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Editorial ———————————————————————————————————————————————————————————————— De Maistre e a Maçonaria ———————————————————————————————————————————————————————————————— A história secreta da subversão ———————————————————————————————————————————————————————————————— Religiosidade Indo-europeia ———————————————————————————————————————————————————————————————— A acção na Alemanha e “A Doutrina do Despertar” ———————————————————————————————————————————————————————————————— Notas sobre a “divindade” da Montanha ———————————————————————————————————————————————————————————————— O simbolismo da Suástica ————————————————————————————————————————————————————————————————

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Editorial

Como não encontramos, por enquanto, nenhuma fórmula

mágica para fazer crescer a Legião enquanto organismo vivo que

realmente é, fomos aprendendo, nós, o pequeno punhado de

homens que lhe dá corpo, a sermos rectos nas acções praticadas.

Não queremos com isto dizer que desconhecêssemos anterior-

mente a rectidão, muito pelo contrário, diríamos até que é uma

condição necessária para se ser legionário. O que mudou, de facto,

é a tomada de consciência interior dessa elevação, ou seja, vamos

gradualmente subindo na nossa própria consideração enquanto

militantes de uma Ordem, fiéis a determinados princípios.

Uma das cláusulas auto-impostas quando assumimos a Regra

é que o compromisso exige disponibilidade e como, felizmente,

todos (por enquanto) trabalhamos e temos as nossas profissões

e empregos, poderíamos facilmente escusar-nos com a falta de

tempo e termos assim uma espécie de compromisso à la carte,

consoante o humor.

A actividade de grupo de um qualquer organismo humano, e em

muitos casos animal, exige que cada um saiba o seu papel, e o que

dele se espera é que o desempenhe o melhor possível no seio do

grupo, o que exige, por conseguinte, ordem e hierarquia. Se

alguém por motivo de força maior não puder realizar a sua função

outro terá que o substituir e se não houver substituto alguém terá

que acumular funções. O que não se pode fazer é perder o ritmo,

pois é este que marca a transformação do gesto em obra realiza-

da.

Mas nós não somos uma empresa pública, semi-pública, limi-

tada, ou SA.

O nosso objectivo não é o lucro nem a produção economicista.

É outra a nossa meta, ou melhor, é outro o nosso Caminho, porque

na verdade, como já outras vezes o dissemos, não temos qualquer

meta. Almejamos, isso sim, ser unos com o Caminho e para tal é

preciso acrescentar o Ritual, ao ritmo e às pequenas realizações

que nos servem de combustível para continuar a Obra.

O contrário disto pensamos nós que ainda se chama individua-

lismo, anarquia, democracia… mas já não temos certeza – a per-

pétua alternância está também a levar os poucos que ainda cha-

mávamos de “nossa gente”.

Mas o nosso grito não é de agonia nem de desprezo, é mais um

grito de… diferença.

ÍNDICE

FICHA TÉCNICA

Número 2 (2ª Série) ————————————————————————————————————————————————————————————————

3º quadrimestre 2011 ————————————————————————————————————————————————————————————————

Publicação quadrimestral ————————————————————————————————————————————————————————————————

Internet: www.boletimevoliano.pt.vu

www.legiaovertical.blogspot.com ————————————————————————————————————————————————————————————————

Contacto: [email protected]

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Na capa: Estátua de Buda com suástica no peito

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Julius Evola ————————––––————————————————————————––––————————––––————————————————————————————————————————––––————————————

Após ter dissertado em artigos anteriores sobre a obra

e as teorias de J. de Maistre, houve leitores que nas suas cartas referiram o facto de este pensador saboiano ter sido maçon. Se nos regermos pelos padrões de medida de hoje em dia, este facto seria paradoxal e mesmo escandaloso. Com efeito, poderia haver um contraste maior do que o existente entre a religião laica da democracia, apregoada pela Maçonaria actual, e a teoria intransigente da autorida-de e do poder proveniente de cima afir-mada por De Maistre, seja em relação à ordem temporal e política como à espi-ritual?

De Maistre era efectivamente maçon e pertencia à loja “La parfaite sincerité” de Chambéry do rito Esco-cês Rectificado com o nome de “Eques a floribus”. No entanto, deve-mos salientar que maçon foi tam-bém Frederico o Grande, que o foram numerosos príncipes ingleses de san-gue real e que em certas circunstân-cias a Igreja acusou de serem maçons alguns indivíduos próximos de Metter-nich, o carrasco de liberais e de democra-tas da sua época. Como se pode explicar tudo isto?

Será, então, feita aqui uma abordagem, ainda que genérica, sobre um tema de grande interesse e bastante complexo, raramente aprofundado que é a história inter-na e a essência da Maçonaria.

Não apenas os adversários da Maçonaria mas tam-bém muitos maçons ignoram esta questão, acreditando que a Maçonaria sempre foi aquilo que é hoje. Eles acre-ditam que as origens concretas da Maçonaria remontam a 1717, ano em que se constituiu a Grande Loja de Lon-dres. As coisas são bem diferentes. A Maçonaria existia antes dessa data, a qual não foi do seu nascimento, mas sim de uma crise profunda e uma espécie de inversão de polaridade em relação à antiga tradição.

O que a partir daquele período se organizou e difundiu de modo muito concreto foi a “maçonaria especulativa”, isto é, ideológica, a qual, com os ambientes maçónicos de hoje em dia, se contrapõe à “maçonaria operativa”. Não é fácil falar em poucas palavras acerca desta maço-naria. Numa interpretação mais superficial, profana e desviada, a maçonaria operativa foi a das corporações dos verdadeiros maçons, ou pedreiros, e construtores, às quais aderiram elementos distintos: a esta maçonaria estavam entregues as obras reais e os respectivos mate-riais de construção. Não há qualquer dúvida de que a maçonaria pré-moderna esteve em estreito contacto com tradições corporativas desse tipo, as quais remontam à

Figura

De Maistre e a Maçonaria Idade Média e a épocas ainda mais remotas. Para além disto, estava inerente a estas corporações uma tradição espiritual secreta, baseada na transposição simbólica dos princípios das operações da arte da construção. A cons-trução material convertia-se então numa alegoria para expressar uma obra criativa interior, tal qual como o tem-plo exterior está para o templo interior; a pedra rústica a polir era a individualidade vulgar do ser humano que deveria ser rectificada até se ter adaptado através do

“opus transformationis”, ou seja, através da superação da caducidade humana e pela par-

ticipação numa realidade transcendente, cujos graus correspondiam aos originá-rios da hierarquia da “maçonaria opera-tiva” que, todavia, não se havia conver-tido em especulativa. Em organizações nas quais a “arte” e a “operatividade” possuíram este significado, não tendo nada a ver com o plano político e social, do período entre fins de Seiscentos e inícios de Setecentos, no qual poderá ter tido lugar um processo de degene-ração, tendo assim permitido a acção de influências obscuras e a infiltração de elementos que gradualmente foram

controlando aquelas organizações, infun-dindo nas mesmas um espírito diferente.

Ou seja, conduzindo a acção sobre o plano ideológico e revolucionário e sujeitando-as a

estes mesmos fins. Um marco fundamental neste proces-so foi precisamente a criação da Grande Loja de Londres, com a qual nasceu efectivamente aquilo que, em geral, hoje em dia se conhece por maçonaria. Porém, tal mudança significa uma involução e, mesmo, uma espé-cie de inversão sinistra da anterior maçonaria operativa.

Muito antes da referida data, algumas constituições maçónicas estabeleceram uma obrigação de fidelidade dos seus membros não apenas aos soberanos e às leis do seu país como também à Igreja Católica. O contraste mais evidente de tudo isto haveria de ser quando da constituição de determinado grau da maçonaria poste-rior, no qual o neófito, para consagrar como acto ritual o seu compromisso de combater a “dupla tirania” (ou seja, o princípio de autoridade no campo político e religioso), teria de cravar um punhal na Tiara e na Coroa.

Contudo, o processo de degeneração e de inversão foi gradual e não repentino. Por isso, decerto que na época de De Maistre existiam lojas que estavam excluídas de tal processo degenerativo e que conservavam, em parte, ainda aqueles vestígios da tradição espiritual anterior (poderíamos dizer “iniciática” e “esotérica”): tradição que, na sua essência, não se encontra em antítese com a dou-trina contra-revolucionária de De Maistre nem com os seus princípios de autoridade, antes pelo contrário, cons-tituíam um complemento natural.

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Julius Evola ————————————————————————————————————————————————————————————————

Segundo um velho adágio – Diabolus Deus inversus –, o mal é menos o efeito de uma negação do que a inversão e a perversão de uma ordem superior. Esta verdade vale também no domínio histórico. A his-tória dos erros aos quais se deve a crise da civilização moderna con-temporânea terá ainda que ser escrita e é precisamente em relação a isso que o adágio cita-do acima se poderá revelar pro-fundamente verdadeiro.

Que os “imortais princí-pios” da democracia, a igual-dade, a “liberdade”, o raciona-lismo, o internacionalismo e o laicismo maçónico, o messia-nismo marxista técnico-económico foram os principais venenos do mundo moderno, dis-to já ninguém dúvida. Mas poucos são aqueles que desconfiam da ver-dadeira origem destes erros. Supõe-se geralmente tratar-se de produtos de um pensamento filosófico sui generis, engendrado e difundido pelos intelectuais revolucionários. Isto só é verdade na aparência; quan-to à sua génese interior, ela é bem diferente: estes erros são o resultado de processos muito precisos de invo-lução espiritual, de profanação, de “degradação” e, enfim, de inversão.

O termo “iluminismo” oferece-nos desde logo um exemplo flagrante. Na sua acepção agora comum, ele é sinónimo de racionalismo, de crítica iconoclasta, de anti-tradicionalismo. Pois bem, primitivamente, o mesmo é dizer antes da “politização” da sei-ta dos “Iluminados”, “iluminismo” tinha um sentido totalmente diferen-te; referia-se à “iluminação espiri-tual”, ou seja, a um tipo de conheci-mento supra-racional e supra-individual, que estava ligado, ante-riormente, não apenas a tradições

muito precisas de natureza sempre aristocrática, mas também a uma qualificação espiritual excepcional; nada em comum, portanto, com aquilo que o termo “iluminismo” aca-bou por significar no seu uso comum.

