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2 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

Com este número de abril/maio/junho

de 2009, nossa revista Conduta® Médica

completa 40 edições, dez anos de vida.

Tudo começou em meados da década de

1990, quando a empresa Laura Bergallo

Editora, especializada em publicações

médicas, ao produzir jornais para socieda-

des e instituições da área de saúde, pas-

sou a receber insistentes mensagens e pe-

didos de seus leitores médicos solicitan-

do a publicação, nesses veículos, de ca-

sos e sessões clínicas. Mais tarde, uma pes-

quisa de mercado veio a confirmar que os

médicos se encontravam ansiosos por ler,

nas publicações especializadas, casos e

sessões clínicas. Os pedidos pela veicu-

lação dessas modalidades de artigos mé-

dicos eram muito superiores aos de arti-

gos originais, revisões, artigos experimen-

tais, e quaisquer outros habitualmente vei-

culados por nossas revistas médicas.

Ao mesmo tempo nós, que atuamos na

área acadêmica, também passamos a ob-

servar um fenômeno interessante com as

publicações científicas da área médica.

Num processo que foi influenciado pela

Capes (Coordenação de Aperfeiçoa-

mento de Pessoal de Nível Superior, ór-

gão do Ministério da Educação que cui-

da da educação superior), após profun-

da reforma ocorrida por volta de 1996,

as principais revistas médicas brasileiras

se lançaram numa corrida acelerada

rumo à ”qualificação”.

É preciso antes de tudo que se entenda

aqui o que significa, no contexto cien-

tífico, do ponto de vista do pesquisador,

o termo “qualificação”. Como a Capes

é uma agência que cuida da educação

superior e que avalia a pós-graduação

stricto sensu (mestrados e doutorados),

para ela “qualificação” de revistas está

intimamente ligada à publicação de co-

nhecimento novo. E conhecimento

novo envolve pesquisa científica. O

produto da pesquisa científica é comu-

nicado por intermédio de artigos origi-

nais, publicados em revistas. Pesquisa

envolvendo conhecimento novo hoje

se faz com sofisticação.

Sendo assim, muitas revistas médicas na-

cionais, uma vez dada a senha por parte

da Capes, lançaram-se na direção de pu-

blicar o máximo de artigos originais, epi-

demiológicos ou experimentais, trazendo

sempre que possível conhecimento novo.

Paulatinamente, o espaço antes destina-

do à sessão clínica e ao relato de caso foi

dando lugar ao artigo original. E, quanto

mais original é o artigo, maior valor cien-

tífico, teoricamente, ele tem. Mais chan-

ce terá de ser lido por outro pesquisador e

de ser por este citado num novo artigo

escrito pelo último... e a citação tem gran-

de valor no mundo da Ciência.

No mundo da Ciência e dos pesquisado-

res há uma “hierarquia” das revistas, em

que as “mais conceituadas” são aquelas

cujos artigos originais são mais citados nos

artigos escritos por pesquisadores que

leem os primeiros artigos. Nossas revistas

médicas então se lançaram nessa conquis-

ta, e podemos dizer que, em geral, estão

sendo muito bem-sucedidas, o que é mui-

to bom para o país, para nossa Ciência

Médica e para os nossos pesquisadores.

Nossa produção científica mundial ultra-

passou os 2% do total, o que é muito bom.

O problema está em que conhecimen-

to novo raramente é aplicado de ime-

diato. Pelo contrário. Conhecimento

novo frequentemente nem sempre che-

ga a ser aplicado, pois muitas vezes é

contestado antes disso. E conhecimento

novo é, em geral, exposto em linguagem

científica sofisticada, com método esta-

tístico nem sempre de fácil compreensão,

muitas vezes só inteligível por outro pes-

quisador que esteja pesquisando exata-

mente aquilo que o autor do artigo publi-

cou. Ou seja, que esteja investigando na

mesma linha ou em linha próxima.

Ora, já deu para perceber que estamos

falando de conhecimentos pouco acessí-

veis ao entendimento do médico prático,

que não domina estatística sofisticada (e

nem tem obrigação de fazê-lo), que não

trabalha com animais de laboratório e

nem atua em bancada, que conhece super-

ficialmente epidemiologia clínica e que,

mesmo querendo e até tendo certo talen-

to para se embrenhar em tais disciplinas,

carece de tempo para fazê-lo de forma

proveitosa, tendo em vista a extenuante

jornada que já é obrigado a cumprir, no

seu dia-a-dia atribulado.

O que se percebe, então, é que o médico

prático deseja ler material de rápida com-

preensão, de alta qualidade e sintético,

que se aplique ao seu cotidiano, e que

contemple sua educação continuada. No

julgamento do médico prático, esse ma-

terial é o mais interessante e útil. Eviden-

temente que deve ser elaborado com cri-

tério e atendendo a exigências de quali-

dade. Nesse sentido, defendemos sempre

e continuamos a defender que ainda não

há melhor forma de se promover tal edu-

cação continuada para médicos do que a

discussão em torno das sessões clínicas e

do estudo minucioso dos relatos de casos,

atendidos por boa revisão bibliográfica.

Esse é e continuará sendo o perfil de nos-

sa revista. Não nos seduzem as altas inde-

xações que, para serem feitas, exigiriam

que a revista passasse a ser publicada toda

em inglês e que contivesse a maior parte

de seu conteúdo em artigos originais, ex-

perimentais e epidemiológicos. Se fizés-

semos isso, perderíamos nossa razão de ser,

que é publicar material de excelência,

para educação médica continuada, aten-

dendo ao imenso público médico.

Tal pensamento não significa que dese-

jemos sugerir um conflito ou incompati-

bilidade entre revistas de impacto, com

artigos originais, e as de sessões e relatos

Um decênio

EditorialEditorial

Um decênio

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 3

Se você deseja ver publicada em

CONDUTA MÉDICA

uma Sessão Clínica de seu

Serviço ou um Relato de Caso

de sua autoria,

entre em contato conosco.

Tel. 21-22051587 ou

telefax 21-22052085

e-mail: [email protected]

SESSÃO CLÍNICA

Esplenomegalia em

Paciente com Manifestações

Vasculares

RELATO DE CASO

Pericardite Constritiva como

Complicação do Lúpus

Eritematoso Sistêmico

RELATO DE CASO

Forma Cística Gigante de

Carcinoma Papilífero de

Tireoide Variante Folicular

O DESAFIO DA IMAGEM

Otalgia e Rinorreia

Purulenta

A CONDUTA DO PROFESSOR

Empiemas Pleurais

SESSÃO CLÍNICA

Amigdalite e Dor Torácica

RELATO DE CASO

Endocardite

por Streptococcus

Beta-Hemolítico do

Grupo C

de caso, no caso da nossa revista. Há es-

paço para ambas, e os médicos, idealmen-

te, se quiserem e se puderem, deveriam ler

material dos dois tipos. Apenas a reali-

dade mostra não há tempo e nem condi-

ções para se fazer tudo.

Nestes 10 anos de existência, a revista

Conduta® Médica vem atuando no senti-

do de propiciar educação médica conti-

nuada de excelente qualidade aos seus

leitores. Em 40 edições cobrimos materi-

al das mais diversas especialidades médi-

cas, em 147 relatos de casos, 90 sessões

clínicas, 16 “desafios da imagem” e 13

artigos veiculando a “conduta do profes-

sor”, além de 40 editoriais sobre assuntos

relevantes a serem meditados pelos médi-

cos, num total de 306 artigos de interesse

para o profissional, voltamos a frisar, no

seu aspecto eminentemente prático.

Foram autores dessa produção cerca de

670 médicos e estudantes de Medicina,

estimando-se que pelo menos o dobro

desse número deva ter participado das

sessões clínicas gravadas e divulgadas

pela revista. Esse material teve a colabo-

ração de 35 instituições médicas do Rio

de Janeiro, em maioria, e também de Mi-

nas Gerais, São Paulo e Pernambuco. A

maior parte foi proveniente da UFF, San-

ta Casa-RJ, UFRJ, UniRo e Uerj, mas po-

demos dizer que vários outros centros

onde se cultiva uma educação médica de

bom padrão tiveram participação nestes

10 anos da Conduta® Médica.

Em comemoração a esse decênio de suces-

sos, estamos lançando nosso site

(www.condutamedica.com.br), que pu-

blicará os números anteriores da revista

em pdf, a partir do ano de 2006. Tal ini-

ciativa vem ao encontro das inúmeras

solicitações de médicos (inclusive de

outras cidades e estados) que desejam ter

acesso à publicação e não recebem as edi-

ções impressas regularmente, e se consti-

tuirá, também, em mais um canal de co-

municação entre os leitores e a revista.

CONDUTA MÉDICA

Por último, gostaríamos de dizer que, em

30 de abril de 2009, uma quinta-feira à

noite, estará ocorrendo no Espaço Cultu-

ral Cremerj, na sede do Conselho, uma

festa comemorativa pelos 10 anos da re-

vista Conduta® Médica, para a qual todos

os colegas estão convidados, e quando te-

remos a oportunidade de compartilhar

com os profissionais do Rio de Janeiro a

nossa alegria pelo sucesso e grande acei-

tação da publicação pelo meio médico.

Na ocasião, teremos a satisfação de exter-

nar pessoalmente nossos agradecimentos

à Unimed-Rio (nossa patrocinadora ex-

clusiva) e sua diretoria; ao Cremerj, pelo

apoio na divulgação da revista (que é

distribuída gratuitamente aos médicos,

inclusive na sede da instituição); aos co-

legas do corpo editorial, pelo empenho e

colaboração, sempre que solicitada; aos

médicos autores, que colaboram com o

envio dos artigos; aos serviços que têm

participado, com a gravação das sessões;

aos estudantes de Medicina, que gravam

as sessões e realizam a primeira elabora-

ção do texto (depois revisto pelos edito-

res e pelo responsável do serviço onde a

sessão foi gravada), e ao pessoal técnico,

sem cuja colaboração não seria possível

a edição da Conduta® Médica: à gráfica

Sermograf e à Serifa Produção Gráfica, na

pessoa do designer gráfico Guilherme Sar-

mento, a quem agradecemos a atenção, o

talento e a gentileza de sempre.

Parabéns para todos nós!

ACESSE NOSSO SITE www.condutamedica.com.br

PARA CONHECER NOSSAS EDIÇÕES ANTERIORES

PROF. DR. GILBERTO PEREZ CARDOSO

Professor Titular do Departamento

de Clínica Médica da UFF

Doutor em Endocrinologia pela UFRJ

Editor da revista Conduta® Médica

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PROF. FERNANDO

Bom dia a todos. Vamos iniciar a

apresentação desta sessão clínica, que

tem como um dos objetivos a publi-

cação na Conduta Médica - uma re-

vista que vem trazendo à classe médi-

ca muitos benefícios ao divulgar ses-

sões clínicas e relatos de casos, assim

demonstrando os conhecimentos e a

experiência dos autores e dos demais

participantes.

Nosso Serviço tem tido a oportuni-

dade de acompanhar, no decorrer

de vários anos, pacientes com vári-

as modalidades de doenças do co-

lágeno. E agora surgiu mais este

caso, acompanhado por todos nós

aqui presentes: internos, residentes,

assistentes e chefe de clinica. Pas-

so então a palavra à relatora, inter-

na Mariana.

INTERNA MARIANA

Identificação: E.N.M., 74 anos, sexo

feminino, branca, natural de Minas

Gerais, do lar.

Data de Internação: 7/4/2008

Queixa Principal: “dor nas costas e

nas articulações”

História da Doença Atual: Há apro-

ximadamente dois anos a paciente vi-

nha apresentando lombociatalgia com

irradiação para glúteos e membros in-

feriores, associada a parestesia do pé

direito, que piorava com a deambula-

ção e melhorava com o repouso e com

diclofenaco de potássio. Há dois me-

ses procurou o Serviço de Neurologia

para investigação e foi submetida a

uma ressonância nuclear magnética da

coluna lombar (4/3/2008), que evi-

denciou processo degenerativo entre

L3-L4, abaulamento discal difuso de

L2-L5 e esplenomegalia.

Foi então encaminhada à Clínica

Médica (34ª Enfermaria) para inves-

tigação da esplenomegalia e poliar-

tralgia.

Esplenomegalia em Paciente com

Manifestações Vasculares

Splenomegaly in a Patient with VascularManifestations

SESSÃO CLÍNICA / CLINICAL SESSION

RESUMO - Trata-se de uma sessão clínica da 34ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do

Rio de Janeiro, para discussão de caso de paciente mulher, com 74 anos, apresentando lom-

bociatalgia, esplenomegalia, poliartralgia e eritrocianose. Discute-se o diagnóstico diferen-

cial e a conduta terapêutica. (Conduta Médica 2009-10 (40) 4-9)

ABSTRACT - It is a clinical session of the 34th Infirmary of Santa Casa de Misericórdia Hos-

pital in Rio de Janeiro, to discuss the case of a 74-year-old woman who presented sciatalgy,

splenomegaly, polyarthralgia and eritrocyanosis. The differential diagnosis is discussed.

(Conduta Médica 2009-10 (40) 4-9)

DESCRITORES - Ciatalgia; esplenomegalia; poliartralgia

KEY-WORDS - Sciatalgy; splenomegaly; polyarthralgia

Sessão clínica realizada em 13 de junho

de 2008, na 34a Enfermaria da Santa Casa

da Misericórdia do Rio de Janeiro

(Rio de Janeiro - RJ).

