodhall

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14. Planejamento educacional e :uventude desempregada. Archibald Callaway

15. Politica de planejamento educacional nos países em desenvolvimento. ('. D. Rowley

16. Planejamento educacional para urna sociedade plural. ('hai Hon-Chan

17. Planejamento do currículo para escola primaria em países em desenvolvimento. H. W. K. Hawes

18. Planejamento de assisténcia educacional para a segunda Década de Desenvolvimento. H. M. Phillips

19. Estudo no estrangeiro e desenvolvimento educacional. William I). Carter

20. Planejamento educacional realístico. K.B. McKinnon

21. Planejamento educacional e desenvolvimento rural. G. M. Coverdale

22. Planejamento educacional: opeòes e decisoes. John D. Moutgomery

23. Planejamento do curriculo escolar. Arieh. Lewy

24. Fatores de custo no planejamento de sistemas de tecno­logia educacional. Dean T. Jamison

25. O planejador e a educaçâo permanente. Pierre Furter

26. Educaçâo e emprego: urna avaliaçâo crítica. Martin Carnoy

FUNDAÇÂO CARLOS CHAGAS

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P R E F A C I O

A relaçâo entre educaçào e emprego sempre foi

urna das maiores preocupaçoes do planejamento edu­

cacional. Na verdade, urna das razöes principáis pela

adoçâo de algumas formas de planejamento educacio­

nal em muitos países foi o desejo de se alcançar

melhor entrosamente entre os graduados dos diferen­

tes níveis e setores do sistema de ensino e as neces-

sidades e possibilidades do mercado de traballio. Du­

rante os últimos vinte anos, as projeçôes das neces-

sidades de força de traballio constituiram a base de

muitos planos educacionais, e continuam a desempe-

nhar importante papel no planejamento educacional.

Ao mesmo tempo, a relaçâo entre ensino e emprego

ainda é dificultada por diversos problemas: a amplia-

çâo dos sistemas educacionais ultrapassa a capacidade

de absorçâo do mercado de traballio; o desenvolvi-

mento do ensino desperta expectativas por parte dos

estudantes, e de suas familias, que urna economia de

crescimento mais lento nao pode satisfazer; existe

urna considerável diferença na compatibilizaçâo dos

concludentes com as oportunidades de emprego, entre

regióes de urn pais, categorías profissionais, tipos de

escolas, etc.

Como resultado, o desemprego ou subemprego de

concludentes — da escola primaria aos graduados

universitarios — tornou-se um fator de crescente

preocupaçâo e mesmo de descontentamento político

potencial, em muitos países. A situaçâo é bastante

séria, a ponto de levantar a questáo de que os pla-

nejadores educacionais aínda tenham (se jamais

tiveram) urna compreensâo adequada do pleno alcan­

ce da dinámica do mundo do traballio, em geral, e

das complexidades dos mercados de trabalho, em par­

ticular. Muito esforço foi realizado por inúmeros eco­

nomistas, durante os anos recentes, para se chegar

a urna melhor compreensâo dos problemas do desem­

prego no contexto do desenvolvimento e subdesenvol-

vimento, e nos, do UPE, sentimos que era mais do

que oportuna a ocasiâo para elaborar urna avaliaçâo

crítica do estado atual dessa evoluçâo, apresentando-a

aos leitores dos Principios de Planejamento Educa­

cional.

Martin Carnoy, renomado economista no campo

do desenvolvimento, atualmente lecionando na Stanford

University, baseou-se tanto em sua ampia experiencia

de pesquisa na América Latina e Africa quanto em

suas reflexôes teóricas sobre a relaçâo entre desen­

volvimento e emprego, para nos fornecer tal avaliaçâo.

Seu estudo vai consideravelmente além dos aspectos

técnicos e metodológicos, característicos de alguns dos

modelos anteriores da força de trabalho no planeja­

mento educacional, colocando os problemas do desem­

prego e subemprego' no contexto mais ampio da

conjuntura económica, política e social com a qual

se deparam os países emergentes. Dessa análise ori-

ginam-se varias conclusses dirigidas aos planejadores

educacionais, tendentes a estimular um considerável

número de debates e novas consideraçôes quanto à

funçào do planejamento educacional, capacitando-os,

portanto, a melhor enfrentar as complexidades do em­

prego e subemprego. Apreciei, como estou certo de

que o farâo os leitores desse artigo, a franqueza com

que Carnoy abordou esse problema cruciai, indicando-

nos que os problemas da relaçâo ensino e emprego

sao de tal vulto que resistem a soluçôes puramente

técnicas e têm de ser vistos no contexto global da

economia política do desenvolvimento.

Hans N. Weiler

Diretor, UPE

CADERNOS DE PESQUISA/30 81

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I N T R O D U Ç À O

Há dez anos atrás, os economistas dos países industrializados consideravam que os mais importantes estrangulamentos no crescimento económico dos países emergentes ocorreriam porque faltava-lhes força de trabalho «de alto e mèdio nivel». O planejamento da mäo-de-obra foi considerado urna soluçâo parcial para esse problema. Urna década mais tarde, contudo, os países nao industrializados enfrentam um aparente «excesso» de trabalhadores altamente instruidos; o nivel medio de escolarizaçâo da força de trabalho au-mentou, o mesmo nao ocorrendo com a média instru-cional da mäo-de-obra desempregada. Mais ainda, o desemprego nao apresenta sinais de decréscimo, mes­mo levando em conta que os desempregados — em média — em teoria estäo mais adequadamente pre­parados para participar do crescimento da economia.

Como exemplo desse problema, a Tabela 1 apre­senta a evoluçao do desemprego pleno na América Latina, entre 1950 e 1965. A Organizaçâo dos Estados Americanos (O.A.S., 1971, p. 1) descreve a situaçâo da seguinte forma:

«A situaçâo gérai de emprego na América La­tina, em seu conjunto, constituí um dos desequilibrios entre as massas populares e as estruturas económicas do hemisferio. O rápido crescimento populacional da regiào, a velocidade da urbanizaçâo e o alto volume da força de trabalho constituem partes de urna com­plexa situaçâo sôcio-econômica, que pode ser suma­riamente descrita como crise de emprego, manifestada parcialmente por urna taxa relativamente alta de franco emprego •— especialmente ñas áreas urbanas — mas também por um vasto subemprego e baixo índice de participaçâo».

Na Asia, a situaçâo é provavelmente pior (Mehta, 1968, p. 24-5):

«Os planos de desenvolvimento industrial dos países da ECAFE näo exerceram qualquer impacto ponderável sobre a situaçâo global do trabalho, e as oportunidades de emprego permaneceram muito aquém do crescimento da força de trabalho. Em alguns paí­ses, como a ìndia, Paquistáo e Ceilào, os contingentes de reserva de empregados e subempregados, ao firn do período do plano, revelaram-se majores do que em seu inicio — indicando que as novas oportunidades de emprego nao acompanharam o crescimento da força de trabalho. Tais dados, como se infere prontamente, indicam que a situaçâo no setor de empregos está assumindo proporçôes muito sérias. Na República da Coréia, a despeito de todos os esforços para a indus-trializaçào, o número de pessoas empregadas e sub-empregadas, aumentou, em 1963, para 703.000 e 2.200.000, respectivamente. Apesar do rápido desen­volvimento das industrias de transformacáo ñas Fili­pinas, avalia-se que o número total de desemprega-

T A B E L A 1

POPULACÄO, FORÇA DE TRABALHO E EMPREGO NA AMÉRICA LATINA, 1950-65

1950 1955 1960 1965

Pupulaçâo total 151.116 173.104 199.307 229.691 l milhares)

Taxa de partici- 34,85 34,80' 34,70 34/30 paçâo C/o da po-pulaçào total

Força do traba- 52.664 60.240 69.160 79.473 tho (milhares)

Pessoas empre- 49.739 56.077 62.866 70.651 gadas (milhares)

Pessoas subem- 2.925 4.163 6.294 8.822 pregadas (milha­res)

Taxa de subem- 5,60 6,90 0,10 11,10 prego ( % da for­ça de trabalho)

Fonte : Org'anizaràu dos Estados Americanos, 1971, p. 2.

dos aumentou de 540.000, em 1959, para 577.000, em 1960, 618.000, em 1961 e 662.000, em 1962. Na India, estima-se que o nùmero cresceu de 5 milhôes, ao inicio do 2« Piano de Desenvolvimento, para 9 milhôes, du­rante o período do S"1 Plano, e espera-se que seja da ordern de 9-10 milhôes, ao inicio do período do 4 ' Piano de Desenvolvimento. Em outros países, como a Indonèsia, Burma ou República do Vietnâ, onde os pianos de desenvolvimento permaneceram praticamen­te inoperantes, devido tanto à instabilidade política quanto à séria carencia de recursos externos e inter­nos, o impacto do planejamento para o desenvolvi­mento sobre o emprego foi até mesmo menos signi­ficante».

Já no inicio da década de 60, o desemprego entre os concludentes da escola primaria, na África Oci-dental, era muito alto (Callaway, 1961), e depois da independencia, com o maior crescimento do ensino, começou a penetrar ñas profissoes de nivel secundario e universitario, a despeito de sua natureza elitista (Thias e Carney, 1969).

Turnham (1971) informa que a taxa de franco desemprego, em fins de 1960, era de 13,6 por cento na Colombia, 7,9 por cento na Venezuela, 9,8 por cento na Malasia, 11,6 por cento ñas Filipinas, 15,0 por cento em Sri Lanka, 11,6 por cento em Gana e

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14,9 por cento no Quênia. O índice no Chile, no mesmo periodo, aproximava-se de 9 por cento (Calvo et al., 1975), e agora (1976) é de quase 20 por cento (Frank, 1975). Eni Porto Rico, na década de 40, 50 e prin­cipio de 1960, a despeito do ràpido crescimento popu-lacional e da emigraçâo maciça, a taxa chegou perto de 12-14 por cento (Carnoy, 1972). Recentes pesquisas ñas áreas urbanas do México (Secretaria de Industrias y Comercio, 1975) apresentam uma taxa oficial de pleno desemprego, na Cidade do México, Monterrey e Guadalajara, da ordern de 8 por cento. É claro que a maioria dessas cifras foram registradas durante determinado período de tempo (fins de 1960), quando as condiçôes económicas nos países industrializados eram relativamente boas e, portanto, a demanda (e preços) das matérias-primas do Terceiro Mundo (com exceçào do petróleo e agúcar) estavam em alta, em relaçâo à situaçao em 1974-75.

Os economistas apresentaram muitas razôes para essas altas taxas de desemprego; de modo geral, atri-buem à falta de capital disponível, nos países de baixa renda, a dificuldade em se criar suficiente número de empregos para a força de traballio ociosa. Tal obstá­culo é exacerbado, argumenta-se, pelo crescimento populacional acelerado e baixo nivel educacional (qua-lificaçâo) do grupo com idade para ingressar na força de traballio (o que torna difícil contratar trabalha-dores e atrair investimentos estrangeiros). De acordo com essa análise, a soluçâo para o desemprego está em incrementar a formaçâo de capital físico e inves­tir no ensino. Uni maior afluxo de capital criaría mais empregos, e mais educaçâo reduziria a taxa de natalidade (mais mulheres instruidas prefeririam ter menos filhos), fazendo com que a populacäo tivesse mais acesso ao emprego.

Embora haja alguma evidencia de que o aumento da eseol'ii'izaçâo para as rnullieres realmente reduz os indices de fertilidade (Holsingcr, 1975; Todaro, 1977), as taxas de crescimento populacional cairam muito lentamente, -se tanto, nos países de baixa renda, em fase de industrializaçâo, a despeito de um acréscimo no nivel medio de escolaridade, entre as mulheres. Assim, na melhor das hipóteses, o efeito do ensino sobre o afluxo ao setor do trabalho aparece apenas a muito longo prazo. Mais ainda, o aumento de capital por trabalhador, e as altas taxas de crescimento eco­nòmico, näo reduziram a porcentagem de desemprego, e o maior nivel educacional por assalariado parece ter feito pouco mais, na área do desemprego, do que aumentar O' nivel mèdio de escolaridade entre os de-sempregados. i

O fracasso dessas estrategias de desenvolvimento, visando reduzir o desemprego, levanta serias questòes sobre o potencial de qualquer política educacional des-

1 Para um resumo dessas questôes gérais sobre o desem­prego, nos países d" baixa renda, vide Barnett, in Ed­wards, 1974.

tinada a contribuir, de forma significativa, para a con-secuçâo do pieno emprego e, nesse sentido, alcançar pleno emprego ñas sociedades de baixa renda, sob uma organizaçâo de produçâo capitalista.

Ñas estrategias desenvolvimentistas das décadas de 50 e 60, como é natural, a educaçâo e os plane-jadores educacionais deviam desempenhar um papel--chave na geraçâo' do desenvolvimento e emprego. Mas se o ensino nao atua significantemente para reduzir o desemprego, pode ocorrer limitaçôes no papel do planejador educaccional, em qualquer estra­tegia ocupacional. É uma questäo examinada neste artigo. Analisaremos, se possível, o que existe quanto à forma pela qual os programas educacionais foram desenvolvidos ñas sociedades capitalistas, e que, apa­rentemente, fez com que exercesse pouco efeito sobre o trabalho, ñas duas últimas décadas. Sendo o caso, a correçào dessas deficiencias dos programas poderia tornar a política educacional um instrumento efetivo para a diminuiçâo do desemprego. Na verdade, grande parte da literatura recente (vide, por exemplo, Blaug, 1973; Faure et al., 1972) parece implicar em que alguns problemas do desemprego, especialmente da mäo-de-obra instruida, poderiam ser minorados pelo aperfeiçoamento do sistema educacional e desenvolvi-mentos tais como maior orientaçâo agrícola, visando a escolarizaçâo ñas áreas rurais (ensino fora da es­cola), melhor adequaçâo do currículo escolar secun­dario aos empregos disponíveis, etc.

Por outro lado, é provável existirem razôes estru-turais, inerentes ao desenvolvimento capitalista, que tornera o planejamento educacional um tanto irrele­vante para o problema do emprego. E é bem possível que o desemprego de pessoas instruidas seja uma condiçâo preferida pelos empregadores urbanos — um resultado desejável do investimento estatal na infra--estrutura, em seu proveito, apesar de algumas conse-qüencias políticas indesejáveis. Em outras palavras, o continuo e elevado desemprego global, e a emer­gencia de desempregados instruidos, pode nao consti­tuir ineficiência de um sistema que de outra forma seria racional, mas um resultado lógico e desejável do fato de se evitar carencias de trabalho, em todos os níveis de qualificaçâo, e exercer pressôes sobre os salarios, para baixo, e na produtividade, no sentido ascendente.

Antes de prosseguirmos na análise dessas possíveis relaçôes entre educaçâo e emprego, e das teorias eco­nómicas a elas subjacentes, deveremos nos perguntar se o desemprego é realmente uma questäo importante, e se o desemprego da força de trabalho instruida deve ser considerado separadamente daquele dos nao qualificados.

Ê o Desemprego uma Questäo Importante?

Embora possa parecer uma questäo retórica, me­rece discussäo. Blaug (1973) ressalta, por exemplo,

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que o Programa Mundial de Emprego da Organizaçâo Internacional do Traballio (OIT) tinha como objetivo original persuadir os países de baixa renda a tornar o pleno emprego o alvo central da política económica, mas quando o problema foi estudado pela OIT, tal objetivo foi alterado para urn que «procure enfatizar a pobreza como o problema crucial do desenvolvi-mento económico» (p. 2). No relatório da OIT da Colombia (I.L.O., 1971), a questâo do emprego é redefinida como sendo «basicamente um problema de renda inadequada e apenas, em segundo plano, como de oportunidades de traballio insuficientes^. Em con-seqüencia, o propósito último da política nao consiste apenas em prover mais empregos, porém maior nú­mero de cargos da especie que garanta rendimentos suficientes para a manutençào de um padräo de vida razoável (Blaug, 1973, p. 2-3). Blaug prossegue, ar­gumentando que a aproximaçâo, através da renda, para se avaliar o desemprego, é mais abrangente que a definiçâo tradicional de franco desemprego mais subemprego (a qual analisaremos abaixo). Além disso, urna vez adotada essa aproximaçâo mais ampia ao problema do desemprego, o exame da questâo trans­forma-se numa análise dos motivos pelos quais os países sao pobres, assim como das razóes pelo baixo volume de emprego (p. 5).

O argumento de que o problema do desemprego é realmente um problema de pobreza nao pode ser negado; em geral, aqueles com maiores probabilidades de desemprego, sao os que têm maior tendêcia a ser pobres. Do mesmo modo, o desemprego permanente, por definiçâo, é pobreza. Contudo, vale distinguir o desemprego da baixa renda, como dois componentes separados da pobreza: se um trabalhador tem rendi­mentos baixos, mas pelo menos lhe é garantida essa renda escassa (ajustável as alteraçôes de preços das mercadorias), todas as semanas e durante todos os anos de sua vida, pode-se estar certo de que ele e sua familia jamais passarâo feme. Remove-se um elemento importante da pobreza — insegurança e medo. Na verdade, esse componente de insegurança que acompanha taxas altas e seculares de desemprego e, ciclicamente, índices ainda mais elevados, nao fica necessariamente limitado aqueles que sâo pobres. Como estäo verificando os profissionais dos países de alta renda, o espectro da falta de rendimentos e os efeitos psicológicos dessa condiçâo pairam sobre urna fraçâo muito alta da populaçâo, em todos os países, com exceçâo de urnas poucas economías capitalistas. Assim, argumentaríamos que a eliminaçâo do desem­prego (ou — o que vem a dar na mesma — a garantía de urna colocaçâo para todo aquele que deseje tra-balhar) é em si mesma um importante fator de desen-volvimento, mesmo naquelas economías onde esse traballio garantido significa baixos salarios.

Nao apenas o traballio assegurado — ausencia de franco desemprego — é um problema separado do

problema da baixa renda; aparentemente, é minto mais fácil reduzir prontamente o desemprego do que au­mentar a renda per capita, de forma rápida e durante um longo período de tempo. Governos socialistas, tais como a Bulgaria, China, Cuba, Polonia, Romania, URSS e Iugoslavia — todos países de baixa renda na época de suas revoluçôes — reduziram o desem­prego de modo relativamente rápido, desde que insti­tuirán! urna politica de empregos garantidos. Por outro lado, o aumento da renda per capita nesses países tem sido urna tarefa mais difícil.

Quando os mais instruidos ficam sem traballio, podem ocorrer custos adicionáis para a sociedade, além da ansiedade psicológica que o desemprego pro-duz nos desempregados ; os custos educacionais reti­rant da economía recursos reais, alguns dos quais suportados diretamente pelos que procuram ensino, e outros pelos contribuintes em geral (urn estudo re­cente — Jallade, 1974 —, sobre o sistema fiscal colombiano, contudo, demonstra que as taxas e gastos governamentais sao regressivos, de forma que pode­mos concluir que os relativamente pobres, nos países de baixa renda, subsidiam a instruçâo dos relativa­mente ricos). Além disso, como Coombs (1968) sugere em seu livro World educational crisis, o desemprego da força de trabalho instruida pode constituir urna ameaça política à ordern estabelecida, o que nao sucede com os nao qualificados. Ambos os fatores (custos e ameaça política) originaram preocupaçôes quanto ao fracasso em se colocar plenamente todos os assalariados de maior nivel educacional em traba-lhos adequados a suas aptidöes.

Nao obstante, a despeito dessas apreensöes, deve­nios nos perguntar se a disponibilidade de uni exéreito de reserva de desempregados instruidos é totalmente disfuncional ou um desperdicio de recursos, mesmo numa economia de baixa renda, supostamente carente de trabalho qualificado. Em primeiro lugar, a exis­tencia do desemprego qualificado significa pressäo sobre os assalariados, no sentido de trabalharem mais devido ao medo de perder o emprego (substituidos por outros, mais jovens e mais instruidos). Também exer­ce pressäo para baixo, sobre os salarios dos mais qualificados, e talvez impeça sua elevaçâo no mesmo ritmo em que poderiam esperar, se fosse menor o suprimento de novos graduados. De qualquer ángulo que se observe, a maior afluencia de graduados se­cundarios e universitarios — mesmo que nao possam ser plenamente empregados — pode servir para au­mentar a taxa de retorno ao capital físico ou, pelo menos, impedir a queda desse retorno. Assim, é muito provável que os capitalistas e executivos de corporaçôes nao estejam particularmente interessados em medidas que solucionen! o® problemas económicos do desemprego e do excesso de oferta de mäo-de-obra qualificada, urna vez que para eles um excesso de pes-soal instruido possui algum valor. Temos de reconhecer,

84 FT NDACÄO CARLOS CHAGAS

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é claro, que urna /oferta excessiva» de traballio alta­mente adestrado nao significa necessariamente abun­dancia de todos os tipos de capacidades requeridas pelos empregadores; estes últimos queixam-se, com freqiiência, de que a safra recente de graduados näo atende as suas necessidades de aptidôes.

Em resumo, entäo, o desemprego e subemprego, em si mesmos, sao importantes questoes ¡soladas do problema da pobreza ou mesmo do crescimento eco­nòmico, urna vez que têm ramificaçôes psicológicas e distribucionais que ultrapassam o problema da eficien­cia da economia. Entretanto, de um ponto de vista, o desemprego qualificado deveria ser tratado diferen­temente do desemprego global, já que podemos afetar diretamente a direçâo do suprimento da força de tra-balho instruida, através da política de despesas públi­cas (enquanto as diretrizes que afetam o suprimento da força de traballio total tém efeito a muito lon-go-prazo). Além disso, os desempregados de maior nivel educacional custaram à sociedade recursos reais superiores aqueles destinados aos näo qualificados. Podem, também, representar urna ameaça à estabili-dade política de urna sociedade, ao contrario dos tra-balhadores manuais. Por outro lado, existe urna outra análise que — sem negar a possível validade das diferenças de custo social para os desempregados qualificados e os näo instruidos — argumenta que o desemprego dos que possuem maior nivel educacional representa urna extensäo lógica de urna política eco­nómica voltada para a maximizaçao de lucros. Tal maximizaçao implica na geraçâo de um excesso de oferta de trabalhadores mais especializados, assira como de menor qualificacelo e, nesse sentido, infere que o desemprego de alto nivel e de baixo nivel ins-trucional constituí parte e parcela do mesmo proble­ma: urna política geral visando criar maior numero de empregos. Portanto, o problema e as soluçôes para o desemprego dos trabalhadores instruidos, nessa análise, näo pode ser isolado do problema do desem­prego global.

Desemprego e Subemprego

A estimativa tradicional do desemprego, utilizada pela maioria dos países, consiste em relacionar todos os desempregados que procuram trabalho durante a «semana de referencia» da pesquisa sobre emprego. Chama-se a isso «franco desemprego». Entretanto, quando as taxas de franco desemprego sao elevadas, muitos do que poderiam estar procurando colocaçao, num mercado de trabalho restrito, näo tém incentivos para fazê-lo. Inexiste forma de determinar o montan­te desse número, mas podemos medir as taxas de participacäo da força de trabalho pelo fator tempo: em períodos de desemprego relativamente alto, os índices de participacäo da força de trabalho também podem cair, fornecendo alguma indicaçâo quanto ao número de pessoas que sao desestimuladas a ingressar

na força de trabalho (vide a Tabela 1, para taxas de participacäo na América Latina).

As cifras sobre o «franco desemprego» sao enga­ñosas, em outros aspectos: primeiro, urna taxa per-centual de desemprego indica a percentagem de de­sempregados e das pessoas à procura de trabalho, numa semana em particular. Embora represente um indicador pereentual de desempregados, em qualquer semana do ano, näo mede a porcentagem dos que eîtâo engajados na força de traballio e que ficam desocupados durante algum tempo, naquele ano. As-sim, näo indica a porcentagem da populaçâo atingida pela ansiedade do desemprego, durante períodos va-riáveis naquele ano. Por exemplo, o período de tempo mèdio em que alguém fica sem trabalho, nos Estados Unidos, gira em torno de quinze semanas; em 10 74, quando o número medio de desempregados nos Esta­dos Unidos chegou perto de 5 milhöes, 18,3 milhöes ficaram sem trabalhar por algum tempo, durante o ano (Dollars and sense, 1976, p. 10) — cerca de 22 por cento da força de trabalho. Em outros termos, a taxa de «franco desemprego» näo determina a por­centagem da força de trabalho em atividade durante urna fracäo do ano. Os dados de 1974 para os Estados Unidos implicam, por exemplo, em que menos de 80 por cento da populaçâo economicamente ativa e;teve empregada, em todo o ano.

Segundo, mesmo estas últimas cifras näo apreen-dem inteiramente o problema do «desemprego visível e invisível». Nao apenas grande parte da mäo-de-obra dos países de baixa renda provavelmente trabalha menos semanas por ano do que gostaria, como também muitos nao atingem o número integral de horas tra-balhadas por semana. Quando um relatório sobre em­prego registra que alguém esteve em atividade na semana de referencia, geralmente nao especifica quan-tas horas semanais aquela pessoa trabalhou. O indi­viduo pode cumprir dez horas semanalmente e ainda ser designado como empregado. Esse problema, inci­dentalmente, näo se limita aos países de baixa renda; nos Estados Unidos, em meados de 1960, cerca de 45 por cento da força de trabalho operou em regime parcial (menos de quarenta horas por semana) ou durante parte do ano (menos de quinze semanas anuais). Agora, num país de renda alta, urna fracäo significante desses trabalhadores de meio-período, em atividade durante parte do ano, pode preferir o t ra­balho em regime parcial. £¡ difícil dizer, sem um plano experimental, quanto desse subemprego é voluntario e involuntario. Quanto mais baixa a renda familiar média em um país, mais provável que o trabalho em regime parcial seja involuntario, urna vez que, na suposicáo de existir urna curva retrocedente da oferta (urna curva na oferta de trabalho na qual, em certos níveis salariais, remuneraçôes mais elevadas reduziräo o montante de empregos oferecidos) homens e mu-lheres apresentam maior tendencia para trabalhar mais horas e mais semanas quando se encontram na

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pobreza do que na ocasiäo em que já atingiram altos níveis de consumo.

