Eduardo Giannetti Revista Epoca Negocios Abr07

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Eduardo Giannetti da Fonseca,formado pela USP, com doutorado em Cambridge,

prepara-se para explicar economia na televisoPOR HUMBERTO WERNECKFOTO

ROBERTA DABDAB

do Alto de Pinheiros, constrangem

I

s vsperas de se tornar cinquento, em fevereiro passado, Eduardo Giannetti da Fonseca tinha planos para uma nova fase em sua vida: esrever mais. Para isso, teria de fugir da disperso paulistana - quem sabe isolando-se mais frequentemente em Tiradentes, cidade histrica de Minas onde, em regime de "absoluta clausura", sem telefone ou internet, escreveu dois livros -; dar menos entrevistas; fazer menos palestras - s em 2006, calcula, foram umas 120. Ao mesmo tempo, porm, Giannetti preparava-se para estrelar, como apresentador, uma srie de dez programas de dez minutos, O ValordoAmanh, que oFantsticovai mostrar a partir deste ms. O escritor pegava, assim, uma contramo que certamente o far, convertido em celebridade televisiva, ainda mais requisitado, como aconteceu com o mdico Druzio Varella e o fsico Marcelo Gleiser,protagonistas de sries semelhantes nas noites de domingo da TV Globo. Giannetti pop star? No passava por a o projeto desse intelectual refinado cuja formao, de to diversificada, tornaria difcil a escolha do que escrever sob o seu nome num carto de visitas. Formado em economia e cincias sociais pela Universidade de So Paulo (USP),doutor pela universidade inglesa de Cambridge, onde lecionou durante trs anos, ex-professor da USP que hoje ensina histria do pensamento econmico nas Faculdades Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) So Paulo, o saber polivalente de Eduardo Giannetti se espraia muito alm desses rtulos, aos quais se soma o de filsofo. Talvez seja o caso de ficar com o de pensador, que de resto abarca todos os demais, permitindo-lhe enveredar pelas mais improvveis picadas.a b r i l o007 P O C A N ~ G C ~ O 137 S

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ALBUM DE FAM~LIA

A trajetria pessoal entre o Brasil e a Inglaterra1 -Com a mulher. Christina Whiting. brasileira filha de ingls

desculpando-se por no saber ler uma partitura, Giannetti encantou exigente platia em So Paulo com afinadssima palestra sobre Mozart. A msica, alis, e no s6 a erudita, uma de suas paixes, e dela sabe extrair mais do que prazer esttico. Criticando o governo Lula num painel, meses atrs, ele sacou versos de Noel Rosa em O Orvalho Vem Caindo - "A minha terra dP banana e aipim / o meu trabalho achar / quem descasque pra mim" - para calar uma hilariante concluso: "co Bolsa-Famlia!" Mineiro de Belo Horizonte transplantado para So Paulo com meses de idade, irmo caula dos tambm economistas Marcos e Roberto Giannetti da Fonseca, ele vem construindo uma obra que alcana picos de best-seller. Auto-engano, de 1997,j vendeu 47 mil exemplares. fora as tradues na Inglaterra, Itlia, Holanda, Iugoslvia e no Japo. Felicidade (2002) anda pelos 33 mil. E o mais recente, O Valor do Amanh, que d nome 2 srie da Globo, em menos de dois anos bateu nos 32 mil exemplares. Nas livrarias, Giannetti jP topou consigo mesmo na estante de auto-ajuda. V nisso um equvoco, mas consola-se com Shakespeare, em Hamlet: "Os nossos pensamentos so nossos, mas os seus fins no nos pertencem". A limpidez do texto ajuda a explicar a gorda vendagem. "Meus temas so ridos", avalia, "e, se eu no seduzir o leitor pela linguagem, ele vai me abandonar." A clareza uma das qualidades que fariam de Giannetti "o pensador brasileiro contemporilneo mais interessante", na opinio do filsofo e poeta Antonio Cicero. "Voc turvar a gua do seu pensamento uma forma de desonestidade intelectual muito comum hoje no Brasil': observa o ensasta de O Mundo desdeo Fim. Tambm Caetano Veloso,leitor de comprar e distribuir, se encanta com a capacidadede Giannetti de dizer limpidamente o que pensa. " um oPsis no panorama da cultura acadmica brasileira", define Caetano, mais de uma vez citado nos textos do escritor e que na srie O Valor do Amanh vai cantar um trecho de sua Orago ao Tempo. Os programas, informa a roteirista e diretora Isa Grinspum Ferraz. vo se guiar pela preocupao em "simplificar, mas sem tirar a complexidade das questes". Isa - responsPve1 pela srie de TV O Povo Brasileiro (2000)e pelos contedos e roteiros do Museu da Lngua Portuguesa, de So Paulo - adianta que o propsitode O ValordoAmanb "pensar sobre o tempo, sobre como a gente age no tempo".138 P O C A N ~ G ~ C ~ abril ao07 O S