Apresentadora:

Mariana Rodrigues Zangrando

Interna da Escola de Medicina da Fundação

Técnico-Educacional Souza Marques

Participantes:

Prof. Fernando Nascimento

Chefe de Serviço da 34a Enfermaria da Santa

Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro

Professor Titular de Clínica Médica da Escola

de Medicina da Fundação Técnico-

Educacional Souza Marques

Professor Assistente da Faculdade de

Medicina da Universidade Gama Filho

Prof. Dielson da Costa e Silva

Chefe de Clínica da 34a Enfermaria

Professor Assistente da Escola de Medicina

da Fundação Técnico-Educacional Souza

Marques e da Universidade Gama Filho

Profa. Margarete Azizi de Oliveira

Professora Assistente de Clínica Médica da

34ª Enfermaria

Professora Auxiliar de Ensino da Escola de

Medicina da Fundação Técnico-Educacional

Souza Marques e da Universidade Gama Filho

Profa. Daniela Zylberberg

Professora Assistente da 34ª Enfermaria

Professora Auxiliar de Ensino da Faculdade

de Medicina da Universidade Gama Filho

Profa. Michele Pochettini Martins

Professora Convidada da 34ª Enfermaria

Dr. Abílio Moura Cardoso Lopes

Médico Residente (R2) da 34a Enfermaria

Dr. Mauro Vitor Coutinho Bizzo

Médico Residente (R1) da 34a Enfermaria

(Ver internos e acadêmicos participantes da sessão

ao final do texto)

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À admissão: Paciente refere plenitude

pós-prandial, surgimento de múltiplas

lesões purpúricas puntiformes, não-

pruriginosas e indolores em região

plantar, concomitantemente à altera-

ção da coloração dos pés (eritrocia-

nose) relacionada à posição ortostá-

tica ou deambulação, com evolução

de aproximadamente um ano. Persis-

te alteração da sensibilidade em pé

direito. Refere edema e dor de peque-

nas articulações das mãos pela manhã,

esporadicamente (não sabendo quan-

tificar o tempo de instalação e de

duração), que melhoravam com o uso

de anti-inflamatórios não-hormonais.

Nega perda ponderal, astenia, ou fe-

bre. Sem uso contínuo de medica-

ções.

História Patológica Pregressa: His-

terectomia total, nodulectomia (nó-

dulos benignos) de mamas e hemo-

transfusão há 29 anos. Laminectomia

em L4-L5 há 18 anos; viroses comuns

da infância. Nega HAS, DM, DLP,

DAC, alergia medicamentosa ou ou-

tras comorbidades.

História Fisiológica: Menarca aos 14

anos, menopausa aos 47 anos. Desen-

volvimento normal. GII PII, sem his-

tória de aborto.

História Familiar: Mãe viva e saudá-

vel, pai falecido por AVE (?), 10 ir-

mãos, dois falecidos, um por AVE (?)

aos 38 anos e o outro por causas ex-

ternas. Dois filhos, um com HAS e

outro com HAS e DM do tipo 2.

História Social: Nega etilismo e ta-

bagismo. Sedentarismo. Alimenta-

ção quali-quantitativa satisfatória.

Boas condições de moradia com sane-

amento básico, sem animais domésti-

cos.

Exame Físico:

Sinais Vitais: PA: 130 x 100mmHg

(MSD) e 140 x 110mmHg (MSE),

sentada. FC: 70bpm, FR: 16 irpm,

Tax: 35,70C, Peso: 73,8kg, Altura:

1,48m, IMC: 35,5kg/m2.

Paciente em bom estado geral, lúcida

e orientada auto e alopsiquicamente,

hipocorada +/4+, hipo-hidratada +/

4+, anictérica, acianótica, com fásci-

es atípica. Sem linfadenomegalia

palpável e com tireoide tópica, indo-

lor, fibroelástica e homogênea. Sem

sopros. Marcha atípica, força em

membros preservada.

AR: MVUA sem RA

ACV: Ictus não palpável e não visí-

vel, RCR, BNF, 2 ES, sem sopros.

Pulsos arteriais com pausa compensa-

tória; sem TJP ou RHJ.

Abdome: Flácido, peristáltico, dor à

palpação na inspiração em hipocôn-

drio esquerdo, Traube ocupado, esple-

nomegalia grau II.

MMII: Eritrocianose em região plan-

tar bilateral que piora com a posição

ortostática, parestesia em MID, lesões

puntiformes purpúricas em região dis-

tal dos 1o e 3

o pododáctilos, que não

desaparecem à dígito-pressão; dor à

palpação em tornozelo e joelhos; pul-

so pedioso isóbaro e isócrono, sem

edema, sem sinais de empastamento de

panturrilhas. Cisto de Baker em fossa

poplítea direita.

MMSS: Lesões puntiformes purpúri-

cas em região distal dos 1º, 2o, e 4

o

quirodáctilos, que não desaparecem à

dígito-pressão; fenômeno de Ray- >>

naud; desvio ulnar dos dedos; defor-

midade em “pescoço de cisne” do 2ºe

3º quirodáctilos; eritema palmar. Si-

nal de Tinel e Phalen negativos.

Formulação Diagnóstica: Paciente

idosa, com esplenomegalia, lesões

puntiformes em extremidades dos de-

dos e dores articulares de grandes e

pequenas articulações.

PROF. FERNANDO

Todos conhecem o caso? Faço esta

pergunta devido ao fato de a pacien-

te ter sido examinada por todos que

frequentam o nosso serviço. Em de-

terminado momento ela inclusive se

queixou de ser exaustivamente exa-

minada. Alguma pergunta à relatora?

Mariana, qual é o seu diagnóstico?

Ou: quais as suas hipóteses diagnósti-

cas?

INTERNA MARIANA

As hipóteses diagnósticas levantadas

neste caso foram: lúpus eritematoso

sistêmico (LES), artrite reumatoide,

esclerodermia, doença mista do teci-

do conjuntivo e leucemia de grandes

linfócitos granulares.

DR. MAURO

Neste momento temos uma paciente

feminina, 74 anos, sem outras comor-

bidades, sem história de internações

prévias e história de acompanhamen-

to médico regular. Essa paciente

veio encaminhada para nós pe la

Neurologia com diagnóstico de do-

ença herniária da coluna lombar, para

investigação de uma esplenomega-

lia, um achado à ressonância magné-

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critérios de LES? Pode estar presente

em outras doenças autoimunes?

INTERNA MARIANA

Sim.

PROF. FERNANDO

Entre as hipóteses diagnósticas, qual

é a mais provável no caso em questão,

levando-se em conta esses exames

complementares? Relacione clínica e

laboratório.

INTERNA MARIANA

Para mim é a artrite reumatoide, pois

tica. Com isso, solicitamos a sua in-

ternação para investigação diagnós-

tica.

INTERNA MARIANA

A paciente não apresentou sinais de

infecção aos exames laboratoriais,

nem leucopenia. Ela não possui to-

dos os critérios para o LES, apenas

dois: plaquetopenia e poliartralgia.

Guiando-nos pela faixa etária e pelo

marcador, pensamos em artrite reuma-

tóide. O fenômeno de Raynaud nos

fez pensar em esclerodermia também.

Na doença mista do tecido conjunti-

vo, teríamos um quadro renal associ-

ado, porém a função renal dela está

normal (como veremos adiante no

seguimento dos exames complemen-

tares). Há, também, na lista de hipó-

teses diagnósticas, a leucemia de gran-

des linfócitos granulares, que se apre-

senta como no caso relatado, com es-

plenomegalia e trombocitopenia, mas

o comprometimento articular favore-

ceu a pesquisa para a doença do teci-

do conjuntivo. (ver tabela 1)

PROF. FERNANDO

Ela teve FAN+. O FAN entra para os

SESSÃO CLÍNICA / CLINICAL SESSION

TABELA 1 Evolução Laboratorial

8/4 14/4 22/4 24/4 29/4 5/5 12/5 13/5 19/5 27/5 2/6

Hm (milhões) 4,4 4,3 4,5 4,7 5,0 4,3 4,9 5,5 4,8 4,2 -

Hgb (g/100mL) 12,4 11,9 12,5 13,5 14,2 12,5 13,3 15,4 12,8 12,5 -

Ht % 36,5 35,6 - 39,6 42,6 35,2 41,8 47,3 40,3 36,7 -

VGM 82,3 82,7 - 82,6 83,6 81,1 84,7 8 5 83,6 86,9 -

HGM 27,9 27,6 - 28,1 27,8 28,8 26,9 27,6 26,5 29,6 -

CHGM 33,9 33,4 - 3 4 33,3 35,5 31,8 32,5 31,7 3 4 -

Leuco (mil) 5600 4500 5200 6600 14300 6500 10100 15700 9500 9000 -

Baso % 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 -

Eos % 2 3 1 3 2 1 0 5 5 2 2 -

Mielo/Meta % 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 -

Basto % 3 3 0 4 9 4 4 4 5 6 -

Seg % 5 7 6 7 6 1 5 6 5 5 5 2 3 1 4 0 5 5 5 9 -

Linfo % 2 6 2 2 2 7 3 3 3 1 3 8 2 9 5 0 3 5 2 8 -

Plaquetas (mil) 9 9 6 7 7 1 9 9 9 9 9 4 126 201 9 4 7 4 197

Plaquetócrito % - - - 0,072 0,063 - 0,086 0,138 0,062 - -

VPM - - - 7,3 6.4 - 6.8 6.9 6.6 - -

VHS 2 1 - - 1 4 3 0 3 0 - 4 3 - 3

Ureia (mg/dL) - - 4 9 - 7 7 - 8 3 - - 7 8 -

Creatinina (mg/dL) 1,2 1,2 1,0 1,1 1,8 1,1 1,1 - 1,1 0,9 -

Na+ (mEq/L) 139 136 133 134 137 140 136 - - 135 -

K+ (mEq/L) 4,5 4,2 3,7 4,7 3,4 4,3 3,7 - - 3,5 -

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a paciente apresenta deformidade ós-

sea, além de poliartralgia em mãos e

joelhos

PROF. FERNANDO

Neste caso, a faixa etária também se

encaixa. Apesar de poder começar em

qualquer idade, seu início é mais fre-

quente na 4ª e 5ª décadas de vida. O

lúpus é mais comum na mulher jovem.

INTERNA MARIANA

No dia 24/4, tivemos os seguintes re-

sultados: FAN positivo 1/160 cito-

plasmático pontilhado fino; Waaler-

Rose positivo 1/1024; fator reumatoi-

de 65,7 UI/mL; p e c-ANCA negati-

vos; Ac anti-DNA dupla hélice nega-

tivo; eletroforese de proteínas nega-

tiva.

USG abdominal (16/4): baço de vo-

lume aumentado: 1,4 x 8,2cm; presen-

ça de imagem hiperecogênica em ter-

ço médio, medindo cerca de 1,1 x

1,0cm.

DR. MAURO

Agora temos um Ac anti-DNA dupla

hélice negativo, marcador que possui

relação íntima com o LES, hipótese

que começamos a afastar com esses re-

sultados.

PROF. FERNANDO

Perante os exames e quadro clínico,

estão afastados lúpus e doença mista

do tecido conjuntivo. Portanto,

como o fator reumatóide e o Waaler-

Rose estão positivos, aproximamo-nos

da hipótese de artrite reumatoide,

necessitando do preenchimento de

outros critérios para a confirmação,

segundo a class i f icação do ACR

(American College of Reumatology). A

relatora tem outros comentários sobre

os exames complementares?

INTERNA MARIANA

O c l earence da c reat in ina fo i de

53,16mL/min no dia 28/4 e 54,39mL/

min no dia 19/5, com proteinúria au-

sente. A função tireoidiana e o exa-

me de fezes estão normais. TGO, TGP,

bilirrubina indireta e total também

estão normais. O ECG mostrou, no dia

11/4, ritmo sinusal e BRE de 1o grau.

Foram feitas radiografias, que mostra-

ram osteopenia em punho, osteopenia

difusa, diminuição do espaço articu-

lar interfalangeano distal 2º e 5º qui-

rodáctilos em mão direita e osteo-

penia difusa; diminuição do espaço

articular interfalangeano distal 2º, 3º

e 4º quirodáctilos em mão esquerda.

DR. MAURO

Neste momento, então, começamos a

pensar numa síndrome, até então rara,

que acomete em torno de 1% da po-

pulação com artrite reumatoide: a sín-

drome de Felty, onde há artrite reu-

matoide mais neutropenia e espleno-

megalia. A plaquetopenia seria se-

cundária à esplenomegalia.

PROF. FERNANDO

É mister comentarmos sobre os crité-

rios para o diagnóstico de artrite reu-

matoide elaborados pela Associação

Americana de Reumatologia. São

sete critérios, sendo necessários pelo

menos quatro para se firmar o diag-

nóstico. São eles: 1) rigidez matinal

(não presente na paciente); 2) artrite

simétrica (presente na paciente); 3)

artrite de mãos (presente na pacien-

te); 4) poliartrite, acima de três arti-

culações comprometidas (presente na

paciente); 5) fator reumatoide sérico

positivo (presente na paciente); 6)

alterações radiológicas (presentes na

paciente); 7) nódulos reumatoides

(não presentes na paciente). Logo, a

paciente possui cinco critérios para o

diagnóstico de doença reumatóide.

Conforme frisou o Dr. Mauro, pensa-

mos na síndrome de Felty, que se ca-

racteriza pela tríade de artrite reuma-

tóide associada a esplenomegalia e

leucopenia. As lesões vasculares são

vistas com certa frequência.

INTERNA MARIANA

Como foi dito, a síndrome de Felty é

uma complicação rara da artrite reu-

matoide, acomete geralmente pacien-

tes entre a quinta e a sétima décadas

de vida, não apresenta sinovite ativa

no diagnóstico, possui manifestações

extra-articulares e a mortalidade está

relacionada a neutropenia. A vascu-

lite de pequenos vasos que ela apre-

sentou também foi secundária à artri-

te reumatoide.