O mesmo se aplica à maior parte dos

símbolos, dos “ritos” e das “dignidades” da maçonaria. Aqui, trata-se ainda de elementos que se reportam frequente-mente aos antigos Rosa-Crucianos, à Ordem dos Templários, às tradições espi-rituais das antigas corporações, ao primei-ro gibelinismo e aos próprios Mistérios Clássicos, ou seja, a um mundo que, na sua essência hierárquica, sacra e espiri-tual, constitui a antítese absoluta das ideologias da seita maçónica, na qual, de resto, todos estes símbolos e sinais não são mais do que uma super-estrutura morta, de que ninguém se preocupa em procurar o sentido e a origem.

E é assim que no campo oposto, ou seja, anti-maçónico, se cometem frequen-temente graves confusões, atribuindo, por exemplo, os caracteres da seita maçónica a antigas tradições e organizações iniciáti-cas que, à excepção dos sinais, não têm a

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menor relação com tal seita. Na sua génese, o individualismo anár-

quico e o liberalismo deixavam já transpa-recer mais claramente o processo involuti-vo sobre o qual queremos chamar a aten-ção. É conhecida esta frase de Aristóteles sobre os soberanos: “Para estes homens, não há lei; eles próprios são a lei”. Os ter-mos “livre”, “invicto”, “senhor da lei”, etc., surgem constantemente na literatura ascética dos indo-germanos da Ásia; à expressão sobre o “indivíduo autóno-mo, mestre do eu”, que se encontra no Extremo Oriente, corresponde, em certos textos dos Mistérios ale-xandrinos, a ideia de uma “raça primordial autónoma e sem rei”. Todos estes atributos designam uma dignidade espiritual, uma qualidade “régia”, algo de sobre-natural que só se pode conceber em relação a uma força do alto e que diz respeito apenas a uma mino-

ria de seres superiores, os “heróis”. Pois bem, basta de profanar estes

princípios, de os secularizar, de os demo-cratizar e de fazer deles um ideal ao alcance de qualquer um, para assim os tornar instrumentos de subversão e chegar à anarquia e ao individualis-mo, ou seja, às atitudes e aos erros que deveriam precisamente ter por consequência a negação e a destrui-ção do plano espiritual, o único sobre o qual estes princípios poderiam ser válidos e legítimos. Trata-se portanto de uma inversão, que implicou ime-diatamente uma destruição.

Pode-se dizer o mesmo da ideia de “igualdade”. Sobre o plano natu-ral, a igualdade é um absurdo: na natureza, não há nada de “igual”. Num plano mais elevado, aquilo de que se deve falar não é tanto de “igualdade” mas sim de “paridade”. Mas, mesmo aqui, são valores de tipo essencialmente aristocrático os que encontramos nas origens. É ape-nas entre “homens livres” e “nobres” que a “paridade” tem um valor legíti-mo e viril, para lá de todas as dife-

Análise

A história secreta da subversão

Adam Weishaupt, fundador dos Iluminados

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renças de natureza, a tal ponto que, em alguns países como a Inglaterra, a expressão “par” conserva ainda hoje este significado e designa um título de nobreza. Ao democratizar e inverter esta ideia, obtém-se pelo contrário o “imortal princípio” iguali-tário como instrumento da subversão mundial.

Foi da alta antiguidade indo-europeia que se transmitiu à Idade Média germano-romana, e depois às tradições que dela recolheram em certa medida a herança espiritual, a ideia de Império, de Regnum, enten-dida como uma realidade não ape-nas política, mas também metafísi-ca, como uma ordem superior que não se opõe ao princípio da “nação”, mas supera-o fornecendo como pon-to de referência uma organização mais alargada, de tipo não apenas temporal, mas também espiritual; também, em todas as suas manifes-tações autênticas, o Imperium apre-sentava traços religiosos e apoiava-se numa autoridade espiritual real, fundamento do seu direito suprana-cional.

A involução de semelhante con-cepção desemboca no internaciona-lismo e no cosmopolitismo anti-nacional. Trata-se aqui efectivamen-te de um autêntico rebaixamento e de uma autêntica falsificação: enquanto que o Império encontrava a sua justificação no que é superior à nação, a destruição internacionalista tem como ponto de referência aquilo que é inferior à nação, e é ela que leva de um tipo de ordem hierárqui-ca e diferenciada ao nivelamento, à

desnaturação, ao híbrido, à promis-cuidade. Poder-se-iam fazer conside-rações análogas sobre a ideia “messiânica”.

Sabe-se que esta ideia, na sua origem, estava estreitamente ligada à própria concepção do Regnum e que, além disso, era precisamente nessa base que ela era conhecida dos Indo-europeus arianos, muito antes de o ser dos judeus ou dos cris-tãos. O Ariano pensava assim no advento de um “Reino” e de um “Senhor Universal” justo e vitorioso, mediador entre a ordem humana e a ordem supra-humana.

Pois bem, o tema messiânico reaparece nas correntes mais corrup-toras da época moderna, o marxismo e o bolchevismo, mas, também aqui, trata-se de uma falsificação materia-lista.

Trata-se da utopia absurda que consiste em acreditar que os proces-sos económicos e técnicos, após terem eliminado toda a diferença social e todo o móbil superior, prole-

tarizado o homem e “socializado” todos os seus bens, darão nascimen-to a uma nova era de felicidade e de prosperidade universal.

Dostoïevski definiu justamente esta nova miragem messiânica como um Éden, que se assemelhará em tudo ao Éden mítico, com a dife-rença que o trabalho será a lei uni-versal e que os indivíduos deverão previamente ser libertados de tudo aquilo que é “eu” e livre arbítrio.

Este tema, que aqui apenas tratá-mos superficialmente, merece ser aprofundado. Com efeito, o seu inte-resse não é apenas teórico ou históri-co. É precisamente com vista à acção que é fundamental conhecer a génese das negações e dos erros que devem ser combatidos. Caso contrá-rio, mesmo que de boa fé, pode-se cair em erros perigosos. O que quere-mos dizer com isto é que, ao lutar contra a forma destrutiva tomada por uma dada ideia pervertida e deformada, pode-se facilmente aca-bar por combater a ideia em si, não a sabendo reconhecer por falta de prin-cípios adequados, o que tem como resultado aumentar a confusão e a desordem. Reconstituir o processo de degradação e de inversão é pelo contrário o único meio de separar o positivo do negativo, de atacar o mal pela raiz e de alcançar os verdadei-ros pontos de referência necessários para a obra de reconstrução.

“ Pois bem, basta de profanar estes princí-pios, de os secularizar, de os democratizar e de fazer deles um ideal ao alcance de qualquer um, para assim os tornar instru-

mentos de subversão e chegar à anarquia e ao individualismo.”

“ Ao lutar contra a forma destrutiva tomada por uma dada ideia pervertida e deforma-da, pode-se facilmente acabar por comba-ter a ideia em si, não a sabendo reconhecer

por falta de princípios adequados, o que tem como resultado aumentar a confusão e a desor-dem. Reconstituir o processo de degradação e de inversão é pelo contrário o único meio de sepa-rar o positivo do negativo, de atacar o mal pela raiz e de alcançar os verdadeiros pontos de refe-rência necessários para a obra de reconstrução.”

O BOLETIM EVOLIANO TAMBÉM ESTÁ DISPONÍVEL ON-LINE EM: WWW.BOLETIMEVOLIANO.PT.VU

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Julius Evola

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No período anterior sustentou-se por parte do movimento que esteve no poder na Europa central a justa exigência de que uma luta política não pode ser completa se não estiver fundamentada numa concepção do mundo. O termo que acabaria por se tornar um estereótipo, Weltans-chauung, significava a atitude geral que o homem deveria assumir não só perante o mundo e a vida, mas também em relação aos valores éti-cos e espirituais, de modo tal a abar-car de certa maneira os próprios pro-blemas religiosos. E para levar a cabo esta luta num plano superior pensou-se que a melhor fórmula seria o retorno às origens, ou seja, remeter-se às ideias e à maneira de sentir que foram conhecidos antes que manifestassem todo o seu poder aqueles factores que deram forma à civilização última conduzindo-a até ao spengleriano “ocaso” (espiritual) “do Ocidente”.

No entanto, a mencionada orien-tação teve muitas vezes um aspecto “racista”. Falou-se de “arianidade”, de herança nórdico-germânica e de coisas similares. O perigo de uma limitação dos horizontes devida quer ao racismo, quer a uma utilização unilateral e tendenciosa das ideias em função simplesmente germânica, foi algo sumamente evidente. Isto aparece-nos de maneira notória num livro que no III Reich teve uma gran-de difusão, O Mito do Século XX, de Alfred Rosenberg, o qual no fundo era apenas uma compilação basea-da em materiais de terceira mão sumamente heterogéneos. Menos reservas se impõe pelo contrário a respeito das investigações de um especialista, o professor Hans Gün-ther, autor de numerosas obras sobre as raças e as civilizações anti-gas, incluindo Grécia e Roma. É dig-no de menção um ensaio seu no qual tratou de definir a concepção funda-mental do mundo e a religiosidade dos povos indo-europeus mantendo-se num plano desapegado das con-

tingências políticas. Este ensaio foi reeditado (numa sexta edição) mes-mo depois da guerra e apareceu ago-ra em tradução italiana (para as Edi-ções Ar) a cargo de Adriano Romual-di e Carlo Minutoli. O título original da obra era Frömmigkeit nordischer Artung, ou seja, “A religiosidade de tipo nórdico”; o título italiano é pelo contrário “Religiosidade Indo-europeia”, modificação esta que nos parece oportuna e que permite obviar as diferentes reservas que, devido ao uso do termo “nórdico”, teriam que ser feitas às teses do autor. “Indo-europeu” é um conceito muitíssimo mais vasto já que o mes-mo retoma diferentes estirpes e civi-lizações pertencentes à raça branca, incluídas as suas manifestações asiáticas (os indo-europeu do Irão, da Índia, etc.) que são também tidas em consideração por Günther, mas ainda assim resta-nos o inconveniente rela-tivo à tese segundo a qual o núcleo originário formativo de todas estas civilizações teria sido de origem “nórdica”. Mesmo concedendo que tal termo deve ser aqui entendido de maneira particular, com referência a migrações de povos primordiais, de modo tal a não aplicar-se meramen-

te às populações nórdico-escandina-vas ou germânicas-setentrionais dos tempos mais recentes, ainda assim não pode deixar de haver a tal res-peito alguns equívocos.