Terceiro, a definiçâo de subemprego pode ser am­pliada para incluir nao apenas aqueles que trabalham durante menos semanas e horas do que poderiam desejar, caso estivessem disponíveis empregos em pe­ríodo integral, como também os que exercem atividades onde nao utilizam plenamente suas aptidöesi, ou ainda aqueles trabalhadores que poderiam produzir mais, caso seu traballio fosse organizado de forma diferente. Como Blaug observa (1973, p. 4), essa é urna defini­çâo de subemprego sob o ponto de vista da produtivi-dade, argumentando que, em certo sentido, o traba-lhador apresenta menor produtividade do que poderia, caso fosse empregado de forma mais eficiente. A parte interessante dessa argumentaçâo consiste em suas ramificaçôes para o potencial humano em opera-cao, pois Jensen demonstrou (valendo-se de dados de Inkeles-Smith: Inkeles e Smith, 1974) que os traba­lhadores aumentarti seu Q.I. trabalhando em fábricas, ao passo que näo o conseguem na atividade agrícola ou em oficios urbanos näo industriáis. Se esses resul­tados estäo certos, implican! em que grandes seg­mentos populacionais dos países de baixa renda näo sao apenas subempregados porque trabalham em seto-res tradicionais (onde poderiam produzir mais sob urna organizaçâo do trabalho mais «moderna»), mas por näo concretizarem seus níveis de desenvolvimento potencial, porque o tipo de atividade que executam aparentemente requer padröes de raciocinio relativa­mente mais simples, comparados aos que seriam capa-zes de apresentar.

Quarto, a natureza do desemprego pode ser dife­rente para os instruidos, em relaçào aos carentes de ensino. Podemos verificar que os desempregados de alto nivel educacional sao, em média, mais jovens que os menos qualificados; o desemprego da mäo-de--obra educada pode ocorrer, basicamente, no período imediatamente posterior à graduaçao, e constituir um período de «busca» de um emprego condizente com as expectativas do graduado. Trata-se de urna decisäo interamente racional e de um investimento de sua parte, especialmente se o primeiro trabalho constituí um determinante importante para empregos posterio­res. Evidentemente, deveríamos distinguir entre o desemprego representado pela procura de «bons» em­pregos e aquele resultante de urna suspensäo tempo­raria de um trabalho que o assalariado deseja manter.

A Dislribuicâo do Desemprego

Embora as taxas de desemprego, ñas sociedades näo industrializadas, sejam elevadas e incluam os individuos altamente escolarizados, o franco desem­prego é aparentemente mais baixo entre as pessoas de alto nivel educacional do que entre os menos instruidos. Isso seria particularmente verdadeiro se analisarmos os índices de desemprego dentro de gru­

pos etários (Blaug, 1973, p. 9-11; Blaug et al., 1969). Parece que a procura do trabalho mais especializado cresce mais rapidamente do que a demanda da mäo--de-obra menos qualificada; os empregadores substi-tuem os trabalhadores menos escolarizados pelos mais instruidos, dentro de urna razäo capital-trabalho des­cendente. 2 Nessas condiçôes, podemos presumir que há maior probabilidade de incidencia de franco de­semprego entre alguns grupos populacionais do que em outros, e que a eliminaçâo do desemprego origina consequêneias distribucienais.

Primeiro, a origem social constituí um importante fator determinante do volume de escolarizaçâo que a pessoa obtém. Se é o pobre que tende a obter um nivel de ensino inferior, e os ricos os mais elevados, o franco desemprego atinge os pobres mais duramente do que os ricos. O índice de inatividade é geralmente mais baixo entre os mais escolarizados do que entre os menos instruidos.

Segundo, o franco desemprego atinge as pessoas de diferentes classes sociais, com o mesmo nivel edu­cacional, de forma diversa. Os que pertencem as classes sociais inferiores têm maior probabilidade de ficar desempregados do que os procedentes de classes sociais mais elevadas, mesmo quando possuem o mesmo nú­mero de anos de ensino (Carnoy, Sack e Thias, 1976). Parte desse efeito deve-se aos tipos de escolas fre-qüentadas pelas varias classes sociais: as crianças de familias abastadas ingressam em escolas particulares ou ñas melhores escolas públicas e universidades (urbanas ou suburbanas, de alto custo), enquanto as crianças mais pobres frequentam escolas rurais ou provinciais (Mwaniki, 1973). Os empregadores, quan­do têm escolha, geralmente preferem os primeiros aos últimos. Isso se deve em parte, também, às liga-çôes com o mercado de trabalho, pouco desenvolvidas pelas familias pobres.

Além da disseminacäo do franco desemprego, existe evidencia de que pessoas com menor grau de instruçâo — aquelas procedentes de classes sociais inferiores — trabalham menos horas por semana, e menos semanas por ano, do que as dotadas de maior nivel educacional (Eckaus, 1973). Mesmo ao nivel universitario, as profissoes geralmente associadas aos estudantes da classe média baixa, tais como pedago­gía e humanidades, requerem menos horas de traba­lho por ano do que aquelas ministradas ñas facili­dades das classes sociais mais elevadas, tais como

Carnoy e Marenbach, 1975. Mostramos que a taxa de retorno ao ensino primario nos Estados "Unidos diminuiu, apesar de um decréscimo do número absoluto de pessoas com instruçâo primaria, Ka força de trabalho, enquanto o Indice de retorno com relaçào ao colegio permaneceu estável, e a porcentagem de retorno relativa à universidade elevou-se (possuimos dados sobre rendas de graduados pelas universidades apenas para o periodo de 1959-69), a despeito do rápido aumento do nùmero de pessoas com esse nivel de ensino na força de trabalho.

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engenharia e medicina (Carnoy, 1975). Os que obtêm mais instruçâo e ensino de maior prestigio têm acesso a empregos que nao somente sao melhor remunera­dos por hora, como requerem (ou permitem) que trabalhem mais horas. Os individuos mais instruidos, portanto, nao apenas têm maior oportunidade de conseguir traballio, como mais probabilidade de con­seguir empregos que lhes permitem obter maiores rendimentos, através de maior volume de traballio.

Finalmente, devenios reconhecer a existencia de urna porcentagem significativa de desemprego entre os jovens (15-24 anos de idade), e isso afeta de forma ponderável nossas estimativas da relacäo entre educaçâo e desemprego, urna vez que os jovens sâo mais instruidos do que os integrantes mais velhos da força de trabalho (Blaug, 1973). "& verdade que os jovens têm poucas responsabilidades familiares e, portanto, deveriam apresentar menor ansiedade quan­to ao fato de ficarem inativos. Desse modo, os pla­ne j adores poderiam argumentar que o custo social (como o apresentamos) do desemprego seria consi-deravelmente mais baixo caso este fosse imparcial-mente distribuido sobre todos os grupos etários. Nesse sentido, o sistema económico parece racional ao destinar maior risco de desemprego aqueles que sofrem menos com a inatividade. Esse padräo de de­semprego, contudo, apresenta importantes implicaçôes para o planejamento educacional, como veremos: taxas elevadas de desemprego e subemprego, entre a ju-ventude, significam que o custo da obtençâo de ensino adicional também é mais baixo, produzindo mais pressâo no sentido da ampliaçâo do sistema escolar, elevando a escolaridade média dos desempregados e aumentando o volume da força de trabalho qualificada (parcialmente empregada).

Com todas essas noçôes de desemprego, subem­prego e distribuiçâo do desemprego assediando nossa análise, o planejador pode perguntar-se como enfren­tar o problema do emprego. Estamos sugerindo que o planejador tenha em mente os custos sociais do desemprego, do ponto de vista humano: que tipos de medidas económicas ajudam todo o povo, numa determinada sociedade de baixa renda, a obter fluxos de rendimentos seguros, procedentes do trabalho, per-mitindo-lhe trabalhar todo o tempo, caso deseje fazê-lo? Isso, obviamente, näo soluciona o problema das baixas rendas e da satisfaçâo do trabalhador, urna vez que a remuneraçao atribuida a esse emprego em regime integral pode ser ínfima e a atividade difícil e inde-sejável. Nem resolve o problema do baixo consumo per capita, ja que, como em Cuba, pode haver dis-ponibilidade de trabalho e salarios razoavelmente elevados, mas relativamente pouca disponibilidade de bens de consumo. Näo obstante, o pleno emprego, sustentamos, reduz o importante elemento de medo/ ansiedade dos trabalhadores (possivelmente também diminuindo a produtividade) inerente a um mercado de trabalho de alto desemprego (supernos que o

pleno emprego poderia atenuar as taxas de rotativi-dade ou, pelo menos, a ansiedade associada à rota-tividade, quando os períodos de oferta de trabalho coincidem com urna situaçâo de elevado desemprego). E, enquanto urna política de pleno emprego pode reduzir a produtividade média, provavelmente existem outras formas mais humanas de incremento da pro­duca© do que ameaçar os trabalhadores com demis-söes. Do mesmo modo, o problema das condiçôes de trabalho e da satisfaçâo do trabalhador pode ser tratado independentemente da questäo do desemprego.

Qual o Papel do Planejamento Educacional na Solucáo do Problema do Desemprego e Subemprego?

Tendo esses objetivos em mente, o que pode fazer o planejador educacional para aperfeiçoar a situaçâo do emprego, numa sociedade de baixa ren­da ? Argumentaremos que a resposta a essa questäo reside, em grande parte, na concepçâo que o plane­jador tem do funcionamento da economia e da consé­quente natureza dos mercados de trabalho.

Por um lado, podemos supor que o desenvolvi-mento capitalista é inerentemente benéfico, numa forma tecnicamente deterministica, a todos aqueles que vivem e trabalham nesse contexto económico. Consideraríamos, entäo, que as distorçôes da econo­mia e do mercado de trabalho constituem as causas principáis do desemprego, e que a ineficiência dos investimentos públicos representa um determinante básico do desemprego/subemprego educacional. Com base nessas suposiçôes, pode-s« responsabilizar o plano de ensino pelo desemprego, nos seguintes as­pectos: (a) aceleraçâo da migraçâo para as cidades, provendo-se educaçâo gérai ñas áreas rurais, ensino inútil para o aumento da producá» agrícola, mas que aumenta expectativas de trabalho e renda que nao podem ser satisfeitas ñas zonas rurais; (b) «excesso de instruçào», relativamente aos empregos que os individuos podem obter, de forma que efetivamente permaneçam fora da força de trabalho durante longos períodos de tempo, ao invés de aceitarem trabalhos abaixo de suas expectativas; e (c) «ensino inade-quado», a fini de que näo possam encontrar em­pregos proporcionáis a suas aptidôes, adquiridas na escola. O planejador, por seu lado, pode contribuir para a diminuiçâo do desemprego dos individuos ins­truidos através de (a) criaçao de ensino a baixo custo, adequado ao grande número de empregos de baixo nivel da economia (particularmente atividades rurais), dessa forma reduzindo (ou modificando) as expecta­tivas dos diplomados; (b) limitando o número de graduados emergentes de instituiçôes educacionais ; e (e) promovendo (através do planejamento) urna melhor compatibilizacáo entre aptidôes de nivel su­perior, necessárias à economia, e aquelas ensinadas ñas escolas (Blaug, 1973; Emmerij, 1972).

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Näo obstante, mesrr.o sob a hipótese da 'racio-nalidade» capitalista, permanece a séria questâo quan­to à responsabilidade do planejamento educacional pelo desemprego' dos instruidos; na verdade, como Blaug ressalta, a desativaçâo da mäo-de-obra ins­truida pode ser mais urna questâo de desemprego da juventude do que o fato dos trabalhadores serem «excessivamente instruidos» ou «inadequadamente en-sinados». A questâo do papel do planejador, entäo, deveria ser transferida para o problema da resoluçâo do desemprego dos jovens.

Numa diferente série de hipóteses acerca do desenvolvimento capitalista, e resultante estrutura dos mercados de traballio, o processo de produçào é orga­nizado para, beneficiar basicamente os possuidores de capital, executivos e seus aliados burocráticos. A grande maioria de trabalhadores participantes é ma­nipulada para cumprir os objetivos desses grupos de elite. Tais suposiçôes indicam que o desemprego nao é produto de distorçôes num sistema de produçào, de outra forma sólido e racional, mas originado pelas elites capitalistas, burocráticas que procuram maximi-zar seus próprios lucros. O investimento público em programas educacionais, que parecem ineficientes do ponto de vista das pessoas pobres e das massas rurais, geralmente sao racionáis em termos dos obje­tivos capitalista-burocráticos. Sob tais hipóteses, estäo mal dirigidas as falhas atribuidas à ampliaçâo do ensino para os desempregados instruidos, desviando a atençâo da procura pelas causas reais do desem­prego, que residem na natureza da produçào capita­lista, particularmente na relaçâo antagónica entre administradores e empregados, e na pressáo dos capi­talistas em favor de urna política governamental ge-radcra de excesso de mäo-de-obra e de um superávit de traballio qualificado. A expansäo do ensino desti­nado à força de traballio1, nesta análise, nao aumenta nem diminuí o desemprego, de forma significativa; simplesmente eleva o nivel medio de escolaridade dos trabalhadores empregados e desempregados. Também pode modificar a característica do subemprego; este, ñas áreas rurais (em termos de horas trabalhadas por ano) desloca-se para um pleno desemprego ñas áreas urbanas, e os trabalhadores tornam-se cada vez mais instruidos (de acordo' com suas expectativas! em relaçâo ao trabalho que obtêm, dessa forma aumen­tando o «subemprego invisível» urbano.

No restante deste trabalho, analisaremos as teorias sobre mercado de trabalho em que se apoiam essas diferentes concepçôes de educaçâo e desem­prego, e as diferentes estrategias délas originarias.

I. TEORÍAS SOBRE MERCADOS DE TRABALHO E DESEMPREGO

O papel da educaçâo em relaçâo ao emprego depende, fundamentalmente, de como concebemos o funcionamento- da economia e seus mercados de tra­

balho. A fini de se compreender os conceitos dos economistas quanto ao desemprego, e as estrategias propostas para eliminá-lo, precisamos, antes de tudo, estudar os modelos básicos que adotam. Apresenta-mos aquí, sucintamente, tres desses modelos: a teoria ortodoxa dos mercados de trabalho permanentes, as teorias dualistas de mercados de trabalho e as teorias radicais/marxistas particularmente aquela do mercado de trabalho segmentado e do exército de reserva dos desempregados.

Teoría Ortodoxa

A teoría ortodoxa, ou neoclàssica, do desenvol­vimento, a despeito do muito que possam dizer aqueles que enfatizam sua aproximaçâo empírica, de elimina-çâo de problemas, tem suas raizes na ideologia capi­talista e está intimamente ligada a urna organizaçâo capitalista de produçào idealizada. A maioria dos economistas ortodoxos, portanto, faz urna aproximaçâo ao problema do desenvolvimento considerando-o urna questâo de organizaçâo da economia, de urna forma que se assemelha intimamente a um sistema de livre empresa «controlado», caracterizando os que traba-lham nesse sistema à semelhança de trabalhadores, executivos e empresarios das economías industriáis. Naturalmente, existem muitos economistas ortodoxos que reconhecem a ocorrência de diferenças entre os problemas de desenvolvimento dos países nao indus­trializados, atualmente em fase de emergencia, e os padróes desenvolvimentistas dos países industrializa­dos, há um século atrás. Nao obstante, há na teoria ortodoxa urna linearidade explícita e continuidade de transformaçào: o desenvolvimento é um processo linear e continuo, que ocorre de forma incremental. Isso implica numa aproximaçâo näo histórica à evoluçâo económica, considerando-se o problema dos países de baixa renda, atualmente, como carencia das qualidades que tornam os países de renda elevada relativamente ricos. Além disso, o processo de pro­duçào, conforme essa teoria, é aquele do quai todos os individuos participam igualmente e têm livre esco-lha, embora alguns possam ser -'mais espertos» e mais «motivados» do' que outros. De qualquer forma, a teoría carece de qualquer conflito intrínseco entre grupos, visto que os intéresses e possibilidades indi­viduáis (refletidos no sistema de preços) dominam quaisquer vínculos grupais. Igualmente, a teoría con­sidera as relaçôes económicas entre os países capita­listas como desprovidas de conteúdo político — os países pobres e ricos negociam como iguais no mer­cado internacional, governado por preços objetiva­mente fixos de bens e serviços.

Nesse contexto, a concepçâo ortodoxa de empre-go/desemprego deriva dos conceitos de equilibrio competitivo e produtividade marginal; no equilibrio competitivo, a mäo-de-obra recebe salarios equivalen­tes à sua contribuiçâo marginal para a produçào. Se

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houver interferencia no equilibrio competitivo, tanto nos produtos de mercado quanto no proprio mercado de traballio, distorcendo os custos de investimentos, pode resultar o desemprego. Em outras palavras, mais pessoas que podem trabalhar sob os salarios vigentes desejarâo fazê-lo, já que a remuneraçâo é superior ao produto marginal dos desempregados.

Nos primeiros modelos desenvolvimentistas orto­doxos, o traballio era tratado como entidade homo­génea, e assim os economistas falavam do produto marginal da mäo-de-obra como se todas as horas de trabalho humano fossem as mesmas. Entretanto, ñas duas últimas décadas, a economia neoclàssica incor-porou diferenciáis de aptidóes no conceito de trabalho, através da teoria capital humano. Nessa teoria, o que se requer e o que é oferecido ao mercado de trabalho nâo é a força humana homogénea, mas as carac­terísticas do trabalhador. O modelo capital humano pressupôe que a capacidade produtiva do individuo, ou o valor de seu trabalho na estrutura da produçâo, é determinado pelo montante dos investimentos em capital humano gerador de renda. Algumas pessoas têm melhor saúde, escolarizaçâo e treinamento. Assim, o conceito enfoca as decisóes e opçôes do trabalhador entre os investimentos ñas capacidades produtivas, e as decisóes do empregador individual em contratar determinadas combinaçôes de qualificaçôes que integra a outros investimentos na produçâo, aos preços pre­dominantes para as diversas capacidades produtivas.

Ñas explanaçôes sobre o desemprego e as solu-çôes para o mesmo, a economia ortodoxa formula o conceito de trabalho, tanto conio horas/homem ho­mogéneas quanto corno capital humano (característi­cas do trabalhador), e em ambos os casos aceita a existencia de leis gérais que se aplicam igualmente a todos os individuos no mercado de trabalho. Assim, seja urna hora/homem de trabalho ou um ano de escolarizaçâo, o mecanismo do mercado considera esses fatores (preços) de forma semelhante, em toda a extensáo do mercado de trabalho daquela economía; supöe-se que, num equilibrio competitivo, o mercado para horas/homem de trabalho ou para varios inves­timentos em qualificaçôes fique «nítido»; caso isso nao ocorra, infere-se que, em certo sentido, o mercado que estäo desempregados. Ou seja, dada a existencia distorçôes e, se puderem ser eliminadas, alcança-se o pleno emprego.

As implicacóes da teoria ortodoxa para urna estrategia de pleno emprego devem ser claras: o desemprego é provocado pelas distorçôes da economia; eliminem-se essas distorçôes e será atingido o pleno emprego. Quanto à relaçâo entre o ensino e o desem­prego, a teoria ortodoxa, em sua forma mais estrita, teria de colocar a culpa do desemprego sobre aqueles que estäo desempregados. Ou seja, dada a existencia de desempregoo numa economia, devido a distorçôes do mercado (provocadas, por exemplo, pela interven-

cao inadequada do Estado no sistema econòmico, ou em virtude da existencia de monopolios na produçâo) que estäo além do controle do trabalhador individual, cada assalariado em potencial teria de enfrentar urna série de decisóes quanto ao investimento no capital humano. Se tomarem as decisóes corretas, ingressaräo ñas fileiras daqueles constantemente empregados, e caso tomem medidas erradas, engrossarâo o contin­gente dos frequentemente desempregados. Os inativos, entäo, sao aqueles que nao investiram na série de características «correta», inclusive a quantidade ou tipo de escolarizaçâo adequada que lhes daria urna alta probabilidade de obtençâo de emprego na escala salarial «distorcida» predominante.

Naturalmente, o modelo nao considera os objetivos do trabalhador simplesmente em termos de probabili­dades de emprego, pois os individuos nao maximizam apenas o cargo, mas também a segurança no tra­balho e os rendimentos esperados (ou salarios). Al-guns preferem ocupaçôes onde existe elevada taxa de desemprego, mas urna oportunidade de conseguirem altos rendimentos, enquanto outros podem optar por empregos de menor remuneraçâo, com boas probabi­lidades de trabalho permanente (no caso, aqueles com instruçâo primaria). Mesmo assim, no modelo orto­doxo, os menos instruidos apresentam maiores índices de desemprego, em relaçâo aos de maior nivel instru-ciohal, em parte porque lhes falta a série adequada de características necessárias para serení contratados, dadas as condiçôes da economia. A soluçâo para esse problema consiste tanto em corrigir as distorçôes eco­nómicas que produzem o desemprego quanto em prover trabalhadores dotados das características, quan­tidade e tipo de escolarizaçâo que venham a aumentar suas possibilidades de emprego, ou realizar ambas as correcóes.

Examinamos a questáo considerando a maioria dos recentes relatónos sobre desemprego. Solucóes desse género foram propostas, começando com a «Guerra contra a Pobreza», nos Estados Unidos, há dez anos atrás, na qual recursos maciços foram alo­cados à escolarizaçâo e treinamento da juventude desempregada (Levin, 1976, apresenta urna excelente análise do fracasso da teoria ortodoxa em reduzir o desemprego durante aquele periodo), e culminando agora numa série de relatónos da Organizaçâo In­ternacional do Trabalho. Por exemplo (Blaug, 1973, p. 5-6, resumindo o Relatóri» da OIT, da Colombia) :

" . . . urna taxa cambial superdimensionada, jun­tamente com um sistema de quotas de importaçâo e taxas de juros subsidiadas, reduziram o custo do capital, enquanto um elaborado sistema de leis tra-balhistas elevou o preço real do trabalho para os empregador es. De forma semelhante. . . a capacidade da agricultura para absorçâo de maiores contingen­tes de trabalho foi contida pelo fracasso na subdivi-säo das grandes propriedades e conséquente promoçâo da agricultura familiar. Finalmente, e de modo ainda

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mais polèmico, estabelece [o relatório da OIT da Colombia] um elo direto entre o problema do emprego e a distribuiçao de renda altamente desigual que caracteriza a Colombia, assim como quase todos os outros países em desenvolvimento".

Sobre o desemprego da força de traballio instrui­da, após criticar o conceito do relatório da OIT, de «incompatibilidade» entre as expectativas dos diplo­mados, geradas por um sistema de ensino tradicional, e as oportunidades de emprego criadas pelo mercado de traballio, Blaug argumenta que o problema real reside na estrutura salarial da economia; a remune­raci© da força de traballio mais instruida é estabele-cida em níveis muito elevados pela burocracia gover-namental (a qual, nao participando da economia de maximizaçâo de lucros, cambial, nao precisa fixar sa­larios iguais ao produto marginal). Urna «estrutura salarial distorcida» conduz, simultaneamente, ao «ex-cesso de investimento na educaçâo» e ao desemprego da mäo-de-obra mais educada.

Assim, as distorçôes originam o desemprego. Quanto a isso, existe concordancia. Aparentemente, porém, há considerável divergencia, na teoria ortodoxa, quanto às razôes para os individuos investirem em métodos que podem manter ou aumentar, ao invés de reduzir, suas oportunidades de ficarem desempregados. Por um lado, os relatórios da OIT apontam a exis­tencia de instituiçôes (escolas estatais) que sao dis­torçôes em si mesmas, criando um produto nao ade-quado para o moderno processo de produçâo capita­lista. De outro, Blaug argumenta que os individuos nao estao mal orientados em seus inves timen tos (na verdade, estäo maximizando suas expectativas sala­riais), mas que com os salarios vigentes o sistema nao' pode absorver todos que desejam empregos bem remunerados.

Existera outras razôes para o investimento incor­rete: (a) sistemas de informaçâo ineficientes, de modo que os estudantes näo sabem quais os tipos de tra­ballio disponiveis, tendendo a investir nas qualificaçôes inadequadas; e (b) desequilibrios, ou ajustamentos, na economia, provocados pelas novas formas de tecno­logías que levam grandes massas de trabalhadores ao desemprego porque nao foram tremados para executar o novo tipo de traballio. Ambos os fatores, segundo se afirma, colocam os estudantes na posiçào de avaliar incorretamente o valor de determinadas aptidöes. Urna vez feita a opçâo, o estudante tanto pode ficar sem traballio quanto, como no segundo caso, encontrar emprego mas chegar à inatividade alguns anos depois, porque o tipo de funçôes para as quais foi treinado tornou-se obsoleto 3.

3 Durante a Revoluçâo Industrial na Inglaterra, por exem-plo, os comerciarlos eram substituidos a cada década, e novas categorías de trabalhadores qualificados, tais como mecánicos, tiveram grande procura, apenas para mais tarde entrarem em declínio e serem substituidas por mäo-de-obra ainda mais qualificada (Thompson, 1963).

Nesta análise das causas do desemprego, e com base na hipótese da teoria ortodoxa de um mercado de traballio estável, contingentes cada vez mais nu­merosos de mäo-de-obra qualificada podem e seräo absorvidos pelo mercado de traballio caso sua remu-neraçâo decline, em relaçao aos salarios de trabalha­dores menos instruidos. Assim, urna política adequada para reduzir o desemprego dos assalariados com maior nivel educacional consiste em diminuir sua remuneraçao, especialmente no setor público com seus altos níveis salariais. Mesmo que isso nâo aumente o emprego, devido à rigidez do mercado de traballio, argumenta-se que a longo prazo o efeito das reduçôes salariais será sentido na diminuiçâo da oferta da mäo-de-obra instruida, urna vez que o retorno para investimento na educaçâo sofrerá um declínio. * De forma semelhante, o aumento do custo da escolariza-çâo para o individuo, fazendo com que ele ou sua familia suportem urna proporçâo crescente do custo total do ensino, tendera a limitar a oferta do traba­llio qualificado, em relaçao à demanda, reduzindo o desemprego da mäo-de-obra educada.