Em relação ao tratamento, por não ha-

ver estudos clínicos randomizados,

ele é baseado em relatos de casos. A

primeira escolha na síndrome de Fel-

ty com neutropenia é o metotrexate.

Outras opções são corticoides, sais de

ouro e fator estimulador de colônia de

granulócitos. A paciente apresentou

boa resposta terapêutica com predni- >>

CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 7

Page 8: Editorial Um decêniocondutamedica.com.br/img/revistas/pdfEdicoes/82.pdfÉ preciso antes de tudo que se entenda aqui o que significa, no contexto cien-tífico, do ponto de vista do

sona na dose aproximada de 1mg/kg/

dia. Em 45 a 60 dias de tratamento, se

podem observar melhora clínica, com

desaparecimento das lesões cutâneas,

diminuição das dores articulares e

melhora dos parâmetros laboratoriais.

INTERNO WALTER

Ela chegou a fazer metotrexate?

PROF. FERNANDO

Não, somente corticoterapia. O trata-

mento com anti- inflamatórios de

ação lenta pode melhorar a citopenia,

e a esplenectomia pode ser indicada

quando não ocorrer melhora com a

terapêutica medicamentosa. Como

não existe um protocolo, foi escolhi-

do o corticoide pelo fato de que, ape-

sar de rara, a síndrome de Felty apre-

senta estatisticamente lesões vascula-

res predominantes quando o fator reu-

matoide está positivo. Segundo al-

guns autores, a corticoterapia é prefe-

rencial quando há vasculite. Vimos,

então, uma melhora clínica na nossa

Desvio ulnar dos dedos

SESSÃO CLÍNICA / CLINICAL SESSION

Vasculite

Dedo em pescoço de cisne e vasculite

Fenômeno de Raynaud nos pés

Fenômeno de Raynaud nas mãos

Equimoses difusas

8 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

Page 9: Editorial Um decêniocondutamedica.com.br/img/revistas/pdfEdicoes/82.pdfÉ preciso antes de tudo que se entenda aqui o que significa, no contexto cien-tífico, do ponto de vista do

Internos e acadêmicos participantes

da sessão

Stella Ramos e Silva; Natália Bandeira e Silva;

Walter Acatauassú Martins Filho; Danielle Karla

Correia de Medeiros; Maria Elisa Assbu

Internos da Escola de Medicina da Fundação

Técnico-Educacional Souza Marques

Marc Ruperto Souza das Chagas

Interno da Faculdade de Medicina da

Universidade Gama Filho

Lívia Viana; Mariana Peres Paim; Amanda Clara

Graziani Pinheiro; Alexandra Peres Paim

Clarice Smiderle; Alice Pinto; Maycon Soto;

Priscila Madeira Braga; Gil Galeão Bernardes da

Silveira; Luiz Guilherme da Fonseca Dias

Acadêmicos da Escola de Medicina da

Fundação Técnico-Educacional Souza Marques

paciente. O fenômeno de Raynaud,

principalmente ortostático, não é

mais observado. Há uma classifica-

ção do fenômeno de Raynaud (Prof.

Ney A. Mello /1998) que destaca

cinco tipos: monomélico (quando o

comprometimento é apenas de um

membro) e bimélico (quando com-

promete os dois membros superiores),

podendo estar presente nos digitado-

res, pianistas e na síndrome do desfi-

ladeiro cervical; há também o hemi-

mélico, que compromete uma meta-

de corporal (mão e pé do mesmo lado

do corpo) e pode ocorrer no AVC, o

paramélico, que atinge os dois mem-

bros inferiores, como nas hérnias de

disco e seringomielia, e o tetraméli-

co, quando atinge os quatro membros,

como na esclerodermia.

Observando-se os exames comple-

mentares de evolução, pode-se veri-

ficar que a paciente apresentou uma

melhora da contagem de plaquetas

(que chegou a 201 mil com o trata-

mento), mas, em determinado mo-

mento subsequente, sofreu uma que-

da e posterior subida das mesmas.

Essas doenças do colágeno constituem

uma caixa de segredos, pois cada pa-

ciente responde de uma forma. O fato

observado em resposta ao tratamento,

ou seja, o desaparecimento das equi-

moses e petéquias, e o fato de as pla-

quetas terem essas quedas e subidas, é

muito comum nas doenças imunoló-

gicas. E vocês puderam notar, pelo

padrão da velocidade de hemossedi-

mentação, que traduz a atividade da

doença: a paciente se internou com

um VHS elevado e hoje está com

3mm. Portanto, pode-se concluir que,

com a melhora clínica e laboratorial,

a paciente se encontra no período de

atividade da doença.

A professora Margarete gostaria de fa-

zer algum comentário?

PROFA. MARGARETE

Uma coisa que gostaria de comentar

é que devemos pensar nos critérios

para as doenças. É raríssimo que se en-

contrem as alterações radiológicas

apresentadas por essa paciente em

LES, muito menos erosão óssea. Por

esse motivo nós não encontramos o

dedo em pescoço de cisne no lúpus.

Outra coisa: se pensarmos em uma

paciente nessa faixa etária, até pode

ser que ela tenha tido lúpus quando

jovem e ficado durante muito tempo

assintomática, mas também existem

várias outras coisas que poderíamos

pensar que ela não possui, tais como

nenhum vestígio da mancha em ves-

pertilho. Então, acho que o lúpus até

poderia continuar fazendo parte do

diagnóstico diferencial, mas, se pen-

sarmos no dedo em pescoço de cisne

que ela apresenta, deveríamos retirá-

lo do rol. Existem mãos deformadas

pelo lúpus, que são as mãos de Jac-

coud, onde há deformidade nos liga-

mentos, e não se apresentam como

lesões ósseas.

Um comentário em relação ao diag-

nóstico diferencial: esclerodermia

está sendo sustentada pelo fenômeno

de Raynaud, mas existem tantos ou-

tros sinais que deveríamos esperar de

um paciente com essa doença... Por-

tanto, eu acho que faz parte do diag-

nóstico diferencial, mas não com gran-

de peso. Um achado que corrobora a

artrite reumatoide é a presença do cis-

to de Baker: não é tão comum o apa-

recimento desse cisto no lúpus e não

há a presença dele na esclerodermia.

PROF. FERNANDO

Mais algum comentário? Obrigado

pela presença de todos. Vimos que o

caso apresentado trouxe mais experi-

ência e conhecimentos para todos nós,

além do diagnóstico e tratamento ade-

quado para a paciente. ■

Professores e alunos presentesà sessão na Santa Casa

CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 9

Page 10: Editorial Um decêniocondutamedica.com.br/img/revistas/pdfEdicoes/82.pdfÉ preciso antes de tudo que se entenda aqui o que significa, no contexto cien-tífico, do ponto de vista do

10 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

Pericardite Constritiva comoComplicação do LúpusEritematoso SistêmicoConstrictive Pericarditis as a Manifestationof Systemic Lupus Erythematosus

mentares. Relata cansaço, com piora

progressiva, sem dispneia e associado a

tosse seca. Associa quadro com dor ab-

dominal, localizada em região epigás-

trica, de forte intensidade, com irradi-

ação difusa notadamente para hipogás-

trio e dorso, piorando ao deambular e

melhorando ao decúbito dorsal.

Procurou serviço de emergência ,

onde foi identificado derrame pleu-

ral em radiografia de tórax, sendo

encaminhada para o Hospital Univer-

s i tár io Antonio Pedro (Huap, da

UFF) para esclarecimento diagnósti-

co, onde foi internada. Realizou “dre-

nagem pleural” com a remoção de

500ml de líquido de aspecto róseo,

com gram, BAAR e culturas negati-

vos, assim como ausência de células

atípicas ao exame citopatológico,

com alta hospitalar na sequência.

Persistiu no último mês com quadro

de vômitos, agora biliosos, sem asso-

ciação com as refeições. Afirma ain-

INTRODUÇÃO

A pericardite é condição comum em

todas as faixas etárias, e duas de suas

complicações são causadoras de mor-

te: o tamponamento e a pericardite

constritiva.

Colagenoses como a febre reumática

nunca complicam com constricção, e

no caso do LES (como no relato a se-

guir) isso é muito raro, tendo ocorrido

em apenas alguns casos na literatura.

RELATO DO CASO

Identificação: J.R.S., 19 anos, negra,

solteira, estudante, católica, natural de

Niterói (RJ), moradora do bairro Fon-

seca (Niterói) desde o nascimento.

Queixa Principal: “Emagrecimento,

cansaço e vômitos”

História da Doença Atual: Refere iní-

cio do quadro há quatro meses com

queda do estado geral e perda ponde-

ral superior a 10 kg, associadas a redu-

ção do apetite, náuseas e vômitos ali-

Autores:

Dr. Antonio Alves de Couto

Professor Titular da Disciplina de Cardiologia

da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Annie de Azeredo Coutinho

Ariane Binoti Pacheco

Jorge Costa Junior

Angela de Carvalho Lins

Cristiane Rabelo

Jáder de Souza Vilas-Boas

Leonardo Paim Nicolau Da Costa

Luna Moreira Maragon

Luiz Turazzi Naveiro

Luiz da Costa Lima Filho

Paula Guimarães Rodrigues

Thais da Silva Cardoni

Acadêmicos de Medicina da Universidade

Federal Fluminense (UFF)

RESUMO - Os autores apresentam o caso de uma paciente de 19 anos com lúpus eritematoso

sistêmico (LES) que desenvolveu pericardite constritiva (PC). Tal condição é muito rara

como complicação em portadores dessa colagenose, tendo sido relatados apenas poucos casos

na literatura científica. (Conduta Médica 2009-10 (40) 10-12)

ABSTRACT - The authors report the case of a 19-year-old woman with systemic lupus erythematosus (SLE)

who developed constrictive pericarditis. Constrictive pericarditis as a manifestation of systemic lupus is quite

rare, and has been reported previously in few articles. (Conduta Médica 2009-10 (40) 10-12)

DESCRITORES - Pericardite constrictiva, lúpus eritematoso sistêmico

KEY WORDS - Constrictive pericarditis, systemic lupus erythematosus

10 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

RELATO DE CASO / CASE REPORT

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 11

>>

da surgimento de dispneia que difi-

cultava seu sono. Foi então reinter-

nada no Huap, onde realizou ecocar-

diograma transtorácico que apresen-

tava pericardite constritiva, e ultras-

sonografia de abdome com fígado au-

mentado, contorno regular, homogê-

neo e líquido livre em pelve, sendo

iniciada investigação diagnóstica.

Inicialmente, a paciente permaneceu

na cirurgia torácica, sendo acompa-

nhada por solicitação de parecer e,

após, foi transferida para a enferma-

ria de Clínica Médica para continui-

dade de investigação.

História Patológica Pregressa: Rela-

to de varicela; nega outras doenças

comuns da infância, HAS, DM ou ci-

rurgias prévias. Recebeu hemotrans-

fusão em junho de 2007.

História Fisiológica: Nascida de par-

to normal, menarca aos 15 anos, nega

gestações.

História Familiar: Mãe falecida aos

30 anos supostamente com Sida, bisa-

vô falecido aos 50 anos por câncer de

intestino, primo falecido aos 32 anos

por câncer no abdome. Sem relato de

HAS ou DM.

História Social: Reside com prima,

pai e irmão em casa de alvenaria com

sete cômodos, com saneamento bási-

co. Possui três cães, um gato, dois

pássaros. Sem relato de roedores no

peridomicílio. Nega tabagismo, eti-

lismo ou uso de drogas ilícitas. Nega

viagens recentes.

EXAME FÍSICO

Ectoscopia: Lúcida, orientada, hipo-

corada (2+/4+), hipo-hidratada (2+/

4+), taquipneica, afebril, apresentan-

do episódios de vômitos biliosos du-

rante o exame, assim como tosse com

secreção esbranquiçada.

Sinais Vitais: PA= 130/80 mmHg;

FC= 120 bpm; FR= 30 irpm.

Cabeça e Pescoço: Turgência jugu-

lar, sinal de Kussmaull, pulso venoso

jugular em M, linfonodo submandi-

bular móvel, indolor, com 1 cm de

diâmetro. Queilite angular.

Aparelho Respiratório: Murmúrio

vesicular audível com diminuição bi-

basal, sem ruídos adventícios.

Aparelho Cardiovascular: Ritmo

cardíaco regular, B3 precoce, atrito

pericárdico, levantamento paraester-

nal.

Abdome: Flácido, algo distendido,

doloroso à palpação e à percussão di-

fusamente, fígado a 5cm do RCD, com

hepatimetria de 20cm, baço não pal-

pável.

EXAMES COMPLEMENTARES

BAAR (escarro): Negativo

Líquido Pleural: BAAR – negativo;

Gram e culturas – negativos; Citopa-

tológico – ausência de células atípicas

Biópsia de Pleura: Fibrose

FAN: Positivo com 1:1280 (citop.

fino denso)

C3: 68,6 (75-161)

C4: 10 (14-44)

AntiDNA DH: Positivo

βββββ2 microglobulina: 4570 (4-2454)

FR: < 20 (<20)

EDA: Normal

USG Abdome: Fígado de volume au-

mentado, sem alterações texturais.

Derrame pleural à esquerda. Líquido

livre no abdome em pequena quanti-

dade e em moderada quantidade na

pelve.

ECG: Ritmo sinusal, FC = 115bpm,

PR = 0,10s, eixo QRS entre 30°-60°,

alterações inespecíficas de repolariza-

ção em parede inferior.

ECO TT: Diâmetros cavitários den-

tro da normalidade, fração de ejeção

normal, espessamento de válvulas

aórtica e mitral, derrame pericárdico

associado com espessamento e cons-

trição. Regurgitação aórtica e mitral

leves.