Os mesmos poderiam ser favore-cidos em parte pelo amplo “Ensaio sobre o problema indo-europeu” de Adriano Romualdi que aparece como introdução ao texto de Günther e que quanto à sua extensão representa mais do dobro do mesmo. Trata-se de uma monografia desenvolvida muito seriamente, com uma ampla e variada documentação que resume tudo aquilo que a partir de investiga-ções filológicas, antropológicas, étni-cas, históricas e culturais se disse a respeito das origens indo-europeias, mantendo-se no entanto a tese nór-dica com um notório acento racista.

Mas independentemente disso parece-nos apropriado prestarmos atenção à extensão própria do con-ceito “indo-europeu” e não sem rela-ção além do mais com aquilo que impulsionou a actual tradução italia-na do ensaio de Günther. Trata-se a tal respeito da atitude de retomar a exigência da “luta pela concepção do mundo” num marco já não germâni-co/nacional-socialista, mas sim euro-

Crítica

Religiosidade Indo-europeia

Hans F.K. Günther e Alfred Rosenberg, dois teóricos raciais nacional-socialistas

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generalizou muito, fazendo silêncio a respeito de tudo aquilo que não se adaptava à sua tese.

Quanto às características que segundo Günther não seriam indo-europeias, encontramos a concepção de um Deus transcendente do qual o homem se aproxima servilmente e por medo, assim como a concepção do homem como mera “criatura”. “Posto que não é o servo de um Deus soberano, o Indo-europeu não reza prostrado de joelhos, mas sim de pé, com os olhos para o céu e os braços estendidos para o alto” (p. 122). Ele tem um sentimento de vinculação e de familiaridade com o divino, com os “deuses”. O mundo para ele não é “criado”, mas eterno, “sem princípio” e sem fim. Não conhece um dualis-mo entre “este mundo” e o “outro mundo”, pelo menos aquele dualis-mo através do qual o primeiro é des-valorizado em relação ao segundo e só no segundo se concentra o espíri-to. Em parte como consequência, não é sentido nem sequer um con-traste “entre corpo perecível e alma imortal, entre a carne e o espírito”. Careceria pois da “redenção”, como do pecado, da salvação por obra de um “Salvador” e não como uma “auto-redenção da alma que se puri-fica e se submerge no profundo do próprio ser” (tal seria a orientação do misticismo indo-europeu), como aquela superação das paixões na qual consistiria a via do primeiro budismo e também do estoicismo. Quanto ao “pecado”, na maneira de sentir indo-europeia substituir-se-ia o conceito de “culpa” pelo de respon-sabilidade que uma “alma nobre” é capaz de assumir.

Por parte do Indo-europeu o mun-do teria sido concebido como ordem e como kosmos, como um todo for-mado por uma ratio superior. Mas esta característica parece-nos que não concorda muito com a outra, indicada igualmente por Günther, relativa a uma concepção “agonista” da existência: o mundo como arena de uma permanente luta, em corres-pondência com “a vocação hereditá-ria e congénita para o combate” por parte do Ariano ou Indo-europeu. De facto, esta segunda concepção pres-supõe evidentemente um dualismo, não a existência de uma ordem racional universal, mas também a presença de alguma coisa antitética em relação ao mesmo, ao kosmos,

documento do espírito nórdico; Gün-ther considera como fontes melhores aquelas que se podem recolher do antigo mundo helénico, romano, irâ-nico, e em parte também hindu, den-tro de cujo conjunto ele no entanto opera uma certa discriminação: isola certos elementos de outros, que se encontram presentes mas que não podem ser remetidos a uma ideia no fundo preconcebida de forma aprio-rística como “nórdica” (ou “ariana” ou “indo-europeia”), e remete-os a influências externas, a alterações raciais produzidas por cruzamentos, etc., procedimento equivalente àqui-lo que na lógica se define como peti-ção de princípio. Tal objecção perde-ria parte da sua força no caso de se tratar de uma abordagem essencial-mente “morfológica”. De seguida as referências de Günther referem-se essencialmente às elites, e aqui vale como um postulado a ideia de que teria sido entre as elites que se teriam conservado os valores da raça originária portadora de uma superior concepção do mundo. É assim que Günther diz (p. 116): “Na verdade, muito daquilo que nos é descrito como formando parte da religião indo-europeia não é senão a expres-são de castas inferiores que teriam aprendido a expressar-se na língua indo-europeia”, o que é um sinal do mencionado procedimento de discri-minar a priori. Não há pois dúvida de que por parte do autor se idealizou e

peu. Escreve Romualdi a este respei-to (p. 6): “Todos nós, e em particular nós, os da nova geração, sentimos que nos encontramos numa encruzi-lhada histórica. As antigas perspecti-vas nacionais, tal como fomos edu-cados, quebram-se ao nosso redor por todo o lado. Uma auto-suficiência da pátria italiana, ou francesa ou germânica, não existe e não deve existir mais. Nacionalistas sem nação, tradicionalistas sem tradição, nós procuramos reconhecermo-nos todos numa pátria e numa tradição mais vastas”.

A este respeito volta a colocar-se a ideia indo-europeia quer como mito das origens comuns, quer como ideia capaz de outorgar sentido a uma unidade europeia ou ocidental que não se reduza a um conglomerado informe. Mas é justamente por isto que a conotação “nórdica”, apesar de qualquer precisão que se efectue, aparece como algo de equívoco. Além do mais, não se podem fazer generalizações em relação a concei-tos conformados por múltiplos ele-mentos (neste caso, múltiplos povos), tanto mais quando parece que são justamente os povos euro-peus nórdicos (incluindo nesta altura lamentavelmente os próprios ale-mães) aqueles que na actualidade são os últimos a sentir exigências de tal tipo e a encarnar este tipo de con-cepção do mundo.

Mas já nesta altura é necessário dizer algo a respeito do ensaio de Günther. Em geral, há que ressaltar que teria sido oportuno limitar-se sobretudo a uma consideração de carácter morfológico reduzindo ao máximo os factores raciais, ou seja, definir apenas uma certa forma dos valores e do modo de sentir e de comportar-se, apresentando-o sobre-tudo como um “ideal”. De facto poder-se-ia formular a Günther uma muito fundamentada objecção meto-dológica, ressaltando o modo como muitas vezes se move num círculo vicioso. Com efeito, ele reconhece que as fontes da sua investigação não podem ser constituídas pelo material fornecido pelo povos nórdi-cos em sentido próprio, já que até as antigas concepções germânicas teriam sido alteradas por contributos externos, célticos e “druídicos”, e inclusivamente a mitologia nórdica por excelência – os Edda – seria mui-to pouco utilizável como verdadeiro

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Adriano Romualdi, “nacionalista sem nação e tradicionalista sem tradição”

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contra a qual combater. Maiores reservas impõe-nos a ideia, para nós errada, de que os Indo-europeus “teriam tido sempre a inclinação de ver na força do Destino uma coisa superior aos próprios deuses, sobre-tudo os Hindus, os Helenos e os Ger-manos” (p. 129).

Não vemos como pode fundar-se uma ideia semelhante, a qual, em todo o caso prevaleceu em áreas não reputadas propriamente como indo-europeias (como na tardia civilização etrusca e na pelásgica, não-helénica e justamente Bachofen pôde mostrar a origem pelásgica, não-helénica, que pelo contrário Günther denomi-naria “não-nórdica”, daquilo que na antiga Grécia se ressentiu daquela obscura ideia fatalista). Günther pelo contrário conserva-a pois serve-lhe para indicar, como ulterior caracterís-tica do homem indo-europeu, a acei-tação do destino ou o manter-se inquebrantável face ao mesmo: “orgulhosa altivez com a qual aceita o Destino que incumbe à própria existência, fazendo-lhe frente de pé e mantendo-se assim fiel a si mes-mo” (p. 131).

Além do mais Günther opera um grave menosprezo da herança da espiritualidade indo-europeia ao negar ou desconhecer aquilo que podemos denominar como a “dimensão da transcendência” na ordem do humano não menos que na do divino (onde reinaria o Destino, e não uma suprema liberdade), não tendo em conta de forma apriorística os testemunhos múltiplos e unívocos em sentido oposto. Felizmente, Gün-ther não insistiu numa sua tese ante-rior, segundo a qual os Indo-europeus “nórdicos”, só depois da sua chegada à Ásia, tendo encontrado terras insu-portáveis pelo clima e pelo ambien-te, foram levados a inverter o seu

impulso originário de “afirmação da vida” por um outro no fundo estranho à sua raça (artfremd), o de libertar-se da vida, entendida agora como “dor”. De facto um ideal fundamental indo-europeu foi o da “Grande Liberta-ção”, da conquista do Incondicionado (por exemplo no budismo das ori-gens), da saída do “ciclo da gera-ção” (na Hélade).

A razão desta atitude de Günther é que nele tiveram primazia certas preocupações “racistas” que, apesar de tudo, marcaram com uma certa tendência naturalista as suas inter-pretações. Assim, por exemplo, é para ele inexistente o facto de que justamente na tradição indo-ariana a “via dos deuses” (deva-yana) que conduz ao Incondicionado se encon-tre em contraposição à “via dos pais” (pitri-yana), que é a via daque-les cujo destino consiste em perpe-tuar a vida da sua estirpe aqui em baixo.

É aqui que se fazem sentir as con-sequências da suposta indivisibilida-de do corpo e alma, a qual acaba por limitar toda a superior concepção da imortalidade. No fundo Günther aca-ba por reduzir os horizontes espiri-tuais a uma “imortalidade imanen-

te” (efémera), que consiste na perpe-tuação e continuidade na estirpe e na raça da qual o sujeito faz parte, o que “na ordem das gerações produz perenemente a vida” (p. 147). Se bem que tentando mitigá-lo, Günther acaba por ver no panteísmo, que implica uma negação de toda a ver-dadeira transcendência, um traço fundamental da religiosidade “ariana” (encontramos nele a expres-são “inspirado panteísmo naturalis-ta”), o que equivale a degradá-la arbi-trariamente, sustentando também um suspeito “culto à vida” como con-trapartida. É bom ter presente que não se deve confundir o “panteísmo” com um concepção sacralizadora do mundo, que foi própria das origens e que deve considerar-se tradicional de forma geral, e que de nenhuma maneira deve sustentar-se como uma prerrogativa unicamente “ariana” ou indo-europeia.