mAos5anos. na prb-escola Guarnieri. em Sao Paulo

Na telinha, ganhar redobrada ressonncia a tese que Giannetti desenvolve no livro - grosso modo. a de quejuros no so apenas aquiio que sangramos numa compra a prazo ou num emprstimobancrio, mas algo que perdemos ou ganhamos nas escolhasdo cotidianoe que, espelhandoa fbula da cigarra e da formiga, no fundo consisteem optar entre "viver agora. pagar depois" e "pagar agora, viver depois". Amiga de "Edu" desde a faculdade, Isa garante que a ele no falta cancha para seduzir o telespectador. Quem diria: at os 16,17anos, Giannetti, que viria a medir 1,93metro, era o baixinho da turma no Colgio Santa Cruz e morria de medo de abrir a boca na sala de aula. pois um dia o professor viu gozao na sua voz fina de pr-adolescente. A lerdeza na chegada dos hormnios, acha ele, concorreu para que fosse buscar compensao no terreno jP familiar da literatura e das idias - a me, a psicanalista Yone Giannetti da Fonseca, poeta e teve um livro contemplado,em 1976, com o mesmo Prmio Jabuti que, mais adiante, o filho ganharia em duas ocasies. Adescoberta de Sartre,de Kafka, sobretudodo Dostoievskide OsIrmos Karamazov,num curso de metafsica no colgio, foi para Eduardo um decisivoalumbramento. Na hora do vestibular, s6 no optou por filosofia porque o falecido pai,Justo Pinheiro da Fonseca,engenheiro e executivo de banco, o alertou para as incertezas da carreira. Giannetti admite que acabou fazendo "uma escolha prudencial': mas no guardou frustrao - anos mais tarde, deu fora quando o filhofinico,Joel. hoje com 21anos, quis cursar filosofia. At porque Eduardo veio a descobrir, na leitura dos clssicos, que s6 de um sculopara c o estudo da economia se desmembrou da filosofia, nada impedindo que se restaure a unidade no Ambito da histria do pensamento econmico.FOTOS-ARQVIVO PESSOAL

Tiradentes (MG), onde costuma se isolar para escrever

19Em

1986 >Piqueniqueem Cambridge. Inglaterra, ao lado do filho Joel. cornlano

2007

Na gravaao do primeiro episdio da srie para a TV, em So Paulo

Antes disso, porm, o bem-comportado Giannetti

- que hoje pode ser visto passeando nas imediaes de suacasa,no bairro do Alto de Pinheiros, com os dois buldogues Ichabod e Quincas, pai e filho - foi um radical de esquerda, militante da Libelu, a organizao trotskista Liberdade e Luta. Passou uma noite em cana quando a polcia da ditadura invadiu o campus da PUC de So Paulo, em 1977.Tambm aos 20, trocou o bem-bom da casa paterna por uma repblica de estudantes proclamada numa rua de terra, depois de conseguir o primeiro emprego, como pesquisador da Fipe, a Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas, da USP. Era, define-se,um "marxista de carteirinhan. Desse tempo a amiga Isa guardou a estampa de um moo "lindo, cabeludao", que "arrasava quarteires". Ainda enchia os ouvidos com o rock progressivo dos anos 70 - Jethro Tull, Yes, Gentle Giant -, que diz ter sido "a religio" de sua adolescncia e que at hoje, vez por outra, revisita. Mas gostaria de esquecer que na juventude publicou dois livros de poesia, Adolescncia e rbitas pedestres. Quando seguiu para a ps-graduao em Cambridge, aos24 anos,j comeara a apear do marxismo. Ele e vrios companheiros. "Ns acreditvamosna iminncia de uma revoluo proletria internacional': reconstitui, "e