Conclusão: pericardite constritiva.

DISCUSSÃO

O tamponamento ocorre na fase agu-

da da pericardite e é reconhecido pelo

pulso arterial paradoxal, em geral, su-

perior a 25mmHg. Sua causa mais fre-

quente é a metástase [1].

Por outro lado, sabe-se que no L.E.S.

é comum a pleuropericardite, geral-

mente de magnitude pequena [2,3]. A

constricção é muito rara nesta colage-

nose [4], e foi justamente a compli-

cação apresentada pela paciente.

Clinicamente esta complicação é re-

conhecida no pulso venoso pelo sinal

de Kussmaul.

A constrição é condição eminente-

mente cirúrgica através da pericardi-

ectomia [5], já que o pericárdio não

é essencial à vida, além do fato da sín-

drome restritiva da pericardite cons-

trictiva levar à congestão pulmonar e

sistêmica [6,7]. Não raramente tais

pacientes apresentam grande ascite

com hepatoesplenomegalia, sendo

frequentemente confundido com o

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12 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

diagnóstico de cirrose hepática [8,9].

Aliás, diante de um paciente com

grande ascite em desproporção com

edema de membros inferiores, deve-

mos pensar em endomiocardiofibrose

[10], doença de Ebstein, além da pos-

sibilidade de pericardite constritiva.

O tratamento adequado de qualquer

pericardite poderá evitar o surgimen-

to da pericardite constritiva.

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Nov 7. ■

O professor Antonio Alves deCouto com Annie de AzeredoCoutinho e Ariane Binoti Pacheco,duas autoras do caso

Umadécada de

crescimento

Ao longo dos

últimos dez anos,

a evolução da

Unimed-Rio

é um dos marcos

do setor de saúde

suplementar

Colaboradores premiadosem campanha

de reconhecimentoda Unimed-Rio.

Qualidade da equipeé um dos pontos-fortes

da cooperativa

Umadécada de

crescimento

Ao longo dos

últimos dez anos,

a evolução da

Unimed-Rio

é um dos marcos

do setor de saúde

suplementar

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 13

Ao final de 2008, a gestão Celso

Barros completou 10 anos na Uni-

med-Rio. Neste período, mesmo tem-

po de existência da Conduta Médica,

a cooperativa foi testemunha e prota-

gonista de principais mudanças vivi-

das pela saúde suplementar e pela me-

dicina privada no Brasil: desenvolvi-

mento tecnológico, que trouxe im-

pacto nos custos médicos; aumento

do poder dos consumidores, que se

tornaram mais conscientes de seus di-

reitos; a criação e consolidação da

Agência Nacional de Saúde Suple-

mentar (ANS); e o fortalecimento do

setor, que já supera a marca de 40

milhões de clientes em todo o país.

Há dez anos, a Unimed-Rio era uma

organização com 264.505 clientes.

Seu faturamento bruto, ao final de

1998, foi de R$ 278,5 milhões. A si-

nistralidade – indicador que mede a

razão entre os custos médicos e o fa-

turamento – foi de 89,3%, índice

muito elevado para os padrões do seg-

mento, e o patrimônio líquido dos

3.325 médicos cooperados de então

era de R$ 5,88 milhões.

Após dez anos, a Unimed-Rio é um

exemplo do fortalecimento do setor.

Sua ba se de c l i ente s aumentou

162%, atingindo 693 mil beneficiá-

rios ao final de 2008. O faturamento

bruto evoluiu 564%, acompanhado

de uma redução na taxa de sinistra-

lidade para 77,1%.

“A Unimed-Rio apresentou uma for-

te evolução na última década porque

conseguiu, ao mesmo tempo, conjugar

uma gestão de qualidade com uma

atuação médica eficiente e ética. In-

vestimentos em marketing, como o

patrocínio do Fluminense e a criação

de campanhas pioneiras e inovadoras,

ensejaram significativo fortalecimen-

to da marca. Os clientes responderam

da melhor forma possível”, afirma

Celso Barros, ao se referir a números

como a liderança no mercado cario-

ca, com 22% de market share.

Próximos anos

Os gestores da cooperativa já traçam

os cenários para os próximos anos,

com o objetivo de manter a lideran-

ça e a perspectiva de crescimento. Um

dos principais projetos da Unimed-

Rio nesse sentido é a construção de

um hospital próprio, na Barra da Ti-

juca, com previsão de inauguração

para o final de 2010.

“O mercado caminha para esse mode-

lo, a verticalização. As empresas ten-

dem a ter sob sua administração parte

da cadeia produtiva do setor de saú-

de. Essa decisão garante não apenas

melhor controle dos custos médicos,

mas também qualidade na prestação

de serviços aos clientes. A Unimed-

Rio está atenta a essa oportunidade e

já se prepara para a próxima década”,

diz Celso Barros. ■

CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 13

Page 14: Editorial Um decêniocondutamedica.com.br/img/revistas/pdfEdicoes/82.pdfÉ preciso antes de tudo que se entenda aqui o que significa, no contexto cien-tífico, do ponto de vista do

14 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

RELATO DE CASO / CASE REPORT

INTRODUÇÃO

A variante folicular é o subtipo mais

comum do carcinoma papilífero de

tireoide, exibindo em geral as mes-

mas manifestações clínicas e patoló-

gicas da forma papilífera pura. A

apresentação mais frequente é de um

nódulo sólido assintomático com ta-

manho médio de 2 cm e com maior

incidência em mulheres entre 40 e 50

anos de idade (2). Nódulos tireoi-

dianos com apresentação cística po-

dem ocorrer em pequeno número de

casos, não sendo indicação de malig-

nidade ou benignidade. O tamanho

do nódulo, assim como idade, sexo,

presença de metástases, aspecto his-

tológico e a extensão do tumor têm

valor prognóstico no caso de malig-

nidade.

Forma Cística Gigante deCarcinoma Papilífero deTireoide Variante FolicularGigantic Cystic Presentation of a FollicularVariant Papillary Thyroid Cancer

Autores:

Prof. Aniello Palombo

Professor Associado de Cirurgia Geral da

Universidade Federal Fluminense (UFF)

Prof. Cláudio Fainstein

Professor Adjunto de Cirurgia Geral da UFF

Prof. Edison Monteiro Campos

Professor Adjunto de Cirurgia Geral da UFF

Dr. Arthur Danton Vieira Baeta Neves

Médico Endocrinologista da Associação de

Pesquisa Endocrinológica de Niterói (Apen)

Genaro Fahrnholz Bonsanto

Interno do Curso de Medicina da UFF

RESUMO - A glândula tireoide é um sítio incomum do câncer, representando 3% dos cânceres

entre homens no Brasil, sendo a maioria carcinoma papilífero. O carcinoma papilífero vari-

ante folicular, o mais frequente subtipo, raramente se apresenta sob a forma de cisto gigante.

O caso relatado explora aspectos concernentes ao diagnóstico pré-operatório, estratégias

terapêuticas e prognóstico de uma apresentação incomum dessa neoplasia. (Conduta Médica

2009-10 (40) 14-16)

ABSTRACT - The thyroid gland is an uncommon site of cancer, accounting for 3% of cancers among

man in Brazil, the majority of them being papillary carcinoma. A follicular variant papillary carcinoma,

the most frequent subtype, on rare occasions may present as a giant cyst. The reported case explores

aspects concerning pre-operative diagnosis, therapeutic strategies and prognosis of an uncommon pre-

sentation of this neoplasm. (Conduta Médica 2009-10 (40) 14-16)

DESCRITORES - Câncer de tireoide; câncer papilífero de tireoide variante folicular; lesão cís-

tica gigante; carcinoma gigante cístico de tireoide

KEY-WORDS - Thyroid cancer; follicular variant papillary thyroid cancer; giant cystic lesion; giant

thyroid cystic carcinoma.

Este trabalho tem por finalidade apre-

sentar e discutir um caso de tumor

papilífero de tireoide variante foli-

cular, na forma cística gigante.

RELATO DO CASO

L.C.S., masculino, 72 anos de idade,

advogado, procurou assistência mé-

dica em junho de 2007, apresentan-

do volumosa formação expansiva

cervical esquerda, com evolução de

aproximadamente quatro meses. Em

bom estado geral, negava sintomas

compressivos em vias aéreas e apare-

lho digestivo. Ao exame físico, pal-

pava-se uma volumosa massa cervi-

cal esquerda, que desviava a traqueia

em sentido contralateral, estenden-

do-se da fúrcula esternal à borda in-

ferior da mandíbula. Submetido o

14 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 15

paciente a USG cervical, foi visua-

lizada uma massa predominantemen-

te cística de parede espessa e muito

vascularizada, regular, medindo 12 x

6,4 x 9,5cm. A RNM de região cer-

vical mostrava volumosa lesão císti-

ca arredondada de alto conteúdo

proteico localizada na região cervi-

cal esquerda, deslocando a traqueia

para a direita e a artéria subclávia

esquerda poster iormente (Fig 1) .

Não havia invasão de estruturas ad-

jacentes ou linfonodomegalias. A

punção aspirativa com agulha fina

(PAAF) do cisto deu saída com faci-

l idade a l íquido amarelo citr ino,

cuja aval iação citopatológica foi

negativa para malignidade. A ava-

liação laboratorial da tireoide não

apresentou alterações.

Submetido a tratamento cirúrgico

através de uma incisão em taco de

hockey na borda anterior do músculo

esternocleidomastoideo esquerdo,

expôs-se volumoso lobo esquerdo de

tireoide, aumentado às custas de um

grande cisto aderido frouxamente ao

esôfago cervical (Fig. 2). Procedeu-

se à lobectomia total esquerda e ist-

mectomia. O exame histopatológi-

co de congelação per-operatório não

revelou malignidade, e a análise pos-

terior de inclusão em parafina, com-

plementada por estudos de imunohis-

toquímica, revelou carcinoma papi-

lífero variante folicular.

O paciente foi então reoperado para

totalização da tireoidectomia em ou-

tubro/2007, com esvaziamento linfo-

nodal no compartimento cervical

central. No pós-operatório evoluiu

sem complicações, obtendo alta hos-

pitalar em 48 horas para acompanha-

mento ambulatorial e continuidade

do tratamento.

DISCUSSÃO

Nódulos de tireoide são em sua mai-

oria benignos, tanto os sólidos quan-

to os císticos. Uma pequena porcen-

tagem de nódulos tireoidianos císti-

cos (0,7%) é maligna, sendo estes

principalmente carcinomas papilífe-

ros puros (CPP). Essa porcentagem

torna-se ainda menor em homens aci-

ma de 70 anos de idade. Embora a

variante folicular do carcinoma pa-

pilífero (VFCP) seja a mais frequen-

te – apresentando-se geralmente

como um nódulo sólido de tamanho

entre 1,8cm e 3,4cm, com incidência

maior em mulheres na faixa etária

entre 40 e 50 anos –, o caso aqui re-

latado se reveste de particular inte-

resse pela apresentação do tumor em

uma faixa etária pouco frequente e

na forma cística gigante de tireoide

(2,3).

Relata-se na literatura menor ocor-

rência de metástases linfonodais cer-

vicais na VFCP quando comparada

ao CPP, fato este observado também

por nós, não tendo sido isolados lin-

fonodos metastáticos nas análises

anatomopatológicas dos materiais de

duas ressecções cirúrgicas. O prog-

nóstico em longo prazo observado na

literatura para a VFCP é similar ao do

CPP, com sobrevida de 96,2% após

15 anos, especialmente após trata-

mento agressivo (4). Cerca de 62%

dos tumores VFCP diagnosticados na

literatura encontram-se no estágio I

da classificação da AJCC (American

Joint Committee on Cancer) – tumo-

res com menos de 2 cm, limitados à

tireoide, em pacientes com mais de

45 anos.

A literatura refere maior dificuldade no

diagnóstico pré-operatório da VFCP

quando comparada ao CPP, utilizando-

se como métodos propedêuticos tan-

to a PAAF quanto a biópsia de con-

gelação per-operatória. No nosso

caso, os dois exames foram negativos

para malignidade. O aspecto do líqui-

do aspirado não é indicativo por si só

de malignidade (1,3).

Os exames complementares de ima-

gem ut i l i zados para a e lucidação

deste caso (USG e RNM), também

não cont r ibu í r am s i gn i f i ca t iva -

mente para o diagnóstico da natu-

reza da lesão. Cistos tireoidianos

são geralmente resultado de infar-

t o s o u p r o c e s s o s d e g e n e r a t i v o s

ocorridos em lesões sólidas. Em al-

guns casos a USG pode demonstrar

uma estrutura cística irregular, com

formações pedunculadas digitifor-

mes, estendendo-se para a luz do

cisto, sugerindo carcinoma papilí-

fero (1,3). Tais formações no inte-

rior do cisto não foram detectadas

durante a realização desses exames,

e o cisto se mostrou de parede regu-

lar e espessa, conforme se observa

na figura 1.

Outro dado importante na diferenci-

ação da natureza dos nódulos tireoi-

dianos é o estudo da sua vasculariza-

ção ao ecodoppler. Os benignos nor-

malmente apresentam vascularização >>

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16 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

RELATO DE CASO / CASE REPORT

predominantemente periférica, en-

quanto os malignos preferencial-

mente central. O caso aqui relatado

apresentava comportamento ao eco-

doppler compatível com benignida-

de (3).

A literatura refere tratamento similar

para a VFCP e o CPP, sendo este nor-

teado pelos critérios AMES de bai-

xo e alto risco, variando desde ti-

reoidectomia total, tireoidectomia

“near-total”, até ressecções parciais

(1). No nosso caso, o paciente foi

submetido a uma tireoidectomia to-

tal com esvaziamento cervical gan-

glionar do compartimento central,

em dois tempos operatórios.