É no campo da ética que em par-te as caracterizações de Günther têm um valor mais convincente. Ele fala dos ideais da firmeza e da grandeza de ânimo, de um natural domínio de si mesmo, de um também natural sentimento das distâncias e de não promiscuidade, da desconfiança por todo o abandono da alma e portanto por um desordenado e alienante mis-ticismo. Além disto, indica também o sentimento de honra, a predisposi-ção à fidelidade e à lealdade, uma comedida e consciente dignidade (a humanitas na sua acepção clássica), e o amor pela verdade e a repugnân-cia pela mentira. A liberdade é um ideal, mas na perspectiva indicada pela frase de Goethe: “Tudo aquilo que liberta o nosso espírito sem nos elevar a um maior senhorio sobre nós próprios, corrompe-nos”. A ética que se articula em tais valores, para

“ Günther acaba por reduzir os horizontes espirituais a uma «imortalidade imanen-te» (efémera), que consiste na perpetuação e continuidade na estirpe e na raça (…)

Günther acaba por ver no panteísmo, que impli-ca uma negação de toda a verdadeira transcen-dência, um traço fundamental da religiosidade «ariana», o que equivale a degradá-la arbitra-riamente, sustentando também um suspeito «culto à vida» como contrapartida.”

“ Günther (...) opera uma certa discrimina-ção: isola certos elementos de outros, que se encontram presentes mas que não podem ser remetidos a uma ideia no fundo precon-

cebida de forma apriorística como «nórdica», e remete-os a influências externas, a alterações raciais produzidas por cruzamentos, etc., proce-dimento equivalente àquilo que na lógica se define como petição de princípio.”

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Günther seria “natural” ao Indo-europeu, não ligada a preceitos exte-riores (assim como a religiosidade indo-europeia seria “natural” e não determinada por “revelações”).

Com isto pode-se concordar ape-nas em parte, mas com referência a uma concepção não-racista da raça. O ser “de raça” num sentido superior implica justamente como algo natu-ral actuar e comportar-se de uma determinada maneira, mas sem necessidade de referências externas. Portanto não se pode falar de algo que seja próprio da “raça” indo-europeia. Tais qualidades éticas naturais do “homem de raça”, para dar um exemplo, estão também pre-sentes entre outros povos (bastará apenas a referência à nobreza tradi-cional do Japão) e a referência ao “tradicional” não é algo extrínseco, já que a tal respeito pode-se considerar também aquilo que se torna congéni-to devido a uma rigorosa tradição. Quanto à “nobreza”, ressaltemo-lo de passagem, é bastante curioso o facto de Günther falar frequentemente do espírito e da nobre ética de uma “aristocracia camponesa” (em todo o caso, poder-se-ia falar, quanto muito, de uma aristocracia feudal). Aqui parece-nos aparecer o eco de um slogan “racial” do hitlerismo, “sangue e solo”, pelo qual em nome de um certo “enraizamento” e de uma certa política era liquidado o precedente mito das raças arianas originárias como raças de caçadores e conquis-tadores emigrantes ávidos de gran-des distâncias e de longínquos hori-zontes.

Mencionou-se já que para isolar os elementos “nórdicos”, Günther responsabilizou sistematicamente

supostas contaminações raciais devi-das a cruzamentos e a influxos exó-genos desnaturalizadores por tudo aquilo que, estando de facto presen-te nas sociedades indo-europeias, não corresponderia a estes valores e comportamentos. De novo, isto reve-la o subjacente racismo biológico o qual tem muito pouco em conta o facto das misturas não serem o úni-co factor de alteração já que são possíveis processos de involução, de decadência e de colapso no contexto da manutenção de uma suficiente integridade do sangue originário. Já no início fizemos notar que precisa-mente os actuais povos maioritaria-mente “nórdicos”, são particularmen-te insensíveis aos ideais “nórdicos” tal como Günther os define. No con-texto histórico bastará apenas recor-dar este exemplo. Günther considera acertadamente como estranho à linha “ariana” o espírito da Reforma protestante, pela sua exasperação dos conceitos de pecado e da nature-za irremediavelmente corrompida do homem, havendo que entregar-se apenas à fé, por necessidade da gra-ça gratuitamente outorgada por Deus ao servidor humano (de servo arbitrio). Pois bem, a Reforma triun-fou sobretudo entre os povos ale-mães e nórdicos, enquanto que os povos mais ao sul e ao ocidente, aos quais se atribui maior grau de altera-ção devido a cruzamentos, permane-ceram refractários à mesma.

* * *

Perto do final do seu ensaio (p.

172) Günther escreve: “Com o século XX os Indo-europeus começaram a eclipsar-se no mundo da espirituali-

dade e da história. Hoje em dia tudo aquilo que na música, na arte, na literatura (dever-se-ia acrescentar: na moral e nas formas políticas predo-minantes) do “Ocidente livre” é repu-tado como particularmente “progressivo” já não reflecte uma espiritualidade indo-europeia”. Isto parece-nos acertado, mas apenas se formos capazes de, tal como disse-mos, definir aquilo que é indo-europeu em termos essencialmente morfológicos e gerais, sem estritas referências étnico-raciais. Quanto à capacidade de conjunto dos valores “indo-europeus” (também com a finalidade de superar tergiversações, equívocos e visões unilaterais ou evidentemente idealizadas como as já mencionadas) para operarem como anima de uma nova solidarie-dade e unidade supranacional oci-dental, dados os tempos que correm, ao contrário do que diz Romualdi, sentimo-nos bastante cépticos: não acreditamos que se possa encontrar terreno fértil para obter a devida res-sonância e cristalização desses valo-res.

Quanto ao resto, um análogo sen-timento parece manifestar-se no próprio Günther quando no prefácio da última edição do seu interessante ensaio (p. 105-106), ao referir-se “à nossa era da Decadência do Ociden-te”, diz: “Ainda que aquilo que per-manece no mundo europeu ocidental tenha que perecer pela carência de verdadeiros Indo-europeus de raça, ou seja, de verdadeiros Ocidentais, permanecerá de todo o modo um sentimento arraigado na tradicional espiritualidade indo-europeia, aquele que foi o sentimento dos últimos Romanos (Romanorum ultimi) peran-te um império já não “romano”, o sentimento do carácter inquebrantá-vel perante o destino… pelo que já Horácio exortava: Quocirca vivite for-tes, Fortiaque adversis opponite pec-tora rebus!”

Uma instância de tal tipo, além do mais susceptível de ser retomada apenas por uns poucos e talvez a ser modulada no sentido de uma desa-pegada impassibilidade, parece-nos mais realista que qualquer optimis-mo de fundo “nostálgico” (no sentido negativo deste termo em relação a certos aspectos de conhecidas ten-dências políticas italianas actuais), com a correspondente nova evoca-ção das origens nórdicas.

“ E bastante curioso o facto de Günther falar frequentemente do espírito e da nobre ética de uma «aristocracia camponesa» (poder-se-ia falar, quanto muito, de uma aristo-

cracia feudal). Aqui parece-nos aparecer o eco de um slogan «racial» do hitlerismo, «sangue e solo», pelo qual em nome de um certo «enraizamento» e de uma certa política era liquidado o precedente mito das raças arianas originárias como raças de caçadores e conquista-dores ávidos de grandes distâncias e de longín-quos horizontes.”

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Julius Evola

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Passando à actividade que

desenvolvi até ao início da II Guerra Mundial à margem das forças políti-cas então dominantes, poderia pen-sar-se que o Revolta contra o Mun-

do Moderno fornecia na Itália as bases doutrinárias para uma séria corrente tradicionalista da Direita dotada de verdadeira força revolu-cionária (ou, melhor, contra-revolucionária). Contudo, nada disso ocorreu. O livro quase não foi nota-do; o conjunto de ideias e horizon-tes que ali trouxe à luz parece ter escapado totalmente à mentalida-de das “hierarquias” e dos que haviam aderido ao Fascismo – não falando da habitual intelligentsia diletante e académica que, graças à adesão conformista ao regime da época, conduzia a cultura e a imprensa italianas através de cli-ques fechadas. Os únicos assomos de pensamento “tradicional” que havia nesse período tinham um fun-do católico e burguês e prendiam-se sobretudo à componente “ex-nacionalista” do Fascismo; caracte-rizavam-se por uma grande estreite-za de horizontes e um sectarismo deveras antipático. Até ao período do “Eixo”, a minha actividade limi-tou-se à direcção da página especial do diário de Farinacci, a que já me referi, e a artigos, ensaios e exames críticos conhecidos apenas em cír-culos restritos. Assim pois, é pura fantasia o que se escreveu em cer-tos livros franceses recentes, a saber que fui conselheiro de Musso-lini (Werner Gerson) ou a “emi-nência parda do Duce” (Elizabeth Antebi), entre outras razões porque até 1942, data da reconversão

“racista” do Fascismo, que irei comentar mais adiante, não tive qualquer contacto pessoal com Mussolini. Em contrapartida, gosta-ria de precisar em que contexto se usou a minha obra. Como hóspede estrangeiro de uma nação amiga, gozava de uma espécie de imunida-de; era-me permitido apresentar e afirmar ideias de um modo que durante o regime nazi seria difícil ou impossível a um alemão, a menos que se dispusesse arriscar o campo de concentração. Tratava-se de ideias que podiam rectificar o movi-mento político chegado ao poder, reforçando as potencialidades posi-tivas e combatendo as negativas. Sabe-se que não foi Hitler quem inventou o termo III Reich, que real-mente o tomou dos escritores da “revolução conservadora”, que lhe conferiam um conteúdo espiritual e tradicional referido a uma ordem de ideias semelhante à que eu próprio defendia: a tal ponto que esses escritores passaram à oposição por considerarem o uso do termo e do símbolo uma usurpação contami-nante. Tratava-se, mediante uma frente secreta da Direita, de voltar gradualmente à ideia original, e, neste quadro, a minha contribuição

poderia ser útil no plano doutrinário. Em princípio, muitas das ideias valoradas pelo Nacional-Socialismo podiam entrar no mesmo quadro e servir-lhe de apoio: sobretudo a Ordensstatzgedanke, ou seja, o ideal de um Estado regido, não por uma “classe dirigente” democrática, mas por uma Ordem, uma elite for-mada por uma ideia, uma tradição, uma disciplina severa, um mesmo estilo de vida. Aqui, no entanto, iría-mos desembocar também no “racismo”, pelo que se impunha a tarefa de rectificar as exigências que alimentavam essa tendência na Alemanha, em certos casos de for-ma problemática.