Mas, e quanto à relaçao entre a expansäo do ensino e o desemprego global? A teoria ortodoxa identifica qualquer relaçao entre o crescente nivel educacional da força de traballio e o emprego ? Pouco existe a indicar urna politica beni delineada resultante dessa teoria. Por um lado, os instruidos parecem ter maior probabilidade de pleno emprego do' que os menos qualificados, especialmente quando os trabalhadores rurais sao excluidos da análise. O fato, porém, näo deve ser considerado um indicador (embora muitos planejadores tenham interpretado1 os dados dessa for­ma) de que o aumento da média de escolarizaçâo acarrete níveis mais baixos de desemprego. Â medida em que cresce o número do pessoal mais instruido, relativamente aos cargos de alto nivel disponiveis, o valor do ensino superior, em termos de pleno emprego, entrará em declínio; a teoria ortodoxa prediria esse resultado. A despeito do declínio em valor, contudo, a teoria sustenta que o crescente investimento na edu­caçâo eleva a taxa de crescimento da economia e, conseqüentemente, o número global de empregos dis­poniveis para todos, s isso, juntamente com a suposta diminuiçâo da natalidade, na medida em que se eleva a média instrucional das mulheres, constituí o mais forte argumento isolado da teoría ortodoxa a favor do aumento do emprego global, como resultado de urna evoluçâo na média educacional da força de trabalho. Ironicamente, de acordo com esse racioci­nio, o desemprego dos instruidos pode aumentar, en-quanto a taxa de desemprego total decresce. Isso depende, em grande parte, do padräo de investimentos

4 Foi o que aconteceu na Turquía, nas décadas de 30 e 40, quando o governo reduziu os salarios relativos dos individuos de nivel educacional mais elevado (Ozelli, 1968).

5 Vide Carnoy, 1977; e Hallak, 1974, para um resumo desses argumentos.

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na educaçâo: se o nivel média de escolarizaçao da força de traballio sofrer um acréscimo, através de investimentos maciços no ensino superior, em relaçao aos outros níveis, a análise ortodoxa prediria haver maior probabilidade do desemprego entre os indivi­duos de nivel educacional mais elevado do que se ocorresse um aumento no nivel medio de escolarizaçao, por meio de investimentos relativamente volumosos, aos níveis primario e ginasial.

Tudo parece indicar urna relaçao positiva entre o aumento da escolaridade e o pleno emprego global. Contudo, a expansào do ensino, de acordo com a teoria ortodoxa, pode originar urna elevaçâo dos índices de emprego (através dos efeitos da natalidade e do crescimento populacional) ao mesmo tempo em que aumenta o franco desemprego; a expansào do ensino ñas áreas rurais pode estimular a migraçào do campo para a cidade (Todaro, no prelo), transformando o subemprego rural em franco desemprego urbano. No-vamente, a soluçào dada pela teoria ortodoxa para esse problema reside na eliminaçâo das «distorçôes», que produzem diferenciáis de salarios persistentes, urbano/rurais e no serviço público. Corn a correçâo das taxas cambiáis, reduçâo das tarifas de proteçào à industria e revogaçâo dos acordos sindicáis coletivos, os índices salariais ñas áreas urbanas deveriam decli­nar, relativamente à remuneraçào agrícola, dessa forma bloqueando o fluxo para as cidades e reduzindo a taxa de franco desemprego.

Ao se reverem as prediçôes e soluçôes da teoria ortodoxa, tem-se pouca dúvida de que nao naja alguma validade na análise. 13 provável, por exemple, que o aumento do número de graduados exerça urna pres-säo decrescente sobre os salarios, elevandoi suas pro­babilidades de desemprego; a reduçâo dos salarios do pessoal de nivel superior, no setor governamental, como Blaug sugere, provavelmente diminuirla a pres-säo sobre as universidades e teria o efeito de reduzir o desemprego de universitarios graduados; é provável que um melhor aconselhamento ñas escolas viesse a limitar o período de espera para a obtençâo de em-pregos, após a graduacáo dos estudantes; e a reduçâo dos salarios tendería a aumentar a taxa de emprego. A restriçâo dos subsidios ao capital (baixas taxas de juros, tarifas protecionistas, taxas cambiáis pró--capital) também poderia desacelerar a adoçâo de tecnología de capital intensivo e incrementar o desen­volvimiento de tecnologia de traballio intensivo — e, portanto, geradora de empregos (International Labcur Office, 1971).

Nao obstante, embora tudo isso possa ser analiti­camente correto, e as medidas sugeridas, portanto, proveitosas no sentido de reduzir o desemprego, as sugestöes da teoria ortodoxa apresentam duas sérias dificuldades : primeiro, é questionável se muitas das soluçôes propostas, tais como um melhor ajustamento entre o currículo e as oportunidades de traballio, po-

dem fazer algo mais do que diminuir o desemprego global e da mäo-de-obra instruida marginal, mesmo a longo prazo; dispendio de energia e recursos na busca desses tipos de soluçào provavelmente constitui-riam um curso de açâo decepcionante para os plane-jadores. Segundo, e mais importante, O' conceito global de eliminaçâo das «distorçôes» da economia e do mer­cado de trabalho, como base para solucionar o pro­blema do desemprego, impede o exame da questâo muito' mais profunda sobre o porqué da existencia dessas supostas distorçôes. O fato de argumentar, como nos relatónos da OIT, que «urna distribuiçâo de renda mais equitativa venha a contribuir para aumentar o nivel de emprego, pela alteraçâo do pa-dräo de consumo no sentido de maior utilizacáo do trabalho» (Blaug, 1973, p. 6); que a alteraçâo do sistema tarifario, taxas cambiáis, assim como das leis trabalhistas, eleve a oferta de emprego; ou que urna política de reduçâo dos vencimentos dos buró­cratas governamentais de nivel universitario concerra para desestimular a procura de ensino superior, etc., nao explica o motivo' que originou essas medidas, em primeiro lugar.

Na verdade, enquanto a economia ortodoxa parece evitar as implicaçôes políticas das «distorçôes», está realmente adotando urna concepçâo específica do papel do Estado no desenvolvimento capitalista; tal concepçâo, exposta por Schumpeter (1951), sus­tenta que a burocracia governamental age quase que inteiramente para seus próprios fins (burocráticos), interferindo no eficiente funcionamento de um sistema de livre empresa politicamente «neutro». Impostos, taxas cambiáis, leis trabalhistas, etc., emanam de urna burocracia governamental interferente, de acordo com sua interpretaçâo autònoma das necessidades da sociedade e conforme o que sua liderança acredita ser necessario para sobreviver politicamente. Assim, a correçâo das distorçôes está ñas mäos dos planejadores e políticos esclarecidos; ou, nos modelos mais ortoxos, na retirada do governo do mercado de trabalho. As distorçôes, portanto, sao erres que podem ser corri-gidos quando um governo de visào decide fazê-lo. O desemprego em geral e da mäo-de-obra instruida constituem o resultado desses equívocos; portanto, o desemprego de qualquer especie é considerado urna ineficiência devida à intervençâo ineficaz do governo num sistema económico de livre-empresa, que de outra forma seria eficiente. Além disso, a economía ortodoxa supóe que todos têm igual acesso ao Estado causador de distorçôes; trabalhadores e capitalistas, ñas econo­mías capitalistas, sao parceiros iguais no processo político e económico. Dai o conceito da origem pura­mente monetaria da transformaçâo tecnológica e do desemprego, e a suposiçâo crucial de que o custo do capital e do trabalho é igual a algum preço neutro de «equilibrio» baseado numa «produtividade margi­nal» de investimentos, objetivamente estabelecida e co-m base nos preços de bens.

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Teorías Duallsticas dos Mercados de Traballio

Um dos primeiros desafios à concepçao neoclàs­sica do problema do desenvolvimento foi o conceito do dualismo econòmico (Boeke, 1953; Higgins, 1959; Myint, 1964). O dualismo propunha a existencia de barreiras ao desenvolvimento que provocavam näo-line-aridades. Alguns setores da economia eram desenvol­vidos e outros nao, e isso näo era simplesmente o resultado da presença de recursos em urna área e sua ausencia em outra. Mais precisamente, a natureza da força de trabalho ou dos organizadores da producäo, em um setor, era essencialmente diversa de outro; o fato tornava a evoluçào do setor atrasado muito mais difícil do que subentendido pela teoria neoclàssica.

A origem do dualismo foi considerada inicialmente corno sendo cultural: nos setores de producäo «moder­nos», ou influenciados pela Europa, os trabalhadores respondiam aos incentivos salariais como nos países industrializados e os mercados de trabalho operavam de forma semelhante aos mercados de trabalho euro-peus. Mas nos setores «tradicionais» os assalariados nao eram estimulados pela ética capitalista de acumu-laçào e competiçâo e, assim, trabalhariam apenas o suficiente para satisfazer as necessidades económicas mínimas. O salarios mais elevados no setor tradicio­nal, de acordo com essa teoria, originaram um menor volume de trabalho por parte dos trabalhadores nacio-nais. O =ubemprego ñas áreas rurais resultou do fato das pessoas näo desejarem trabalhar com mais afinco, porque possuíam tudo de que essencialmente precisa-vam, dentro de seu padräo de vida cultural. Nesse sentido, o pleno desemprego foi invençâo dos setores modernos, capitalistas, urna vez que as comunidades rurais tradicionais partilhavam o trabalho disponivel e cuidavam dos incapacitado« para as atividades de produçâo.

Mas é na versäo técnica da economia dual que encontramos as causas do desemprego e dos diferen­ciáis dos salarios urbano-rurais discutidas em maior detalhe. O setor moderno, nessa versäo, paga salarios relativamente altos e utiliza tecnologia moderna. Contudo, o setor moderno emprega apenas urna par­cela diminuta da força de trabalho. A maioria dos trabalhadores está no setor agrícola ou na produçâo de serviços de baixos preços, onde a remuneraçao aproxima-se do nivel de subsistencia e a tecnologia é primitiva e de trabalho intensivo. A essência do dua­lismo tecnológico reside, portanto, ñas tecnologías em-pregadas nos dois setores: de capital intensivo (im­portada da Europa) no moderno, que absorve poucos trabalhadores em relaçâo ao capital investido, e tec­nologia de trabalho intensivo do setor tradicional. O acesso da mäo-de-obra ao setor moderno é limitado: o crescente investimento nessa área produz um número muito baixo de novos empregos. Ao mesmo tempo, as poupanças e investimentos no setor tradicional sao dificultadas, devido ao nivel do trabalho de subsistencia

nesse setor e ao comportamento Malthusiano do cres-cimento populacional.

O dualismo tecnológico levou indiretamente a um modelo de mercado de trabalho de «competiçâo pelo emprego» (Thurow e Lucas, 1972). De acordo com esse modelo, a «produtividade» é um atributo dos empregos, näo das pessoas. Aqueles cargos em que o trabalhador opera com equipamento moderno sao de alta produtividade, e os assalariados entram em fila para conseguir esses empregos. Urna vez que um trabalhador é contratado, as habilidades cognitivas necessarias para elevar sua produtividade até a pro­dutividade da funcáo sao aprendidas através de pro­gramas de treinamento formais e informais. O critèrio principal utilizado pelos empregadores na seleçâo de candidatos aos empregos é a «treinabilidade*. Os tra­balhadores que possuem as características de raça, sexo, educaçao, idade, testes psicológicos e experiencia anterior, que os empregadores sentem que reduziräo os custos de treinamento, väo para a cabeça da fila e recebem os «melhores» empregos.

O dualismo tecnológico e o modelo de competiçâo pelo emprego sustentam que os salarios näo consti­tuent do suprimento de mäo-de-obra; o excesso de oferta näo provoca a queda des salarios, urna vez que estes sao funçâo dos cargos, näo dos individuos, e a natureza de um emprego é funçâo da tecnologia a ele associada. O desemprego, também, é urna funçâo do investimento em capital físico e da intensividade desse capital. Assim, o subemprego e o desemprego dependem da capacidade do setor moderno em absor-ver a força de trabalho em empregos modernos, de período integral.

Nesse modelo, a educaçao desempenha um papel ambiguo. Por um lado, a mäo-de-obra instruida é mais «treinável» e, portanto, mais capaz de conseguir os empregos de período integral, permanentes, asso-ciados ao setor moderno de capital intensivo. Por ou­tro, o aumento do nivel medio de escolarizacäo poueo efeito exerce sobre o número de empregos disponíveis ou sobre a produtividade dos trabalhadores em em­pregos modernos, urna vez que o trabalho nesse setor depende ampiamente do investimento em capital e da tecnologia (grande parte da qual provém do exterior), e nâo do nivel educacional dos trabalhadores contrata­dos, sendo a produtividade urna funçâo do cargo, näo das características dos assalariados. A educaçao, por­tanto, produz conseqüencias distributivas (quem será empregado e despedido) mas nao acelera o crescimento (exceto, talvez, pela diminuiçâo dos custos de treina­mento) ou aumenta as possibilidades de emprego no setor moderno. Essas variáveis sao determinadas ex­ternamente à educaçao, geralmente pela tecnologia e investimento estrangeiros.

Além disso, no modelo de competiçâo pelo em­prego, o aumento da quantidade de trabalhadores escolarizadoa näo afeta os níveis salariais da força

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de traballio instruida. No modelo ortodoxo, a rigidez salarial e, na verdade, o desemprego (o fracasso do mercado em reduzir salarios e desobstruir o mercado de traballio) devem ser explicados pela interferencia governa mental, através das leis de salario mínimo e do reconhecimento do« sindicatos como possuidores de direitos de negociaçâo coletiva. Isso é considerado urna distorçâo externa que incide no funcicriamento do mercado de traballio. O modelo de competiçâo pelo emprego, porém, concebe es salarios como urna funçâo da maneira pela qual os capitalistas dirigem os mer­cados de traballio: identificando certos salarios com determinada tecnologia ou características do emprego, o empresario está relativamente fixo no que deseja pagar para a execuçâo de urna tarefa em particular e quanto ao número de trabalhadores que deseja con­tratar. A tecnologia escolhida para a produçâo de um produto específico, por seu lado, é estabelecida basicamente por aquela utilizada para fabricar a mer­caduría nos países altamente industrializados, visto ser a tecnologia corn a quai o capitalista e seus téc­nicos estäo familiarizados. Portante, o desemprego é funçâo das decisóes capitalistas, nao das resoluçôes de um governo trabalhista, e a modificaçâo dos tipos de qualificaçôes da força de traballio pouca influencia terá na mudança da estrutura salarial cu na quanti-dade de pessoas empregadas no setor moderno.

A existencia de urna vasta burocracia paralela a um setor capitalista moderno relativamente limitado, na maioria dos países de baixa renda — burocracia que absorve urna alta parcela da força de traballio instruida —, complica a dualidade do modelo de com­petiçâo pelo emprego: como é estabelecida a estrutura salarial da burocracia? Existe urna «tecnologia» buro­crática importada, que impede a queda dos salarios no setor público? Em certo sentido, pode-se argu­mentar que a ettrutura salarial e a «tecnologia» da burocracia pública de muitos países foi herdada don antecessores coloniais e, assim, constituí um setor ìtiìpcrtado, do tipo moderno. A alteraçâo dessa estru­tura salarial provavelmente demandaría toda urna nova ordern hierárquica na burocracia. E, até certo ponto, a remuneraçâo no setor público pode estar intimamente vinculada as estruturas salariais do setor privado moderno, as quais, por seu lado, conforme esse modelo, sao determinadas pela tecnología im­portada. Assim, embora Elaug possa estar certo ao sugerir que as estruturas salariais do setor público devem ser responsabilizadas, em grande parte, por um «excesso de oferta» de traballio instruido, as mes-mas podem näo ser independentes de urna organizaçâo particular de prcduçâo de bens e serviços; a recomen-daçâo de mudança nos diferenciáis salariais do setor público pode implicar na modificaçâo da tecnologia empregada, tanto na produçâo de serviços geverna-mentais quanto em bens industriáis.

Teorías Radicais/Marxistas de Produçâo e Segmentaçâo do Mercado de Traballio

Ao contràrio da teoria ortodoxa e das teorías do dualismo econòmico, as teorías económicas radicáis * pressupöem que a relaçâo social básica da produçâo, sob o capitalismo, näo é o mecanismo de preços nem a tecnologia, mas a relaçâo d; capitalista com o tra-balhador, a quai, em condiçôes modernas, está cen-cretizada no relacionamento do traballio com a admi-nistraçâo. Enquanto é do interesse da direçâo repre­sentar essa correspondencia como cooperativa, a firn de convencer a força de traballio a comportar-se de acordo com seus objetivos, segundo a teoria radicai a relaçâo trabalho/administraçâo é essencialmente antagonista e está enraizada no confuto inerente ao capitalista e às classes trabalhadoras quanto ao ex­cesso de produçâo.

Em contraste com os modelos ortodoxos, entäo, as teorías radicáis sao explícitamente históricas, foca-lizando-se sobre a natureza histórica da luta entre trabalhadores, detentores e administradores do capi­tal. Além disso, quando os proprietários e os admi­nistradores do capital nao sao apenas nacicnais, mas estrangeiros, a teoría incluí a contenda histórica entre o capital estrangeiro (apoiado por diversas organi-zaçôes militares) e os trabalhadores e camponeses. Assim, o desenvolvimento constituí um processo his­tórico näo-linear (dialético) enraizado no confuto de classes, o qual tenciona modificar a natureza da eco­nomia e das instituiçôes socials que favorecem urna classe em detrimento de outra.

O modelo de segmentaçâo do mercado de trabalho, derivado da teoria radicai, é um sistema de forças orgà­nico que restringe as opçôes acessíveis aos diferentes grupos da força de trabalho. A unidade básica de aná-lise näo é mais o individuo e sua livre escolha, mas os grupos ou categorías que enfrentam objetivamente as diferentes situaçôes do mercado de trabalho que, de forma sistemática, condicionam suas «preferencias» e restringem seu limite de opçôes efetivo. O comporta­mento desses grupos ou classes, entäo, condiciona o desenvolvimento subséquente da tecnologia e estrutu­ras salariais. Os modelos ortodoxos especificam pará­metros institucionais e a seguir analisam o equilibrio resultante das escolhas individuáis maximizadoras de rendimentos, dentro desses parámetros. As teorías da segmentaçâo procuram explicar a evoluçâo das pró-prias instituiçôes como o produto das interaçôes de grupos ou classes com interesses objetivamente di­versos, interesses estes determinados pelo desenvol­vimento anterior das instituiçôes.

* O termo «radical» é utilizado pelo autor para se referir a teorías de inspiraçao marxista, como é usual na literatura americana. (N. do E.)

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A teoria da segmentaçâo do mercado de traballio, portanto, pretende refutar as hipóteses da teoria ortcdoxa, de que os empregadores que maximizam os lucres avaliaiîi os trabalhadores em termos de suas características individuáis, e de que todos os assala-riades têm um ampio leque de opçôes entre empre-gos e diferentes formas de treinamento. A teoria da segmentaçâo sustenta, pelo contrario, que o mercado de trabalho está fragmentado em grupos estáveis, identificáveis mais exatamente pelas características grupais permanentes. Aqueles que se enquadram em um ou outro desses gTupos possuem diferentes pa-dröes de vida profissionai, derivada nao da escolha ou avaliaçâo individual do trabalhador, mas em grande parte da estrutura do mercado para determi­nados tipos de trabalho.

Se o mercado de trabalho é caracterizado por segmentos, e cada segmento, por seu turno, diversa­mente remunerado (em salarios e segurança no ern-prego), nâo tanto por causa das diferengas na «pro-dutlvidade marginal», porém mais devido a fatores políticos e sociais, os padröes de emprego nao seräo afetades basicamente por alteraçôes na estrutura da economia (o crescimento do setor moderno em relaça© ao tradicional, por exemplo), nem pelas reformas educacicnais na distribuiçâo e níveis de ensino e ou­t ras características pessoais, exceto quando essas transformaçôes afetam a força política dos varios seg­mentos, particularmente a capacidade dos trabalha­dores em cada segmento de aumentar sua segurança no emprego1 durante o curso de sua existencia, em relaçâo aos trabalhadores de outras secçôes. O em-prego-desemprego-subemprego na teoria radicai, por­tanto, nao é basicamente um problema tecnológico (crescimento econòmico), nem urna questa» das carac­terísticas capital humano dos assalariados, mesmo levando-se em conta que se t ra ta de variáveis impor­tantes, mas fundamentalmente um problema político, dependente da força política, das organizaçôes tra-balhistas em relaçâo aos capitalistas e executivos. O modelo de segmentaçâo do mercado de trabalho considera que urna politica de pieno emprego requer que o trabalho obtenha força política em detrimento dos detentores do capital, a firn de modificar os mé­todos de contrataçâo e as prerrogativas de demissäo dos administradores, assim como os tipos de tecno­logia adotados para, a producäo de bens. IIa verdade, a análise histórica das teorías da seg/.icntacäo revela que a segmentaçâo em si é o resultado de urna divisáo cada vez maior da força de trabalho (sepa­rando um grupo do outro), de forma a que os traba­lhadores entrem em competiçâo pela segurança no traballio e partilha da quota salarial, ao invés de un!rer.;-se com os demais assalariados, de outros seg­mentos, visando à consecuçâo de urna política de

pleno emprego e ao aumento do volume da remu-neraçâo, relativamente aos retornos de capital. «

A teoria da segmentaçâo também discorda impli­citamente do modelo de competiçâo pelo emprego quanto ao fato de que a oferta de mäo-de-obra venha a afetar os níveis salariais e a produtividade. De acordo com a análise radical é através da existencia de um exército de reserva de desempregados (entrar na fila) que as reivindicaçoes salariais dos trabalha­dores sao mantidas em baixo nivel e se eleva a pro­dutividade. Portanto, é do interesse dos capitalistas e administradores que a economia apresente desem-prego em todos os níveis de qualificaçôes, a fini de controlar as exigencias da força de trabalho e jogar diferentes grupos de assalariados uns contra os ou­tros, na busca de segurança empregaticia e partici-paçào no produto salarial. O emprego da força de trabalho instruida, nesse modelo, representa urna ex-tensäo, à crescente parcela do pessoal administrativo, dos métodos utilizados pelos empregadores para man-ter sob controle a mäo-de-obra barata, näo-qualificada. Assim que os escriturarios e técnicos começam a sentir que podem exigir da classe capitalista/gerencial condiçôes de trabalho diversas daquelas sob as quaia operam es índustriários e trabalhadores näo-qualifi-cados, ocorre um grande aumento no número de graduados treinados para realizar o trabalho adminis­trativo, em relaçâo à quantidade de empregos dispo-níveis. Os técnicos e burócratas em potencial nao têm mais segurança quanto às funçoes administrativas, nem qualquer garantia de trabalho. Sob tais circuns­tancias, deveremos esperar o declínio das reivindica­çoes desse grupo de assalariados e de sua força polí­tica (Braverman, 1975, capítulo 15).

Sem detalhar os modelos de segmentaçâo do mer­cado de trabalho, que ressaltamos em outro lugar (Carter e Carnoy, 1974), podemos resumir alguns dos principáis aspectos do sistema. Primeiro, todas as variantes da segmentaçâo pressupöem e procurara diterminar a existencia de varios tipos de emprego no mercado de trabalho, cada quäl com criterios diversos para a admissäo, promoçâo, métodos de supervisäo, condiçôes de trabalho e níveis salariais, e cada um tendo grupos diferentes no preenchimento dos cargos. Os varios segmentos foram classificados como: segmento «primario independente», abrangen-do funçoes que requerem criatividade e auto-inicia­tiva por parte dos trabalhadores; segmento «primario subordinado», incluindo os cargos que exigem confor-midade a normas externamente impostas (ao contrario da internalizaçâo de regras necessárias à execuçâo

6 Talvez o melhor exemplo atual da derrota desse pro­cesso, pelo trabalho organizado, seja o da Suécia, onde os trabalhadores controlara o Legislativo e têm influencia decisiva sobre as prerrogativas dos administradores com relaçâo às resoluçôes a respeito do emprego. A Suécia, também, apresenta urna das taxas menos elevadas de desemprego, entre os países capitalistas industrializados.

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das funçôes do segmento primàrio independente), e segmento «secundario», que compreende empregos requerendo uni minimo de treinamento no traballio, minimo de qualificacelo e respcsta a ordens simples, diretas.

A principal explanaçâo teórica da segmentaçâo é aquilo que denominamos variante «controle sociali. A forrnulaçâo mais explicita dessa teoria é apresentada por Gordon, Reich e Edwards (1973), e Edwards, Reich e Gordon (1975). As diferenças entre suas eonc3pçoes da segmentaçâo e a de Plore (1973) resi­dent, em grande parte, na rejeiçâo da hipótese deste ùltimo de que a «produtividade» é basicamente urna relaçâo tecnica, determinada pela quantidade e tipo de maquinaria disponíveis. Para Gordon, Reich e Edwards, a «produtividade» está baseada, fundamen­talmente, nas relaçôes sociais, e näo em u~i vínculo tecnológico. Na verdade, o pròprio desenvolvimiento da tecnologia é refreado* pela necessidade de reproduzir as relaçôes sociais existentes. Aqueles cuja renda e status dependem da manutençâo do controle sobre o processo de produçâo estâo interessados apenas nos progressos tecnológicos que venham a ampliar seu dominio sobre a mesma.

Na versâo radical do modelo da segmentaçâo' do mercado de traballio, entäo, a identidade produtivida-de/rendimentos é praticamente abandonada, embora se considere que no mercado secundario de traballio os salarios este jam muito mais ligados à oferta e procura de mäo-de-obra do que no mercado primario. A estru-tura salarial, nessa teoría, é explicada por fatores diversos, dependendo de quäl versäo for escolhida. Em todas elas, entretanto, a estrutura salarial é influen­ciada e dominada basicamente por variáveis exógenas à produtividade individual: discriminaçâo sexual, ra­cismo, costumes, «métodos de dividir e conquistar», organizaçâo da produçâo pelos empregadores, poder de monopolio, natureza des mercados de produtos das empresas, burocracia, consideraçôes de status, manu­tençâo da estrutura da classe em face de regras «discriminativas», sâo fatores primordiais, näo-huma-nos, nâo-produtividade, que afetam a estrutura salarial, entre e dentro dos segmentos do mercado de trabalho.