Recomenda-se na literatura atenção

na investigação de nódulos tireoidi-

anos independentemente de sua for-

ma de apresentação (sólido ou císti-

co), já que a malignidade pode ocor-

rer nos dois casos. A VFCP, de diag-

nóstico pré-operatório mais difícil

que o CPP, pode estar associado a

uma apresentação incomum, como a

descrita neste trabalho.

CONCLUSÃO

Apesar de a maior parte dos cistos ti-

reoidianos ser benigna, não se pode

afastar a possibilidade de malignida-

de, mesmo em cistos de paredes es-

pessas e regulares.

BIBLIOGRAFIA

1. Amdur, R. J . ; Mazzaferri , E. L.

(Ed). Essentials of thyroid cancer

management. New York: Springer,

2005. 461 p.

2. Chang, H. Y. et al. Clinical presen-

tations and outcomes of surgical tre-

atment of follicular variant of the

papillary thyroid carcinomas. Jpn J

Clin Oncol, Tóquio, v.96, p.688-

693, 2006.

3. Oertli, D.; Udelsman, R (Ed.). Sur-

gery of the thyroid and parathyroid

glands. Berlin: Springer, 2007. 354 p.

4. Lang, B. H. H. et al. Classical and

follicular variant of papillary thyroid

carcinoma: a comparative study on

clinicopathologic features and long-

term outcome. World J Surg, New

York: Springer, v.30, p.752-758, 2006.

5. Lin, J.D. et al. Cystic Change in

thyroid cancer. ANZ J. Surg, Carlton:

B lackwe l l Sc ience Ás ia , v .77 ,

p.450-454, 2007. ■

FIGURA 1RMN de região cervical mostrandolesão cística gigante deslocando atraqueia (seta) para a direita

FIGURA 2Luxação do lobo esquerdo da tireoide eexposição do nervo laríngeo recorrente(seta) após ligadura dos pedículosvasculares e liberação das aderênciasao esôfago

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 17

O Desafio da Imagem

Analise os dados e as imagens fornecidos e procure chegar ao diagnóstico.

A resposta e os comentários se encontram na página 30.

RESUMO - Trata-se de relato de caso de

uma mulher com 48 anos de idade, apre-

sentando otalgia, rinite com secreção pu-

rulenta e massa na fossa nasal direita, e

que desenvolveu febre, tosse, hemoptoi-

cos e dispneia; foram feitos exames de

raios X de tórax e tomografia computa-

dorizada de tórax. (Conduta Médica

2009-10 (40) 17;30)

ABSTRACT - It is a case-report of a 48-year-

old woman, with earache, purulent rhinitis

and a mass in right nasal cesspit; she develo-

ped fever, hemoptysis, thoracic pain and dysp-

nea. A radiograph and a computed tomo-

graphy were done. (Conduta Médica 2009-

10 (40) 17;30)

DESCRITORES - febre; hemoptise; otalgia

KEY-WORDS - fever; hemoptysis; earache

Autor:

Prof. Edson Marchiori

Professor titular e chefe do Departamento de Radiologia da UFF

Coordenador adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da UFRJ

Paciente feminina, de 48 anos, foi encaminhada aohospital com queixas de

Otalgia e Rinorreia Purulenta, além de Massana Fossa Nasal Direita

Apresentou, em seguida, quadro de febre, tosse com hemoptoicos,dor torácica e dispneia

Case report of a 48-year-old woman, with

Earache and Purulent Rhinitis, besides a Mass in Right Nasal Cesspit

She did also fever, cough with hemoptysis, thoracic pain and dyspnea

FIGURA 1Radiografia do tórax empóstero-anterior,evidenciandoconsolidações nas regiõesaxiais dos pulmões, combroncogramas aéreos,distribuindo-se ao longodos feixesperibroncovasculares

FIGURA 2Tomografia computadorizadamostrando consolidações combroncograma aéreo,distribuídas ao longo dosfeixes broncovasculares, nasregiões centrais dos pulmões

O Desafio da ImagemThe Image Challenge

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18 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

Prof. Dr. Cyro Teixeira daSilva JuniorProfessor Adjunto de Pneumologia da

Faculdade de Medicina da Universidade

Federal Fluminense (Rio de Janeiro - RJ)

O derrame pleural é uma

síndrome clínica que pode

acompanhar diversas doenças,

quer primárias da pleura, quer

secundárias a lesões do parên-

quima pulmonar ou a enfermi-

dades sistêmicas. Não há uma

estimativa segura sobre a sua

incidência na população, e a

causa é muito variável, depen-

dendo da prevalência das do-

enças na região estudada.

Mesmo sendo o paciente, nos

dias de hoje, exaustivamente

investigado, a literatura mun-

dial ainda relata que em 11 a

20% dos casos a causa fica sem

ser estabelecida.

O diagnóstico sindrômico de

derrame pleural é realizado

pela análise do quadro clíni-

co (anamnese e exame físico),

por imagem (convencional e/

ou especializada) e, eventual-

mente, pela cintilografia. São

necessários, para o diagnósti-

co da causa da síndrome do

derrame pleural, os procedi-

mentos de toracocentese, bi-

ópsia pleural fechada com

agulha (CPB), toracoscopia

(pleuroscopia) e toracotomia.

Atualmente utilizamos o se-

guinte roteiro para os procedi-

mentos: inicialmente realiza-

se uma toracocentese isolada;

se não se obtiver diagnóstico

da causa, faz-se uma segunda

toracocentese e uma primeira

CPB; caso persista a ausência

de diagnóstico, indico pleu-

roscopia (toracoscopia) e,

permanecendo inconclusiva a

causa, toracotomia. Os mate-

riais para exame, resultantes

dos procedimentos menciona-

dos, são: líquido pleural (LP),

fragmentos de pleura parietal

e/ou visceral e parênquima

pulmonar.

Como conduta inicial utilizo

um roteiro (pleurograma) para

investigação diagnóstica da

síndrome do derrame pleural

(SDP). São realizados os exa-

mes mínimos necessários, co-

letados simultaneamente, para

esclarecimento do diagnóstico

da causa da SDP. Antes de

cada procedimento, o pacien-

te deve ser instruído sobre a

natureza do procedimento e

seus benefícios.

No soro, assim como no líqui-

do pleural, devem ser realiza-

dos os seguintes exames bio-

químicos: glicose, desidroge-

nase lática (DLH), proteínas

totais e albumina. Esses exa-

mes são incluídos no pleuro-

grama convencional porque

fazem parte de critérios bioquí-

micos para classificar líquido

pleural transudativo ou exsu-

dativo. Quando tais exames

não podem ser realizados den-

tro de 24 horas, o LP centrifu-

gado deve ser retirado do re-

frigerador e estocado em free-

zer a -20 graus C. Todos os

exames de bioquímica menci-

onados anteriormente, com

exceção da determinação de

glicose, são realizados em fras-

co seco, estéril e sem anticoa-

gulante. No LP somente soli-

cito a dosagem dos marcado-

res tumorais, antígeno carci-

noembrionário (CEA) e eno-

lase neurônio específica

(NSE).

Entre os exames de microbio-

logia, solicito exame direto

para pesquisa de bacilo álco-

ol-ácido resistente (BAAR) e

cultura de micobactérias. Usa-

se o método convencional,

com cultura realizada em meio

sólido de Loewenstein e Jan-

sen. Tal exame é realizado em

LP heparinizado (5 000 UI/10

mL), no momento da colhei-

ta, para evitar a formação de

coágulos, fato esse que aprisi-

onaria os bacilos na rede de

fibrina. Faço também exame

direto para fungos, com uso de

KOH a 20%. Inclui-se ainda

a cultura para fungos em mei-

os de Sabouraud, seletivo para

esses microorganismos. Na

bacteriologia usa-se coloração

pelo método de Gram e cultu-

ra em meios convencionais

para bactérias gram positivas e

gram negativas, além de anti-

biograma.

Ainda no LP, faz-se leucome-

tria total e diferencial e cito-

patologia convencional para

identificação de células neo-

plásicas e mesoteliais.

Um exame importante tem

sido o da adenosina desami-

nase (ADA), realizado no lí-

quido pleural centrifugado,

após descarte da celularida-

de. Usa-se frasco seco, esté-

ril e sem anticoagulante.

Pode ser preservado no refri-

gerador por 24 horas ou esto-

cado no freezer a -20 graus C,

por seis meses. A dosagem de

atividade da enzima é geral-

mente realizada pelo método

colorimétrico de Giusti e

Galanti, cujo kit deve ser de-

senvolvido e manipulado ar-

tesanalmente no laboratório.

O kit vendido comercial-

mente não possui sensibili-

dade e especificidade para o

diagnóstico de tuberculose

pleural e não deve ser utili-

zado. O teste possui 80% de

sensibilidade para tubercu-

lose pleural. Falsos positivos

para empiema pleural, artri-

Professor, qual suaconduta frente aosempiemas pleurais?

Neste espaço, renomados professores de Medicina respondem

sobre sua conduta diagnóstica e/ou terapêutica.

O leitor pode enviar sua pergunta para [email protected].

A CONDUTA DOPROFESSOR

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 19

te reumatóide e linfomas/

leucoses podem acontecer.

Exames especiais devem ser

realizados sempre que necessá-

rio, no líquido pleural, para

auxiliar no diagnóstico. Têm

o propósito de confirmar de-

terminada causa não muito

frequente na unidade de saú-

de onde se trabalha ou para

protocolos de projetos de pes-

quisa sobre síndrome do der-

rame pleural. Por exemplo:

marcadores de colagenoses e

outros marcadores tumorais

tais como CYFRA 21-1, pH,

amilase, lipase, proteína C re-

ativa titulada, interferon-

gama, fator alfa de necrose tu-

moral e outros.

No exame de fragmentos de

biópsia de pleura parietal o

material é coletado dos paci-

entes pelo procedimento de

biópsia pleural parietal, com

agulha técnica reutilizável,

esterilizada antes do uso (a do

tipo Cope é a mais utilizada).

Os fragmentos pleurais obti-

dos, no mínimo de três e no má-

ximo de cinco, em um único

ou vários sítios torácicos, são

armazenados em frascos con-

tendo como fixador formol

isotônico a 10%, antes de se-

rem enviados para exame his-

topatológico. Por possuir mai-

or sensibilidade para o diag-

nóstico de tuberculose pleural,

o cultivo de fragmento pleu-

ral, principalmente quando

feito em meio líquido, pode

ser realizado. Neste caso, deve

ser armazenado em solução de

cloreto de sódio a 0,9%, antes

de ser enviado ao laboratório

especializado.

O critério de Light é critério

bioquímico atual para classi-

ficar transudatos e exsudatos

pleurais. O LP será classifica-

do como exsudato se possui

pelo menos um dos seguintes

critérios: 1. razão do valor nu-

mérico das proteínas totais do

líquido pleural pelo valor

numérico das proteínas totais

do soro maior do que 0,5; 2.

razão do valor da enzima DLH

do líquido pleural pelo valor

numérico da enzima DLH do

soro maior do que 0,6; 3. va-

lor da DLH pleural maior do

que dois terços do limite supe-

rior do normal do valor da

DLH sérica. Esse critério pos-

sui 99,0% de sensibilidade

para classificar corretamente o

líquido pleural em exsudato.

A dosagem isolada, no líqui-

do pleural, de proteínas totais

e densidade possui 10% de

erro para classificação, sendo

critério antigo, que não mais

deve ser utilizado.

Lembro que não deve fazer

parte da rotina de serviço a

solicitação de radiografias

convencionais de tórax após o

procedimento de toracocente-

se. Radiografias convencio-

nais de tórax, com incidênci-

as em póstero-anterior, em ins-

piração e expiração sustenta-

da, e perfil, somente são indi-

cadas com suspeita de compli-

cações após o procedimento

de biópsia pleural com agulha.

Em relação aos empiemas

pleurais, minha conduta, com

base em diretrizes nacionais e

internacionais e na prática clí-

nica de um ambulatório de

pesquisa em Pleurologia no

Hospital Universitário Anto-

nio Pedro, da UFF, é a seguin-

te: empiema pleural, geral-

mente, é processo evolutivo de

um derrame pleural parapneu-

mônico (DPP).

O DPP desenvolve-se inici-

almente como um exsudato

de aspecto claro, não visco-

so, com baixa celularidade,

ausência de bactérias (esté-

ril), pH normal e valores nor-

mais de DLH e glicose (DPP

simples). Se o processo não

for controlado com o uso de

antibióticos, o derrame pode

evoluir com aumento do vo-

lume de líquido, celularida-

de pleural e da DLH e queda

do pH (DPP complicado). Va-

lores de DLH maior do que

1000 U/L, glicose menor do

que 40 mg% ou até mesmo

zero e pH abaixo de 7,2 são

sinais de intenso processo in-

flamatório, que podem levar

a maior deposição de fibrina,

loculações, espessamento

pleural e aspecto purulento

(empiema pleural).

Cabe ressaltar que a medida

do pH no LP não pode ser re-

alizada com fita de kit co-

mercial para avaliação de

pH urinário. O aparelho de

gasometria arterial é o único

adequado para tal finalidade.

Nesse caso, o LP deve ser in-

troduzido no aparelho livre

de bolhas e com seringa he-

parinizada.

A drenagem pleural fechada

deve ser o tratamento de esco-

lha para os DPPs complicados

e o empiema pleural.

Segundo a literatura, o efeito

dos trombolíticos é controver-

so. A toracoscopia é conside-

rada uma alternativa eficaz nos

DPPs complicados loculados,

se indicada precocemente.