Não me alargarei sobre este últi-mo ponto. Foi nesse quadro e nessa direcção que desenvolvi alguma actividade na Europa central até ao início da II Guerra Mundial, não só com os escritos que apontei, mas também com conferências realiza-das através de diferentes contactos. Digo Europa central porque Viena, cidade onde passei o Inverno e tive ocasião de me relacionar com representantes da Direita e da velha aristocracia e com o grupo dirigido pelo filósofo Othmar Spann, que seguia a mesma linha, apresentava

Autobiografia

A acção na Alemanha e «A Doutrina do Despertar»

“ Como hóspede estrangeiro de uma nação amiga, gozava de uma espécie de imunida-de; era-me permitido apresentar e afirmar ideias de um modo que durante o regime

nazi seria difícil ou impossível a um alemão, a menos que se dispusesse arriscar o campo de concentração. Tratava-se de ideias que podiam rectificar o movimento político chegado ao poder, reforçando as potencialidades positivas e combatendo as negativas.”

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igualmente um terreno fecundo. Ali se estabeleceu uma estreita colabo-ração entre mim e o príncipe K. A. Rohan, que dispunha de um impor-tante círculo de relações, e eu pró-prio.

Assim ganhou corpo a ideia, bem vista pelos meios indicados, de coordenar os elementos que em certa medida podiam representar em toda a Europa o pensamento tradicional no plano político-cultural. A fim de conseguir contactos preci-sos, empreendi várias viagens pela Europa no ano de 1936. Durante uma delas travei conhecimento directo com Corneliu Codreanu, che-fe da Guarda de Ferro romena, uma das figuras mais dignas e mais orientadas espiritualmente que encontrei nos movimentos nacio-nais da época. Em Bucareste conhe-ci também Mircea Eliade, que adquiriu depois da guerra uma gran-de notoriedade graças às suas numerosas obras sobre a história das religiões, e com quem me man-tive em contacto até agora. Nessa época fazia parte do círculo de Codreanu, e havia acompanhado anteriormente a actividade do “Grupo de Ur”.

O período do Eixo representou para mim uma grande oportunida-de, pois sempre desejara o reencon-tro integrador da romanidade e do germanismo à maneira “gibelina”, tendo proposto vários anos antes o “mito das duas águias” como ponto de partida da possível reconstrução europeia. No que diz respeito à Itá-lia, porém, não foi possível fazer nada em razão do sistema das cli-ques oficiosas que prosperavam e sabotavam sistematicamente todas as iniciativas vivificadoras. Nos intercâmbios culturais com a Ale-manha essas “hierarquias” chega-ram inclusivamente ao paradoxo de utilizar conhecidos católicos sectá-r ios de sent imentos ant i -germânicos, como Guido Manacor-da, por exemplo (autor do livro A Floresta e o Templo, no qual o espí-rito germânico é incrivelmente falsi-ficado). Esses meios encaravam com despeito os convites que me dirigiam para conferências e encon-

tros na Alemanha e, apesar de não ser de modo algum um elemento designado e “autorizado” por eles, era reconhecido naquele país. Em certa ocasião, nomeadamente, ten-taram impedir uma das minhas via-gens a pretexto da renovação do visto do meu passaporte, o que for-çou Mussolini a intervir pessoalmen-te ao ter conhecimento de seme-lhantes intrigas.

A referência a estes domínios relativamente exteriores não deve fazer supor que durante esse perío-do deixei de prestar atenção às dis-ciplinas tradicionais. De facto, recor-do que no final dos anos 30, antes da fase posterior da minha activida-de à margem das forças políticas, me dediquei a dois dos meus princi-pais livros sobre a sabedoria orien-tal: à revisão completa de O

Homem como Potência, que, como disse, conheceu o novo título de Yoga da Potência (por razões extrín-secas e devido ao que se seguiu, o texto revisto e corrigido só foi publi-cado depois da guerra pelo editor Bocca), e a uma obra sistemática sobre o budismo das origens intitu-lada A Doutrina do Despertar – Ensaio sobre a ascese búdica (que só em 1943, durante a guerra, apa-receu nas edições Laterza).

Com este segundo livro paguei de algum modo uma dívida que

havia contraído com a doutrina de Buda. Já referi anteriormente a influência que um dos seus ensina-mentos teve na superação da crise interior que atravessei depois da I Guerra Mundial. A seguir, fiz dos textos búdicos um uso quotidiano, prático e de realização, a fim de alimentar uma consciência destaca-da do princípio “Ser”. O que fora príncipe dos Sakias indicava-me uma disciplina interior que eu sen-tia como congénita, a tal ponto que as asceses de base religiosa, sobre-tudo a cristã, me pareciam estra-nhas.

A finalidade do meu livro foi tra-zer à luz a natureza verdadeira do budismo das origens, doutrina que perdeu vigor e se tornou irreconhe-cível na maioria das suas formas posteriores, até se converter mais ou menos numa religião e no con-ceito que geralmente se tem dele no Ocidente. Com efeito, o núcleo essencial desses ensinamentos tinha um carácter metafísico e ini-ciático. A interpretação do budismo como simples moral e tendo por fundamento a compaixão, o huma-nitarismo, a evasão da vida, porque “a vida é sofrimento”, é extrínseca, profana e superficial a mais não poder ser. Pelo contrário, o budismo foi determinado pela vontade do incondicionado na sua forma mais

“ A finalidade do meu livro foi trazer à luz a natureza verdadeira do budismo das ori-gens, doutrina que perdeu vigor e se tornou irreconhecível na maioria das suas formas

posteriores, até se converter mais ou menos numa religião e no conceito que geralmente se tem dele no Ocidente (...) A interpretação do budismo como simples moral e tendo por funda-mento a compaixão, o humanitarismo, a evasão da vida, porque «a vida é sofrimento», é extrín-seca, profana e superficial a mais não poder ser. Pelo contrário, o budismo foi determinado pela vontade do incondicionado na sua forma mais radical, pelos que procuram dominar a vida e a morte. Não é tanto o «sofrimento» que se preten-de superar, mas a agitação e a contingência da existência condicionada”

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radical, pelos que procuram domi-nar a vida e a morte. Não é tanto o “sofrimento” que se pretende supe-rar, mas a agitação e a contingên-cia da existência condicionada que tem como origem, raiz e fundamen-to a sede, sede que pela sua própria natureza é impossível extinguir na vida ordinária, a intoxicação ou “mania”, a “ignorância”, a cegueira que leva à identificação desespera-da, híbrida e cúpida do Eu em tal ou tal forma do mundo perecível, a corrente sem fim do porvir, do sam-

sâra. O nirvâna não é mais que a denominação negativa do trabalho de extinção da sede e da ignorância metafísicas. A sua contrapartida positiva é a iluminação ou o desper-tar (bodhi), no qual o termo “Buda” não é, como geralmente se crê, um nome, mas um título que significa

“despertado”. Por essa razão esco-lhi como título do meu livro A Dou-trina do Despertar.

Segundo o Buda histórico, esta doutrina perdeu-se com a passa-gem do tempo. Na Índia acabou por ser encoberta pelo ritualismo, pela especulação vazia e presunçosa da esclerótica casta brahmâna. O Buda reafirmou-a, anunciou-a de novo e conferiu-lhe uma formulação sobre a qual não deixou de influir a sua natureza, visto não se tratar de um brahmâna, mas de um membro da casta guerreira. O carácter “aristocrático” do budismo e a pre-sença da força viril e guerreira (o rugido do leão não é mais que o anúncio da chegada do Buda) apli-cada ao plano imaterial e intempo-ral, são os traços que pus em relevo na exposição desta doutrina, aber-

tamente oposta às interpretações deformadas, quietistas e humanitá-rias que antes assinalei.

Outro ponto importante é que o budismo – no seu núcleo essencial e autêntico – não pode ser denomi-nado uma religião no sentido cor-rente e teísta do termo, não porque como doutrina moral não pudesse chegar ao plano religioso, mas por-que transcende e ultrapassa esse plano. Do mesmo modo que uma doutrina iniciática ou esotérica não é uma “religião”, também o budis-mo não é uma religião. A vontade do incondicionado conduz o asceta budista mais além do Ser e do deus do Ser, além dos céus e paraísos, considerados ataduras, do mesmo modo que as hierarquias das divin-dades tradicionais populares entram no finito, na contingência do samsâra que deverá transcender. Nos textos encontra-se esta forma recorrente: “Superou este mundo e o outro mundo, libertou-se das ata-duras humanas e das ataduras divi-nas, libertou-se das duas ataduras”. Por conseguinte, o fim último, a Grande Libertação, é aqui idêntica à tradição metafísica mais pura: o cume hiper-essencial anterior e superior ao ser e ao não-ser, a toda e qualquer figuração de um deus pessoal “criador”.

Ainda que o meu livro estabele-ça precisões e trace adequadamen-te o quadro doutrinário essencial do budismo (ao indicar, por exemplo, o sentido da teoria da “cadeia das origens independentes” que conduz à existência finita e a teoria do não-Eu que esclarece o equívoco da reencarnação, etc.), foi consagrado sobretudo à prática, à ascese búdi-ca, mediante uma exposição siste-mática baseada directamente nos textos. A referência a elementos de outros ensinamentos esotéricos permitiu-me frequentemente ver mais profundamente que os orien-talistas e os representantes moder-nos do budismo.

Disse na introdução que o meu desejo de expor “um sistema de ascese completo e objectivo de for-ma tão clara e consciente como conclusiva, experimentado, bem

“ O carácter «aristocrático» do budismo e a presença da força viril e guerreira (o rugi-do do leão não é mais que o anúncio da chegada do Buda) aplicada ao plano imate-

rial e intemporal, são os traços que pus em rele-vo na exposição desta doutrina, abertamente oposta às interpretações deformadas, quietistas e humanitárias que antes assinalei.”

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premissas essenciais reclamadas pela própria via tântrica. No fundo, o princípio “Çiva” dos Tantras, graças ao qual a “Çakti” encontra o seu senhor e se une a ele indissoluvel-mente, e o sentido “extra-samsárico” que o asceta budista deve alcançar e reforçar.