A questâo da estrutura do emprego, n a teoria da segmentaçâo do mercado de traballio, portante, des-loca-se do àmbito des fatores examinados que afetam a produtividade para a análise da pròpria estrutura institucional de salarios e empregos e das forças só-cio-politico^econômicas que influencian! as alteraçôes estruturais. A teoria implica em que a estrutura do empregoi näo é determinada e neni mesmo necessa­riamente ligada à ampliaçâo da produtividade. A cor-relaçâo entre a educaçâo e a experiencia com o em­prego, portanto, nâo estabelece que mais ensino e mais pràtica contribuai!! para maior produtividade e pro-babilidade de trabalho; pertanto, a conexâo entre essas características dos trabalhadores e o emprego

näo é fundamentalmente económica (no sentido de aumento da produçâo), mas tende a ser muito mais ióoio-institucional.

A teoria da segmentaçâo vai aleni, ao sustentar que, em determinados setores de- mercado de trabalho, tais como o secundario1, a natureza do mercado é tal que o desemprego supera o dos segmentos primái'io subordinado e primario independente (Harrison, 1972); em outras palavras, empregades e empregadores es-peram fréquentes paralisaçôes de trabalho e empre­gos instáveis, sendo a produçâo organizada pelos em­presarios coni essa «flexibilidade» em mente. Urna vez institucionalizados tais padröes, os trabalhadores começam a aceitar o desemprego periódico como género de vida e isso, também, vem reduzir suas reivindicaçôes políticas sobre o sistema. Além do mais, a relaçâo da educaçâo e experiencia com o emprego (semanas trabalhadas por anos e horas de trabalho por semana) pode ser menos importante no mercado de trabalho secundario do que no primario, onde a instruçao e pràtica podem determinar o acesso a empregos de regime integral.

As implicaçôes da análise radical para a política de emprego, entào, sâo diretamente opostas à teoria ortodoxa, em varios aspectos:

1. Enquanto a teoria ortodoxa sugere que o desemprego da força de trabalho näo-qualifi-cada representa o resultado das deficiencias do ensino e treinamento (preparaçâo insufi­ciente para a contrataçâo), o modelo da seg­mentaçâo sustenta que o desemprego näo--qualificado é conseqüencia do tipoi de ocu-paçôes destinadas aos näo-qualificades: tais empregos sao intrinsecamente instáveis, a fim de satisfazer as necessidades dos capitalistas e administradores. Assim, a expansäo do ensino e treinamento daqueles que trabalham nesse mercado de trabalho «secundario» nâo aumentará a probabilidade de emprego dos näo-qualificados.

2. A existencia de um vasto contingente de força de trabalho ¡nativo, originàrio da migraçâo rural/urbana e da marginalidade urbana, conforme o modelo da segmentaçâo, näo é produto de distcrçôes no sistema de livre-em-presa, mas conseqüencia das medidas estatais, coerentes com a pressäo capitalista para ma­nutençâo de baixos salarios. Assim, qualquer tentativa no sentido de adotar-se urna poli­tica de pieno emprego, a näo ser através da reduçâo' de salarios dos trabalhadores dos segmentos primario subordinado e secundario, encontrará a oposiçâo drástica do capital industrial.

3. Ainda que os salarios estejam muito desvalo­rizados, a teoria radical do mercado de tra-

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baJho afirma que o pleno emprego näo pode ser alcançado: a tecnologia do setor moderno de vanguarda, importada dos países já desen­volvidos, está dirigida contra a força huma­na; na verdade, os capitalistas preferem urna tecnologia que reduza suas necessidades de mäode-obra, já que o traballio é urna fonte constante de conflitos de classe e inerente­mente antagónica ao objetivo capitalista. Em consequência, mesmo quando os salarios sao bastante inferiores, os investidores pcdem escclher urna tecnologia que empregue cada vez menos trabalhaclores, para cada dólar marginal investido.

Dessa forniti, a política de emprego, no modelo da segmentaçâo, focaliza a natureza dos mercados de traballio e nä.e as características dos trabalhadores daquelcs mercados. Quando ccorre desemprego na força de traballio instruida, por exemplo, a teoria da segmcntaçâo concentra-se na análise do tipo de mudança por que passam os empregos des conclu-dentes do ciclo secundario e universitario, ao invés de examinar a natureza de sua instruçâo cu a «in-compati'oilid-ade» entre a educaçào e o emprego. Caso as taxas de desemprego sejam mais elevadas entre os menos instruidos, a análise da segmentaçâo viria a estudar os traços distintivos dos cargo?, e nao as características des trabalhadores que desempenham aqueles trabalhos. Urna política de pleno emprego, para qualquer desses grupos, teria de enfrentar a alteraçâo das características de emprego das profis-sóes de cada segmento onde há oeorrêneia de alto desemprego.

Do ponto de vista da teoria radical, isso implica na focalizaçâo sobre as rendas estatais e políticas de emprego (diretas ou indiretas), todo o tempo, mas nao — como poderia argumentar a teoria ortodoxa — porque o Estado esteja interferindo no funciona-mento regular do sistema de livre-empresa e sim por tratar-se de urna força poderosa que ajuda os capi­talistas na preservaçâo de seus lucros, em face de urna força de traballio inquieta e das exigencias tra-balhistas visando a urna participaçâo maior no su­perávit. Ao mesmo tempo, o aparato estatal ó a principal arena do conflito político entre as classes operarías e camponesas, a classe dos executivos in­dustriáis, a burguesia comercial e os latifundiários (em muitos países, os mais importantes detentores das propriedades agrícolas sao a burguesia industrial e e. mereiai), fi através do aparelho estatal, entào, que se evidencia a força política dos assalariados de varios segmentos do mercado de traballio, e da classe (.iL.balhadora come um todo, atuando sobre os rendi-menteu e a segurança no emprego. A intervençûo do Est-ido, através de medidas diretas ou indiretas, ar-gumenta-se, pode modificar (e tem modificado) os salarios e condiçôes de traballio dos diferentes grupos,

«mito mais rápida e significantemente do que as modificaçôes das características pessoais dos traba­lhadores.

Näo devenios considerar, necessariamente, que a e.-trutura de empregos é determinada pela especie de bens produzidos, especialmente se adotarmos a versâo da Gordon/Reich/Edwards da teoria da segmentaçâo; nessa versâo, a maximizaçâo dos lucres pelos capita­listas, e näo a eficiencia do processo produtivo, deter­mina a organizaçâo da produçâo, a distribuiçâo do traballio e a estrutura do emprego/subemprego/de-semprego. Assira, a natureza dos empregos e as carac­terísticas das pessoas que os assumerti sao essencial-mente inseparáveis. As características profissionais dos cargos e a escolaridade das pessoas em diferentes empregos, de acordo com Gordon/Reich/Edwards, sao muito mais variáveis do que o modelo capital humano >e os emprogadores) nos levaría a crer.

Nao obstante, as mudanças no padráo de inves­timento e na organizaçâo do ensino e treinamento podem ser correlacionadas com alteraçôes nos padrees de c-.Yiprcgo e cam o nivel de desemprego/subemprego, CiSo as forças que modificam tanto a educaçào quanto o emprego os transforme da mesma forma, no mesmo período. Podemos supor que um governo «progressis­ta» venha a alterar o grau de despesas com a educa­çào, ao mesmo tempo em que segue urna política de pleno emprego.

O debate neste capítulo, entretanto, näo chegcoi a abordar a capacidade do ensino, numa estrutura de emprego inalterada, de modificar os que conseguem empregos estáveis e aqueles que obtêm cargos instá-veis. A versâo Gordon/Reich/Edwards da teoria da segmentaçâo constituí urna teoria baseada em classes, que considera nao apenas as características profissio­nais de empregos, mas examina quais os grupos da sociedade que tendem a ocupar os diversos tipos de traballio. È possível, embora certamente improvável, que c Estado intervenha no sistema educacional, sem interferir na estrutura empregatícia, a fim de modi­ficar o caráter classe/raça do sistema escola/treina-mënto. Assim, poderia ser instituida urna política através da qual os camponeses e homens e mulheres da classe operarla fossem admitidos aos níveis mais elevados do ensino, em número superior à sua por-centagem. na populaçào. Se os métodos de contraçâo näo mudam — continuando os anos de escolaridade a constituir importante causa de acesso aos diversos segmentos do mercado de trabalho — a reformulaçâo do acesso à educaçao em prol das diversas classes secir.is poderia alterar a mobilidade inter-geraçôes entre os empregos mais e menos estáveis, sem pre-judlcar o padrâo intra-geraçôes dos cargos ocupados. Naturalmente, nâo c fácil conceber tal política sem a modificaçâo dos métodos de produçâo ou, pelo menos, unía alteraçâo radical do poder político/mili­tar. Mas é possível e proveitoso, em teoria, distinguir

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entre mudanças na mobilidade inter-geraçôes e refor-mulaçôes na distribuiçao de empregos (avallados con­forme o tempo de atividade por ano) e o papel da educaçâo em cada urna dessas alteraçôes. Se a esco-laridade continua sendo um importante critèrio de

(continua no

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PLANEJAMENTO EDUCACIONAL

EDUCAÇAO E EMPREGO: UMA AVALIAÇAO CRÍTICA

MARTIN CARNOY

Professor de Educaçâo e Economia na Universidade de Stanford, E.U.A.

llMDICE DO ARTIGO

1? PARTE -(Publ icada nos Cadernos de Pesquisa n? 30, set. 2 a P A R T E - I l - U r n a interpretacào do problema do emprego 79, pp. 79-98) nos países nao industrializados Prefacio I I I — Medidas programáticas para planejadores. Introducto I - Teorías sobre Mercados de Trabalho e Desem-

prego

Traduzido do originalem inglés: "Educat ion and employment: a critical appraisal" por Carlos Màrcio Chaves. Publicaçâo do Instituto Internacional de Planejamento Educacional (UPE) na série Fundamentos do Planejamento Educacional. Copyright © UNESCO, 1977. Reproduçâo proibida.

Cad. Pesq., Sao Paulo, (32):69-92, Fev. 1980

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UMA INTERPRETAÇÂO

DO PROBLEMA

DO EMPREGO NOS PAÍSES

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NAO INDUSTRIALIZADOS

I, lendo analisado as hipóteses das diversas concepçôes de desenvolvimento e mercados de trabalho, podemos agora prosseguir indicando nossa in-terpretacäo "preferida" do problema do emprego e do papel da educaçâo nessa questao, nos países capitalistas nao industrializados. Discutimos também, neste capítu­lo, os problemas do desemprego nos países socialistas. No capítulo seguinte, analisaremos as possíveis solucöes alternativas para o desemprego ñas economías capitalis­tas, dentro do contexto de nosso modelo.

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A NATUREZA DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NOS PAÍSES DE BAIXA RENDA

f\ maioria dos países de baixa renda ao mundo produz bens de acordo com urna organizacäo de produçâo capitalista; o enfoque principal de nosso de­bate será quanto ao fato de que, enquanto é possivel aumentar a produçâo material sob o capitalismo, grande parte do problema do desenvolvimento, definido em termos mais ampios — o que se fabrica, quem cria o pro-

70 Cad. Pesq. (32) fev. 1980

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duto e quern o consome —, tem origem na forma pela qual o capitalismo gera essa crescente produçâo. As ca­racterísticas do desenvolvimento capitalista, nos pai'ses de baixa renda, variam de país para pais em seus deta-Ihes, mas podemos generalizar varios trapos principáis que podem nos auxiliar a compreender as raízes do problema.

Primeiro, o desenvolvimento capitalista está baseado na posse da propriedade privada, incluindo os meios de produçâo e o direito individual à proteçâo de sua pro­priedade contra transgressons por parte de outros. Teori­camente, qualquer pessoa numa economia capitalista po­de possuir capital e uti l izá-lo na produçâo; na pràtica, entretanto, a distribuiçâo do capital para o processo pro-dut ivo é altamente concentrada. Um número relativa­mente pequeño de individuos, na economia capitalista, toma decisöes sobre quais os tipos de mercadurías que devem ser produzidos e de que maneira serâo fabricados. Além disso, urna vez que os detentores do capital estâo basicamente interessados na maximizaçâo do retorno da-quele capital, tendem a tancar mäo de todos os meios disponíveis, inclusive, se possível, do aparelho estatal, tanto para aumentar os retornos de capital quanto para assegurar a manutençâo de seu controle sobre o proces­so produtivo.

Segundo, sob essas condiçôes, nao é surpreendente que a tecnologia desenvolvida pelos capitalistas esteja orientada no sentido de reduzir os custos do traballio, através do controle das organ¡zaçôes trabalhistas e da eliminaçâo, tanto quanto possível, do componente tra-balhador qualificado de qualquer processo de produçâo (Braverman, 1975). Nos países em desenvolvimento, a tecnologia utilizada na produçâo de bens manufaturados é importada do exterior, reproduzindo, dessa forma, as condiçôes do processo produt ivo nos países de alta ren­da. O argumento usual dos economistas tem sido de que o fato provoca urna alocaçâo inadequada de recursos, já que a importaçâo de tecnologia dos países desenvolvidos resulta num processo de produçâo baseado nos índices salariais relativos da força de trabalho dessas naçoes, ao invés de considerar os salarios inferiores predominantes nos países de baixa renda. Entretanto, se levarmos em conta que essa tecnologia fo i desenvolvida pelos países industrializados basicamente para solucionar problemas do trabalho na produçâo, que pouco t inham a ver com os níveis salariais globais, e que a questâo da mäo-de-obra para as industrias de transformaçâo dos países emergentes é muito semelhante à dos desenvolvidos -eliminaçâo do trabalho qualif icado, e controle da admi-nistraçâo sobre a força de trabalho pelos executivos — a importaçâo de tecnologia do exterior pela burguesía na­cional nao resulta na má alocaçâo de recursos, em termos de seus intéresses classistas, urna vez que essa tecnologia demonstrou ser eficiente para a consecuçâo daquelas duas metas principáis. De qualquer modo, a importaçâo de tecnologia realmente duplica o processo produtivo dos pai'ses desenvolvidos no setor "moderno" , e influen­cia gradualmente a produçâo agrícola e marginal.

Terceiro, o trabalho nos países capitalistas em de­senvolvimento é, portanto, organizado nos moldes das

¡nstituiçôes capitalistas das naçoes industrializadas, in­cluindo todos os elementos da distribuiçâo do emprego nesses países, mais as decisöes gerenciais tomadas ñas companhias estrangeiras visando à maximizaçâo do bem-estar global da corporaçâo no exterior, e nâo neces­sariamente a prosperidade da fi l ial no país em desenvol­vimento. Essas decisöes administrativas das corporaçôes estrangeiras compreendem a possibilidade de se reduzir a taxa de crescimento da filial (Chase-Dunn, 1975); a drenagem de recursos valiosos, a preços inferiores, para o país de alta renda; manutençâo do controle sobre as principáis decisöes financeras e de marketing, etc. (Barnet e Müller, 1975). Embora as multinacíonais sejam um fator relevante para se compreender o processo de produçâo e distribuiçâo nos países em desenvolvimento, é importante entender, além disso, que a organizaçâo do trabalho em muitas outras ¡nstituiçôes económicas tam-bém constituí urna extensäo das necessidades dos países industrializados. Por exemplo, o setor primario de expor-taçâo absorve urna parcela significativa do trabalho agrícola dos países de baixa renda na produçâo de bens de consumo para os países desenvolvidos. A remu-neraçâo da mâo-de-obra no setor primario de exportaçâo e a organizaçâo do trabalho para a produçâo desses bens sâo pesadamente influenciadas pelos preços da economia internacional e tipos de materias-primas necessárias aos países industrializados.7

Quarto, a aparente dicotomia da tecnologia e divisâo do trabalho entre o setor " t rad ic ional " e o "moderno" pode ser compreendida pela análise do papel que cada urna dessas áreas desempenha no processo de desenvolvi­mento dos países capitalistas de baixa renda. Onde existe tal dicotomia, o setor moderno dinàmico reflete a ordern de preferencia dada pelo Estado capitalista à produçâo de bens para exportaçâo e consumo pelos grupos de alta renda, e prioridade às industrias poderosas nacionais (bens de capital), acima das necessidades humanas da maioria do povo do pròprio país. Em outras palavras, os setores dinámicos dos países capitalistas em desenvol­vimento sâo os da exportaçâo e bens de capital, e é para eles que o Estado capitalista desvia o superávit, que as ¡nstituiçôes financeras apoiam e que o governo protege, através de varios subsidios indiretos. Por outro lado, o setor " t rad ic ional " produz "bens de salario" — bens que sâo consumidos peles assalariados nacionais. Estes com­preendem produtos tèxteis de baixa qualidade, mercadu­rías de consumo doméstico debaixo preço e grande parte dos géneros alimenticios consumidos ñas áreas rurais e urbanas.

Observamos, além disso, que o setor moderno é ca­racterizado por urna produçâo monopolistica — poucas

7 A escravidäo, provavelmente, näo constituiu um método de produçâo capitalista, mas estava intimamente ligada às neces­sidades da produçâo capitalista na Europa e nos Estados Unidos — portanto, tem-se afirmado que a escravidäo foi urna extensâo do processo produtivo capitalista às condiçôes específicas da agricultura (Genovese, 1965).

Educaçâo e emprego: urna avaliaçâo crítica 71

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grandes empresas responsáveis por urna alta porcenta-gem da produçâo e empregando elevada porcentagem do trabalho no setor industrial —, enquanto o setor tradi­cional caracteriza-se por condiçoes altamente competit i­vas — muitas firmas pequeñas disputando o mercado pa­ra seus produtos. Assim, um grupo de capitalistas — es-trangeiros e nacionais — dos países de baixa renda está ampliando rapidamente a produçâo de bens fabricados sob condiçoes capitalistas monopolísticas para o merca­do interno e, ao mesmo tempo, lutando pela entrada no mercado de exportaçâo em situaçôes mais competitivas. Um outro grupo de "capitalistas estacionarios" (näo abrangendo a agricultura de subsistencia, que produz para atender suas proprias necessidades) tem sua pro­duçâo voltada unicamente para as necessidades dos consumidores do proprio país e operam nesse mercado sob condiçoes competitivas.

Ambos os setores, contudo, enquanto diferem na forma de organizaçâo capitalista da produçâo (monopo­lio corporativo versus compet i t ivo)8 , produzem bens vi­sando maximizar os lucros, e distribuem os produtos aqueles que podem pagar preços mais elevados, nâo aos que necessitam dos mesmos. A lém disso, em cada setor, os bens sao produzidos através de processos que maximi-zam os lucros: se isso implica na manutençâo de baixos salarios, que assim seja; se significar um crescente contro­le do processo de trabalho pelos capitalistas/administra­dores, tanto faz; se vier a prejudicar a saúde e segurança dos trabalhadores, que prejudique.

Quinto, na pràtica isso resulta numa dualidade entre os setores de produçâo, com salarios mais elevados, tec­nologia "moderna" e urna complexa divisâo do trabalho, incluindo a segmentaçâo do mercado de trabalho, para aquela área do setor produtivo que fabrica as mercadu­rías mais rentáveis e os produtos requeridos pelo mer­cado internacional, bens de capital permanentes para a industrializaçâo e tipos de serviços de alta rentabilida-de, destinados ao país; e salarios inferiores, com menor distribuiçâo do trabalho, para o setor tradicional. Urna vez que o setor moderno emprega os métodos de produ­çâo importados diretamente dos países ricos, tendo co­mo objetivo a maximizaçâo dos lucros, nâo adota corno meta básica a absorçâo da mäo-de-obra procedente dos setores de produçâo da agricultura de subsistencia e tra­dicional urbano. Ao mesmo tempo, o setor "moderno" depende, para seu crescimento cont inuo, dos fundos de investimento e do excesso de produçâo dos setores tra-dicionais, incluindo a agricultura de exportaçâo. Portan­te, de um lado, o setor moderno absorve o resultado da produçâo econòmica do setor tradicional, criando dif i-culdades para a mäo-de-obra sobreviver nessa área, e de

Sem entrar em detalhes quanto a essas diferenças, podemos mencionar que as corporaçôes monopolísticas tëm pela frente mercados muito mais estáveis que as empresas competitivas e, portante, podem estabilizar sua força de trabalho e seus merca­dos através de urna série de mecanismos de controle e hierarquia administrativa inacessíveis as industrias competitivas (Gordon, Reich e Edwards, 1973).

outro , introduz ao mesmo tempo continuamente tecno­logia e métodos empresariais que reduzem o volume da força de trabalho necessaria ao incremento do capital f is ico. Esse fato exerce pressâo sobre o trabalho, no sen­t ido de abandonar o setor tradicional, o que ocorre em grande quantidade, porém estabelece condiçoes no setor moderno que asseguram que essa mlo-de-obra nao será absorvida.

Como resultado, observamos nos países capitalistas de baixa renda, em fase de industrializaçâo, o fenómeno universal do crescente aesemprego e o crescimento de grandes contingentes populacionais "margináis" urba­nos, lutando pelos parcos rendimentos proporcionados pelas industrias urbanas "tradicionais" ou engajados em serviços à margem do moderno setor industriai e de ser­viços. Observamos, também, urna crescente desigual-dade na distribuiçâo de renda, à medida em que os paí­ses capitalistas emergentes se industrializam. Grande parte dessa desigualdade cada vez maior na distribuiçâo de renda deve-se, naturalmente, ao aumento do desem-prego e às diferenças salariais marcantes entre o setor moderno e o tradicional, especialmente devido à criaçâo de urna classe profissionai, gerencial e para-gerencial, envolvida no controle da produçâo, da distribuiçâo e dos problemas de trabalho ñas grandes corporaçôes do setor "moderno" e na burocracia estatal, em grande parte a serviço desse setor.

Finalmente, nâo há dúvidas de que é possível aumentar o produto nacional bruto (PNB) per capita, num índice acelerado, de acordo com esse t ipo de desen-volvimento. Deve ficar claro, entretanto, que a participa-çâo do povo nesse aumento do PNB fica limitada a urna minoría, que se infi l tra no setor económico que está pro­movendo o crescimento e tenciona pagar altos salarios às pessoas que desempenhem urna funçâo controladora so­bre seus trabalhadores, e aos individuos que ¡ngressam na burocracia estatal e sâo remunerados para incentivar e apoiar os setores dinámicos. Já existe muita evidencia (Adelman e Morris, 1973; Barkin, 1971 ; Langoni, 1973) a demonstrar a crescente desigualdade de renda ñas eco­nomías pobres, à medida em que se industrializam e se "modern izam". Também há indicios (abordados no ca­pí tu lo I) de que o desemprego aumenta durante o pro­cesso de crescimento. Assim, se admit imos que o desen-volvimento capitalista produz um " b o l o " maior, deve­nios reconhecer que a grande maioria do povo dos países capitalistas de baixa renda nâo participaram do processo de desenvolvimento, dele nao participarâo durante mui-tos anos futuros, se é que jamais o faräo. Na verdade, como argumentamos, se o setor moderno depende para seus fundos de investimento do saldo econòmico gerado pelo setor tradicional, assim como de investimentos do exterior, nâo há motivos para se esperar que esse proces­so de desenvolvimento seja capaz de solucionar os pro­blemas de distribuiçâo de renda e de emprego que origi­na.

Nosso modelo também sustenta que o desemprego nao é urna distorçâo do desenvolvimento capitalista — resultante de interferencias externas ao mecanismo de mercado — mas parte integrante do desenvolvimento

72 Cad. Pesq. (32) fev. 1980

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capitalista nos países de baixa renda (em grande parte, também caracteriza os países capitalistas industrializa­dos). Afirmamos serem os capitalistas, e um Estado que atende ampiamente suas necessidades, os que criam as condiçôes para o desemprego, através das escolhas que fazem em relaçâo aos bens que produzem e à tecnolo­gia que utilizam. Ambas as escolhas têm sido feitas, históricamente, nâo com base na eficiencia (maximi-zaçâo da producalo), mas na maximizaçâo de lucros, a quai está fundamentada nao apenas no valor da produ­caci, mas na distribuiçâo do excedente dessa produçâo entre o capital e o trabalho. Assim, o desemprego deve-se, principalmente, a decisôes sobre investimentos e pro­duçâo dirigidas contra a incorporaçâo do máximo volu­me da força de trabalho em empregos de período inte­gral, razoavelmente remunerados9.

EDUCAÇÂO PARA O DESENVOLVIMIENTO

L n t r a m o s nessa descriçâo um tan­to extensa das características do desenvolvimento capita­lista das economías de baixa renda porque é essencial compreender esse desenvolvimento para entender a na-tureza dos sistemas educacionais e sua evoluçâo, nos paí­ses em desenvolvimento. Que tipo de sistema educacio­nal poderíamos esperar que o Estado viesse a prover, nes-se tipo de situaçâode "desenvolvimento"? Esperaríamos que todos os individuos recebessem urna instruçâo que os ajudasse a participar do processo de crescimento eco­nòmico e da tomada de decisôes para a produçâo? Ou antes deveríamos esperar que as enancas fossem educa­das pela instituiçâo da escolarizaçâo formal, a firn de se enquadrarem ñas necessidades do trabalho capitalista (que incluí alguns assalariados altamente remunerados, assim como grandes contingentes de desempregados) e acreditar numa ideologia que justifica a desigualdade do sistema de produçâo capitalista? Como o sistema educacional distribuiría o ensino, numa sociedade onde os frutos da produçâo e o acesso aos empregos sao injus­tamente distribuidos?