Pesquisas indicam que a vide-

otoracoscopia higiênica no

empiema pleural foi mais efi-

caz, com hospitalização mais

curta e menor custo, quando

comparada à drenagem pleu-

ral com uso de fibrinolítico.

Consiste também em uma al-

ternativa no empiema crôni-

co, com resultados adequados

de expansão pulmonar, com

melhor recuperação pós-ope-

ratória e menor tempo de hos-

pitalização do que a decorti-

cação por toracotomia con-

vencional.

A decorticação por toracoto-

mia aberta está indicada no

empiema pleural com inade-

quada expansão pulmonar, em

especial nos casos de fístula

persistente do parênquima ou

quando há coleções encista-

das residuais pós-tratamento,

com fibrinolíticos ou pleuros-

copia. A drenagem pleural

aberta está indicada nos casos

de pacientes com empiemas

pleurais crônicos que não su-

portam procedimentos mais

agressivos.

Bibliografia:

Neves DD, Silva Junior CT,

Chibante AM. Derrame Pleu-

ral. In: Pneumologia: Prática e

Atual (Sociedade de Pneumo-

logia e Tisiologia do Estado

do Rio de Janeiro, org.). Rio

de Janeiro: Editora Revinter;

2001. p.185-189.

Marchi E, Lundgren F, Ricar-

do Mussi R. Derrame pleural

parapneumônico e empiema.

J Bras Pneum 2006; 32 (S 4):

S190-S196. ■

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20 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

SESSÃO CLÍNICA / CLINICAL SESSION

DRA. FRANCISCA

Ident i f i cação: D.P .C. , 18 anos ,

branco, masculino, solteiro, natural

do Rio de Janeiro (RJ). Trabalha

como “meta lúrg ico” (desempena

bicicletas).

História da Doença Atual: Em maio

de 2008 apresentou amigdalite com

hipertermia, tratada com antibióti-

cos durante 10 dias. Alguns meses

depois (não sabe precisar quantos),

iniciou dor torácica em região para-

esternal (às vezes em aperto, outras

em queimação), sem relação com es-

forço.

Em 11 de agosto de 2008 foi vacina-

do contra rubéola, evoluindo com hi-

pertermia durante 24 horas e usando

analgésicos, permanecendo assinto-

mático.

Três dias depois, após estresse físi-

co-emocional , a dor torácica au-

mentou de intensidade, piorando

com os movimentos respiratórios,

Amigdalite e Dor TorácicaTonsillitis and Thoracic Pain

Sessão clínica realizada em 8 de outubro de

2008, pelo Grupo de Estudo de Doenças

Coronarianas do Instituto Estadual de

Cardiologia Aloysio de Castro - Iecac

(Rio de Janeiro - RJ).

Apresentadora:

Dra. Francisca Bottino

Cardiologista do Iecac e Coordenadora do

Grupo de Estudos de Doença Coronariana

Participantes:

Dr. Dany David Kruczan

Professor de Semiologia Cardiovascular do

Curso de Pós-Graduação Médica do Iecac e

Chefe de Clínicas desse Instituto

Dr. Ricardo Maia

Médico do Grupo de Estudos de Doença

Valvar do Iecac

Dr. Reinaldo Hadlich

Coordenador do Grupo de Estudos de

Métodos Complementares do Iecac

Dr. Washington Maciel

Coordenador do Grupo de Estudos de

Arritmias do Iecac

Dr. Dirson de Castro Abreu

Professor Assistente da Uerj/UFRJ

Dr. Marcelo Hadlich

Coordenador do Serviço de Ressonância

Magnética Cardíaca da Rede D’Or e Médico

do Serviço de Imagens do Instituto Nacional

de Cardiologia

Dr. Hugo de Castro Sabino

Ecocardiografista do Iecac

Dra. Lílian Soares da Costa

Coordenadora do Grupo de Estudos em

Hipertensão Arterial Sistêmica do Iecac

RESUMO - Trata-se de sessão clínica do Iecac, Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de

Castro, para discussão do caso de um paciente do sexo masculino, de 18 anos, apresentando

amigdalite, febre e dor torácica. O caso é discutido para esclarecimento diagnóstico e discus-

são da conduta adotada. (Conduta Médica 2009-10 (40) 20-25)

ABSTRACT - It is a clinical session from Iecac, the Aloysio de Castro State Institute of Cardio-

logy, with discussion about a case of a 18-year-old man with tonsillitis, fever and thoracic pain.

The case is discussed for doing differential diagnosis and adopted conduct. (Conduta Médica 2009-

10 (40) 20-25)

DESCRITORES - Amigdalite; febre; dor torácica

KEY-WORDS - Tonsillitis; fever; thoracic pain

principalmente ao sentar. Procurou

o Hospital Memorial, sendo diag-

nosticado “infarto agudo do miocár-

dio”. Cursou com marcadores de

necrose miocárdica alterados e alte-

rações de E.C.G.

Foi realizada, ainda nessa ocasião,

ecocardiografia que mostrava, à ana-

lise da contração segmentar do VE, hi-

pocinesia ínfero-apical. Foi então

transferido para o Iecac com diagnós-

tico de IAM e indicação de realiza-

ção de cateterismo.

História Patológica Pregressa: Doen-

ças próprias da infância; nega uso de

substâncias ilícitas, nega diabetes me-

llitus, hipertensão arterial sistêmica,

hepatite, gastrite, dislipidemia. É

alérgico a camarão.

História Familiar: Pai de 45 anos que

já sofreu IAM.

História Social: Tabagista de 10 ci-

garros ao dia, etilista social e seden-

tário.

20 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 21

Ao dar entrada à emergência do Iecac,

o exame físico era o seguinte: pacien-

te lúcido, orientado no tempo e no es-

paço, eupneico, acianótico, normo-

corado, normoidratado, queixando-se

de discreta dor torácica. PA 120 x

80mmHg, RCR 2T, FC 80bpm, sem

sopros ou atritos. Pulmões clinica-

mente limpos.

Abdômen flácido, indolor à palpação

superficial e profunda. Sem viscero-

megalias. Membros inferiores sem al-

terações.

E este foi o ECG que ele nos trouxe

do Hospital Memorial (ver figura 1).

O Dr. Dirson irá comentá-lo.

DR. DIRSON

Ritmo sinusal, onda P algo aumenta-

da, QRS desviado para a direita ao

redor de 100o, supradesnivelamento

em DII e outro supradiscreto em DIII.

Em aVR temos uma discreta alteração

da repolarização ventricular; aVL e

aVF normais. Observamos em V1 um

infradesnivelamento discreto do seg-

mento ST. Em V3, V4 e V5 há um su-

pradesnivelamento de ST com morfo-

logia côncava. Ou seja, eu ficaria em

dúvida de atribuir este ECG a um pro-

blema coronariano, mas acho coeren-

te se fazer diagnóstico diferencial de

miopericardite, pelas modificações do

tipo isquemia subendocárdica de toda

a parece lateral do ventrículo esquer-

do e em parte do ventrículo direito.

DR. DANY

Realmente, neste caso onde temos um

supradesnível de ST em V2, V3 e

aVF, o que poderia sugerir um IAM,

esperaríamos, de um modo geral, um

infradesnível em V1 e aVL, denomi-

nado efeito recíproco. A falta do

efeito recíproco neste ECG fala con-

FIGURA 2ECG de repouso realizado nodia 15/8/2008na Emergência do Iecac

FIGURA 1ECG de repouso realizado

dia 14/8/2008, na Emergênciado Hospital Memorial

>>

CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 21

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22 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

SESSÃO CLÍNICA / CLINICAL SESSION

tra o IAM. Ainda assim, a probabili-

dade de IAM em um rapaz de 18 anos

é muito baixa, embora não impossí-

vel.

DR. RICARDO

O Dr. Dirson foi feliz quando chamou

a atenção sobre as alterações do seg-

mento ST. É um doente que não apre-

senta fatores de risco importantes. A

doença de Kawasaki deve também

entrar no diagnóstico diferencial.

Mas o que chama a atenção neste

ECG é a concavidade em V3, V4, V5

e V6 do segmento ST, muito sugesti-

va de pericardite. Eu ficaria com o

diagnóstico de pericardite aguda,

apesar não haver o sinal clássico de

atrito pericárdico, o qual se acentua

na posição sentada.

DRA. FRANCISCA

Agora, este é o ECG que ele realizou

dia 15/8/2008 (ver figura 2), já na

Emergência do Iecac. Gostaria de

comentar, Dr. Dirson?

DR. DIRSON

Observa-se baixa voltagem generali-

zada. Há um supradesnivelamento em

D1 e D2; D3 está praticamente nor-

mal. Há novamente um supradesni-

velamento em aVL. A diferença en-

tre cardiopatia isquêmica e mioperi-

cardite é que a primeira é muito in-

tensa, porém pouco extensa, e a se-

gunda é muito extensa, mas pouco in-

tensa.

A radiografia de tórax mostrou área

cardíaca de tamanho normal, vasos

pulmonares normais. Tudo isso indi-

ca que, neste caso, trata-se de uma mi-

opericardite, em vez de uma cardio-

patia isquêmica.

DR. DANY

Reiterando o que o Dr. Dirson disse:

estamos diante de um ECG com mui-

to supradesnivelamento de ST para

um quadro clínico benigno, além da

falta do efeito recíproco. Tudo isso

fala contra insuficiência coronariana

aguda.

DRA. FRANCISCA

Ao chegar ao Iecac, o paciente foi

submetido a um ecocardiograma, no

qual todas as medidas foram normais,

inclusive função segmentar do VE e

função sistólica global do VE. O eco-

cardiograma realizado no Iecac dife-

re do realizado no Hospital Memori-

al, que concluía por hipocinesia api-

cal. A radiografia de tórax já foi co-

mentada pelo Dr. Dirson. Do Hospi-

tal Memorial também vieram a CK-

total de 1077 U/L (normal até 189 U/

L), CK-MB de 100 U/L (normal até

24 U/L), mioglobina de 73 (positivo

> 46) e troponina de 7,07 micr/L (po-

sitivo > 0,016 micr/L), hemograma e

EAS normais. Gostaria de saber das

hipóteses diagnósticas que os senho-

res têm para este caso. O Dr. Dirson

já apresentou uma delas. Alguma

outra hipótese?

DR. REINALDO

Um doente que possui tais alterações

de imagem, jovem e após um quadro

infeccioso, teríamos como diagnósti-

co principal a miocardite, reiterando

o que foi dito pelo Dr. Dirson.

TABELA 1 Exames de laboratório - evolução

Emergência Iecac Iecac

Hospital Memorial 15/8/08 17/8/08

CK 1.077 448 7 8

CK-MB 100 5 9 9

Myo 7 3

TNI 7,07 4.36 0.11

Col/Trig 117/107

VHS 2 0

Dímero D 2 0

Ure 2 4

Cre 0.9

Na 133

K 3.9

Glic 8 6

Ptn C 44.7

22 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 23

DRA. FRANCISCA

Dr. Dany, você acha que isso poderia

ser uma arterite?

DR. DANY

Pelo quadro clínico e pelas caracte-

rísticas do eletrocardiograma, creio

que não teríamos a arterite no diag-

nóstico diferencial.

DRA. LÍLIAN

Eu também concordo que não há do-

ença coronariana neste caso. Eu fica-

ria com o diagnóstico de uma forma

transitória de miocardite viral. Na

prática médica, esse tipo de cardiopa-

tia passa despercebido na maioria das

vezes e o tratamento com anti-infla-

matório faz cessar os sintomas em uma

semana.

DRA. FRANCISCA

O tratamento, realizado dia 14/8/

2008 na Emergência, foi com enoxa-

parina subcutânea 60mg duas vezes

ao dia, AAS 200mg uma vez ao dia,

sinvastatina 40mg uma vez ao dia,

prednisona 40mg uma vez ao dia,

Polaramine 4mg uma vez ao dia,

Monocordi l 20mg duas vezes ao

dia, omeprazol 20mg uma vez ao dia

e ibuprofeno 600mg quatro vezes ao

dia. Ele foi tratado tanto do ponto

de vista coronariano quanto do pon-

to de vista inflamatório. No dia 19/

8, cinco dias após o início da tera-

pêutica, o paciente foi transferido

para a Enfermaria. Temos, a seguir,

a evolução laboratorial dele (ver

tabela 1).

Na enfermaria, foi prescrito somente

o ibuprofeno 600mg quatro vezes ao

dia e, no dia seguinte, a dose foi re-

duzida para 1,8g/dia devido ao fato de

o quadro ter se tornado assintomáti-

co. Temos, a seguir, o ECG feito dia

17/8/2008. (ver figura 3)

DR. DIRSON

É interessante notar que a miocardite

pode dar onda Q, porque pode com-

prometer o endocárdio. Não há gran-

des modificações neste ECG em rela-

ção ao anterior.

FIGURA 3ECG de repouso realizadodia 17/8/2008 no Iecac

FIGURA 4ECG de repouso realizado

dia 19/8/2008 no Iecac

>>

CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 23

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24 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

SESSÃO CLÍNICA / CLINICAL SESSION

DR. RICARDO

Se atentarmos para a parede posteri-

or, veremos que tudo voltou ao nor-

mal. Ou seja, é a evolução de uma pe-

ricardite: o aparecimento de suprades-

nivelamento de ST com desapareci-

mento rápido. É o que chama a aten-

ção nesse ECG.

DRA. FRANCISCA

E este é o ECG que ele realizou dois

dias após o anterior. (ver figura 4)

DR. DIRSON

Está absolutamente normal.

DRA. FRANCISCA

Na enfermaria, o paciente evoluiu as-

sintomático com a introdução do ibu-

profeno, hemodinamicamente está-

vel, apirético, normotenso, com mar-

cadores virais negativos, pesquisa

para toxoplasmose negativa, e pesqui-

sa para HIV-1 e HIV-2 negativa.