Aparte esta questão, a alusão a uma ascese “respeitante às condi-ções estabelecidas nos tempos actuais” remete à teoria geral da involução verificada ao longo da história, incluindo o plano existen-cial: a partir daí, o homem ficou longe do estádio que lhe permitia a realização espiritual efectiva, do plano em que podia contar com contactos subsistentes mas reais, com o transcendente e igualmente com suportes exteriores tradicio-nais. O próprio Buda se apresenta como um homem que abriu a via por meios próprios, unicamente com forças próprias, como um “asceta combatente”, mesmo que eventualmente fosse o ponto de partida de uma cadeia de mestres e de influências espirituais ligadas a eles. O lado importante do budismo das origens era a exigência prática, o primado da acção, a aversão con-tra toda a especulação vã, a divaga-ção mental quanto aos problemas, hipóteses, fantasias e mitos, e por-tanto o primado da experiência directa e realizadora. Por isso mes-mo o Buda seguiu no domínio dou-trinário uma linha análoga à da “teologia negativa”, recusando teori-zar e falar do grau supremo a reali-zar, indicando-o apenas por meio de

termos negativos relacionados com o que não é, ou, por outras palavras, com tudo o que deve ser superado.

Depois da exposição das técni-cas recolhidas no cânone pali, tratei brevemente no meu livro das for-mas sucessivas do budismo, procu-rando também realçar o núcleo essencial destacado do acessório, e a continuar nessas formas a sua linha central. Assim, no Mahâyâna, uma das duas grandes escolas búdi-cas que despertou grande interesse em certos meios ocidentais, separei o que é imputável ao ressurgimento do demónio da dialéctica e à espe-culação abstracta e mitologizante, ao desvio provocado pela reafirma-ção de exigências de tipo religioso (fenómeno inevitável quando o

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articulado, conforme ao espírito do homem ariano e englobando as condições estabelecidas nos tem-pos recentes”, me levaram a esco-lher as disciplinas búdicas como as que, mais que quaisquer outras, apresentam esse carácter. Com efeito, trata-se de técnicas cons-cientes, livres de mitologias morais ou religiosas (no budismo, a moral é apenas um meio: ignora o fetichis-mo dos valores morais, isto é, o carácter imperativo intrínseco de certas normas), de técnicas que apresentam um aspecto a que se poderá chamar científico dada a precisão das diferentes fases da sua realização e encadeamento orgânico. A meta precisa e eminen-te desta ascese é a destruição da sede, o descondicionamento, o des-pertar, a Grande Libertação. Entre-tanto, devo fazer notar que pelo menos uma parte das disciplinas expostas é susceptível de se aplicar à vida mundana mediante o fortale-cimento da alma íntima, de um cer-to distanciamento, do desempenho do que é invulnerável e indestrutí-vel. Esta ascese “aristocrática” pode ter então um valor imanente. Na conclusão do livro faço uma alusão ao sentido que numa época como a actual reveste para o homem dife-renciado, e como pode servir de antídoto ao clima psíquico de um mundo caracterizado por um activis-mo insensato identificado com for-ças “vitais”, irracionais e caóticas. Recordar-se-á que precisei este pon-to na parte final da segunda edição de O Yoga da Potência ao falar das

“ O próprio Buda se apresenta como um homem que abriu a via por meios próprios, unicamente com forças próprias, como um «asceta combatente», mesmo que eventual-

mente fosse o ponto de partida de uma cadeia de mestres e de influências espirituais ligadas a eles. O lado importante do budismo das origens era a exigência prática, o primado da acção, a aversão contra toda a especulação vã, a divaga-ção mental quanto aos problemas, hipóteses, fantasias e mitos, e portanto o primado da expe-riência directa e realizadora.”

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saber superior se encerra e se protege atrás do véu do esote-rismo: no início, o Buda históri-co opunha-se à ideia de dar a conhecer e difundir a verdade e a via que tinha descoberto), ao que é próprio de uma desloca-ção atrevida do ponto de refe-rência, a saber a tentativa de descrever a visão, não do que se dirige para a iluminação, mas do que a realizou plena-mente. A este propósito, encon-tra-se no primeiro plano a dou-trina mahayânica do “vazio” e esta, complementar e parado-xal da identidade do nirvâna e do samsâra, isto é, do incondi-cionado e do condicionado, da transcendência e da imanência, do supra-mundo e do mundo, do absoluto e do relativo. A ver-dade típica dos altos cumes.

Em último lugar, a minha obra oferece um resumo da rama do budismo esotérico chama-do Ch’an na China e Zen no Japão. O mais interessante destas corren-tes é a retoma firme da exigência que caracterizava a reacção do Buda contra o bramanismo degene-rado. Com efeito, foram-se sobre-pondo teorizações, formas exterio-res e rituais religiosos ou moralizan-tes na doutrina do despertar pro-priamente dita. O Zen fez saltar tudo isso, em muitos casos pondo a nu de maneira verdadeiramente iconoclasta o problema central, a ruptura do nível de consciência comum (a realização do satori), recorrendo frequentemente a técni-cas violentas e paradoxais. Outro ponto interessante que confirma o que indiquei sobre o uso livre da ascese budista é que, graças ao Zen, o budismo se tornou também a “doutrina dos samurais”, a casta guerreira japonesa: as suas discipli-nas foram criadas para criar estabi-lidade interna e um destacamento autêntico, não apenas na contem-plação transcendente, mas também na acção absoluta. De modo mais geral, o Zen desempenhou em dife-rentes domínios da vida prática japonesa um papel importante na formação das atitudes interiores, o

que serviu também para desmentir a imagem deformada e unilateral do budismo concebido pela maioria.

Estou entre os primeiros que na Itália falaram de maneira justa do budismo. Sucede, no entanto, que tal doutrina esteve na moda no segundo pós-guerra num contexto que atesta o incrível provincianismo de certa imprensa italiana: o inte-resse pelo Zen chegou inclusiva-mente às revistas ilustradas a pre-texto de ter sido “descoberto” por certos grupos das gerações ameri-canas mais recentes, os hipsters e os beatniks, que viam nas doutrinas irracionalistas e iconoclastas do Zen, associadas à ideia de uma ilu-minação repentina e gratuita, algo que ia ao encontro das suas neces-sidades e lhes podia evitar um irre-parável desmoronamento interior.

A Doutrina do Despertar apare-ceu também em tradução inglesa (em 1951, Ed. Luzac & Co.: o que traduziu a obra, um tal Mutton, des-cobriu no livro um impulso para dei-xar a Europa e retirar-se no Oriente na esperança de descobrir um cen-tro onde se cultivassem ainda as disciplinas que pus em relevo; infe-lizmente, não tive mais notícias dele) e em tradução francesa

(1956, Ed. Adyar). A edição inglesa recebeu a aprovação oficial da Pâli Society, conheci-do instituto académico de estu-dos sobre o budismo das ori-gens, que reconheceu o valor da minha obra. Em virtude do livro em questão, alguns viam em mim um budista ou um especia-lista do budismo, o que não é exacto, já que depois de o escrever não voltei a debruçar-me sobre esta matéria. De fac-to, um dos objectivos que me propus atingir ao indicar no meu livro sobre os Tantras o que em numerosos aspectos é a via da afirmação, do empe-nho, da utilização e da transfor-mação das forças imanentes libertadas com o despertar da Çakti como potência-raiz da energia vital e especialmente do sexo (a Kundalini), foi descre-ver nesta obra sobre o budismo

a via oposta, a via “seca” e intelec-tual do desapego puro. Em relação ao fim último, trata-se de duas vias equivalentes na condição de serem levadas realmente a cabo. Segundo as circunstâncias, a natureza e as disposições existenciais de cada um, pode recomendar-se uma ou outra.

No meu livro sobre o hermetis-mo evoquei outra tradição, esta ocidental, das técnicas de realiza-ção espiritual; noutra, sobre o Graal, pus em relevo o conteúdo iniciático oculto no simbolismo de certa lite-ratura egípcia e cavaleiresca da Idade Média europeia; no estudo introdutório sobre o taoismo e nos comentários da segunda apresenta-ção do Tao-te-king de Lao-Tsé indi-quei os pontos essenciais do esote-rismo desta tradição. Acrescentan-do a estes as contribuições contidas em Introdução à Magia e o que expus sobre a “via do sexo” num dos meus últimos livros, Metafísica

do Sexo, apresentei aos que se inte-ressam por estes domínios uma vasta documentação, recolhendo e classificando matérias de acesso muitas vezes difícil e interpretando-as adequadamente, isto é, do ponto de vista tradicional.

Graças ao Zen, o budismo tornou-se também a “doutrina dos samurais”

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forma de promover uma justa orientação entre as novas gerações, podem ser atribuídas a uma mui-to antiga tradição, a algo a que se pode chamar “tradicional” no sentido mais amplo do termo. Embora os antigos não praticassem o alpinismo, apesar de algumas excepções rudimentares, eles tinham não obstante uma percepção muito vívida da sacralidade e do simbolis-mo da montanha. Eles consideravam também – e isto é muito revelador – a escalada da montanha e a residên-cia na mesma como algo típico dos heróis e dos iniciados, ou seja, de seres que, em suma, consideravam ter superado os limites da vida comum e medíocre das planícies.

Nas páginas que se seguem ofe-recerei alguns comentários sobre o conceito tradicional da divindade da montanha, olhando para lá dos seus símbolos até ao seu significado inte-rior. Isto permitir-me-á evocar e defi-nir alguns aspectos do lado espiritual do alpinismo, cuja descrição técnica representa apenas o aspecto exter-no, ou seja, o caput mortuum.

* * *

O conceito da divindade das mon-

tanhas encontra-se tanto em tradi-ções do Ocidente quanto do Oriente, desde as tradições chinesas até aos astecas da América pré-colombiana; desde os egípcios até aos arianos nórdico-germânicos; dos helénicos aos iranianos e hindus. Esta noção encontra-se sob a forma de mitos e lendas sobre a montanha “dos deu-ses” ou sobre a montanha “dos heróis” – que é o lugar de residência

dos que foram “para lá arrebatados” – ou sobre lugares onde se encon-tram forças misteriosas de glória e de imortalidade.

O fundamento geral para o sim-bolismo da montanha é simples: já que a terra se associa a tudo o que é humano (a etimologia da palavra “humano” vem de “humus”, solo), os cumes da terra, que se erguem até ao céu e que são transfigurados por neves perenes, expressam esponta-neamente a matéria mais adequada para representar, mediante alego-rias, estados transcendentais de consciência, as realizações espiri-tuais interiores ou as aparições de modos supra-normais do ser, retrata-dos figurativamente como “deuses” e seres sobrenaturais. Deste modo, temos as montanhas não só como “moradas” simbólicas dos deuses, mas encontramos também tradi-ções, como as dos antigos arianos do Irão e da Média que, segundo Xeno-fonte, nunca erigiam templos dedica-dos às suas divindades, usando os cumes das montanhas para celebrar o culto e o sacrifício ao Fogo e ao Deus da Luz, encontrando nos cumes um lugar mais digno, grandioso e analogamente mais próximo do divi-no do que qualquer construção ou templo feito pelas mãos humanas.