Para responder a essas questöes, precisamos prímeiro esclarecer que a difusäo do ensino ocidental no Terceiro Mundo foi realizada no contexto do imperialismo e colo­nialismo (e expansâo do mercantilismo e capitalismo) e nao pode, em sua forma e objetivos atuais, ser separada

9 Por exemplo, enquanto o investimento público na produ­çâo agrícola pode ter importantes ¡mplicacöes na reduçâo do desemprego e fluxo dos trabalhadores rurais para as áreas ur­banas, assim como no incentivo ao suprimento de géneros ali­menticios, essa decisäo de investimento viria a reduzir as margens de lucros dos industriáis urbanos, tanto por causa do custo cres­cente da mäo-de-obra nao qualificada das áreas urbanas quanto pela reduçâo dos investimentos públicos na infra-estrutura urba­na que subsidiam o crescimento industrial.

daquele contexto. Assim, embora a educaçâfo procedente da métropole promovesse mudanças de urna hierarquia para outra — da hierarquia tradicional da cultura coloni­zada para alguma forma de hierarquia do mercantilismo ou capitalismo europeu — essa transformaçâo foi cuida­dosamente definida. A estrutura das escolas, visto ser ori­ginaria da métropole, baseou-se em grande parte ñas necessidades de seus investidores, comerciantes e na sua cultura. Nesse contexto colonial, as escolas ocidentais na India e África, por exemplo, ajudaram a formar elites nacionais que vieram a servir como administradores de nivel mèdio e intermediarios entre os mercadores estran-geiros e a agricultura colonial, assim como entre os pe­queños agricultores que produziam materias-primas para exportaçâo; desse modo, africanos e indianos instruidos, consciente e inconscientemente, porque faziam parte de um sistema económico que maximizava os retornos aos capitalistas colonizadores, atuaram no sentido de incor­porar os nativos à produçâo dos bens necessários aos mercados da métropole; ajudaram a mudar as estruturas sociais a firn de que se enquadrassem nos conceitos de trabalho e relaçôes interpessoais europeus (vide Carnoy, 1974, para exemplos detalhados).

O objetivo explícito e implícito da educaçâo oci­dental, entâo, como foi instituida ao redor do mundo pelos missionários (África inglesa), administradores es-trangeiros (África francesa, India inglesa) e governos lo­cáis dependentes do investimento, comercio e ajuda mi­litar estrangeira (América Latina), era o de tornar o povo útil na nova hierarquia, e nâo ajudar a desenvolver rela­çôes sociais que o levasse além daquela estrutura social para outras. Portanto, o ensino nos países de baixa ren­da nâo ajudou o povo a atingir estágios além dessa hierar­quia capitalista estrangeira, ou outra hierarquia de classe, mas procurou ajustá-lo as necessidades daquela hierar­quia, quer isso o beneficiasse ou nâo. Embora o modelo dos novos Estados tenha evoluído a partir daquele que caracterizava a India e África no inicio do sáculo para outro mais associado com a América Latina, a situaçâo do ensino, como foi descrita, continua inalterada nos países em desenvolvimento até hoje. A transformaçâo das hierarquias tradicionais em capitalistas ocorre, pelo menos em certos setores, porém nâo se ensina ñas esco­las os instrumentos e mudança. A escolarizaçâo é urna instituiçâo colonial, cujos agentes, através de seu papel no sistema, terminam procurando (embora nem sempre com sucesso — vide abaixo) fazer com que as crianças se adaptem a certos moldes, formando-as para a execu-çâo de papéis e tarefas pré-determinados, baseados em sua classe social. Nem as crianças nem os adultos (inclu­sive os professores) sâo levados a compreender sua rela­çâo com as instituiçôes (incluindo a escola) e de que for­ma podem modificar tais instituiçôes a firn de satisfazer suas necessidades. A estrutura e o conteúdo do ensino sâo estabelecidos por urna burocracia estatal que repre­senta certos interesses de classes, e esses intéresses sâo atendidos pelas escolas. A propria introduçâo do sistema de ensino constituí um tipo de mudança, mas nessa ¡m-plantaçâo as escolas sâo organizadas a firn de levar as crianças a um determinado nivel de conscience social.

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e näo mais ad ¡ante. O Estado, na economia capitalista de baixa renda, é

fundamental para nossa compreenslo da funçâo do siste­ma educacional no processo de "desenvolvimento". O Estado, no Terceiro Mundo atual, geralmente atua no sentido de "guiar" o desenvolvimento ao longo de deter­minado curso; nessas economías pobres, serve de inter­mediàrio entre os investidores estrangeiros, outros go-vernos, burguesía doméstica, aristocracia latifundiária e classes periféricas da sociedade. O Estado, portanto, adota urna ideologia de desenvolvimento, através do sis­tema escolar e outras instituiçoes, que reflete o dominio de certos grupos da sociedade, os quais procuram contro­lar o aparelho estatal durante determinado período de tempo. A maioria dos governos do Terceiro Mundo, que apoiam o tipo de desenvolvimento capitalista acima des­crito, promovem urna ideologia que nao fica condiciona­da apenas às necessidades da burguesía local e dos ele­mentos oligárquicos tradicionais de sua sociedade, mas visa também satisfazer os intéresses ideológicos dos in­vestidores e governos estrangeiros, que exercem urna for­te influencia sobre aquela sociedade específica. Assim, quando a burguesía doméstica e, talvez, a burocracia governamental, sao dependentes do investimento estran-geiro e ajuda ao setor industrial, para seu continuo suces-so econòmico, tendem a condicionar suas proprias neces­sidades àquelas dos poderes externos. O sistema escolar reflete essa aproximaçâo condicionada ao desenvolvi­mento, nao apenas na socializaçâo das enancas para se enquadrarem ñas varias divisoes de urna hierarquia basea-da em classes, estruturada para a produçao de bens sob esse processo de desenvolvimento condicionado —tanto através do volume quanto da especie de educaçâo a elas proporcionada —, como ainda na tentativa de alimentar ñas enancas determinados padröes culturáis, também condicionados pelo papel intermediario do Estado. Por exemplo, o uso do inglés ou francés em muitos países africanos e asiáticos, como linguagem dominante, ajus-ta-se a esse modelo cultural. Como Frantz Fanon e Albert Memmi descreveram em detalhes (Fanon, 1968; Memmi, 1965), o ensino em lingua estrangeira altera a personalidade da chanca — cria urna identificaçâo divi­dida ñas enancas que Ihes causa dificuldades em identi­ficarse tanto com a cultura à quai pertencem quanto àquela a que aspiram. Por um lado, consideram sua cul­tura tradicional inferior e, por outro, näo podem ser ple­nos partícipes da cultura estrangeira, que Ihes é apresen-tada como desejável e superior. Assim, o Estado, servin­olo ao capital estrangeiro e intermediarios domésticos (capitalistas ou burocráticos) cria condiçôes, através do sistema educacional, para um desenvolvimento pessoal que aliena e torna difícil a realizaçâo das necessidades humanas dentro da sociedade, baseada nos próprios re­cursos e capacidades do individuo.

A oferta de ensino formai pelo governo, portanto, está organizada na maior parte, ou ¡nteiramtne, no sentido de suprir as necessidades do grupo (ou grupos) que dominam o aparelho estatal. No caso dos países capitalistas em desenvolvimento, onde urna burguesía doméstica "moderna" controla ou influencia o poder

do Estado, observamos que este é utilizado como me­canismo de apoio para atender as necessidades de força de trabalho e posicäo ideológica dessa burguesía, de acordo com sua interpretaçâo quanto à forma ótíma de desenvolvimento. Conforme debatemos, essa posicäo visa essencialmente o ingresso da economia nacional no mundo "moderno", através da ¡mportacäo de tecnolo­gia, incentivos à produçao de bens para consumo dos es­trangeiros e de um pequeño grupo de pessoas no pròprio país, e racionalizaçâo de outras instituiçoes domésticas, inclusive a burocracia estatal e o sistema escolar, a firn de se adequarem aos modernos setores da produçao.

A /argumentamos que esse processo

de modernizaçao provoca urna dualidade, mesmo no setor industrial. As necessidades do trabalho sao muito diversas para o setor industriai moderno e para os setores tradicionais da economia, provavelmente nao tanto por causa dos varios tipos de tecnologia utilizada nos dois setores, mas devido às hierarquias desenvolvidas na uni-dade de produçao moderna versus a tradicional (Stone, 1974). Além disso, as áreas tradicionais tèm seus exce­dentes drenados para financiar o crescimento do setor moderno, o que faz com que o valor do ensino nessa área seja muito inferior ao do setor económico em rápido de­senvolvimento.

Näo é incomum, sob tais condiçôes, que o ensino rural tenha baixa prioridade para os capitalistas urbanos e tecnocratas/administradores que dominam as econo­mías de baixa renda, em fase de industrializaçâo e "mo­dernizaçâo". Apesar disso, os mesmos capitalistas e administradores estäo preocupados com a formaçâo de um vasto exército de reserva de trabalhadores qualifica-dos e semì-qualificados ñas áreas urbanas, que venham a exercer pressâo no sentido de reduzir os salarios dos tra­balhadores qualificados, acelerando o crescimento indus-trial e a acumulaçao de capital (lucros). Podem, também, estar ¡nteressados na socializaçâo das crianças de popula-çôes margináis para que aceitem o destino de permanecer na base da estrutura das classes urbanas. O Estado mo­dernizante, portanto, pode ampliar maciçamente o ensi­no primàrio, e mesmo secundario, tanto para produzir urna vasta reserva de força de trabalho instruida quanto para ajudar a legitimar as desigualdades do processo.de desenvolvimento (Carnoy, 1974).

Observamos, entäo, que os sistemas educacionais dos países capitalistas de baixa renda, em fase de ¡ndus­trializaçâo, caracterizam-se por urna enorme disparidade entre a rede escolar rural e urbana, mesmo ao nivel pri­mario. As escolas rurais sâo mal equipadas; em muitos locáis, o ensino para séries diferentes é ministrado em es­colas com apenas urna sala de aula e, geralmente, devido à insuficiencia de classes, falta de motivaçâo, os estudan-tes rurais cursam no máximo uns poucos anos letivos. Além disso, o currículo para a educaçâo rural é um cur-

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rículo urbano, desenvolvido ñas cidades, e, até mesmo, ñas capitais de países estrangeiros já industrializados. Ñas áreas urbanas, a qualidade e quantidade do ensino público varia ampiamente entre as diferentes classes so-ciais. Em muitos países "modernizantes", urna propor-çâo significativa do ensino secundario disponível é parti­cular, constituindo um eficiente mecanismo seletivo para excluir os f i lhos de famil ias mais pobres da educa cío universitaria gratuita proporcionada pelo Estado. As enancas de familias de classe operaría que chegam ao n i ­vel secundario, geralmente sao canalizadas para o treina-mento vocacional, ao invés de receberem a preparaçâo académica necessaria para se qualificar para o ensino uni­versitario. Finalmente, quando o nivel superior de ensino se amplia, para atender as necessidades burocráticas do Estado, e das corporacöes, surgem grandes diferenciáis salariais entre aquelas carreiras seguidas pelos f i lhos de familias pobres que cursam a universidade e as prof issôes que requerem estudo em período integral, tais como me­dicina e engenharia (tornando difíci l trabalhar e, ao mes­mo tempo, frequentar a universidade) que sá*o exercidas basicamente pelos jovens procedentes das familias de renda elevada.

Todo o sistema escolar, portanto, é altamente es­tratificado em classes, sendo a maioria dos recursos esta-tais para a educaçào destinada àquele t ipo de ensino que prepara as crianças para o trabalho no setor "moderno" e para o nivel gerencial e técnico de treinamento requeri­do por esse setor10 . Por outro lado, os jovens que têm possibilidade de trabalhar nessa área económica recebem urna parcela muito diminuta dos recursos governamen-tais para a educaçào11. A lém disso, o currículo, nos di­versos níveis de ensino, destina-se a preparar as pessoas para o setor moderno. Se os jovens nao encontram traba­lho nessa área económica, a escolarizaçâo que obtiveram também os deixou despreparados para as tarefas que ¡rao desempenhar na agricultura tradicional ou nos setores margináis urbanos da atividade económica. Nao obstan­te, o ensino realmente desempenha um importante papel na socializaçlo dessas crianças, levando-as a crer que seu

10 Enquanto Foster argumenta que alguns sistemas escolares africanos estäo franqueados as crianças de classes sociais inferio­res, há evidencia, no Quênia, por exemplo, de que o tipo de esco­la secundaria (baixo custo/íalto custo) em que os concludentes do ensino primario ingressanri é de natureza classista altamente dis­criminatoria, e num mercado de trabalho de elevado desemprego a especie de escola secundaria freqüentada torna-se causa cada vez mais importante do sucesso económico (Mwaniki, 1973).

11 A porcentagem dos recursos estatais destinados à universi­dade, relativamente ao ensino primario, em quase todos os paí­ses capitalistas de baixa renda dependentes, é impressionante — muitos deles destinam de 25 a 30 por cento do orçamento educa­cional global ao ensino superior, quando menos de 2-3 por cento dos estudantes freqüentam a universidade. Um Estado relativa­mente progressista, como o México, reservou em 1963 mais de 10 por cento dos fundos públicos ás universidades, para atender a 1 por cento dos estudantes (Carnoy, 1964).

fracasso nao significa a falencia do sistema, mas sua prò­pria incapacidade para o bom desempenho escolar e, consequentemente, inaptidäo para obter os tipos de em-pregos que sao altamente remunerados. Esta a principal funçào " legit imadora" do ensino público. Apesar disso, mesmo quando o sistema educacional expande-se rapida­mente, elevando o nivel medio de escolarizaçâo, o núme­ro de empregos disponíveis no setor moderno nao cresce de forma tao acelerada e, portanto, constatamos que o sucesso escolar nao significa a obtençâo de empregos na-quele setor para a maioria das pessoas. Mesmo quando apresentam maior nivel instrucional, ainda nâo se acham preparadas para desempenhar mais eficientemente as ta­refas requeridas pelo setor tradicional.

Assim, numa situaçâo de "desenvolvimento", tal como encontramos nos países capitalistas em industria-lizaçâo, a maioria dos individuos recebe urna instruçào que nao os capacita a obter empregos de média ou alta remuneraçâo (caso sequer consigam emprego) no setor moderno, nem os ajuda a modernizar o setor tradicional. Nao se trata de um acídente, nem do resultado das "¡ne­sciencias" do sistema escolar. Pelo contrario, o sistema foi elaborado, históricamente, para funcionar de urna forma que deixasse a massa popular incapaz de participar do desenvolvimento social e económico, porque a econo­mia era e é organizada no sentido de maximizar essa par-ticipaçâo para uns poucos, ao invés de muitos. As escolas vâo ainda mais além: procuram convencer as crianças e suas familias que o baixo nivel de capacidade em que se encontram, depois de frequentarem a escola, é o máximo de aptidao que podem atingir. Assim, nao somente o sis­tema educacional deixa de ajudar os individuos a maxi­mizar sua produtividade econòmica e social como, nes-se t ipo de desenvolvimento, torna-se necessario conven­cer os que atuam abaixo de seu potencial produtivo que se encontram na melhor posiçâo possível condizente com suas habilidades, e que o sistema realmente os aju-dou a alcançar essa posiçâo "melhor" .

A EXPANSÄO DO ENSINO NUMA ECONOMIA CARACTERIZADA PELO DESEMPREGO

D. acordo com nosso modelo, nu­ma economia capitalista o Estado amplia intensamente a escolarizaçâo, de acordo com as necessidades do capital industrial, embora o Estado moderno também responda às pressöes da classe média e operaría para aumentar o investimento na educaçào (ensino secundario para crian­ças da classe operaría e universitario para a classe média), desde que esse investimento nâo venha de encontró aos intéresses capitalistas. A existencia do desemprego tende a aumentar a demanda pelo ensino, por parte da popu-laçâo em idade escolar. O fato pode ser urna fonte de contradiçâo no desenvolvimento capitalista.

Como o desemprego contribuì para o desenvolvi-

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mento da educaçâo? Argumentamos que o desemprego está mais concentrado nos trabalhadores jovens do que nos mais velhos. Inicialmente, à medida em que ocorre a expansâo do ensino numa sociedade, quase todos com instruçâo primària completa, digamos, estâo capacitados a encontrar empregos de regime integral nos setores onde a remuneraçâo é mais elevada. Observamos, entretanto, que o setor moderno nao absorve os instruidos (nesse ca­so, concludentes do curso primario) tao rapidamente quanto a expansâo do sistema escolar. Na verdade, o fato de que a obtençâo de melhores empregos, no passado, re­quería essencialmente instruçâo primària completa, exer-ceu considerável pressäo sobre o governo no sentido de desenvolver o ensino elementar. Mas, à medida em que os concludentes do curso primario começam a encontrar maior dificuldade para conseguir melhores cargos, as pressoes para expansâo concentram-se ñas escolas secun­darias, já que os empregadores acham conveniente exi­gir dos jovens ni'vel de instruçâo secundaria, para empre­gos que anteriormente requeriam apenas educaçâo pri­maria. O custo de oportunidade de frequência à escola secundaria cai verticalmente, quando os concludentes do ensino básico passam a encontrar maiores dif¡cuida-des em se empregar, ao deixarem a escola. Em outras palavras, o crescente desemprego dos individuos com instruçâo primaria reduz a previsâo de rendimentos daqueles que estâo decidindo se cursam ou nâo a escola secundaria. Urna vez que os cusios institucionais da esco­la secundaria pública (tais como salarios de professores e custos de capital) sao financiados pelos recursos públi­cos, a previsâo de queda dos rendimentos salariais eleva bruscamente o lucro económico privado, relativamente ao custo privado da frequência ao ensino secundario. Eventualmente, com a rápida expansâo da escola secun­daria, o mesmo fato ocorre nesse nivel, os concludentes do segundo grau ficam sujeitos a crescentes taxas de desemprego e o custo alternativo do ensino universitario particular decresce em relaçâo aos lucros. Novamente, visto serem os jovens que suportam o maior impacto do desemprego, os rendimentos dos secundaristas, nos pri-meiros anos após a diplomaçâo (à época em que pode-riam estar frequentando a universidade), sofrem maior decréscimo em funçâo do desemprego do que a renda dos primeiros concludentes do ensino secundario e uni­versitario. Portanto, os custos privados caem em relaçâo aos beneficios futuros esperados da educaçâo universita­ria, e aumenta a pressäo para o acesso à universidade, por parte dos secundaristas (vide Blaug et al., 1969; Carnoy, 1972;Thias e Carnoy, 1969).

Agora, nesse modelo de desenvolvimento educacio­nal, util izamos o instrumento neoclàssico das taxas de retorno como chave para descrever o comportamento individual e grupal. Nâo é necessario, entretanto, confiar nesse instrumental para se chegar à mesma análise sobre a expansâo do sistema escolar: à medida em que o Esta­do procede à expansâo do ensino, a f irn de atender a necessidade de trabalho qualif icado barato e socializa­do no setor moderno, eleva-se o nivel mèdio de escolari-dade dos desempregados. Grupos de trabalhadores que se encontravam em situaçâo relativamente privilegiada

verificam que seus filhos — se possuidores do mesmo nivel instrucional dos pais — terâo muito mais probabili­dades de desemprego e obtençâo de empregos menos estáveis. Além da pressäo "moderna" normal no sentido de desejar que os filhos cheguem a um nivel educacional superior àquele que conseguiram, pais e f i lhos pressio-nam por urna quantidade ainda maior de instruçâo, ape­nas para se manterem em equi l ibr io. A pressäo do setor capitalista no sentido de aumentar a oferta de trabalho qualificado, em niveis cada vez mais elevados de apti-dóes (a firn de reduzir as pressôes que visam a diminuir os custos do trabalho nessas aptidöes) origina um exces­so de oferta de qualificaçôes em niveis inferiores, pro­vocando urna pressäo adicional dos próprios estudantes para disponibilidade de mais educaçâo.

Enquanto a explosâo educacional jamais teve a opo-siçâo dos capitalistas industriáis, até agora, a crescente educaçâo dos trabalhadores e o desemprego dos instrui­dos podem estar originando contradiçoes no desenvol­vimento capitalista:

Primeiro, parece haver um temor cada vez maior, nos circuios internacionais mais "progressistas" de que o desemprego dos individuos de melhor nivel educacional represente urna ameaça polit ica mais significante à esta-bilidade dos governos favoráveis à iniciativa privada do que a ¡natividade dos menos instruidos. Assim, a expan­sâo do ensino desejada pelos capitalistas para o aumento dos lucros pode colocar em perigo o desenvolvimento continuo do capitalismo se, realmente, for correto, esse aspecto pol i t ico do desemprego da força de trabalho instruida. A contradiçâo primaria, é claro, está na inabili-dade ou relutância da produçâo capitalista em absorver a mäo-de-obra disponivel nos empregos de periodo inte­gral. É esta contradiçâo básica que produz a contradiçâo secundaria potencial, da maior politizaçâo entre os de­sempregados de maior nivel educacional.

Segundo, o rápido crescimento do nivel medio de escolaridade da força de trabalho e, particularmente, o aumento do número de graduados com maior nivel ins­trucional, além e acima do ponto em que podem ser absorvidos nos tipos de trabalho que esperam conseguir, cria urna brecha entre as expectativas dos diplomados, em todos os niveis de ensino, e os empregos que final­mente obtêm. A criaçâo de empregos no setor moderno tem lugar mais lentamente que o aumento do número de graduados. Os cargos estâo em constante ascenden­cia, em termos de escolaridade dos trabalhadores que os ocupam, porém há pouca modificaçâo na natureza das funçôes. Poderiamos esperar urna elevaçâo da alienaçâo psicológica, a menos que as expectativas dos graduados fossem reduzidas, antes de começarem a trabalhar (Coleman et al., 1973). Portanto, deveria aumentar a insatisfaçâo no trabalho, mesmo levando-se em consi-deraçâo que a existencia de um vasto contingente de-sempregado, disponivel para assumir os empregos dos que nâo trabalham com afinco, viesse a evitar a queda da produtividade ainda que haja descontentamento. Isso significa, porém, que o temor de ser despedido ao invés da satisfaçâo no trabalho, torna-se cada vez mais o meio de manter a força de trabalho na linha.

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Terceiro, existe também urna contradiçào no uso dos recursos, nessas economías de baixa renda. Enquan-to a economia geralmente é "pobre em recursos físicos e humanos", investe-se mais do que pode ser plenamente utilizado em capital humano. Colocado de outra forma, existem recursos de capital humano ociosos, quando a economia carece de capital em geral. Em nosso modelo, esse fato resulta do comportamento voltado para a ma-ximizaçào de lucros, por parte dos capitalistas e execu-tivos; a política governamental é orientada no sentido de aumentar os lucros, ao invés de ampliar o mercado de trabalho. Isso conduz ao "desperdicio" (do ponto de vista social) de "recursos humanos escassos". A con­tradiçâo ocorre quando esse desperdicio é suficiente­mente ampio para exercer um efeito significante sobre a taxa de crescimento económico. Embora as margens de lucro possam permanecer elevadas, mesmocom baixos índices de crescimento, urna economia em estagnaçào pode elevar a rupturas e instabilidades políticas. Esse fa­to, por seu lado, poderia interferir no crescimento capi­talista e na reproduçâo de seu sistema produtivo.

A expansfo do ensino, entäo, enquanto parte crítica do desenvolvimento capitalista e reconstituiçào hierár-quica (Bowles e Gintis, 1974;Carnoy, 1974), implica em con trad ¡çôes para urna ampliaçào adicional, em grande parte por causa do persistente desemprego da força de trabalho ñas economías capitalistas, mesmo com rápido crescimento económico. Devemos compreender, entre­tanto, que a existencia de urna grande massa de trabaja­dores desempregados também exerce pressöes sobre os assalariados — instruidos ou nao — no sentido de se sujei-tarem as normas de produçào e ao adequado comporta­mento profissional. De modo semelhante, a evoluçào educacional significa urna crescente socializaçào do tra-balhador no local de trabalho (Inkeles, 1974). Assim, enquanto o desemprego e o ensino originam contradi-cöes na expansäo capitalista, sao componentes cruciais da mesma.

Como discutiremos no próximo capítulo, as solu-çôes propostas pelos economistas ortodoxos para o de­semprego da mäo-de-obra instruida baseiam-se na media-cao das contradiçôes provocadas pelo ensino ampliado. Essa mediaçào, como veremos, depende da reduçào direta do número relativo da força de trabalho altamente instruida e da diminuiçao de suas expectativas profis-sionais. Assim, embora nao seja esta a intençào das so-luçoes propostas, sua adoçào permite que o desempre­go continue como forma de controle do trabalho e re-duza, dessa forma, os custos da mäo-de-obra para os capitalistas. As medidas alternativas que sugerimos con­centrante, pelo contrario, na melhor util ¡zaçSo dos tra­bajadores qualificados, evoluindo para urna política de pleno emprego através da exacerbaçào das limitaçôes criadas pela força de trabalho instruida sem trabalho, re-duzindo assim as prerrogativas de poder de dec ¡sao de ca­pitalistas e executivos.

PROBLEMAS DO TRABALHO ÑAS ECONOMÍAS DE "PLENO EMPREGO"

I Nossa análise dos problemas do emprego, ñas economías capitalistas, recomenda o aban­dono da confianca que se deposita na expansäo capita­lista como soluçào para o desemprego e subemprego. Sugerimos que o sistema educacional nos países capita­listas de baixa renda nao é necessariamente "atrasado" ou muito "tradicional", correspondendo antes a relaçoes na produçào que emanam da condicio de dependencia económica e social dessas sociedades. Assim, as reformas na organizaçào atual da produçào e no sistema escolar que serve a esta pode produzir alguns aperfeiçoamentos margináis na situaçào do trabalho — pode até mesmo re-duzir a inatividade da mäo-de-obra instruida (deixando o índice geral de desemprego basicamente intocada) caso se adote a ¡mprovável medida de se restringir o acesso ao ensino superior — mas nao vai muito além no sentido de eliminar as altas taxas de franco desemprego subsistentes nos países em desenvolvimento.

Chegamos, portanto, à conciusâfo de que, se um país emergente tem sérias intençôes de criar urna economia de pleno emprego, deve considerar alternativas para a produçào capitalista. Sugerimos que o setor público, através da concessalo de crédito às cooperativas de traba­jadores, ou por meio de empregos diretos, deverà ser fundamentalmente responsável pelo pleno emprego. Nâo obstante, temos conscience de que tal política, se exe-cutada, criará seus próprios problemas: já existem formas diversas de economías socialistas que operam a "pleno emprego", e que enfrentam novos tipos de dífículdades.

Basicamente, quando urna economìa volta-se para a politica de pieno emprego, ou de trabalho garantido, re-move-se a arneaca do desemprego, utilizada de forma muito eficiente pelos empregadores, na produçào capi­talista, visando aumentar a produtividade do trabalha-dor. O pròprio elemento de ansiedade psicológica, ine­rente à pobreza calcada no desemprego, näo mais pode ser acionado para manter os assalariados trabalhando ar­duamente. Os problemas de produtividade ñas econo­mías socialistas sao ligados, naturalmente, as diferenças salariais muito menores entre os trabalhadores menos e mais remunerados, o que, até certo ponto, diminuí o in­centivo para a promoçao; e pela falta de disponíbilidade de bens para o consumidor, o que também reduzo estí­mulo para a procura de maiores rendimentos.