Demos alta hospitalar para o pacien-

te no dia 21/8/2008, tendo sido man-

tido o ibuprofeno 1,2g/dia. Quinze

dias após a alta, eu o revisei no am-

bulatório e ele estava muito bem. Foi

realizada uma ressonância magnética

em que o laudo radiológico diz o se-

guinte: “ventrículo esquerdo de tama-

nho normal; ventrículo direito de

morfologia normal e função preserva-

da; realce tardio de padrão heterogê-

neo mesoepicárdico poupando endo-

cárdio e sem relação com a topogra-

fia coronariana; acomete mais acen-

tuadamente a parede lateral do ven-

trículo esquerdo; este padrão de real-

ce tardio é sugestivo de necrose e/ou

fibrose secundária a injúria miocárdi-

ca não isquêmica”. Um mês depois,

no dia 22/9/2008, em revisão, o pa-

ciente efetuou novo ecocardiograma,

ECG e radiografia, todos normais.

DR. DIRSON

Como ferramenta diagnóstica, o ele-

trocardiograma é mais sensível do que

o ecocardiograma para o diagnóstico

de miopericardite.

DR. REINALDO

Teríamos como diferenciar, pela res-

sonância magnética, peri de miocar-

dite?

DR. MARCELO

Não, então o termo correto seria mio-

pericardite, porque é muito difícil de

se distinguir o limite, pela ressonân-

cia; o pericárdio é uma lâmina muito

fina e de difícil visualização. Eu pos-

suo mais de 200 casos de miopericar-

dite pela ressonância, e, na grande

maioria deles, com até três dias de fase

aguda no exame não se vê disfunção

segmentar. Portanto, configura-se um

diagnóstico difícil.

DR. WASHINGTON

Dr. Marcelo, o que se espera da evo-

lução desse paciente em seis meses,

um ano?

DR. MARCELO

O prognóstico geralmente é bom; a

maioria não evolui com disfunção ou

remodelamento, a não ser que haja

novos surtos de miopericardite. Des-

ses pacientes que eu tenho, alguns fi-

zeram acompanhamento de seis meses,

um ano e até dois anos; a maioria não

mudou nada, mas não temos isso bem

descrito devido ao caso de subdiag-

nóstico.

DR. WASHINGTON

Fiz essa pergunta porque, eventual-

mente, vemos pacientes com arritmi-

as onde, na procura pela causa desta,

acaba-se numa ressonância e desco-

bre-se que o indivíduo um dia teve

uma miocardite com lesão cicatricial

que, às vezes, se relaciona com a área

de ectopia. Será que, no caso desse

grupo de pacientes com miopericar-

dite, caso acompanhemos, uma parte

deles não virá a ter arritmia até mes-

mo significativa?

DR. MARCELO

Essa é uma questão que faz bastante

sentido, porém ainda não temos res-

posta.

DRA. LÍLIAN

Temos bastantes relatos de que as al-

terações eletrocardiográficas são flu-

tuantes independentemente de se ter

novos surtos de miopericardite. Gos-

taria de saber se você possui um acom-

panhamento de alterações na resso-

nância magnética que possam ser re-

lacionadas a essas pioras no quadro

clínico e eletrocardiográfico. Isso,

clinicamente, atrapalha muito o diag-

nóstico diferencial, pois pode haver

o caso de um paciente que já teve mi-

opericardite e que chega a uma Emer-

gência com dor atípica, em algum

momento com alterações no ECG.

24 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 25

e confirmação pelos métodos comple-

mentares. A apresentação clínica é

variável, podendo ser assintomática

ou exteriorizar-se por arritmias fre-

quentes, morte súbita, quadro clínico

infeccioso, disfunção ventricular as-

sintomática, disfunção ventricular

sintomática e forma fulminante de mi-

ocardite. Setenta por cento das dis-

funções ventriculares assintomáticas

ou com poucos sintomas regridem sem

deixar sequelas. Das formas com mai-

or disfunção ventricular, cerca de

25% regridem, 50% estabil izam e

25% evoluem progressivamente com

piora da função ventricular. Os sin-

tomas prodrômicos variam desde febre

com presença de infecções não-espe-

cíficas do trato respiratório ou gastro-

enterite, até quadros mais específicos

como síndrome coxsackievirus (rash,

pleurodinia, linfadenite, orquite, he-

patite ou meningite). É evidente que

a valorização dessa fase prodrômica

geralmente se dá de forma retrospec-

tiva, pois a incidência de quadros vi-

rais é muita elevada, principalmente

em épocas de surtos. Após estes sur-

tos, a ocorrência de miocardite é mais

elevada que em épocas nas quais eles

não ocorrem. O clínico deve levan-

tar a hipótese de miocardite viral

quando estiver presente história de

doença viral prévia. Outros possíveis

dados diagnósticos seriam: 1) presen-

ça de taquicardia desproporcional a

quadro febril; 2) ausência de doença

cardíaca pré-existente; 3) apareci-

mento súbito de arritmias ou distúr-

bio de condução; 4) presença de au-

mento da área cardíaca ou sintomas de

DR. MARCELO

Pois é, estamos vendo a ponta do ice-

berg. O processo de miopericardite

contém a fibrose, que é o ápice da

inflamação, e que podemos ver na

RMN. A inflamação, em si, dá alte-

rações eletrocardiográficas. Ou seja,

caso o paciente tenha um surto infla-

matório, ele vai poder ter alterações

eletrocardiográficas, mesmo sem rela-

ção com a fibrose. Caso ele faça uma

biópsia, poder-se-á ver a miocardite.

Então, a RMN é um bom método para

avaliar quando há necrose/fibrose,

sendo muito específico mas não tão

sensível.

DRA. FRANCISCA

A pedido do Dr. Dany, farei uma pe-

quena revisão da miopericardite. A

miocardite se caracteriza pela presen-

ça de resposta inflamatória, frequen-

temente em decorrência de uma agres-

são infecciosa. Em conjunto com a

miocardite, o processo inflamatório

pode vir a acometer outras estruturas

do coração, ocasionando pericardite

ou vasculite coronariana. O agente

agressor mais frequente é o infeccio-

so, mas a miocardite pode também ser

secundária a agressões pelo sistema

imunológico, como na miocardite

periparto, por radioterapia ou quimi-

oterapia. Entre os agentes infeccio-

sos, o mais comum é o viral, princi-

palmente os enterovírus. Entre estes,

o coxsackie do tipo B é o mais co-

mum, sendo responsável por cerca de

50% dos casos. O diagnóstico se ba-

seia na presença de sinais e sintomas,

além do alto grau de suspeita clínica

insuficiência cardíaca congestiva sem

causa aparente; 5) quadro de dor to-

rácica e insuficiência cardíaca em

pacientes jovens. Arritmias podem

ser manifestações únicas de miocardi-

te, com ou sem dilatação de câmaras.

Pacientes com taquicardia ventricu-

lar sem causa aparente, quando sub-

metidos a biópsia endomiocárdica,

demonstram processo inflamatório.

Portanto, arritmias cardíacas que

surgem sem causa aparente devem ter

entre as hipóteses diagnósticas a mi-

ocardite. Pacientes com quadro clí-

nico de pericardite fibrinosa ou agu-

da, como nós clínicos gostamos de

chamá-la, com dor precordial, atrito

pericárdico e segmento ST suprades-

nivelado ao eletrocardiograma rece-

bem, em geral, o diagnóstico de pe-

ricardite viral e são tratados com

anti-inflamatórios. Muitos destes,

entretanto, são portadores de perimi-

ocardite, que pode evoluir para mi-

ocardite linfocitária e posterior di-

latação cardíaca. Portanto, mesmo

após o desaparecimento do quadro

agudo, devem ser observados atenta-

mente.

Do exposto, depreende-se que a apre-

sentação clínica da miocardite é he-

terogênea, devendo haver sempre alto

grau de suspeição por parte do clíni-

co.

DR. DANY

Este caso fica como lembrança de que

existem diagnósticos diferenciais que

podem simular o infarto agudo de mi-

ocárdio. Agradeço a presença de to-

dos e está encerrada a sessão. ■

CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 25

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26 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

RELATO DE CASO / CASE REPORT

RELATO DO CASO

Paciente A.M.S., do sexo feminino,

61 anos, negra, natural do Maranhão,

casada, do lar.

Queixa Principal: “Inchaço, cansaço

e falta de ar”.

História da Doença Atual: Pacien-

te relata que há um mês (em julho

de 2008) iniciou quadro de anasar-

ca , as tenia intensa , d i spneia aos

médios esforços e perda ponderal de

aproximadamente 10kg em cinco

meses. Deu entrada neste hospital

em agosto, com queixa de dor abdo-

minal difusa, intermitente, de mode-

rada intens idade , de longa data .

Nega febre e alteração do hábito

intestinal.

História Patológica Pregressa: Hi-

pertensão arterial sistêmica (HAS) há

mais de 12 anos, sem tratamento.

Nega pneumonia, tuberculose, diabe-

tes mellitus, doenças da infância, aler-

Endocardite por StreptococcusBeta-Hemolítico do Grupo CEndocarditis by Group CBeta-Hemolytic Streptococcus

Autores:

Dr. Milton dos Reis Arantes

Chefe do Serviço Prof. Clementino Fraga

Filho / 4ª e 20ª Enfermarias da Santa Casa

da Misericórdia do Rio de Janeiro

Dra. Valéria Pacheco

Chefe da 4ª e 20ª Enfermarias

Dra. Ana Paula Ramos Silva

R2 de Clínica Médica da 4ª e 20ª Enfermarias

Dra. Bianca Santiago Mateus

R1 de Clínica Médica da 4ª e 20ª Enfermarias

Kirlla Medici Alvarenga

Monique Alves Fontes

Pedro Barreto de Faria Pinho

Internos da Faculdade de Medicina da

Universidade Gama Filho

Camille Matos de Moura

Interna da Faculdade de Medicina da

Universidade Federal do Ceará

RESUMO - Paciente feminina de 61 anos internada devido a falta de ar, fadiga e aumento do

volume abdominal. Testes laboratoriais evidenciaram endocardite. A valva cardíaca acome-

tida e o agente etiológico identificado são atípicos. Foi descrita evolução da paciente durante

a internação em nosso hospital. (Conduta Médica 2009-10 (40) 26-29)

ABSTRACT - A 61-year-old female patient is admitted because of shortness of breath, fatigue and

increase of abdominal volume. Laboratory tests and echocardiogram indicated possible endocarditis.

Cardiac valve involvement and etiologic agent were atypical in this case. We describe the evolution of

this patient during the initial steps of clinical investigation at our hospital. (Conduta Médica 2009-10

(40) 26-29)

DESCRITORES - Endocardite; válvula pulmonar; streptococcus do grupo C

KEY-WORDS - Endocarditis; pulmonary valve; group C streptococcus

gias, internações ou cirurgias prévias.

História Social: nega etilismo, taba-

gismo e contato com animais domés-

ticos.

Exame Físico

Estado geral regular, hipocorada (3+/

4+), acianótica, anictérica, afebril e

hidratada, em anasarca.

Ausculta pulmonar sem ruídos adven-

tícios.

Ausculta cardíaca com RCR, 2T,

BNF, com sopro pancardíaco (3+/

6+). Ausência de TJP.

Massa abdominal palpável em hipo-

côndrio D e epigástrio, de consistên-

cia fibroelástica, indolor, de contor-

nos mal definidos, sem retrações; es-

paço de Traube submaciço e macicez

móvel com o decúbito.

IMPRESSÃO

Síndrome edemigênica a esclarecer.

26 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 27

CONDUTA

Exames complementares:

● Hemograma completo - Anemia

(normo/normo) e leucocitose impor-

tantes, com desvio escalonado.

● VHS - 140

Em função de leucocitose importan-

te e soprologia cardíaca, a princípio

atribuídas à anemia importante, ou-

tros exames complementares foram

solicitados, descritos a seguir.

● Hemocultura (em duas amostras) -

Positiva para estreptococo beta hemo-

lítico do grupo C.

● Urinocultura - Negativa.

Avaliação da função renal secundá-

ria à HAS não-tratada:

● EAS - Presença de albumina e hemo-

globina. Vinte a 24 piócitos por cam-

po.

● Proteinúria de 24 horas - 2462,40

mg/24h

● Creatinina - 2,1

● Ureia - 87,0

A fim de elucidar etiologia da anemia

e da massa abdominal palpável na ad-

missão, foram solicitados:

● Endoscopia digestiva alta - Três le-

sões ulceradas em estômago superior.

Biópsia negativa para neoplasia.

● Ultrassom de abdome - Aumento do

fígado às custas do lobo esquerdo e

baço no limite superior da normali-

dade.

● Raio X de tórax – Normal.

EVOLUÇÃO

Foi solicitado ecocardiograma trans-

torácico, que questionou a presença

de vegetação em valva pulmonar e

mitral. Foi iniciada, então, antibio-

ticoterapia para provável endocardi-

te infecciosa (critérios de Duke - um

maior e um menor), com vancomici-

na e cefepime (doses corrigidas pelo

clearance de creatinina).

Houve aumento progressivo da leuco-

citose, e a paciente teve episódios de

desorientação sem alterações das es-

córias metabólicas ou eletrólitos que

justificassem o quadro. Realizou TC

de crânio sem contraste, que não mos-

trou alterações. Realizamos a troca de

cefepime por imipenem, mantendo a

vancomicina. Observamos melhora

clínica e laboratorial da paciente.

Ecocardiograma transesofágico soli-

citado confirmou a presença de gran-

de vegetação em valva pulmonar,

com destruição dessa valva e impor-

tante potencial emboligênico.