Para os hindus a cadeia monta-nhosa divina é, como todos sabem,

Julius Evola ————————––––————————————————————————––––————————––––————————————————––––

Num editorial publicado pela Rivista del Club Alpino Italiano, S. Manaresi sublinhou com eficazes palavras algo que nunca é demais enfatizar, nomeadamente, a necessi-dade de superar a limitadora antíte-se entre o tipo instruído e fisicamen-te débil – que foi privado das forças mais profundas do corpo e da vida pelo seu auto-imposto confinamento a uma cultura feita de palavras e livros – e o indivíduo meramente desportivo, saudável, atlético e fisica-mente forte – porém privado de qual-quer ponto de referência superior. Para além da unilateralidade destes dois tipos é hoje necessário chegar a algo mais completo: a um tipo no qual o espírito se transforme em for-ça e vida, e a disciplina física, por sua vez, se transforme na introdução, símbolo e quase diríamos “rito”, para a disciplina espiritual.

S. Manaresi em muitas outras ocasiões tem tido a oportunidade de dizer que, entre os diversos despor-tos, o alpinismo é seguramente aquele que oferece as melhores pos-sibilidades de alcançar esta união entre o corpo e o espírito. Na realida-de, a grandeza, o silêncio e a majes-tade das grandes montanhas incli-nam naturalmente o espírito para aquilo que é mais do que humano, atraindo assim os melhores ao ponto do aspecto físico da escalada (com a coragem, o auto-domínio e a lucidez mental que requer) e a realização espiritual interior, se tornarem partes complementares e inseparáveis de uma mesma coisa.

É interessante ressaltar que estas ideias, que hoje começam a ser enfa-tizadas por indivíduos ilustres como

Doutrina

Notas sobre a

“divindade” da

Montanha

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os Himalaias, palavra que em sâns-crito significa: “a morada das neves.” Mais especificamente, o Monte Meru é a montanha sagrada que se crê estar localizada nos Himalaias. É importante notar duas coisas. Pri-meiro, o Monte Meru é concebido como o lugar em que Shiva, o “grande asceta”, levou a cabo as suas meditações. Em segundo lugar, foi a partir daqui que Shiva fulminou Kama, o deus hindu do amor, quan-do este tentou expor o seu coração à paixão. Na tradição hindu, a ideia de ascetismo absoluto e de austera purificação da natureza é associada ao cume mais alto da montanha. Esta ideia é inacessível a qualquer coisa proveniente da luxúria e do desejo e é portanto estável num sen-tido transcendente. Assim, nas anti-gas fórmulas védicas para a consa-gração dos reis, vemos figurar preci-samente a imagem da “montanha” simbolizando a estabilidade do poder e do imperium que o rei assumirá. Por outro lado, no Mahabharata vemos Arjuna ascender aos Hima-laias para praticar o ascetismo por-que está escrito que “apenas nas altas montanhas poderia ele alcan-çar a visão divina”; do mesmo modo, o imperador Yudhisthira viaja até aos Himalaias para alcançar a sua apo-teose ao subir à “carruagem” do “rei dos deuses.”

É igualmente notável que a pala-vra em sânscrito paradesha signifi-que “sítio elevado” ou “região alta”, e, portanto, num sentido meramente material, cume de montanha. Mas paradesha pode estar etimologica-mente associado com a pala-vra cal-deia

pardes, da qual deriva o termo paraí-so, que foi transformado num concei-to teológico dogmático pela fé judai-co-cristã. Na noção original ariana de “paraíso”, encontramos uma associa-ção íntima com o conceito das altu-ras, dos cumes; esta associação, como veremos mais à frente, encon-tra-se formulada claramente na con-cepção Dórico-Aquéia do Olimpo.

Neste ponto, deve-se dizer algo sobre as lendas helénicas relativas às personagens míticas que foram “arrebatados para a montanha”. É sabido que os helenos, tal como a maioria das tribos arianas, possuíam uma visão marcadamente aristocrá-tica do post-mortem. O destino da maior parte das pessoas, daqueles que nunca se haviam elevado acima da vida comum, era o Hades, uma existência residual e larval pós mor-te, desprovida de verdadeira cons-ciência, passada no sub-mundo das sombras. A imortalidade, ao lado dos deuses olímpicos, era o privilégio dos heróis, ou, por outras palavras, era uma conquista excepcional de uns poucos seres superiores. Nas mais antigas tradições helénicas encontra-mos que a imortalidade dos heróis se deduz especificamente no símbo-lo da sua ascensão às montanhas e do seu “desaparecimento” nas mon-tanhas. Assim, encontramos nova-mente o mistério das “alturas”, já que neste “desaparecimento” deve-mos ver o símbolo material de uma transfiguração espiritual. As expres-sões “desaparecer”, “tornar-se invisí-vel”, ou “ser arrebatado até às altu-ras”, não devem ser tomadas num

sentido literal, mas significam essen-cialmente ser introduzido virtualmen-te no mundo além dos sentidos, no qual não há morte e removido do mundo visível dos corpos físicos, que é o da comum experiência humana.

Esta tradição não se encontra apenas na Grécia. No budismo faz-se referência a uma montanha na qual aqueles que alcançam o despertar espiritual, descritos pelo Majjhima Nikkaya como “mais que homens, seres invictos e incorruptíveis, livres e inatingíveis pelos apetites, redimi-dos”, desaparecem. As tradições tao-istas chinesas falam do Monte Kuen-Lun, no qual lendários seres régios encontraram a poção da imortalida-de. Existe algo parecido em algumas tradições islâmicas orientais relativa-mente a pessoas que através da ini-ciação foram “arrebatadas” para os cumes, sendo deste modo poupadas à experiência da morte. Os egípcios antigos falavam sobre uma monta-nha (Seth Amentet) atravessada por um caminho, através do qual os seres destinados à imortalidade “solar” eventualmente penetravam numa “terra triunfante”, na qual, segundo uma inscrição hieroglífica, “os líderes que se assentam no trono do Grande Deus proclamam a sua vida eterna e poder.”

Atravessando o Oceano Atlântico, no México pré-colombiano encontra-mos uma impressionante correspon-dência com estes símbolos: a grande montanha Culhuacán (que significa

“montanha curvada”, porque o seu cume inclina-se ligeira-

mente para

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baixo), era considerada um ponto divino que mantinha uma ligação com as regiões inferiores. De acordo com as tradições ancestrais america-nas, alguns imperadores astecas desapareceram sem deixar rasto numa montanha análoga. Pois bem, como é sabido, este mesmo tema encontra-se nas lendas da Idade Média Ocidental Romano-Germânica: montanhas como o Kyffhauser e o Odenberg são lugares para os quais se acredita terem sido levados reis tais como Carlos Magno, Artur, Fre-derico I e Frederico II, os quais alega-damente nunca morreram e espe-ram pelo momento em que aparece-rão novamente. No ciclo das lendas do Graal, encontramos o Monte Montsalvat, que segundo Guénon significa, “montanha da saúde” ou “montanha da salvação”; o grito de guerra dos cavaleiros medievais era “Montjoie” e numa lenda à qual não corresponde naturalmente nenhuma realidade histórica, mas que nem por isso deixa de ter um rico significado espiritual, atravessar uma montanha era o passo que precedia a coroação “imperial”, sagrada e romana, de Artur. Não poderei descrever em detalhe o significado interior destes símbolos e mitos, especialmente dos que concernem aos reis desapareci-dos que um dia retornarão, tema que por outro lado, tratamos exaustiva-mente noutro lugar. Direi unicamen-te que nestes mitos de diversas ori-gens encontramos o tema comum da montanha concebida como uma sede de imortalidade onde os indiví-duos espirituais alcançam a realiza-ção e os heróis desaparecem, como na antiga tradição helénica.

* * *

Diremos algo mais sobre dois

pontos: sobre a montanha como sede do haoma e da glória e sobre a montanha como Valhalla.

O termo iraniano haoma corres-ponde ao sânscrito soma, a chama-da bebida da imortalidade. Nestas duas antigas ideias arianas temos a associação de diferentes conceitos, parcialmente reais e parcialmente simbólicos, parcialmente materiais e parcialmente traduzíveis em termos que descrevem a experiência espiri-tual. As tradições hindus, por exem-plo, descrevem o soma quer como um deus quer como o sumo de uma

planta que é capaz de induzir senti-mentos de exaltação, sentimentos esses que eram tidos em grande conta e eram induzidos durante os rituais de transformação interior para proporcionar uma espécie de gosto da imortalidade.

Tal como Buda comparou a uma alta montanha o estado “no qual não há o aqui ou ali, nem vir e ir, apenas calma e iluminação como no oceano infinito” (o nirvana), nós lemos no Yashna que o misterioso haoma cres-ce nas altas montanhas. E, uma vez mais, encontramos a associação da ideia de altura com a ideia de um entusiasmo capaz de transformar, inspirar e guiar indivíduos àquilo que não é meramente humano, mortal e efémero. O mesmíssimo tema encontra-se também na Grécia, no primeiro período dionisíaco. Segundo testemunhos muito antigos, aqueles que, durante os festivais religiosos, fossem possuídos pelo “divino furor de Dionísio”, eram arrastados até aos cumes selvagens das montanhas trácias por um estranho e arrebata-dor poder que surgia nas suas almas.

E no entanto há algo mais que pode rectificar o que quer que seja ainda caótico e não completamente puro ao nível “dionisíaco”; é o antigo conceito iraniano, exposto no Yasht, acerca da montanha, nomeadamen-te, o poderoso Monte Ushi-darena, que é também a sede da glória.

Na tradição iraniana, a “glória” (hvareno ou farr) não era um concei-to abstracto. Era concebida como uma força real e quase física, embo-ra invisível e de origem não humana. A glória era de forma geral um privi-légio da luminosa raça ariana, mas especialmente pertencente a reis,

sacerdotes e conquistadores perten-centes a esta raça. Um símbolo tes-temunhava a presença da glória: a vitória. A glória era atribuída a ori-gens solares, já que o sol era visto como o símbolo de um ente lumino-so que todas as manhãs triunfava sobre a escuridão. Transpondo estes conceitos sub specie interioritatis, a glória expressava as façanhas de raças vitoriosas, nas quais a superio-ridade é poder (vitória) e o poder é superioridade, como nos seres celes-tiais solares e imortais. No Yasht está escrito que não só a planta do haoma (dos estados dionisíacos) cresce nas montanhas, mas também que a montanha mais poderosa, Ushi-darena, é o trono da glória aria-na.