Em muitos desses países, contudo, os estímulos salariais ainda sao suficientes para motivar os trabalhado­res no sentido de maíor produçào, havendo numerosos outros incentivos. Primeiro, deve-se reconhecer que aqueles trabalhadores que acredítam na reversfo do pro-duto de seu trabalho para seu beneficio, de alguma for­ma, através do investimento estatal para urna melhor vida futura, ou pelo desenvolvimento de urna empresa dirigida pelos próprios trabalhadores (possibilítando-lhes

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aumentar seu ni'vel de consumo posterior), ao invés de incorporarse aos lucros de um empregador privado, ten-dem a produzir mais eficientemente (Carnoy e Levin, 1976; Melmen, 1956). Segundo, nessas condiçôes, os grupos de trabalhadores podem ser motivados a compe­tir uns com os outros, caso se identi f ¡quem com as metas políticas do Estado. Terceiro, a posiçâo individual den­t ro das unidades de produçâo geralmente está associada à produtividade de um individuo ou grupo e à sua "cons-ciência" e liderança políticas.

Verifica-se, entäo, a transferencia da ameaça de de-semprego e dos estímulos puramente salariais — a com-binaçâo desses dois fatores dependendo do mercado de trabalho, f icando os segmentos mais elevados, ou aquelas qualificaçôes de grande demanda, com os incentivos sala­riais, e os trabalhadores do mercado secundario com a motivaçâo do desemprego — para incentivos salariais, acrescidos de um complexo sistema de estímulo nao sa­larial, derivado da maior identif icaçâo dos trabalhadores com as metas políticas do Estado. Sob tal sistema de estímulos, o volume de trabalho depende, em grande parte, da crença mantida pelos assalariados de que sua atividade está conduzindo a alguns beneficios futuros, coletivos e individuáis, resultantes do progresso econòmi­co nacional e mesmo das transformacöes polít icas no Terceiro Mundo, como um todo % Enquanto verifica-se ñas economías capitalistas exortacöes para um aumento da produçâo, visando os objetivos políticos e económi­cos nacionais, e os métodos básicos dessas sociedades pa­ra incrementar o processo produt ivo centralizam-se ñas perdas e ganhos individuáis, decorrentes de urna produ­tividade maior ou menor, ñas economías socialistas o proprio programa do socialismo constituí o incentivo principal para o crescimento da produçâo.

A crescente confianca nos incentivos nao salariais, a par do adiamento forçado do consumo de bens resultan­tes da maior produtividade individual, nem sempre apre­senta um bom resultado, e mesmo quando esses fatores têm éxito urna parcela significativa da força de trabalho pode nâo corresponder às condiçôes impostas da produ­çâo socialista. Na medida em que a eliminaçâo do franco desemprego e a reduçâo das diferenças salariais dimi-nuem o incentivo ao trabalho, o franco desemprego é substituido pela inatividade cada vez maior, particular­mente ñas áreas urbanas-. Em outras palavras, por diversos motivos as pessoas podem trabalhar menos, ainda que te-nham um emprego de "per íodo integral". Em Cuba, por exemplo, em fins de 1960, existia o serio problema dos operarios que trabalhavam quatro horas por dia, ao invés de oi to, tanto ñas áreas rurais quanto ñas urbanas. Nao apenas era insuficiente o incentivo salarial para um traba­lho mais intenso como também, ainda que existisse essa motivaçâo, os bens de consumo racionados estavam em tâo baixo nivel de disponibilidade que um rendimento adicional nâo poderia ser transf ormadoem consumo extra. Mais ainda, urna elevada parcela do grupo adolescente nâo estudava nem trabalhava, embora houvesse oferta de emprego (Carnoy e Wertheim, 1972)1 2 .

Até certo grau, existiram ou existem os mesmos t i­pos de problemas de subemprego, em todas as economías

socialistas. Obsérvese que nao estamos analisando o subemprego provocado por ¡nef¡ciencias no processo de planejamento ou sistema de distribuiçao — subemprego que resulta da falta de ¡nvestimentos materials no local certo e ocasiäo correta, deixando os trabalhadores deso­cupados mesmo quando altamente produtivos. Embora esse subemprego constitua um problema evidente ñas economías socialistas dirigidas (e, com freqüéncia, tam­bém ñas sociedades capitalistas), a maioria dos países agrícolas subdesenvolvidos, produtores de géneros ali­menticios e safras para exportaçâo, sào provavelmente menos sensíveis ao subemprego desse t ipo do que ao das pessoas que produzem abaìxo de sua capacidade, por nao estarem motivadas a trabalhar arduamente, urna vez que nao têm medo de ficar sem trabalho e alimento.

C- . quanto ao subemprego da mäo-de-obra instruida, ñas economías socialistas? Urna das metas políticas mais importantes, em todas as economías planejadas, consiste em aperfeiçoar a preparaçâo formal de todos os trabalhadores da sociedade, na crença de que isso aumentará a produtividade. A semelhança das eco­nomías capitalistas, no sentido de que o ensino formal proporciona urna experiencia comum nao-cognitíva, jun­tamente corn a transmissâo de ¡nformaçâo cognitiva, ¡n-fere-se que a produtividade dos trabalhadores que atuam com outros provavelmente aumentará, especialmente se Ihes forem destinados empregos que Ihes permitam ad­quir ir experiencia a firn de estabelecer sua instruçào for­mal. Mas, como ñas economías capitalistas, as socieda­des socialistas enfrentam a difículdade de conseguir que os individuos aceitem o ensino vocacional, porque essa escolarizaçâo é considerada inferior ao treino académi­co, como forma de se alcançar status. Mais aínda, há urna crescente pressäo, ao longo do tempo, visando a expan-säo do ensino universitario, e num grau considerável — embora nao tao ampio como ñas sociedades capitalistas — o sistema escolar serve como reforço da estrutura da nova "classe" tecnocràtica socialista. Alguns países, co­mo a China, passaram por lutas constantes destinadas a impedir o aparecímento de urna nova e permanente hie-rarquia, através, por exemplo, de urna limitaçào severa da educaçâo universitaria. A Europa Oriental e a Uniäo Soviética, a despeíto dos varios mecanismos corretivos na distribuiçao das vagas universitarias, de forma a que os filhos de camponeses e trabalhadores tívessem cada vez mais acesso ao ensino universitario (Tómala,

1 2 Ambos os problemas foram solucionados, ou estäo em vías de resolucäo, nos primeiros anos desta década. Cuba retornou aos incentivos salariais, tornou disponíveis bens de consumo de alto preço, tais como televisores, e os adolescentes foram incor­porados diretamente ñas forças armadas, obras públicas e escolas vocacionais.

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Kwiecinski e Borowicz, 1976), permitiram o desenvol­vimiento de novas hierarquias.

Nao obstante, o desemprego da mäo-de-obra ins­truida, como tal, nâo existe ñas sociedades socialistas. Em primeiro lugar, já que a base política do governo so­cialista é formada pelos operarios e camponeses, o ensino primario, secundario e vocacional recebem urna porcen-tagem muito maior do orçamento para a educaçâo do que o universitario. A expansâo do ensino superior na Europa Oriental, por exemplo, tem sido acelerada nos anos recentes, mas esse incremento ocorreu somente após mais de vinte anos de investimento nos níveis edu­cac iona l inferiores e na evoluçâo industrial. Cuba so-mente comecou a ampliar a instruçâo universitaria em 1967, mais de sete anos depois da revoluçâo de 1959, e essa expansâo f icou confinada a certas faculdades téc­nicas. Como foi mencionado, a China restringiu a edu­caçâo universitaria, especialmente após a Revoluçâo Cultural. Assim, o subemprego da força de trabalho instruida é l imitado pela expansào relativamente mais lenta do ensino superior ñas sociedades socialistas, urna limitaçâo que se torna possível por causa das diferenças ñas bases políticas dos governos socialistas e capitalistas, e devido à ausencia de desemprego para os individuos com níveis de escolarizaçâo inferiores.

Além disso, o subemprego fica circunscrito pelo controle maior das profissöes escolhidas pela juventude que ingressa na universidade. Por exemplo, assim como ñas economías capitalistas, a medicina nos países socia­listas é tema de estudo preferido, em grande parte de­vido ao prestigio de ingresso na faculdade de medicina (embora em alguns países socialistas o médico tenha mais oportunidade de obter rendimentos paralelos do que outros profissionais, atendendo a clientes particu­lares). A maioria das sociedades socialistas começa a constatar que se encontram com excesso de médicos, em relaçâo a outras profissöes. Cuba enfrentou o pro­blema criando dificuldades para o ingresso ñas facul­dades de medicina e encaminhando os estudantes mais inteligentes para carreiras mais técnicas (Carnoy e Wertheim, 1975). A Polonia está aumentando os índices de admissäo requeridos para o ingresso em outras facul­dades (tais como engenharía química) a f irn de elevar seu prestigio em relaçâo à medicina (Tomaia, Kwiecinski e Borowicz, 1976). A Uniäo Soviética transformou a medicina numa profissâo eminentemente feminina e os baixos salarios pagos aos médicos levou os homens a optar por outras carreiras. De forma semelhante, as escolhas de profissöes, na economia dirigida, sao influen­ciadas em outros aspectos, tanto por meios diretos (eliminando, ou reduzindo ampiamente as dimensöesde determinadas faculdades) quanto indiretamente, através da oferta de incentivos nao salariais para o ingresso à faculdade adequada.

Todas essas alteraçôes na quantidade de graduados estâo compatibilizadas com o planejamento da mäo-de-obra destinada à expansào industrial ou agrícola, e embora esse planejamento tenha caído em descrédito nos países capitalistas de baixa renda (Blaug, 1970), no mundo socialista o programa de treinamento profissionai

pode ser mui to mais vinculado ao planejamento econó­mico. Além disso, em muitos países o treinamento de alto nivel está intimamente ligado aos empregos reais disponíveis, através da exigencia de que o estudante universitario, para receber treino de nivel mais elevado, seja recomendado a partir de urna situaçào de trabalho (China) ou trabalho em empregos específicos, como parte de sua instruçâo superior (Cuba e a maioria dos países da Europa Oriental). A íntima conexäo entre ensino e trabalho — aqueles que recebem educaçâo supe­rior devem trabalhar a firn de continuar sua instruçâo — reduz a possibilidade de se preparar individuos para empregos inexistentes. Nos países socialistas de baixa renda, entäo, o paradoxo dos "escassos" recursos huma­nos subempregados ou desempregados — os de maior nivel educacional — sofre urna reduçâo significativa através de medidas restritivas e controladoras que seriam de difíci l api ¡cacao em sociedades onde a classe média e a burguesía têm intéresses adquiridos numa universi­dade ampliada e subsidiada, urna universidade que é tam-bém um meio de legitimizaçâo da estrutura de classes existente. Resta ver se a universidade chegará a exercer a mesma funçâo para urna classe tecnocràtica, condu-zindo também, conseqüentemente, ao "super-dimensio-namento" e "excesso de instruçâo" dos trabalhadores ñas economías socialistas.

III. MEDIDAS PROGRAMÁTICAS

PARA PLANEJADORES

# \ n t e s de nos voltarmos as solu-çôes que propomos para o problema desemprego/subem-prego, e ao papel da educaçâo nessas soluçoes, examina­remos as respostas apresentadas no contexto do que Gorz (1967) chama de "reformas reformistas". Tais re­formas, segundo Gorz, têm como condiçâo básica a pre-servacäo da ordern social e do sistema de produçâo capi­talistas; portanto, as mudanças recomendadas atacam o problema na suposiçâo de que o pròprio sistema produ-t ivo nao pode ser modif icado, e provavelmente nao o será, porque é essencialmente eficaz e equitativo, embora existam nele muitas falhas que deveriam ser corrigidas.

As sugestöes dos reformadores reformistas aparecem nos relatórios da Organizaçâo Internacional do Trabalho, conferencias em agencias e fundaçôes ¡nternacionais13 e

Vide, por exemplo, Edwards, 1974, para urna coleçâo de ensaios sobre o desemprego nos países menos desenvolvidos, preparada para a Fundaçào; especialmente, Edwards e Todaro (1973).

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relatónos especiáis sobre educaçào (Coombs, 1968; Coombs e Ahmed, 1974; F aure et al., 1972; Banco Inter­nacional para a Reconstruçâo e Desenvolvimento, 1973). Blaug (1973) resume todas essas recomendaçoes em dois grupos de soluçôes para o desemprego da força de trabalho instrui'da — " t rad ic ional" e " radical" — mas a característica de ambos é a hesitaçâo no tratamento dos problemas do emprego, como parte integrante de um sistema capitalista de produçâo. As forças sistêmicas dessa produçâo (por exemplo, a luta de classes) que con­sideramos fundamentáis para a explicaçâo do desem­prego, sàio colocadas à parte. Ao invés disso, como discu­timos agora, até mesmo as assim chamadas soluçôes "radicáis" — alicerçadas na análise ortodoxa e dualista dos mercados de trabalho nos países de baixa renda — procuram mediar as contradiçôes implícitas no sistema educacional em acelerado crescimento das economías capitalistas que apresentam altos índices de emprego.

Blaug resume as soluçôes da seguinte forma: Primeiro, o controle quantitativo dos estudantes que

ingressam ñas universidades constituí a resposta ¡solada mais importante para o problema do desemprego. Obvia­mente, se existirem muitos graduados universitarios a serem absorvidos na força de trabalho, a reduelo do número de novos formandos que ingressam no mer­cado tende a diminuir o desemprego de universitarios o que, por seu lado, tem o efeito de poupar os recursos destinados à educaçào e (esperase) limita as aspiraçôes profissionais dos jovens que ingressam na classe traba­j a d o r a . Além disso, desde que a taxa social de retorno estimada para varios países parece inferior as taxas do ensino primàrio e secundario14, isso indica o valor de se restringir a oferta de educaçào superior e uti l izar os recursos para a criaçào de empregos. Assim fazendo, os países estariam, portanto, "aperfeiçoando a estrutura do desemprego instruido — evitando o emprego de recursos dispendiosos na produçâo de graduados universitarios nao aproveitáveis — conquanto nào se pretenda que esse fato, por si mesmo, venha a reduzir o franco desemprego e subemprego" (Blaug, 1973, p. 42).

O controle quantitativo poderia ser alcançado por diversos meios: (a) diretamente, através da limitaçâo do nùmero de vagas disponíveis, adotando-se escores mais elevados para o exame vestibular ou tornando-se as pro-vas mais difíceis; (b) transferindo os custos do ensino universitario, do governo para os pais; a instituiçâo de taxas para a instruçâo secundaria e superior, combinada com bolsas de estudo ou empréstimos para os estudantes necessitados, possibilitaria qualquer combinaçâo social de estudantes (conforme Blaug); (c) a seleçâo por meio de quotas a nivel ¡mediatamente inferior ao universitario (escola secundaria), como variante do controle quanti-

Psacharopoulos (1972) argumenta que as taxas sociais para o ensino superior sao realmente baixas, enquanto Carnoy (1972) sustenta que apenas podem parecer inferiores, porque nao se leva em consideraçâo a classe social para explicar as diferenças de renda dos concludentes dos diversos níveis escolares.

tativo, também poderia concorrer para afetar a distri-buiçâo regional ou tribal daqueles que sao quantitativa­mente controlados; (d) adiamento do acesso à universi-dade por dois ou très anos após a conclusâo do ciclo secundario; durante esses anos, o secundarista engrossa-ria a força de trabalho, obtendo melhor perspectiva da realidade profissionai e das oportunidades disponíveis. Além disso, o adiamento da admissâo também resultaría em cortes na freqüéncia universitaria, pelo menos para o período inicial (assim que o primeiro grupo que teve seu ingresso adiado começasse a cursar a universidade, as matrículas seriam ampliadas novamente, a menos que nesse meio tempo fossem impostas outras restriçôes quantitativas).

Segundo, a outra maneira principal para reduzir a demanda pelo ensino universitario, no modelo or todoxo, consiste em intervir no setor do diferencial de salarios do mercado de trabalho. Urna vez que o governo subsi­dia o ensino universitario, resulta o argumento de que as taxas sociais de retorno devem ser baixas, mas os coeficientes particulares — lucros proporcionáis aos custos privados (renda prevista e custos diretos privados da escolarizaçâo) — podem ser muito mais elevados e servir de incentivo para as pessoas continuarem sua instruçâo, mesmo considerando os parcos beneficios que essa atitude traz para a sociedade. Já que os gover-nos da maioria dos países em desenvolvimento nao apenas sao os provedores da educaçào como também os principáis empregadores da força de trabalho ins­t ru ida, é possível, através da intervençâo direta, alterar a estrutura salarial do setor público de forma a reduzir a taxa privada de retorno para a escolarizaçâo e, assim, a demanda pelo ensino superior. Nao apenas argumenta-se que a mâo-de-obra qualificada é "mu i to bem paga" na área govemamental, mas que as escalas salariais estâo rigidamente vinculadas aos requisitos de ensino e idade, reduzindo significativamente o estímulo para o bom desempenho das funçôes; quando urna pessoa pertence ao funcionalismo, tem garantía de alta remuneraçâo e aumentos salariais baseados unicamente no aspecto antigüidade.

Conforme ressaltamos anteriormente, a Turquía, na década de 30 e 40 , reduziu o diferencial de remune­raçâo govemamental para graduados universitarios e isso levou a um declinio na demanda pelo ensino supe­rior (Ozelli, 1968). Na década de 50, contudo, quando a Turquía começou a se modernizar, defrontou-se com urna extrema carencia de engenheiros e técnicos. A lém disso, nào possuimos dados quanto ao número de turcos que foram estudar e viver no exterior. Tal polít ica pode reduzir o desemprego educacional doméstico, ao mesmo tempo em que conduz à perda de recursos humanos através da emigraçâo.

Terceiro, profissionaiizaçâo dos curriculos — na suposiçâo de que os empregos e o atual treinamento-acadêmico sâo " incompat iveis" , muitos reformadores sugerem que o problema do desemprego pode ser mino­rado através da preparaçâo de estudantes destinados mais especificamente aos cargos disponiveis no mercado de trabalho. Ademáis, inferem que a migraçlo rural/urbana

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é exacerbada pelo ensino académico de tendencia urbana, ministrado ñas escolas elementares rurais, urna vez que nao se proporciona aos jovens qualificaçôes pro-veitosas para a agricultura, tendem a abandonar as áreas rurais a firn de procurar empregos ñas cidades. Além de resolver o problema da migracäo, a ruralizaçâo dos currí-culos é considerada por alguns reformadores como a forma principal para solucionar os problemas do desem-prego rural e do desenvolvimento (Coombs e Ahmed, 1974).

Concordamos com Blaug, contudo, em que a voca-cionalizaçâo dos currículos, ¡ncluindo a ¡nsercäo da experiencia de traballio nos currículos escolares, nao tor­nará os estudantes melhor preparados para o mercado de traballio. Na verdade, o registro histórico do ehsino profissionai izante na real izaçâo dessa meta, em socie­dades tao diversas como os Estados Unidos (Grubb e Lazerson, 1975) e Gana (Foster, 1965) é um tanto deso­lador. Assim, embora a inclusäo da orientaçao pràtica no curri'culo das escolas possa ser urna boa coisa em si mesma, simplesmente porque pode tornar a escola um local menos macante e fazer com que os estudantes da classe média näo tenham tanto desprezo pelo trabalho manual ou sejam tào "auto-confiantes", ". . . nao deve­nios considerar a idéia da experiencia de trabalho como remedio, especialmente a curto prazo, se/a para o desem-prego dos instruidos, para o franco desemprego ou pobreza" (Blaug, 1973, p. 53).

No que diz respeito aos problemas da migracäo rural/urbana, "pensem os leigos o que quiserem, a maio-ria dos educadores admitirá que o ensino agrícola ñas escolas näo pode manter os africanos na zona rural; isso pode ser conseguido apenas pela transformaçao do campo num local melhorpara se viver. . . Näo se trata de negar que deveria ser fei to um esforço para transmitir as crianças das escolas primarias alguns simples e básicos principios sobre o bom uso da terra e melhor manejo dos animais e, genericamente, a aplicaçao da aritmética, ciencias e mesmo do inglés a tópicos relacionados com a agricultura. Mas o ensino do 'amor pela agricultura' viria a requerer näo apenas urna reforma no curn'culo escolar como também urna modificaçâo de vulto no treinamento dos professores, o que poderia ocorrer somente através de urna campanha nacional visando a promoçao do progresso rura l " (p. 51).

Em semelhante linha de raciocinio, propöe-se a alternancia das expectativas profissionais dos estudantes, antes de ingressarern no mercado de trabalho, como forma de induzir os de maior m'vel educacional a aceitar empregos mais associados com o ensino secundario. Alguns recentes trabalhos do UPE sugerem a conciliaçao das atitudes e expectativas de alunos, formandos e em-pregadores com a capacidade de emprego dos graduados, através de um sistema de informaçâo ensino/emprego, a ser util izado por estudantes, formandos e tomadores de decisäo nacionais (Sanyal e Yacoub, 1975).

Existe urna nítida possibilidade de que eventual­mente esses sistemas de informaçâo levariam os gradua­dos universitarios a aceitar trabalho de menor status, adaptándose à desvalorizaçâo do ensino superior. Isso,

porém, apenas solucionaría, se tanto, a questao ao desemprego da mäo-de-obra instruida. Caso os graduados universitarios comecem a aceitar empregos de status infe­rior, os secundaristas teräo maior dificuldade para encon­trar trabalho. Se estes, por seu lado, aceitarem a depre-ciaçao do ensino secundario, exerceräo crescentes pres-soes sobre o sistema universitario a firn de aumentar o número de concludentes do curso primario, ou substituí-los, e assim por diante. 0 processo de informaçâo nada faz no sentido de criar mais empregos; simplesmente desloca as pessoas de um lado para o outro.

Quarto, ccnsidera-se a preparaçâo para a atividade por conta pròpria urna soluçao concebi'vel para o pro­blema do emprego, caso o ensino formal puder provocar "motivaçao realizadora" nos estudantes, estimulo que poderia levá-los a trabalhar por conta pròpria, criando empregos näo apenas para si mesmos como para outros. Entretanto, Blaug näo alimenta muitas esperanças quanto ao desenvolvimento de tais valores ñas sociedades emergentes, muito mais orientadas em direçao a um planejamento central e vínculos empregatícios com o setor público do que com o empresariado do setor näo organizado. Ressalta que o processo de desenvolvimento parece estar mais associado ao declínio da atividade por conta pròpria do que com sua evoluçao.

Quinto, educaçao fora da escola, ensino näo formal , programas de alfabetizaçao e sistema educacional sem escolas. Parece incorreto enquadrar todas essas sugestöes sob urna categoria, mas sao variantes típicas da mesma nocäo: as escolas säo dispendiosas, näo atingem urna grande parcela da juventude (particularmente ñas áreas rurais), näo estäo suficientemente orientadas para as necessidades do trabalho ou da comunidade e mesmo, no caso do argumento pela desescolarizaçao, constituem um obstáculo ao ensino. A flexibil idade, custos infe­riores e características de aprendizado mais relevantes das possibilidades do ensino fora da escola, exeqüível na maioria dos países, säo atraentes para educadores e dentistas sociais (vide Labelle, 1975, para um retros-pecto da " teor ia" do ensino näo formal), porém existe urna considerável mescla de razöes para essa atraçao, desde um desejò implíci to de mediar as contradiçôes do desenvolvimento capitalista (Coombs e Ahmed, 1975; Faure et al., 1972) à motivaçao um tanto explí­cita no sentido de se utilizar a educaçao näo formal (inclusive a alfabetizaçao) como instrumento para modi­ficar a estrutura da sociedade capitalista (Freiré, 1971 ; 111 ich, 1971; Reimer, 1971). Qualquer que seja a mot i ­vaçao, contudo, dentro do contexto do desenvolvimento capitalista, o mesmo argumento empregado por Blaug relativamente à vocacionalizaçâo do curn'culo escolar pode ser aplicado a qualquer t ipo de ensino nao formal : a fonte primaria de contradiçôes no desenvolvimento capitalista, incluindo-se o desemprego, é o pròprio sis­tema de produçâo. Conquanto a educaçao näo formal possa ser menos dispendiosa do que a convencional, e os estudantes que a recebem mais motivados, o fato é que os rendimentos resultantes (acesso a maiores sala­rios, profissoes de maior prestigio) do ensino fora da escola, ainda que provavelmente elevados em relaçao

Educaçao e emprego: urna avaliaçâo crítica 81

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aos custos totais, sao muito baixos comparados ao re­torno privado e absoluto da escolarizacao formal. É provável, portanto, que os individuos ao receberem ¡nstrucäo näo-formal sejam os que nao podem ingressar no processo de diplomaçao do ensino convencional, altamente recompensador — ñas sociedades capitalistas, as classes sociais inferiores. Na verdade, observamos que onde o setor público envolveu-se nos programas de en­sino näo-formais, essas "oportunidades" educacional, de baixo custo e parcos resultados, sao reservadas para as populaçôes margináis urbanas e rurais que nao tém acesso à educaçâo convencional (Coombs e Ahmed, 1975; Papagiannis, no prelo). Sob tais circunstancias, o argumento de Foster sobre a falacia do ensino voca-cional poderia muito bem ser empregado para a edu­caçâo fora da escola: dada a estrutura de recompensas ñas sociedades capitalistas em desenvolvimento, trata-se de um produto que ninguém comprará, a menos que a alternativa de maior valor seja ¡nexeqiii'vel.

Muìto curiosamente, os argumentos de 111 ich em favor do ensino fora da escola foram utilizados para apoiar a educaçâo näo-formal para os pobres, sem levar em conta a questâo do sistema educacional estra­tificado em classes (também nao abordado adequada-mente por IIIich) nem o efeito sobre a mobilidade inter-geraçôes do ensino desescolarizado para um grupo da sociedade e, ao mesmo tempo, ¡nstrucäo convencional para outros. Certamente esse tipo de estrategia nao pode ser considerado eficaz para a reduçâo do desemprego, embora possa diminuir as expectativas de emprego dos menos instruidos. Dizemos "possa" porque nao há evidencias de que aqueles que recebem educaçâo fora da escola realmente tenham expectativas inferiores. É muito provável que as familias das classes bäixas sintam-se ainda mais reprimidas por nao Ihes ser permitido enviar seus filhos as escolas formais.