de repenteveioa revoluo iraniana - exatamente o contrrio daquilo que imaginvamos estar prestes a acontecer." No foi o nico motivo de desencantamento:"Pensvamos que com a redemocratizaono Brasil as idias marxistas e os partidos operrios ganhariam fora e presena na poltica, mas o que se viu foi algo muito diferente". Chocado, descobriu que o discurso marxista era mais convincente sob um regime autoritrio do que numa democracia. "Intelectual nascido dos sonhos da revoluo", descreve Caetano Veloso, "Giannetti tornou-seum realista doce e solar." Seteanos de Cambridge,j ao lado de Christina Whiting, brasileira filha de ingls, arquiteta,com quem se casou em1982,haveriamdesolidificarastransformaesporquevinha passando.At ento,rememora,vivia em busca de um filsofo com o qual pudesse identificar-se,para pensar amaneira dele. "Em Cambridgeaprendi que no existeum pensador que vai resolver os problemas do pensamento por algum, e que o maisimportante aprender a pensar por conta prpria." As correbesde rumo causaram perplexidadeentre antigospares. "Houveum que me acusou de ter passado para o lado da burguesia...", diverte-seEduardo. O qualificativo que os adversrioslhe pespegam o de neoliberal. No se reconhecenele - e aproveita para puxar orelhas: "As pessoas

"IINTaECTZfAL NASCIDO DOS

E1 ZEabril 2007POCA

~ e o c i o s 139

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AS IDIAS DE GIANNETTITRECHOSDOS TRSLIVROS MAIS VENDIDOS DO PENSADOR POLIVALENTE

usam esse rtulosemteramenor n@o doque estgoMandow. Seu colega e primo Paulo Nogueira Batista Jr. o v como um liberal, e a si mesmo como um desenvolvimentista. Diretor-executivo do Brasil no Fundo Mmetfirio Internacional (FMI), em Washington, e professor da Fundaso Getulio Vargas em So Paulo, BatistaJr. diz que, "com nomes diferentes,essa sempre bi a grande polarizao na hist6ria do pensamento econ8mico brasileiro". Vai no mesmo sentido a avaliao do economista Mrcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),para quem Giannetti "15representante do que de mais sofisticado temos no Brasil em matria de pensamento liberal, prosseguidorde uma tradio que passa por Eugnio Gudin e Roberto Campos". Giannetti,que no gosta de rtuios, sente-semais identificado com o que poderia ser chamado de iluminismo ctico. Nada a ver, adverte, com certo iluminismo "entusilstico, exaltadon."Amaioria dos economistasacredita140 ~ P O C A~ e c c i o s a b r i l rrooq

numa noo de progresso e numa convergncia entre tecnologia, bem-estar,felicidade. Eu acho que as coisas tem um custo. Nem todas as coisasboas, desejveis,so compatveis entre si. Quase sempre. para ter uma delas. voc vai ? ter de abrir mo de outra. A condiro humana c tragica." Dsu Eduardo Giannetticonsiderar"profundamente amarga e corrosiva" a mensagem que desfia em seus escritos. "Tentodelinear problemas que provavelmenteno tem solu50,faoperguntasque no tm respostau,explica.Para dar o seu recado indigesto, recorre sabedoria do fi16sofo e poeta romano Lucrcio, com quem aprendeu o "mtodo agridoce", que consiste em passar mel na borda do copo - "quando a pessoa percebe. j engoliu o remdio amargou. Amargo? Pode ser. Mas o sucesso de livraria e o interesse da Globo no deixam dvida de que a poo intelectual de Eduardo Giannetti est agradando.^ Leia trechosdosprincipais livrosdeGi nnetti + em www. emane~oc~os.corn.~r/