Chegamos ao último ponto: a montanha como Valhalla. A palavra Valhalla foi popularizada através da obra de Richard Wagner, que em muitos aspectos adopta uma inter-pretação literal dos antigos conceitos nórdico-escandinavos dos Edda, de onde obteve a sua inspiração. Tais conceitos estão, no entanto, abertos a interpretações mais profundas. Valhalla significa literalmente “a cor-te dos heróis caídos”, da qual Odin era o rei. Trata-se do conceito de um lugar privilegiado de imortalidade (nestas tradições, tal como nas tradi-ções helénicas, a maior parte das pessoas está destinada a ter depois da morte uma existência obscura e larval no Niflheim, o equivalente nór-dico do Hades), reservado aos nobres e aos heróis caídos no campo de batalha. Quase como no ditado, segundo o qual “o sangue dos heróis é mais precioso para Deus que a tinta dos filósofos ou as orações dos

“ A imortalidade, ao lado dos deuses olímpi-cos, era o privilégio dos heróis, ou, por outras palavras, era uma conquista excep-cional de uns poucos seres superiores. Nas

mais antigas tradições helénicas encontramos que a imortalidade dos heróis se deduz especifi-camente no símbolo da sua ascensão às monta-nhas e do seu «desaparecimento» nas montanhas. Assim, encontramos novamente o mistério das «alturas», já que neste «desaparecimento» deve-mos ver o símbolo material de uma transfigura-ção espiritual.”

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fiéis”, nestas tradições ancestrais, morrer num campo de batalha era o sacrifício mais apreciado pela divin-dade máxima (Odin, Wotan ou Tiuz) e o mais proveitoso de todos os feitos supra-humanos. Odin fazia dos guer-reiros caídos seus filhos e tornava-os imortais, juntamente com os reis divinizados, no Valhalla, lugar fre-quentemente associado com Asgard, a cidade dos Asen, os seres divinos da luz envolvidos numa batalha per-manente contra as criaturas tenebro-sas da terra (elementarwesen).

Os conceitos de Valhalla e de Asgard apresentavam originariamen-te uma relação imediata com a mon-tanha, tanto que Valhalla se tornou o nome de montanhas suecas e escan-dinavas. Além disso, quando se pen-sava que se localizava em antigas montanhas, tais como o Helgafell, Krossholar e Hlidskjalf, o Valhalla foi concebido como a sede dos heróis e dos príncipes divinizados. O Asgard aparece amiúde nos Edda como Glit-mirbjorg, “a montanha resplandecen-te” ou como Himinbjorg, no qual as ideias de montanha e céu luminoso, ou de uma qualidade luminosa e celeste confundem-se. Assim encon-tramos o tema central do Asgard como uma montanha altíssima, sobre cujo cume gelado brilha uma luz eterna, acima das nuvens e da neblina.

A montanha como Valhalla é tam-bém o lugar de onde a chamada Wil-des Heer parte tempestuosamente e o lugar para onde retorna. Trata-se aqui de um antigo conceito popular nórdico que foi formulado num nível

mais elevado quando foi associado ao exérci-to comandado por Odin, um exército com-posto por heróis caí-dos. Segundo esta tra-dição, o sacrifício heróico da própria vida (que na tradição roma-na se chamava mors triumphalis e através do qual o inicia-do vitorioso se juntava às fileiras dos heróis e dos soldados vitoriosos) ser-ve também para acrescentar um novo recruta àquele exército espiri-tual irresistível, a Wildes Heer, de que Odin, deus das batalhas, precisa para alcançar um derradeiro e trans-cendente objectivo: lutar contra o ragna rökkr, ou seja, contra o obscu-recimento do divino que espreita o mundo desde um passado distante.

Através destas tradições, assumi-das no seu significado íntimo em vez de na sua forma mitológica exterior, chegamos ao conceito mais elevado deste ciclo de mitos sobre a divinda-de da montanha, que é quase um eco destas realidades distantes. Lugar do despertar, do heroísmo, e por vezes de uma morte heróica transfiguradora; lugar de um entu-siasmo conducente a estados trans-cendentes; lugar de puro ascetismo e de uma força solar triunfante que se opõe a todos os poderes que parali-sam, obscurecem e degradam a vida – esta parece ser a percepção simbó-lica dos antigos acerca da montanha. Esta percepção emerge num ciclo de lendas e mitos que estão dotados de muitas características similares, sen-

do que os exemplos mencionados acima são apenas uns poucos de entre uma extensa lista.

Naturalmente, não sugiro adoptar evocações anacrónicas dos mitos, e no entanto esta não é meramente uma lista de curiosos exemplos his-tóricos. Por trás do mito e do símbolo que são condicionados pelo tempo existe um espírito que pode sempre reviver e tomar uma expressão eficaz em novas formas e acções: isto é o que realmente importa.

O melhor que podemos desejar às novas gerações é que o alpinismo não se torne na profanação da mon-tanha. Além disso, espero sincera-mente que todas aquelas sensações profundas na raiz da deificação mito-lógica das montanhas pelos antigos possam ser progressivamente des-pertadas e voltem a exercer uma influência resplandecente sobre aqueles que, hoje, levados de forma confusa pelo instinto a superar as limitações inerentes ao quotidiano da vida comercial e mecânica das planícies, trepam rochas, cristas, e paredes rodeados pelo céu e pelo abismo, avançando em direcção aos cumes gelados e luminosos.

“ Valhalla significa literalmente «a corte dos heróis caídos», da qual Odin era o rei. Trata-se do conceito de um lugar privilegiado de imor-

talidade reservado aos nobres e aos heróis caídos no campo de batalha. Nes-tas tradições ancestrais, morrer num campo de batalha era o sacrifício mais apreciado pela divindade máxima (Odin, Wotan ou Tiuz) e o mais proveitoso de todos os feitos supra-humanos. Odin fazia dos guerreiros caídos seus filhos e tornava-os imortais, juntamente com os reis divinizados, no Valhalla.”

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A suástica é um dos símbolos mais difundidos e mais antigos. Encontra-se do Extremo oriente à Améri-ca central, passando pela Mongólia, Índia e Norte de Europa. Foi familiar aos Celtas, aos Etruscos, à Grécia antiga, e o ornamento chamado grega deriva dela. Alguns pretenderam fazê-la remontar aos Atlantes, o que é uma forma de indicar a sua remota antiguidade.

Seja qual for a sua complexidade simbólica, a suás-tica, pelo seu próprio grafismo, indica claramente um movimento de rotação em torno de um centro imóvel, que pode ser o eu, ou o pólo. É, pois, um símbolo de acção, de manifestação, de ciclo e de regeneração perpétua. Foi neste sentido que acompanhou muitas vezes a imagem dos sábios da humanidade: Cristo, das catacumbas ao Ocidente medieval e ao nestoria-nismo das estepes: Os Cristos romanos são muitas vezes concebidos em torno de uma espiral ou de uma suástica: estas figuras dão ritmo à atitude, organizam os gestos, as pregas das vestes. Por aí se reintroduz o velho símbolo do turbilhão criacional em torno do qual se dispõem as hierarquias criadas que dele emanam; Buda, pois ele representa a Roda da Lei (Dharmachakra) girando em torno do seu centro imu-tável, centro que frequentemente representa Agni.

A simbologia dos números ajuda a compreender melhor o sentido de força totalizante deste emblema: a suástica é feita de uma cruz cujos braços, como nas orientações vectoriais que definem um sentido girató-rio e depois o reenviam para o centro, são quadruplica-dos. O seu valor numérico é, portanto, quatro vezes quatro, isto é, dezasseis. É o desenvolvimento em potência da Realidade, ou do universo. Desenvolvi-mento do universo criado que se associa a estas gran-des figuras criadoras ou redentoras invocadas mais acima; desenvolvimento duma realidade humana que exprime o extremo desenvolvimento dum poder secu-lar, o que explica as suas atribuições históricas, de Car-los Magno a Hitler. Aqui intervém igualmente o sentido do seu movimento giratório, quer se trate do sentido

directo astronómico, cósmico e, portanto, ligado ao transcendente: é a suástica de Carlos Magno; ou do sentido inverso, chamado dos ponteiros do relógio, pretendendo colocar a infinitude e o sagrado no tem-poral e no profano: é a suástica hitleriana. Guénon interpreta estes sentidos opostos como a rotação do mundo visto de um e de outro pólo; os pólos em ques-tão são o homem e o pólo celeste e não os pólos do globo terrestre.

Esta simbologia, em todos os casos totalizante, encontra-se também na China, onde a suástica é o sinal do número dez mil, que é a totalidade dos seres e da manifestação. É também a forma primitiva do carácter fang, que indica as quatro direcções do espa-ço. Poder-se-ia relacionar também com a disposição dos números do Lo-chu, o qual, em qualquer dos casos, evoca o movimento de giro cíclico.

Tomada na sua acepção espiritual, a suástica por vezes substitui pura e simplesmente a roda na icono-grafia hindu, por exemplo, como emblema de Ganech, divindade do conhecimento, e às vezes manifestação do princípio supremo. Os mações colocam-se na estri-ta observância da simbologia cosmográfica, conside-rando que o centro da suástica é a estrela polar, e que os quatro gamas que a formam são as quatro posi-ções cardeais da Ursa Maior em torno daquela, o que pode ajudar a interpretar a reflexão de Guénon referi-da mais acima. Existem ainda outras formas secundá-rias da suástica, como a forma de braços curvos, utili-zada no País Basco, e que evoca com uma especial clareza a figura da espiral. É o caso também da suásti-ca clavígera, em que cada braço é constituído por uma chave: é uma expressão muito completa dos simbolis-mos das chaves, correspondendo o eixo vertical à fun-ção sacerdotal e aos solstícios, o eixo horizontal à fun-ção real e aos equinócios.

Fonte: A. Gheerbrant e J. Chevalier,

Dicionário dos Símbolos

Símbolos da Tradição

O simbolismo da Suástica

Da esquerda para a direita: suástica japonesa, suástica romana, suástica jainista, suástica ameríndia, suástica grega

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