De forma geral, seríamos críticos dessas soluçôes, como inadequadas para solucionar os problemas do desemprego. Ë verdade que o desemprego dos instruidos pode ser reduzido pela diminuiçâo do número de pessoas que ingressam ñas escolas, particularmente nos níveis superiores. Tal reduçâo pode ocorrer através de controles quantitativos, alteraçâo da estrutura salarial ou (durante um curto período) adiamento do ingresso ao ensino universitario. Isso pouparia recursos que poderiam ser utilizados para a criaçao de empregos e, conseguente­mente, contribuir para a soluçâo do desemprego global, mesmo levando-se em conta que urna porcentagem subs­tancial dos recursos destinados ao ensino superior é alocada aos salarios de professores (os quais, supöe-se, ficariam desempregados em conseqüéncia dos cortes no ensino universitario).

A atraçâo básica em restringir-se o ensino superior nao parece ser o fato de que seja soluçâo para o desem­prego global, mas sim o temor de que os desempregados instruidos, de algum modo, sejam mais perigosos politi­camente do que os nao qualif icados (o caso de Sri Lanka constituí um bom exemplo). 0 registro das soluçôes apresentadas para o desemprego e pobreza ñas socie­dades capitalistas industrializadas (com muito mais

recursos) é um tanto deficiente. A vocacionalizaçâo dos currículos, esquemas de ensino e treinamento específico para os "dificéis de serem empregados" simplesmente nao funcionaram (Levin, 1976).

Finalmente, as soluçôes educacionais para o desem­prego, "quantitativas e qualitativas" — como Blaug as denomina — evitam abordar as bases político-sócio-eco-nòmicas do sistema educacional. Está esse sistema ¡so­lado da estrutura social e de produçâo? Sâo as decisôes educacionais independentes das relaçôes de poder subja-centes à sociedade? Ao estudar muitas das soluçôes pro­postas temos a impressâo de que nos, tecnocratas e pla-nejadores, demonstrando o resultado "racional" de nossas medidas, podemos vé-las adotadas pela estrutura do poder político. Por exemplo, a restriçâo do acesso ao ensino superior constituí urna resposta direta ao desemprego dos instruidos, porém o que nos leva a crer que o governo deseja tomar essa decisâo política? Tal vez, a despeito do desemprego, a mobil idade das classes médias urbanas emergentes (que podem constituir parte importante da base política de apoio ao governo pró-livre empresa) seja acelerada pela continua expansäo do ensino universitario, de forma que trata-se de urna questâo política crucial para esse grupo (Schiefelbein, 1975). Possivelmente, apesar da absorçâo da força de trabalho instruida, as grandes empresas considerem interessante tal incremento, a firn de que os salarios da mâo-de-obra especializada diminuam com o decorrer do tempo ("na verdade, o desemprego dos instruidos, num país como a India, levou a um firme declínio dos rendi-mentos reais associados às qualif¡caçôes educacionais" — Blaug, 1973, p. 62). Considerando essas duas pressôes em favor da ampliaçâo do ensino universitario, que go­verno pró-capitalista em desenvolvimento viria a aplicar com sucesso medidas para deter essa expansäo?

UMA APROXIMACÄO ALTERNATIVA

^ _ m nossa concepçâo do problema do desemprego, a concentraçâo nas "distorçôes" do sis­tema de mercado de "livre empresa" com vistas à redu­çâo do desemprego nâo faz sentido. Pelo contrario, temos de considerar as estrategias ocupacionais em ter­mos de: (a) contexto político; e (b) natureza do desem­prego nos diferentes segmentos do mercado.

Considerar o desemprego "politicamente" significa que devemos tratá-lo como parte do confuto entre capi­tal e trabalho sobre a aplicaçâo de recursos. Conforme observamos, de acordo com nossa concepçâo, nâo há evidencias de que os industriáis e latifundiários estejam compromissados com a eliminaçâo do alto desemprego, nos países de bai xa renda. Na verdade, do ponto de vista da maximizaçâo de lucros, nâo têm interesse em fazê-lo. 0 desemprego, em grande parte, é urna questâo traba-Ihista e somente nas sociedades capitalistas em que os

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assalariados exercem considerável e franco poder polí­tico é que se atingiram baixos m'veis de desemprego l s.

Naturalmente, o conceito de que o exercício do poder pol í t ico pelas organizaçôes trabalhistas deva constituir a base de urna estrategia voltada para o pleno emprego contraria frontalmente a estrategia neoclàssica dos economistas: nesta últ ima, as organizaçôes dos traba­jadores constituem urna fonte de distorçâo no funcio-namento do sistema de livre mercado, ajudando a provo­car desemprego através do aumento de salarios acima do produto marginal da força de trabalho. Urna vez que nao aceitamos a hipótese, inerente ao modelo neoclàssico, de que a produtividade marginal iguale-se aos salarios e origine empregos, nao podemos aceitar a conexäo causal entre organizaçôes trabalhistas, influencias sobre os salarios e desemprego global. Nao interessa aos sindi­catos a existencia de um exército de reserva de desem-pregados; quanto mais unido o mercado de trabalho, maior o poder económico das associaçôes de t raba ja ­dores. Entretanto, os industriáis, nacionais ou estran-geiros, lucram financeiramente corn a presença de um exército de reserva: este exerce pressäo decrescente sobre os salarios. Somente o temer das possíveis repercussöes políticas do alto desemprego — desestabilizando, como resultado f inal, a produçâo capitalista —, e a preocu-paçào dos industriáis mais progressistas de que esses efeitos paralelos sociais nocivos do desenvolvimento capitalista venham a colocar em questäo a legitimidade do sistema, é que tornam a burguesía, classe média e burocracia aliada propensas a reduzir o desemprego. Devemos ser realistas quanto ao grau de comprometi-mento desses grupos na resoluçâo do problema do desemprego, quando existem outros meios, inclusive a repressäo direta e a social¡zaçào escolar, para os quais podem se voltar, e geralmente o fazem.

Assim, nossa estrategia para resolver o problema depende da criaçào de força política entre os t raba ja ­dores e camponeses, empregados e desempregados. O fato nao implica em que os planejadores e políticos devam negligenciar a conscientizaçào dos capitalistas, executivos e latifundiários para a necessidade de se implementar medidas que visem a reduçâo do desem­prego. Do nosso ponto de vista, porém, tal orientaçâo pode ser acelerada por urna situacao onde os movimen-tos de operarios e camponeses constituam importantes fatores políticos. Essa estrategia também nao implica em

Isso levanta a importante questäo quanto ao papel das orga­nizaçôes trabalhistas (ou sindicatos) em defesa do emprego. Como sabemos, a força política dos sindicatos operarios, ñas eco­nomías capitalistas, varia ampiamente. Em épocas de dificuldades económicas, ou em situacöes onde o poder global do movimento torna-se limitado, os sindicatos com freqüencia servem para ele­var a condiçâo económica dos associados, äs custas da exclusäo de nao associados. Argumentar, porém, que essa exclusào consti­tuí urna medida da força de um sindicato é absurdo; pelo con­trario, urna organizaçâo sindical poderosa procurará ampliar seu quadro associativo e conseguir beneficios económicos para urna proporçâo maior da força de trabalho, ás custas do capital.

que todas as organizaçôes trabalhistas sejam igualmente eficazes; dada nossa concepçao de um mercado de tra­balho segmentado, haveria pressäo dos sindicatos, sob as condiçôes do desenvolvimento capitalista, no sentido de proteger seus próprios trabalhadores e obter vanta-gens económicas a seu favor, ao invés de participar de um movimento coletivo visando um aumento de salarios global e pleno emprego, à custa dos lucros. Os intéresses capitalistas, conforme nossa análise, procuram separar os diversos grupos de trabalhadores uns dos outros, levando-os a competir entre si por urna fatia maior da quota salarial. Urna organizaçâo de trabalhadores consciente dessa segmentaçâo e do papel mais coletivo necessario para a consecuçao do pleno emprego, obvia­mente será mais eficiente, como base política, do que outra fundamentalmente interessada em resguardar a remuneraçâo de seus associados. A lém disso, supondo-se que a segmentaçao constitua urna importante caracterís­tica dos mercados de trabalho, as estrategias dos grupos de trabalhadores ou de governos trabalhistas terâo de variar em conformidade com o segmento da força de tra­balho com o quai se está lidando. A curto prazo, temos de operar a partir das condiçôes de cada segmento do mercado, tais como elas existem.

Na hipótese, entäo, de um governo trabalhista ou de um poderoso movimento sindical numa sociedade capitalista, que tipos de medidas poderiam ser tomadas para reduzir o desemprego? E que papel a educaçao poder ¡a desempenhar nessas medidas?

Podemos dividir os desempregados em diversos gru­pos principáis:

1. Urna grande parcela de ¡nativos que é marginal ao núcleo da força de trabalho urbana. A juventude, trabalhadores de classes sociais mais baixas, incluindo a primeira geraçâo de migrantes das zonas rurais para as áreas urbanas, e muitas mu-Iheres, enquadram-se nessa categoria.

2. Os desempregados qualificados em inicio da idade de trabalho. A longo prazo, esse grupo enfrenta constantemente a ameaça de obsoles­cencia, representada pela ¡ntroducäo de nova maquinaria ou reorganizaçâo de urna indùstria, à medida em que as empresas sao compradas e vendidas.

3. Jovens desempregados, altamente instruidos. Em alguns países, a juventude de alto nivel educacio­nal está simplesmente esperando um poueo mais pela especie de emprego que espera obter, pois essas ocupaçôes foram se tornando mais escassas em relaçâo ao número de graduados; as expecta­tivas profissionais nao foram reduzidas de forma suficientemente rápidas. Entretanto, em outros países, os jovens instruidos encontram-se desem­pregados de modo muito semelhante aqueles com menor nivel instrucional: constituem um novo grupo marginal ao núcleo da força de tra­balho e, como outros grupos margináis da juven­tude, podem atravessar varios anos aceitando trabalho provisorio, nao profissionai, antes de conseguirem um emprego permanente.

Educaçao e emprego: urna avaliaçào crítica 83

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Ao propor medidas de reduçâo do desemprego, temos de considerar sua diversidade em cada um desses grupos, e determinar o efeito que as políticas geradoras de emprego exerceräo nos mesmos, isoladamente. É duvìdoso, por exemple, que ni'veis mais elevados de ensino e maior volume de treinamento venham a pro-duzir algo de proveitoso para a mâo-de-obra marginal, quando o nivel mèdio de escolaridade da força de tra­ballio também se encontra em ascensào. Como salienta-mos, isso elevaría a instruçâo média dos desempregados, porém nao criaría empregos. Por outro lado, o reades-tramento dos desempregados qualificados, em inicio de idade de traball io, poderia minorar a dlficuldade de se criar novos empregos, quando as aptidöes atuais ficarem obsoletas. Estando em atividade, os trabalhadores espe­cializados também se encontram em condiçôes de se organizarem para garantir os empregos: urna estrategia de preservaçào do traballio implicaría na luta pela manuten-cäo dos empregos, em face do fechamento de fábricas e dispensa temporaria de trabalhadores, bem como um esforco pela inclusäo de urna política de contrataçâo e demissäo nos acordos de negociaçâo coletivos. Assim, a estrategia para a mäo-de-obra ja empregada, ou especia­lizada e engajada no centro da força de trabalho urbana durante um longo período de tempo é diferente daquela para os que atravessam dificuldade em conseguir empre­gos urbanos.

Observe-se novamente que as estrategias aquí suge­ridas foram estabelecidas num contexto pol í t ico especí­f ico: presumimos que os trabalhadores e camponeses têm suficiente força política para pressionar os capita­listas no sentido de procederem a mudança contra seus intéresses, e que o governo seja suficientemente plura­lista ou tenha bastante interesse burocrático na manu-tençao da estábil idade polít ica a firn de atender a algu-mas reivindicaçôes dos trabalhadores. O leque de possibi-lidades políticas representado por essas hipóteses é muito ampio e, naturalmente, nao assumimos urna posiçâo estática. Pelo contrario, as estrategias propostas visam solucionar o problema do desemprego através de urna dinámica em que o trabalho assuma urna força polí­tica e econòmica cada vez maior.

AÇÔES PROPOSTAS

UMA POLÍTICA GERAL PARA AUMENTO DO NÍVEL DE EMPREGOS

# \ Organizaçâo Internacional do Trabalho (vide os Relatórios de Países, da O IT ) , e outras, sugerem que a oferta de empregos pode ser ampliada através do desenvolvimento e ut i l izaçio de tecnologia para o trabalho mais intensiva, e tornando-se a produçào agrícola (que já é de trabalho intensivo) e a vida rural mais compensadoras. Concordamos em que essas medi­das gérais, provavelmente em detrimento dos lucros, poderiam funcionar no sentido da ampliaçâo do emprego global. Entretanto, as implicaçôes políticas dessas deci-

söes na economia dos países emergentes de livre mercado devem ficar bem claras; em nossa concepçâo, nao foi por acídente ou planejamento inadequado que adotaram a tecnologia de capital intensivo e os investimentos urba­nos, mas antes políticas dirigidas especificamente para o subsidio e promoçao dessa tecnologia e investimento. A única forma de incrementar a intensidade do trabalho no setor moderno (enquanto a área privada continuar tomando decisòes sobre investimento de capital e desen­volvimento tecnològico) consiste em subsidiar tecnolo­gías que utilizem trabalho e nao capital. A única maneira de tornar mais compensadora a vida rural — criando um pòlo mais lucrativo para os investimentos dos pequeños agricultores — está na modificaçâo da estrutura de pre-ços, de modo que sejam mais favoráveis à produçào agrí­cola, especialmente quanto aos géneros alimenticios consumidos no país16 .

Numa situaçâo em que o governo nào deseje nacio­nalizar a produçào ou incentivar a utilizaçào da força de trabalho diretamente, através da intervençào estatal no processo produtivo, ainda deve enfrentar o poder polí­t ico da burguesía urbana e da classe mèdia para realizar reformas que favoreçam os camponeses e a mäo-de-obra urbana. Se permitir a elevaçào de preços dos géneros alimenticios (beneficiando os pequeños agricultores), o salario real dos trabalhadores urbanos sofrerá urna redu­çâo, a menos que se permita, também, o aumento de sua remuneraçâo nominal. Isso, por seu lado, diminuirá os lucros, especialmente ñas industrias competitivas ou naquelas que exportam para um mercado mundial agressivo. Além do mais, a substituiçâo dos subsidios ao capital pela subvençâo ao trabalho, ou tecnologia de trabalho intensivo, também favorecerá o trabalho, em relaçào ao capital. Somente um governo bastante for te politicamente para suportar a pressäo dos capita­listas urbanos poderia eliminar os subsidios para o capi­tal e substituí-los por subvençôes ao trabalho, e fixar preços mais elevados para os produtos agrícolas, mesmo levando em conta que muitas empresas podem ficar indi­ferentes quanto à subvençâo ao capital ou trabalho, urna vez que seus lucros nâo serâo necessariamente afetados por urna transferencia de subsidios.

Ao mesmo tempo, o desaceleramento do f luxo da mäo-de-obra das áreas rurais, através de sua transfor-maçâo num local mais compensador para se viver, me­diante urna crescente disponibilidade de créditos a baixos juros para os pequeños proprietários, ampia reforma agraria, preços mais altos para os produtos agrícolas, etc., poderia exercer urna pressäo ascendente sobre a remuneraçâo da força de trabalho urbana, caso a oferta de mäo-de-obra de baixo preço fosse afetada por essas medidas. Como afirmamos acima, a migraçâo em massa da força de trabalho rural para as cidades criou

T.W. Schultz, em recente artigo, argumenta que os preços dos produtos agrícolas precisam, basicamente, refletir seu valor no mercado mundial a firn de tornar a vida rural mais rentável (Schultz, 1976).

84 Cad. Pesq. (32) fev. 1980

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o problema das favelas, mas provavelmente beneficiou extremamente os capitalistas, à procura de mäo-de-obra depreciada. Assim, todas essas medidas, se instituidas, têm importantes implicaçôes ñas alteraçôes da distri-buicäo da renda entre a classe trabalhadora e, indubita-velmente, sofreriam forte oposiçâfo por parte daqueles grupos que viessem a perder corn a mudança de orien-taçâo. Os planejadores nato devem ser ingenuos quanto a essas conseqüencias políticas de um programa de pleno emprego.

Além disso, a firn de superar o efeito sobre o desen­volvimiento de urna possível fuga de capital estrangeiro e nacional amedrontados pela polít ica de emprego da mäo-de-obra, também seria necessario investir recursos públicos diretamente no processo produtivo e incremen­tar a produtividade do trabalhador. Com métodos de produçâo mais intensamente baseados no fator traballio, o principal meio disponível para o setor público, a firn de obter maior rendimento por trabalhador, seria através da mobilizaçâo de massas e da motivaçâo polít ica. Urna estrategia de pleno emprego, portanto, compreende nao apenas a ¡mplementaçao de medidas antagónicas aos intéresses de capitalistas e executivos, mas também a preparaçâo para resistir à reaçâq dos setores privados da produçâo em resposta à açâo governamental pró-traba-Iho. Geralmente, as medidas de mobilizaçâo das massas säo ainda mais antagónicas aos interesses do capital particular, urna vez que requerem o desenvolvimento de urna conscience coletiva empreendedora ou "auto-sufi­ciente", antitética ao relacionamento empregador-empre-gado e ao conceito de que o capital privado deve tomar decisöes pela massa de trabalhadores e camponeses da sociedade.

SEGURANÇA NO EMPREGO

/"Aqueles atualmente empregados, ou integrados ñas categorías tradicionalmente de baixo desemprego, tais como operarios qualificados, vendedo­res e escriturarios, etc., devem considerar que os setores dinámicos, de alta remuneraçao, do sistema de livre empresa, podem contratar um número mui to l imitado de pessoas, e estäo constantemente procurando formas de substituí-las por trabalhadores mais baratos (homens por mulheres, trabalhadores qualificados por semi-quali-ficados — empregando tecnologías diferentes — e assala-riados nacionais pela mäo-de-obra estrangeira mais depre­ciada) ou incrementar a oferta de trabaiho, através do ensino e treinamento financiados pelo povo, de forma que sejam pressionados no sentido de reduzir suas reivin-dicaçôes salariais. Assim, para esses assalariados, o movi­mento com vistas à segurança no trabaiho deve ser um elemento-chave numa estrategia de pleno emprego. Como fo i debatido anteriormente, a segurança no em­prego significa urna luta pela manutencäo dos cargos, em face do fechamento de fábricas e dispensa tempo­

raria de trabalhadores, pela inclusäo de políticas de admissâo e demissäo nos acordos coletivos de nego-ciaçâo, assim como garantías de readestramento e readmissäo, no caso de inviabilidade de produçâo.

A segurança no emprego, naturalmente, é urna questäo muito mais séria nos períodos de baixo cresci-mento econòmico do que quando a economia se encon-tra em rápida expansäo; a longo prazo, porém, as garan­tías aos trabalhadores qualificados de qualquer pro-fissäo — mesmo aqueles que necessitam de novo treina­mento transcendem os ciclos económicos. A experien­cia da ocupaçâo da Triumph Motorcycle pelos trabalha­dores, na Inglaterra (Carnoy e Levin, 1976) demonstra que a tomada das fábricas pode constituir urna medida eficaz de preservaçâo dos empregos, durante o período de operaçâo das empresas, e que o fechamento de indus­trias e as demissöes em massa podem ser impedidas pela açâo do operariado. Além disso, indica que a partíci-paçao do trabalhador ñas decisöes sobre contrataçôes e demissöes necessariamente näo reduz a produtividade, mesmo quando essa participaçao géra expectativas de estábilidade de empregos.

A segurança no trabalho também apresenta impl i ­caçôes para o planejamento educacional. Na situaçâo atual, os trabalhadores qualificados podem ser contrarios a ampi ¡açâo do ensino, por um lado, devido à ameaça potencial que um trabalhador jovem, mais instruido, representa para seus empregos, mas, por outro, podem ser a favor a firn de que seus filhos venham a ter urna oportunidade de mobil idade ascendente. Enquanto urna limitaçâo do crescimento das universidades, através do sistema de quotas ou altos custos por aluno, poderia receber o apoio dos profissionais em atividade, com base na manutencäo dos empregos, do mesmo modo, estes se oporiam à restriçâo, em razâo de que se estaría negando o acesso universitario a seus fi lhos. Urna vèz que o tempo de serviço também integra o conceito que o povo tem de sua segurança no trabalho, geralmente os profissionais e trabalhadores qualificados mais velhos säo a favor da ampi ¡açâo do ensino, porque as carreiras de seus filhos torna-se urna variável mais importante para eles, na política educacional, do que sua instabil idade no emprego.

Se as organizaçôes trabalhistas säo capazes de con­seguir garantías e segurança para o trabalho, através do processo pol i t ico, a pressäo crescente em favor da expan­säo educacional parece exercer o seguínte efeito sobre a área do ensino: urna vez que os trabalhadores qual i f i ­cados náb mais estariam preocupados quanto à perda de seus empregos para os novos graduados, com maior escolaridade, aquela oposiçâo potencial do grupo ao crescimento educacional desaparecería. Entretanto, outros efeitos da proteçâo ao trabalho provavelmente absorveriam este. Por exemplo, a efetiva segurança no trabalho diminuiría as pressöes dos empresarios no sen­t ido da ampi ¡açâo do ensino, visto que a ameaça poten­cial de um exército de reserva desempregado, de maior nivel educacional e composto de jovens, seria significati­vamente reduzida: um trabalhador qualif icado nao pode­ria ser intimidado pela existencia de mäo-de-obra quali-

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ficada ¡nativa se, por exemplo, sua organizaçâo sindical tivesse o direito de veto a qualquer admissâfo ou demis-sâo que ocorresse na fábrica ou empresa agrícola. Além disso, qualquer extensäo da proteçâo ao emprego aos programas de trabalho garantidos (debatidos acima) viria a aumentar as expectativas de renda da juventude, transformándose num incentivo à continuaçâo da esco-larizaçâo. Em outras palavras, a reduçâfo do desemprego dos jovens aumentarla os custos particulares da frequen­c e à escola. Näo seria tao necessario chegar a ni'veis cada vez mais elevados de ¡nstrucäo para se conseguir um emprego. No conjunto, entäo, o efeito l iqu ido da pro­teçâo ao trabalho estaria em diminuir a pressào pela arnpliaçâo do ensino, se a segurança no trabalho näo ficar limitada a um pequeño nùmero de trabalhadores de "e l i te" . Se assim for, como ocorre em muitos países de baixa renda atualmente, aumentaría a pressào no sentido de se obter suficiente escolaridade para obtençâo desses empregos de elite.

CRIAÇÀO DE EMPREGOS

Isso nos deixa com a grande massa dos desempregados — a força de trabalho marginai — e o grupo bem menor da juventude com ¡nstrucäo universitaria. O problema ocupacional mais d i f í c i l , natu­ralmente, está no primeiro grupo. Parte dele poderia ser absorvida através de subsidios ao trabalho para as indus­trias privadas (e outra parte limitada, a longo prazo, através de urna taxa de crescimento populacional me­nor). Tais subsidios poderiam assumir varias formas:

Primeiro, um subsidio direto às firmas, por traba­lhadores empregados. Se assumir a forma de um subsi­dio à folha de pagamentos (um crédito governamental baseado no volume de salarios pagos) haverá urna ten­dencia para beneficiar a contrataçâo dos trabalhadores mais instruidos, altamente remunerados, reduzindo assim o efeito sobre a admissäo da força de trabalho marginal. Recomendaríamos, portanto, que se for empregado um crédito sobre salarios ou outra forma de subvençào, deveria basear-se no número de assala-riados em atividades (recebendo salarios), assim como na folha de pagamentos (neste últ imo caso, para impe­dir o arrolamento de trabalhadores fantasmas com vistas à recepçào do crédito). Em outras palavras, a fórmula de subsidios deveria premiar o crescente emprego de mais trabalhadores, assim como o oferecimento de maiores salarios.

Segundo, na maioria dos países (em desenvolví-monto e industrializados) o sistema de previdencia social está organizado de forma a taxar mais pesadamente os salarios de trabalhadores de menor renda do que os que têm elevada remuneraçâo, t r ibutando o empresario pela utilizaçâo de técnicas trabalho-intensivas (tr ibuta-o por todo assalariado adicional que contrata permanente­mente), e, em muitos casos, chega mesmo a tr ibutar mais o empresario, proporcionalmente, pelos trabalhadores

de menores salarios do que pelos melhor remunerados. Nos Estados Unidos, por exemplo, somente os primeiros US$ 15.000 dos rendimentos do assalariado sao tr ibu­tados para finalidades de previdencia social (tanto a contribuiçâo do empregado quanto do empregador). Do ponto de vista do empresario, existe assim urna ligeira tendencia para contratar menos trabalhadores altamente remunerados e mais assalariados com salario inferior. Recomendaríamos a mudança da tributaçâo básica da previdencia social, de urna taxa sobre a folha de paga­mentos para um imposto progressivo direto sobre a renda, tanto sobre o rendimento individual quanto da empresa. Isso tornaría o sistema tr ibutàrio mais gradual, eliminando o efeito anti-trabalho do imposto. Um outro esquema temporario viável para transferir parte das taxas de previdencia social para impostos progressivos diretos sobre a renda e empresas consiste em excluir dos encargos da previdencia social (contribùiçôes do empre­gador e empregado) os menores salarios, reunindo o montante através de tributaçâo direta mais elevada sobre os rendimentos e, paralelamente, continuar seguindo o esquema tr ibutario da previdencia social na fonte, sobre os salarios mais altos. Isso exerceria o efeito de incenti­var os empresarios a contratar trabalhadores menos qualificados, com menores salarios.