A paciente evoluiu com piora pro-

gressiva da função renal, chegando a

c learance de creatinina inferior a

10ml/min.

Realizou TC de abdome para elucida-

ção da massa abdominal, e o exame

não mostrou nenhuma anormalidade.

Devido a um achado suspeito no cor-

te superior da TC de abdome, foi rea-

lizada uma TC de tórax, que eviden-

ciou opacidades cuneiformes com

bases subpleurais e ápices relaciona-

dos a vasos, compatível com infartos

pulmonares múltiplos; hipertensão

arterial pulmonar e derrame pleural à

FIGURA 1Tomografia de tórax

com múltiplos infartossugerindo TEP

>>

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28 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

direita pouco volumoso (tromboem-

bolismo pulmonar?).

A paciente encontrava-se com estabi-

lidade hemodinâmica, apesar da gra-

vidade do quadro. Evoluiu com au-

mento progressivo de escórias nitro-

genadas, novo aumento da leucocito-

se e crises convulsivas quase diárias.

Diante da necessidade de hemodiáli-

se e da internação em UTI para mo-

nitorização adequada do quadro, op-

tamos por transferência da paciente.

DISCUSSÃO

Os principais micro-organismos en-

volvidos na etiologia da endocardite

são Streptococcus viridans, Streptococ-

cus bovis, grupo HAECK, Staphylococ-

cus aureus e enterococo adquirido na

comunidade na ausência de foco infec-

cioso primário. As valvas cardíacas

mais acometidas são tricúspide (50%)

em usuários de drogas injetáveis, e

mitral e aorta quando a causa é infec-

ciosa. Dessa forma, observamos a pe-

culiaridade do caso relatado quanto à

etiologia e valva acometida.

Os estreptococos do grupo C (GCS)

são tipicamente da cadeia de cocos

RELATO DE CASO / CASE REPORT

Gram positivos, anaeróbios faculta-

t ivos que produzem pequenas ou

grandes colônias no meio de cultura

ágar sangue. São usualmente, mas

não exclusivamente, hemolíticos.

Um aumento nos títulos de ASO é

bem documentado em infecções por

esses organismos, e pode levar à con-

fusão na busca da etiologia de uma

infecção faríngea. Podem causar

complicações não supurativas pós-

infecção, como glomerulonefrite e

febre reumática.

Os organismos de pequena colônia

parecem causar mais abscessos, inva-

são de cavidades e celulite facial. Os

FIGURA 2Ecocardiograma transtorácicomostrando valva pulmonarcom grande vegetaçãoe insuficiência

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CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009 29

Da esquerda para direita:Monique, Kirlla, Bianca, Ana Paula,

Valéria e Camille

dois tipos de colônia causam bactere-

mia, mas os organismos de grande co-

lônia têm sido mais comumente asso-

ciados à endocardite e suas complica-

ções, especialmente abscessos e embo-

lia. Doenças malignas, diabetes e al-

coolismo crônico continuam como

fatores de risco maiores em casos de

bacteremia. O ecocardiograma deve

ser feito em todos os casos de bacte-

remia para excluir endocardite.

Muitos animais domésticos, incluin-

do cavalos, ovelhas, porcos, cordeiros

e galinhas são hospedeiros de várias

espécies de GCS. A despeito da fre-

quente presença em animais desses

patógenos, apenas ocasionais relatos

de infecções pelo grupo C em huma-

nos incluem informações sobre expo-

sição a animais. Muitos GCS são en-

dógenos para humanos como parte da

flora normal da pele, cavidade oral,

nasofaringe, trato gastrointestinal e

vagina.

Características frequentemente desta-

cadas em pacientes com infecção pelo

grupo C incluem idade avançada,

sexo masculino, estado imunocom-

prometido, procedimentos cirúrgicos

eletivos e exposição a animais ou pro-

dutos animais.

O tratamento da endocardite deve

durar quatro a seis semanas e ser gui-

ado pela hemocultura, direcionan-

do-se a antibioticoterapia para o pa-

tógeno isolado. A maioria dos GCS

é perfeitamente suscetível à penici-

lina. Um aminoglicosídeo como a

gentamic ina (com dose a jus tada

para insuficiência renal), ou uma

cefalosporina, devem ser administra-

dos com a penicil ina G para uma

ação sinérgica, pelo menos nas duas

primeiras semanas do tratamento.

Vancomicina deve ser considerada

para pacientes imunocomprometi-

dos ou com infecção severa. A rea-

lização precoce de cirurgia cardíaca

mostrou aumento da sobrevida des-

ses pacientes.

O acometimento da valva pulmonar

traz um grande risco de embolização

séptica para os pulmões e insuficiên-

cia cardíaca congestiva, agravando

bastante o quadro clínico. Na vigên-

cia desse quadro, deve-se pesquisar

patência de forâmen oval, o que ex-

plicaria uma possível embolização

para a valva pulmonar de uma vege-

tação que inicialmente estivesse em

valvas esquerdas (mais comum). A

necessidade de cirurgia cardíaca deve

ser avaliada baseando-se no quadro

clínico do paciente e na possibilida-

de de mantê-lo compensado de forma

conservadora.

BIBLIOGRAFIA

Harrison, Tratado de Medicina Inter-

na; 16ª edição; ED MacGraw-Hill;

2006.

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30 CONDUTA MÉDICA ● ANO X - N040 - ABR/MAI/JUN/2009

Paciente feminina, de 48 anos,

foi encaminhada ao hospital com

queixas de otalgia e rinorreia

purulenta, além de massa na

fossa nasal direita. Apresentou,

em seguida, quadro de febre,

tosse com hemoptoicos, dor

torácica e dispneia.

Diagnóstico: Granulomatose de Wegener

Comentários: A granulomatose de We-

gener (GW) é uma vasculite necrosante que

predomina nos vasos de pequeno e médio

calibres, cursando com formação de granu-

lomas intra e extravasculares . Class ica-

mente afeta com maior frequência o apa-

relho respiratório superior, o parênquima

pulmonar e os rins. No caso dos pulmões,

postula-se que os granulomas sejam secun-

dários à vasculite, que leva a hemorragia

na parede do vaso, oclusão t rombótica e

infarto pulmonar.

Clinicamente, as manifestações pulmona-

res mais comuns são tosse , d i spneia , he-

moptise e dor torácica. As manifestações

sistêmicas mais frequentes são febre e per-

da de peso. Alguns pacientes podem ser

as s intomát icos . Quando não t ratada , a

doença em geral segue um curso clínico ra-

p idamente progres s ivo , tendo um mau

prognóst ico. Atualmente, contudo, com

o uso de te rapias c i totóxicas , e s se cur so

clínico tem sido dramaticamente alterado.

As mani fes tações torác icas mais comuns

incluem nódulos ou massas , sol i tár ios ou

múltiplos, cavidades, infi ltrados localiza-

dos, consolidações e complicações infecci-

osas da terapia . Achados menos comuns

inc luem l in fonodomega l ia s , doença t rá -

queo-brônquica, doença pleural e espessa-

mento peribroncovascular .

A tomograf ia computadorizada, especial-

mente a TC de alta resolução (TCAR), é o

melhor método para avaliar o comprome-

timento pulmonar na GW. O aspecto mais

típico da GW na TC é a presença de múl-

tiplos nódulos e massas de contornos irre-

gulares, que variam de poucos milímetros

a 10 cm de diâmetro, e têm uma distribui-

Resposta deResposta de

ção aleatória, sem predominância por ne-

nhuma região pulmonar especí f ica . Eles

podem ser solitários; em geral têm margens

irregulares, e quase todos os nódulos mai-

ores que 2 cm de diâmetro apresentam es-

cavações na TC.

As conso l idações são o segundo aspecto

mais comum, podendo ser um achado iso-

lado ou se rem v i s ta s em as soc iação com

nódulos pulmonares. Geralmente têm uma

distribuição variável, podendo ser segmen-

tares ou difusas. Opacidades em vidro fos-

co podem ser observadas na doença em

atividade, e geralmente representam alve-

olite ou hemorragia. Na presença de con-

solidações e opacidades em vidro fosco, a

possibilidade de infecção também deve ser

cogitada, especialmente nos pacientes em

terap ia imunossupres sora . O preenchi -

mento dos espaços alveolares por exsuda-

to in f lamatór io decor rente de proces sos

infecciosos pode causar confusão com os

casos de GW fulminante , com preenchi-

mento parcial ou difuso por sangue.

Outros achados menos comuns são o sinal

do halo, o espessamento de septos interlo-

bulares, as bandas parenquimatosas, o com-

promet imento da t raque ia e b rônquios ,

com estenose e/ou atelectasia, as l infono-

domegalias e a doença pleural (derrame, es-

pessamento ou pneumotórax).

O diagnóst ico da granulomatose de We-

gener , tanto na cr iança como no adulto,

geralmente é real i zado através do estudo

histopatológico de material obtido por bi-

óps ia . Os dados c l ín icos e laborator ia i s

são inespecí f icos e devem ser cons idera-

do s como complementa re s ao r e su l t ado

da análise anatomopatológica. Entretan-

to , a lguns autores defendem que, na im-

possibi l idade de se real i zar biópsia , o di-

agnóstico pode ser baseado na associação

de manifestações clínicas típicas e presen-

ça de anticorpos contra componentes ci-

toplasmáticos de neutrófi los e monócitos

(c- ANCA posit ivo).

Quanto ao diagnóstico histopatológico, o

melhor tecido a ser avaliado é o pulmonar,

sendo geralmente obtido através de bióp-

s ia pulmonar a céu aberto. Podem-se ob-

servar áreas focais de processo inflamató-

rio ativo, com granulomas e vasculite ne-

crosante multifásica. A demonstração de

vascu l i te necrosante é cons iderada por

vár io s autore s como o fa tor d iagnós t ico

mai s importante . A b ióps ia pu lmonar

transbrônquica é de pouca ut i l idade, em

virtude do caráter d i fuso das lesões e do

pequeno tamanho dos fragmentos.

O envolvimento da árvore traqueobrônqui-

ca ocorre em aproximadamente 60% dos

casos e inclui traqueobronquite ulcerada,

com ou sem pseudotumor inf lamatório, e

estenoses subglótica, t raqueal e brônqui-

ca. As estenoses nas vias aéreas podem ser

produz idas por l e sões u lce radas a t ivas ,

pseudotumores inflamatórios, f ibrose, tra-

queomalácia ou bronquiomalácia . Estr i -

dor, dispneia, chiado, hemoptise e pneu-

monia pós-obstrutiva são as manifestações

clínicas mais comuns.

Alguns pac ientes podem apresentar uma

di s t r ibu ição per ib rônquica das l e sões

(como neste caso), associada a espessamen-

to do inter s t íc io per ibroncovascular . O

padrão de espessamento da bainha conjun-

t iva per ib roncovascu la r j á fo i de sc r i to

numa sé r ie de out ra s doenças , tanto de

natureza inflamatória como neoplásica. As

consolidações com essa distribuição, con-

tudo, são muito menos f requentes , tendo

como principal diagnóstico diferencial os

l infomas.

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The Image Challenge

O Desafio da Imagem da página 17O Desafio da Imagem da página 17

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Laura BergalloEditora

EDIÇÃO DE ABRIL/MAIO/JUNHO - 2009 - Nº 40 – ANO X

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tórios) como apresentação, anamnese, antecedentes, exame fí-

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ográficas, todas elas devem estar citadas no texto e numeradas

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8. As figuras e fotos devem estar em arquivo JPG.

OBS: Para publicação de sessões clínicas e desafios da imagem,

consultar a editora sobre as normas.

Jornalista Responsável Maria Rita Osorio Stumpf (Reg. MTB 4669-DRT/RS)

Projeto Gráfico e Diagramação Guilherme Sarmento ([email protected])

Edição, Texto e Revisão Laura Bergallo

Colaborou Nesta Edição Rafael de Souza Gomes

Fotolitos, Papel e Impressão Sermograf

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EXPEDIENTE

Conduta Médica (ISSN 1519-2938) é uma publicação trimestral de Laura Bergallo Editora, com sede à Rua Bento

Lisboa, 184/302 - Catete - Rio de Janeiro - RJ - CEP 22221-011 - tel. (21) 2205-1587 e telefax (21) 2205-2085 - e-

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EDITOR Gilberto Perez Cardoso

EDITORES ASSOCIADOS Fernando Antonio Pinto Nascimento e Antonio Alves de Couto

Editor Júnior Acad. Renato Bergallo Bezerra Cardoso

CORPO EDITORIAL Adauto Dutra Moraes Barbosa; Antonio Cláudio Goulart Duarte; Cantídio

Drumond Neto; Celso Correa de Barros; Edson Marchiori; Eduardo Augusto Bordallo; Eduardo Nani da

Silva; Emilson Ferreira Lorca; Euclides Malta Carpi; Evandro Tinoco Mesquita; Fernando José Nasser;

Hamilton Nunes Figueiredo; Heraldo Belmont; Honomar Ferreira de Souza; Hugo Miyahira; Ivo Pitanguy;

Jodélia Lima Martins Henriques; José Antônio Caldas Teixeira; José Galvão Alves; José Manoel Gomes

Martinho; José Sérgio Franco; Luiz Francisco Azzini; Luiz Mario Bonfatti Ribeiro; Marcos Raimundo de

Freitas; Maria Alice Neves Bordallo; Mario Barreto Corrêa Lima; Mario Monjardim Castello Branco; Mauro

Zamboni; Miguel Houaiss; Ney Dilson Magalhães Barreto; Osvaldo José Moreira do Nascimento; Rogério

Neves Motta; Rubens Antunes Cruz Filho; Terezinha Sanfim Cardoso; Wladimir Tadeu Baptista Soares

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