Embora essas sugestöes possam ter alguma influen­cia no aumento do número de contrataçôes de trabalha­dores, especialmente os nio-qualif icados, assalariados com alto risco de desemprego, o fato é"que muitos dos que procuram trabalho näo seräo empregados, nos países em desenvolvimento (ou, também, nos países altamente industrializados) sem a intervençâo direta do governo nos mercados de trabalho, intervençâo até mesmo além de prover subsidios ao trabalho para o setor privado e de apoio à segurança no emprego reivindicada pelos grupos de trabalhadores. Em outras palavras, näo há evidencia de que um sistema de livre mercado venha a "desobs­t ru i r " o desemprego nos países de baixa renda além das remuneraçôes de subsistencia, especialmente porque o governo já é um importante empregador. Ao se discutir o emprego direto, a questäo principal é como o governo deveria contratar todas essas pessoas. O debate desen­volvere em torno de tres conceitos principáis:

1. Emprego direto pelo governo central, para proje­tos de obras públicas, tais como represas, siste­mas de esgotos, irrigaçâo, construçâo de escolas, etc. A vantagem dessa contrataçâo direta é a criaçio rápida de empregos; as desvantagens estâo em que os efeitos multiplicadores do emprego sao diminutos e os projetos de grandes obras pú­blicas — devido ao longo tempo em que a maioria délas começa a exercer efeitos sobre a produçào de bens — sao inflacionarios17. Por out ro lado, o governo poderia intervir diretamente na pro­duçâo de bens de consumo, inclusive produtos agrícolas, e concentrar-se em projetos que de-mandem pouco investimento de capital. O argu­mento contra o emprego direto por parte do go­verno, do úl t imo t ipo, é que o setor público é um produtor muito ineficiente, comparado à

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livre iniciativa. Entretanto, se o objetivo da pro­duçâo visa nao apenas menores preços como também pleno emprego, o setor público pode realmente ser mais eficiente que o privado.

2. Consideramos, entretanto, que existe urna outra desvantagem no emprego direto pelo governo central: existindo um único empregador prin­cipal e nenhum controle descentralizado dos trabalhadores e gerentes de produçâo locáis, há o perigo evidente de que as normas burocráticas predominem sobre os métodos de produçâo e emprego, assim como a probabilidade de repri-mirem os incentivos para a crescente produtivi-dade e criatividade. Por esse mot ivo, preferimos o financiamento governamental a cooperativas de produtores, como forma de criaçâo de empre-gos, ao invés da contrataçâfo direta pelo governo. Essas cooperativas poderiam ser unidades de pro­duçâo controladas pelos trabalhadores/consumi-dores, e produzir de acordo com um plano seto-rial. Poderiam contratar jovens, pessoas idosas consideradas mui to velhas pelos empregadores para atuar no setor privado, e a força de trabalho marginal em inicio de idade de trabalho. Na ver-dade, poderiam constituir o embriâo de urna rede de unidades de produçâo pública, descentrali­zada, organizada para produzir bens e serviços para as comunidades, para as metas de produçâo e consumo nacionais, e mesmo para a exporta-çâo. Abrangeria transportes, géneros alimenti­cios, pequeños produtos manufaturados e manu-tençâo — praticamente tudo, inclusive a compe-tiçâo com o setor privado dos mesmos bens.

3. Tanto o financiamento das cooperativas quanto o emprego direto dos desempregados poderiam ser vinculados a programas de treinamento — nao programas de treinamento para colocaçâo no setor privado, mas programas que provessem as qualificaçôes necessárias as cooperativas de pro­duçâo locáis, as fábricas administradas pelos trabalhadores com financiamento de recursos governamentais e para emprego no pròprio setor público. Os programas de treinamento seriam elaborados a f irn de preparar os individuos para os empregos existentes e sobre os quais o setor público exercesse algum controle, de forma que pudesse haver alguma conexâo entre o treina­mento proporcionado e os empregos disponí-veis.

Mais importante, a preparaçâo poderia ser realizada como parte do trabalho, e haveria mui to mais oportuni­dades de se realizar o treinamento entre trabalhadores

No aspecto positivo, os rendimentos auferidos pelos traba­lhadores em tais projetos provavelmente seriam gastos quase que interamente em alimentaçâo, roupas e outros produtos básicos, que sao fabricados por métodos relativamente absorvedores de mäo-de-obra. Esse fato exerceria um importante efeito mùltiplo sobre o nivel de emprego, desde que o governo permitisse a ele-vaçâo dos preços desses produtos (pelo menos, a curto prazo).

qualificados e näo-qualificados, e através da rotatividade ocupacional (Carnoy e Levin, 1976).

Conforme afirmamos acima, a reduçao do desem-prego dessa forma, especialmente entre os jovens, tende-ria a diminuir a pressäo sobre a ampliaçao do sistema educacional, devido as crescentes oportunidades de ren­dimentos para a juventude. Além disso, se a promoçâo ou os melhores empregos ñas cooperativas controladas pelos trabalhadores dependesse menos da educaçâo e mais do desempenho (estariam os trabalhadores propen­sos a recompensar a aptidâo e o desempenho mais, e o treinamento formal menos do que os executivos?) como Blaug sugeriu para o setor governamental, isso daria ênfase bem menor à escolaridade como instrumento para se conseguir emprego e melhores cargos. Sugerimos que urna polit ica de pieno emprego, realizada dessa forma, viria a restringir o ensino no sentido da diplomaçâo, aumentando sua finalidade para satisfazer as necessi-dades reais de qual if ¡cacào no processo produtivo.

Todos esses programas sao orientados com vistas à construçâo de urna estrutura de emprego paralela ao setor privado e, em alguns casos, até mesmo competindo corn este. Tal estrutura paralela teria como principal meta o emprego, e nao o lucro. Embora em termos de rentabil idade possa ser menos "ef ic iente" do que o setor privado, em funçâo do desenvolvimento humano seria mui to mais eficiente. Poderia, também, gerar urna série de bens e serviços de real util idade para a economia e, se adequadamente planejada, criar unidades administra­das pelos trabalhadores de natureza mui to mais democrá­tica do que as corporaçôes do setor privado.

Nessa estrategia, o desemprego da mäo-de-obra instruida é resolvido de duas formas: primeiro, os jovens recém graduados podem encontrar trabalho no setor público e utilizar suas capacidades formais no trei­namento de outros assalariados ou na propria produçâo. Podem, também, aprender outras aptidöes na área gover­namental e deslocar-se para o setor privado com melhor preparaçâo para o trabalho. Segundo, o desemprego da força de trabalho corn maior nivel educacional é d imi­nuido, porque a pressào para acesso à universidade decrescerla, dada a disponibil idade de empregos para os graduados universitarios, e até mesmo concludentes da escola primària, corn a possibilidade de continuaçâo dos estudos posteriormente.

O ponto principal da estrategia apresentada, porém, está em que a soluçâo para o desemprego e subemprego da mäo-de-obra instruida, assim como para a rápida e incontrolável migraçâo das áreas rurais para o conglome­rado urbano de cidades superpovoadas, nao reside na reestruturaçâo do sistema educacional ou mesmo na criaçâo de novos métodos de ensino, mas na reformu-laçâo do sistema produtivo. Nao mais podemos esperar o surgimento de empresarios individuáis para organizar as finanças, marketing e geraçâo de novos empregos; embora existam muitos empresarios talentosos nos pai-ses de baixa renda, a produçâo de bens e serviços sob urna organizaçâo de produçâo capitalista nao maximiza o emprego — maximiza lucros (o retorno do investi-

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mento). Além disso, a produçâo de muitos bens nesses países é monopolizada, existindo ainda maior poder açambarcador nos mercados de crédito. A capacidade empresarial coletiva e cooperativa constituí urna soluçâo muito mais viável para o problema do desemprego nos países de baixa renda, e esse tipo de reestruturaçâfo, acreditamos, seria o mais proveitoso para incorporar a massa da juventude ¡nativa e a força de trabalho margi­nal na produçâo controlada pelos trabalhadores, dinámi­ca e financiada pelo governo, tanto ñas áreas rurais quan­to urbanas.

EDUCAÇAO E EMPREGO

V ^ planejador pode facilmente argu­mentar que na maioria das economías capitalistas dos países de baixa renda a possibilidade de reformas na es-trutura de produçâo, e a mobilizaçâo das massas, é tâo remota que constituí um ideal utópico. Nosso intuito, porém, deve ser considerado exatamente este: um obje­tivo a ser mantido em mente, no planejamento do ensi-no e dos programas de emprego. Quando o planejador se confronta com reformas educacionais alternativas, deve­na (de acordo com nosso modelo) julgar tais esquemas nao somente em termos de quanto ensino tencionam prover, mas em funçâo do montante de poder económi­co relativo que transférera aos trabalhadores e campone-ses. Argumentamos que a ocurrencia de reformas educa­cionais geralmente nao desloca a economia em direçâo ao pleno emprego; pelo contrario, leva os pobres a espe­rar a mobilidade de seusfilhos ou sua pròpria maior pro-dutividade (e renda) enquanto atribui a eles muito pouco de cada. Afirmamos aqui que o planejador deveria ava-Mar essas reformas em campos eco-políticos, compreen-dendo que as inovaçoes educacionais, combinadas com programas de pleno emprego, poderiam muito bem esta-belecer as condiçôes para um maior poder económico da massa, de forma a que as reformas de vulto, tendentes a ajudar os grupos de baixa renda, fossem combinadas com programas económicos para os pobres. De outro modo, a reforma educacional nao seria mais do que um media­dor de contradicöes — um adiamento da soluçffo do pro­blema da pobreza e da participaçâo da massa na vida eco­nómica e política do país.

Isso significa, por exemplo, que a introducilo do en­sino nao-formal ñas áreas rurais ou urbanas margináis tem de ser acompanhada de programas económicos que possibilitem á populaclo dessas áreas a obtenç3o de po­der económico, em detrimento dos grupos mais ricos da sociedade. Sem esses programas económicos, a educaçâo näo-formal torna-se um meio de levar esperança aos po­bres com parcas possibilidades de obter qualquer benefi­cio económico. Se, entretanto, o ensino rural for acom-panhado por urna extensáo de crédito aos pequeños agri­cultores, preços mais elevados para os produtos que eles podem fabricar, reforma agraria, assessoria para a gestfo

de cooperativas e compra ou arrendamento de maqui­naria, entäo existe urna possibilidade real de que essa educaçâo conduza à maior produtividade e maior nú­mero de empregos ñas áreas rurais. Do mesmo modo, os programas de ensino vocacional para trabalhadores urba­nos devem estar vinculados à sua contrataçâo, ao térmi­no do processo de treinamento, como descrevemos aci­ma.

Näo obstante, o planejador deve ter muito cuidado ao determinar — pelo menos aproximadamente — quem pagará o custo do crescente poder económico dos po­bres. No caso da força de trabalho camponesa, por exem­plo, um aumento do retorno para os géneros alimenti­cios poderia ser suportado basicamente pelos trabalha­dores urbanos, ao invés dos detentores do capital e dos perceptores de altos rendimentos (visto que os grupos ur­banos de baixa renda, tais como os trabalhadores, gas-tam urna porcentagem maior dos salarios em alimenta-cao — especialmente em produtos caseiros — do que os que têm maior renda). A firn de que isso nao ocorra,os planejadores interessados nos grupos de baixa renda de-veriam desenvolver um sistema de preços e controles, vi­sando transferir os custos de um aumento da renda dos camponeses para as pessoas que têm altos rendimentos, incluindo os detentores do capital físico, e, ao mesmo tempo, desenvolver esquemas de treinamento visando au­mentar a produçâo, em resposta à elevaçâo das rendas.

Os salarios mais elevados e o maior número de em­pregos, oferecidos aos trabalhadores urbanos qualifica-dos, poderiam ser financiados pela transferencia dos re­cursos destinados aos pobres rurais, ou através de seu de-salojamento da terra, dessa forma exercendo-se pressâo decrescente sobre os salarios pagos aos trabalhadores ur­banos näo-qualificados. Esse parece ser o método empre-gado na maioria dos países capitalistas para dividir a clas­se trabalhadora, e opor politicamente os trabalhadores qualificados contra os näo-qualificados e os camponeses (vide debate sobre segmentaçâo, acima). O planejador in-teressado no aumento do nivel de emprego (e, por infe­rencia, em transferir o poder económico para os pobres) precisa nao apenas elaborar inovaçoes educacionais des­tinadas a ajudar os pobres a obter qualificacöes, porém trabalhar com planejadores económicos que possam apontar-lhes as prováveis medidas distributivas e de em­prego que deveriam acompanhar tais inovaçoes a firn de torná-las efetivas para as pessoas as quais supöe-se que deveriam estar servindo. Essa coordenacäo da reforma educacional com o planejamento econòmico, para o emprego e redistribuiçâo do poder económico, é precisa­mente o oposto da maioria dos processos de planejamen­to dos países capitalistas de baixa renda, onde as deci­so es sobre reformas educacionais sSo tomadas com base numa série de objetivos implícitos, educacionais e eco­nómicos, em grande parte definidos pelos grupos cujos verdadeiros interesses estâo associados à manutençâo de urna economia com excesso de oferta de mäo-de-obra e de trabalho qualificado e, acima de tudo, à reproduçâo de urna organizaçâo de produçâo capitalista, mesmo às custas do desemprego e da pobreza permanentes.

88 Cad. Pesq. (32) fev. 1980

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ESCOLARIDADE E TRABALHO

d n b o r a nao consideremos apenas papel do ensino (näo entrosado com programas para real­mente diminuir o desemprego de grupos onde ocorrem altos índices de inatividade), pode ser possi'vel urna vin-culaçâo cada vez maior da escola com o trabalho. Isso foi sugerido nos Estados Unidos e em outros países ca­pitalistas (vide, por exemplo, Coleman et al., 1973) co­mo forma de modificar as expectativas de emprego da juventude, a firn de reduzir a instabilidade politica ine­rente ao desemprego e subemprego da mäo-de-obra ins­truida. Países como o Panamá estafo iniciando progra­mas em áreas rurais, onde os estudantes de 2? grau {se­cundaria) trabalham durante determinado número de ho­ras por semana, em propriedades agrícolas vinculadas à escola (Del Cid, 1976). A venda dos produtos dessas fa-zendas ajuda a financiar o ensino, enquanto o processo de lavrar a terra, corno parte do currículo escolar, prepa­ra os estudantes para serem agricultores mais produtivos. O México desenvolveu um programa de ensino secunda­rio avançado {bachillerato) que leva os estudantes a tra-balhar em projetos sociais, como parte de sua educaçâo (Órnelas, 1976). O programa mexicano é semelhante, em alguns aspectos, ao projeto desenvolvido pelo Antioch College, Ohio (Estados Unidos), que permite ao estudan-te trabalhar um ano pelos créditos universitarios, e ao programa do Goddard College, Vermont (Estados Uni­dos), o qual integra ensino universitario e trabalho.

Tais programas constituem esforços interessantes e proveitosos no sentido de tornar a educaçâo mais "rele­vante" para os estudantes, nos varios níveis escolares. No caso do Panamá, as escolas rurais destinam-se, também, a tornar o ensino secundario menos dispendioso para o governo. Entretanto, de acordo com a argumentaçâo de Blaug, existe o perigo de que os programas escola/traba-Iho, ñas economías capitalistas — particularmente aque­les destinados aos camponeses e menores trabalhadores urbanos —, conquanto possam desenvolver as qualifica-çôes dessas enancas, desenvolvem, na realidade, aptidôes de baixa cotaçâo na economia e que apresentam urna al­ta possibilidade de se tornarem obsoletas ou de pouca demanda, assim condenando a juventude dessas classes urna vez mais ao segmento menos remunerado da força de trabalho, a despeito do aperfeiçoamento de sua es-colaridade.

A esse respeito, deveriamos comparar as conseqiiên-cias das reformas escola/trabalho com seu funcionamen-to em Cuba e na China, de onde se originaram muitas de-las. Na China, o ensino secundario e superior está ligado diretamente aos locáis de trabalho, rurais e urbanos. Na verdade, a juventude é selecionada, ñas instituiçôes de ensino superior, por seus colegas-trabalhadores, tanto em termos de seu potencial de realizaçâo académica quanto de seu desempenho profissionai. E mesmo cursando a es­cola, os estudantes continuam a aplicar seus conhecimen-tos a situaçôes de trabalho (as instituiçôes de ensino * - i -perior estafo ligadas as unidades de producaci). Apó a conclusalo da escolaridade, os estudantes retornam a seu

local de trabalho. Assim, o desemprego e subemprego educacionais praticamente nâo existem, e os custos do ensino superior, em termos de rendimentos previstos, safo grandemente reduzidos (Instituto Educacional An-glo-Chinês, Janeiro de 1974).

Em Cuba, o problema da carencia de mäo-de-obra agrícola, resultante em grande parte da definiçâo — por volta de 1963 — da agricultura como o setor principal do desenvolvimento cubano, bem como o compromisso ideológico de integrar os setores rurais e urbanos, e a obrigaçâo de desenvolver um "novo hörnern" socialista, voltado para o trabalho, levou os cubanos a desenvol-verem primeiro "escolas para a zona rural", onde os es­tudantes secundarios das áreas urbanas passavam qua-renta e cinco dias por ano trabalhando na produçâo agrícola e, eventualmente, "escolas na zona rural", fre-qüentadas por estudantes de nivel secundario, urbanos e rurais, onde exerciam atividades de trabalhadores agrí­colas durante vinte horas por semana ñas fazendas ad­ministradas pela escola (com a participaçâo do estudan-te) e cuja produçâo estava vinculada ao plano agrícola. As "escolas na zona rural" tornaram-sea principal carac­terística do desenvolvimento educacional cubano, desde 1969. Deve-se ressaltar, novamente, que tanto os estu­dantes rurais quanto urbanos estagiam nessas escolas, nao apenas os estudantes rurais. Na verdade, á exceçâo das escolas vocacionais (baseadas no modelo da Escola Vocacional Lenin, próxima a Havana) a serem implanta­das em cada urna das dezesseis provincias de Cuba, todas as escolas secundarias serâo na zona rural e exigirâo que os estudantes, como parte de seu currículo regular, tra-balhem na terra durante o ciclo escolar de quatro anos. Até mesmo as novas escolas vocacionais urbanas mantém os alunos produzindo bens manufaturados: os estudantes da Escola Vocacional Lenin, por exemplo, fabricam to­dos os radios transistorizados de Cuba e, ao mesmo tem­po, fazem a montagem e instalaçâo de mini-computado­res (Carnoy e Wertheim, 1975).

Nâo é nosso objetivo entrar em detalhes quanto à natureza dessas inovaçôes educacionais na China e em Cuba, mas deve ficar claro, das breves observacöes aqui expressas, que existe muito para os planejadores dos paí­ses de baixa renda aprender dessas experiencias. Os dois países reduziram o custo da oferta de ensino secundario e superior à massa de jovens, aparentemente sem dimi­nuir a qualidade do treinamento académico nesses ní­veis. De fato, há evidencias de que o desempenho acadé­mico em Cuba realmente elevou-se, de forma substancial, ñas escolas "campestres", em relaçâo aos métodos tradi­cional de ensino. A produçâo agrícola e industrial dos estudantes de nivel secundario nâfo apenas reduz os cus-tos do ensino como, provavelmente, produz um lucro lí­quido material para o setor da educaçâo secundaria, em ad¡çao à produçâo de qualificaçôes académicas ou voca­cionais, consideradas fatores multiplicativos da produti-vidade futura dos estudantes envolvidos (Carnoy e Wertheim, 1975). Ao mesmo tempo, a situaçâo escola/ trabalho vem de encontró aos objetivos ideológicos so­cialistas de construir a cooperaçâo do trabalho e redu­zir as diferenças entre a experiencia urbana e rural.

Educaçâo e emprego: urna avaliaçâo crítica 89

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Haveria muita d'ificuldade para inserir tais progra­mas num contexto de desenvolvimento capitalista, espe­cialmente com os mesmos objetivos em mente. Nao há probabilidade de que os pais das classes médias e alta permitam o comparecimento de seus filhos a escolas on­de as enancas trabalhem em funcöes agn'colas ou indus­triáis. Na verdade, a pròpria essência da educaçâo capi­talista é a formaçao das crianças conforme funcöes so-ciais e de classe mui to diferentes. Nâ"o obstante, de acor­dó com nossa concepçao de que o planejador educacio­nal pode manter objetivos "u tóp icos" em mente, en-quanto trabalha na política real de sua sociedade, suge­rimos que podem ser tomadas medidas para o desenvol­vimento de programas de trabalho, especialmente aos m'veis superiores de ensino, nos países capitalistas de baixa renda, visando reduzir a distancia social entre os trabalhadores da produçâo e os futuros profissionais. Os programas também determinariam, com maior preci-sá"o, o mercado de trabalho para certas profissoes. Deve ficar claro, contudo, que a menos que naja muito maior controle, tanto do mercado de trabalho quanto do nú­mero e t ipo de pessoas em treinamento ñas universida­des públicas e particulares, permanece urna alta probabi­lidade de oeorrêneia de desemprego entre os mais ins­t ru idos.

L ^ quanto aos programas trabalho/ estudo, a m'veis inferiores de escolaridade? No Panamá, onde os estudantes rurais exercem atividades agrícolas vinculadas à escola, o trabalho/estudo certamente é pro-veitoso para o desenvolvimento de qualificaçôes agríco­las, e provavelmente reduz o custo do ensino quando o produto é comercializado. Entretanto, a menos que es­ses tipos de programas educacionais sejam combinados com mudanças ñas possibilidades de desenvolvimento económico da vida rural, essas escolas rurais de produ­calo nao elevarlo necessariamente o nivel de emprego ñas áreas rurais, e podem apresentar um resultado económi­co muito baixo. Na verdade, enquanto continuarem a ministrar temas académicos que podem ser úteis para a obtençao de empregos ñas áreas urbanas, provavelmen­te nem mesmo chegaräo a estancar o f luxo da migraeäo rural-urbana. Assim, a inovaçafo das escolas de produeäo rurais pode reduzir o custo do ensino para a juventude do interior, mas nao se pode esperar que apenas essa re­forma resolva o problema do desemprego. Por out ro la­do , as escolas de produeäo rurais, em combinaçSo com reformas estruturais que beneficiem o campesinato, po-deriam realmente contribuir para elevar o nivel de em­prego ñas áreas rurais, obter maior produtividade e urna redueäo do f luxo rural-urbano (o que, por seu lado, vi-ria a reduzir o desemprego urbano).

Os programas trabalho/estudo, por outro lado, se adaptariam bem no quadro das cooperativas de produ­c to e outros empregos governamentais. Se aos jovens que já estafo trabalhando e recebem recomendacSo das

unidades de produeäo para prosseguir os estudos fosse dada preferencia de acesso ao ensino universitario, em relaçao aos ¡nativos, haveria considerável incentivo à ju­ventude no sentido de primeiro encontrar empregos e depois estudar.

Mesmo dada essa possìbilidade, nao podemos espe­rar que as situaçôes escola/trabalho, ñas áreas rurais e urbanas (através do ensino industrial vocacional para os fi lhos de trabalhadores urbanos) possam começar a eli­minar a dicotomia rural-urbana ou romper a estrutura de classes ñas zonas urbanas e rurais, a menos que se exija de todos a freqüéncia a essas escolas. O desenvol­vimento das escolas de produeäo para urna classe da so­ciedade, combinado com o treinamento académico con­ducente à universidade, para as crianças das classes so-ciais mais altas, pode simplesmente eliminar o desem­prego da força de trabalho instruida (reduz as pressöes pela ampliaçao do ensino universitario, através de res-triçôes ao ingresso nesse nivel), conservando inalterados os altos índices de desemprego entre a mäo-de-obra ru­ral e os pobres urbanos margináis.

O desenvolvimento do ensino, portanto, em asso-ciaçâo com a produeäo, proporciona interessantes possi­bilidades, mesmo ñas sociedades capitalistas, particular­mente quanto à viabilidade de auto-custeio da educaçâo. Tais programas, entretanto — como esperamos ter torna­do bastante claro — nao reduzem o desemprego por si mesmos, nem däo poder económico aos pobres. Na ver­dade, fazer com que os estudantes exerçam atividades na produçâo agrícola e industrial, enquanto existe de­semprego na força de trabalho ativa, nao faz muito sen­t ido , e esse é o dilema das sociedades capitalistas de bai­xa renda, de baixo rendimento per capita mas de certa forma ¡ncapazes de utilizar plenamente o potencial hu­mano capaz de produzir. Muitas das sugestoes que fize-mos em nosso plano de açao ¡mplicam na reorganizaçâo do modo através do qual sao produzidos os bens, modi­f icando, particularmente, o controle das tomadas de de-cisäo quanto à produçâo e a prioridade atribuida ao lu­cro sobre o emprego. Tais alteraçoes näo säo realizadas facilmente nos países de baixa renda; na verdade, per-guntamos se podem sequer chegar à consecuçâo, sem considerável organizaçâo dos grupos de trabalhadores e camponeses, e conflitos entre aqueles que desejam o desenvolvimento económico de forma a premiar a bur­guesía urbana e classes medias e os que almejam o cresci­mento através de um t ipo de estrutura política e econò­mica com base ñas massas. O confuto é acentuado pelo interesse das potencias mundiais na rota desenvolvimen-tista escolhida.

Acautelamos, portanto, o planejador contra a crença de que as reformas "nao reformistas" podem ser facil­mente executadas, assim como o precavemos contra a presunçâb de que os problemas do desemprego em geral, e da força de trabalho instruida, possam ser resolvidos tornando-se o desenvolvimento capitalista mais "racio­na l " . O desemprego, e a ampliaçao do desemprego pela estabilidade no trabalho, esbarra m em algumas relacöes de poder básicas do processo de produeäo. O t ipo de sugestâfo que apresentamos sonriente pode ser ¡mplemen-tado sob certas condicöes políticas, deve fazer parte de

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urna estrategia global para modificar o controle da quan-tidade de bens que devem ser produzidos e de quem recebe os frutos da producáfo e, portanto, requer a orga-nizaçao de urna base política de massa. Fundamental­mente, a situaçâfo de cada país é única, e a estrategia utilizada para o aumento do nivel de emprego deve ema­nar da cultura política e econòmica daquela determinada sociedade. •

Educaçâo e emprego: urna avaliacáo crítica 91